domingo, 21 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - Cap. 2 - Crise do sistema de valor - Crise de abstração - Crise dos valores

 

CRISE DO SISTEMA DE VALOR

“Sonhava Aristóteles, o maior pensador da Antiguidade: se cada ferramenta, obedecendo a nossas ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse executar a tarefa que lhe é atribuída, do mesmo modo como os artefatos de Dédalo se moviam por si mesmos, ou como as trípodes de Hefesto se dirigiam por iniciativa própria ao trabalho sagrado; se, assim, as lançadeiras tecessem por si mesmas, nem o mestre-artesão necessitaria de ajudantes, nem o senhor necessitaria de escravos.”

(Biese apud Marx, O capital I, 2013, pp. 480, 481)

   

“Devemos temer o capitalismo, não os robôs. Se, no futuro, as máquinas produzirem tudo o que precisamos, o resultado vai depender de como as coisas são distribuídas. Todos podem desfrutar de uma vida de luxuoso lazer se a riqueza produzida for compartilhada. Ou a maioria das pessoas pode acabar miseravelmente pobre se os donos das máquinas continuarem se posicionando contra a distribuição de riqueza. Até agora, a tendência parece apontar para esta segunda opção, com a tecnologia conduzindo para uma desigualdade cada vez maior.”

Stephen Hawking.

 

O marxismo rejeita, desde sua origem, o determinismo econômico. Não obstante, precisa-se de mergulhos profundos, superando a sociologia, para enxergarmos o objeto em totalidade. A técnica é, portanto, o ponto de partida[1]. A automação e a robótica devem despertar polêmicas vivas entre aqueles que lutam por um novo mundo; afinal, as mudanças na produção alteram todo o tecido da sociedade. Nesse sentido, nortear-nos-emos com a seguinte e reveladora citação de Moraes Neto:

 

Sendo assim, como se coloca a natureza autocontraditória do capital quando sua base técnica possui a natureza taylorista/fordista? A resposta é: não se coloca; a forma taylorista/fordista de organizar o processo de trabalho não é contraditória com o capital enquanto relação social; pelo contrário, o taylorismo/fordismo chancela a forma social capitalista. Uma forma técnica lastreada no trabalho humano, que induz ao emprego de milhares de trabalhadores parciais/desqualificados, é perfeitamente assentada à forma social capitalista; o sonho da eternidade capitalista teria encontrado sua base técnica adequada.

[…] a aplicação da microeletrônica para o caso da indústria metal-mecânica terá como consequência trazer essa indústria para o leito da automação, no qual já caminham há muito tempo ramos industriais tecnologicamente mais avançados. A concorrência intercapitalista em escala mundial e as possibilidades abertas pelo conhecimento científico estão deslocando uma fração (nada desprezível) “smithiana/bravermaniana” da base técnica capitalista em direção ao leito comum da automação, ou melhor, ao leito teórico marxista.” (Neto, 2003, p. 61, grifos nossos)

 

De forma oportuna, o autor cita Karl Marx[2] – no mesmo texto:

 

Tão logo o trabalho na sua forma imediata deixa de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e, em consequência, o valor de troca deixa de ser [a medida] do valor de uso. O trabalho excedente da massa deixa de ser condição para o desenvolvimento da riqueza geral, assim como o não trabalho dos poucos deixa de ser condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Com isso, desmorona a produção baseada no valor de troca, e o próprio processo de produção material imediato é despido da precariedade e contradição. (Marx, Grundrisse, 2011, p. 588, grifos nossos)

 

Percebemos que o atual avanço técnico – automação, robótica, informática, gestão científica – merece maior atenção por parte dos marxistas de todo o mundo, pois o capitalismo, como veremos, alcançou seu limite.

 Marx foi o profeta. Do ponto de materialista, percebeu a tendência constante de substituição do trabalho vivo por trabalho morto ou passado, quer seja, o maquinário adquirindo, objetivando, as habilidades humanas. A robótica, que há muito deixou de ser hipótese-ficção, apresenta-se como principal imagem-síntese. Em nosso entender, essa tecnologia – por questão de simplificação, trataremos a automação e a robotização como, em essência, de mesma natureza[3] – tem duplo caráter: de imediato, serve ao capitalismo, à produção de mercadorias, ao lucro; mas também é um modelo útil por excelência ao socialismo, pois liberará os trabalhadores do trabalho manual, dará tempo livre a estes para que adquiram cultura e cuidem do poder, permitirá a planificação centralizada e científica da produção e da abundância. Podemos afirmar, evidencia-se, que a base técnica amadureceu para a sociedade socialista, como a fruta avermelhada que ou é colhida e degustada ou apodrecerá e cairá.

O capital é incapaz de generalizar a III revolução industrial. A substituição de trabalhadores por máquinas produz contratendências:

1)      barateia a força de trabalho;

2)      pressiona para o aumento da jornada de labor;

3)      dão-se melhores condições para a patronal impor aumento da intensidade do trabalho;

Nos três casos, o “desemprego tecnológico” produz a pressão social que permite tais medidas. Assim, em movimento, pretendemos resolver – junto também ao fator 4 adiante – a polêmica sobre se há crise do valor, redução de sua massa e de mais-valor, ou seu maior império. Ademais, o leitor que conhece bem a dialética entre mais-valor relativo e absoluto reconhece tais observações. O destaque sobre pressão de tendência e contratendência será tema, também, de observações posteriores.

4)      abaixa o preço dos produtos consumidos pelos trabalhadores;

Em resumo, as alterações no preço e no valor da força de trabalho, no trabalhador e no ato de trabalho fazem com que compense manter o trabalho manual, adiando sua substituição por máquinas automáticas e robôs.

5)      reduz o valor das máquinas baseadas no trabalho manual;

Mais do que “desmoralizar” as máquinas baseadas em técnica inferior, empresas automatizadas também podem produzir maquinário por onde as mãos humanas ainda cumprem função direta.

6)      Barateia a matéria-prima de empresas baseadas na produção de valor.

Esse barateamento produz um efeito anticrise cíclica nas empresas, atuando para que se mantenham através do barateamento das mercadorias por redução dos custos e aumentando o potencial de vendas.

Em sistemas orgânicos, a menor distância entre um ponto e outro é uma curva: sob relações capitalistas, a automação impede a automação. Dito de forma pura, observa-se uma demonstração de como o presente é a unidade dialética do passado e do futuro. Na dinâmica de tendência e contratendência, há a contradição entre a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção vigentes. Cabe ao socialismo desenvolver de modo organizado a técnica nos mais variados setores: a ampliação do uso da maquinaria automatizada gerará, sob novas relações, mais tempo livre ao trabalhador e realocamento organizado da força de trabalho, isto é, pelo emprego constante com escala móvel de jornada de trabalho.

