REFLEXÕES SOBRE O PARTIDO COMUNISTA
Reconhecer
francamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que os
originou e discutir cuidadosamente os meios de corrigi-los é o que caracteriza
um partido sério.
As
observações abaixo partem das características gerais dos partidos comunistas em
nossa conjuntura: organizações de vanguarda, inexperientes, de baixo peso
operário e sob democracias burguesas decadentes. Os problemas levantados aqui
tenderão a permanecer nos organismos citados mesmo com mudanças desde 2008,
pois as superestruturas são conservadoras. Feita a apreciação, avancemos.
O PERFIL
MILITANTE
É comum que
os membros dos partidos comunistas sejam os melhores lutadores nos movimentos
sociais. Mas isso faz deles apenas os mais dedicados, o melhores dentro dos
limites da luta de classes sob o capital.
O partido
revolucionário, enquanto não é de massas, deve ter membros acima dos postos de
meros soldados, todos devem ser capacitados oficiais. A organização precisa
estar pronta para crescer de um perfil de vanguarda para, por saltos e em
curtíssimo período, aglutinar dezenas de milhares de militantes de base.
O marxismo
militante deve formar, portanto, verdadeiros estadistas, pois é isso que serão
caso a revolução seja vitoriosa, caso os partidos vermelhos sejam dignos da
tarefa histórica. Dirigir sindicatos ajuda em certos aspectos na educação
política prática, na arte de gestão. Mas é limitadíssimo. Apenas com educação
teórica profunda os quadros partidários serão mais do que simples radicais de
esquerda.
O instinto
de poder do partido deve formar dirigentes estatais em potencial, gente capaz
de pensar grande, profunda e estrategicamente. O poder operário não se
consolidará dirigido por gente incapaz.
A VALIDADE
DOS PARTIDOS COMUNISTAS
Há três
formas de o partido revolucionário desaparecer:
1) Ser destruído por repressão;
2) Degenerar numa caricatura centrista de si;
3) Dissolver-se na sociedade socialista.
A
organização, sendo o organismo antissistema dentro do capitalismo, surge e
desenvolve-se a partir de uma dada base material. Mudanças de conjuntura, de
situação, mudam em geral apenas relativamente a natureza do partido. Mas, ao
contrário, mudanças qualitativas do tecido social ou da etapa (se
revolucionária ou contrarrevolucionária), tende a mudar, com algum atraso, o
perfil do organismo, da superestrutura partidária.
Isso
significa que todo partido revolucionário tem data de validade. Pode durar
muitos anos ou até décadas com a mesma natureza, mas a realidade mutante é
maior e determina o destino da organização. Serve-nos um exemplo. O Partido Bolchevique
e os PCs da III Internacional degeneram com o fim da situação e da etapa
revolucionárias, na passagem para uma situação-etapa contrarrevolucionária
mundial.
OS
FUNCIONÁRIOS SINDICAIS, PARLAMENTARES E PARTIDÁRIOS
Ao discutir
a degeneração da II Internacional, destaca-se o peso dos parlamentares no
perfil reformista e centrista. A questão fica muito mais clara quando levamos
em conta que boa parte dos militantes e quadros dos partidos socialdemocratas
era funcionários nos sindicatos e nos mandatos dos representantes no parlamento
burguês. Por isso medidas formais devem ser tomadas contra a pressão daqueles
que precisam de peso sindical e parlamentar para sua própria sobrevivência.
Os
militantes que têm empregos nos sindicatos, por exemplo, devem passar por
aspirância, com deveres e sem diretos, por pelo menos três anos, a contar a
partir do momento em que adquirem o cargo (jornalistas, advogados, economistas,
vigias etc.). E quando forem aceitos como militantes plenos, fica proibido: ser
dirigente político de células, ter cargos acima do comitê zonal (nunca de
dirigente político), votar ou ser votado como representante nos congressos e
conferências, participar de tendências ou frações. São medidas que diminuem a
pressão externa dos aparatos, que até de modo inconsciente afetam a postura de
tais membros. A degeneração de tantas organizações obriga regras duras por
permanente precaução.
Algo
semelhante ocorre com os profissionais dos partidos, pois podem se alinhar
internamente com aqueles que mantêm seus empregos. Um profissional do partido
com cargo abaixo do comitê regional e que não seja profissional do partido para
fins de direção política etc., mas tarefas burocráticas (vigia, atendimento
etc.), está proibido de ser dirigente político, de votar ou ser votado em
conferencias e congressos ou de participar de lutas em tendências e frações.
Tais medidas
não impedem a degeneração, mas são necessárias e demoramos muito para perceber
o quão importantes são.
GARANTIAS DA
DEMOCRACIA PARTIDÁRIA
Temos de
formar medidas estatuárias que garantam certo grau de tensão interna saudável,
que pese contra a dependência de um quadro em particular ou de um grupo.
Os birôs
político e organizativo do comitê central devem ter um tempo máximo de
permanência nas mãos de certo dirigente e tempo mínimo de sua ausência no
cargo. Assim evitamos a excessiva especialização ou a formação unilateral de
insubstituíveis.
A luta
fracional deve garantir 20% dos cargos à fração derrotada que tenha alcançado
pelo menos 30% dos votos congressuais com os membros escolhidos pela fração
vencedora. Pode-se garantir no máximo 30% dos cargos a mais de uma fração
derrotada. Assim, se uma fração consegue 40% dos votos e ganha a maioria, fica
com 70% dos cargos; se outras duas frações conseguiram cada uma 30%, somando
60%, terão direito cada qual a 15% dos membros eleitos.
Esta
postura, que pode ser informal, uma boa diplomacia da fração majoritária,
melhor uso tem se é formalizada como mecanismo da legalidade do partido.
