domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - Cap. 7. - A crise das classes

 

A CRISE DAS CLASSES

 

A conhecida conclusão de Marx sobre a crise final dos sistemas econômicos, contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes, pode ser interpretada de duas maneiras: 1) As relações de produção impedem a continuidade dos desenvolvimento das forças de produção (técnica, ciência, natureza, homem, etc.), logo precisam ser duramente substituídas; 2) As forças produtivas avançam enquanto as relações de produção permanecem, gerando crise sistêmica. Na realidade, ambos os casos ocorrem e até misturam-se. Há ainda um terceiro caso, combinado aos demais: as forças produtivas avançam e mudam apenas relativamente as relações de produção (casos deste capitulo) como sintoma, por mediação ou por deformação, da tendência à mudança completa dessas relações. Na crise do escravismo, tentou-se usar colonos no lugar de escravos, que eram insuficientes com as invasões à Roma, mas logo revelou-se limitado, apenas sintoma da necessidade de mudança completa das relações de produção, para o feudalismo com o senhor e o servo. O desenvolvimento das forças produtivas afeta as relações de produção, ainda que não as mude completamente de imediato.

Há ainda uma segunda observação para introduzir as conclusões deste capítulo. Também aqui, o texto entra em sincronia com a concepção de “crise categorial” trabalhada por pensadores como Kurz. No método dialético, as categorias nada têm de eternas, fixas e a-históricas; elas são transitórias, mudam-se, têm fim. A crise das categorias – crise da categoria valor, etc. – ocorre porque elas são reais, nunca meras palavras ou invenções artificiais do cientista, etc. Afinal, o método científico superior jamais parte das categorias ou conceitos enquanto modelos prévios, formas onde encaixar forçadamente os dados do real – jamais ao menos nos primeiros momentos das conclusões. A realidade pode exigir atualizações categoriais necessárias. No kantismo, os dados adaptam-se aos, encaixam-se nos, conceitos; na dialética, ao contrário, os conceitos modificam-se para que caibam nos dados. Os marxistas formais, no entanto, costumam usar o método dedutivo, por exemplo, encaixar este ou aquele grupo de assalariados numa noção categorial por meio de critérios prévios; assim, professores seriam do proletariado, do operariado quem sabe, porque vivem de salário, vendem sua força de trabalho, não dominam os meios de produção, etc. Pouco entendem que uma avaliação correta iria para “depois” da aparência e da forma do salário rumo ao conteúdo e à essência, ou seja, o “ponto de vista” do valor, que é, de fato, materialmente, a arché (arkhé) da sociedade capitalista (qual a água ou o ar a foram do cosmos para os pré-socráticos); como o princípio é o princípio, ele, o valor, aliás, começa a obra O Capital – assim como o Ser-nada-devir inicia tanto o mundo quanto a filosofia e, por isso, também a Lógica de Hegel.

O SETOR DE SERVIÇOS

Guiados pelo debate até aqui, observemos estes dados que nos servirão de exemplo:

 

TABELA 1

Fonte: (Pikett, 2014)

 

Os números acima, ainda que reativos, revelam uma tenência à perda de mão de obra na indústria e na agricultura e ganho no setor de serviços. Precisamos tirar algumas conclusões adicionais ao movimento descrito.

O setor de serviços é produtivo de lucro, não de valor. É improdutivo do ponto de vista da produção como produção de mais-valor. Isso significa que seu inchaço, em parte por baixo uso de tecnologia, extrai parte do valor global para si de modo, por assim dizer, parasitário. Constitui-se como elemento para a crise do sistema.

O desenvolvimento do capitalismo promoveu a ascenção do setor médio ligado aos serviços. Exigiu a inflação de fatores do tipo:

1)   Serviço de autônomo como reação o desemprego ou trabalho precário;

2)   Serviços exigidos ao Estado para prover as condições básicas do funcionamento do capitalismo;

3)   Especialização de tarefas improdutivas nas empresas via terceirização (exemplo: empresa de call center cuida, com custo unitário menor, do atendimento em nome de empresas contratantes);

4)   Urbanização produz demandas sociais que podem gerar lucro (igrejas, etc.).