A relação de tendência e contratendência apontada acima pode ser observada pelo declínio do crescimento da produtividade em escala internacional:

 

 

GRÁFICO 3

Fonte: (Extended Penn World Tables apud Cockshott, 2020)

 

Tratamos de modo ainda um tanto puro, no universal, a relação acima. Desçamos um pouco mais ao concreto, ao particular. Porque têm baixo desemprego, ou seja, custo unitário da força de trabalho maior, alguns países – Coreia do Sul, Alemanha, Japão, etc. – adotam como vanguarda a produção automatizada. Porque a produção automatizada é mais desenvolvida em alguns países, tais nações vencem a concorrência mundial, atraindo valor para si: ganham dinâmica econômica que produz conjunturalmente baixo desemprego, motor para ainda mais automação; o processo, então, realimenta-se; processo este posteriormente limitado pelo monopólio, pela superprodução crônica latente, pela transferência de empresas para outras nações, pela imigração (causado, em boa parte, pela miséria nos países em desvantagem) e pelo retorno do desemprego (em certos casos e circunstâncias, também pelo efeito do câmbio). Já países em desvantagem tecnológica, que produzem produtos de menor valor agregado, que perdem na concorrência internacional, amargam piores condições de trabalho e maior desemprego, o que dá fôlego à produção baseada no trabalho manual. Isso é ainda mais verdade hoje porque a tecnologia deu um salto desde a década de 1970, exigindo muito para dominar a produção de certas mercadorias (chamam fábricas modernas de “universidades produtivas”); antes, o país atrasado poderia simplesmente copiar, com algum atraso, a tecnologia e a mercadoria do país avançado, algo difícil atualmente.

Façamos, agora, um duplo mergulho na concretude, no singular. Há fábricas de todo automatizadas que, para reduzir os custos, operam com as luzes desligadas, pois é desnecessário a presença de trabalhadores auxiliares ao menos vigiando o maquinário fabril. Tal exemplo é uma boa imagem da tendência produtiva, mas há ainda outros casos, onde se revela a contradendência dentro do espaço fabril. Uma empresa pode automatizar apenas o setor onde antes o trabalho era feito por operários especializados, que podem impor ritmo mais lento ao conjunto da produção e salário mais altos – até serem demitidos e substituídos por capital fixo; porém os demais setores do processo produtivo interno, com salários mais baixos por baixa especialização, continuam com seu trabalho manual, desta vez, no entanto, com um ritmo ainda mais intenso de labor por razão da aceleração da atividade causada quando o novo maquinário foi posto em funcionamento[4]. Observa-se aí a relação tendencial e contratendencial – pois a lei é tendencial, relativa – ao fim da produção de valor.

A observação da tendência a suprimir o trabalho manual na produção e ao lado do avanço técnico também em demais setores (serviços, comércio, etc.) é evitada por boa parte dos marxistas, pois veem aí uma equação irresolvida sobre o papel do proletariado na sociedade. Ora, se o desenvolvimento técnico incompleto causa tensão social sob o capitalismo, a classe operária continua tendo função revolucionária.

A questão em Marx aparece de modo incomum aos marxistas. Ele observou, com uso de estatísticas, o aumento da classe dos serviçais e redução da classe operária. Vejamos afirmação em sua obra central:

 

Todos os representantes responsáveis da economia política admitem que a primeira introdução da maquinaria age como uma peste sobre os trabalhadores dos artesanatos e manufaturas tradicionais, com os quais ela inicialmente concorre. Quase todos deploram a escravidão do operário fabril. E qual é o grande trunfo que todos eles põem à mesa? Que a maquinaria, depois dos horrores de seu período de introdução e desenvolvimento, termina por aumentar o número dos escravos do trabalho, ao invés de diminuí-lo! Sim, a economia política se regozija com o abjeto teorema, abjeto para qualquer “filantropo” que acredite na eterna necessidade natural do modo de produção capitalista, de que mesmo a fábrica fundada na produção mecanizada, depois de certo período de crescimento, depois de um maior ou menor “período de transição”, esfola mais trabalhadores do que ela inicialmente pôs na rua!

Certamente, alguns casos já demonstravam – como, por exemplo, o das fábricas inglesas de estame e de seda – que, quando a expansão extraordinária de ramos fabris alcança certo grau de desenvolvimento, tal processo pode estar acompanhado não só de uma redução relativa do número de trabalhadores ocupados, como de uma redução em termos absolutos. (Marx, O capital I, 2013, pp. 519, 520; grifos nossos.)

 

Retomaremos o assunto em capítulo específico. Aqui, interessa destacar sobre que as considerações ao tema feitas superam uma oposição dentro do marxismo: de um lado, teóricos descobrem a crise da produção de valor, mas a absolutizam – ignoram o caráter tendencial da crise do valor[5]; de outro, marxistas práticos evitam o tema porque defendem a classe operária e seus métodos (greves, ocupações, piquete, etc.) como os caminhos para o socialismo. Superar as concepções opostas exige perceber o caráter transicional da realidade.

Cumpre destacar, enfim, os dois estímulos à renovação técnica no capitalismo: 1) a concorrência – logo, a existência de monopólios e oligopólios modernos retarda o desenvolvimento técnico da produção, como mostrado na imagem anterior, adia relativamente o fim do trabalho manual, produtor de valor, nas empresas; 2) a luta de classes. A segunda é menos realçada, por isso merece mais atenção[6]. A luta dos operários por menor jornada de trabalho, maiores salários e mais direitos estimula a adoção de melhor maquinário capaz de aumentar a produtividade e diminuir o número de funcionários. A luta de todos contra todos enquanto luta por parcela do valor demonstra a luta das classes – incluso intraclassista, entre burgueses – como motor da história. Isso significa, também, que a introdução de máquinas automáticas desestimula a própria automação porque o desemprego quebra as greves por um período mais ou menos longo, ou seja, uma contratendência derivada da tendência.

Surge-nos, então, a pergunta: como o desenvolvimento técnico e científico será estimulado no socialismo? Vejamos por meio da história da humanidade, de negações de negações, em espiral:

Primitivismo: É do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.

Escravismo: Não é do interesse produtor o desenvolvimento da técnica – o militarismo cumpre tal papel.

O escravo fazia o possível para atrapalhar a produção, em principal quebrando as ferramentas de trabalho, o que fazia exigir aparelhos pesados e robustos para maior resistência material.

Para o escravo, havia a aparência de que todo trabalho era para outro, mas uma parte do trabalho era para si, trabalho necessário.

Feudalismo: É do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.

A contradição de classe do escravismo é resolvida no feudalismo ao oferecer ao produtor domínio de ferramentas e direito a cultivar para si parte das terras feudais.

Era claro ao servo que trabalhava uma parte para si e uma parte para o outro.

Capitalismo: não é do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.

A primeira reação dos trabalhadores contra as máquinas é o ludismo, que tinha por norte quebrar as novas ferramentas, mas logo se revelou um movimento limitado, contra o desenvolvimento histórico. A entrada do maquinário cada vez mais avançado demite operários, reduz salários, atua para aumento da jornada, etc.

Ao operário, (a)parece que recebe por seu trabalho, de modo integral, no lugar de por valor de sua força de trabalho, não vê o mais-trabalho e o mais-valor.

Socialismo: É do interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.

Para o trabalhador, será claro que trabalhará uma parte de modo direto para si e uma parte para a sociedade, de modo indireto também para si.

O socialismo estimulará o avanço tecnológico porque 1) será do interesse daqueles que vivem do trabalho ter sua jornada de labor tanto reduzida quanto mais fácil; 2) a ciência será mais autônoma em seu desenvolvimento; 3) a humanidade tornar-se-á cada vez mais erudita, superando a atual e reduzida casta detentora do saber; 4) como consumidores, os trabalhadores quererão produtos novos e melhores.