A PROLETARIZAÇÃO
Em debate
com o SWP americano, Trotsky orientou que os muitos jovens daquele partido
fossem girados para apoio ao movimento operário. Tal proposta pode ter a forma
permanente de células de proletarização nos partidos: uma parte da juventude e
dos assalariados não operários das organizações formarem organismos de base
cujas tarefas centrais são marcar presença constante em determinadas fábricas,
ajudar as oposições sindicais proletárias, trabalhar voluntariamente nos
sindicatos fabris, etc. Tão logo uma organização consolide uma certa quantidade
de membros da classe média em seu seio, o que é em si fonte de contradição,
deve-se fundar tais grupos para potencializar o trabalho na principal classe da
sociedade. Algo semelhante pode ser feito em trabalhos sobre setores populares
muito precários como o movimento de ocupação urbana. Um grupo revolucionário
deve ser formado por proletários não aristocráticos e assalariados precários em
sua maioria e especialmente na direção, por isso tal giro faz-se necessário.
OS
PROFISSIONAIS
Os
profissionais do partido devem ter tarefas bastante claras e seus salários deve
ser próximo ao da média salarial do país. O critério da renda faz diferença,
pois apenas morando e vivendo como um trabalhador não aristocrático o militante
pode sentir as mesmas dores de sua classe e ter a necessidade de revolucionar o
mundo. Um salário avantajado desregula por diferentes meios seu caráter
militante. O fato de dedicar-se a um emprego que dá imenso mais prazer, apesar
das dificuldades, do que o emprego comum, o fato de estar em um “serviço” não
alienado, deve ser um bom estímulo para aceitar ganhar menos do que sua
capacidade no “mercado de trabalho”. Como deve ser quase lei interna que os
profissionalizados tenham origem no movimento operário, deixa de ser um
problema a questão salarial, diferente de se tentar dar tal posição a alguém de
origem na classe média bem paga. Naqueles partidos onde esta regra é evitada,
deve-se fazer uma transição como congelar e reduzir aos poucos a renda desses
quadros, o que fará sobrar finanças para mais profissionais da revolução.
É muito
comum que os membros de classe média destaquem-se nos partidos ditos operários.
Um funcionário público, por exemplo, pode ter estabilidade empregatícia, maior
tempo livre, menos desgaste no trabalho, mais cultura e mais recursos. Logo
torna-se um quadro dirigente, contaminando com seu perfil a organização e sua
direção. A profissionalização prioritária de membros advindos dos meios
proletários visa dar condições para seu pleno desenvolvimento e a formação de
verdadeiros partidos da classe revolucionária.
Evitemos
também o debate fácil sobre o tema. Nesse limite, alguns defendem que a
profissionalização deve ser cancelada após alguns anos para evitar
carreirismos. A questão é que quadros capazes demoram a se formar, por isso, se
voltam aos trabalhos não partidários depois de anos de dedicação militante, nós
na prática perdemos e desperdiçamos potencial militante. Ademais, após longos
anos trabalhando para o partido e para a revolução, dificilmente encontrarão
emprego regular. Devemos manter financeiramente, mas com salários baixos e sob
controle dos organismos partidários, uma camada de profissionais que acumularam
capacidades práticas e teóricas. O carreirismo é devidamente evitado com o
assalariamento limitado.
O PARTIDO
LENINISTA COMO O MEIO
É um erro
considerar, como faz Moreno, a construção do partido como estratégia, pois é o
meio para um fim. Esta diferença, que parece desnecessária ou trivial à
primeira vista, ganha importância prática quando observada mais de perto.
Façamos
antes um debate lógico, mais abstrato. O meio é o meio específico de um fim e
este é também daquele, fim específico do meio – para um fim, nem todo meio é
válido
Há ainda
outra consideração: o meio pode, por assim dizer, degenerar em fim em si mesmo.
O dinheiro, por exemplo, avança de puro mediador, meio de troca, para o centro
da atividade. Algo semelhante pode ocorrer nos partidos: a autoconstrução passa
de meio da estratégia para ser algo em si próprio, em um falso hiperleninismo.
Eis um perigo real. Um exemplo deixará mais cristalino: no lugar de elaborar
política de modo objetivo, para avançar alguns passos ao socialismo, a
organização partidária pode agitar propostas erradas, segundo a conjuntura, que
atraiam de modo artificial a vanguarda porque são as mais radicais, porque se
diferenciam das demais correntes, etc.
DIREÇÃO E
CRESCIMENTOS
Ao ser
expulso do PCB, o marxista Jones Manuel fez uma acusação esclarecedora: seu
partido cresceu muito, mas a direção partidária odiou tal fato. Passei pelo
mesmo processo na regional do PSTU no Piauí, que saltou de 13 para 80
militantes dado acertos vitais, antes de decair para a órbita do número
anterior mais uma vez. Por que tais direções rejeitam o crescimento do próprio
partido, por que operam boicotes internos? Os motivos são estes: 1) dá-lhes
mais obrigações, mais trabalho; 2) exige mais democracia, menor concentração de
poder; 3) exige renovação da direção, cargos que lhes garante prestígio e
privilégio etc. De modo muito consciente, com doses de inconsciência, as velhas
guardas partidárias boicotam o crescimento partidário, fazem do partido um
clube; muitas vezes, apostam em manobras de todo tipo para operar tal amputação
interna. Assim, imensamente difícil resolver tal problema – que deve
obrigatoriamente ser resolvido – sem duras lutas ou rupturas.
A QUESTÃO DO DIRIGENTE
Percebemos
um padrão sobre a direção geral das Internacionais: os dirigentes mais
respeitados atuavam como força objetiva no retardo da quebra ou degeneração de
suas organizações. A II Internacional avança sua adaptação ao regime
democrático burguês após a morte de Engels; o partido bolchevique e a III
Internacional saltam suas degenerações com a morte de Lenin; a IV internacional
quebra-se com a morte de Trotsky; a LIT e o partido MAIS na Argentina, que
havia alcançado influência de massas, quebram-se depois da morte de Nahuel
Moreno.
Como
afirmamos anteriormente, as mudanças qualitativas da realidade mudam com atraso
o perfil das organizações. Mas a superestrutura subjetiva, como grandes líderes
revolucionários, tornam-se forças que também interferem no ritmo das mudanças.
