AS
PAUTAS DEMOCRÁTICAS
“Não adianta derrubar o príncipe e
manter o princípio.”
Torquato Neto
As pautas democráticas são
importantíssimas, ainda que em si burguesas. Se combinadas com as propostas em
si socialistas, principalmente as transicionais, podem somar forças para fins
revolucionários. Há, portanto, dois erros a serem evitados: primeiro, focar em
demasia em exigências democráticas e desconsiderar as palavras de ordem de
transição; segundo, esquecer a importância das propostas democráticas.
Observemos que a revolução de outubro na Rússia teve as exigências de paz e
terra, em si apenas democráticas, como parte das palavras de ordem centrais.
Diante da queda da taxa de lucro, o
capital tem de tentar novas formas de lucratividade. Daí que as pautas
democráticas dos direitos do indivíduo (na aparência) ganham mais forças entre
setores burgueses. A legalização da maconha, por exemplo, gera novos lucros e
receitas ao Estado. Ao mesmo tempo e pela mesma razão de fundo, a queda da
lucratividade, tende-se a corroer e mesmo a suprimir os direitos democráticos
mais coletivos. Após a crise de 2008, quando ficou claro aos burocratas da
burguesia que a luta de classes entrava em pauta, o governo Obama fez campanha
pela anulação de uma enorme conquista democrática dos trabalhadores
estadunidenses, o direito ao armamento pessoal; o medo das lutas sociais e da
guerra civil revolucionária é o motivo oculto da tentativa de proibição ou
limitação do acesso às armas nos EUA; a resistência instintiva dos
trabalhadores ao projeto somou-se à ação da indústria de armamentos em defesa
de seus lucros.
O próprio Estado pode liberar certos
direitos individuais para desviar revoltas ou reduzir a tensão das lutas
sociais, além de produzir nova fonte de lucro como o direito ao aborto na área
de saúde. O desenvolvimento de uma ampla camada de assalariados, operários e
classes médias modernas, e sua concentração na urbanidade pressiona a que
certos direitos individuais sejam cedidos. No Brasil, é comum que, ao entrar em
pauta algo econômico, algum ataque aos direitos básicos, o judiciário promova
alguma farsa de “apoio” a algum setor oprimido, mulher, LGBTs, etc. Tal tipo de
manobra tenderá a fazer escola pelo mundo.
O critério das pautas democráticas é o
lucro[1].
A tendência secular de queda da natalidade, redução de nova prole dos
assalariados, pressiona para limitação progressiva do direito ao aborto, por
exemplo. Quanto às pautas da democracia burguesa, levemos em conta o debate
anterior de que vivemos o período de declínio da última curva de
desenvolvimento do capitalismo, ou seja, tendência a crises longas e profundas
entremeadas por crescimentos curtos e anêmicos. Isso significa que a base da
forma capitalista de democracia, como os direitos sociais, tende a ruir, o que
empurra para o fechamento do regime (incluso formas híbridas como o
semibonapartismo). Já, ao contrário, pelas mesmas causas, os países com
ditaduras serão tensionados para a revolução social e, na aparência, política,
para a queda do regime. Neste caso, a tarefa dos socialistas é fazer avançar em
curto tempo a revolução das tarefas democráticas para o socialismo, para a
democracia socialista. O fato de que nem a democracia burguesa nem o regime
ditatorial possam solucionar os problemas econômicos empurra para a
possibilidade comunista. Os comunistas devem ser os mais dedicados aos direitos
democráticos e, ao mesmo tempo, cientes de que apenas ligando-os ao programa de
transição e à estratégia socialista as conquistas sociais poderão ser
garantidas.
A pluralidade de regimes políticos no
tempo durante o capitalismo é expressão de seu caráter transitório, de
transição, logo instável. De qualquer modo, o declínio da última curva de
desenvolvimento, período de duras crises, tenderá ou a tentativas de golpes,
reacionários ou contrarrevolucionários, ou a solução socialista, a democracia
operária e direta.
O PROBLEMA DAS PAUTAS DE MOCRÁTICAS
Vamos entrar em uma questão datada,
conjuntural. Na Europa, os partidos comunistas – ou seja, trotskistas –
reagiram à crise de 2008 com um programa democrático (Romper com a Euro e a
União europeia, não pagamento da dívida, etc.). Mas: nos países desenvolvidos é
ainda mais necessário as propostas do tipo transicionais como a ausente
exigência redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que
produza pleno emprego. É assim, com propostas de fato socialistas, que o
socialismo pode ser uma possibilidade real e as próprias exigências
democráticas ganham força extra. Apesar do crescimento dos partidos marxistas
na Europa, seus balanços são negativos por não levantarem propostas
transicionais durante a crise. O desemprego na Espanha bateu o recorde absurdo
de 27,16%, cifra ainda maior entre os jovens, que são a vanguarda nas lutas,
mas a Corriente Roja, partido trotskysta daquele país, nunca fez uma campanha
insistente e geral pela escala móvel de tempo de trabalho, pela redução da
jornada de trabalho na proporção em que produza desemprego zero.