 

Por vezes, o setor de serviços pode ser tanto fonte de lucro ou apenas um custo social posto como necessário, na empresa ou na sociedade. O professor pode dar aula numa universidade pública ou particular; das duas maneiras suga do valor social ou como fluxo dos impostos ou, no outro caso, com mensalidades do cliente. Na medida em que cai a taxa de lucro, a classe dominante busca novas fontes lucrativas e as encontra, por vezes, tornando um trabalho improdutivo em fonte de extração de valor. O que mina a própria lucratividade.

Reafirmamos o que dizemos em outro capítulo. Na medida em que o maquinário substitui o trabalho manual na produção, elevando o trabalho intelectual – controle, gestão, etc. – ao patamar de trabalho por excelência, o atual setor de serviços em parte deixará de existir e, noutra parte, será redefinida para fins socialistas. As “formas sociais puras”, que não são trabalho enquanto relação homem-natureza, serão a importante ocupação dos cidadãos. A hiperinflação dos serviços é sinal de que o fim da pré-história da humanidade aproxima-se, tornando-nos mais sociais.

Há polêmica sobre se os assalariados fora das fábricas, minas e terras, etc. são parte do proletariado. Tal discussão é datada na história, pois são recentes certos fatores: várias categorias cresceram em número e passaram pela precarização das relações de trabalho. O professor era parte de uma aristocracia, formava-se já com bom salário; a política de Estado por aumentar a quantidade de formados concorrendo por uma vaga e o crescimento do número de escolas públicas sem o correspondente aumento de verba precarizaram a profissão levando à formação de sindicatos, ou seja, ocorreu a esquerdização desse setor. Os bancários passam por processo semelhante com a introdução dos caixas eletrônicos.

A questão sobre a classe dos setores de serviço revela uma nova tendência: setores não operários podem protagonizar revoltas sociais ou servirem de vital apoio às mobilizações. Daí o problema teórico um tanto instintivo sobre a nomenclatura.

Neste livro, consideramos os membros o setor de serviços classe média, setores médios. Porém o mais indispensável é perceber tanto a história desses setores, o processo de precarização (que é confundido com o conceito proletarização) e ampliação, quanto o papel que antes não tinham na sociedade e na luta por outro mundo.

 

AFASTAMENTO DAS CLASSES OPOSTAS DA PRODUÇÃO

Encontramos a seguinte conclusão do Livro III d’O Capital: a burguesia produtiva tende a ser de todo improdutiva, quer seja, afasta-se da gestão fabril, contrata executivos em troca de bons salários para as tarefas de controle geral. Podem assumir cargos artificiais e figurativos, mas vivem do mais-valor gerado sem relação direta, pessoal, com o trabalho intelectual neste setor; e isto é tanto mais quanto mais é o capitalista coletivo – portadores das ações das empresas, dos títulos de propriedade – quem domina. A burguesia toma a forma parasita.

 

Transformação do capitalista realmente ativo em mero dirigente, administrador do capital alheio, e dos proprietários de capital em puros proprietários, simples capitalistas financeiros  Mesmo quando os dividendos que recebem englobam o juro e o lucro do empresário, isto é, o lucro total (pois a remuneração do dirigente é ou deveria ser mero salário para certa espécie de trabalho qualificado, com preço regulado pelo mercado como qualquer outro trabalho), esse lucro é percebido tão-só na forma de juro (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, p. 583)

 

Rastreemos o desenvolvimento das relações de produção por meio das era do capital: 1) capitalismo mercantil: a burguesia da produção cumpre tarefas de comando direto, trabalho intelectual, sobre os artesãos; 2) capitalismo industrial: o burguês dirige os dirigentes, uma rede interna hierárquica de comando; 3) capitalismo financeiro: a burguesia afasta-se do comando direto, contratando responsáveis para as tarefas de trabalho intelectual; 4) capital fictício: a burguesia infla seu caráter parasitário e perde identidade imediata para com as empresas – a classe dominante é, assim, uma classe que já não é uma classe.

Expressando o próprio capital, sendo capital encarnado, vemos um movimento geral de alienação da burguesia em relação ao capital produtivo em si. Isso ocorre interligado à globalização capitalista, com a despatriação do capital, onde este internacionalismo burguês do sujeito valor-capital desenvolve a mobilidade do capitalista e o lucro enquanto único objetivo pátrio. A produção ocorre, em muitos casos, na China; a administração geral da empresa, nos EUA; os acionistas vivem suas vidas parasitantes em qualquer lugar do mundo onde lhes proporcione prazeres incomuns e possam obter consultas de seus dados via internet. O trabalhador sabe quem é seu supervisor ou gerente, mas desconhece o patrão porque, exceção de empresas menos avançadas, ele ao modo clássico inexiste. Há a empresa impessoal.