A formação
de grandes líderes leva décadas e muitos se afastam da militância, são presos
ou morrem. Uma “seleção natural” vai consolidando alguns militantes raros, de grande
estatura. Apenas a democracia partidária, com uma sólida formação prática e
teórica, permite reorganizar as tarefas e errar menos diante da falta repentina
de algum “insubstituível”. A mera consciência do problema do dirigente central
ajuda a pensar precauções, como preparar uma nova coluna de quadros de modo
antecipado, organizar rupturas diante de degenerações qualitativas, etc.
O
COMPROMISSO MILITANTE
Deve ser
estatutário que, para ser membro do partido, é obrigatório o compromisso de
apoiar apenas o governo baseado na democracia socialista, que surja da
destruição revolucionária do antigo estado. Nenhum governo “progressivo”,
“nacional”, “anti-imperialista”, “popular”, “esquerdista” ou “socialista” por
meio da suposta renovação do estado burguês deve ser apoiado, mesmo que
criticamente, por qualquer membro partidário, interna ou publicamente. Esta é
uma das condições vitais para ser considerado parte da organização revolucionária,
deve ser do acordo mínimo de militância.
A QUESTÃO
SINDICAL
Pequenas
organizações podem degenerar em seitas, em clubes, em casas de intelectuais.
Mas há também o risco mais subterrâneo de transformar-se em partidos sindicais.
É debate
comum no meio militante que a ação eleitoral é algo tático, ainda que tenha de
ser lavado muito a sério. Esquece-se, no entanto, que a atuação nos sindicatos
é também do nível da tática militante. Os sindicatos produzem uma pressão
enorme sobre as organizações como duplo peso: de um lado, dá base para a
radicalidade e, de outro, prende a militância aos limites da reforma, aos
limites burgueses, nas lutas parciais. Surge aí a condição para a formação de
partidos centristas, que estão entre a reforma e a revolução, entre o
reformismo e o bolchevismo.
O
sindicalismo vermelho ou radical esquece que os sindicatos são organizações
defensivas e burocratizadas, por isso serão superestruturas secundárias durante
situações revolucionárias na maioria dos casos, senão em todos. Dificilmente,
por conservadorismo organizacional, os revolucionários serão maioria nos
aparelhos sindicais quando chegar a hora mais perigosa e decisiva. O foco
perante revoluções girará para ganhar maioria nos soviets, comitês fábrica,
assembleias de bairros, isto é, nos embriões de poder operário e popular.
Pequenos
partidos revolucionários devem ter alguma influência sobre a vanguarda, ter
trabalhos poucos e concentrados em determinadas fábricas, categorias e bairros
operários. O mais importante é adquirir alguma influência social em bastiões,
que possam irradiar-se em momentos oportunos de grandes lutas de classes.
Ganhar sindicatos deve ser uma consequência destes trabalhos e posterior meio
de ampliar a influência, não o grande fim.
SOCIALISMO
DO FUNCIONALISMO PÚBLICO
No Manifesto
Comunista, Marx e Engels tratam de diferentes tendências “socialistas” como o
socialismo burguês e o socialismo pequeno burguês. O desenvolvimento da
urbanidade e a política keynesiana no pós-II Guerra fizeram surgir uma imensa
massa de funcionários cujo patrão é o estado. Este setor esquerdizou-se com sua
ampliação numérica e a precarização das suas condições de trabalho. Assim surge
o socialismo do funcionalismo público.
A base
programática de tal setor é a defesa de um estado forte, empoderado, e o desejo
ao retorno do paradigma keynesiano na política econômica (ainda que use
terminologia marxista). Algumas de suas defesas são progressivas; apoiam e
focam pautas democráticas, levantam o “fora governo” quando este aparece como
dirigente indesejável, criticam o pagamento da dívida pública, centram críticas
aos bancos e defendem uma ampla estatização (que nada tem a ver diretamente com
socialismo, que é pela gestão operária das empresas, mas é positivo na medida
em que destrói a ideia de que é sagrada a propriedade privada capitalista). Tal
programa forma partidos pseudocomunistas, reformistas radicais e o centrismo
ultraesquerdista.
Em
determinadas circunstâncias, a base social descrita[2]
pode ser ganha para projetos reacionários ou mesmo fascistas que encarnam a
ideia de um aparelho estatal fortalecido. São, portanto, um setor médio sob
disputa, entre o operário e o burguês.
AS ELEIÇÕES
A eleição é
a oportunidade de falar para muitos, de fazer agitação política. No entanto, é
comum que partidos vermelhos sejam irresponsáveis no trato dessa tática. Por
desvio sindicalista ou por baixo peso social, é recorrente a presença dos
comunistas na eleição ser, no lugar de meio para ganhar audiência e simpatia, a
fonte de uma visão popular negativa como taxados de seitas, deslocados da
realidade ou folclóricos. A presença eleitoral acaba surtindo o efeito oposto
ao almejado. O erro tem pelo menos uma origem: não parecer reformista e eleitoreiro
perante a vanguarda radical; assim é produzido material de campanha para os
ativistas ou para agrado da própria corrente, para sentir-se revolucionário.
Numa
eleição, devemos aparecer como aqueles que mais levam a política a sério,
aqueles que apresentam propostas práticas segundo o realismo da conjuntura. Mas
o repetido desleixo estético, a linguagem do militantês, expressões
desequilibradas, o uso desnecessário do humor, a defesa de propostas mais
radicais possíveis etc. atrapalham o caminho ou isolam ainda mais a organização
(ao ponto de perder a noção do quanto é marginal e ser considerado caricatural
para a maioria). A rejeição indiferente das massas ocorre em grande medida por
erro de apresentação dos partidos comunistas.
O partido
revolucionário deve apresentar nas eleições um programa claro aos
trabalhadores, ou, ou melhor, dois, um segundo a conjuntura e um com mais peso
transicional. O que o seu governo fará durante o mandato? Aonde quer chegar em
30 anos de governo? Qual o plano? De onde virá o dinheiro necessário para
aplicar o programa? Quais e como as leis serão mudadas? Como garantir forçar o
congresso a aprovar nossas medidas? Os comunistas crescem se apresenta, por
exemplo, um livro com propostas práticas para todas as áreas e bem articuladas
(de novo, de onde virá o dinheiro). Devemos provar que somos aos mais capazes,
que conhecemos bem o país, que sabemos dos mecanismos de Estado etc. Os
projetos devem ter prazos, início, meio e fim – mesmo sendo quase impossível
sermos eleitos sob o capitalismo. No
socialismo, teremos de fazer o mesmo só que no próprio governo; por isso, desde
já devemos ter propostas, em diferentes níveis, e treinar a arte de governar,
ensaiar, aprender a analisar para derivar e elaborar propostas práticas. Quem
se limita ao sindicalismo perde logo na largada, não merecerá o poder.
