CRISE DO
SISTEMA DE VALOR
“Sonhava Aristóteles, o maior pensador da Antiguidade: se cada
ferramenta, obedecendo a nossas ordens ou mesmo pressentindo-as, pudesse
executar a tarefa que lhe é atribuída, do mesmo modo como os artefatos de
Dédalo se moviam por si mesmos, ou como as trípodes de Hefesto se dirigiam por
iniciativa própria ao trabalho sagrado; se, assim, as lançadeiras tecessem por
si mesmas, nem o mestre-artesão necessitaria de ajudantes, nem o senhor
necessitaria de escravos.”
(Biese apud Marx, O capital I, 2013, pp. 480, 481)
“Devemos temer o capitalismo, não os robôs. Se, no futuro, as máquinas
produzirem tudo o que precisamos, o resultado vai depender de como as coisas
são distribuídas. Todos podem desfrutar de uma vida de luxuoso lazer se a
riqueza produzida for compartilhada. Ou a maioria das pessoas pode acabar
miseravelmente pobre se os donos das máquinas continuarem se posicionando
contra a distribuição de riqueza. Até agora, a tendência parece apontar para
esta segunda opção, com a tecnologia conduzindo para uma desigualdade cada vez
maior.”
Stephen Hawking.
O marxismo
rejeita, desde sua origem, o determinismo econômico. Não obstante, precisa-se
de mergulhos profundos, superando a sociologia, para enxergarmos o objeto em
totalidade. A técnica é, portanto, o ponto de partida[1]. A automação e
a robótica devem despertar polêmicas vivas entre aqueles que lutam
por um novo mundo; afinal, as mudanças na produção alteram todo o tecido da
sociedade. Nesse sentido, nortear-nos-emos com a seguinte e reveladora citação
de Moraes Neto:
Sendo assim, como se
coloca a natureza autocontraditória do capital quando sua base técnica possui a
natureza taylorista/fordista? A resposta é: não se coloca; a forma
taylorista/fordista de organizar o processo de trabalho não é contraditória com
o capital enquanto relação social; pelo contrário, o taylorismo/fordismo
chancela a forma social capitalista. Uma forma técnica lastreada no
trabalho humano, que induz ao emprego de milhares de trabalhadores
parciais/desqualificados, é perfeitamente assentada à forma social capitalista;
o sonho da eternidade capitalista teria encontrado sua base técnica adequada.
[…] a aplicação
da microeletrônica para o caso da indústria metal-mecânica terá como
consequência trazer essa indústria para o leito da automação, no qual já
caminham há muito tempo ramos industriais tecnologicamente mais
avançados. A concorrência intercapitalista em escala mundial e as
possibilidades abertas pelo conhecimento científico estão deslocando uma fração
(nada desprezível) “smithiana/bravermaniana” da base técnica capitalista em
direção ao leito comum da automação, ou melhor, ao leito teórico marxista.” (Neto, 2003, p. 61, grifos
nossos)
De forma
oportuna, o autor cita Karl Marx[2] –
no mesmo texto:
Tão logo o trabalho na
sua forma imediata deixa de ser a grande fonte de riqueza, o tempo de trabalho
deixa, e tem de deixar, de ser a sua medida e, em consequência, o valor de
troca deixa de ser [a medida] do valor de uso. O
trabalho excedente da massa deixa de ser condição para o desenvolvimento
da riqueza geral, assim como o não trabalho dos poucos deixa de ser
condição do desenvolvimento das forças gerais do cérebro humano. Com isso,
desmorona a produção baseada no valor de troca, e o próprio processo de
produção material imediato é despido da precariedade e contradição. (Marx, Grundrisse, 2011, p. 588,
grifos nossos)
Percebemos
que o atual avanço técnico – automação, robótica, informática, gestão
científica – merece maior atenção por parte dos marxistas de todo o mundo, pois
o capitalismo, como veremos, alcançou seu limite.
Marx foi o profeta. Do ponto de materialista,
percebeu a tendência constante de substituição do trabalho vivo por trabalho
morto ou passado, quer seja, o maquinário adquirindo, objetivando, as
habilidades humanas. A robótica, que há muito deixou de ser hipótese-ficção,
apresenta-se como principal imagem-síntese. Em nosso entender, essa tecnologia
– por questão de simplificação, trataremos a automação e a robotização como, em
essência, de mesma natureza[3] –
tem duplo caráter: de imediato, serve ao capitalismo, à produção de mercadorias,
ao lucro; mas também é um modelo útil por excelência ao socialismo, pois liberará
os trabalhadores do trabalho manual, dará tempo livre a estes para que adquiram
cultura e cuidem do poder, permitirá a planificação centralizada e científica
da produção e da abundância. Podemos afirmar, evidencia-se, que a base técnica
amadureceu para a sociedade socialista, como a fruta avermelhada que ou é
colhida e degustada ou apodrecerá e cairá.
O capital é
incapaz de generalizar a III revolução industrial. A substituição de trabalhadores
por máquinas produz contratendências:
1)
barateia a
força de trabalho;
2)
pressiona para
o aumento da jornada de labor;
3)
dão-se
melhores condições para a patronal impor aumento da intensidade do trabalho;
Nos três
casos, o “desemprego tecnológico” produz a pressão social que permite tais
medidas. Assim, em movimento, pretendemos resolver – junto também ao fator 4
adiante – a polêmica sobre se há crise do valor, redução de sua massa e de
mais-valor, ou seu maior império. Ademais, o leitor que conhece bem a dialética
entre mais-valor relativo e absoluto reconhece tais observações. O destaque
sobre pressão de tendência e contratendência será tema, também, de observações
posteriores.
4)
abaixa o
preço dos produtos consumidos pelos trabalhadores;
Em resumo,
as alterações no preço e no valor da força de trabalho, no trabalhador e no ato
de trabalho fazem com que compense manter o trabalho manual, adiando sua
substituição por máquinas automáticas e robôs.
5)
reduz o valor
das máquinas baseadas no trabalho manual;
Mais do que
“desmoralizar” as máquinas baseadas em técnica inferior, empresas automatizadas
também podem produzir maquinário por onde as mãos humanas ainda cumprem função
direta.
6)
Barateia a
matéria-prima de empresas baseadas na produção de valor.
Esse
barateamento produz um efeito anticrise cíclica nas empresas, atuando para que
se mantenham através do barateamento das mercadorias por redução dos custos e aumentando
o potencial de vendas.
Em sistemas
orgânicos, a menor distância entre um ponto e outro é uma curva: sob relações
capitalistas, a automação impede a
automação. Dito de forma pura, observa-se uma demonstração de como o
presente é a unidade dialética do passado e do futuro. Na dinâmica de tendência
e contratendência, há a contradição entre a necessidade de desenvolvimento das
forças produtivas e as relações de produção vigentes. Cabe ao socialismo
desenvolver de modo organizado a técnica nos mais variados setores: a ampliação
do uso da maquinaria automatizada gerará, sob novas relações, mais tempo livre
ao trabalhador e realocamento organizado da força de trabalho, isto é, pelo
emprego constante com escala móvel de jornada de trabalho.