 

O VALOR

Os teóricos da crítica do valor, Kurz e Postone em destaque, recuperam a categoria valor como substância social. O caráter qualitativo e histórico desta categoria real foi negligenciado por boa parte dos marxistas por muito tempo. Porém seu significado é resgatado exato quando a massa de valor global produzido tende a cair com a automação, com a redução do número de operários nas empresas e a dificuldade do capitalismo em produzir inéditos tipos de mercadorias baseadas no trabalho manual (Kurz, A crise do valor de troca, 2018).

Por causa das contratendências à implementação da produção automatizada, por breves momentos históricos a massa total de valor e de mais-valor pode mesmo crescer, mas a tendência impõe-se e ela mais importa para a análise científica e militante. Desenvolvem-se também meios “parasitários” de absorção de valor que são debatidos ao longo desta obra.

Há contradição entre valor e capital que ganha intensidade na medida em que aquele se transforma neste. O evolver do capitalismo enfim destrói sua própria base, a produção como produção de valor e mais-valor. Apenas assim, destruindo a categoria central do sistema, o socialismo pode ser possível e necessário.

Inúmeros marxistas confundiram valor e (valor de troca) preço. Aqui, com necessária dose de dialética, deixamos claro que valor não é preço, embora o seja. O preço, ideal, é a forma inexata de manifestação do valor, material.

 

A INFORMÁTICA E O SOCIALISMO

A planificação das sociedades antes em transição ao socialismo, na política keynesiana do pós-II Guerra e dentro das grandes empresas obteve enormes resultados (veja-se a superioridade da URSS na corrida espacial). Mas ainda havia os limites do desenvolvimento técnico. É apenas com a computação moderna que o amplo planejamento social pode ser feito no curto tempo exigido. Os computadores quânticos serão a grande prova empírica da possibilidade do planejamento pleno, já permitido pelos atuais supercomputadores.

A moderna tecnologia da informação obterá rapidamente dados dos estoques, da saída de produtos destes, ajustando rapidamente a produção ao consumo. O planejamento central promoverá a identidade entre oferta e procura, pondo fim à forma preço ainda antes da automação quase completa da produção. Algoritmos trabalharão, reunindo e articulando dados, em base a protocolos sociais prévios[7] (Benanav, 2021).

 

Hoje obviamente o socialismo digital pode fazer muito mais. A internet possibilitaria canalizar grandes quantidades de informação de todas as partes do mundo para sistemas de planejamento, quase instantaneamente. Saltos gigantescos na capacidade de computação tornariam possível processar todos esses dados rapidamente. Enquanto isso, o aprendizado de máquina e outras formas de inteligência artificial poderiam vasculhá-los, para descobrir padrões emergentes e ajustar a alocação de recursos apropriadamente. (Benanav, 2021)

 

Um caso singular ajuda-nos a observar a tendência no socialismo. Apesar dos limites tecnológicos na década de 1970 e da tentativa de Allende de limitar a revolução em curso nos limites do Estado burguês, o governo frente populista chileno pôs em prática o projeto Cybersyn, um comando central de computação que coordenava dados vindos de diferentes empresas, onde eram instalados maquinários de teletipo, e organizava em tempo real os dados da produção por meio de grandes telas e uma pequena equipe em uma sala de trabalho de estética futurista. Se a revolução tivesse vencido, seria exemplo mundial de planejamento avançado, ainda que houvessem duros limites tecnológicos naquela época. Hoje tal tipo de projeto é ainda mais viável com a universalização da internet, do computador e da capacidade de concentrar dados. A Big Data, o 5G, o 6G e a inteligência artificial podem ter, se vencermos, vitais fins socialistas.

A polêmica sobre se é ou não possível planejar a economia foi resolvida pela prática, isto é, pelo avanço da ciência e da técnica, não por grandes jogos argumentativos entre teóricos. O capitalismo produz dentro de si as condições do socialismo. Somente se a tecnologia sob o capital der condições materiais para o funcionamento de outra sociedade o socialismo poderá surgir. Neste sentido, vale observar uma das máximas de Marx: um problema surge já produzindo as condições de sua solução. Tal resolução do problema do planejamento apenas surgiu na história recente (Cockshott & Cottrell, 2019), o que demonstra a prematuridade das revoluções sociais do século XX, tema de outro dos capítulos deste livro.

A informática oferece também as formas complementares e consolidadoras da democracia socialista. O controle sobre os dirigentes mais gerais poderá ser feito por votações pela internet, por aplicativos. Correntes políticas minoritárias terão acesso mais fácil a públicos amplos, apresentando suas propostas e críticas por meio de sites, canais de vídeo, etc. Os debates nacionais serão, por tal ferramenta, de fato nacionalizados. Graças ao avanço tecnológico, dados essenciais chegarão com mais facilidade ao público. A forma democrática da próxima sociabilidade, se vencermos, tem sua viabilidade posta enfim pelo desenvolvimento técnico-científico recente.

O planejamento pleno também é permitido, de modo íntimo, pela plena cientifização da produção (automação, robótica, etc.), que oferece regularidade produtiva, grande oferta de produtos e controle contábil. O trabalho, diferente do que pensam Paul Cockshott e Allin Cottrell, desde observação de Mises, deixa de ser a unidade de valor.

 

A MERCADORIA

A)    Mudanças na forma material da mercadoria.

A dialética forma-matéria é muitas vezes desconsiderada no meio marxista. Buscando superar a ausência, observamos tais tendências à matéria da forma mercadoria:

1)      Redução da extensão;

2)      Redução da materialidade[8];

A perda relativa de extensão e materialidade, como precisar de menos componentes, permite redução dos custos e tempo de produção, além dos custos de transporte. A história dos computadores é um exemplo. Tais tendências colaboram para o aumento da superprodução no setor de matérias-primas e, ao agilizar a produção, nos produtos para consumo final. Marx observa em O Capital I que o aperfeiçoamento das máquinas leva à redução de sua materialidade, por isso incluímos também o valor de uso da mercadoria maquinário.

3)      Fusão (ou aglutinação) de valores de uso;

A consequência mais determinante desta é que, quando o automatismo está fora de questão, um mesmo trabalho constrói valores de uso múltiplos, estimulando a redução da massa total de valor. Pensemos quantos aplicativos de celulares substituem objetos antes produzidos por diferentes fábricas, por trabalho manual.

Podemos exemplificar também por meio de falhas. Microsoft e Sony fazem uma guerra planetária por vendas e por quem primeiro implementa novos valores de uso em seus aparelhos. A corporação mais ousada nos lançamentos tem experimentado, no entanto, rejeição do público. E nesse ziguezague medeiam:

 

A divisão do Xbox na Microsoft passou por um turbilhão de emoções no último ano, com o anúncio do Xbox One, toda a rejeição às políticas de sempre-online e o foco em recursos multimídia, como TV. A empresa, por meio do novo chefe da área, Phil Spencer, reconhece que errou bastante em algumas decisões tomadas.