SOBRE A
FORMAÇÃO DE QUADROS
Em várias
empresas, como nos call centers, uma gerência mais ou menos permanente tem a
noção geral do trabalho enquanto jovens da mais baixa patente são levados até ao
esgotamento após meses de labor, então são demitidos e substituídos por novos
trabalhadores. Algo semelhante ocorre em alguns partidos vermelhos. Uma velha
guarda tem a visão geral, dirigem os postos de comando, e jovens disciplinados são
usados até “quebrarem”, então são substituídos por uma nova leva de militantes
juvenis. É assim que quadros mais velhos mantém suas influências, poderes e
prestígios. O tarefismo e o praticismo imperam, exige-se mais do que pode ser
dado de modo equilibrado pela militância; assim, de modo artificial, o partido
parece mais forte do que de fato é (no movimento, nas finanças, etc.), mas
guarda dentro de si uma constante estagnação, quando não crises internas.
De um lado,
deve-se focar as poucas forças em poucas tarefas, setores e organismos (participar
de poucos, de preferência apenas um etc.) e, de outro, deve haver uma verdadeira
fixação constante pela formação de quadros capazes de levar para frente tarefas
práticas e teóricas. Nada impede, por exemplo, um manual bastante completo,
recheado com exemplos práticos, sobre gestão sindical. Aqui vale comparar com
as igrejas neopetencostais, pois elas formam seus “líderes de células” com
muito material gratuito, claro e de qualidade sobre oratória, organização etc.
Nos partidos de esquerda, na relação dirigentes e dirigidos ou entre militantes
e vanguarda sem partido, existe uma tendência ao desejo de ser insubstituível,
que se tenha dependência por certos quadros (que sem eles muitos trabalhos
militantes definham). É possível que militantes “espertos demais” – pensam de
forma autônoma, sabem elaborar política, discordam com propriedade – sejam
informalmente excluídos, boicotados ou expulsos.
PARTIDO COMO
ESCOLA
O partido
tem algo de organização militar, algo de estado, algo de empresa – e algo de
escola, neste caso, muito. De várias superestruturas. Os militantes assustam-se
ao saber que o partido Bolchevique fez um curso de formação que durou 4 meses…
Até aula de história da arte tiveram em tal período. Tanto do ponto de vista
prático quanto teórico, deve ser uma escola real. Além de atrair para si os
quadros mais capazes, deve-se formar os militantes inexperiêntes em altíssima
velocidade e qualidade. Toda facilitação deve ser produzida para isso.
SOBRE O
PERFIL DA JUVENTUDE PARTIDÁRIA
Os partidos
comunistas tendem a atrair jovens com perfil “paz e amor”. Trotsky orientou o
SWP americano para que seu jovens de classe média intelectualizada passassem 6
meses duros praticando o prático trabalho manual no campo, assim se reeducando.
Isso soa impensável hoje. No entanto, pode haver mediação: todo militante jovem
quadro e com certo tempo estável no partido deve aprender, três opções ao
indivíduo, alguma arte marcial realista, ou escoterismo e sobrevivencialismo,
ou praticar caça. É preciso reeducar jovens criados na democracia, na paz
social relativa e em ambiente pequeno burguês.
RELAÇÃO
PARASITÁRIA
Os
comunistas podem ser membros de um partido reformista por um curto período. Moreno
alerta que o tempo de presença em outra organização deve ser algo em torno de
três anos, mas a realidade pode forçar o adiamento da ruptura. Sobre, o
argumento do argentino é certeiro: passar muitos anos dentro de uma organização
de esquerda do sistema produz pressões ao perfil da corrente revolucionária e
vícios que podem se tornar incuráveis (centrismo, etc.).
Ocorre que
há correntes ditas revolucionárias que acabam se adaptando, focam em orbitar
outro partido. Deixam de preparar as condições de crescer e, em seguida, compor
um organismo independente. Passam a parasitar a organização reformista. Localizam-se
à esquerda da direção majoritária, mas sem uma estratégia de tensionamento que
produza uma positiva ruptura.
Na prática,
embora escondam até de si, abandonam a ousadia de formar um poderoso partido de
tipo bolchevique e conformam-se em ser uma pequena corrente “revolucionária”
longe de maiores pretensões.
A tática do
“entrismo”, compor por alguns anos outra organização, tem por objetivo ganhar
principalmente jovens radicalizados para, no segundo momento, já como partido
independente, focar com mais força no movimento operário. Mas o meio acaba se
tornando um fim, degenera-se.
O JORNAL DE
VANGUARDA
O
desenvolvimento da TV, algo muito recente na história, e, depois, da internet
tiraram do jornal impresso grande parte do espaço que tinha na sociedade.
Antes, mesmo com a concorrência do rádio, a esquerda conseguia ter um grande
público para sua impressa. Hoje, o jornal é, por enquanto, uma ferramenta para
uso dos militantes e da vanguarda em todo o mundo, em parte reflexo das mudanças
citadas. Quais alterações na realidade obrigam mudanças na comunicação partidária?
O critério de ter no começo bons jornais no lugar de muitos deve ser traduzido
em propostas e concepções de conjunto.
Em primeiro
lugar, a informação é de fácil acesso, mas não a verdade. A impressa socialista
precisa explicar a notícia no lugar de oferecê-la, por isso necessita mostrar
os nexos interno da realidade naquela ação em aparência isolada do governo, etc.
O leitor tem carência de lógica e fundamento, de saber o nexo causal dos fatos,
que a realidade faça sentido.
