GUERRAS, NÃO CRISES,
ESTIMULARAM REVOLUÇÕES SOCIAIS
Entre marxistas, a percepção mais geral
da revolução segue este roteiro: o capitalismo produz duras crises, tenta-se
resolver por lutas parciais e reformismo, o aprofundamento das tensões sociais
eleva com atraso as conclusões dos trabalhadores, um partido de tipo novo
demonstra ser a melhor organização para impor, via revolução, nova época de
reformas. Ricas em particularidades e singularidades, várias revoluções
derrotadas seguiram a tendência, exceção da presença de partidos
revolucionários. No entanto, as revoluções sociais, ainda que limitadas, do
século XIX e XX foram, em geral, frutos das guerras; os conflitos armados
precederam as revoluções. Vejamos exemplos:
1)
A
guerra franco-prussiana desemborcou na Comuna de Paris;
2)
A I
Guerra produziu revoluções na Alemanha, na Itália e uma vitória na Rússia.
Neste último, foi levada a cabo a proposta dos socialistas de boicote à guerra,
transformando-a em revolução social;
3)
A
II Guerra afastou o Leste Europeu, a Coreia do Norte e a Alemanha Oriental de
um desenvolvimento capitalista;
A seguinte citação de Trotsky revela o
motivo do caminho militar:
“Enquanto
escrevo estas linhas, a questão dos territórios ocupados pelo exército vermelho
ainda permanece obscura. […] A maior parte dos territórios ocupados serão, sem
sombra de dúvidas, parte da URSS. De que forma?”
[…] é
mais provável que nos territórios que foram planejados para fazer parte da
URSS, o governo de Moscou atue expropriando os grandes proprietários e
estatizando os meios de produção. Esta variante é a mais provável, não porque a
burocracia continue sendo fiel ao programa socialista, mas porque não deseja e
nem é capaz de tomar o poder e os privilégios que comparte com a velha classe
dirigente nos territórios ocupados. Aqui, é forçosa uma analogia literal. O
primeiro Bonaparte deteve a revolução através de uma ditadura militar. No
entanto, quando as tropas francesas invadiram a Polônia, Napoleão assinou um
decreto: “A servidão está abolida”. Tal medida foi adotada, não porque Napoleão
simpatizasse com os camponeses, e nem por princípios democráticos, mas pelo
fato da ditadura bonapartista se basear em relações de propriedade burguesa e
não feudais. À medida em que a ditadura bonapartista de Stalin se baseia na
propriedade estatal e não na privada, a invasão da Polônia pelo exército
vermelho levará, por si só, à abolição da propriedade privada capitalista, da
mesma forma que fará com que o regime dos territórios ocupados estejam de
acordo com o regime da URSS.
Esta
medida, de caráter revolucionário – “a expropriação dos expropriadores” – neste
caso é levada a cabo de forma burocrático-militar. O chamado à ação independe
das massas nos novos territórios – e sem tal chamado, inclusive formulado com
extrema prudência, é impossível constituir um novo regime – seria
indubitavelmente esmagado no dia seguinte, por desapiedosas medidas
policialescas, visando assegurar a predominância da burocracia sobre as massas
revolucionárias vigilantes.
4)
A
luta contra o Japão e, depois, contra o Kuomintang forçou Mao Tse-tung a mudar
a natureza do Estado;
5)
A
guerrilha vanguardista de Fidel agia sob um programa liberal-burguês. Após a
vitória militar, o erro do governo dos EUA de pressão e envio de tropas na
chamada Batalha da Baía dos Porcos fez o novo poder radicalizar-se e alinhar-se
com a URSS;
6)
O
Vietnã teve de enfrentar franceses e, depois, americanos, conseguindo sua independência
radicalizando, por meio de uma revolução socialista.
O título deste capítulo é parcial, pois
as guerras têm origem econômica, portanto são expressões das contradições
internas do sistema. Os conflitos armados geraram elevadas contradições e
exacerbaram as existentes a níveis capazes de forçar revoluções sociais. As
guerras fermentaram os trabalhadores, trouxeram problemas sociais (carestia,
etc.), formaram novos soldados entre homens do povo e acarretaram problemas ao
funcionamento do Estado burguês. A conclusão “a guerra é a parteira da
história” adquire significado mais amplo[1].
Kurz alcança conclusões semelhantes:
É
bastante evidente que, no sistema capitalista mundial, mais conhecido como
imperialismo, a guerra não é de modo algum a consequência direta da 'crise
econômica', nem da crise de 'superprodução', nem de qualquer outra, mas se
encontra baseada na lógica de concorrência do mercado mundial e na dinâmica
interna da política mundial erigida sobre ela. As revoluções mais essenciais
deste século não decorreram das crises econômicas e, nesse sentido, também não
resultaram da incineração da lógica capitalista enquanto tal, mas de um
contexto de crises políticas, conjugado a conflitos militares e derrotas das
classes dominantes: começando com a Comuna de Paris de 1870, depois a Revolução
de Outubro, a Revolução Alemã de Novembro, a Revolução Chinesa após a Segunda
Guerra Mundial…
Algumas revoluções socialistas
inconscientes e derrotadas também abraçam tal tendência. França e Grécia quase se
tornaram socialistas ao final da II Guerra, mas os partidos de esquerda
oficiais cuidaram do desarmamento do povo e do recuo reformista das pautas. O
conflito colonial português radicalizou a baixa patente das Forças Armadas e
deu origem a uma rebelião que se desenvolveu na revolução dos cravos em 1974,
contra a ditadura e com elementos de transição ao socialismo.
É do interesse marxista que uma guerra
por lucro não preceda uma revolução social, porém agimos segundo a realidade,
nunca temos o privilégio de escolher o cenário. As próximas revoluções sociais seguirão
o roteiro dominante? Coloquemos condição para a hipótese: se e enquanto houver
guerras imperialistas, é provável. Mas estamos diante das últimas décadas do
capitalismo, logo as crises econômicas serão mais duras e a possibilidade de
uma via socialista mais plena.
Estando correta a nossa caracterização
de que as revoluções sociais do século XX foram prematuras, concluímos que a
exacerbação dos problemas econômicos e sociais por razão da guerra forçou um
salto histórico antes das condições de sua realização estarem prontas. O
martelo da história comprovou sua verdade com a restauração do capitalismo, isto
é, com a resolução negativa da oposição entre as tendências socialistas e
capitalistas naqueles países.
A guerra é a parteira da história, mas
falha em sua profissão nos partos prematuros. Assim, a guerra atuou como, em
parte, verdadeiro fator externo. Antes das condições maduras no mundo, os
conflitos forçaram condições conjunturais, não estruturais, extremas, que
forçaram arriscar um salto por sobre etapas quando isso era, no médio prazo e
em completude, inviável. Acidentes históricos acontecem.
[1]
Observemos que a passagem do escravismo ao feudalismo na Europa teve como uma
das causas, além da crise sistêmica do mundo antigo, as guerras e invasões de
povos vizinhos à Roma. Poderia ser que com a crise e decadência romana, outro
grande império escravista dominasse em substituição, sem passagem ao
feudalismo.
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