ESTÉTICA MARXISTA
Crise da arte
APRESENTAÇÃO
De estética – no geral sentido – marxista ou meio marxista relevante,
temos Lukács e Adorno, algo de Walter Benjamin. Nos demais de inspiração
marxiana, foi-se mais direto ao objeto concreto (algo corretíssimo), mais ou menos
usando nossa tradição. Ou seja, temos um território central mal desenvolvido
nas ciências humanas revolucionárias, profundas. Trotsky, que, durante a guerra
civil contra 14 países invasores na Rússia, liderando o Exército Vermelho,
escrevia, durante o descanso, artigos sobre poesia e arte, deixou-nos um bonito
legado, mas insuficiente. Todos eles são pensadores, além de geniais,
apaixonantes. Mas eis o limite universal: como reforçaremos, todos os grandes
teóricos da estética foram geniais, mas nenhum propriamente artista. Meu caso é
diferente, não só por ser mais modesto, mas também por ser artista permanente
já há quase duas décadas. Poesia, composição musical (letra e música), contos,
novela, novas propostas de como escrever arte – eis o meu currículo, que será
em parte exposto nesta mesma obra.
Diferencio-me, então, dos predecessores, subindo em seus ombros. Mas,
aqui, fazemos uma talvez pequena estética que poderá, nos próximos anos e
décadas, ser suprassumida por outra maior e mais intensiva. É uma aposta. Todo
fim de pesquisa real, que vale a pena, é algo autoimposto, artificial – o
objeto é potencialmente infinito, não tem fim suas descobertas ou os fatos
relevantes.
Por estética marxista quero dizer apenas estética, ou seja, uma
tentativa de obra definitiva, ou ao menos base inevitável, de toda pesquisa
sobre o objeto. O marxismo é a única ciência completa das humanidades. Como na
questão da ética, apenas podemos escrever algo sobre, considerando a totalidade
– uma compreensão ampla e correta da economia, da história, das classes e das
superestruturas (instituições, mentalidades etc.) torna-se obrigatória, base
mínima. Isso é difícil, mas a obra “A crise sistêmica” tem tais pretensões. A
autonomia relativa da arte deve ser considera, mas também suas conexões com os
outros elementos e, mais, sua unidade interna com todas as abstrações do real
concreto. Sem, por exemplo, uma teoria geral do valor, que apresentamos por
nossa parte de metafísica materialista, em seção específica, errar será muito
mais fácil.
Que a arte está em crise, algo evidente. Mas defendo aqui uma crise
relativa, em dois sentidos: 1) há um avanço que, por condições técnicas
avançadas e sociais conservadoras, também recua; 2) trata-se de uma crise
universal do sistema que, por altíssimo desenvolvimento, também transborda na
arte. A crise da arte é a crise do capitalismo. Por isso, somos obrigados a
pensar tanto uma teoria estética quanto, isso mesmo, propostas estéticas,
muitas apartidárias em si.
Quem conhece bem a história do século XX sabe o estrago que o
estalinismo fez na arte, além de em tantos outros setores. Foi um câncer
agressivo no nosso movimento, um antileninismo disfarçado, um cavalo de troia
no nosso corpo e na nossa consciência. Até Lukács, que disfarçou como pôde seu
antiestalinismo, sentiu o peso duro em sua própria letra: além de elogiar o
grande líder e o regime, por obrigação, também pensou 1) o realismo como
imperativo, pressionado pelo assim chamado realismo socialista; 2) fez uma
glorificação exagerada do trabalho, contra a defesa marxista da redução máxima
do tempo de trabalho, assim como a propaganda oficial dos governos ditos
vermelhos pela disciplina laboral máxima. O homem é seu tempo, mas um pouco
mais. Minha obra, em seu conjunto, também é um elogio e uma crítica ao
lukacsianismo. De modo geral, sem a base teórica e militante trotskista, muito
mais provável errar ou pender demais.
É impossível diagnosticar e prognosticar a crise da arte sem
entendê-las, a crise e a arte, em seus fundamentos. No entanto, aqui, evito
repetir lugares-comuns da teoria, da militância; evito marca posições, ou seja,
apenas fazer digressões sobre aquilo que todo marxista já sabe. É um vício
presente em nosso meio, quilos de papel são desperdiçados nisso sob a
justificativa de rigor. Em especial, os mais velhos querem ver o que já veem,
querem a repetição no lugar do novo e no lugar de um mundo que muda. Isso seria
uma atitude antiestética! Feita a provocação, costuma ser tarefa da nova
geração aceitar novas ideias. Assim seja.
A ARTE
A qualidade de uma obra de arte depende do quanto o artista se dedica a
ela, à sua construção. São fatores:
1) A dedicação do artista à sua
formação;
2) A dedicação à obra em si;
Aqui, na arte, importa muito mais o trabalho concreto em relação ao
abstrato, geral, este guiado pelo tempo regular.
3) Indiretamente, os materiais e o trabalho para produzi-los.
Se pinta uma tela enorme toda e apenas de preto, exige um esforço; se
constrói a Guernica, exige esforço outro e maior. Isto é rastreável pelo
resultado. Tanto o tempo objetivo quanto o subjetivo são importantes: a
inspiração cumpre seu papel mágico para, em seguida e em paralelo, ceder à
transpiração. Uma história começa como ideia que toma forma de um microconto;
depois, um conto; depois, uma novela; depois, um romance… Eis a exposição pura,
lógica, do desenvolvimento real, histórico, por assim dizer; pois na prática do
escritor o processo ocorre de modo menos consistente e, por isso, menos claro,
recheado de tortuosidades.
Pode-se argumentar que há gênios mais ou menos natos. De fato: isso lhes
dá uma enorme vantagem que, em boa parte, os demais podem compensar pelo
esforço. A própria inspiração deriva de um acúmulo prévio de observações,
estudo, experiências pessoais, outras produções etc. Quando uma letra de música
“nasce pronta”, exigindo apenas duas ou três mudanças , há aí uma produção
inconsciente e subconsciente.
A ideia de talento é verdadeira na medida em que somos diferentes, com
perfis e tendência diferenciados, com diferentes e múltiplas disposições; sendo
todos igualados na sociedade do capital, onde temos de nos adaptar às
necessidades do mercado – surge o homem abstrato e suas unidades particulares,
carentes de ser homens concretos plenos.
Quando a produção artística separa forma do conteúdo, há perda de
proporções, de medida, de sentir faltas e excessos. Ferreira Gullar foi o
melhor observador deste problema e sua origem. A arte tipicamente burguesa do
século XIX, o parnasianismo, arte pela arte, é substituído por a forma pela forma,
matéria pela matéria, novidade pela novidade. Mesmo onde é quase impossível o
vazio de sentido, na literatura (onde houve algum papel progressivo da
pós-modernidade, a experimentação), ocorreu a tendência ao impacto pelo
impacto, trato complicado com a linguagem para disfarçar enredos fracos e
experimentalismos desprovidos de um fim estético maior e novo. De modo geral, o
valor artístico de uma obra literária tem sido medido pela impossibilidade de
lê-la, pela dificuldade de acessar o sentido, pela confusa linguagem – surge
igualdade falsa: ser vanguarda é igual à arte inacessível, ilegível. Isto é
tanto mais forte quando o livro não tem público e os eruditos oficiais buscam
“leituras de pertencimento” a uma casta do saber, a diferenciação dos demais. Nas
artes visuais, a pós-modernidade pôde ir mais longe na medida em que a sensação
visual é imediata, causa impressões desprovidas de esforço prévio da parte do
espectador – e do artista… A crise da arte expressa, assim, a crise do trabalho
(manual) teorizada por Kurz e Postone (já veremos a razão concreta disto).
“Não há arte revolucionária sem formas revolucionárias”, Maiakovsky. A
arte pós-moderna é uma falsa subversão; tal qual o realismo “socialista”,
inverso análogo, está diante de raros momentos históricos em que, com disfarce
de renovação, uma nova proposta artística cumpre papel negativo, reacionário,
regressivo.
“Na poesia, a novidade obrigatória”, Maiakovsky. Em arte, o novo – o de
fato novo – é uma necessidade tanto do artesão ficcional quanto do público .
Os três elementos acima mais o fator tempo, o nível de antiguidade da
obra, impulsionam a formação do valor artístico de uma arte. Este valor
específico expressa-se porcamente e de modo deformado no valor de troca preço.
Ao que parece, para Mészàros, o valor artístico deriva da demanda (Mészáros, A
teoria da alienação em Marx, 2006) do artista e do público, como “necessidade”,
ao modo análogo aos dos economistas depois de Marx; o valor artístico aqui, ao
contrário, deriva do trabalho, da energia humana – embora nem seja empírico,
nem seja bem expresso fenomenalmente.
NATUREZA DA
ARTE
O que é arte? Resultado da atividade humana, arte é uso de técnicas para
prover mensagens fictícias ligadas ao real. Se as ferramentas são usadas para
construir uma mesa, temos um valor de uso de todo real; mas se as mesmas
ferramentas são artifícios para produzir uma belíssima escultura, então temos
um objeto real de verdade em si fictícia a nos passar uma mensagem conectada à
realidade, mas em ruptura relativa com esta.
Toda arte é fruto da atividade humana, fictícia e suporte de uma
mensagem indiretamente ligada à não-arte. A técnica precisa pensar as
proporções daquilo construído para ser um valor de uso, digamos, mesa. Na arte,
a técnica trabalha o material para que suas formas expressem, de maneira
criativa, o valor de uso mensagem; suas proporções são pensadas para a
comunicação artística. Por mais bela e talhada, nunca a mesa será análoga à
poesia ou à escultura. Por mais que “artistas” coloquem tal artefato
alimentício num museu.
Por razões acidentais e não necessárias ou inerentes ao objeto, mesa ou
cadeira podem ter formas transformadas em armas de combate, em valores de uso
para agressão ou autodefesa; quem sabe, um quadro enorme do Louvre possa ser
usado para sustentar pratos e talheres… Porém o caráter de cada qual logo se
nos revela. Um mictório tem sua matéria
e sua forma pensadas para uso específico ainda que esteja fora de seu lugar.
A assim chamada arte pós-moderna é o desenvolvimento de uma pseudoarte.
A arte falsa ou a ficção da ficção pode ser constatada, mas o desafio teórico
irresolvido é saber por quais mediações o capitalismo fictício e irreal, com
sua forma sem conteúdo, com o “jarro vazio” desta época, produz a própria
produção supostamente artística correspondente.
Apenas na consideração acima, de que a forma material é pensada para
mensagem fictícia, podemos então relaxar o conceito. A arquitetura produz
valores de uso não artísticos e é, ou pode ser, ao mesmo tempo, arte. Um jarro
pode ter belíssimas pinturas. Como dissemos em outro capítulo, o valor de uso
tem ganhado maior valor estético para vencer a disputa comercial. Ainda que
haja casos assim, combinados, sabemos reconhecer uma obra de arte mesmo quando
está associada a outra função. Assim como há mercadorias que tem preço sem
valor (terra, etc.), há produções que caem fora da concepção exposta.
A arte é unidade de ser e nada, pois a arte é e não é – ao ser ficção
real.
CRISE DA
ARTE
As razões para a crise da arte estão na ampliação do fator econômico,
mas há mediação de outros aspectos que tornam o efeito da economia sobre o
artístico mediado, indireto. O desenvolvimento da sociedade, por exemplo,
impulsionou os mais variados estilos, o que dificulta, embora nunca esgote, a possibilidade
de surgir novas escolas artísticas – por isso muitos artistas estancam na mera
experimentação sem finalidade (poderíamos falar em escola experimentalista?).
Também, entre as causas – frutos do desenvolvimento técnico-científico, da
produção – está a fundação da fotografia, do cinema, das TVs, da internet e da
arte em jogos eletrônicos; pois tornam menos atraentes e necessárias a pintura,
a escultura etc., que tentam se afirmar com uso de novos ou perecíveis
materiais, com o estranho e o espanto, com o mero curioso, já que, ao mesmo
tempo, querem atrair público e podem fazer qualquer coisa porque, por outro
lado, não têm público (de modo, também, que não vale um longo esforço…). A
literatura não escapa dessa dualidade entre produzir algo vanguardista
artificial e produzir algo para o mercado.
Em todo o mundo, surgiu um novo romantismo baseado no semiletramento das
massas, na urbanização e na decadência do capitalismo. Vejamos a emulação:
aquele romantismo, dos séculos XVIII e XIX, época das revoluções burguesas,
tendia ao amor romântico e erotismo irrealizáveis; o atual, ao triângulo
amoroso e ao erotismo vivo. Aquele e este aos mercados e à leitura fácil e
fluida. Aquele, aos poemas instintivos, versos livres e atraentes; este, ao
poema-trocadilho, rimas rápidas e na velocidade da internet, versos curtos e
autoajuda. Aquele, ao nacionalismo; este, ao internacionalismo primário.
Aquele, ao fetiche pelo mundo medieval; este, também, por narrativas
mistificadas. Aquele tendia à tragédia final; este, à vitória. Aquele, ao
individualismo burguês; este, ao individualismo interligado ao conjunto. Aquele
se expressou – terceira fase – com a crítica social e simpatia pelos excluídos;
este, por ideias de revolta, revolução, antiburocráticas e antiditatoriais, instinto
rebelde e sensação intuitiva de anormalidade e artificialidade do tempo
presente. Este se revela na ficção científica, na distopia, como crítica social
metafórica. O que pesa é a diferença na erudição dos próprios autores, pois o
romantismo clássico teve nomes de peso na literatura.
Na prosa e séries televisivas, há preferência por histórias profundas e
longas – logo algo muito progressivo – como compensadores do vazio existencial,
da rotina, da solidão coletiva, da passividade comum e dos aspectos rasos nas
relações e vida pessoais, que oprime a consciência – logo reação ao regressivo
no real. Séries como a primeira temporada de Narcos (poderíamos citar várias:
Breaking Bad, Dark, Big Bang: A Teoria etc, que são verdadeiras obras de arte) são
dotadas de altíssimo estilo – e com grande público, o que revela em si a
possibilidade de ter produções de qualidade com acesso popular. Apenas o
pessimista por natureza, que tenta destacar-se com crítica indiscriminada a
tudo, ou seja, uma crítica sem critério, sem ver o que há de avanço, deixa de
ver também que a regressão da vida pessoal, como regressão da vida social,
demanda arte acessível e popular como expressão inversa da decadência (na
literatura, o público prefere, por sua carência existencial, a profundidade do
romance, enquanto os autores têm caído em narrativas curtas ou rasas ). No
cinema, o avanço é mais complicado, porque a busca pelo mínimo risco – e arte é
correr risco – faz com que as empresas adotem fórmulas obrigatórias, ritos de
roteiros, finais programados, estilo que atrai etc. Aí há a contradição entre
arte e lucro. Eis um dos fortes motivos da decadência relativa dessa forma
artística nas últimas décadas .