Spencer não fala explicitamente no vídeo, mas já deixou claro em outras entrevistas, como novo chefe da área, dará foco a jogos. Esta deve ser a mídia mais importante do Xbox One, mesmo com todas as outras alternativas de TV, e etc. Este foi um ponto que os rivais aproveitaram para tripudiar sobre o console da Microsoft, dizendo que ele “só tinha TV, mas não tinha jogos”. A Sony deixou clara em seu anúncio que o PS4 foi feito pensando em jogos. ( (Santino, 2014)

 

A Sony havia cometido semelhante erro de tentativa com o console anterior, o PS3. Tudo indica retorno futuro ao objetivo. Uma vez por fim concluída a meta, destruirá capitais destinados à produção dos mesmos valores de uso de modo autônomo, concentrando valor, e permitirá um salto de qualidade sobre a concorrência.

As três tendências apontadas são mais comuns, por evidente, naqueles produtos de alta tecnologia. Aqui nosso foco é a relação das alterações materiais com o sistema de valor, mas é claro, por exemplo, que comumente a perda de tamanho e materialidade aparece como pressuposto da aglutinação dos valores de isso, assim como o próximo ponto.

4)      Separação do valor de uso da matéria.

Simples produtos naturais passam por tal processo. Para reduzir custos de produção e aumentar escala, a fruta transformável em suco pode ser substituída por um pó químico capaz de simular sabor e cheiro do produto original. Sobre a tendência, vejamos o trecho de uma matéria:

 

Análises feitas desde 2008 pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP), mostram que o uso do milho é de, em média, 45%, bem próximo do limite máximo estipulado pela legislação de, 50%. — Sempre detectamos milho nas análises. Isso porque o milho chega a ser 30% mais barato do que a cevada. O problema é que o rótulo não é mais claro, e a legislação permite — diz o coordenador da pesquisa, professor Luiz Antônio Martinelli. (Figueiredo, 2014)

 

Sobre, a poderosa Ambev revela-se risível:

 

Por incluir cereais não maltados – como milho e arroz – nas cervejas, a Ambev defendeu a prática e disse que ela é positiva para o mercado cervejeiro. A fabricante é dona de marcas como Skol, Brahma e Antarctica. "O mundo seria muito chato se todas as cervejas fossem iguais", disse o diretor-geral da empresa […] referindo-se às cervejas que levam apenas água, lúpulo e malte em sua composição. "Quem é contra arroz, milho e outras misturas na cerveja é contra a diversidade", declarou. (Ferreira, 2016)

 

Em O Capital, K. Marx trata da falsificação dos pães, e conclui (Livro III): falsificar é inadmissível para o capitalismo, embora as constantes tentações empresariais. Em sua época, com imensa dificuldade perceberia a substituição da matéria no valor de uso, formando algo fictício, como opção normal do próprio sistema. “Eu sei que este filé não existe, eu sei que o que eu ponho na minha boca, Matrix diz ao meu cérebro que é… suculento e delicioso.” (Martrix, Wachowskis, 1999, referência ao livro e ao filme 1984, George Orwell.)

Em alguns casos, a separação do valor de uso da matéria enfrenta a produção como produção de valor ao permitir acesso gratuito a produtos via internet.

5)      Ganho estético do valor de uso.

Com a superprodução absoluta latente, surge a necessidade de dar ares artísticos e sedutores à mercadoria para que saia com mais facilidade das prateleiras. As mercadorias disputam a atenção dos consumidores. O design de produtos é a profissão típica, pois pensa a estética e como, sempre que possível, reduzir custos com a matéria embora seja em si um acréscimo de custo improdutivo.

Na produção também ocorre o ganho estético, pois as fábricas sujas e sombrias são cada vez mais algo do passado como tática de disfarce da condição classista. Ademais, grandes empresas investem em espaços de lazer, bibliotecas, etc. ao redor do espaço fabril.

6)      Alteração da resistência dos valores de uso.

Tendência percebida por Mészàros (2011), faz-se necessário diminuir a qualidade das mercadorias em nome da quantidade – a obsolescência programada para enfrentar a superprodução. A rotação do capital pode manter-se com a alteração do produto, o excesso de mercadorias é assim administrado.

Segundo aspecto, aumentou-se a resistência de mercadorias para que se tornassem parte da produção em larga escala. O leite em pó serve de exemplo, pois permitiu a acumulação de capital e grande produtividade.

Os dois movimentos, opostos, ganho e perda de perecibilidade, atuam nos limites da produção sob o capital, isto é, tratam de uma superprodução crônica latente.

7)      A taxa de utilização decrescente do valor de uso

Mészàros descobriu (Mészáros, Para além do capital, 2011) tal contradição entre valor de uso e valor, que tem inúmeras manifestações, entre elas: menor uso da força de trabalho, substituição acelerada das máquinas antes de esgotar seus usos, fragilização dos valores de uso, etc. O exemplo mais escandaloso é quando os alimentos produzidos em “excesso”, do ponto de vista do valor, em grande parte são simplesmente destruídos, na cifra das toneladas, antes de ir ao mercado para forçar os preços a caírem o mínimo possível.

 

Observadas as razões particulares – a causa geral é a busca por lucro – das mudanças em nossa época, deve-se destacar um fator central: hoje, tornou-se muito difícil produzir tipos inéditos de mercadorias, por isso o giro dos esforços para aglutinação, mudança da matéria, etc.

Tantas vezes, a natureza da mercadoria, ou do processo produtivo, ou de sua escala de produção exige automação e robotização completa ou quase total. É o caso, por exemplo, da grande produção de cimento no Brasil.

Que a máquina se desmoralize, perca valor, na existência de outra mais moderna máquina – ocorre na sua condição de mercadoria. Logo, típico de qualquer mercadoria a desmoralização diante de outra melhor, como o celular novo no mercado. Tal desmoralização da qual fala Marx em O Capital quanto ao maquinário repete-se nos demais produtos no comércio. Daí o novo fenômeno: apenas mercadorias de ponta tecnológica permanecem como o computador, não a máquina de escrever.

 

B)     Desenvolvimento do capital comercial

O estudo da integração dos capitais foca, em geral, na fusão entre o capital industrial e financeiro, sob liderança deste último. Destaquemos, então, o processo desde o comércio:

1.         Setores produtivos desenvolvem franquias para a venda de mercadorias suas;

2.         Setores comerciais passam a produzir (exemplo: uma rede de supermercado lançar um produto próprio);

3.         O comércio desenvolve, por própria conta e junto aos bancos, seus cartões de crédito;

4.         Grandes redes comerciais passam a operar com capital aberto;

5.         Elevam-se a proporção e a massa de mercadorias movimentadas por crédito comercial, compra-venda por meio de pagamento antes do consumidor final do valor de uso;

6.     Pode ocorrer movimentos simultâneos: uma empresa abrir produção e sua rede de franquia juntos (uma fábrica de açaí com sua marca de franquias, etc.).

O desenvolvimento do capital também ocorre no setor comercial, com a acumulação, concentração e centralização; ademais, ocorre, como demonstramos, fusões com outras formas de capital. A formação de grandes redes de lojas, super e hipermercados, de atacado e de varejo, por todos os ambientes de concentração humana, interconectados via internet e sistema financeiro, oferece a primeira forma social geral dos meios de armazenamento e distribuição dos valores de uso no início da transição ao socialismo, durante o processo geral de deflação, isto é, durante a economia planejada e o aumento da produtividade. Sobre o modo de distribuição, observamos as bases primeiras da próxima sociedade por meio do alto evolver deste. A consolidação da grande propriedade privada no comércio, ainda que persista o pequeno comerciante contra sua decadência, é condição sine qua non para a superação das relações monetárias uma vez estatizadas as grandes redes logísticas e distributivas pelo Estado socialista.

