O SUJEITO REVOLUCIONÁRIO
HOJE
Em
capítulo anterior, apresentamos estes dados:
TABELA
1
Fonte:
Por
meio dos dois países centrais acima, percebemos que a classe camponesa e o
operariado do campo foram substituídos pelos trabalhadores de serviços – uma
numerosíssima massa humana. Como meras mudanças de quantidade promovem mudanças
de qualidade, levemos em conta que a maior parte dessa nova camada é cada vez
mais precarizada, concentrada num mesmo espaço, a cidade, e forte em número. Ao
mesmo tempo, a classe operária passou por mudanças, entre as quais:
1)
Como
mostram os exemplos da tabela 1, a classe operária foi reduzida percentualmente
e em número numa quantidade destacada de países, em principal nas nações
centrais para a revolução mundial (países imperialistas, Brasil, etc.);
2)
Muitas
das fábricas foram transferidas para cidades menores ou para outros países na
intenção de reduzir a luta de classes;
3)
A produção de certas mercadorias – um carro,
etc. – pode ser em parte subdivida em fábricas menores e auxiliares, o que
fragmenta relativamente os produtores.
4)
Há
a aristocracia operária cuja qualidade de vida a torna de mentalidade pequeno
burguesa, logo a distancia de fervores revolucionários;
5)
A
III revolução industrial funda fábricas desprovidas de operários.
Essas
observações significam a necessidade de atualizar as teses da revolução
permanente. Chegamos, portanto, às conclusões a seguir:
A)
Considerados os fatores elencados, a classe operária está mais dispersa,
desconcentrada e, em alguns casos, reduzida. Isso significa que, para ser
protagonista em uma revolução, os produtores de mercadorias precisam necessariamente de um elemento
compensador, que são estes: um partido operário bolchevique e organismos de poder
operário;
B)
Uma
revolução de base operária, com apoio popular, será necessariamente socialista,
pois precisa de seus próprios organismos revolucionários;
C)
Por
causa do elemento exposto no ponto A, as revoluções têm sido, em geral, desde a
década de 1980, de caráter popular-urbano com apoio popular do campo (Bolívia,
2003; Peru, 2000; Argentina, 2001[1];
Tunísia, 2010; Egito, 2011; etc.), ou seja, sem centralidade do operariado;
D)
As
chamadas “revoluções democráticas” (Moreno), que derrubam um regime ditatorial
mas não o capitalismo, observadas nas últimas décadas, são frutos, também, da
concentração urbana;
E)
As
classes oprimidas não-operárias tendem a ver sua força no número, no voto, já
que são “concentrados, porém descentralizados”;
F)
A
superurbanidade é a casa da democracia operária e do fascismo. A democracia
burguesa é, portanto, uma falsa mediação para controlar o concentrado movimento
de massas;
G)
As
classes oprimidas urbanas não produtoras tendem a explodir antes mesmo de o
operariado amadurecer – isso ocorre pela alta concentração na cidade,
descentralização no trabalho e precariedade. Por isso, a tendência mais
provável, em países sob ditaduras, é o avanço permanente de uma revolução
democrática-popular para uma socialista-operária;
H)
A China
é, talvez, a única a poder seguir o seguinte modelo: a classe operária avançar,
com apoio dos camponeses, de uma revolução democrática até a uma socialista.
Isto tende a acontecer pela alta concentração proletária e humana;
I)
Após
uma primeira revolução operária-socialista vitoriosa, a revolução permanente
dará um novo giro: como no pós-II Guerra, as classes não operárias oprimidas e,
desta vez, urbanas poderão ser a base social de novas revoluções socialistas
sem protagonismo operário[2].
A existência de um Estado operário revolucionário impulsionará as revoltas
sociais para uma perspectiva;
J)
Diferente
das revoluções de base camponesa, as possíveis revoluções socialistas
urbanas-populares terão vantagens significativas: 1. Concentração humana
facilitando a democracia socialista; 2. Indústrias automatizadas que poderão
ser estatizadas pelo organismo revolucionário de poder para garantir a
satisfação das necessidades sociais e iniciar o avanço técnico geral; 3. Atual
interligação e interdependência dos países e do mundo facilitando a
internacionalização da revolução e da economia planejada; 4. Maior nível
cultural médio da sociedade e maior possibilidade instrução;
K)
Portanto,
porque precisa de um impulso social, uma revolução socialista popular-urbana
antes de uma revolução operária com apoio popular é uma hipótese improvável –
embora não impossível;
L)
De
imediato, as revoluções de outubro, socialistas conscientes, tendem a ser de base
operária com apoio popular-urbano e com um partido democrático-centralista. As
de fevereiro, as democráticas, as socialistas inconscientes são e serão de base
popular urbana;
M)
O
campesinato perde força, pois há o assalariamento do camponês; a
industrialização do campo tende a colocar a fome como o último dos problemas
imediatos da transição ao socialismo; porém, essa classe ainda tem sua
importância – maior ou menor a depender do país;
N)
As
revoluções nos países atrasados mais avançados, mais contraditórios e mais
latentes, por serem os iniciais (China, Brasil, Turquia, México, Índia, África
do Sul, etc.), e os nas nações avançadas, por serem a consolidação da
tendência, necessitarão de partidos revolucionários. Apenas após tais
circunstâncias das vitórias – de modo análogo, mas inverso ao pós-guerra –
partidos da revolução serão relativamente dispensáveis, pois o processo geral
facilitará, ainda com enormes dificuldades, processos em nações atrasadas, que
usarão do exemplo externo, comporão organismos de poder integrados aos de igual
natureza nos Estados operários com os quais cooperarão e surgirão.