Os marxistas podem estimular novas escolas artísticas e o reavivamento
da arte, mas apenas o socialismo dará solução à crise artística ao elevar a
cultura geral dos artistas e do público, além de oferecer mais tempo livre e
recursos.
AS
CATEGORIAS DA ESTÉTICA
Aristóteles foi o maior pensador antigo sobre quase tudo, incluso na
estética, embora a maioria dos seus escritos sobre tenha sido perdida. Ele
tratou de oposições fixas – erradas em parte por serem fixas – de categorias:
GRANDEZA |
|
|
|
Ação |
Harmonia |
Gracioso |
Belo |
Sublime |
Trágico |
Desarmonia |
Risível |
Beleza do feio |
Beleza do horrível |
Cômico |
Em Aristóteles, a harmonia evolui para o gracioso etc. até o trágico. A
desarmonia evolui para o risível etc. até o cômico. Primeiro, a posição do
trágico e do cômico estão investidas, o debaixo deveria estar acima e associado
com o belo etc. O trágico é desarmonia, o horrível etc. Mas podemos, além e com
disso, ser positivamente dialéticos: ora, a desarmonia etc. também fazem o
trágico; a harmonia, o gracioso etc. também fazem o cômico. As categorias
opostas estão misturadas, em interpenetração e mudam de posição de acordo com a
arte concreta.
Sobre, façamos ainda uma terceira observação. Acima ou no fundo comum da
harmonia e da desarmonia está a proporção. Do gracioso e do risível, o gracioso
em sentido mais amplo e escondido; do belo e do feito, o belo de estilo; do
sublime e do horrível, o sublime do impacto. O trágico é plural, múltiplo
(drama, ação, ficção científica etc.) e o cômico é uno.
Aristóteles afirma que o trágico imita as pessoas melhores que o comum;
enquanto a comédia, pior que o. Mas ambos podem e fazem o mesmo que seu oposto,
logo, sua divisão é unilateral.
Há as artes fixas (pintura etc.) e circulantes (teatro) ou sincrônicas
(escultura) e diacrônicas (ficção) – ao menos no geral e em tendência. Por suas
propriedades, as sincrônicas ou fixas têm mais facilidade de degenerar em nosso
tempo de movimento. A arte pode ser dividida, de modo relativo, também, em arte
constante, que não exige do espectador, e arte variável, que exige do
espectador; o teatro, por exemplo, exige imaginação de quem assiste ao a
personagem relatar fatos da história fora do cenário do palco.
ASPECTOS DA
ESTÉTICA
QUASE-ARTE
A arquitetura, a jardinagem, a propaganda, a biografia etc. são, de
fato, arte? São, ao que parece, por seus valores de uso centrais, quase-artes,
mas não arte de modo direto e real. Um jogo eletrônico moderno, como God of war
ou The last of us, é certamente arte em comparação ao demais citados, mas
provavelmente será necessária uma nova geração de eruditos, já crescendo com
seus consoles, para reconhecer isso. Uma das provas de que arquitetura etc. não
são arte ver-se em Lukács ao este defender a incapacidade de tais manifestações
romperem com a ideia de beleza, com a meta do agrado. Mas ele não deduziu disso
que se trata de quase-artes, cuja estética está subordinada ao valor de uso
esterno ao artístico.
ARTE E INSPIRAÇÃO
Os antigos diziam que inspiração vinha de um gênio mágico invisível que
falava ao ouvido do artista. A inspiração importa, mas o trabalho duro também.
Romantiza-se a arte como a pura e total liberdade, anarquia e caos. Arte
pressupõe, incluso, técnica, aprendizado e treino disciplinado.
Mas há um Eu interno, tratado por mim em Psique – Por uma psicologia
marxista, inconsciente que produz, além de ser ativo e organizado. Às vezes, de
fato, a música sai – de sair, mesmo – quase pronta, quase perfeita. Houve um
trabalho oculto e inconsciente. O Eu consciente apenas foi capaz de traduzir e
acessar o material. Por isso, apesar de não descobrir o Eu interno, a
psicanálise é tão bem tratada no meio artístico – há uma experiência empírica
surreal muito direta com o objeto da psique.
Diga-se de passagem: 1) comum que criar seja, ao mesmo tempo, descobrir
(caminhos) na produção artística; 2) novidade de fato exige, em geral, mais
esforço, logo mais valor artístico.
Sobre o primeiro, apenas quando o artista encontra uma parede à sua
produção, uma dificuldade de expressar uma mensagem fictícia, ver-se obrigado a
criar uma ponte especial, um novo modo de expressão.
NARRAR OU DESCREVER?
Lukács adquiriu várias veias conservadoras em seu pensamento. Por
exemplo, de sua estética, conclui-se: deve-se narrar, não descrever (Lukács,
Narrar ou descrever?, 2018). Mas assim ele cai no ou-ou, ou seja, esquece o
caminho do meio, o narrar-descrever; além disso, obras descritivas também
causam cartase estética. Se separados, dialético negativo: a descrição é a narração
no simultâneo; a narração é a descrição no tempo.
Narrar é descrever, descrever é narrar. O marxismo é mais do que
histórico, pois é histórico-geográfico. O meio do naturalismo de fato importa.
Vale mais à arte uma riqueza de opções e escolas em relação a alguma regra
normativa sobre como escrever da parte de um não escritor de ficção. É claro
que o superior está na fusão de ambos, mas nada impede pesar a mão para um lado
ou outro.
Na música, natural sequências de notas em um solo que repetem padrões
sem avançar, descrição (ou riffs também), ou, ao contrário, narrar, fazem
sequências como se fossem uma história que avança como das notas graves à ponta
oposta de uma guitarra ao final da música, as notas mais agudas possíveis no
instrumento. O músico usa ora um e ora outro segundo preferência ou momento.
COMO ANALIZAR UMA OBRA?
A análise profunda na arte funde o aspecto marxista, materialista
histórico e dialético, da percepção da obra com a tradição formalista, da
produção em si em seus aspectos internos. A pergunta sobre a época que permitiu
existir tal arte deve ser acompanhada da pergunta sobre o jogo de palavras ou
de traços que deu tanta originalidade ao material.
O marxismo vulgar pensa que a totalidade é a categoria absoluta,
autônoma. Cai-se, então, no perfil holista. Ora, o todo nada é sem suas partes
vivas e em interação. Devemos ser rigorosos nas grandes e pequenas coisas. Dito
isso, claro que a totalidade tem propriedades próprias, que as partes isoladas
não têm, mas, para a acessar o todo, que não é tudo, precisamos de avançar,
parte a parte.
Se quisermos, começamos analisando a obra em seu contexto histórico e
social, que é a grande arma do marxismo. Vemos, então, que a economia e o
perfil do país relativo ao resto do mundo, permitiu e, em certo sentido, impôs
aquele tipo de arte. Isso é muito, mas não é o bastante. A obra em si, em seus
detalhes, deve ser analisada, dissecada, verificada e teorizada.
ARTE E IMITAÇÃO
Aristóteles afirmou que arte é mimese, se quisermos, imitação – imitação
do real, simulação. Desde tais palavras, a história da filosofia, incluso
Lukács, repete tal falto concluído, ad nauseam. Ora: isso é óbvio, obviedade,
truísmo. Mero analítico sem mais. Apenas diz que arte é, ora, arte. Digamos
algo mais, de fato, interessante: a mente não consegue separar com clareza
ficção de realidade. No nível de consciência, é-nos claro, mas há um lado de
nós que confunde. Daí a cartase estética. Sabemos e não sabemos que é uma
imitação. A ficção é ficção real – com todos os duplos sentidos embutidos na
frase. Por isso, sentimo-nos irritados quando algo é mal feito, um roteiro ou
cena etc., que nos tiram da ilusão de realidade da ficção. N’O Capital, Marx
diz que apenas nos lembramos que a mercadoria é fruto do trabalho humano quando
ela apresenta defeito; algo semelhante ocorre com o produto estético.
Sendo mais direto, a arte: 1) imita a realidade, 2) deforma a realidade,
3) cria a realidade, 4) influencia a realidade, de onde veio. A arte é um real
fictício, um fictício real, realmente ficção.
A vida imita a arte e a arte imita a vida (Júlio Lobo).
O BELO
Neste ensaio, afirmamos: 1) o belo tem origem natural, socializado na
arte; 2) romper com a beleza na arte é afirmar o caráter social do homem. Algo
mais deve ser dito, em específico. A beleza artística não é, apenas e de fundo,
incluir o feio; mas a beleza na filosofia estética é a beleza de estilo, não de
sensação (a bela de estilo é unidade de emoção e razão). Um quadro feio, mas
bem tralhado, na forma e no conteúdo, torna-se, desse ponto e vista, belo;
veja-se Guernica. Dito isso, a beleza é subjetiva, na coisa, ou objetiva, no
sujeito? Ora, nossa espécie e a vida em conjunto evoluíram para saber de modo
subjetivo da beleza objetiva. Kant dá lugar a Darwin. A divisão entre sujeito e
objeto kantiano de nada serve.
Kant segue os passos de Platão. Este pensava que havia um mundo das
ideias e formas, aonde habitava o eterno e terno belo. Ele objetificou
idealmente o cérebro humano, como se mundo à parte. A superação sujeito-objeto
tornou-se separação de dois mundos, o sensível e, contra, o ideal. Aristóteles
fez o oposto, pois afirmou a beleza na própria coisa, não na ideia, por as
proporções e harmonia da coisidade elevavam à sensação de beleza, de perfeição
contra o caos. Ora, de onde viria o prazer mental com a beleza, com as
proporções; por que estas proporções e não outras? Entra de novo a teoria da
evolução e sua potência de unificar sujeito com objeto. O subjetivismo de uma
escola é tão unilateral como o objetivismo da outra, embora esta última tenha
alguma vantagem natural. Ambos não contam com a história da vida (humana etc.)
e da sociedade.
Enfim, uma lei: quanto mais nos afastamos (da beleza) da natureza, mais
precisamos da arte e de sua beleza humana, social.
O RISO
Como entre primatas, o riso é causado por algo inesperado ou com
aparência de ameaça que se revela, de susto, não grave. É quase uma forma de
empatia, pois vê o fim de um risco e que está tudo bem (o contrário da visão
egoística típica do chamado contrato social; claro, sádicos e psicopatas tendem
ao prazer ou ao riso com a desgraça alheia de fato, mas são anormalidades).
Vejamos um método: faz-se uma piada ou “tirada” boa, faz-se outra e, então,
inverte-se com a terceira – o fato de se fazer uma sequência dessas em tríade
faz com que o processo seja inesperado e em progressão.
Arte é moral; riso é, também, futo da arte; logo, o riso é moral,
incluso um regulado moral social, que espera o padrão regular contra o susto do
inesperado.
FORA DO
LUGAR
Assim como na teoria, a mudança de tempo e espaço na arte a
ressignifica, incuso em importância. Tudo sobre a arte está em si, mas seu
contexto importa também.
ARTE E MARX
Lembra-se de Marx como aquele a afirmar que superestruturas como a arte
têm forte influência da economia e da sociedade. Vejamos alguns detalhes
adicionais.
De Hegel, ele toma o caráter social, humano e histórico do artístico
(transcendente do natural). De Feuerbach, o caráter sensível (sentido etc.) da
arte (imanente do natural).
O artista produz a arte e, por meio desta, o próprio público capaz de
consumir sua produção, ou seja, educa-o – como
toda produção, indústria etc. Mas complemento com uma diferença: diz
Marx, apenas lembramos que a mercadoria é feita pelo trabalho quando ela
apresenta defeito; digo em complemento, na arte, ao contrário, quanto mais
perfeito é o produto estético, mais queremos saber de seu produtor, de seu
processo de trabalho etc.
Marx tinha preferência pelo realismo – sem prescrever escolas.
Marx tentou ser escritor de romance, teatro e poesia. Mas sua produção
juvenil era de baixa qualidade; para nossa sorte, passou a ser um grande
pesnador. No entando, O Capital I tem alto valor literário, riqueza de estilo.
A grande pergunta de Marx sobre estética: por que as obras da
antiguidade ainda nos afetam tanto? Se são épocas tão diferentes, por quê? Ele
não foi capaz de responder de fato, embora a genialidade de fazer a indagação
correta. A questão tem resposta se lembramos dois fatos, aqui expostos: 1) o
valor artístico de uma obra de arte, se é grande etc., deriva do tanto de
trabalho nele dedicado; 2) Homero e Marx possuem a mesma essência humana – ser
integrado, mutualista e ativo. Ei-s o fundo, mas apenas ele, do significado de
tal continuidade na descontinuidade.
Por fim, o desenvolvimento dos 5 ou mais sentidos é um desenvolvimento,
ou seja, muda ou evolui com a história. Educamos e reeducamos os nossos
sentidos – mais que naturais, também sociais. Como cérebro é apenas um, educar
a sensibilidade ajuda na educação intelectual e na produção teórica.
DUPLO CARÁTER NA ARTE
A arte tem dois sentidos: o fato e o sentido do mesmo, dele. Eis um
duplo caráter artístico. Assim, um ator faz a cena insinuando mais do que os
simples gestos e palavras. A poesia aponta para algo dentro dela. O sensível
une-se ao não sensível, o empírico ao não empírico (realidade, verdade), o fato
à interpretação – empírico-dedutivo. A arte tem, assim, duas mensagens: a clara
e a quase oculta. Quando quer, mas não necessário, faz uso da ironia, da
metáfora etc., recursos que indicam mais do que si próprios.
CLASSIFICAÇÃO DA ARTE
O abstrato é um concreto. Dito isso, a arte pode ser concreta ou
abstrata. A música e a literatura são claras artes abstratas. Cinema, teatro,
escultura – artes concretas. Isso se dá pela complexidade da arte em questão,
se é mais fina ou mais preenchida, digamos assim.
Além disso, temos artes fixas e circulantes. Isso também é claro e
intuitivo de perceber e classificar. Mas o fixo é, no fundo, circulante.
O carinho de certos pensadores pela múscia ou pela poesia, como se artes
superiores, dar-se pelo caráter “puro”, abstrato. Mas, grosso modo, suas
classificações e hierarquias são por demais presas ao sensível como entre
“artes visuais” e “artes auditivas” etc. Mas o abstrato em arte é mais abstrato
também porque mais ligado ao pensamento como a imaginação etc.