A relação de
tendência e contratendência apontada acima pode ser observada pelo declínio do
crescimento da produtividade em escala internacional:
GRÁFICO 3
Fonte: (Extended Penn World Tables apud Cockshott,
2020)
Tratamos de
modo ainda um tanto puro, no universal, a relação acima. Desçamos um pouco mais
ao concreto, ao particular. Porque têm baixo desemprego, ou seja, custo
unitário da força de trabalho maior, alguns países – Coreia do Sul, Alemanha,
Japão, etc. – adotam como vanguarda a produção automatizada. Porque a produção
automatizada é mais desenvolvida em alguns países, tais nações vencem a
concorrência mundial, atraindo valor para si: ganham dinâmica econômica que
produz conjunturalmente baixo
desemprego, motor para ainda mais automação; o processo, então, realimenta-se;
processo este posteriormente limitado pelo monopólio, pela superprodução
crônica latente, pela transferência de empresas para outras nações, pela
imigração (causado, em boa parte, pela miséria nos países em desvantagem) e
pelo retorno do desemprego (em certos casos e circunstâncias, também pelo
efeito do câmbio). Já países em desvantagem tecnológica, que produzem produtos
de menor valor agregado, que perdem na concorrência internacional, amargam
piores condições de trabalho e maior desemprego, o que dá fôlego à produção
baseada no trabalho manual. Isso é ainda mais verdade hoje porque a tecnologia
deu um salto desde a década de 1970, exigindo muito para dominar a produção de
certas mercadorias (chamam fábricas modernas de “universidades produtivas”); antes,
o país atrasado poderia simplesmente copiar, com algum atraso, a tecnologia e a
mercadoria do país avançado, algo difícil atualmente.
Façamos,
agora, um duplo mergulho na concretude, no singular. Há fábricas de todo
automatizadas que, para reduzir os custos, operam com as luzes desligadas, pois
é desnecessário a presença de trabalhadores auxiliares ao menos vigiando o
maquinário fabril. Tal exemplo é uma boa imagem da tendência produtiva, mas há
ainda outros casos, onde se revela a contradendência dentro do espaço fabril.
Uma empresa pode automatizar apenas o setor onde antes o trabalho era feito por
operários especializados, que podem impor ritmo mais lento ao conjunto da
produção e salário mais altos – até serem demitidos e substituídos por capital
fixo; porém os demais setores do processo produtivo interno, com salários mais
baixos por baixa especialização, continuam com seu trabalho manual, desta vez,
no entanto, com um ritmo ainda mais intenso de labor por razão da aceleração da
atividade causada quando o novo maquinário foi posto em funcionamento[4].
Observa-se aí a relação tendencial e contratendencial – pois a lei é
tendencial, relativa – ao fim da produção de valor.
A observação
da tendência a suprimir o trabalho manual na produção e ao lado do avanço
técnico também em demais setores (serviços, comércio, etc.) é evitada por boa
parte dos marxistas, pois veem aí uma equação irresolvida sobre o papel do
proletariado na sociedade. Ora, se o desenvolvimento técnico incompleto causa
tensão social sob o capitalismo, a classe operária continua tendo função
revolucionária.
A questão em
Marx aparece de modo incomum aos marxistas. Ele observou, com uso de
estatísticas, o aumento da classe dos serviçais e redução da classe operária.
Vejamos afirmação em sua obra central:
Todos os representantes responsáveis da economia
política admitem que a primeira introdução da maquinaria age como uma peste
sobre os trabalhadores dos artesanatos e manufaturas tradicionais, com os quais
ela inicialmente concorre. Quase todos deploram a escravidão do operário
fabril. E qual é o grande trunfo que todos eles põem à mesa? Que a maquinaria,
depois dos horrores de seu período de introdução e desenvolvimento, termina por
aumentar o número dos escravos do trabalho, ao invés de diminuí-lo! Sim, a
economia política se regozija com o abjeto teorema, abjeto para qualquer
“filantropo” que acredite na eterna necessidade natural do modo de produção
capitalista, de que mesmo a fábrica fundada na produção mecanizada, depois de certo
período de crescimento, depois de um maior ou menor “período de transição”,
esfola mais trabalhadores do que ela inicialmente pôs na rua!
Certamente, alguns casos já demonstravam – como,
por exemplo, o das fábricas inglesas de estame e de seda – que, quando a
expansão extraordinária de ramos fabris alcança certo grau de desenvolvimento,
tal processo pode estar acompanhado não só de uma redução relativa do número de trabalhadores ocupados, como de uma
redução em termos absolutos. (Marx, O
capital I, 2013, pp. 519, 520; grifos nossos.)
Retomaremos
o assunto em capítulo específico. Aqui, interessa destacar sobre que as
considerações ao tema feitas superam uma oposição dentro do marxismo: de um lado,
teóricos descobrem a crise da produção de valor, mas a absolutizam – ignoram o
caráter tendencial da crise do valor[5];
de outro, marxistas práticos evitam o tema porque defendem a classe operária e
seus métodos (greves, ocupações, piquete, etc.) como os caminhos para o
socialismo. Superar as concepções opostas exige perceber o caráter transicional
da realidade.
Cumpre
destacar, enfim, os dois estímulos à renovação técnica no capitalismo: 1) a
concorrência – logo, a existência de monopólios e oligopólios modernos retarda
o desenvolvimento técnico da produção, como mostrado na imagem anterior, adia
relativamente o fim do trabalho manual, produtor de valor, nas empresas; 2) a
luta de classes. A segunda é menos realçada, por isso merece mais atenção[6]. A
luta dos operários por menor jornada de trabalho, maiores salários e mais
direitos estimula a adoção de melhor maquinário capaz de aumentar a produtividade
e diminuir o número de funcionários. A luta de todos contra todos enquanto luta
por parcela do valor demonstra a luta das classes – incluso intraclassista,
entre burgueses – como motor da história. Isso significa, também, que a
introdução de máquinas automáticas desestimula a própria automação porque o
desemprego quebra as greves por um período mais ou menos longo, ou seja, uma
contratendência derivada da tendência.
Surge-nos,
então, a pergunta: como o desenvolvimento técnico e científico será estimulado
no socialismo? Vejamos por meio da história da humanidade, de negações de
negações, em espiral:
Primitivismo: É do
interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.
Escravismo: Não é do
interesse produtor o desenvolvimento da técnica – o militarismo cumpre tal
papel.
O escravo
fazia o possível para atrapalhar a produção, em principal quebrando as
ferramentas de trabalho, o que fazia exigir aparelhos pesados e robustos para
maior resistência material.
Para o
escravo, havia a aparência de que todo trabalho era para outro, mas uma parte
do trabalho era para si, trabalho necessário.
Feudalismo: É do
interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.
A
contradição de classe do escravismo é resolvida no feudalismo ao oferecer ao
produtor domínio de ferramentas e direito a cultivar para si parte das terras
feudais.
Era claro ao
servo que trabalhava uma parte para si e uma parte para o outro.
Capitalismo: não é do
interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.
A primeira
reação dos trabalhadores contra as máquinas é o ludismo, que tinha por norte
quebrar as novas ferramentas, mas logo se revelou um movimento limitado, contra
o desenvolvimento histórico. A entrada do maquinário cada vez mais avançado
demite operários, reduz salários, atua para aumento da jornada, etc.
Ao operário,
(a)parece que recebe por seu trabalho, de modo integral, no lugar de por valor
de sua força de trabalho, não vê o mais-trabalho e o mais-valor.
Socialismo: É do
interesse do produtor o desenvolvimento da técnica.