Comparemos,
a partir do empírico imediato, com o exemplo do Brasil. O operariado fabril na
Rússia de 1917, que liderou a revolução de outubro, única revolução socialista
de força operária vitoriosa do século XX, era menor relativo ao proletariado brasileiro.
Porém a constatação é limitada. Na Rússia, era urbano; no Brasil, tende-se a ir
às pequenas cidades e ao campo. Num, concentrado em enormes fábricas; noutro, a
produção de um produto fragmenta-se em fábricas auxiliares e menores. Naquele,
apenas os ferroviários poderiam com certeza ser chamados aristocracia operária;
neste, petroleiros, metalúrgico, mineradores e setores outros pertencem a tal
“subcategoria”. Lá, a burocracia sindical era irrisória, diferente de aqui. A
Rússia era um país interiorano povoado por camponeses dispersos em enorme
território nacional enquanto aqui grande massa de assalariados não operários e
demais setores precários concentram-se na urbanidade. A economia russa passava
por forte processo de industrialização; nós passamos por processo forte de
desindustrialização e parte da indústria aqui vigente adota a produção
automatizada. O “pós-fordismo” gera alta rotatividade dos trabalhadores, que
deixam de criar laços pessoais, sociais e políticos nos locais de trabalho. Se
no Brasil a revolução socialista terá liderança operária ou popular, depende de
circunstâncias nacionais e internacionais: se há outras revoluções vitoriosas
estimulando, se os comunistas estão ligados ao operariado não aristocrático,
etc. O peso social das favelas, formadas pelos pauperizados, aqueles fora da
relação fabril, onde há grande peso de empregadas domésticas, pequenos
comerciantes, ambulantes, autônomos, desempregados e demais áreas de serviços
cujo trabalho é precário serve-nos de exemplo latente do barril de pólvora
popular, isto é, sobre quando o morro descer para o asfalto e não for carnaval.
Resolvemos,
assim, a polêmica marxista se a revolução pede poder operário ou poder popular,
revolução via operariado ou multidões populares. A oposição surge porque de
fato surgem tendências novas na realidade. O operariado ainda pode cumprir
função de liderança por estar diretamente ligada à produção material. Por outro
lado, surge uma massa concentrada de precários. Se os camponeses, com todas as
dificuldades, como a dispersão territorial, foram base de revolucionamentos no
século XX, tanto mais força latente têm os oprimidos urbanos. Fica apenas esta
tendência: a revolução de liderança operária, primeiro, dá condições maiores para
revoluções sem sua liderança.
A QUESTÃO DO
PARTIDO
A teoria da
revolução permanente afirma que apenas com a ajuda de um partido revolucionário
a classe operária pode tomar o poder. A hipótese de avanço ao socialismo via
partidos não revolucionários era considerada por Trotsky, mas como variante
improvável. As revoluções sociais do século XX, no entanto, atualizam a
conclusão porque foram lideradas por partidos centristas burocráticos (adotavam
o centralismo burocrático). As contradições empurraram as direções pequeno
burguesas a irem mais longe do que pretendiam.
Também foi o
caso da Comuna de Paris:
Os membros da Comuna dividiam-se numa maioria, os
blanquistas, que também tinham predominado no Comité Central da Guarda
Nacional, e numa minoria: os membros da Associação Internacional dos
Trabalhadores, predominantemente seguidores da escola socialista de Proudhon.
Os blanquistas, na grande massa, eram então socialistas só por instinto
revolucionário, proletário; só uns poucos tinham chegado a uma maior clareza de
princípios, através de Vaillant, que conhecia o socialismo científico alemão.
Assim se compreende que, no aspecto económico, não tenha sido feito muito
daquilo que, segundo a nossa concepção de hoje, a Comuna tinha de ter feito. O
mais difícil de compreender é, certamente, o sagrado respeito com que se ficou
reverenciosamente parado às portas do Banco de França. Foi também um grave erro
político. O Banco nas mãos da Comuna — isso valia mais do que dez mil reféns.
Significava a pressão de toda a burguesia francesa sobre o governo de
Versalhes, no interesse da paz com a Comuna. Mas foi mais prodigioso ainda o
muito de correcto que, apesar de tudo, foi feito pela Comuna, composta que era
por blanquistas e proudhonianos. Naturalmente, os proudhonianos são
responsáveis em primeira linha pelos decretos económicos da Comuna, pelos seus
lados gloriosos como pelos não gloriosos, assim como os blanquistas pelos seus
actos e omissões de carácter político. E
quis em ambos os casos a ironia da história — como de costume, quando
doutrinários chegam ao leme — que uns e outros fizessem o contrário do que lhes
prescrevia a sua doutrina de escola. (Engels, A Guerra Civil em França, 2008, grifo nosso)
Os
proudhonianos eram contra a associação no campo da economia e os blanquistas
eram contra o poder controlado pelas massas com armamento popular. Mas fizeram
o contrário de suas teorias e perfis. Em meio à revolução, tiveram na prática
de superar seus programas.