ALIENAÇÃO E ARTE
A alienação demanda arte. Fala-se em arte contra a alienação, mas há
ainda certa irmandade entre elas. A condição alienada antes era mais concreta
(escravidão etc.) e passou para cada vez mais abstrata, a relação de capital
etc. Mas a abstração disfarça uma alienação ainda mais intensa, não menos – o
auge alienante e a alienação sem nome. O real perdeu a áurea, tornou a vida
bruta, sem laços etc. Obra do capitalismo perder valores e sentidos dos modos
de vida passados. Marx mesmo fez tal observação. Ora; isso exige arte e até, de
modo relativo, arte mais sofisticada. A vida vazia e rasa pede bons seriados
televisivos viciantes. Goza-se com a revolução social da personagem no cinema
diante da impotência (aparente) de fazer uma revolução em si e no mundo (em
certa medida, filmes de revolta atrasam a revolta social ao oferecerem, de um
lado, satisfação via fictícia e, de outro, apresentar algo do tipo como
fictício, inalcansável etc. – o capitalismo e, em especial, tempos de suas
crises alimentam a narrativa de inspiração Hobin Hood como Assassin’s Creed
etc.). A arte combate a alienação lubrificando-a, uma negação que afirma, uma
afirmação que nega. Torna a alienação suportável, um tanto e de modo
provisório. Na falta da religião e sua estética, arte! De certo modo e medida,
a arte, tanto mais a atual, afasta a saída religiosa com suas tantas
obrigações. As mais concretas artes prosperam diante da alienação mais abstrata
o possível. São polos como se opostos e contraditórios na diferença de uma
íntima unidade, interpenetração e interdependência.
AUTORES DE DESTAQUE
De modo geral, a arte desenvolve-se com o desenvolvimento da humanidade.
De início, o fazer artístico está ligado ao fazer religioso nas tribos antigas
– depois ganhou independência, tornando-se um complexo artístico. O pensamento
marxista vulgar pensa que a economia determina totalmente a prática artística;
isso tem sua verdade, pois uma época de duras crises, como a nossa, produzirá
poetas depressivos com seus poemas de lamento, escritores com duras críticas
sociais, autoajuda poética etc. Vejamos o caso da música sertaneja: o atraso do
campo produziu a música sertaneja caipira, original; despois, a ida rápida dos
homens do campo para a cidade produziu o sertanejo “analógico” (João Paulo e
Daniel; Chitãozinho e Chororó etc.) e, em seguida, a mecanização moderna do
campo produziu o sertanejo universitário (que muitas vezes é mais rápido e
dançante, além de baseado em instrumentos elétricos, como as máquinas na
lavoura atual). Mas a arte tem um bom grau de autonomia no seu desenvolvimento
e em como expressar-se em relação à sua base material, a economia e as classes
sociais. A base econômica e social faz as tendências gerais da arte, se será
otimista ou pessimista etc., mas como a arte será em si mesma, os estilos
específicos, depende mais da criatividade e do perfil dos artistas.
ARTE EM TROTSKY
Leon Trotsky escrevia sobre poesia enquanto liderava o Exército Vermelho
da URSS contra os inimigos da revolução socialista. Para ele, a arte feita sem
erudição ou conhecimento não é propriamente arte. É necessário que os
trabalhadores tenham cultura elevada, além de tempo livre maior, para apreciar
e fazer grande arte.
Pelo exemplo do Brasil, com sua arte popular destacável, e mesmo o fato
de os camponeses medievais terem feitos histórias de terror orais, ao redor das
fogueiras, depois transformadas em belos contos de fadas pela aristocracia –
percebemos que há, sim, arte popular e, além disso, um recorte de classes na
arte como o samba da favela, dançante, ser transformado na bossa nova,
reflexiva, da classe média de apartamento.
Ele teorizou que a arte deve ser livre tanto de pressões econômicas
quanto de pressões ideológicas. Em matéria de arte, os comunistas são
anarquistas – liberdade total. Ao mesmo tempo, defendia que os artistas
simpáticos ao socialismo deveriam reunir-se em uma associação internacional
livre.
Trotsky está aí lutando contra a ditadura estalinista na União Soviética
que censurava livros, perseguia artistas, obrigava os talentos a fazer obras
com elogio ao governo – e forçava uma estética de realismo “socialista” contra
a liberdade necessária à arte.
Afirma, ainda, que quando a classe operária for erudita ela já não será
classe alguma, logo, impossível existir de fato uma arte propriamente
proletária. Mais uma vez, o Brasil o refutou. Há divisão e origem e classe na
arte, além dos entremundos. Mas, claro, a tarefa da humanidade é abraçar toda
produção elevada produzida pela genialidade humana.
Claro, a chamada arte dita proletária do socialismo dito real é algo
menos que lixo.
ARTE EM LUCKÁCS
Lukács também era crítico à farsa ditatorial do realismo socialista, mas
defendia que a arte correta é a arte realista. Para ele, a obra de arte não
deve ser um panfleto político, mas deve mostrar a realidade tal como é sempre.
A arte é, assim, um meio homogêneo. Assim como o microscópio serve para
ver a realidade para além do cotidiano, a arte é uma ferramenta para ver o
mundo de modo novo, mais profundo, mais claro.
Tal como Aristóteles, Lukács pensa que a arte deve causar uma cartase
estética – por exemplo: causar um choro, ou outra emoção forte, no espectador.
Apela para o grego, no fundo, por uma falta de originalidade real, por
descrição etc. Tenta expor de outro modo traços iniciais em Marx e Engels. Como
faltava-lhe uma teoria concreta (da moral, do valor etc.), tornou-se incapaz de
traduzir de modo inteiro e coreeto de fundo o objeto de estudo. Ele próprio
pecebeu isso, ao seu modo, ao adiar a conclusão de sua Estética para pensar,
agora antes, uma ontologia e uma ética. Mas a morte venceu seu corpo antes das
conclusões.
ARTE EM WALTER BENJAMIN
Para este, a arte moderna perdeu a aura que tinha antes. Veja, por
exemplo, que substituímos todo o ritual do cinema para assistir um filme no
celular. Por outro lado, a arte tornou-se popular – embora o uso manipulado
pela propaganda e pelo governo.
Ele deixa de saber bem a origem da chamada aura artística, que
explicamos via a generalização do valor-trabalho, como fundo até do valor
artístico, e o outro lado da mesma moeda, o valor-matéria. Veja-se a
reprodutividade alta e técnica do artístico no valor.
Sua teoria tem valor relativo, pois o cinema dava, por si, e sim, uma
aura. Em parte derrubada pelos filmes por celular etc.
ARTE EM ADORNO
Adorno pensa que a arte não se tornou popular, mas de massa. A arte
passou a ser repetitiva nas fórmulas, sem profundidade, fácil de engolir,
tornou-se mercadoria de fato.
Seu pensamento contra o Jazz demonstra sua pequenez crítica, sua
limitação. É uma personagem cativante, intelectuais adoram pessimismo crítico
(gozo narcisista da pequena-burguesia), mas isso esconde sua pobreza teórica.
Hoje, nos filmes de maior sucesso, pensar um ótimo enquadramento de
imagem é vital para o sucesso da obra, por exemplo. O espectador logo percebe a
falha caso o diretor erre o ponto de vista. Os artistas notaram que um bom
trabalho, original etc., produz bom resultado de público em geral. Claro,
reclama-se dos livros popularescos; no entanto, antes quase ninguém em um país
sabia ler… É uma leitura de transição, antes da humanidade erudita.
O desprezo de Adorno pelas massas fez o seu desprezo pela arte de
massas.
QUAL A
ESCOLA DE NOSSO TEMPO?
Após o modernismo, com sua pluralidade, a arte foi nomeada
pós-modernista, apenas no sentido temporal, após. Qual a natureza da arte de
nosso tempo? Apenas podemos saber depois de largo convívio para com ela. Pois
bem; ao que parece, trata-se da escola antissistêmica. Uma arte que pertence à
época de crise do capitalismo e de caos social, ainda que a mão dos poetas e
pintores nenhuma consciência tenha de sua inconsciência, disso. A arte
antissistêmica no sentido da forma, ou do conteúdo, ou de ambos. A chamada arte
contemporânea é tal escola contrassistêmica. Implode, explode ou subverter
formas e conteúdos (quando de modo positivo, a matéria). Mas falamos, aqui,
apenas da arte relevante, que merece a história, e da arte verdadeira, que
exige esforço e longa inspiração. O romance histórico serve para dizer que o
sistema não é estático, mas diacrônico, que nada permanece. Veja-se um clássico
novo, a obra O Homem que amava os cachorros, de Padura; nele, há trabalho de
forma e um conteúdo em si subversivo dentro da trilha policial. O Evangelho
segundo Jesus Cristo, de Saramago, outro clássico moderno, trata-se de uma
crítica feroz, com doses de indireta, ao sistema social e sua ideologia. A
poesia concreta, marginal, neoconcreta, o poema-processo, a poesia-práxis etc.
todos são subversivos em si, antissistêmicos por si. Repetimos: a crise do
sistema, com seu caos externo aparente, dá base para o perfil da arte. O
hiper-realismo, uma das escolas internas ao modelo, também expressa tal
tendência. O realismo mágico – ao expressar a irracionalidade e irrealidade do
mundo atual – é, por si, evidente logo feita a caracterização do estilo geral
de nossa época de transição. O experimentalismo faz com que cada um procure uma
forma própria de expor seu romance ou conto, mas a forma singular deve
expressar o conteúdo singular (mais à frente, demonstro uma solução desse
mosaico, o conto na forma de cartas ficcionais, uma forma permanente e
utilizável em larga escala). O antissistemismo inclui uma afirmação do
individual contra as totalidades. Cabe-nos, agora, à beira da revolução
mundial, diante da crise da arte, pensar uma arte dialeticista, dialética, mas
nunca final ou definitiva. A escola antissistêmica tende a esgotar-se com o
esgotamento do sistema. Ela é negativa e foi algo necessário; temos de fundar
um antissistemismo de segunda geração, dialética, positiva, dialética positiva.
Uma parte da dificuldade, até aqui, de caracterizar tal escola é a dificuldade
de entender tal época, tarefa desta obra por inteiro.
Quanto à pseudoarte, falso do falso, aparência da aparência da
aparência; como a crítica ao capitalismo em seu início, a crítica da arte dita
contemporânea tem sua versão conservadora e sua versão progressiva, ambas podem
apresentar elementos verdadeiros em suas críticas, mas apontam caminhos
diferentes – um olha apenas para o passado; o outro, também para o futuro.
A
OBJETIVIDADE NATURAL DA BELEZA
A arte não necessita ser agradável, mas, por derivação, a beleza é um
tema importante – o belo é objetivo ou subjetivo? Está na realidade ou nos
olhos de quem vê? Em primeiro lugar, beleza está na própria coisa, portanto,
natural em si (tanto natural para a percepção do externo quanto no próprio
externo); trata-se da beleza no geral, no universal, pois o lado animal do
homem e suas percepções capta a beleza do mundo, desde sua vida prática para com
animais e situações (o sombrio na arte tem, remete a, traços do sombrio na vida
real). Mas, por outro lado, a beleza é algo humano no sentido histórico,
determinada historicamente, socialmente; porém, sendo a beleza no particular,
não nega de todo a beleza geral, natural, antes pode mediá-la ou deformá-la.
Por último, temos a beleza no singular, no individual, que responde à própria
formação pessoal e da psique, algo único – este medeia e, ao mesmo tempo, é
mediado pelos outros dois. Assim, as polêmicas sobre o caráter do belo, dentro
e fora da arte, são resolvidos, percebendo os próprios “níveis” que se
misturam, um sendo a base do outro. Tenta-se refutar, por exemplo, a beleza
natural geral, com o fato de existirem pessoas com gostos exóticos; por outro lado,
tenta-se refutar a instância da beleza individual com a constatação de
consensos gerais sobre se algo é belo, apontando para o objetivo ou, ao menos,
o intersubjetivo. Os pontos de vista opostos acertam e erram ao mesmo tempo,
são incompletos e sem mediações.
ARTE COMO
TRANSCENDÊNCIA IMANENTE DO REAL
Como Aristóteles, Lukács diz que arte é mimese, imitação do real. Essa
verdade é metade mentira, pois a arte fala do verdadeiro por meio do falso –
ela deforma, acentua e unilateriza o real para melhor expressá-lo. Uma
escultura não é como uma mulher da escultura, por uma é feita de carne viva,
outra é talhada em mármore. A arte não nos permite ver de cima, como um
ampliador ocular facilita ver as estrelas e o nível microscópio, não amplia,
pois ela, na verdade, agrega experiências ao espectador, ao lado e junto. É
preciso romper relativamente com a realidade para melhor vê-la e vivê-la. Por
isso, a arte vai da materialização para a desmaterialização, e vice-versa, para
o realismo e contra o realismo.
Na estrutura, a poesia está entre a prosa e a música; a dança, entre a
música e o teatro; a prosa, entre a poesia e o teatro; e assim por diante. Mas
ocorre que a maior parte das artes separam-se e autonomizam-se umas das outras
como a prosa da poesia, a dança da música. Depois, na história recente, as
diferentes artes separadas voltam a unir-se no cinema, com suas muitas
variantes, e nos jogos de vídeo game (o cinema, o vídeo game etc. são a
continuação do teatro por outros meios, também). Então, temos: 1) fundação, 2)
abstração e separação, 3) reunião. Concreto, abstrato, concreto.
Lukács diz que a arte tem relação com o trabalho primitivo, pois o
movimento repetitivo economiza energia e aumenta a produção, gerando prazer.
Sem querer, chegou ao esgotamento de artes. O público cansa daquele estilo que
deixou de ser novidade, mas o velho artista não muda, torna-se conservador,
pois manter o mesmo modo de criação preserva energia e produz um modus
operandi. Em geral, novas gerações mudam
os rumos, renovam.
Enfim, a arte tem um objetivo primário muito mais modesto e vulgar do
que pensa Lukács, que pensa ela como uma forma de expor o real e, também,
elevar-se. Sua função é a mesma da religião por outros meios, ou seja, tornar a
vida mais suportável e interessante (o homem primitivo faz a dança e uma
ferramenta ambas para tornar a vida mais vívida); alémda moral oculta. A arte,
antes e além de expressar casualmente o real, cria realidade, humana e
fictícia. Em resumo, não há falsa cartase, toda cartase é verdadeira, embora os
lukacsianos pensarem a elevação do indivíduo ao gênero como único caminho
catártico. A arte não eleva o indivíduo ao gênero, mas propriamente o
individualiza (e abstrai), o subjetiva, alarga e dá mais forma ao Eu, contra a
objetividade dura da qual faz parte, da qual é parte. No seu concreto, a arte
abstrai-nos.