Em segundo,
os textos teóricos devem ser claros e, ao mesmo tempo, profundos o bastante. Os
artigos de formação devem ter o tamanho necessário para o aprendizado, mais do
quer dar “alguma noção” nevoenta sobre o assunto. Certos livretos introdutórios
podem ser lançados em forma de jornais especiais.
Em terceiro,
o tema da arte deve estar presente da forma popular e educativa. Poemas, imagem
de quadros ou esculturas e contos centrais da história podem ser acompanhados
de texto que explica o contexto histórico daquela obra. A educação estética é
necessária junto à divulgação das produções.
Em quarto, a
impressa na internet e, sempre que possível com ajuda de especialistas, o
jornal devem explicar as conquistas históricas da ciência e divulgar, de
maneira crítica, as vanguardas atuais do trabalho científico. À medida que um
partido comunista cresce, tende a atrair alguns intelectuais e sábios que podem
ajudar em tal tarefa em suas especialidades.
Em quinto, a
parte política central da imprensa deve evitar as propostas mais radicais ou de
transição quando a conjuntura ainda é imprópria. É preciso separar o que é
defesa programática geral para a vanguarda daquilo que é feito para que os
militantes agitem como exigências no movimento prático. O jornal deve guiar a
ação e torna-se defeituoso quando sua leitura deixa de guiar os debates
políticos onde se decide a ação. Se a impressa central é incapaz de ser um
guia, uma base para a prática, então deixa de cumprir sua função.
Em sexto, a
prática da militância deve ir a balanço no jornal. Por exemplo: uma greve
exemplar deve ser relatada para servir de bom exemplo e educação para os demais
militantes. Um importante processo que foi derrotado pela burocracia sindical
também deve ir a balanço público sobre o que os revolucionários fariam se
estivessem na direção daquele sindicato. Uma ação internacionalista destacável
pode servir de inspiração para os demais membros da organização.
Em sétimo,
deve-se apresentar o ponto de vista comunista daquilo que está na impressa, mas
deve-se, também, leva temas e assuntos boicotados pela mídia burguesa.
Mesmo um
jornal de massas pode ter uma regularidade semanal ou quinzenal, em vez de
diário, ao focar na qualidade das notícias e do material.
O CLUBISMO
Nahuel
Moreno foi um dos que observaram que os partidos tendem a degenerar em clubes.
Como o mundo é o cenário da brutalidade, quer-se evitar o problema vivendo
dentro da organização. Quanto é uma tendência forte, degenera o organismo
militante em uma seita apenas com aparência revolucionária. É difícil encontrar
um remédio para o problema. Ter a clareza de que é uma tendência comum ajuda na
precaução ao empurrar os organismos partidários para a ação efetiva, evitar
excesso de atividades internas artificiais, etc.
O PARTIDO EM
GRANDES PAÍSES
Em países
continentais – Brasil, China, EUA, Rússia, Índia –, as regionais ganham importância
para a dinâmica política dos partidos. É preciso que as direções de cada estado
(ou província ,etc.) elevem-se à posição de direções “nacionais” daquela
região. Assim como um partido internacional oferece certa autonomia aos
partidos nacionais para que aprendam e elevem-se, algo semelhante deve ser
feito em grandes países. A política geral para a nação deve ser separada dos
encaminhamentos que variam de local a local; uma política para eleição
municipal, por exemplo, pode seguir certa tática em uma cidade do sul e outra
completamente diferente em outra no nordeste.
As direções
regionais terão de fato que obter caráter de direção nacional – com eleição de
Comitê Central, etc. – com o acúmulo de experiência e influência social, isto
é, deverão ter a qualidade militante que um partido nacional exige. Isto era
impensável no partido Bolchevique porque, além de pequeno quando ilegal durante
o poder czarista, havia apenas duas grandes cidades na Rússia no início do
século XX; a urbanidade era também menor, relativo aos nossos dias, nos países
avançados.
CÉLULAS E
DITADURAS
Hoje, o
aparato repressivo é imensamente tecnológico – de potência especial numa
ditadura. A organização partidária deve ser, assim, também, de certo modo,
“digital”. Diante da repressão teremos, sim, comitês centrais e células
ligadas, ainda que indiretamente, é claro. Mas, de modo independente ou por
iniciativa do partido, deve-se formar células autônomas, desligadas, que
reivindicam o partido e seu programa – mas sem latro para serem descobertos.
Fazem ações por conta própria, dizem reivindicar sem ser do partido. Ficam em
dormência temporária para evitar repressão, espram o melhor momento etc. Apanho
isso da guerrilha moderna.
A ASSIM
CHAMADA CRISE DE DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA
No Manifesto
Comunista do século XX, o Programa de Transição, Trotsky afirma que a crise da
humanidade pode ser sintetizada pela crise da direção revolucionária do
proletariado. Quase 100 anos depois do início de tal “crise”, sua permanência
deve ser vista por nós como normalidade, como regra.
Vários
partidos trotskystas usam tal frase, que há uma crise de direção, como certo
mantra explicativo. Mas o normal é que os partidos revolucionários, por serem o
que são, sejam minoria, às vezes, por décadas no movimento de massas e nas
eleições. Apenas durante situações revolucionárias ou, com muitos acertos, nas
pré-revolucionárias, um partido antissistema pode ser de fato ouvido, ter
muitos militantes, ser ou quase ser maioria. É preciso uma dura crise econômica,
social e política para que a maior parte dos assalariados, em especial a classe
operária, veja os radicais como a real alternativa para a solução de seus
problemas. Se um partido dito comunista tem enorme peso social numa situação
não revolucionária, reacionária ou contrarrevolucionária há que se pergunta se
de fato é uma organização subversiva (caso dos PCs e PSs na Europa antes da
fase neoliberal, organizações centristas e reformistas).
O comum são
as organizações de fato vermelhas serem pequenas por muito tempo, no máximo com
certa influência sobre a vanguarda. A figura do burocrata sindical e partidário
ou do militante honesto e equivocado nos seus rumos impera por muitos anos,
talvez por décadas. Portanto, a janela de oportunidade dos partidos leninistas
é aberta em poucos períodos, no amadurecer de momentos decisivos; até lá, devem
aprender a ser minoria, tanto odiar quanto perceber a própria marginalidade e
construir as condições para fundar um partido marxista de massas. Porém ser
minoritário é diferente de ser marginal; um partido de vanguarda sólido ou com
influência minoritária nas massas pode ser consolidado nas mais variadas
conjunturas evitando a degeneração das correntes em seitas políticas.