Após a exposição deste parágrafo e de quase a totalidade do livro, tive bom contato com a palestra (Duménil, 2018) de Gérard Duménil, defensor da tese de que parte importante do valor vai para a camada superior da burocracia nas empresas, em tendência crescente nos últimos 30 anos, dado empírico que, segundo ele, Piketty não foi capaz de discriminar. O economista francês afirma que Marx apenas intuiu e deixou de desenvolver a questão; de fato, n’O Capital III o mouro fala sobre a palavra “juros” na contabilidade do gerente da fábrica esclarecendo que se refere à parte do lucro destinada ao burguês, enfim afastado da produção. Quando há fusão do capital produtor de juros com o capital produtivo – isto é, o imperialismo – o processo sai de seu estágio embrionário e fetal, consolida-se e avança. Com sua tese um tanto impressionista, o palestrante conclui que o socialismo é impossível e que estamos na transição para uma sociedade dominada pela “gerentocracia”; ora, deixa de perceber a importância elevada da gerência – tanto em fábricas automatizadas quanto as de presença operária – na sociedade de transição ao socialismo, pois eles serão eleitos pelo poder dos trabalhadores em assembleias e estarão, assim, sob avaliação constate dos novos “patrões”. Isso significa que, de um lado, parte da gerência atual, que está sob um fenômeno transitório, se aceitarem a nova realidade, poderá pegar cargos no Estado socialista, com salários relativamente atraentes, e, de outro, o poder gerencial tal como é, ainda que seja sinal de um socialismo latente, pode ser destruído pela revolução socialista.

Há polêmica sobre a qual setor pertencem políticos, executivos etc. Localizamo-los na burocracia capitalista, a burocracia burguesa – nem tudo são classes. Seus privilégios lhes dão espaço para enriquecer de outros modos (empresas, ações etc.) tornando-os ligados orgânicos a mais de um setor privilegiado. A palavra “burocracia” tende a passar apenas o sentido parasitário, mas também se refere a funções de comando, administrativo etc.[1]

Tomemos por novo ângulo e ponto de partida na produção. No fim do feudalismo:

 

ARTESÃO – funções: Produz

Estoca

Planeja

Contabiliza

Vende

Controla

 

Na medida em que o capitalismo desenvolve-se, tais funções são divididas e especializadas: o trabalhador coletivo produtivo cumpre a função do trabalhador produtivo individual exercendo controle sobre o alienado produtor de valor.

                                  

Produz – operário

Estoca – assalariado auxiliar

Planeja – burguês ou gerente

Contabiliza – gerente, contabilista, economista

Vende – burguês, administrador, empregado improdutivo designado a esta tarefa

Controla – capataz, gerente de diferentes níveis

 

Ocorre divisão, alienação do trabalho produtivo – separação entre manual e intelectual. Sob outra forma, o socialismo superará as especializações acima postas. O afastamento parasitário da grande burguesia da produção (e realização) de valor corresponde, na outra ponta, ao afastamento do trabalhador produtivo, com vantagens a um e desvantagens a outro. A III revolução industrial é o máximo estágio do afastamento do operário da produção. O desenvolvimento das forças produtivas, portanto, induz à futura mudança das relações produtivas, hoje sob a forma de desemprego crônico e financeirização.

A própria redução numérica da quantidade de donos do mundo, cujo poder é enorme ao concentrar em poucas mãos a riqueza social, uma vantagem imediata, uma redução em si quantitativa – de uma miríade de milionários para um punhado de bilionários (algo em torno de 3000) de fato dominantes –, produz as condições da mudança qualitativa, o fim da classe dominante, a redução numérica total, e é seu sintoma (assim como o afastamento da relação direta com a empresa é sintoma do seu futuro afastamento absoluto). A matéria abaixo ajuda-nos a ver:

 

As grandes fortunas do mundo nunca tiveram tanto dinheiro como neste início de 2020. O ano de 2019 terminou num recorde histórico para as 500 pessoas mais ricas do planeta, que acrescentaram 1,2 trilhão de dólares (equivalente a 60% do PIB do Brasil), aumentando em 25% o seu patrimônio coletivo, que chega a 5,9 trilhões de dólares, segundo o índice da Bloomberg. (Os 500 mais ricos do mundo começam 2020 mais ricos do que nunca, 2019)