ARTE DE
VANGUARDA
A ruptura com a beleza é a afirmação do homem na arte, como mais do que
natural, social. Lukács reclama que Ulisses trata de um personagem de perfil
perturbado, não um personagem típico, que ele defende como realista. Ora, uma
realidade louca produz loucos, eis o realismo. Lukács é um revolucionário
conservador. Nesta obra, devemos afirmar mais de uma vez que a arte expressa a
mensagem fictícia também deformando, ampliando, unilateralizando etc. Para o
teórico criticado aqui, um pé de tamanho desproporcional seria uma negação da
arte e do realismo. Ele vê que há unidade sujeito-objeto, aparência-essência e
conteúdo-forma no artístico. Pois bem; esqueceu que há o essência-forma, a
unidade e identidade deles: a forma do traço, o pé desproporcional, pode
oferecer uma boa mensagem como o trabalho manual e precário de escravo na
plantação de café. O expressionismo expressa a angústia – humana – com suas
cores e sinuosidades. A individualidade é uma conquista civilizacional, complementamos.
Lukács toma a posição de um burguês ou membro da classe média com
déficit de realidade (daí a fixação, correta, com a vida cotidiana), logo
exigindo da arte que lhe dê satisfação contra tal vazio pessoal. Um dos
problemas subjetivos da classe trabalhadora é excesso de realidade e de
realismo. Por isso, um bom livro ou filme ajuda… As pessoas comuns já conhecem
o mundo, sentem-nos com toda força: não precisam de personagem arquétipos
típicos no lugar dos bizarros e interessantes ou uma história de toda plausível
e verossímil no lugar de outra alucinante e ativa etc. Se faltasse realidade,
haveria demanda por ela na arte – tão simples quanto isso. Como denunciar a
pobreza, ainda que de forma artística não politizada, para quem já é pobre e
tem tal o mundo diante de si, bastando abrir a porta de casa para a rua? Nós
exigimos transcendência, ainda que ainda imanente.
Entre as arte de vanguarda dos séculos XIX e XX, o dadaísmo é o mais
inútil, puro caos sem sentido – mas abriu espaço para ousadias novas, ainda que
menores, em outras escolas. A arte abstrata sequer é arte. Mas, mesmo assim, o
cubismo, o expressionismo, o impressionismo, o surrealismo, o hiper-realismo
etc. são vitórias da humanidade. Deixando o realismo para fotografia e para o
cinema, que são melhores em tal tarefa, decidiram ousar, ousar, ousar! Foi uma
explosão criativa inédita, um novo renascimento cultural. No entanto, de modo
mecanicista e conservador, traço de sua classe de origem, Lukács viu – apenas –
decadência em todo canto, nunca reação à mesma decadência.
A arte equilibra-se entre a identidade (repetição etc.) e a diferença.
CONTEÚDO,
MATÉRIA E FORMA NA ARTE
Hegel diz que a arte vai do formal com baixo conteúdo (Pirâmides etc.)
ao equilíbrio de forma e conteúdo (gregos etc.) e até alto conteúdo e pouca
forma. Mas arquitetura não é arte, trata-se de quase-arte; e o homem faz arte
desde antes da civilização, nas cavernas e ao redor do fogo. A arte ganha
matéria, forma e conteúdo com o avançar da humanidade porque a mesma humanidade
ganha, em seu processo, desde a produção, matéria, forma e conteúdo.
A degeneração da arte leva a pedir ao espectador para esquecer o
conteúdo e focar no hilário, no bizarro: por exemplo, quadros feitos com massa
de bolo. Ou seja, novidade pela novidade, bizarro pelo bizarro. Tais supostas
artes são feitos com conteúdos descartáveis porque são, também, no conjunto, descartáveis.
Tem-se a matéria pela matéria, experimentalismo pelo experimentalismo. Os
falsos artistas são carentes por atenção.
Hegel diz que a unidade de matéria e forma é a matéria formada, ou, ou
seja, o conteúdo. Porque a arte tem matéria e forma clara, pode-se ter a
mensagem fictícia. Ora, até isso burlam: um quadro feitos de triângulos
repetitivos e fáceis de produzir, coloridos, parece como arte digna – mas
sequer há mensagem abstrata.
A arte abstrata, o ápice da pseudoarte, foca no sensível, na impressão
imediata. Nenhum esforço dotado de sentido, direção rumo à mensagem, há ali. O
artista suposto expressa sua liberdade como irresponsabilidade e incapacidade.
O mundo à beira da extinção, então eles brincam de serem bebês com tinta
guache.
Conteúdo, matéria e forma reciprocamente determinam-se. Na arte, como um
vice-versa, estão não são conectados, pois também formam uma unidade de
identidade. Como a cadeira precisa ter ao menos três pernas para ser a si
mesma, a arte precisa ser dialética em sua composição, sua tríade sagrada. Arte
sem (boa) matéria de nada serve. Arte sem forma sequer é arte. Arte sem
conteúdo é inútil, da pior forma de inutilidade. Da tríade, um desenvolve ou
limita o outro, e o inverso. Muitas vezes, tal limite é bom à mente e à
criatividade
O desenvolvimento das forças de produção produz novos materiais (mármore
etc.); tal desenvolvimento produz um conteúdo social que produz um conteúdo
artístico novo e rico (Monalisa é o foco no homem, no indivíduo e em seu
destaque novo); mais pessoas com tempo livre, fruto da economia que avança,
produz mais artistas para novas formas.
TRAGÉDIA E
COMÉDIA
Aristóteles punha a tragédia acima da, para ele, vulgar comédia. Os
eruditos atuais têm tal tendência ao supervalorizarem o drama etc. Ora, muito
mais difícil fazer humor, pois exige, por exemplo, um ator melhor, mais capaz.
Na nossa metafísica, o abstrato é concreto em processo. Nesse eixo,
diz-se que a comédia é a tragédia mais o tempo. Os melhores atores são os de
humor, pois controlam o tempo, o ritmo, o corpo etc. de modo superior. Um
genial ator da comédia faz de modo também genial o drama – o contrário, via de
regra, não é verdadeiro.
Sobre a história, Marx diz que os grandes fatos ocorrem primeiro como
tragédia e depois como farsa, ou seja, comédia. Isso também vale para a arte. O
esgotamento da literatura de cavaleiros medievais levou Cervantes a escrever
Dom Quixote. O esgotamento da arte sobre seca, nordeste, cangaço etc. levou à
comédia de alto nível de Suassuna, Auto da Compadecida. Algo assim também
ocorre no cinema dos EUA e nos animes japoneses.
A comédia é um vulgar sublime. Veja-se que o cinema de Chaplin pouco faz
rir, mas é deslumbrante, belo etc. O cinema de humor é desprezado pelos
intelectuais, mas algo que exige mais da produção, dos atores etc. O tempo da
cena e do ator devem ser corretos ao extremo, por exemplo.
Fazer rir é dificílimo. Há de acrescentar que o humor é, em si,
subversivo, mais do que a mera arte. É comum obras de humor escritas por gente
de direita ter um conteúdo, em si, bastante crítico. O humor desarma
resistências e vai à consciência, põe a nu aquilo sobre o qual não se fala,
obrigada a ver outros ângulos. O escritor de humor vê a mundo literalmente, de
modo cru, aquilo que é invisível porque normalizado, mesmo se absurdo. O rei e
o patrão são humanizados ou reduzidos de seus postos arrogantes.
Contra a tradição antiga, William Shakespeare pôs comédia em suas
tragédias de teatro. A função era segurar o espectador. Mas, hoje, tal técnica
é usada de modo degenerativo, em especial no cinema. O exagero de humor no
filme de ação etc. faz perder o ritmo, a atenção e a imersão na obra. A
tragédia tem dentro de si algo risível, mas é preciso dar a certa medida às
coisas.
MATERIALISMO
E IDEALISMO
A arte era idealista no sentido místico, como os mitos contados ao redor
da fogueira, então vai-se para cada vez mais materialista com o avançar do
materialismo social, da matéria. Já foi dito que a incapacidade de suportar o
materialismo na ideia é a incapacidade de suportar o materialismo na matéria,
na realidade. A arte pode servir a idealismo ou ao materialismo. Com isso, um
não é tudo enquanto o outro é nada: o simbolismo, por exemplo, trata-se de uma
escola incrível, apensar de seu norte místico.
O cinema de terror focava em zumbis místicos, frutos de rituais
satânicos etc. Depois, com a crise da materialidade capitalista, e seus riscos
de pandemia desde a AIDS, anjo anunciador do fim, os zumbis passaram a ser
frutos de fungos e vírus. Foi-se ao materialismo. Hoje, temos zumbis velozes e
agressivos, quase conscientes, como metáfora das revoltas urbanas presentes em
todo o mundo – o que, para um burguês, soa como algo animalesco e irracional.
A arte, desde Frankenstein, tem ajudado muito na popularização da ciência
e de suas hipóteses. Todo jovem amante de cinema pop sabe algo sobre
multiverso. Uma dose de filosofia e ciência sempre tendem a agradar o
espectador ou leitor, que vê ali certa mágica materialista. No entanto, parte
de tal sucesso é a incompletude da física moderna, que apresenta a realidade de
modo parcial e bizarro. No filme Interestrelar, já um clássico do gênero,
posições científicas foram usadas para simular um buraco negro, as diferenças
de tempo pela gravidade etc. Eis um papel educativo sobre a idealidade,
materialista.
A magia às vezes justifica-se: a civilização é tão avançada que sua arte
parece mágica aos olhos de um humano, como se o invasores etc. fossem deuses.
Esse tipo de postura dá o sentido de uma transição, de uma sociedade que tende
ao materialismo e à dialética.
A arte vai do idealismo, desde o idealismo místico, até, de modo geral,
passando pelo mero materialismo, ao materialismo dialético.
ARTE E
DINHEIRO
Há uma constante guerra invisível entre dinheiro e cultura. Uma das expressões
disso é o baixíssimo nível das expressões culturais famosas, apesar da enorme
quantidade de talentos existente; além do mais, fazer boa arte, trabalho
análogo ao do artesão, exige tempo, tudo o que a economia monetária nega.
Outra, o enquadramento do carnaval por meio de sua institucionalização e
mercantilização, tirando da classe trabalhadora o perfil ativo e central nos
eventos oficiais, empurrando os foliões, por instinto, a reorganizar os blocos
de rua, gratuitos e mais anárquicos:
“O carnaval – festa pagã que nasceu nas ruas e foi enquartelada em
clubes e sambódramos – está de volta ás ruas (e de graça) com mais força a cada
ano.
“São Paulo, onde a celebração pro tempos se resumiu ao Anhembi, viu o
número de blocos de rua crescer 400% em dois anos. Em 2015, 300 deles tomarão a
cidade, 80 a mais que no ano passado, quando, segundo a SPTuris (empresa de
turismo municipal), cada um recebeu 5.000 pessoas, em média.
“No Ro, onde a festa atrai mais foliões, os 456 blocos deverão reunir 5
milhões de pessoas nas ruas, diz o Riotur (empresa municipal de turismo).
Enquanto isso, o desfile da Sapucaí (cujo ingresso não sai por menos de R$ 160)
costuma ter 1 milhão.
“Essa multidão ai atrás de blocos como Cordão da Bola Preta, no Rio, que
sozinho arrastou cerca de 1,5 milhão de pessoas no ano passado, e Agora Vai e
Sargento Pimenta, em São Paulo, muitos deles com desfiles semanas antes do
carnaval, que este ano começa no sábado dia 14 de fevereiro.
(…)
“Salvador – que sempre loteou suas ruas separando quem tem abadá (o
uniforme do bloco) da chamada “pipoca”, pela primeira vez terá um dia de
pré-carnaval, no dia 8, com trios elétricos desfilando sem as cordas.
““Na pipoca você é igual. O carnaval verdadeiro é aquele em que o povo
sai para se manifestar coma fantasia que quiser”, diz Edgard Oliva, 58,
professor da Escola de Belas Artes da Bahia.”
Que se diga as coisas como são: o dinheiro e o capitalismo ajudaram na
elevação e aceleração da arte – mesmo, mas apenas até certo ponto. Em nosso
tempo, sua tarefa é mais degenerativa como no conjunto da sociedade.
Encontramos um grande muro logo à frente do palco. Não sou como aqueles
marxistas que elaboram teoria pensando sempre em escrever algo pessimista e
catastrófico sobre tudo. Mas estamos desperdiçando talentos e potencialidades
como nunca diante dos limites do capital.
ARTE E
ANTI-IMPERIALISMO
A esquerda grita contra a colonização artística, um pouco de modo
idealista anti-materialista como se o problema da realidade fosse toda e só,
como primeiro motor, as “ideias”. O mais caricato em tal bandeira foi Suassuna,
um dos maiores gênios da arte brasileira de sempre, mas que, vindo do Brasil
oficial, dos ricos, amou e adotou de modo externo e deformado o Brasil real e
sua cultura. Ele, como os velhos costumam ser conservadores, queria que a
cultura brasileira na prática estagnasse – por exemplo: violões, nada de
guitarras! Mas a cultura deve mudar, renovar ou adapta-se com a mudança da
realidade, incluso técnica. Foi um utópico no mal sentido, embora houvesse
beleza nesse romantismo conservador. Tornou-se conhecida sua frase: “Não troco
meu “oxente” pelo OK de ninguém!” Ora, o “oxente” vem do cinema estadunidense
em pequenas cidades, alémde contados diretos (daí a palavra forró); Ora, o "oxente" é nossa versão para
"oh, shit!" (ó, merda!) estadunidense, do inglês. Abrasileirar o
mundo para nós é parte de nossa tarefa cultural, um talento singular. Toda
economia de alto destaque tende a influenciar a cultura geral e tende, por
imigração e comércio etc., a ser também influenciado. O mundo é assim – nada
diz de ser diferente, nada diz de nisso errado.
Nós tendemos a uma cultura universal – a verdade e o certo existem – com
certa mistura de culturas e respeito às regionalidades. Mas, ainda assim, o
avanço da humanidade aproximará culturas para irmos ao ponto máximo. Do mesmo
modo que a necessidade de um dinheiro mundial se expressa no dólar, economia
central, a necessidade de cultura
mundial tende a expressar-se na cultura dos EUA e do chamado Ocidente. É uma
etapa inevitável, ainda que combatível e superável.
A luta anti-imperialista na cultura e cultura artística tem cinco
aspetos: 1) afirmar a multiplicidade e altíssima criatividade interna –
defendê-la, atualizá-la e divulgá-la; 2) internacionalista, absorver de modo
não absoluto e resignificar para si a cultura externa e universal – evitando,
assim, o nacionalismo culturalista; 3) tratar o outro como matéria-prima; 4)
ergue uma autoidentificação com o subcontinente latino-americano; 5) combater a
paixão por “querer ser como e imitar o atual império” sempre presente na classe
dominante, setores intermediários e, com a globalização, nas classes
trabalhadoras.