Para o
trabalhador, será claro que trabalhará uma parte de modo direto para si e uma
parte para a sociedade, de modo indireto também para si.
O socialismo
estimulará o avanço tecnológico porque 1) será do interesse daqueles que vivem
do trabalho ter sua jornada de labor tanto reduzida quanto mais fácil; 2) a
ciência será mais autônoma em seu desenvolvimento; 3) a humanidade tornar-se-á
cada vez mais erudita, superando a atual e reduzida casta detentora do saber;
4) como consumidores, os trabalhadores quererão produtos novos e melhores.
O VALOR
Os teóricos
da crítica do valor, Kurz e Postone em destaque, recuperam a categoria valor
como substância social. O caráter
qualitativo e histórico desta categoria real foi negligenciado por boa parte
dos marxistas por muito tempo. Porém seu significado é resgatado exato quando a
massa de valor global produzido tende a cair com a automação, com a redução do
número de operários nas empresas e a dificuldade do capitalismo em produzir
inéditos tipos de mercadorias baseadas no trabalho manual
Por causa
das contratendências à implementação da produção automatizada, por breves
momentos históricos a massa total de valor e de mais-valor pode mesmo crescer,
mas a tendência impõe-se e ela mais importa para a análise científica e
militante. Desenvolvem-se também meios “parasitários” de absorção de valor que
são debatidos ao longo desta obra.
Há contradição entre valor e capital que ganha intensidade na medida em que aquele se
transforma neste. O evolver do capitalismo enfim destrói sua própria base, a
produção como produção de valor e mais-valor. Apenas assim, destruindo a
categoria central do sistema, o socialismo pode ser possível e necessário.
Inúmeros
marxistas confundiram valor e (valor de troca) preço. Aqui, com necessária dose
de dialética, deixamos claro que valor não é preço, embora o seja. O preço,
ideal, é a forma inexata de manifestação do valor, material.
A INFORMÁTICA E O SOCIALISMO
A
planificação das sociedades antes em transição ao socialismo, na política
keynesiana do pós-II Guerra e dentro das grandes empresas obteve enormes
resultados (veja-se a superioridade da URSS na corrida espacial). Mas ainda havia
os limites do desenvolvimento técnico. É apenas com a computação moderna que o
amplo planejamento social pode ser feito no curto tempo exigido. Os
computadores quânticos serão a grande prova empírica da possibilidade do
planejamento pleno, já permitido pelos atuais supercomputadores.
A moderna
tecnologia da informação obterá rapidamente dados dos estoques, da saída de produtos
destes, ajustando rapidamente a produção ao consumo. O planejamento central
promoverá a identidade entre oferta e procura, pondo fim à forma preço ainda
antes da automação quase completa da produção. Algoritmos trabalharão, reunindo
e articulando dados, em base a protocolos sociais prévios[7]
Hoje obviamente o socialismo digital pode fazer
muito mais. A internet possibilitaria canalizar grandes quantidades de
informação de todas as partes do mundo para sistemas de planejamento, quase
instantaneamente. Saltos gigantescos na capacidade de computação tornariam
possível processar todos esses dados rapidamente. Enquanto isso, o aprendizado
de máquina e outras formas de inteligência artificial poderiam vasculhá-los,
para descobrir padrões emergentes e ajustar a alocação de recursos
apropriadamente.
Um caso
singular ajuda-nos a observar a tendência no socialismo. Apesar dos limites
tecnológicos na década de 1970 e da tentativa de Allende de limitar a revolução
em curso nos limites do Estado burguês, o governo frente populista chileno pôs
em prática o projeto Cybersyn, um comando central de computação que coordenava
dados vindos de diferentes empresas, onde eram instalados maquinários de
teletipo, e organizava em tempo real os dados da produção por meio de grandes
telas e uma pequena equipe em uma sala de trabalho de estética futurista. Se a
revolução tivesse vencido, seria exemplo mundial de planejamento avançado, ainda
que houvessem duros limites tecnológicos naquela época. Hoje tal tipo de
projeto é ainda mais viável com a universalização da internet, do computador e
da capacidade de concentrar dados. A Big Data, o 5G, o 6G e a inteligência
artificial podem ter, se vencermos, vitais fins socialistas.
A polêmica
sobre se é ou não possível planejar a economia foi resolvida pela prática, isto
é, pelo avanço da ciência e da técnica, não por grandes jogos argumentativos
entre teóricos. O capitalismo produz dentro de si as condições do socialismo.
Somente se a tecnologia sob o capital der condições materiais para o
funcionamento de outra sociedade o socialismo poderá surgir. Neste sentido,
vale observar uma das máximas de Marx: um problema surge já produzindo as
condições de sua solução. Tal resolução do problema do planejamento apenas
surgiu na história recente (Cockshott &
Cottrell, 2019), o que demonstra a prematuridade das revoluções sociais
do século XX, tema de outro dos capítulos deste livro.
A
informática oferece também as formas complementares e consolidadoras da
democracia socialista. O controle sobre os dirigentes mais gerais poderá ser
feito por votações pela internet, por aplicativos. Correntes políticas
minoritárias terão acesso mais fácil a públicos amplos, apresentando suas
propostas e críticas por meio de sites, canais de vídeo, etc. Os debates
nacionais serão, por tal ferramenta, de fato nacionalizados. Graças ao avanço
tecnológico, dados essenciais chegarão com mais facilidade ao público. A forma
democrática da próxima sociabilidade, se vencermos, tem sua viabilidade posta
enfim pelo desenvolvimento técnico-científico recente.
O
planejamento pleno também é permitido, de modo íntimo, pela plena cientifização
da produção (automação, robótica, etc.), que oferece regularidade produtiva,
grande oferta de produtos e controle contábil. O trabalho, diferente do que
pensam Paul Cockshott e Allin Cottrell, desde observação de Mises, deixa de ser
a unidade de valor.
A MERCADORIA
A)
Mudanças na
forma material da mercadoria.
A dialética
forma-matéria é muitas vezes desconsiderada no meio marxista. Buscando superar
a ausência, observamos tais tendências à matéria da forma mercadoria:
1)
Redução da
extensão;
2)
Redução da
materialidade[8];
A perda
relativa de extensão e materialidade, como precisar de menos componentes,
permite redução dos custos e tempo de produção, além dos custos de transporte.
A história dos computadores é um exemplo. Tais tendências colaboram para o
aumento da superprodução no setor de matérias-primas e, ao agilizar a produção,
nos produtos para consumo final. Marx observa em O Capital I que o
aperfeiçoamento das máquinas leva à redução de sua materialidade, por isso
incluímos também o valor de uso da mercadoria maquinário.
3)
Fusão (ou
aglutinação) de valores de uso;
A
consequência mais determinante desta é que, quando o automatismo está fora de
questão, um mesmo trabalho constrói valores de uso múltiplos, estimulando a
redução da massa total de valor. Pensemos quantos aplicativos de celulares
substituem objetos antes produzidos por diferentes fábricas, por trabalho
manual.
Podemos
exemplificar também por meio de falhas. Microsoft e Sony fazem uma guerra
planetária por vendas e por quem primeiro implementa novos valores de uso em
seus aparelhos. A corporação mais ousada nos lançamentos tem experimentado, no
entanto, rejeição do público. E nesse ziguezague medeiam:
A divisão do Xbox na Microsoft passou por um
turbilhão de emoções no último ano, com o anúncio do Xbox One, toda a rejeição
às políticas de sempre-online e o foco em recursos multimídia, como TV. A
empresa, por meio do novo chefe da área, Phil Spencer, reconhece que errou
bastante em algumas decisões tomadas.