 

Em principal nas fábricas, surge uma ampla hierarquia de comando e funções (gerente, capataz, serviço de inteligência, etc.) que cresceu com o desenvolvimento do capitalismo. Surge assim o acréscimo sugador parasitário de valor dos falsos custos de produção (Mészáros, Para além do capital, 2011)[2]. No escravismo romano, a ampliação dos campos de trabalho exigia também aumento dos custos improdutivos com o controle prático da vida, mais capatazes, soldados, burocratas, etc. eram necessários para vigiar a quantidade maior de escravos e a extensão acrescida da propriedade. No capitalismo com concorrência de monopólio, as empresas em luta encarniçada forçam umas às outras a acrescentar pseudocustos de produção para vencer suas guerras mercantis. Tal aumento da sucção parasitária de valor, substância que surge apenas na produção, ocorre tanto, e principalmente, no capital industrial quanto nas demais formas de capital. No caso escravagista, a solução foi encontrada em outro modo de vida, o feudalismo, pois o antigo escravo passa a ser um servo, mais livre, com suas próprias ferramentas e direito a plantar uma parte da terra para si; a então nova sociedade superou custos improdutivos da sociedade anterior, pois, por exemplo, tornou-se desnecessário uma vigilância tão direta sobre a classe dominada. O fim de boa parte dos custos improdutivos da produção – e da sociedade – capitalista dar-se-á com a mudança socialista do modo de vida; aqui, custos improdutivos serão reduzidos em termos relativos e absolutos, como com o fim dos grandes gastos com propaganda, espionagem, polícia, etc.

Na sociedade, por causa de a crise sistêmica aprofundar-se, a tendência é aumento dos custos improdutivos, como com segurança. Na produção, a automação-robótica tem uma vantagem e estímulo como menor custo de vigilância, mas é uma redução parcial e limitada.

 

O DESCABER NOS CONCEITOS

O desemprego crônico fruto da alta produtividade sob o capital é expressão, inversa, da possibilidade de maior tempo livre no socialismo, aqui expresso no tempo ocioso e desesperado. Vejamos o crescimento:

 

TABELA 2

Fonte: (Maddison, 2006, p. 134)

 

Os dados são, ainda que claros, limitados. O trabalho estatístico comumente ignora o subemprego, os que desistiram de procurar trabalho e os autônomos como parte do grande número daqueles fora das relações empregatícias formais. Após a crise de 2008, certamente os dados são mais duros, apesar das oscilações conjunturais do nível de emprego. A tabela acima, apesar de faltar informações mais atuais, demonstra bem uma tendência contínua ao aumento da taxa de desemprego.

A solução para esse problema social será reduzir a jornada de trabalho de modo a garantir desemprego zero, usar toda força de trabalho disponível, pleno emprego. Uma escala móvel de tempo de trabalho pode surgir como a nova lei social contra a lei capitalista do exército industrial de reserva.

Trotsky falou na década de 1930 em subclasse de desempregados (Trotsky, O marxismo em nosso tempo, 2009), isto é, o número de desempregos havia crescido de tal forma que exigia uma atualização categorial, para além do exército industrial de reserva. Ele observava o declínio da curva histórica, de 1913 à 1945, como o momento final do capitalismo. Podemos afirmar que houve uma normalização e até pleno emprego após a II guerra para daí então, tendencialmente, aumentar o número de desocupados. Sua categoria volta a ter valor teórico para a análise da atual macroconjuntura com o declínio da atual curva de desenvolvimento capitalista.

Outra das formas transitórias, comum em nosso tempo, ocorre quando é comum permear mais de uma classe. Um operário, porque de vida precária, tem uma pequena quitanda em sua casa ou a família trabalha em pequena propriedade; um petroleiro, operário aristocrático, pode ter ações na própria empresa; o empresário, tão logo tenha capital em forma monetária sobrante, tem investimentos tanto na produção quanto na área financeira (dívida pública, etc.)[3]. Dizer a qual classe ou setor pertencem fica mais difícil, pois se encontram menos dentro do conceito.