O
TEATRALISMO MILITANTE[3]
Em especial
nos momentos de recuo das lutas, surge um hábito que corrói no subterrâneo um
partido leninista: a ação artificial, fictícia. Ocupa-se em demasia os
militantes com palestras ou “debates” que são desnecessários, não avançam a
compreensão geral da realidade, apenas marcam datas tradicionais e são
obrigatórios à militância.
A constância
de ações artificiais leva inconscientemente ao afastamento de militantes dos
partidos e da prática política. O exemplo ajuda a compreender o fenômeno.
Panfletar em frente a uma fábrica pode ser um ato de fundo inútil; se o
panfleto tem uma mensagem deslocada da conjuntura concreta, se não há
acompanhamento constante daquela empresa, se inexiste um projeto por detrás
daquela panfletagem, então a atitude “revolucionária” torna-se de fato limitada
quando não nula. Protestos de vanguarda podem ter a mesmo sentido enganoso,
tornando-se pseudoprotestos.
O
teatralismo tende a ser erro gerado por longo refluxo das lutas – situações não
revolucionárias, reacionárias, contrarrevolucionárias –, porém pode “fazer
escola” e permanecer mesmo em momentos de maior luta de classes como um vício
de rotina. Em geral, a existência em parte artificial da organização política
revela em tais atos.
Um trabalho
constante com finalidade clara, um curso profundo sobre um tema imprescindível,
etc. são necessidades para consolidar militantes. É uma necessidade tanto do
movimento revolucionário quanto da psique da sua vanguarda. Mover a militância
por marcha forçada de atividades tira o sentido da mais importante tarefa que
alguém pode assumir em nossa época e é uma forma de alienação.
A MORAL
MILITANTE
O partido
revolucionário deve ser um local respirável, diferente do ambiente de trabalho.
É preciso uma relação de camaradagem que permita a presença “desarmada” dos
militantes, onde o temor de manobras e jogos seja quase inexistente. Pode
acontecer uma “facilitação do caminho” por meio de todo tipo de agrados,
reposicionamento de militantes, artifícios psicológicos, etc. Esse tipo de
postura deve ser severamente evitado.
Peguemos
exemplos práticos. A direção pode por si escolher quem será os novos dirigentes
preparando militantes específicos; quando chega a hora de votar a nova direção,
os militantes apenas reafirmam, em um teatro de democracia partidária, a
composição dirigente escolhida pelos quadros antecipadamente; o correto seria a
base decidir desde o começo quem seria preparado para os cargos ou renovação
geracional. O que parece uma questão administrativa pura revela-se uma questão
também moral. Outro exemplo: dirigentes podem fazer constantes autocríticas, o
que é correto, para manobrar, para manter-se nos seus postos e evitar maior dureza
da base sobre a direção.
Temas como a
sinceridade, o respeito, a disciplina são tratados nos debates de moral; o que
pode faltar são as sinuosidades, as invisibilidades difíceis de acusar e
provar. Em geral, se os membros de um partido adotam uma moralidade porca,
muitas vezes disfarçada, é porque mudanças de fundo já ocorreram na organização
e se expressam na prática.
A moral,
tomada de modo dialético, passa longe de ser uma receita de conduta, mas há um
fim que a norteia nas variadas, até opostas, decisões: destruir a alienação. A
ação militante deve ter por base diminuir, ainda que por mediações, o grau de
alienação dos membros partidários, da classe trabalhadora e da sociedade. Todos
os militantes devem ter claro que esta é a tarefa central a partir da qual
elaboramos táticas e tomamos medidas desalienantes. Bons resultados em si
baseados em meios alienantes escondem na aparência uma derrota essencial.
O marxismo
é, entre outras coisas, uma concepção moral. A exploração é um conceito sociológico, objetivo, mas também é um
problema de moral, um tipo de imoralidade, alienação, domínio do homem sobre o
homem, um roubo, ainda que inevitável em certas épocas e circunstâncias.
É moral, por
exemplo, a concepção de que só é verdadeiramente marxista quem apoia, mesmo que
criticamente, apenas, e somente apenas, governos baseados em outro Estado,
socialista, com democracia de tipo soviética, direta e participativa. Quem
apoia governos “progressistas”, apenas “anti-imperialistas”, burocráticos
“vermelhos”, “socialistas” que não destroem o Estado burguês está numa posição
imoral – não é marxista, mas centrista, está entre a reformar e a revolução.
Para a causa
do fim da alienação social, é moral a disciplina militante, mesmo que moderada
e temperada pela conjuntura, e imoral o desleixo; é moral a liberdade de
defender posições dentro do partido, imoral impedir artificialmente a polêmica;
é moral mentir ao patrão para ganhar uma luta sindical, imoral mentir aos
trabalhadores para ganhar uma votação em assembleia. A moral, como parte do
meio para o fim da alienação, tem um recorte de classe.
A moral
comunista nunca é elaborada por fora, pelo mero pensar correto. É uma
necessidade objetiva da luta, nunca um valor em si mesmo ou um imperativo
categórico. Para isso, os militantes devem estar sob circunstâncias em que
precisem de tais posturas diante da vida. Mas isso não diminui a consideração
formal e a decisão na hora de seguir a moralidade, pois somos o tempo todo,
inconsciente e conscientemente, objetiva e subjetivamente, educados pelo
capitalismo para certa moral contra a qual devemos fazer uma contrapressão
consciente, constante e imperfeita.
Os
comunistas na direção de um sindicato, por exemplo, fazem uma festa para a
categoria, para a base, porque o capital falha em garantir o lazer, dificulta-o
em nome do lucro, logo tomamos a medida desalienante de fazer um encontro festivo,
por exemplo. O combate contra a alienação dá sentido real claro aos militantes
sobre a natureza de suas ações, como e por qual motivo agir.