É necessário produzir artes de vanguarda, mas populares. A estética pode
ser popular e erudita ao mesmo tempo. No cinema, agrada aos olhos um jogo
criativo de angulação das cenas. Os sentidos pedem renovação estética. Mas tal
reação estética anti-imperalista não deve acontecer de todo apesar do público e
da necessidade de fazer o devido e merecido sucesso. Não justifiquemos nossos
desleixos e erros sob o nome de vanguarda, experimentação, livre fluxo, ou algo
do tipo.
ARTE É
ANARQUIA!
Trotsky, inspirando a terceira geração de surrealistas, defendeu a
liberdade total e incomum da arte. Nem prisões financeiras nem prisões
ideológicas ou estatais devem oferecer imposições e dificuldades sobre o e ao
artista. Uma arte militante deve originar-se da inspiração, não do fuzil e da
censura financeira ou estatal. Pobre também do teórico que deseja impor um modo
de ser da arte a partir de seus preconceitos.
A arte deve ser a expressão impressionada e impressionista, um sintoma,
da liberdade no futuro – no socialismo. A arte é trabalho não alienado,
emancipado, livre quando é livre. É o poder da unidade das mãos e do cérebro.
As pessoas comuns sequer consideram o trabalho artístico como trabalho, mesmo
sabendo do imenso esforço e imenso estudo dedicado, pois há prazer, há
humanidade. E há um prazer raro, incomum, que poucas pessoas na história da
espécie sentiram até agora ao criarem, ao inventarem – a ação mais humana
existente.
O estalinismo com sua ditadura de ferro tentou impor uma estética e uma
arte para glorificar o governo, o trabalho longo e imoral, a ditadura, o líder;
um “realismo” dito “socialista”. A pobreza artística contaminou os países
vermelhos e parte dos seus artistas nos países capitalistas.
Um artista ofende-se profundamente quando sua arte é criticada, quando
algo é alterado sem sua aprovação etc. Tal vaidade positiva ocorre porque ele
está como se ali na sua obra. Ele se envolve pessoalmente com seu produto. Se
um artista verdadeiro é forçado a algo, logo ele, quase sem querer e sem poder
evitar, rebela-se, boicota e boicota-se.
A melhor ajuda à arte que os marxistas podem oferecer é defender sua
liberdade absoluta, ainda que inalcançável. Em matéria de arte, os comunistas
verdadeiros são anarquistas. Uma arte rica ajuda a causa socialista, embora de
modo indireto, ao tornar mais rico o homem.
No socialismo, com a liberdade maior e o maior nível cultural, surgirão
inúmeros partidos estéticos, partidos artísticos – numa dura e proveitosa
disputa, incluso de egos. O Estado deverá garantir suportes para que estes
movimentos ganhem força, espaço e autonomia. Cada bairro socialista terá um
centro com todos os serviços públicos – incluso um centro cultural com palco,
cinema etc. que dará voz também aos artistas locais e coletivos de arte.
O ROMANTISMO
COMO PARADIGMA DE NOSSO TEMPO
A escola romântica é filha da decadência feudal e do começo da
consolidação capitalista. Ela também é um protesto contra o novo mundo do
capital, seja um protesto conservador ou revolucionário. Seu foco na emoção
contra a razão tem algo a dizer e algo progressivo. No entanto, aqui, nosso
sentido de romantismo é diferente da nomeada tradição.
O marxismo tem três fontes, segundo Lenin: economia inglesa, política
francesa e filosofia alemã. Michael Löwy, um gênio, adiciona o romantismo como
quarta fonte originária. No entanto, ele destaca que Marx e Engels se
inspiraram em Balzac, um realista… De fato, o francês foi uma grande
inspiração, nada romântico no sentido clássico.
Minha tese é esta: em novo e amplo sentido, o romantismo é o paradigma
artístico de nossa época. Quando os realistas criticam a sociedade, eles fazem
isso como românticos – dizem como o mundo é de fato, o que já insinua de
maneira toda natural o que ele poderia ser, seu opostos em geral.
As obras da antiguidade grega etc. nada têm de românticas, em nosso
sentido, pois são baseadas em outro perfil social. Hoje, como o capitalismo é
transição, quase mera transição, entre o passado classista e o futuro
socialista, isso acaba por repercutir na natureza íntima de nossa arte. A arte
expressa, claro, seu tempo, pois o artista subjetiva a realidade objetiva,
neste caso, uma realidade transicional.
Lukács tenta impor de modo forçado o realismo como o centro da arte;
realismo em sentido mais amplo, para além da escola específica. Mas é o
romantismo quem cumpre, de maneira ontológica e oculta, a tarefa. Por isso, ele
foi conservador em matéria de arte de modo geral. Enquanto, ao contrário, a
postura romântica, no sentido amplo, abraça as vanguardas, o novo, o
experimento, a inspiração etc.
Quando acabarmos com o capital, poderemos mudar de assunto… Mesmo que
uma obra deixe de focar em críticas sociais, ela diz das angústias do
indivíduo, que estão lastreadas no modo de produção, ou seja, no modo de vida
vigente. Quando Kafka escreve o belíssimo texto “A Metamorfose”, está a criticar
a questão da saúde e dos doentes. Mas Lukács se põe contra tal escrita absurda,
sem ver o realismo, ou melhor, o romantismo que ela guarda dentro de si.
Desçamos o conceito de romantismo mais ao chão, mais concreto. De tal
modo, as diferentes escolas de artes são, no geral, renovações do romantismo
desde quando ele surgiu na Europa. O simbolismo aparece como aprofundamento do
romantismo; o realismo como sua negação, mas negação apenas aparente, não de
essência. O processo todo desaguou na arte de vanguarda do fim do século XIX e
início do século XX. Trata-se da continuidade na descontinuidade: de modo
externo, a coisa modifica-se de modo vivo, mas possui o mesmo DNA de fundo no
processo.
O romantismo amplo existe porque o capitalismo ainda existe. A arte de ficção
científica prospera, por exemplo, porque o futuro ainda não chegou, não de todo
ou como deve.
Vale um adendo lógico, ontológico e metodológico. Em minhas construções
descobertas, comum que um conceito real decaia nele “mesmo” e em seu oposto,
opostos.
REALISMO NA
FANTASIA
Lukács põe-se pelo realismo contra a imaginação, embora sua tese clara
não seja essa. Assim, seus seguidores abominam a arte que se afasta tanto do
real, dos fatos e da denúncia. Ao contrário, provaremos que a arte “infantil”
tem algo nobre a dizer.
O primeiro caso é o “Pequeno príncipe”. Ele visita um pequeno mundo
aonde há um gordo e arrogante banqueiro doido e fanático por ter mais mundos,
mais terras, mais enriquecer – mais-acumular. O protagonista corre de tal
presença. Depois, ele visita um mundo aonde tal mundialidade gira cada vez mais
rápido, o que acelera o tempo, do dia dispara para a noite e da noite para o
dia, o que força o trabalhador cada vez mais ascender e apagar as luzes da rua;
ora, siso é uma crítica cabal do capitalismo diante da altíssima produtividade
que gera mais trabalho no lugar de mais tempo livre. Vem a dialética: “O
essencial é invisível aos olhos.” Vem a defesa do princípio do valor: “Foi o
tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante...” No mais, a obra já
se inicia em crítica ao racismo entre países.
O segundo caso é a mitologia de Tolkien. Em O Senhor do Anéis, ele
critica a corrupção causada pelo poder por meio de um anel mágico, pelo qual
todos brigam. Tal anel, de modo fetichista, adquire vontade própria e domina a
vontade dos homens – eis a alienação. Luta-se para preservar a liberdade e a
floresta. Em O Hobbit, a figura do dragão expressa a arrogância do banqueiro
que deita e dorme sobre seu ouro. O debate sobre racismo é expresso nas raças
em longas brigas irracionais, como entre anões e elfos. Ademais, cada raça tem
o ambiente, sua fisicalidade e sua personalidade em consonância, em harmonia.
O terceiro é Harry Potter, uma obra antifascista. A escola passa a lutar
contra a tentativa de um golpe fascista. Também na escola de magia, há quatro
grupos formais: entre eles, a Grifinória expressa a classe trabalhadora e sua
moral; a Sonserina, os burgueses e seus perfis. Grupos de autodefesa
antifascista são criados no processo. E entra o debate racista contra os
“sangue-ruins”, não puros.
Dois dos exemplos acima são de obras inglesas. Como a Inglaterra é uma
pequena ilha que, no entanto, dominou o mundo, surgiu a megalomania na
imaginação de seus escritores, uma tradição. No Brasil, Moteiro Lobato destruiu
o medo em nossas fantasias, infantilizando nossas criaturas mágicas. Fez,
portanto, um desserviço. Os ricos costumam adocicar as pesadas mitologias
populares. Então, neste país, há a tarefa de refundar sua obra mitológica
sombria que abarca tradições indígenas, africanas e europeias.
ARTE E
ECONOMIA
1.
O pensamento marxista vulgar é evolucionista, como se apenas
avançássemos para frente, sem contradição. Assim, se a sociedade e, por isso,
as forças produtivas avançam, logo a arte também avança. Quem conhece Marx sabe
que ele considerou uma desigualdade: um povo anterior pode ter uma arte mais
rica em relação a um povo posterior. O modelo de que dá “base econômico-social”
ergue-se uma “superestrutura ideológica, legal, artística etc.” não pode ser
usada como modelo real, que dispensa a pesquisa real. O mundo é concreto. Dito
isso, claro que o desenvolvimento da técnica permite novas artes como cinema, barateia
tintas antes raras etc.
2.
De modo geral, a arte desenvolve-se com o desenvolvimento da humanidade.
De início, o fazer artístico está ligado ao fazer religioso nas tribos antigas
– depois ganhou independência, tornando-se um complexo artístico. O pensamento
marxista vulgar pensa que a economia determina totalmente a prática artística;
isso tem sua verdade, pois uma época de duras crises, como a nossa, produzirá
poetas depressivos com seus poemas de lamento, escritores com duras críticas
sociais etc. Vejamos o caso da música sertaneja: o atraso do campo produziu a
música sertaneja caipira, original; despois, a ida rápida dos homens do campo
para a cidade produziu o sertanejo “analógico” (João Paulo e Daniel;
Chitãozinho e Chororó etc.) e, em seguida, a mecanização moderna do campo
produziu o sertanejo universitário (que muitas vezes é mais rápido e dançante,
além de baseado em instrumentos elétricos, como as máquinas na lavoura atual).
Mas a arte tem um bom grau de autonomia no seu desenvolvimento e em como
expressar-se em relação à sua base material, a economia e as classes sociais. A
base econômica e social faz as tendências gerais da arte, se será otimista ou
pessimista etc., mas como a arte será em si mesma, os estilos específicos,
depende mais da criatividade e do perfil dos artistas.
3.
Se a arte responde à sociedade, por mais livre que seja, então devemos
ter em conta que mudanças na economia mudam o tecido artístico. A estabilidade
do socialismo produzirá, claro, uma arte mais leve, alegre, dançante etc.
No capitalismo, devemos ter em conta os macrociclos da economia: 1) fase
de grande crescimento e crises fracas; 2) fase de crises mais dura com algum
crescimento, transição; 3) fase de duras crises e crescimentos fracos.
Do fim da II Guerra até a década de 1970, tivemos grandes crescimentos,
logo, otimismo. Surgiu o concretismo diante das faraônicas construções, surgiu
a bossa nova diante da nova e grande classe média urbana, surgiram vanguardas
ousadas e otimistas (neoromantismo etc.), sugiram poemas filosóficos, a música
impôs-se uma expansão em todos os sentido, o rock era dançante e alegre, o
cinema testava-se. Era euforia geral, as obras de ficção científica até
imaginam um futuro rico, igualitário, hipertecnológico, livre e – vejam só! –
sem dinheiro!
A pancada do início da década de 1980, que inspirou tantas obras de
distopia, mal foi o começo. A onda de crises, desta vez sistêmicas, cairá como
montanha sobre a consciência dos artistas. A arte pessimista ganhará fôlego até
a próxima revolução socialista vitoriosa. A arte militante também será obrigada
a surgir.
Alguns da classe média artística penderão mais para a esquerda, enquanto
outro para a extrema direita – ambos reações à decadência. Os roteirista
americanos vivem uma sociedade rica mas injusta e decadente, ganham pouco
enquanto estúdios lucram muito e possuem sensibilidade acima da média. Como
eles não teriam simpatia por ideias de esquerda? Isso se revela em muitos
filmes e séries com conteúdo radicalizado e elogios ao comunismo.
Mas lembremos que o critério de uma arte não é ideológico. Pode ser uma
obra genial com conteúdo de direita e conservador.
4.
O perfil de um país leva ao perfil da arte. A pequena ilha chamada
Inglaterra dominou o gigantesco mundo, pois isso sua prosa tornou-se
gigantesca. O mercantislismo estadunidense fez sua prosa fraca e comercial. No
Brasil, a negação do trabalho e do esforço como algo de escravos fez uma grande
poesia, mas fraca prosa. A revolução francesa animou, por centenas de anos,
vanguardas artísticas revolucionárias. O atraso com alta filosofia fez a cabeça
dos artistas alemães.
5.
O desenvolvimento técnico é base e condição, mas não determinista, do
desenvolvimento da arte. A primeira geração moderna de cantores no Brasil
deu-se pelo rádio (Carmen Miranda etc.). A segunda surgiu com o surgimento da
televisão (Chico Buarque, Elis Regina etc.). A nova ganha força via internet, a
nova forma de comunicação de massas.
6.
Em certo artigo de conselhos aos novos ficcionistas, o escritor
mercadológico Stephen King afirmou que o leitor se fixa no tema do trabalho,
mas o autor desconhece o motivo disso. Temos uma resposta. Porque é viva na
prática social, oprimindo corpos e mentes, que são o mesmo, é comum em livros e
séries haver algum debate direto ou indireto sobre alienação, que inclui, por
exemplo, existir com a personagem central – um investigador, um químico, etc. –
um trabalho com traços artísticos, criativos, útil, desafiador, afirmador e
desenvolvedor da personalidade, etc. Há o lado do público nos EUA com a
tradição puritana da negação do sexo para afirmação do trabalho, para onde deve
ser destinada a energia corporal, como afirmou Gramsci sobre o fordismo e o
controle dos corpos, e também, íntimo a isso, a busca frenética por dólar; mas
o sucesso mundial dessas produções revela, como diz o diretor Bong Joon-Ho, que
vivemos em um grande país chamado capitalismo – com suas alienações
influenciando o conteúdo das produções artísticas, quase como uma revolta
fantasiosa contra o destino.