Spencer não fala explicitamente no vídeo, mas já
deixou claro em outras entrevistas, como novo chefe da área, dará foco a jogos.
Esta deve ser a mídia mais importante do Xbox One, mesmo com todas as outras
alternativas de TV, e etc. Este foi um ponto que os rivais aproveitaram para
tripudiar sobre o console da Microsoft, dizendo que ele “só tinha TV, mas não
tinha jogos”. A Sony deixou clara em seu anúncio que o PS4 foi feito pensando
em jogos. (
A Sony havia
cometido semelhante erro de tentativa com o console anterior, o PS3. Tudo
indica retorno futuro ao objetivo. Uma vez por fim concluída a meta, destruirá
capitais destinados à produção dos mesmos valores de uso de modo autônomo,
concentrando valor, e permitirá um salto de qualidade sobre a concorrência.
As três
tendências apontadas são mais comuns, por evidente, naqueles produtos de alta
tecnologia. Aqui nosso foco é a relação das alterações materiais com o sistema
de valor, mas é claro, por exemplo, que comumente a perda de tamanho e
materialidade aparece como pressuposto da aglutinação dos valores de isso,
assim como o próximo ponto.
4)
Separação do
valor de uso da matéria.
Simples
produtos naturais passam por tal processo. Para reduzir custos de produção e
aumentar escala, a fruta transformável em suco pode ser substituída por um pó
químico capaz de simular sabor e cheiro do produto original. Sobre a tendência,
vejamos o trecho de uma matéria:
Análises feitas desde 2008 pelo Centro de Energia
Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP), mostram que o uso
do milho é de, em média, 45%, bem próximo do limite máximo estipulado pela
legislação de, 50%. — Sempre detectamos milho nas análises. Isso porque o milho
chega a ser 30% mais barato do que a cevada. O problema é que o rótulo não é
mais claro, e a legislação permite — diz o coordenador da pesquisa, professor
Luiz Antônio Martinelli.
Sobre, a
poderosa Ambev revela-se risível:
Por incluir cereais não maltados – como milho e
arroz – nas cervejas, a Ambev defendeu a prática e disse que ela é positiva
para o mercado cervejeiro. A fabricante é dona de marcas como Skol, Brahma e
Antarctica. "O mundo seria muito chato se todas as cervejas fossem
iguais", disse o diretor-geral da empresa […] referindo-se às cervejas que
levam apenas água, lúpulo e malte em sua composição. "Quem é contra arroz,
milho e outras misturas na cerveja é contra a diversidade", declarou.
Em O
Capital, K. Marx trata da falsificação dos pães, e conclui (Livro III):
falsificar é inadmissível para o capitalismo, embora as constantes tentações
empresariais. Em sua época, com imensa dificuldade perceberia a substituição da
matéria no valor de uso, formando algo fictício, como opção normal do próprio
sistema. “Eu sei que este filé não existe, eu sei que o que eu ponho na minha
boca, Matrix diz ao meu cérebro que é… suculento e delicioso.” (Martrix, Wachowskis, 1999, referência ao
livro e ao filme 1984, George Orwell.)
Em alguns
casos, a separação do valor de uso da matéria enfrenta a produção como produção
de valor ao permitir acesso gratuito a produtos via internet.
5)
Ganho
estético do valor de uso.
Com a
superprodução absoluta latente, surge a necessidade de dar ares artísticos e
sedutores à mercadoria para que saia com mais facilidade das prateleiras. As
mercadorias disputam a atenção dos consumidores. O design de produtos é a
profissão típica, pois pensa a estética e como, sempre que possível, reduzir custos
com a matéria embora seja em si um acréscimo de custo improdutivo.
Na produção
também ocorre o ganho estético, pois as fábricas sujas e sombrias são cada vez
mais algo do passado como tática de disfarce da condição classista. Ademais,
grandes empresas investem em espaços de lazer, bibliotecas, etc. ao redor do
espaço fabril.
6)
Alteração da
resistência dos valores de uso.
Tendência
percebida por Mészàros (2011), faz-se
necessário diminuir a qualidade das mercadorias em nome da quantidade – a
obsolescência programada para enfrentar a superprodução. A rotação do capital
pode manter-se com a alteração do produto, o excesso de mercadorias é assim
administrado.
Segundo
aspecto, aumentou-se a resistência de mercadorias para que se tornassem parte
da produção em larga escala. O leite em pó serve de exemplo, pois permitiu a
acumulação de capital e grande produtividade.
Os dois
movimentos, opostos, ganho e perda de perecibilidade, atuam nos limites da
produção sob o capital, isto é, tratam de uma superprodução crônica latente.
7)
A taxa de
utilização decrescente do valor de uso
Mészàros
descobriu
Observadas
as razões particulares – a causa geral é a busca por lucro – das mudanças em
nossa época, deve-se destacar um fator central: hoje, tornou-se muito difícil
produzir tipos inéditos de mercadorias, por isso o giro dos esforços para
aglutinação, mudança da matéria, etc.
Tantas
vezes, a natureza da mercadoria, ou do processo produtivo, ou de sua escala de
produção exige automação e robotização completa ou quase total. É o caso, por
exemplo, da grande produção de cimento no Brasil.
Que a
máquina se desmoralize, perca valor, na existência de outra mais moderna
máquina – ocorre na sua condição de mercadoria. Logo, típico de qualquer
mercadoria a desmoralização diante de outra melhor, como o celular novo no
mercado. Tal desmoralização da qual fala Marx em O Capital quanto ao maquinário
repete-se nos demais produtos no comércio. Daí o novo fenômeno: apenas
mercadorias de ponta tecnológica permanecem como o computador, não a máquina de
escrever.
B)
Desenvolvimento
do capital comercial
O estudo da
integração dos capitais foca, em geral, na fusão entre o capital industrial e
financeiro, sob liderança deste último. Destaquemos, então, o processo desde o
comércio:
1. Setores produtivos desenvolvem
franquias para a venda de mercadorias suas;
2. Setores comerciais passam a produzir
(exemplo: uma rede de supermercado lançar um produto próprio);
3. O comércio desenvolve, por própria
conta e junto aos bancos, seus cartões de crédito;
4. Grandes redes comerciais passam a
operar com capital aberto;
5. Elevam-se a proporção e a massa de
mercadorias movimentadas por crédito comercial, compra-venda por meio de
pagamento antes do consumidor final do valor de uso;
6. Pode ocorrer movimentos simultâneos: uma
empresa abrir produção e sua rede de franquia juntos (uma fábrica de açaí com
sua marca de franquias, etc.).
O
desenvolvimento do capital também ocorre no setor comercial, com a acumulação,
concentração e centralização; ademais, ocorre, como demonstramos, fusões com
outras formas de capital. A formação de grandes redes de lojas, super e
hipermercados, de atacado e de varejo, por todos os ambientes de concentração
humana, interconectados via internet e sistema financeiro, oferece a primeira
forma social geral dos meios de armazenamento e distribuição dos valores de uso
no início da transição ao socialismo, durante o processo geral de deflação,
isto é, durante a economia planejada e o aumento da produtividade. Sobre o modo
de distribuição, observamos as bases primeiras da próxima sociedade por meio do
alto evolver deste. A consolidação da grande propriedade privada no comércio,
ainda que persista o pequeno comerciante contra sua decadência, é condição sine qua non para a superação das
relações monetárias uma vez estatizadas as grandes redes logísticas e
distributivas pelo Estado socialista.