Se está
correta nossa caracterização de que as próximas três ou quatro décadas serão as
mais decisivas da humanidade, a pressão objetiva de uma realidade em crise pode
forçar a que organizações centristas de esquerda sejam lideranças na
substituição de sistema social. E isso será tanto mais fácil e provável quanto
mais houver países iniciando a transição ao socialismo.
Tal
possibilidade deve ser considerada contanto evitada como guia para o futuro. A
história pode fazer uso de partidos impróprios para impor suas necessidades,
porém nada autoriza correr tal risco – uma vez que há ameaça de fim da
civilização – e deixar de construir partidos revolucionários nos diferentes países
e um partido mundial da revolução.
A QUESTÃO DA
LIDERANÇA
Trotsky
afirmou que a revolução russa só foi vitoriosa graças à liderança insistente e
qualificada de Lenin. Isso sugere um peso enorme dos fatores subjetivos quando
os fatores objetivos da revolução estão maduros. Isaac Deutscher polemiza
contra o primeiro ao afirmar que, ao contrário, aconteceram revoluções
vitoriosas lideradas por figuras menores e limitadas.
Apresentemos
uma proposta de resolução da polêmica.
A
imposição histórica de um grau de objetivismo apenas pode acorrer após a
imposição de uma tendência, ou seja, após ação subjetiva – classes, partidos,
líderes etc. – sobre a realidade. Exemplo: não fosse o acerto político do
partido bolchevique, corrigido por Lenin, de fazer a revolução russa, onde
pesaram a decisão e o perfil do indivíduo na história, a revolução cubana não
seria uma imposição histórica, muito apesar de seus dirigentes de inspiração
democrático-liberal – não haveria um necessário ponto de apoio continental à
ilha. Outro: no século XIX, na Alemanha, a “via prussiana”, ir do feudalismo ao
capitalismo por reformas e pelo alto, apenas pôde se impor longe da revolução
burguesa, por meio do bismarkismo, porque o capitalismo se consolidou na Europa
e no mundo, depois de duras revoluções e conflitos. Mesmo havendo possibilidade
de “objetivismo” numa etapa histórica, este continuará como certo grau
relativo, isto é, subordinado, na luta geral, à relação dialética, aos
resultados, entre o objetivo e o subjetivo.
As
primeiras vitórias são ainda mais dependentes de decisões e perfis subjetivos,
como o gênio de Lenin na Rússia ou as primeiras revoluções sociais do século
XXI. Tais conquistas produzem uma pressão histórica positiva para o
revolucionamento social, tornando os próximos processos mais, de modo algum
absoluto, objetivistas, menor dependência de homens e mulheres singulares (se e
enquanto suas condições não tenham caído em decomposição, o adiamento da
revolução social torna o processo futuro relativamente mais objetivo e menos
subjetivo). De qualquer modo, o subjetivo e a individualidade cumpriram e
cumprirão um importante papel, para a conquista ou a derrota, ainda que sob
condições melhores para a transformação radical do modo de vida.
Engels
diz que a história sempre encontra os homens necessários, no nível exigido, às
suas tarefas. Isso é um engano parcial. A história cria as condições apenas relativas
para isso, uma pressão não determinista para que tais figuras surjam. A crise
sistêmica ajuda a formar militantes e partidos capazes, dispensando em parte a
manobra histórica do uso de grupos impróprios, mas nada substitui o talento e a
decisão.
[1] Neste
país, chegou a haver uma tendência viva, possibilidade, ao protagonismo
operário por razão do peso histórico do trotskysmo argentino.
[2] 1)
inclui-se avanço em permanência de fevereiro à outubro, de revolução
democrática à socialista – ou, também, diretamente socialista;
2) Entre os explorados e oprimidos não operários, os
assalariados do comércio, serviços, do estado, etc., e os desempregados,
tenderão a ser liderança dos demais setores não burgueses por razão numérica e
condição laboral. Para parte do marxismo estes setores são proletariado não
operário; e, apesar de não concordarmos com esta caracterização, revela pelo
menos na teoria e na semântica a tendência à substituição possível do sujeito
social;
3) Mesmo essas revoluções, na medida em que tendem a
implantar a democracia socialista, necessitarão de um partido bolchevique, ou
uma frente de partidos revolucionários e semirevolucionários. Apenas após a
vitória nos principais países, tornando a transição ao socialismo predominante,
partidos da revolução serão relativamente desnecessários, as revoluções serão
mais fáceis (ainda com seus riscos) e, em alguns casos, organismos de poder
revolucionários sem liderança partidária comunista serão vitoriosos por
iniciarem cooperação com outros Estados Operários.
4) Revoluções de protagonismo operário continuarão a
ocorrer e serão motores das revoluções socialistas-populares.
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