 

C)     A produção sob demanda

A produção sob demanda é uma tendência que se reforça cada vez mais sob o capitalismo. É necessário destacar que tal processo será útil por excelência ao socialismo e ao fim da forma-preço, ao fim do mercado. A transição ao socialismo tem por tarefa encerrar o segredo comercial como condição para unir empresas, até então concorrentes, em um plano produtivo central.

           

A HISTORICIDADE DO VALOR DE USO

Em geral, os marxistas consideram o valor algo histórico e o valor de uso, a-histórico. Tal concepção está equivocada. A começar, o valor existe a milênios, tendo sido objeto de estudo por Aristóteles, mas apenas no capitalismo tornou-se valor que se autovaloriza, ou seja, consolida-se como capital. Feita a consideração, vejamos agora o polo oposto.

O valor de uso é fruto do desenvolvimento histórico. A vitrola só poderia ser resultado do capitalismo, não do feudalismo, ademais, na outra ponta, de ser imprópria para a etapa tecnológica recente. No decorrer do desenvolvimento da humanidade, fomos alterando os valores de uso, além de criar novos; por mudanças na sua genética, o milho já não é o mesmo desde a pré-história, pois o modificamos sempre que pudemos. A roupa muda de tipo de tecido com a época. E as ferramentas são para o modo de produção correspondente.

A maquinaria da I e II revoluções industriais, que disciplinam o trabalho manual, pertencem ao momento histórico do capital, por mais que se tentasse fazer uso socialista deles. Os gregos e os romanos poderiam ter desenvolvido técnicas mais avançadas, mas, descobrem os historiadores, não faziam uso porque era desnecessário para aquele modo de vida (que se importava mais com a qualidade das mercadorias dos artesões do que com a quantidade).

O socialismo concluirá algumas tendências do capitalismo em seu fim como a fusão de valores de uso e a desmaterialização. Descartará outras porque, por exemplo, no lugar de fragilizar o material, cuidará da qualidade dos produtos, que já não serão mais mercadorias ao colocar o valor no passado.

O valor de uso e suas possibilidades modernas pedem por relações socialistas. O nylon é altamente resistente, mas a engenharia foi usada para fins destrutivos, para fragilizar aquela matéria e, assim, permitir nova compra, nova substituição. A internet e a automação avisam que uma nova época pode surgir. Ao libertar a ciência e a técnica da mão de ferro do lucro, o socialismo fará tipos novos de valores de uso e materiais, próprios de sua época, e renovará os ora existentes de acordo com as novas necessidades sociais.

Tanto o valor quanto o valor de uso estão impregnados de história.

Posta assim, a observação deste subcapítulo é óbvia, porém faz-se necessário dizer o evidente todas as vezes que a intelectualidade perde-se nos debates.

 

CAPITAL FICTÍCIO

A produção automatizada absorve para si parte da massa de valor global na venda de suas mercadorias sem oferecer mais-valor; ou seja, ao renovar a maquinaria, a mercadoria tem em si o custo de produção mais mais-valor extra, extraído de outras empresas que ainda produzem a forma valor. É, assim, capital produtivo fictício. É improdutivo porque improdutivo de valor (Kurz, O colapso da modernização, 1992). Seu preço acima do custo de produção deixa de ter ligação direta com trabalho não pago.

Temos a primeira conclusão socialista: a produção poderá ser produção apenas de valores de uso graças ao avanço técnico iniciado por dentro do capitalismo. Aqui, o teórico Kurz demonstrou como as bases do socialismo estão por se realizar dentro do capitalismo.

Outro setor a operar de modo ao mesmo tempo real e fictício são os serviços. São, por exemplo, empreendimentos empresariais que dão lucro, logo concorrem de modo direto pela massa de valor total da sociedade, mas a atividade aí apenas disputa, sem contribuir, parcelas do valor produzido nas fábricas (minas, etc.) baseadas no trabalho manual. Quando afirmamos no capítulo anterior que estamos diante da inflação do capital fictício, apresentamos apenas parte das conclusões, pois a hiperinflação dos serviços, graças à alta urbanização em grande parte, também faz parte testa era.

     Aprofundemos, pois é assunto até aqui tratado de modo impreciso.

No capítulo 5 d’O Capital, quando Marx coloca o trabalho por categoria necessária do homem, descreve a diferença da melhor abelha versus o pior arquiteto, pois este faz prévia ideação – e, destacamos, fica fora da transformação prática da matéria, do trabalho manual. O trabalho intelectual será a forma de trabalho dominante na produção socialista.

Esta forma de labor transcenderá a si para fora da produção material, do trabalho, e vai-se até as formas sociais puras (Lukács): gestão do Estado, educação, saúde, etc. – o setor de serviços. É o homem tornando-se cada vez mais social, superando sua pré-história. Sob o capitalismo em sua última era, a elevação do setor de serviços, improdutivo de valor, portanto capital fictício quando para fins lucrativos, expressa de modo invertido e latente a tendência mais universal.

O setor de serviços, que em parte também passa por avanços tecnológicos modernos, tem visível crescimento em todo o mundo. À medida que cai a taxa de lucro, o capitalista sente necessidade de expandir as fontes de dinheiro; tanto quanto pode, os serviços são desenvolvidos em grandes empresas. O socialismo tratará, por sua vez, de por várias das funções em extinção com o fim de suas necessidades e porá outras à disposição do bem-estar humano, não do lucro.

As tradições luckasiana e a crítica do valor merecem acompanhamento atento, pois ofereceram importantes aportes. Mas caíram em oposições. Aquela volta à centralidade do trabalho e resgata seus tipos; porém confunde a categoria com trabalho manual, limitando o conceito a este modo de trabalhar. Esta percebe o peso da automação, resgata outros aspectos de O Capital, põe a crise da produção de valor em debate; porém negligencia a história e reduz seu trato ao capital, considera a categoria trabalho por apenas ligada à produção de valor e também apenas manual. A oposição é forte porque se apoiam em profundos aspectos da realidade. A síntese é feita na própria tendência, do passado ao futuro.

N’O capital I, p. 256, Marx (2013) trata do meio de trabalho como coisa ou complexo de coisas que o trabalhador interpõe entre si e o objeto de trabalho. Em seguida, complementa em nota de rodapé onde usa para argumento a Hegel (sic!), citação sobre a razão pôr objetos para intervir sobre outros objetos[9]. O socialismo é o alto desenvolvimento dessa dinâmica: ainda que se use o chamado trabalho manual de modo auxiliar, o trabalho intelectual dominará de todo o processo produtivo no ato de transformação. O trabalho continuará, desse modo, condição universal do intercâmbio do homem com a natureza. O avanço social é, portanto, em última instância, o avanço das mediações produtivas, dos meios de trabalho.