A FORMAÇÃO
TEÓRICA
É uma
obviedade que a formação militante deve incluir uma sólida coluna teórica, mas
o desprezo pela teoria costuma ser uma constante inconsciente ou semiconsciente
nos partidos. Para fins de exemplo, uma equipe de dirigentes deve ser formada
por gente que alia estudo e prática, que supere a oposição que remete à
divisão, alienação, entre trabalho manual e intelectual; precisa ser critério
de balanço dos militantes se são responsáveis ou irresponsáveis para com o
estudo. Em grupos de direção intermediários, pode ser interessante agregar
aquele membro pouco especial em outras tarefas, mas que tem um domínio acima da
média da teoria e do raciocínio dialético (outro problema surge se militantes
de tal perfil tornam-se importante minoria, maioria ou dominem os órgãos
dirigentes).
De tal modo
costuma-se estar aquém do mínimo exigido aos quadros que poucos levam em conta que
uma formação sólida de dirigentes médios deve incluir um básico domínio da
ciência militar. O centrismo estalinista foi, repetidas vezes, mais ciente da
necessidade de dominar aspectos práticos da segurança e aspectos teóricos da
arte de combate; isso se dá em parte pela substituição da posição de classe por
uma interpretação geopolítica, lutas classistas por luta entre Estados, da
realidade[4] e
em parte pela ligação com as ditaduras nos Estados operários burocratizados no
século XX (que ofereciam treinamento, etc.). No trotskismo, raro ver-se a
publicação dos escritos militares completos de Trotsky, um dos maiores
dirigentes militares da história, e, apesar da origem da corrente no fundador
do Exército Vermelho, o tema da formação teórica militar é marginal, senão inexistente.
É preciso
evitar que um militante mais afeito ao assunto ou uma equipe passe a centralizar
o estudo militar. Como em todo partido revolucionário com algum peso social, há
infiltrados na organização ou monitoramento estatal e bastaria uma repressão
sobre militantes selecionados para quebrar a “coluna militar” do partido. Por
isso a solução é diluir tal responsabilidade de estudo entre todos os quadros
consolidados; será necessidade também da própria revolução. Todos os dirigentes
devem ter aprendizado obrigatório na arte da guerra.
***
Deve-se
evitar que um partido torne-se rotineiro grupo de debates intelectuais e, ao
mesmo tempo, também precisa ser a fonte de novos grandes pensadores, atrair e
formar as melhores mentes. A organização deve dar importantes e vitais aportes
às ciências humanas (se possível, igualmente nas ciências naturais) por meio de
pesquisas profundas e necessárias à própria compreensão da realidade, que é o
cenário da prática militante. Intelectuais orgânicos, acadêmicos, integrantes
quadros devem ter a responsabilidade de investigar o que interessa à plena
compreensão do mundo. É necessário fazer um contraponto à degeneração
científica (pós-modernismo, positivismo, pesquisas fictícias, etc.) das
universidades.[5]
MILITÂNCIA E
CINISMO
Na grande
obra “O Homem que amava os cachorros” de Leonardo Padura, a narrativa demonstra
o processo de transformação de um revolucionário em um cínico, embora negue
isso a si próprio, caso do assassino de Trotsky, Ramón Mercader. No caso da
personagem, percebeu que seus dirigentes eram oportunistas, mas, se rompesse
com eles, passaria, no mínimo, por sérias dificuldades – então preferia uma
“alucinação negativa” ao desconsiderar para si tal conclusão. Esse foi o caso de grandes dirigentes do
partido Bolchevique quando este degenerou sob liderança de Stalin. Apesar de
suas críticas duras e corretas, vários quadros recuaram, até pedindo perdão por
seus “erros”, para evitar o isolamento social e político, para manter sua
renda, para não morrer, para evitar o exílio. Não é incomum, ainda hoje, o
cinismo tomar conta dos militantes de origem socialista. O antigo e degenerado
PCB, tinha a cultura de isolar, senão punir, certos ex-militantes, fazendo
estes sofrerem pesadamente no ostracismo ou mesmo recuarem pedindo “perdão”,
por meio da proibição de sequer falar com aquele membro expulso. Isso faz parte
da tradição estalinista. Quem, por outro lado passou pelo peso de fatos como
isolamento, fará de tudo para se adaptar, no lugar de aceitar um novo
ostracismo advindo de posições corretas; quem bebeu o primeiro café com açúcar,
nuca mais aceitou seu gosto puro amargo. Ocorre o mesmo que as seitas
religiosas com táticas de manipulação para dar vida a um militante cínico,
teatralmente comunista, como o pastor degenerado decora toda a bíblia e vive um
personagem público.
A NECESSÁRIA
OUSADIA
A queda do
socialismo real teve um impacto poderoso sobre a subjetividade dos velhos e
novos revolucionários. Os antigos militantes eram ousados, tinham altíssimo
espírito de sacrifício, pensavam enormemente, era muito mais natural uma
disciplina férrea. Não tem sido assim com as gerações atuais. A rotina
sindical, o teatralismo do radicalismo, etc. tomam conta da militância.
Acreditam na possibilidade e na necessidade socialista, porém não tanto nem tão
rápido… Assim, faltam-nos grandes líderes como se o tempo dos heróis, das
conspirações, das perseguições, etc. fossem coisa de um passado recente
findado, de uma barbárie que foi superada pela civilização (pela democracia,
etc.). Até a produção teórica decai em elaborações apenas parciais, não
qualitativas.
Para
resolver isso, ajuda tomar consciência de tal psicologismo e treinar-se para a
ousadia, para a grandeza, para um tipo de megalomania racional. É necessário
pensar, agir e sonhar grandemente. Mas isso somente será resolvido de todo com
grandes exemplos de revoluções vitoriosas e a própria pressão das
circunstâncias (ditaduras, etc.).