C)
A produção
sob demanda
A produção
sob demanda é uma tendência que se reforça cada vez mais sob o capitalismo. É
necessário destacar que tal processo será útil por excelência ao socialismo e
ao fim da forma-preço, ao fim do mercado. A transição ao socialismo tem por
tarefa encerrar o segredo comercial como condição para unir empresas, até então
concorrentes, em um plano produtivo central.
A HISTORICIDADE DO VALOR DE USO
Em geral, os
marxistas consideram o valor algo histórico e o valor de uso, a-histórico. Tal
concepção está equivocada. A começar, o valor existe a milênios, tendo sido
objeto de estudo por Aristóteles, mas apenas no capitalismo tornou-se valor que
se autovaloriza, ou seja, consolida-se como capital. Feita a consideração,
vejamos agora o polo oposto.
O valor de
uso é fruto do desenvolvimento histórico. A vitrola só poderia ser resultado do
capitalismo, não do feudalismo, ademais, na outra ponta, de ser imprópria para
a etapa tecnológica recente. No decorrer do desenvolvimento da humanidade,
fomos alterando os valores de uso, além de criar novos; por mudanças na sua
genética, o milho já não é o mesmo desde a pré-história, pois o modificamos
sempre que pudemos. A roupa muda de tipo de tecido com a época. E as ferramentas
são para o modo de produção correspondente.
A maquinaria
da I e II revoluções industriais, que disciplinam o trabalho manual, pertencem
ao momento histórico do capital, por mais que se tentasse fazer uso socialista
deles. Os gregos e os romanos poderiam ter desenvolvido técnicas mais
avançadas, mas, descobrem os historiadores, não faziam uso porque era
desnecessário para aquele modo de vida (que se importava mais com a qualidade
das mercadorias dos artesões do que com a quantidade).
O socialismo
concluirá algumas tendências do capitalismo em seu fim como a fusão de valores
de uso e a desmaterialização. Descartará outras porque, por exemplo, no lugar
de fragilizar o material, cuidará da qualidade dos produtos, que já não serão
mais mercadorias ao colocar o valor no passado.
O valor de
uso e suas possibilidades modernas pedem por relações socialistas. O nylon é
altamente resistente, mas a engenharia foi usada para fins destrutivos, para
fragilizar aquela matéria e, assim, permitir nova compra, nova substituição. A
internet e a automação avisam que uma nova época pode surgir. Ao libertar a
ciência e a técnica da mão de ferro do lucro, o socialismo fará tipos novos de
valores de uso e materiais, próprios de sua época, e renovará os ora existentes
de acordo com as novas necessidades sociais.
Tanto o
valor quanto o valor de uso estão impregnados de história.
Posta assim,
a observação deste subcapítulo é óbvia, porém faz-se necessário dizer o
evidente todas as vezes que a intelectualidade perde-se nos debates.
CAPITAL FICTÍCIO
A produção
automatizada absorve para si parte da massa de valor global na venda de suas
mercadorias sem oferecer mais-valor; ou seja, ao renovar a maquinaria, a
mercadoria tem em si o custo de produção mais mais-valor extra, extraído de
outras empresas que ainda produzem a forma valor. É, assim, capital produtivo
fictício. É improdutivo porque improdutivo de valor
Temos a
primeira conclusão socialista: a produção poderá ser produção apenas de valores
de uso graças ao avanço técnico iniciado por dentro do capitalismo. Aqui, o
teórico Kurz demonstrou como as bases do socialismo estão por se realizar
dentro do capitalismo.
Outro setor
a operar de modo ao mesmo tempo real e fictício são os serviços. São, por
exemplo, empreendimentos empresariais que dão lucro, logo concorrem de modo
direto pela massa de valor total da sociedade, mas a atividade aí apenas
disputa, sem contribuir, parcelas do valor produzido nas fábricas (minas, etc.)
baseadas no trabalho manual. Quando afirmamos no capítulo anterior que estamos
diante da inflação do capital fictício, apresentamos apenas parte das
conclusões, pois a hiperinflação dos serviços, graças à alta urbanização em
grande parte, também faz parte testa era.
Aprofundemos,
pois é assunto até aqui tratado de modo impreciso.
No capítulo 5 d’O Capital, quando Marx
coloca o trabalho por categoria necessária do homem, descreve a diferença da
melhor abelha versus o pior arquiteto, pois este faz prévia ideação – e, destacamos, fica fora da transformação prática
da matéria, do trabalho manual. O trabalho intelectual será a forma de trabalho
dominante na produção socialista.
Esta forma de labor transcenderá a si
para fora da produção material, do trabalho, e vai-se até as formas sociais
puras (Lukács): gestão do Estado, educação, saúde, etc. – o setor de
serviços. É o homem tornando-se cada vez mais social, superando sua
pré-história. Sob o capitalismo em sua última era, a elevação do setor de
serviços, improdutivo de valor, portanto capital fictício quando para fins
lucrativos, expressa de modo invertido e latente a tendência mais universal.
O setor de serviços, que em parte
também passa por avanços tecnológicos modernos, tem visível crescimento em todo
o mundo. À medida que cai a taxa de lucro, o capitalista sente necessidade de
expandir as fontes de dinheiro; tanto quanto pode, os serviços são
desenvolvidos em grandes empresas. O socialismo tratará, por sua vez, de por
várias das funções em extinção com o fim de suas necessidades e porá outras à
disposição do bem-estar humano, não do lucro.
As tradições luckasiana e a crítica do
valor merecem acompanhamento atento, pois ofereceram importantes aportes. Mas
caíram em oposições. Aquela volta à centralidade do trabalho e resgata seus tipos;
porém confunde a categoria com trabalho manual, limitando o conceito a este
modo de trabalhar. Esta percebe o peso da automação, resgata outros aspectos de
O Capital, põe a crise da produção de
valor em debate; porém negligencia a história e reduz seu trato ao capital,
considera a categoria trabalho por apenas ligada à produção de valor e também apenas
manual. A oposição é forte porque se apoiam em profundos aspectos da realidade.
A síntese é feita na própria tendência, do passado ao futuro.
N’O capital I, p. 256, Marx (2013)
trata do meio de trabalho como coisa ou complexo de coisas que o trabalhador interpõe
entre si e o objeto de trabalho. Em seguida, complementa em nota de rodapé onde
usa para argumento a Hegel (sic!), citação sobre a razão pôr objetos para
intervir sobre outros objetos[9].
O socialismo é o alto desenvolvimento dessa dinâmica: ainda que se use o
chamado trabalho manual de modo auxiliar, o trabalho intelectual dominará de
todo o processo produtivo no ato de transformação. O trabalho continuará, desse
modo, condição universal do intercâmbio do homem com a natureza. O avanço
social é, portanto, em última instância, o avanço das mediações produtivas, dos
meios de trabalho.