No Brasil ocorre o mesmo erro. No lugar
de programa transicional como centro numa crise, foca-se nos pontos
democráticos de modo unilateral. Assim, as exigências foram sempre “Fora o
governo” de plantão (Fora Dilma ou eleições gerais antecipadas, Fora Temer,
Fora Bolsonaro); precisa-se, neste ciclo vicioso, derrubar quantos governos
seguidos para chegar ao poder operário? O contra o pagamento de dívida, em si
correto, também retorna ao jogo político, mas, infelizmente, sem estar ligado a
propostas transicionais. Na Argentina e no Chile os trotskistas abraçam a
exigência de Assembleia Constituinte que tem por função real, uma vez que as
consignas transicionais estão fora da agitação política, desviar a luta para a
legalidade burguesa, desarmar os trabalhadores em luta (são, ademais, exemplos
de países sem ditaduras ou sob controle direto de um império). É fato que as
pautas democráticas têm mais peso nos países atrasados, porém a combinação do
mais avançado com o mais atrasado exige combinação das exigências.
Os países coloniais e semicoloniais,
por sua própria natureza, países atrasados. Mas esses países atrasados vivem em
condições do domínio mundial do imperialismo. Por isso que seu desenvolvimento
tem um caráter combinado: reúne em si as formas econômicas mais primitivas e a
última palavra de técnica e da civilização capitalista. É isto que determina a
política do proletariado dos países atrasados: ele é obrigado a combinar a luta
pelas tarefas mais elementares da independência nacional e da democracia
burguesa com a luta socialista contra o imperialismo mundial. Nessa luta, as
palavras de ordem democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da
revolução socialista não estão separadas em épocas históricas distintas, mas
decorrem umas das outras. Apenas havia iniciado a organização de sindicatos, o
proletariado chinês foi obrigado a pensar nos conselhos. É neste sentido que o
presente programa é plenamente aplicável aos países coloniais e semicoloniais;
pelo menos àqueles onde o proletariado já é capaz de possuir uma política
independente.
Uma das razões, além da baixa formação
teórica de seus membros, é que os partidos vermelhos são formados por
estudantes, membros da classe média, servidores públicos com estabilidade
empregatícia, operários aristocráticos e dirigentes sindicais a muito afastados
do chão da fábrica. Nas direções partidárias, o peso de tais setores tende a
ser ainda maior já que possuem tempo livre extra para “prosperarem” como
militantes. O grande problema do desemprego no Brasil, por exemplo, não
pressiona a cabeça de professores bem pagos das universidades públicas. Como
vemos, os setores médios tendem a focar nas pautas democráticas por sua própria
forma de vida.
Outro motivo destacável é a pressão
empirista ao deixar de perceber que a possibilidade de uma revolução socialista
está se gestando em seus países e no mundo desde 2008. No fundo, embora não
reconheçam sequer às vezes para si, pensam que a revolução social é algo mais
ou menos distante e difuso, que pouco tem a ver com as preparações da atual
conjuntura. Mas as mudanças, que demoram muito tempo, explodem rápido quando
chega a hora.
A burguesia aprendeu com a revolução
russa e demais revoluções parcialmente sociais. Em 1917, o Estado burguês
russo, o governo provisório da Duma, demorou muito para fazer a constituinte e
a reforma agrária, duas pautas democráticas, não em si socialistas. Isso levou
a maioria do país ao bolchevismo. A revolução de 1952 na Bolívia evitou tal
equivoco distribuindo terras aos camponeses, dificultando a saída socialista da
nação. No Chile, Allende atrasou e evitou a revolução social também com reforma
agrária, entre outras medidas. Hoje, a alta urbanização, a moderna grande
propriedade rural e a própria crise sistêmica dificultam tais manobras, porém é
preciso que os socialistas aprendam e acertem.
Enfim, observamos que a pauta da
reforma agrária foi superada tanto nos países avançados quanto em parte
significativa dos atrasados. A reforma agrária é uma pauta da revolução
burguesa, imprópria para estes tempos de revolução socialista. Devemos exigir a
estatização sob gestão dos trabalhadores das grandes empresas no campo como em
qualquer fábrica, não a repartição fragmentária da terra. O Estado operário, ainda
em nível nacional, fará alguma reforma agrária secundária, enquanto estimulará
a produção cooperada, porém o grosso do agronegócio permanecerá grande
propriedade, desta vez pública, para financiar as necessárias exportações e
para ter escala produtiva. Uma parte das grandes terras deixará de produzir
para o mercado externo e abastecerá o mercado interno, encerrando a época da
fome.
[1] Os movimentos por questões democráticas (feminismo, etc.) têm cometido o erro de tentar ganhar direitos de modo vanguardista, sente ganhar, antes, o apoio ou a tolerância da maioria. Por exemplo: a legalização da maconha deve acontecer se houver ação prática dos interessados para ganhar a consciência dos assalariados quanto ao tema. Nada menos que isso. O vanguardismo casa-se aí coma ilusão de que o Estado é um ente racional, acima da realidade concreta.A crise sitêmica
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