Veja-se que seu público são as classes assalariadas, fixadas, em duplo
sentido, no trabalho. Por motivos semelhantes, a arte grega e romana focam na
guerra – nos guerreiros habilidosos etc. –, pois são sociedades belicicistas e
seu espectadores são homens de guerra, da classe dominente escravista. No
feudalismo, a religiosiodade e o pecado estão na arte porque a Igreja precisa
do estético para atrair o público, cartase, e precisa-se controlar as
mentalidades para o modo de vida em questão; a religião era a cola daquele
continente.
Nas sociedades de classes, a arte tem duplo caráter. De um lado,
desaliena ao enriquecer a vida do seu usuário, humaniza e conforta, faz da vida
algo mais rico de sentido; daí mais condições para enfrentar o mundo inimigo.
Por outro, aliena ao fazer mais suportável a difícil vida, ajuda na adaptação
ao meio, promove moral e valores do sistema etc. Por isso, a religião sempre
usou a arte como artifício para elevar a alma. Nos EUA, os senhores de escravo
reprimiam a canção dos escravizados na colheita; depois, perceberam que o ritmo
da canção ajudava na disciplina, na energia e na intensidade rítmica do
trabalho na lavoura; passaram, então, a apoiar os cantos feitos pelos negros,
estes que musicavam na intensão de tornar a vida mais suportável.
7.
ESTÉTICA, ONTOLOGIA E LIBERDADE
Na civilização, observa Lukács, inspirado em Marx, que o trabalhador vai
de um grau de menos para mais liberdade – escravo (escravismo), servo
(feudalismo), operário assalariado (capitalismo), trabalhador associado
(socialismo). A arte segue a sequência de acordes diminutos, menores e maiores
também. A tragédia grega era o homem querendo ou desrespeitando seu destino,
seu lugar dito natural, punido por destoar de sua posição no cosmos ou dado
pelos Deuses. A Divina Comédia sabe do livre arbítrio, ainda que de modo
instintivo, ou seja, uma liberdade melhor e maior, mas com apenas uma escolha
boa, isto é, não pecar contra Deus, a Igreja e o Senhor feudal, ou seja, contra
aquele modo de vida. A arte capitalista afirma o indivíduo contra o meio,
afirma a individualidade, a iniciativa etc. Coloca, pois, via transição feudal,
a tragédia grega de cabeça para baixo. Repetimos: a cartase estética é, também,
cartase ética.
8.
A velocidade da sociedade, de seu avanço etc., tende a determinar a velocidade
do esgotamento de um estilo, tente – além da velocidade, duração etc. da arte
mesma (música etc.). Com sociedades mais velozes, ampliemos os sentido de
velocidade, temos ainda mais contato com aquele estilo, que passa a ser de
rotina, que deixa de impressionar. Surge, então, a necessidade social e
subjetiva, no público e nos artistas, em especial os novos públicos e artistas,
de ter contato com algo novo de algum modo. Antes, parcial verdade, parecia que
a escola artísica esgotava-se apaneas por si, por sua presença, sem lastro na
totalidade social. Eu sou porque somos…
ARTE E
CLASSES
1.
Quando certo estilo de música afasta-se da dança, degenera em classe
média. Isso não é em exato ruim, pois pluraliza a arte. As artes de negros da
classe trabalhadora Jazz, Blues, Soul, Funk, Rock, Samba etc. passaram ser
amado e adaptados à classe média. Tal setor social foca no pensar, no trabalho
intelectual quase passivo, por isso sua música afasta-se da dança. Daí a
decadência delas, suas supostas mortes; além de deixarem de ser novidades e o
mundo ter mudado muito pesando para mudar os estilos.
A classe trabalhadora, prática e manual, tende a gostar mais do ritmo
que inclui a dança. Quem se mexe, mais quer mexer-se. A dança afirma o
indivíduo e suas relações, reanima o lado bom animal do homem, liberta o corpo
de sua mecanização, provoca erotismo.
2.
Há arte de classe. O forró ou cordel são expressões brasileiras
populares, das classes trabalhadores, além de um época. Os historiados conhecem
bem que os camponeses medievais contavam contos de terror à beira da fogueira
enquanto a aristocracia reescrevia tais história para se tornarem doces contos
de fadas.
O plágio ou ressignificação, adaptação, da classe média aristocrática e
dos ricos não é mero oportunismo. Os trabalhadores, em termos absolutos,
infectam-se com gripe mais do que os ricos, muito mais. Porque somos maioria,
mais provável que criemos novos estilos, arte, lutas etc.
A preferência da maioria pela música dançante anda junto da busca da
alegria. Veja-se que Gonzaga, o primeiro grande artista pop do mundo, escreveu
Asa branca, um clássico, cuja letra-imagem é triste – mas os acordes usados são
os maiores (alegres, altivos, estimuladores) mais um ritmo dançante. Funcionou.
Na classe média, usa-se mais acordes menores (mais tristes), ritmo lento, ou
acordes incomuns “sombrios” como os diminutos e meio diminutos.
3.
A maioria dos artistas vêm das classes trabalhadoras. Ora, a
subjetividade, antes, absorve a objetividade para depois, com o trabalho
cerebral, objetivar, criar. Isto é o que queremos dizer: o artista tem a
realidade como sua matéria-prima, e isso faz seu sucesso, base do; mas, ao
ganhar muito dinheiro, muda de bairro, muda de restaurante, muda de amigo
(podendo até isolar-se ao redor de sua riqueza), tem prazeres anormais, o que
faz com que deixe de ter o material que serve de insumo para si, para sua
produção. Aí pode entrar em decadência, talvez viver de renda etc. às vezes,
morre a criatividade ou a vontade de criar.
ARTE E
SUPERESTRUTURA
Como a arte é em si uma superestrutura (subjetiva), e de enorme
centralidade, ente tópico quase é como uma queda em si mesmo, um dobrar-se para
dentro de si na arte, na estética. Debatido outros fatores, a base fundamental
e o que há ao redor relacionado consigo, vamos ao objeto mais uma vez por outro
ângulo necessário.
SUPERESTRUTURA
Em geral, os teóricos têm uma concepção geral e, então, deduzem sua
ética, sua estética e sua psicologia. É um método equivocado. Devemos ir direto
ao objeto ético, estético e psicológico para, apenas no fim, ascender a uma
visão comum. Devemos, antes, analizar, medir, deduzir, classificar, historizar
etc. o objeto de estudo, o que afeta a visão de totalidade, para generalizar e
interconectar depois.
ARTE E MORAL
A moral, debatemos na Ética marxista, deriva várias superestruturas
subjetivas e objetivas: a religiosidade, a política, o direito – e a arte. A
arte começa como norte moral, embora não apenas: dança-se ao redor da fogueira
para estimular a unidade da tribo. Depois, a arte ganhou novas funções e mais
autonomia – sua função passa a ser tornar a vida melhor, mais agradável (moral).
Até hoje, o cinema de massa foca na vitória moral do bem contra o mal atiço. Choramos
como nunca logo quando a protagonista desdenha da prória vida, sacrifica-se, em
nome de uma causa, da liberdade ou dos seus (veja-se: trata-se de certa moral
tanto conjutural, de uma época, quanto estrutural, da essência humana). O foco
da arte, erram Aristóteles e Lukács, não é a cartase – esta é meio, não fim em
si, das funções artísticas. A cartase, antes, nos individualiza, mais do que
nos eleva ao geral,. Ao gênero.
A arte, então, passa a ser rebaixada à mera posição de meio. Ideia
(moral etc.) – material formal (arte) – ideia. A moral do artista é socializada
por meio da arte para o público (e educa-o) – ele faz, mas não sabe, ou seja,
inconsciente social. Mas a moral do artista é a moral social expressa nele e na
sua arte. Por outro lado, o público, educado na sociedade e na sua natureza
natural, também exige certa moral, certa cartase, mesmo que não saiba disso.
Isso arranca um tanto de nós a visão artiítica da arte, melhor, a visão
romântica dela e sobre ela.
ARTE E INSTITUIÇÃO
É raro um artista destacar-se de modo isolado, sem formar um grupo.
Muitas vezes, apenas é reconhecido após sua morte, quando deixa de ser um fardo
aos vivos. Por outro lado, um poeta isolacionista deve saber que a arte é um
ato social, tem função social. Um sonho que se sonha só é só um sonho que se
sonha só. É bom para a comunidade que os artistas desenvolvam relações.
Uma das funções de muitas das centrais instituições é ampliar a voz,
promover deias. De modo mecânico: as ideias, incluso sentimentos etc., produzem
as instituições. A religiosidade cria uma religião etc. Mas o inverso também se
apresenta verdadeiro. A institucionalização, por outro lado, cria consensos,
que tendem a ser conservadores. Nesses casos, o clubismo é quase inevitável.
INIMITÁVEIS
Há três artistas que, por suas simplicidades extremadas de estilo, são
inimitáveis: Bertolt Brecht (poesia), Rubens Fonseca (prosa, contos) e Paulo
Leminski (poesia). Imitá-los é degenerar a arte. Assim, eles são únicos e
únicos exemplares da espécie. A obviedade clara dos poemas críticos do primeiro
é inigualável e o século XX tinha a obrigação de criar um poeta capaz de dizer
aquilo de modo popular ao extremo. A poesia concreta tema mesma tendência.
PERFIL DO ARTISTA E DO ESPECTADOR - PSIQUE
Lukács diz que a arte tem unidade de sujeito, artista, e objeto, a obra.
O fato é que o interno, sendo também seu oposto, se externaliza: um bom
artista, disciplinado, produz uma boa arte, diferente do desleixado, que faz
uma arte desleixada. É comum que o artista faça aquilo que ele não é, o oposto
de sua personalidade pública e formal. O tímido crônico escreve humor (Luís
Fernando Veríssimo), o conservador escreve sobre traição e degeneração moral
(Nelson Rodrigues), o pacífico foca na violência (Rubens Fonseca, Padura). É
como se a arte fosse uma forma de expressar o lado reprimido de si, se
reprimido for, o não vivido ou mediado. Sequer o poeta necessita falar de si:
ele pode ser como um ator que imagina e escreve como sua personagem – o poeta é
um fingidor, a poesia nunca necessita ser um desabafo ou algo do tipo.
Quanto ao espectador, tenho observado um padrão. Pessoas por demais
duras e concretas acessam algo mais sentimental e oposto de si externo por meio
da arte abstrata (em principal a música), como se, por sua abstração, não
encontrasse resistência em sua psique no fluir artístico; nesse caso, nas artes
concretas, preferem a correspondência com seus perfis também concretos. As
pessoas mais abstratas preferem ver o oposto de si na arte concreta por onde se
realizam – no seu fluir; mas preferem a arte correspondente a si na arte
abstrata. Correspondente no sentido de personalidade externa, formal, prática e
consciente. Precisam ver materializado o oposto de si no artístico concreto.
Exemplos:: certa moça muito doce e calma, além de abstrata, adora filmes
(concreto) de terror; um homem duro e bruto, além de concreto, gosta de músicas
(abstrato) bregas com pesado conteúdo emocional direto.
Promover no indivíduo e na coletividade o ausente e o oposto, além do reprimido
– eis uma das grandes forças da arte. Torna-nos, por um instante, completos e
inteiros.
O filósofo e sociólogo Bourdieu teorizou o carnaval como o antídoto
tupiniquim contra ideais autoritárias, pois, ele supõe, toda a parte doentia e
animalizada da sociedade poderia ser ali espessa, consumida. O autor
desconsidera, assim, a monarquia, o semifacismo de Getúlio Vargas, a escravidão
e a ditadura civil-militar nacional, além de Bolsonaro, ou seja, desconsidera
informalmente a história. Como se sabe, os brasileiros fetichizam os franceses
na mesma proporção em que os franceses fetichizam os brasileiros; na realidade,
o contrário: somos festivos, livres, alegres, iguais e amáveis no carnaval
porque os não somos no cotidiano e o “fascismo cultural” é uma norma interna,
fruto do capitalismo num país atrasado e do passado escravista. A festividade é
a hora de sermos aquilo que deveríamos ser e gostaríamos de, mas ainda
faltante.
Vale um extra curioso. Está claro que os diretores Mel Gibson e Quentin
Tarantino são sádicos,e não de forma oculta ou para si, que se realizam em suas
obras.
OS GRANDES POETAS
Cada sistema geral teve seu poeta maior, que expressou sua época de modo
ímpar e amplo. Vejamos:
Maior poeta do escravismo: - Homero
Maior poeta do feudalismo: - Dante
Maior poeta do capitalismo: - até o momento, Fernando Pessoa
O sucesso de tais poetas fora da curva transcende seus tempos imediatos,
pois tocam a essência humana, sua generalidade e profundidade. São universais
particulares singulares, são atemporais dentro do tempo. É a imanente
transcendência imanente.
Fernando Pessoa, além de expressar-se de modo quase direto (Livro do
Desassossego – por Bernardo Soares) e direto, criou três personagens centrais,
cada um com um estilo de escrita e uma personalidade completa própria - Ricardo
Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos. Isso é único na história universal. Por
meio das suas companhias mentais, ele expressou vários ângulos de nosso tempo,
como a velocidade destrutiva da máquina em Álvaro de Campos.
Como poeta, embora um não erudito do tipo oficial, eu mesmo quero
concorrer ao cargo, ao menos ficar entre os 10 maiores sob o capital. O leitor
terá ao final deste livro propostas e exemplos artísticos que me permitem tal
megalomania vaidosa (uma forma nova de fazer poemas, além do temário renovado).
Mas o autoelogio é sempre um defeito.
A OBRA
TÍPICA
Certas obra têm de aparecer, são frutos naturais de uma época, quase
óbvias e fáceis de prever. Chamo isso um exemplo de totalidade encarnada. A
poesia de um Bertolt Brecht teria de surgir. Um grande romance clássico sobre
Trotsky gritava por existir, como em Padura o “Homem que amava os cachorros”.
Um bom artista pode, respeitando a própria personalidade, investigar qual novo
tem necessidade de se consolidar.
Os ingleses produzem obras de conteúdo com grandes proporções porque
foram uma ilha que dominou o mundo. Os alemães levaram sua tradição filosófica
especial para a arte. Os franceses são vanguardistas pelo peso de sua grande
revolução. A América Latina, por ser o encontro de culturas, foca muito da
linguagem. Os estadunidenses costumam produzir obras vendíveis, pops etc. A
bomba atômica influenciou de modo explosivo a arte moderna japonesa.