O trabalho intelectual usa as mãos para, exemplo, arquitetura ou design industrial; o trabalho manual é obrigado, por sua vez, a usar o cérebro para evitar erros. A diferença nunca é o uso material de partes do corpo; a importância de cada membro corpóreo na produção é o determinante da diferença. O desenvolvimento do maquinário é, pois, a busca pelo uso mínimo do cérebro do trabalhador braçal, por meio de indução a movimentos repetitivos, e desenvolve-se na supressão do trabalhado direto sobre a matéria.

Porque o tema é polêmico, incluiremos mais uma observação. O trabalho do homem primitivo era um só corpo e um só espírito, ou seja, havia máxima unidade do intelectual e do manual; era pensado antes, teleologia, o que seria feito depois, prática. Com a início das sociedade de classes, especialmente com o escravismo, o trabalho se aliena, divide-se em manual e intelectual, em oposição quase completa. Alguns dedicam-se ao trabalho manual e outros, ao trabalho intelectual. Algo semelhante acontece com o capitalismo: o trabalho manual-intelectual do artesão no fim da Idade Média sofre uma alienação, uma separação, que, pela transição da manufatura, chega à grande indústria com a subordinação do trabalho à máquina, o trabalho manual repetitivo e o trabalho intelectual para as camadas superiores da empresa. O trabalho manual nunca será totalmente superado, mas será enormemente reduzido no futuro – se o socialismo vencer.

 

 

CRISE DO VALOR?

Certa vez, ouvi de um professor que certa fábrica substituiu a nova maquinaria automatizada pelas máquinas anteriores e pelo trabalho manual mais uma vez, de novo, pois valeria a pena ao patrão com o então baixo preço da força de trabalho – assim ele concluiu que teorias do (quase) fim do trabalho manual eram absurdas. Ele não viu o processo real diante dele, viu a parte sem o todo. Não sei se o relato é verdadeiro, mas está de acordo com este capítulo, sendo algo materialmente possível. Por outro lado, a crítica do valor vê a força absoluta da concorrência – porém, se assim fosse, a substituição definitiva do homem pela máquina seria imensamente mais veloz e visível. Isso não se confirma. Uns caem no fetichismo ou substancialismo absoluto (Kurz, a crítica do valor); outro, no relacionalismo (a maior parte das tendências marxistas). A verdade está em outro lugar, que agrega os dois dentro de si. Uma teoria, como a crise do valor, não pode ser refutada apenas pondo outra oposta no lugar, mas ela mesma deve ser desenvolvida até seu limite, até ser superada por ela própria, já que é tanto verdadeira quanto falsa – como diz Adorno (aliás, teórico reivindicado pela maioria da corrente crítica do valor). Eis a dialética! O moderno pessimismo alemão, com sua negação da luta de classes, dá lugar a uma teoria melhor formulada porque não unilateral.

 

SUPERPRODUÇÃO ABSOLUTA LATENTE

Uma das tantas oposições do marxismo está entre a defesa da importância dos ciclos econômicos decenais – de crescimento, estagnação, crise, recuperação – ou uma crise permanente, estrutural, depressed continuum, estagnação secular. Resolvamos o dilema. É evidente que o desenvolvimento atual das forças de produção é capaz de satisfazer todas as necessidades básicas da humanidade e ainda fazer sobrar recursos sociais para novos investimentos. Mas esta superprodução absoluta é latente, revela-se nas crises cíclicas cada vez mais intensas, em forma de superprodução relativa, crises cíclicas cada vez mais duras.

Para agradar paladares eruditos, reforçamos o parágrafo anterior. Mészàros afirma que o tempo das crises cíclicas passou, substituído pelo tempo da crise estrutural, permanente; ele deixa de observar, assim, que a superprodução de capitais e mercadorias geram contratendências internas, como o barateamento das matérias-primas e da força de trabalho, a redução da quantidade de concorrentes, etc. Ele parte da ideia de que o capital move-se de onde tem mais concorrência até os setores onde há menos concorrência, ou seja, de onde os preços estão muito baixos até onde os preços estão mais altos – e ocorre que todos os setores estão hoje com excesso de capital, numa crise total, não mais particular a um ramo da indústria. Essa crise estrutural tem, em verdade, automediações; uma observação empírica das mais simples e reconhecida por todos vê uma tendência a crises cada vez mais duras entremeadas por algum crescimento, não uma depressão contínua. O erro oposto é considerar que há apenas as crises cíclicas, extremos de depressão e a de euforia do crescimento. Se assim fosse, o capitalismo seria uma eterna repetição igual e os reformistas teriam toda razão de pedir aos trabalhadores a máxima paciência já que a turbulência logo irá passar… Mas o que encontramos é produtividade crescente, contradição entre produção e circulação aumentada, incompatibilidade entre forças produtivas e relações de produção, etc. Isso ficará ainda mais claro no capítulo sobre os macrociclos do capital, quando será exposta a base das crises cada vez mais duras de nossa época. A defesa pura das crises cíclicas deixa de considerar a realidade em desenvolvimento, que produz crises cíclicas tendencialmente cada vez mais intensas.

Resolvida a oposição teórica, avancemos.

É destacável a observação dos teóricos da crítica do valor, um tanto instintivo para o pensamento comum: a III revolução industrial, de um lado, aumenta a quantidade de mercadorias (na automação, a capacidade produtiva superar os limites humanos do trabalho) e, de outro, diminui a quantidade de assalariados ativos, reduz a capacidade de consumo.

A superprodução crônica de capitais e de mercadorias permite a economia planejada. No socialismo, a capacidade produtiva será acima do consumo comum e proverá estoques de produtos e matéria-prima; isso permitirá reagir de modo organizado a aumentos repentinos da demanda social.

A existência de empresas zumbis que bancos e o Estado impedem a falência, a estatização de empresas como a GM nos EUA como reação à crise de 2008 (nomeado de modo irônico pré-privatização), o impedimento de que as grandes empresas desapareçam, a compra estatal de ativos podres durante as crises, a importância estatal do investimento em tecnologia (que exige hoje grandes cifras, tempo e complexidade) e na formação de demanda, o socorro governamental na cifra dos trilhões de dólares durante a crise mundial, as empresas que são grandes demais para falirem, o desenvolvimento de monopólios naturais com o evolver do capital (veja-se que até empresas como a Amazon apenas podem existir como grandes monopólios) etc. são sintomas de que a grande propriedade privada está madura para outro tipo de propriedade, a social. A guerra da concorrência deixa de ser uma lei social de vigor, pois o fim de grandes monopólios e oligopólios geraria crise econômica e política dadas a acumulação, a concentração e a centralização de capitais, dado o grande capital adiantado necessário nesses investimentos[10]. A estatização das empresas mais vitais por meio de um Estado operário, com democracia socialista e planejamento econômico, poderá reorganizar o tecido produtivo sem causar danos típicos das crises.