CALIBRAÇÃO
DA POLÍTICA
É comum que
uma corrente elabore política para melhor se localizar, para se diferenciar,
quando o certo seria elaborar uma política segundo a conjuntura, nem mais nem
menos. Isso é comum no Brasil: as
pequenas correntes trotskistas, para justificar a própria existência, elaboram
políticas mais radicais do que a do centrista PSTU, que por sua vez costuma
elaborar políticas ultraesquerdistas. Eles dobram a aposta independente das
circunstancias, são mais radicais do que os radicais oportunistas. Mas elaboramos
propostas para atrair as massas, não os ativistas. Às vezes, os oportunistas de
direita e de esquerda desafiam os revolucionários a tomar medidas mais radicais
que as corretas. Um golpista pode provocar a esquerda para ire às ruas em
protesto axato para justificar seu golpe de Estado (isso ocorreu, por exemplo,
na França de Luís Bonaparte e na revolução dos cravos em Portugal). Na Bolívia,
o reformismo da direção da COB propôs um partido dos trabalhadores ligado ao
grande sindicato; os revolucionários deveriam dizer: não façamos isso, não agora;
esperemos uma dura crise e a desmoralização do MAS para fundar um partido novo,
senão sairá um aborto e então teremos dificuldades posteriores de realmente
fundar um partido nosso; provavelmente, o oportunismo quer realmente queimar a
possibilidade de no futuro criar tal partido. Às vezes, é preciso recuar, adiar
ou esperar para a madurecer as condições necessárias.
PARTIDO:
MÁQUINA OU ORGANISMO?
Aqui,
reforçamos a sensibilidade não conceituada de Moreno. Trata-se o partido como
certo maquinismo em que a disciplina é total a qualquer instante, levando ao
esgotamento de quadros e um tamanho artificial, que produz crises, necessitante
de uma euforia militante permanente, tarefismo, para manter o peso social,
sindical etc. A tarefa do partido é considerar o militante um ser humano, não
máquina ou peça de uma. Se uma célula, por combinação de indivíduos, pode
render no máximo 30%, então este é seu 100% real. Claro, deve-se fazer campanha
permanente pela disciplina – mas o risco é passar do ponto, de estressar o
partido mais do que o saudável. O partido é um organismo vivo, não uma coisa ou
fetiche. Ao elaborar política, por exemplo, devemos ter em conta, no cálculo de
conjuntura, a situação de nossa organização, o moral dos nossos soldados etc.
Não os pensar como totalmente disponíveis e capacitados haja o que houver. O
combate contra a alienação tem disso: ver a humanidade, a imperfeição, os
talentos, as vocações etc. dos membros. Gente excepcional é excepcional, exceção.
Alguns grupos e indivíduos dentro do partido renderão mais outros menos, em
situações diferentes.
A HORA DO
TROTSKYSMO?
Muitos
trotskystas pensaram que a queda do chamado socialismo real e as revoluções
antirregime no Leste Europeu abriram caminho para o trotskysmo. Uma derrota
prevista por Trotsky, a restauração do capitalismo, pesou e pesa de modo
negativo entre as massas, mas dá certa razão histórica entre a vanguarda. A
situação seria diferente se as lutas antiburocráticas, que derrubaram o aparato
estalinista, desemborcassem em novos Estados operários revolucionários, com
democracia socialista. Não foi o caso. A pergunta é, então, se pelo menos se
abriu a época dos verdadeiros leninistas.
As
revoluções socialistas da segunda metade do século XX foram camponesas enquanto
o trotskysmo tem seu programa ligado ao movimento operário. Hoje, porém, as
revoluções podem ter liderança operária, em principal as primeiras, mas tendem
também a ter peso popular urbano. Isso significa que ou os trotskistas atualizam
seus programas ou perderão a oportunidade histórica. Se lhes faltar uma
compreensão correta de nossa época, a prática será limitada.
Surgiram em
quase todos os países com alguma real importância pequenos partidos que se
reivindicam trotskistas. Mas há um problema acumulado em silêncio: desde a
década de 1990, houve um recuo das lutas e da força ideológica do socialismo,
então os partidos passaram por períodos mais ou menos reacionários que levaram
as organizações à rotina, ao defensismo, ao abandono da teoria[6] e
à marginalidade. Isso cobra um preço. Quando as crises mundiais começam a
balançar o sistema, os partidários oficiais do comunismo encontram-se educados
em outro espírito e adquiriram inúmeros vícios. A ave acostumada a voos rasos é
incapaz de alcançar grandes alturas. Os partidos vermelhos, portanto, deverão
estar dispostos a duras reformas internas e, talvez em muitos casos, suportar
rupturas. Neste sentido, o terreno, as
conjunturas, e a crise sistêmica pressionarão de modo positivo pela
autorrenovação do bolchevismo.
Para fins de
duro debate programático, campanhas internacionais conjuntas, tarefas unitárias
em alguns países (como, por exemplo, a formação de um partido trabalhista e
popular nos EUA); os principais partidos internacionais trotskystas – LIT, TMI,
ASI –, que adotam o centralismo democrático e se diferenciam da degenerada SU,
podem formar uma federação de internacionais, uma frente única revolucionária internacional
a partir de certo programa mínimo revolucionário. Tal unidade deve deixar claro
que não é a IV Internacional reconstruída, que é respeitada a independência das
diferentes correntes, com a autoconstrução enquanto meta legítima, e que uma
unificação só poderá surgir após a tomada revolucionária do poder em algum
país.
[1]
Façamos breve debate lateral. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx
afirma: "O comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro
imediato, mas o comunismo não constitui em si mesmo o objetivo da evolução
humana – a forma da sociedade humana."
[2] O
operário da empresa estatal pendula entre a concepção proletária e a do
funcionalismo.
[3] A
primeira a observar tal fenômeno foi, se bem recordamos, Maria Rita Kehl.
Infelizmente, não reencontramos a entrevista aonde ela defende tal ideia. Tal
registro visa evitar acusação de plágio.
[4]
O erro oposto, desconsiderar o peso da geopolítica na análise, também ocorre.
[5]
Tal consideração foi feita, em primeiro, pelo marxista Santiago Marimbondo de
modo informal.
[6]
Cumpre destacar que a teoria permite também aprender com o exemplo alheio,
dispensando ter de passar por longuíssimas experiências para acertar. A prática
completa o ensinamento, mas aprender com o outro, com a história do movimento
socialista, dispensa começar tudo quase do zero; é o sinal mínimo de sabedoria
necessária.
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