ARTE, FILOSOFIA E REALIDADE
Uma concepção estética costuma ter seu correspondente na filosofia, e
vice-versa. Há aí inflência recíproca, mas a causa central é que ambas derivam
da mesma realidade, do mesmo chão temporário. Surge o tocar piano sem a
sequência de onoas avançar, sem contar uma história abstrata; assim, surge
também, pouco tempo depois, a filosofia quase estática estruturalista.
ESTÉTICA,
MULHERES E NATUREZA
Enfrentando ou rompendo o machismo, a história da humanidade demonstra
que há genialidade artística entre as mulheres, muito ainda em potência por
opressão. No entanto, observe uma anormalidade: a maioria dos artistas são
homens (machismo) – mas as mulheres consumem mais arte, sustentam os artistas.
Isso se resolverá com o socialismo, mas merece uma observação. Sendo iguais aos
homens, as mulheres são o polo emocional unilateral da divisão sexual – e
talvez tenha algo de natureza aí, embora nada determinista. Os machos pássaros
são coloridos, dançam, preparam o cenário – porém fazem isso para o agrado das
fêmea. O leão tem uma volumosa juba – porém para o agrado da leoa. As mulheres
se emanciparam, neste sentido, com ferramentas – algo típico humano, fruto de seu trabalho – como o perfume, as tintas,
as danças tribais e o espelho. Em vez de ver no macho, algo externo, e para
fins apenas sexuais, já que animais não têm tais recursos via de regra – a
mulher colocou para si o prazer estético, não apenas artístico, interno mais
que externo ou no outro. Autoadmiração saudável, bom narcisismo. Ainda hoje, o
adolescente aprende violão para conquistar, mas, o futuro terá cada vez mais garotas
violonistas de alta qualidade. O socialismo tem rosto de mulher.
ROMANTIZAÇÃO
DA ARTE
Porque é incrível, filósofos e não filósofos romantizam a arte e o fazer
artístico. Pensa-se nela como contra a alienação, mas ela pode reforçar a força
alienante (religião) e fazer suportar a vida atual. Exagera-se o papel da arte.
Ela apenas ajuda a suportar a vida e serve de educação moral oculta. Para
Lukács, o artístico eleva o indivíduo singular ao gênero, ou seja, uma função
revolucionária. Isso é engano enorme, pois a obra pode mesmo reforçar a existência
no sistema vigente. Ela é, antes, reformista, no bom sentido, porém pode
cumprir uma função mais elevada por acidente ou de maneira apenas colateral.
Romantizar a arte é quase um erro universal dos pensadores, exceção talvez de
Platão para quem a arte é aparência da aparência, duplo falso. Lukács erra ao
afirmar, lindíssima e impactante frase, “a política é o meio e a cultura é o
fim” se por cultura entendemos a arte, pois arte é um meio do meio, sendo o fim
o fim da alienação e a felicidade real. Devemos dar a medida exata para os
elementos do mundo. Como artista filosófico, sinto-me no “lugar de fala” que
permite melhor perceber isso, medir. Fez-se ficção da própria ficção, em outro
sentido, ficção da ficção.
ARTE E
CATEGORIAS DA DIALÉTICA
Lukács (e Hegel) pensou a dialética da arte como unidade de forma e
conteúdo (aquela deve expressar este), aparência e essência (aquela revela esta
como é de fato), sujeito e objeto (artista se vê expresso na sua arte) – e
geral-particular-singular (um expressa o outro, e vice-versa). Complementamos
em outro momento, que há também unidade e identidade de forma e essência
(aquela expressa esta). Mas há ainda muitas outras relações das categorias
lógicas ontológicas.
NECESSIDADE E LIBERDADE
Na música, desenvolvemos na modernidade ocidental o complexo sistema de
escalas – necessidade. O maestro ou o guitarrista improvisa (liberdade) ou cria
(liberdade) dentro de tal legalidade (necessidade). Assim, a necessidade é
base, sustenta a liberdade. São um. Isso acontece nas artes em geral, por
exemplo, Aristóteles expôs as regras, de sua época, de como organizar e fazer
avançar uma peça de teatro.
Romper com a liberdade ou com a necessidade degenera. O jazz atual tenta
romper com a escala e, logo, o som deve soar ruim – os músicos compensam isso
com recursos como a velocidade alta. Na música contemporânea rompe-se com a
escala (até com o ritmo); mas compensam isso, por exemplo, pondo uma das 12
notas em repetição contínua, dando ideia de ordem, ou a já citada passagem
rápida pelas notas aleatórias. Porque
somos mais livres, individuais, desde a maior produtividade, nega-se a necessidade
(lei etc.) pelo maior acaso – nega-se o sistemático – porque o sistema, em
geral, está em crise total.
Vale complementar que certos elementos aparecem como determinantes.
Vejamos a literatura de fantasia ou história similares. O jovem tem algum poder
especial, mas não o domina ainda; do contrário, a história terminaria logo. Por
ser jovem e limitado, ele deve contar com um mago, um velo sábio (seu oposto).
Como deve haver fatos e diálogo, amigos de jornada devem surgir. Veja-se que o
ponto de partida obriga a obra a seguir tais caminhos. Na música, uma nota ou
acorde dominante produz uma tensão que “pede” outra nota ou acorde para
relaxar.
SER, NADA, DEVIR
O Ser e o nada não possuem verdade – a verdade deles é o devir. Uma
estátua bela de mármore não se movimenta, mas, eis a questão, avisa do
movimento genial do seu artista. O movimento não precisa ser apenas da
personagem, pois também pode ser da descrição ou do criador.
O centro não é ser-nada, espaço-tempo, espaço-matéria – o centro é o
devir, o movimento, a mudança.
Já dissemos que a arte é ficção, ficção real, realmente ficção – ou
seja, a arte é e não é ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto.
CONTRADIÇÃO
A obra suporta contradição, como entre protagonista e antagonista.
Precisa de tal oposição movida. A estátua parada sugere movimento. Aquele rosto
é angústia e desencanto. A forma inusitada subverte o conteúdo.
CONCEITO SUPRASSUMIR
A palavra alemã suprassumir – a mais famosa desta língua no mundo –
significa, ao mesmo tempo, destruir/guardar-conservar/superar-elevar. A arte
suprassume o real – a produção artística vinga quando suprassume sua ideia
nuclear original. A tarefa ou objetivo da protagonista é suprassumir – como
fundar a era dos homens.
A DIFERENÇA E O MESMO
A mesma música tem várias versões parciais. Na verdade, a música apenas
torna-se “redonda” após muitos anos ou décadas depois de seu lançamento
primeiro (em geral, por outras mãos). A versão de Chico Buarque, autor, de
“Quando o carnaval chegar”, lotada de jogos de acordes artificiais, apenas
torna-se mais próxima da perfeição – e vai-se do menos para o mais perfeito em
geral – na versão mais para o rock (mais simples, direta e forte) dos
Engenheiros do Hawaii, Humberto Gessinger. Na música clássica, há
interpretações da partitura. Aliás, o choro permite fazer bem tal arte de
personalidade.
SER EM SI E SER PARA OUTRO
A arte é em si, mas também para outro – artista e público. Certa música
realiza-se dentro de um pequeno quarto, na sua execução – mas o livro pede e
grita para ser lançado, para se realizar.
DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO
É a forma como a arte é constituída o que diz da determinação (sentido)
dela mesma. Ela faz isso, criativamente, dando-se limites, barreiras,
formidáveis.
LIMITE, MAU INFINITO
A arte rompe o limite. Sua tarefa é romper limites. As regras, o hábito
etc. são quebrados. Mas seu romper tem de ir de um esticar a corda para um
estilo novo, para algo qualitativo, potencial ou ocultamente infinito em
criação.
A arte não revela o infinito. Seu valor é simplesmente ser parte finita
dele, nele, ele.
UNO E VAZIO – ATRAÇÃO E REPULSÃO
Já dissemos em outro lugar: as artes iniciais fundidas no começo foram
se diversificando, se complexificam, se separando (a prosa sai da poesia, a
dança sai da música etc.) – até a nova unidade no cinema (novela de Tv etc.) e
nos “jogos” de vídeo game.
SIMPLES E COMPLEXO
Uma arte complexa é formada pelo conjunto de simples.
INTENSIVO E EXTENSIVO
Um pequeno poema deve compensar sua falta de extensão com intensividade
de trabalho do poeta e de sua própria matéria. Um trabalho artístico que durou
muito tempo tende a valer mais, ser mais intensivo por causa de sua
extensividade.
SALTO DE QUALIDADE
Uma boa arte não é monótona. Ela salta. A música leve tem seu refrão
imenso. De repente, dada a experiência, o protagonista mudou seu perfil.
QUALIDADE E REARRANJO
É o arranjo, ou melhor, rearranjo de uma arte que a torna especial –
nova apesar de seu qualitativo esperado. É como organizar suas partes. Por
exemplo: em qualquer narrativa é bom variar como certa onda –
tensão-relaxamento-tensão-etc.
CAOS E ORDEM
Se a obra caótica não revela uma ordem implícita no caos, mensagem
fictícia, dentro de si – então ela é inútil, pior, é arte abstrata.
SORE A PROBABILIDADE
Numa boa história, o acaso, o acidente nunca devem estar a favor da
protagonista – natural para ela apenas a má sorte da qual ela deve se desfazer
como pode ou sucumbir.
QUANTIDADE
Sim: a quantidade importa na arte. Mas deve haver medida, uma quantidade
dada para a mensagem desejada.
POSITIVO E NEGATIVO
A arte é unidade dos opostos, mesmo. A estátua fixa, mas sugerindo
movimento (aliás, algo difícil, trabalhoso, logo, de maior valor artístico). A
arte contraste entre luz e sombra: na Europa, países frios, foca-se na luz dos
quadros no Brasil tropical costuma
valorizar a sombra.
DESMEDIDA
A produção de uma obra de arte não tem fim – pode sempre ser melhorada,
adaptada etc. Mesmo com o mesmo conteúdo interno. Aliás, para o a mensagem
fictícia brita tanto faz se a arte é feita com leves traços de um só lápis ou
uma grande tela recheada.
ESSENCIAL E INESSENCIAL
Há o fundamento e o essencial na obra. Mas ela é pobre se é apenas
assim. Melhor, bom, se recheada de fatos, detalhes, curiosidades, jogos de
estilo etc. não formalmente essenciais ou fundamentais, contingentes – que
façam parecer invisível seu esqueleto interno. Claro, começa-se pelo essencial
e pelo fundamental.
DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO
A arte é obrigada a trabalhar com opostos e conceitos opostos – luz e
sombra, protagonista e antagonista, forma e conteúdo do poema etc.
FORMA, ESSÊNCIA, MATÉRIA E CONTEÚDO
Já dissemos da forma e essência: a forma da arte deve expressar sua
essência – uma arte de forma feia quer expressar uma dor, por exemplo, como no
expressionismo. Isso gera divisão e unidade de matéria da arte e sua forma;
matéria (externo) formatada (antes, forma na mente) ou forma materializada. Por
fim, a união de matéria-prima artística com a forma gera o conteúdo, a mensagem
fictícia. A forma ajuda a encontrar uma matéria específica – a matéria (tema do
poema, esboço etc.) ajuda a encontrar uma forma que passe uma por si mensagem,
um conteúdo (a forma tem, ela mesma, conteúdo).
CONDIÇÃO
A arte expressa, internaliza, as condições em que foi preparada e
produzida.
A COISA E SUAS PROPRIEDADES
Nesses maus tempo, de crise dos valores, como a crise do valor
artístico; tenta-se compensar a mal arte, a ficção da ficção, a pseudoarte, com
a novidade de fazer quadros com creme de barbear… Algo curioso e inútil.
A arte específica impõe matérias específicas para si, ainda que variadas
(ferro e mármore, por exemplo). Unidade de matéria e forma, de matéria e coisa.
O TODO E AS PARTES
Há uma rígida unidade de todo e partes na arte. Mesmo quando há
contradição entre ambos, ela faz todo sentido – faz parte da força de tal
relação. A arte deve revelar um integração.
EXTERNO E INTERNO
O interno do artista se externalliza. Por outro lado, o artista
internaliza seu meio. O interno da obra de arte tem que se externalizar – caso
misterioso é resolvido.
CAUSA E INTERAÇÃO
Porque o mundo visado de um ponto de vista singular parece caos, a arte
deve representar a causalidade viva, consolidada, realizada. Não se aceitam
desvios da lei, da necessidade. Mas, no fundo, há interação combinada. Pegar um
nariz bonito, uma boca linda, um olho espetacular, um cabelo maravilhoso – não
necessariamente formará a musa esperada… A mensagem depende da interação das
partes, mais uma dose de acaso.
Pensamos ter demonstrado a unidade das categorias dialéticas ontológicas
na arte – mais do que o quase óbvio conteúdo-forma etc. A arte é a melhor
expressão da identidade dos conceitos opostos. Desconfio que Hegel roubou de
tal universo suas íntimas conclusões.
PROPOSTAS
ESTÉTICAS – DIALETICISMO
Se o leitor desejar, salte por sobre este subcapítulo. Agora, trataremos
de propostas para renovação da arte. Este livro pretende ser base teórica da
prática política, mas também artística. É insuficiente apenas criticar; por
isso, temos de ir ao positivo. Nossas propostas estão focadas na literatura,
área do autor, mas podem ter análogos em outras artes.
A vantagem das obras de estética na história é que foram produzidas por
gênios – Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács etc. Mas o defeito deles é que, em
nenhum dos casos, o autor era artista. Lukács, em especial, foi normativo ao
pensar o realismo como único caminho digno na arte. O que seria de nós sem o
expressionismo, por exemplo? Ele apoia um ou outro artista moderno, mas era
contra as vanguardas a priori, embora seus discípulos isso pouco reconheçam. A
arte não precisa expor com fidelidade a realidade, ou não precisa expô-la
expondo-a. “Nem só de política vive o Homem.” (Trotsky, Questões do modo de
vida, 2009) Trotsky tem razão: em matéria de arte, os marxistas são anarquistas
– liberdade total, sem limites políticos ou financeiros. Ao mesmo tempo,
podemos propor, sem impor, caminhos inspirados no marxismo, sua lógica etc.
Somos partes da solução da crise da arte, como parte da crise social, ou
deveríamos ser – ou deveremos.
1. Realismo simbolista
a. As escolas opostas podem ter
uma fusão. De imediato, soa como conteúdo realista e forma simbolista; mas
pode-se ir além, com verdadeira mistura de ambos, mais do que mera
justaposição.
b. O cemitério abriga mausoléus e
indigentes.
c. Dirá Hegel: nada grandioso no
mundo foi feito sem paixão. Portanto, o novo cientificismo afirma a emoção. O
cosmos é poético, deslumbrante!
d. Infelicidade e fanatismo na era
do conhecimento subatômico!