O trabalho intelectual usa as mãos
para, exemplo, arquitetura ou design industrial; o trabalho manual é obrigado,
por sua vez, a usar o cérebro para evitar erros. A diferença nunca é o uso
material de partes do corpo; a importância de cada membro corpóreo na produção
é o determinante da diferença. O desenvolvimento do maquinário é, pois, a busca
pelo uso mínimo do cérebro do trabalhador braçal, por meio de indução a movimentos
repetitivos, e desenvolve-se na supressão do trabalhado direto sobre a matéria.
Porque o tema é polêmico, incluiremos
mais uma observação. O trabalho do homem primitivo era um só corpo e um só
espírito, ou seja, havia máxima unidade do intelectual e do manual; era pensado
antes, teleologia, o que seria feito depois, prática. Com a início das
sociedade de classes, especialmente com o escravismo, o trabalho se aliena,
divide-se em manual e intelectual, em oposição quase completa. Alguns dedicam-se
ao trabalho manual e outros, ao trabalho intelectual. Algo semelhante acontece
com o capitalismo: o trabalho manual-intelectual do artesão no fim da Idade
Média sofre uma alienação, uma separação, que, pela transição da manufatura,
chega à grande indústria com a subordinação do trabalho à máquina, o trabalho
manual repetitivo e o trabalho intelectual para as camadas superiores da
empresa. O trabalho manual nunca será totalmente superado, mas será enormemente
reduzido no futuro – se o socialismo vencer.
CRISE DO VALOR?
Certa vez, ouvi de um professor que certa
fábrica substituiu a nova maquinaria automatizada pelas máquinas anteriores e
pelo trabalho manual mais uma vez, de novo, pois valeria a pena ao patrão com o
então baixo preço da força de trabalho – assim ele concluiu que teorias do
(quase) fim do trabalho manual eram absurdas. Ele não viu o processo real
diante dele, viu a parte sem o todo. Não sei se o relato é verdadeiro, mas está
de acordo com este capítulo, sendo algo materialmente possível. Por outro lado,
a crítica do valor vê a força absoluta da concorrência – porém, se assim fosse,
a substituição definitiva do homem pela máquina seria imensamente mais veloz e
visível. Isso não se confirma. Uns caem no fetichismo ou substancialismo absoluto
(Kurz, a crítica do valor); outro, no relacionalismo (a maior parte das
tendências marxistas). A verdade está em outro lugar, que agrega os dois dentro
de si. Uma teoria, como a crise do valor, não pode ser refutada apenas pondo
outra oposta no lugar, mas ela mesma deve ser desenvolvida até seu limite, até
ser superada por ela própria, já que é tanto verdadeira quanto falsa – como diz
Adorno (aliás, teórico reivindicado pela maioria da corrente crítica do valor).
Eis a dialética! O moderno pessimismo alemão, com sua negação da luta de
classes, dá lugar a uma teoria melhor formulada porque não unilateral.
SUPERPRODUÇÃO ABSOLUTA LATENTE
Uma das tantas oposições do marxismo está
entre a defesa da importância dos ciclos econômicos decenais – de crescimento,
estagnação, crise, recuperação – ou uma crise permanente, estrutural, depressed continuum, estagnação secular.
Resolvamos o dilema. É evidente que o desenvolvimento atual das forças de
produção é capaz de satisfazer todas as necessidades básicas da humanidade e
ainda fazer sobrar recursos sociais para novos investimentos. Mas esta
superprodução absoluta é latente, revela-se nas crises cíclicas cada vez mais
intensas, em forma de superprodução relativa, crises cíclicas cada vez mais
duras.
Para agradar paladares eruditos,
reforçamos o parágrafo anterior. Mészàros afirma que o tempo das crises
cíclicas passou, substituído pelo tempo da crise estrutural, permanente; ele
deixa de observar, assim, que a superprodução de capitais e mercadorias geram
contratendências internas, como o barateamento das matérias-primas e da força
de trabalho, a redução da quantidade de concorrentes, etc. Ele parte da ideia
de que o capital move-se de onde tem mais concorrência até os setores onde há
menos concorrência, ou seja, de onde os preços estão muito baixos até onde os
preços estão mais altos – e ocorre que todos os setores estão hoje com excesso
de capital, numa crise total, não mais particular a um ramo da indústria. Essa
crise estrutural tem, em verdade, automediações; uma observação empírica das
mais simples e reconhecida por todos vê uma tendência a crises cada vez mais
duras entremeadas por algum crescimento, não uma depressão contínua. O erro oposto
é considerar que há apenas as crises cíclicas, extremos de depressão e a de euforia
do crescimento. Se assim fosse, o capitalismo seria uma eterna repetição igual
e os reformistas teriam toda razão de pedir aos trabalhadores a máxima
paciência já que a turbulência logo irá passar… Mas o que encontramos é
produtividade crescente, contradição entre produção e circulação aumentada,
incompatibilidade entre forças produtivas e relações de produção, etc. Isso
ficará ainda mais claro no capítulo sobre os macrociclos do capital, quando
será exposta a base das crises cada vez mais duras de nossa época. A defesa
pura das crises cíclicas deixa de considerar a realidade em desenvolvimento,
que produz crises cíclicas tendencialmente cada vez mais intensas.
Resolvida a oposição teórica,
avancemos.
É destacável a observação dos teóricos
da crítica do valor, um tanto instintivo para o pensamento comum: a III
revolução industrial, de um lado, aumenta a quantidade de mercadorias (na
automação, a capacidade produtiva superar os limites humanos do trabalho) e, de
outro, diminui a quantidade de assalariados ativos, reduz a capacidade de
consumo.
A superprodução crônica de capitais e
de mercadorias permite a economia planejada. No socialismo, a capacidade
produtiva será acima do consumo comum e proverá estoques de produtos e
matéria-prima; isso permitirá reagir de modo organizado a aumentos repentinos
da demanda social.
A existência de empresas zumbis que bancos
e o Estado impedem a falência, a estatização de empresas como a GM nos EUA como
reação à crise de 2008 (nomeado de modo irônico pré-privatização), o
impedimento de que as grandes empresas desapareçam, a compra estatal de ativos
podres durante as crises, a importância estatal do investimento em tecnologia (que
exige hoje grandes cifras, tempo e complexidade) e na formação de demanda, o
socorro governamental na cifra dos trilhões de dólares durante a crise mundial,
as empresas que são grandes demais para falirem, o desenvolvimento de
monopólios naturais com o evolver do capital (veja-se que até empresas como a
Amazon apenas podem existir como grandes monopólios) etc. são sintomas de que a
grande propriedade privada está madura para outro tipo de propriedade, a
social. A guerra da concorrência deixa de ser uma lei social de vigor, pois o
fim de grandes monopólios e oligopólios geraria crise econômica e política dadas
a acumulação, a concentração e a centralização de capitais, dado o grande
capital adiantado necessário nesses investimentos[10].
A estatização das empresas mais vitais por meio de um Estado operário, com
democracia socialista e planejamento econômico, poderá reorganizar o tecido
produtivo sem causar danos típicos das crises.