     A luta concorrencial desenvolveu, entre os vencedores, o oposto, monopólios e oligopólios. Ademais, a escala de produção de certos produtos, a grande rede produtiva necessária e a taxa baixa de lucro exigem a formação de poderosas empresas monopolistas e a concorrência de monopólio. Terceiro: o desenvolvimento social dá origem a modernos monopólios naturais (hidrelétricas, etc.). O tempo do monopólio social está latente dentro dos limites do capitalismo. A concorrência de oligopólio é a transição entre a livre concorrência e o posterior monopólio social. O assim nomeado em economia “preço de monopólio”, na prática a desregulação do preço de mercado em relação ao seu valor e seu preço de produção, em meio à escassez relativa artificial, é um sintoma invertido, quando com seu efeito inflacionário, das condições maduras de organizar a sociedade pelo fim da própria forma preço, isto é, do alto grau de desenvolvimento das forças de produção, que pedem nova forma social. Que algo destacado represente sua própria negação latente, que uma inflação artificial represente o fim da própria precificação espreitando a realidade, é um raciocínio que deve incomodar aqueles que pensam a estrutura capitalista como eterna, a-histórica. Mas eis que a aparência reluzente de algo representa seu contrário: o fim do valor e de sua forma de manifestação. Apesar de tal conclusão ser o não empírico extraído daquilo empiricamente dado, um exemplo pode tornar mais visível este aspecto. Em 2020, a Arábia Saudita e a Opep reuniram-se para diminuir artificialmente a oferta de petróleo para forçar o aumento dos preços; porém a Rússia, que opera com baixo custo de produção petrolífera, como o citado grupo, negou-se ao acordo; então, em reação, os sauditas fizeram o movimento oposto, superoferta da mercadoria, o que derrubou ainda mais os preços e levou ao absurdo, no mercado estadunidense, de pagar (!) para comprar, levar, sua mercadoria, ou seja, preços negativos (!), já que os estoques estavam utilizados ao máximo como parte dos efeitos da superprodução. Esse fenômeno antes impensável, um espanto jornalístico em todo o mundo, quase como sinal de um apocalipse, revela bem a capacidade produtiva atual que pode ser reorganizada para nova forma de distribuição, que deixe de envolver o valor de troca.

 

NOTA 1 – DUAS TEORIAS DA CRISE DO VALOR?

Mèszários afirma que a produtividade tornou-se tão alta que há superprodução crônica imediata e realizada de capitais e de mercadorias – o preço, o valor, não consegue se realizar bem no mercado, logo, crise permanente. Kurz, na outra ponta, afirmou que cada vez menos se usa, hoje, trabalho manual na produção, a fonte única do valor – crise permanente, desemprego permanente etc.

Primeiro: não há crise crônica de supeperodução permamente (Mészáros) – há crise crônica apenas latente, latente, ou seja, crises cíclicas, abstraídas outras formas de crise (ambiental etc.), cada vez mais duras, cada vez mais destrutivas. Segundo: a tendência de fim do trabalho manual não é lei absoluta, é tendência, tendência, algo muito mais dialético do que supõe Kurz com sua lei absoluta da concorrência (lembramos que Marx quase não tematiza a concorrência em sua grande obra).

Assim, corrigidos os exageros, as duas teses opostas, escolas opostas até, são uma só teoria – apresentam o mesmo movimento por ângulos unilaterais. Grosso modo, um parte do mercado e da circulação (necessários, pois a verdade é o todo) e o outro foca na produção (focar apenas na produção é ver apenas uma parte, embora a central, do todo). Marx não é apenas um economista da produção – ele vê a totalidade.

Para a crítica do valor, também, não se pode falar em crises cíclicas, mas permanentes. Erram o mesmo erro de seus adversários. É fácil medir e ver tal regularidade, mais ou menos de 10 em 10 anos, no mundo e nos países – com crises regulares cada vez mais duras, intensas e extensas.

Marx afirma: “… é lei geral da produção de mercadorias: a produtividade do trabalho e o valor que ele cria estão em relação inversa.” (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 167) Mais produtividade, menos valor; mais produtividade, menos trabalho manual; mais produtividade, mais mercadorias lutando por realização de seu valor interno, menos possibilidades de realização na troca. A crise do valor está dentro da legalidade do capital, faz parte de si – mas em alto grau hoje. É um modo transição, além de modo de produção. Não se trata de uma anormalia, ao menos em si. O outro lado está em o valor não se realizar como antes no mercado.

A tendência é o trabalho manual nos centros produtivos ser reduzido a quase nada. O trabalho intelectual, por outro lado, de um modo ou outro permanecerá – em parte também substituído pelo maquinário moderno (cálculos etc.). Mas há dois tipos de trabalho moderno: o trabalho objetivo e o trabalho subjetivo. A máquina faz e fará o trabalho objetivo, trabalhará (por nós e para nós) – o homem faz e fará, mas de outro modo, o trabalho subjetivo.

Mèszáros nunca nomeou sua tese impressionista da crise como crise sistêmica do valor (nomeou crise estrutural) – mas o é. Na verdade, pertence à tradição marxista equivocada de que o valor seria valor de troca ou mesmo preço, que o valor é algo em primeiro da circulação, do mercado, que valor é tempo de trabalho etc. Ele viu, porém, a contradição entre produção e circulação de modo maduro; ou seja, que o valor da mercadoria não consegue se realizar, trocar-se, no mercado tal como antes; no entanto, caiu na ideia de crise permanente, não crises cada vez mais duras (e plurais). É um gênio, mas vítima das vantagens de sua tradição. A crise chamada estrutural é, antes, crise processual do capitalismo – ou seja, contradição entre sincrônico e diacrônico, estrutura e processo.

 

NOTA 2 – DESEMPREGO CRÔNICO

Tanto Kurz quanto, ao seu modo, oposto, Mèszáros dirão de um desemprego crônico. É o mau costume com o pleno emprego até a década de 1970. Teremos um capítulo específico sobre as classes, mas devemos adiantar algo. Empiricamente, não se prova um desemprego sem volta, permanente – são dados óbvios até. Mas os teóricos – da crítica do valor etc. – colocam o impacto de uma tese sobre a, acima da, realidade. Kurz, em especial, pensa assim: sobre tal e qual assunto, considerado o colapso iminente, qual tese mais catastrófica, logo correta, devo adotar? O dados dos EUA antes de 2008 ou seu pelo emprego em 2022-23, antes da crise, ou pleno emprego brasileiro de 2011 até 2014, antes da crise, provam que há ainda momentos de desemprego baixíssimo antes da quebra econômica, como previa Marx. Sem desemprego estrutural, ao menos do modo exposto por eles. São fatos e argumentos completos, que devem ser aceitos. No mais, dissemos: os países que mais negam o valor, reduzem-no, ganham na disputa global, logo, mais ricos tornam-se, logo, mais empregos geram, logo, desemprego baixo, mais estímulo a substituir caros trabalhadores por máquinas. A tese do desemprego crônico tem valor, mas relativo. Além da obrigação de originalidade, faço dois trabalhos teóricos neste livro: 1) corrijo, calibro, o impressionismo teórico de outros autores; 2) generalizo suas contribuições limitadas, como veremos a seguir.

Uns e outros, afirmam que o dado empírico de pleno emprego antes da crise é positivismo, que os dados sempre enganam. Há verdade nisso, mas a solução deles é misturar dados com suposições. Na últimas décadas, olhai os dados do FED!, antes de cada crise estadunidense[11], houve pleno emprego e, e isso é importante, aumento real ou nominal dos salários; tal aumento é prova de um pleno emprego real, pressionando os salários por demanda por força de trabalho acima de sua oferta. Prova-se. Mas o marxismo especulativo não quer saber de nada disso.