2. Cartas
a. As extintas cartas devem ser
postas como variação nova da prosa quando ficcionais ou discursivas.
b. As cartas permitem romper com o
tecido espaço-tempo, objetivo e subjetivo, da prosa, como com o pensamento sem
extensão.
A escola experimentalista usa, muitas vezes respeitando o conteúdo,
“modelos” como obituários, diários etc. A carta, por outro, tem a vantagem de
ser geral, universal como formato.
3. Soneto novo
A arte poética cindiu-se entre o poema de forma fixa e o poema de forma
livre. No entanto, há o caminho do meio. O primeiro modelo proposto são poemas
que seguem a seguinte formatação: curta estrofe de apresentação (mote),
estrofes de desenvolvimento, estrofe de transição em que os versos são
“quebrados” para induzir à leitura ininterrupta, estrofe final com chave de
ouro. Chamo-lhes soneto novo. A segunda proposta é, em termos hegelianos,
conhecida, mas não reconhecida; nomeio-o refrão – estrofes livres entremeadas
por refrãos, versos repetidos etc. Também pertence à forma fusionada, por assim
dizer, de rigidez livre como a escada rolante que é, ao mesmo tempo, firme e
flexível. O leitor perceberá a forma interna no informe externo, o necessário
no contingente. Os poetas têm o desafio de utilizar o acúmulo histórico das
escolas literárias para criar “modelos” novos.
Vejamos exemplo prático de soneto novo:
Existem borboletas
Cujo sonho é cair
Borboletas suicidas
Muitas delas coloridas
Tropicais
Exclamações melancólicas
Pairando
Paradas no firmamento
Branco e azul
Urubus florais
Cemitérios flutuantes
Em confronto contra
Os ventos
Pois a aerodinâmica
Da vida
No tempo do
Abate
Fortalece para
Matar
Matar-se-ão
Multicolores e ondulantes fragmentos acima do cinza
4. Conteudismo I
O foco no conteúdo pode levar à redução da forma e da matéria na arte,
em nome do conteúdo. A incompletude, o dito sem dizer, o sugerido, o vazio
auxiliar. Na poesia, o uso de apóstrofos, abreviações etc.
Devemos também “atualizar” a gramática segundo o conteúdo. Além disso,
devemos explorar a duplicidade das palavras e sentidos ao máximo. Se bem
utilizados, vícios de linguagem podem ser, por igual, úteis.
5. Conteudismo II
Temos a grande história da arte ao nosso favor. A regra conteudista é
ter à sua disposição todos os recursos possíveis para a forma expressar bem o
conteúdo. Se o poema é sobre forma, logo usamos métrica fixa; se é sobre o
caos, logo os versos são caóticos.
6. Fusão de gêneros
Shakespeare colocou doses de humor no drama, fazendo escola até nossos
dias. Por outro lado, a vida é pluralidade, não unilateral. Logo, numa obra,
podemos somar todos os caminhos: o humor, o drama, o terror, o policial etc.
Uma das qualidades possíveis de tais obras é o fluir natural, não forçado, de
algo ao outro, como do humor para o drama, além de fundi-los.
7. Tempo verbal
A literatura pode usar o tempo verbal futuro para contar uma história,
como uma previsão. Isso permite um narrador vidente ou profeta.
8. O espaço
Deve-se afirmar, contra o fragmentário pós-moderno, a construção
sistemática de uma obra. O poema está naquela página do livro porque aquele é,
de fato, seu lugar segundo a estrutura, o conteúdo e o desenvolvimento. As
pinturas, por exemplo, devem estar ligadas umas às outras.
9. Nova ficção científica
O procedimento é simular um tratado científico ou algo semelhante. Temos
uma tese clara, em geral exposta ao leitor, então fazemos “estudo de caso”,
argumentos, “provas” para aquela ideia. Ou a hipótese procura os “dados” ou
estes desaguam numa conclusão. É científica, mas ficcional. O realismo e o
naturalismo também demonstravam algum argumento; porém aqui somos muito mais
diretos, mais “científicos”. Na poesia, temos o poema-tese. No cinema, podemos
fazer falsos documentários, mas com inspiração real científica, como da vida em
outro planeta, técnica hoje usada porcamente por pseudociência.
10. Crônica
É hora de fazemos crônica para o futuro, destinado aos historiadores de
amanhã. Em tais textos, procuramos escrever sobre o que é invisível para nós,
do cotidiano ignorado, tentando adivinhar o que de nosso cotidiano é anormal ao
cidadão do comunismo. Os cachorros donos da rua, os comércios típicos da
esquina etc. Ao leitor hoje, o susto daquilo óbvio, mas esquecido, o atrai – o
que parece natural, não o é.
A tarefa de elevar o estilo crônica ao nível de alta literatura se dá de
três modos: 1) trabalhar com de dedicação a forma, preencher de poesia; 2)
conteúdo profundo, o presente passado do suturo; 3) temário relevante, o visível, porque visível,
invisível.
11. Crônica científica
Tal estilo já existe de modo embrionário e inconsciente. A arte “menor”
da crônica – por exigir menos esforço – pode ser elevada por meio da união de
base teórica, jornalismo e literatura. Guiado por um eixo teórico, escreve-se
um uma crônica sobre o real, mesmo cotidiano, de maneira poética e estilística.
12. Antiode
O antiode é o oposto do ode em conteúdo, pois é dura crítica, e o oposto
da sátira na forma, pois não foca, por exemplo, no humor. O precursor de tal
tipo de poesia foi João Cabral de Melo Neto com um poema de mesmo nome.
13. Minimanifesto da
poesia conjuntural
A poesia conjuntural agarra-se à notícia em destaque da semana, adapta
seu fazer poético à historicidade de curta duração do jornal de ontem e de
amanhã.
Fazer poema demora – e é difícil. Para burlar os limites poéticos,
usamos, para impor musicalidade, as rimas fáceis e desprezamos, em princípio, o
trabalho de métrica.
A poesia conjuntural é irmã da charge no jornal impresso ou na internet.
Abusa dos trocadilhos, do humor, da sátira, da caricatura, das frases de
efeito, das aliterações rápidas, dos jogos com as palavras, da repetição.
Para nossa sorte, os fatos mais importantes duram algumas semanas junto
à chamada opinião pública. É possível, assim, produzir poemas descartáveis de
qualidade.
A poesia conjuntural é realismo puro, velocidade e quase improviso.
Que o poema esclareça!
Que o poema exija!
Que o poema denuncie!
Que o poema seja palavras de ordem!
Que o poema provoque risos desalmados e raivas repentinas!
14. Poesia filosófica
sistemática
Deve-se resgatar o hábito dos filósofos antigos de escrever suas ideias
em versos. Mais uma vez, a forma deve impulsionar a expressão do conteúdo. A
linguagem poética, em sua deformação da linguagem comum, ajuda a expressar. Mas
os poemas têm seu lugar, sua hora, por isso o livro poético filosófico é
sistemático, há um desenvolvimento das ideias ou um nexo geral entre elas.
15. Poema quase fixo,
quase livre
Pode-se fazer poemas com rima e metrificação dada, mas, aqui e ali, como
em nome do conteúdo, quebrar os versos aonde a frase também quebra-se, um verso
final de tamanho incomum. Vale a criatividade. Um exemplo é fazer estrofes de
igual quantidade de versos, ou quase sempre, em que a métrica do primeiro verso
da primeira estrofe tem a mesma metrificação do primeiro verso da segunda
estrofe, o segundo verso da primeira e da segunda estrofe com a mesma métrica
etc. De minha experiência, soa bem tal método, que funde livridade e fixidez.
16. Por uma – Nova Bossa
A música brasileira focou muito na voz e na letra, tantas vezes de
maneira genial, em parte por herança medieval dos trovadores. Mas isso deve ser
suprassumido, mantido como conquista e ao mesmo tempo superado. Os
instrumentos, por aqui, o violão em especial, tornam-se passivos, um
acompanhamento, apenas por detrás da poesia cantada. Nossas propostas,
portanto, são:
a) Fazer no violão algo similar às
frases do baixo.
b) Apostar nas variedades de
dedilhado.
c) Como no rock internacional,
usar bastante riffs durante a cantoria, não apenas nas introduções.
d) Ritmo dançante.
Isso merece justificativa. Quando a música se afasta da dança, degenera
em classe média. Os trabalhadores manuais gostam de movimento; os intelectuais,
de reflexão, de inércia. Por isso, um dos motivos do samba entrar em
decadência, ao querer agradar paladares eruditos e semi. A MPB deve, logo,
voltar a ser popular, retomar a dança – dançar é preciso.
e) Muitos solos na canção. Nossos
grandes músicos aproveitam pouco a melodia, a escala, o improviso de solo. O
violão deve ser ativo.
f) Quebra repentina do tempo e da
intensidade, sem ou quase sem transições.
Isso alerta o ouvinte, energiza-o. E é algo incomum na nossa música.
g) Aproximar-se, de modo indireto,
dos power acordes (tônica e quinta, tônica e terça, tônica e quinta com terça
etc.).
h) Não estrutura da letra.
Uma letra estruturada – tipo: estrofe, estrofe, estribilho, refrão,
estrofe, estribilho, refrão – já nada tem de novidade, espera-se, cansa o
espectador. Uma letra sem norte formal, embora não improvisada, causa o inesperado,
uma nova e boa sensação. Pode-se, por exemplo, fazer apenas uma letra longa,
depois um estribilho e depois um refrão longo e final. Algo semelhante fazer
com os versos e sequência de acordes.
i) “Faça você mesmo!”
Nossos novos artistas são de alto nível técnico, mas comportados, não
ousados – desconfia-se que a qualidade técnica deriva do medo de ser rejeitado,
por querer agradar. O princípio do punk, incluso os três ou quatro acordes,
deve ser levado à MPB.
j) Temos tristes produzem
artistas tristes – porém a rebeldia é afirmar a alegria. A onda de MPB
melancólico, com seus acordes diminutos e menores, pode ser superada, ainda que
mantida na Nova Bossa.
k) Levar à sério o visual, no
palco enquanto teatro e nos clips.
l) Músicas muito maiores do que a
média ou menores, pequenas pílulas.
m) Sistema de violões.
O violão conquistou seu espaço assim como o ouro enquanto dinheiro. O
ouro tornou-se o meio comercial porque era fácil de dividir e unir, porque era
imperecível, porque guardava muito valor em pequenas quantidades. O violão
tornou-se central, pois: 1) permite cantar, 2) permite solar, 3) permite fazer
acordes, 4) permite tocar em alturas baixa, média e alta; 5) permite diferentes
volumes; 6) permite fácil transporte; 7) seu som é especialmente agradável; 8)
seu aprendizado mecânico é intuitivo; 9) relativamente barato; 10) fácil de
consertar; 11) permite uma nota de “baixo” auxiliar, uma tônica; 12) permite
dedilhado; 13) oferece recursos únicos especiais; 14) preenche bem o cenário
com seu som. O cavaquinho e a viola, além de outros similares, estão para o
violão, e próximos, como a prata está para o ouro.
O sistema de violões pode ser
uma boa meta de um grupo musical. Nomeio tal projeto, ainda que apenas
experimental de início, “Nova Bossa” em oposição e homenagem à Bossa Nova. O
músico Phill Veras, por exemplo, antecipa nossas propostas de modo belíssimo.
17. Frasismo
Há, hoje, pseudopoetas e pseodopoemas. Isso não é apenas crítica
negativa; na verdade, muitos praticam uma are nobre, embora desprezada – o
frasismo, a elaboração de frases. Por não ter cultura, o falso poeta faz uma
falsa poesia quebrando uma frase ao meio para parecer um verso, um poema.
Soma-se a isso rimas fáceis e trocadilhos fracos.
Mas podemos fazer um frasismo positivo para nossa épica com as seguintes
características:
1. Duplo sentido
2. Sentido intenso, concentrado
3. Jogos de palavras
4. Subverter clichês
5. Sugestão
6. Jogos de linguagem
7. Nova gramática parcial
8. Palavras atuais, não “poéticas”
9. Foco na leitura, não na
oralidade
Vejamos um poema frasista, um poema programático:
Rejeite as frases de efeito
Rejeite os poeminhas fofos
Rejeite os toscos trocadilhos
Rejeite as risíveis rimas
Desconfie-das
Desconfie-dos
O princípio é o princípio
O fim é o fim
O meio é o meio
Criamos jogos
Agora jogos nos criam
Infelicidade e fanatismo na era
Do conhecimento subatômico
Antes mal acompanhado do que só
Nascido no tempo errado
Minha época é amanhã
Mas é Mais – Mais é Mas
Pois a poesia é a dimensão quarta
Da matéria
Concreto tornam-se os que habitam
A selva de
Des – ou – cansa
As ruas do mundo estão todas vazias
Unir o inútil ao desagradável
Já que o afeto nos afeta
Todas as dores do mundo
Doem mais entre os nossos
Tal como a vida
A Morte tem – menos ou mais –
3, 6 bilhões de anos
Os suicidas têm razão
Aqui em Israel – Palestina – até as palavras explodem
Menos que a sombra da sombra
Uma bala instalada no cérebro de um burguês
Equivale a 1000 poemas
A sabedoria da angústia
Antivírus
Quase todas as características do frasismo novo estão em tais frases
quebradas, versos. A arte nobre pode ressurgir com dignidade.
18. Arte
antissistêmica
Imagine construir quadros aonde certo objeto está desencaixado, ou seja,
fora da lógica da imagem ou de seu traço. Aquelas pinturas cansativas de
natureza morta podem ter algo que destoa do conjunto da obra.
19. Poema
quadro
Num quadro ou numa página de livro, cada canto tem um pequeno verso ou
pequena estrofe explicando, de maneira poética, o que o leitor deve imaginar
naquele ponto, qual imagem teria ali. Isso pode desaguar em narrativa: cada
página, uma cena etc. A mente do leitor unificará os versos e estrofes da
página em uma imagem total. Nossa época favorece a imagem imediata contra a
imaginação, que atrofia; eis nossa contrarresposta.
20.Arte dialética
Um quadro pode ter dois estilos e conteúdos diferentes para cada lado
com fronteira de interpenetração entre ambos. O monólogo de teatro pode dar
lugar ao debate rico entre dois ou mais personagens.
De minha parte, posso, então, afirmar que não sou um poeta ou artista
contemporâneo. Sou um poeta do amanhã.
PARTE 5
CRISE SISTÊMICA E SUPERESTRUTURA OBJETIVA (INSTITUIÇÕES, ORGANIZAÇÕES;
MAIS-PODER)
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