A
luta concorrencial desenvolveu, entre os vencedores, o oposto, monopólios e
oligopólios. Ademais, a escala de produção de certos produtos, a grande rede
produtiva necessária e a taxa baixa de lucro exigem a formação de poderosas
empresas monopolistas e a concorrência de monopólio. Terceiro: o
desenvolvimento social dá origem a modernos monopólios naturais (hidrelétricas,
etc.). O tempo do monopólio social está latente dentro dos limites do
capitalismo. A concorrência de oligopólio é a transição entre a livre
concorrência e o posterior monopólio social. O assim nomeado em economia “preço
de monopólio”, na prática a desregulação do preço de mercado em relação ao seu
valor e seu preço de produção, em meio à escassez relativa artificial, é um
sintoma invertido, quando com seu efeito inflacionário, das condições maduras
de organizar a sociedade pelo fim da própria forma preço, isto é, do alto grau
de desenvolvimento das forças de produção, que pedem nova forma social. Que
algo destacado represente sua própria negação latente, que uma inflação
artificial represente o fim da própria precificação espreitando a realidade, é
um raciocínio que deve incomodar aqueles que pensam a estrutura capitalista
como eterna, a-histórica. Mas eis que a aparência reluzente de algo representa
seu contrário: o fim do valor e de sua forma de manifestação. Apesar de tal
conclusão ser o não empírico extraído daquilo empiricamente dado, um exemplo
pode tornar mais visível este aspecto. Em 2020, a Arábia Saudita e a Opep
reuniram-se para diminuir artificialmente a oferta de petróleo para forçar o
aumento dos preços; porém a Rússia, que opera com baixo custo de produção petrolífera,
como o citado grupo, negou-se ao acordo; então, em reação, os sauditas fizeram
o movimento oposto, superoferta da mercadoria, o que derrubou ainda mais os
preços e levou ao absurdo, no mercado estadunidense, de pagar (!) para comprar,
levar, sua mercadoria, ou seja, preços negativos (!), já que os estoques
estavam utilizados ao máximo como parte dos efeitos da superprodução. Esse
fenômeno antes impensável, um espanto jornalístico em todo o mundo, quase como
sinal de um apocalipse, revela bem a capacidade produtiva atual que pode ser
reorganizada para nova forma de distribuição, que deixe de envolver o valor de
troca.
NOTA 1 – DUAS TEORIAS DA CRISE DO
VALOR?
Mèszários afirma que a produtividade
tornou-se tão alta que há superprodução crônica imediata e realizada de
capitais e de mercadorias – o preço, o valor, não consegue se realizar bem no
mercado, logo, crise permanente. Kurz, na outra ponta, afirmou que cada vez
menos se usa, hoje, trabalho manual na produção, a fonte única do valor – crise
permanente, desemprego permanente etc.
Primeiro: não há crise crônica de
supeperodução permamente (Mészáros) – há crise crônica apenas latente, latente,
ou seja, crises cíclicas, abstraídas outras formas de crise (ambiental etc.),
cada vez mais duras, cada vez mais destrutivas. Segundo: a tendência de fim do
trabalho manual não é lei absoluta, é tendência, tendência, algo muito mais
dialético do que supõe Kurz com sua lei absoluta da concorrência (lembramos que
Marx quase não tematiza a concorrência em sua grande obra).
Assim, corrigidos os exageros, as duas
teses opostas, escolas opostas até, são uma só teoria – apresentam o mesmo
movimento por ângulos unilaterais. Grosso modo, um parte do mercado e da circulação
(necessários, pois a verdade é o todo) e o outro foca na produção (focar apenas
na produção é ver apenas uma parte, embora a central, do todo). Marx não é
apenas um economista da produção – ele vê a totalidade.
Para a crítica do valor, também, não se
pode falar em crises cíclicas, mas permanentes. Erram o mesmo erro de seus
adversários. É fácil medir e ver tal regularidade, mais ou menos de 10 em 10
anos, no mundo e nos países – com crises regulares cada vez mais duras,
intensas e extensas.
Marx afirma: “… é lei geral da produção
de mercadorias: a produtividade do trabalho e o valor que ele cria estão em
relação inversa.”
A tendência é o trabalho manual nos
centros produtivos ser reduzido a quase nada. O trabalho intelectual, por outro
lado, de um modo ou outro permanecerá – em parte também substituído pelo
maquinário moderno (cálculos etc.). Mas há dois tipos de trabalho moderno: o
trabalho objetivo e o trabalho subjetivo. A máquina faz e fará o trabalho
objetivo, trabalhará (por nós e para nós) – o homem faz e fará, mas de outro
modo, o trabalho subjetivo.
Mèszáros nunca nomeou sua tese
impressionista da crise como crise sistêmica do valor (nomeou crise estrutural)
– mas o é. Na verdade, pertence à tradição marxista equivocada de que o valor
seria valor de troca ou mesmo preço, que o valor é algo em primeiro da
circulação, do mercado, que valor é tempo de trabalho etc. Ele viu, porém, a
contradição entre produção e circulação de modo maduro; ou seja, que o valor da
mercadoria não consegue se realizar, trocar-se, no mercado tal como antes; no
entanto, caiu na ideia de crise permanente, não crises cada vez mais duras (e
plurais). É um gênio, mas vítima das vantagens de sua tradição. A crise chamada
estrutural é, antes, crise processual do capitalismo – ou seja, contradição
entre sincrônico e diacrônico, estrutura e processo.
NOTA 2 – DESEMPREGO CRÔNICO
Tanto Kurz quanto, ao seu modo, oposto,
Mèszáros dirão de um desemprego crônico. É o mau costume com o pleno emprego até
a década de 1970. Teremos um capítulo específico sobre as classes, mas devemos
adiantar algo. Empiricamente, não se prova um desemprego sem volta, permanente
– são dados óbvios até. Mas os teóricos – da crítica do valor etc. – colocam o
impacto de uma tese sobre a, acima da, realidade. Kurz, em especial, pensa
assim: sobre tal e qual assunto, considerado o colapso iminente, qual tese mais
catastrófica, logo correta, devo adotar? O dados dos EUA antes de 2008 ou seu
pelo emprego em 2022-23, antes da crise, ou pleno emprego brasileiro de 2011
até 2014, antes da crise, provam que há ainda momentos de desemprego baixíssimo
antes da quebra econômica, como previa Marx. Sem desemprego estrutural, ao
menos do modo exposto por eles. São fatos e argumentos completos, que devem ser
aceitos. No mais, dissemos: os países que mais negam o valor, reduzem-no,
ganham na disputa global, logo, mais ricos tornam-se, logo, mais empregos
geram, logo, desemprego baixo, mais estímulo a substituir caros trabalhadores
por máquinas. A tese do desemprego crônico tem valor, mas relativo. Além da
obrigação de originalidade, faço dois trabalhos teóricos neste livro: 1)
corrijo, calibro, o impressionismo teórico de outros autores; 2) generalizo
suas contribuições limitadas, como veremos a seguir.
Uns e outros, afirmam que o dado
empírico de pleno emprego antes da crise é positivismo, que os dados sempre
enganam. Há verdade nisso, mas a solução deles é misturar dados com suposições.
Na últimas décadas, olhai os dados do FED!, antes de cada crise estadunidense[11],
houve pleno emprego e, e isso é importante, aumento real ou nominal dos
salários; tal aumento é prova de um pleno emprego real, pressionando os
salários por demanda por força de trabalho acima de sua oferta. Prova-se. Mas o
marxismo especulativo não quer saber de nada disso.