 

A MISÉRIA RELATIVA

O capitalismo tirou enormes grupos humanos de relações arcaicas e os colocou em relações monetárias. Assim a miséria absoluta foi reduzida, com a monetarização do modo de vida. Mas este avanço é contraditório, negativo e positivo, pois aumenta os fatores estressantes da maioria, o que é base para a acentuação da luta de classes. Veja-se que em São Paulo um assalariado pode perder até 5 horas de seu dia com o tempo de transporte público; além do mais, convive com a poluição visual, sonora e do ar. A forma salário quando cresce a remuneração pode esconder precarizações não medíveis por esta via com a intensificação do trabalho, a privatização dos espaços de lazer, etc.

Os comerciários do século XIX eram bem pagos assim como os bancários há poucas décadas. A queda da qualidade de vida desses setores não operários é fator importante para a revolução, pois tende a afastar tais tipos da direita com maior facilidade. Ademais, inúmeros fatores não sindicais, para além e com as relações trabalhistas, afetam nossas vidas.

A acentuação da miséria relativa, os fatores estressantes de diferentes origens que se combinam, tende a unificar grandes massas humanas por melhorias. O aumento da miséria relativa é mais sintomático para a revolução social que a miséria absoluta, pois, neste último caso, a situação é de tal modo deteriorada que impede uma luta comum.

 

DUAS TENDÊNCIAS RELATIVAS

A crise sistêmica, sua fenomenologia, parece apontar dois caminhos antes do socialismo ou da extinção. O primeiro, a lumpenização das diferentes classes: classes médias, operariado, assalariados e burguesia. A classe dominante torna-se vagabunda. O operário não encontra emprego. A classe média volta-se ao prazer desmedido. Empregos lupens como trabalhar no tráfico ou na prostituição ampliam-se. A polícia degenera como nunca antes. Os políticos tornam-se vadios. Lembramos que rejeitamos o tom depreciativo de “lupem” usado pelo estalisnismo, infelizmente também pelo trostskismo em sua maioria, como um problema de todo moral, digna do desprezo total humano. Não é, em exato ou sob este ângulo, o caso. O lupemproletariado é formado, na sua forma comum, nos diferentes sistemas, pelos ladrões, prostitutas, mendigos, vadios, indisciplinados crônicos até etc. Os excluídos dos excluídos. Mas amplia-se nesta época, torna-se uma miríade de casos e de contaminação sobre outros setores e classes sociais.

Segundo, há e haverá uma pressão por aumentar casos de escravidão não assalariada. Isso é incompatível com o sistema baseado no dinheiro, mas o sistema tem a honra de entrar em contradição consigo próprio… Nossa proposta é, então, por exemplo, que os trabalhadores resgatados de tal condição tornem-se donos, sob gestão operária, da empresa aonde foram superexplorados. O empresário e a empresa prosperaram a partir do suor de seus funcionários escravizados: nada mais justo que lhes dar o que deveria ser deles.

 

UMA TESE OUSADA

Neste livro, nas partes de economia, costumamos citar Eleutério Prado, um mestre, sem colocá-lo no mesmo altar dos teóricos de outros países. Mas ele é um gigante discreto. Como esta obra tem pretensão de totalidade, embora não de tudo, devemos citar sua conclusão recente. Em resumo: com a financeirização (sociedade por ações etc.), o capitalista individual foi substituído pelo capitalista coletivo[4]; ora, antes o individual tinha riscos individuais, porém, agora, o coletivo trata de riscos coletivos, para toda a classe – e, portanto, prejuízos gerais são agora inaceitáveis (Prado, Socialismo do capital, 2023). É o socialismo do capital, que obriga o Estado a jogar a conta das crises de todo nas costas dos trabalhadores e pequenos empresários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]             Entre comunistas, falamos sobre atuação nos sindicatos e no Estado Operário: “podemos e devemos ser burocratas sem estarmos burocratizados”. Burocracia e (burocracia em) burocratização são categorias diferentes, estando íntimas.

[2] Para evitar falsa citação: de Mészàros retiro “falsos custos de produção”, enquanto contribuo com o fator do aumento de tais custos.

[3] Nesse tipo de burguês, ocorre uma cisão em sua personalidade pública, uma dupla personalidade, com exigências políticas e econômicas tanto financistas quanto produtivas, ainda que opostas.

[4] Engels afirma que é a superação da propriedade privada por dentro da propriedade privada, dentro dos limites do capital. Com a automação, o capital encerra a exploração do homem pelo homem, mas apenas dentro dos limites estreitos do próprio capital.

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