Eis alguns dados da crise de 2007 e da crise, artificialmente arrastada por trilhões dólares novos e uma pandemia, de 2020, nos EUA:

fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics –  “PRODUCTIVITY AND COSTS Fourth Quarter and Annual Averages 2020, Preliminary” , February 4, 2021

 

São dados destacados por José Martins e Alice Teixeira em seus site, Crítica da economia. Uma bela previsão da crise mundial em seguida, 2020, embora a pandemia tenha sido impossível de prever. Aí podemos ver que a crise anda de mãos dadas com o aumento dos salário, logo, desemprego baixo, pleno emprego na prática.

 

NOTA 3 – GENERALIZAÇÃO DA CRISE DO VALOR

A crise do valor econômico, a mão invisível, cuja versão impressionista alemã – Kurz etc. – é ressignificada aqui de modo dialético (contratendências etc.), é a fonte central da crise geral dos valores, do valor em geral. Crise do valor moral, crise do valor artístico etc. Mas também crise do valor de uso[12]: como os salários, em geral, são limitados; o burguês que diminui a qualidade do produto vende mais, pois a mercadoria sua torna-se mais barata. Nesta obra, até o seu fim, exporemos tal crise e uma teoria geral do valor, que apenas no externo aparece como dupla teoria, valor-matéria e valor-trabalho, sendo una, uma, no interno. Para isso, temos de observar parte a parte da totalidade. Portanto, sigamos. A crise do valor em geral aparece, também, como crise de medida, da medida.

 

NOTA 4 – CRISE DE ABSTRAÇÃO

Ao longo da obra e no capítulo do Estado em especial, falaremos em crise de abstração, da abstração – em todos os sentidos e usos de abstração, de abstrato. Aqui, o caso particular, mas central, está na crise do trabalho como trabalho abstrato, criador de valor. A crise de abstração está mais implícita que explícita nesta obra, mas clara e fácil de perceber já que deixamos a exposição básica ao leitor neste começo de livro.  As diferenças formas de crise de abstração – e suas expressões negativas, redução (fragilidade maior das fronteiras etc.), e positivas, ampliação (profissionalização das forças militares estatais etc.) – expressam o que chamo de “concreto em latência”, latente. O abstrato é o contreto em processo.

 

 

 



[1] “Era, assim, o homem de ciência. Mas isto não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia uma alegria totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio da eletricidade e, por último, ainda as de Mere Daprez.” (Engels, Discurso Diante do Tumulo de Karl Marx, 2006)

 

[2] Pode-se argumentar que trechos de O Capital contradizem a citação acima, de um manuscrito anterior à obra final de Marx, o Grundrisse. Ora, a questão aqui não é confrontar uma citação com outra citação, ao modo acadêmico, mas uma citação com a realidade… Eis o acerto de Marx ao “pesar a mão” nos esboços preparatórios de sua grande produção.

[3] A chamada quarta revolução industrial tem a mesma natureza qualitativa, põe fim à produção de valor, sendo considerada parte da terceira nesta obra.

[4] “(...) foram introduzidos sete robôs de solda a ponto distribuídos nas áreas de produção dos subconjuntos. Embora a gerência tenha justificado a introdução dos robôs pela sua superioridade de soldagem em operações que exigem uma precisão difícil de obter pelo trabalho manual, ficou-nos a impressão de que sua função principal é marcar o ritmo de trabalho, como veremos adiante. (...) apesar de ocorrerem eventuais atrasos, porque a circulação depende do acionamento manual de todos os botões, basicamente o ritmo de trabalho e de movimentação das máquinas de transferência segue o ritmo dos robôs. (...) A redução dos postos de trabalho de soldagem de conjuntos pequenos e a eliminação do trabalho manual nas operações mais difíceis facilitaram a predeterminação dos tempos de trabalho com maior realismo (...) a adoção da nova tecnologia abriu a oportunidade — aproveitada pelas empresas — de introduzir certos mecanismos na organização da produção que aumentaram significativamente o controle técnico sobre o conteúdo, o ritmo e a intensidade do trabalho, em detrimento da capacidade dos trabalhadores de produção de influir sobre o que acontece na fábrica. (...) Efetivamente, a nova organização do trabalho permite às empresas auferir economias de mão de obra não apenas relativas à substituição direta de homens por soldadores automáticos e equipamentos de circulação, mas também relativas ao melhoramento, em múltiplas formas, do aproveitamento do tempo de trabalho (...) dada a ritmação imposta pelas máquinas, e trabalha-se mais intensamente.” (Carvalho apud Lessa, Fetichismo da técnica, 2020)

[5] Em parte, o impressionismo ocorre por absolutizar o papel da concorrência.

[6] Aqui, como na essência deste capítulo, nada mais fazemos além de resgatar Marx.

[7] O Estado socialista deverá ter pelo menos três obsessões em seu início: proteger ao máximo o meio ambiente, acelerar a automação até que se generalize e garantir meios de democracia socialista.

[8] “Esse processo progressivo de domínio do valor sobre o valor-de-uso, no interior da unidade contraditória chamada mercadoria, constitui o que chamamos “desmaterialização progressista da riqueza capitalista”. Isso, por uma razão muito simples. O valor-de-uso é o conteúdo material das mercadorias e fica determinado pelas características (conteúdo e forma) materiais de cada uma delas. O valor é sua dimensão social. O domínio deste sobre aquele implica a desmaterialização do conceito riqueza capitalista, desmaterialização da mercadoria.” (Carcanholo R. , 2002)

[9] A citação de Hegel: “A razão é tão astuciosa quanto poderosa. Sua astúcia consiste principalmente em sua atividade mediadora, que, fazendo que os objetos ajam e reajam uns sobre os outros de acordo com sua própria natureza, realiza seu propósito sem intervir diretamente no processo.” (Hegel apud Marx, O capital I, 2013, pp. 256, 257, griffo meu). Tal citação encontra-se na Enciclopéria. Tratando do mesmo tema em A Ciência da Lógica, diz Hegel: “Mas assim ela coloca para fora um objeto como meio, deixa-o trabalhar exteriormente em seu lugar, abandona-o ao desgaste e conserva-se atrés dele frente à violência mecânica.” (Hegel F. , 2018, p. 227) Se a divisão do trabalho trás consigo um princípio, segundo Marx, platonista; hoje, ao surgir a base socialista, que amadurece dentro do capitalismo, obtemos uma realização histórica materialista, porém hegeliana; hegeliana, porém materialista!

[10] Insistimos, pois é algo vital. Vários marxistas e economistas perceberam que o Estado, de modo artificial (garantindo o funcionamento do sistema artificialmente – o que em si merece reconhecimento teórico) impediu que poderosas empresas fechassem as portas, desde 2008, o que é o natural durante as crises. Há superacumulação de capital, crônica, que, se grandes empreendimentos deixassem de existir no atual estágio, gerariam crises excepcionalmente duras e até mesmo o risco de derrubada completa do atual modo de vida.

[11][11] Os dados demonstram crises cíclicas regulares, mas muitos da crítica do valor, kurzianos, negam o fato, de que há crises periódicas – como Mészaros, o adversário deles, falam em crise permanente… Ambos os lados em oposição cometem o mesmo erro em vários pontos e temas.

[12] Logo veremos, na Metafísica marxista, que valor e valor de uso são apenas um, embora apareçam como dois.

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