Eis alguns dados da crise de 2007 e da
crise, artificialmente arrastada por trilhões dólares novos e uma pandemia, de
2020, nos EUA:
fonte: U.S. Bureau of Labor Statistics –
“PRODUCTIVITY AND COSTS Fourth Quarter and Annual Averages 2020,
Preliminary” , February 4, 2021
São dados destacados por José Martins e
Alice Teixeira em seus site, Crítica da economia. Uma bela previsão da crise
mundial em seguida, 2020, embora a pandemia tenha sido impossível de prever. Aí
podemos ver que a crise anda de mãos dadas com o aumento dos salário, logo,
desemprego baixo, pleno emprego na prática.
NOTA 3 – GENERALIZAÇÃO DA CRISE DO
VALOR
A crise do valor econômico, a mão
invisível, cuja versão impressionista alemã – Kurz etc. – é ressignificada aqui
de modo dialético (contratendências etc.), é a fonte central da crise geral dos
valores, do valor em geral. Crise do valor moral, crise do valor artístico etc.
Mas também crise do valor de uso[12]:
como os salários, em geral, são limitados; o burguês que diminui a qualidade do
produto vende mais, pois a mercadoria sua torna-se mais barata. Nesta obra, até
o seu fim, exporemos tal crise e uma teoria geral do valor, que apenas no
externo aparece como dupla teoria, valor-matéria e valor-trabalho, sendo una,
uma, no interno. Para isso, temos de observar parte a parte da totalidade.
Portanto, sigamos. A crise do valor em geral aparece, também, como crise de
medida, da medida.
NOTA 4 – CRISE DE ABSTRAÇÃO
Ao longo da obra e no capítulo do
Estado em especial, falaremos em crise de abstração, da abstração – em todos os
sentidos e usos de abstração, de abstrato. Aqui, o caso particular, mas
central, está na crise do trabalho como trabalho abstrato, criador de valor. A crise
de abstração está mais implícita que explícita nesta obra, mas clara e fácil de
perceber já que deixamos a exposição básica ao leitor neste começo de livro. As diferenças formas de crise de abstração – e
suas expressões negativas, redução (fragilidade maior das fronteiras etc.), e
positivas, ampliação (profissionalização das forças militares estatais etc.) – expressam
o que chamo de “concreto em latência”, latente. O abstrato é o contreto em
processo.
[1] “Era, assim, o homem de ciência. Mas isto
não era sequer metade do homem. A ciência era para Marx uma força
historicamente motora, uma força revolucionária. Por mais pura alegria que ele
pudesse ter com uma nova descoberta, em qualquer ciência teórica, cuja
aplicação prática talvez ainda não se pudesse encarar – sentia uma alegria
totalmente diferente quando se tratava de uma descoberta que de pronto
intervinha revolucionariamente na indústria, no desenvolvimento histórico em
geral. Seguia, assim, em pormenor o desenvolvimento das descobertas no domínio
da eletricidade e, por último, ainda as de Mere Daprez.”
[2]
Pode-se argumentar que trechos de O Capital contradizem a citação acima, de um
manuscrito anterior à obra final de Marx, o Grundrisse. Ora, a questão aqui não
é confrontar uma citação com outra citação, ao modo acadêmico, mas uma citação
com a realidade… Eis o acerto de Marx ao “pesar a mão” nos esboços
preparatórios de sua grande produção.
[3] A
chamada quarta revolução industrial tem a mesma natureza qualitativa, põe fim à
produção de valor, sendo considerada parte da terceira nesta obra.
[4]
“(...) foram introduzidos sete robôs de solda a ponto distribuídos nas áreas de
produção dos subconjuntos. Embora a gerência tenha justificado a introdução dos
robôs pela sua superioridade de soldagem em operações que exigem uma precisão
difícil de obter pelo trabalho manual, ficou-nos a impressão de que sua função
principal é marcar o ritmo de trabalho, como veremos adiante. (...) apesar de
ocorrerem eventuais atrasos, porque a circulação depende do acionamento manual
de todos os botões, basicamente o ritmo de trabalho e de movimentação das
máquinas de transferência segue o ritmo dos robôs. (...) A redução dos postos
de trabalho de soldagem de conjuntos pequenos e a eliminação do trabalho manual
nas operações mais difíceis facilitaram a predeterminação dos tempos de
trabalho com maior realismo (...) a adoção da nova tecnologia abriu a
oportunidade — aproveitada pelas empresas — de introduzir certos mecanismos na
organização da produção que aumentaram significativamente o controle técnico
sobre o conteúdo, o ritmo e a intensidade do trabalho, em detrimento da
capacidade dos trabalhadores de produção de influir sobre o que acontece na
fábrica. (...) Efetivamente, a nova organização do trabalho permite às empresas
auferir economias de mão de obra não apenas relativas à substituição direta de
homens por soldadores automáticos e equipamentos de circulação, mas também
relativas ao melhoramento, em múltiplas formas, do aproveitamento do tempo de
trabalho (...) dada a ritmação imposta pelas máquinas, e trabalha-se mais
intensamente.” (Carvalho apud Lessa, Fetichismo
da técnica, 2020)
[5]
Em parte, o impressionismo ocorre por absolutizar o papel da concorrência.
[6]
Aqui, como na essência deste capítulo, nada mais fazemos além de resgatar Marx.
[7] O
Estado socialista deverá ter pelo menos três obsessões em seu início: proteger
ao máximo o meio ambiente, acelerar a automação até que se generalize e
garantir meios de democracia socialista.
[8] “Esse
processo progressivo de domínio do valor sobre o valor-de-uso, no interior da
unidade contraditória chamada mercadoria, constitui o que chamamos
“desmaterialização progressista da riqueza capitalista”. Isso, por uma razão
muito simples. O valor-de-uso é o conteúdo material das mercadorias e fica
determinado pelas características (conteúdo e forma) materiais de cada uma
delas. O valor é sua dimensão social. O domínio deste sobre aquele implica a
desmaterialização do conceito riqueza capitalista, desmaterialização da
mercadoria.”
[9] A
citação de Hegel: “A razão é tão astuciosa quanto poderosa. Sua astúcia
consiste principalmente em sua atividade mediadora, que, fazendo que os objetos
ajam e reajam uns sobre os outros de acordo com sua própria natureza, realiza
seu propósito sem intervir diretamente
no processo.” (Hegel apud Marx, O capital I,
2013, pp. 256, 257, griffo meu). Tal citação encontra-se na Enciclopéria.
Tratando do mesmo tema em A Ciência da Lógica, diz Hegel: “Mas assim ela coloca
para fora um objeto como meio, deixa-o trabalhar exteriormente em seu lugar,
abandona-o ao desgaste e conserva-se atrés dele frente à violência mecânica.”
[10]
Insistimos, pois é algo vital. Vários marxistas e economistas perceberam que o
Estado, de modo artificial (garantindo o funcionamento do sistema
artificialmente – o que em si merece reconhecimento teórico) impediu que
poderosas empresas fechassem as portas, desde 2008, o que é o natural durante
as crises. Há superacumulação de capital, crônica, que, se grandes
empreendimentos deixassem de existir no atual estágio, gerariam crises
excepcionalmente duras e até mesmo o risco de derrubada completa do atual modo
de vida.
[11][11] Os
dados demonstram crises cíclicas regulares, mas muitos da crítica do valor,
kurzianos, negam o fato, de que há crises periódicas – como Mészaros, o
adversário deles, falam em crise permanente… Ambos os lados em oposição cometem
o mesmo erro em vários pontos e temas.
[12]
Logo veremos, na Metafísica marxista, que valor e valor de uso são apenas um,
embora apareçam como dois.
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