domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 26 - REFLEXÕES SOBRE O PARTIDO COMUNISTA

 

REFLEXÕES SOBRE O PARTIDO COMUNISTA

 

Reconhecer francamente os erros, pôr a nu as suas causas, analisar a situação que os originou e discutir cuidadosamente os meios de corrigi-los é o que caracteriza um partido sério.

(Lenin V. , 2020)

 

As observações abaixo partem das características gerais dos partidos comunistas em nossa conjuntura: organizações de vanguarda, inexperientes, de baixo peso operário e sob democracias burguesas decadentes. Os problemas levantados aqui tenderão a permanecer nos organismos citados mesmo com mudanças desde 2008, pois as superestruturas são conservadoras. Feita a apreciação, avancemos.

 

O PERFIL MILITANTE

É comum que os membros dos partidos comunistas sejam os melhores lutadores nos movimentos sociais. Mas isso faz deles apenas os mais dedicados, o melhores dentro dos limites da luta de classes sob o capital.

O partido revolucionário, enquanto não é de massas, deve ter membros acima dos postos de meros soldados, todos devem ser capacitados oficiais. A organização precisa estar pronta para crescer de um perfil de vanguarda para, por saltos e em curtíssimo período, aglutinar dezenas de milhares de militantes de base.

O marxismo militante deve formar, portanto, verdadeiros estadistas, pois é isso que serão caso a revolução seja vitoriosa, caso os partidos vermelhos sejam dignos da tarefa histórica. Dirigir sindicatos ajuda em certos aspectos na educação política prática, na arte de gestão. Mas é limitadíssimo. Apenas com educação teórica profunda os quadros partidários serão mais do que simples radicais de esquerda.

O instinto de poder do partido deve formar dirigentes estatais em potencial, gente capaz de pensar grande, profunda e estrategicamente. O poder operário não se consolidará dirigido por gente incapaz.

 

A VALIDADE DOS PARTIDOS COMUNISTAS

Há três formas de o partido revolucionário desaparecer:

1)  Ser destruído por repressão;

2)  Degenerar numa caricatura centrista de si;

3)  Dissolver-se na sociedade socialista.

A organização, sendo o organismo antissistema dentro do capitalismo, surge e desenvolve-se a partir de uma dada base material. Mudanças de conjuntura, de situação, mudam em geral apenas relativamente a natureza do partido. Mas, ao contrário, mudanças qualitativas do tecido social ou da etapa (se revolucionária ou contrarrevolucionária), tende a mudar, com algum atraso, o perfil do organismo, da superestrutura partidária.

Isso significa que todo partido revolucionário tem data de validade. Pode durar muitos anos ou até décadas com a mesma natureza, mas a realidade mutante é maior e determina o destino da organização. Serve-nos um exemplo. O Partido Bolchevique e os PCs da III Internacional degeneram com o fim da situação e da etapa revolucionárias, na passagem para uma situação-etapa contrarrevolucionária mundial.

 

OS FUNCIONÁRIOS SINDICAIS, PARLAMENTARES E PARTIDÁRIOS

Ao discutir a degeneração da II Internacional, destaca-se o peso dos parlamentares no perfil reformista e centrista. A questão fica muito mais clara quando levamos em conta que boa parte dos militantes e quadros dos partidos socialdemocratas era funcionários nos sindicatos e nos mandatos dos representantes no parlamento burguês. Por isso medidas formais devem ser tomadas contra a pressão daqueles que precisam de peso sindical e parlamentar para sua própria sobrevivência.

Os militantes que têm empregos nos sindicatos, por exemplo, devem passar por aspirância, com deveres e sem diretos, por pelo menos três anos, a contar a partir do momento em que adquirem o cargo (jornalistas, advogados, economistas, vigias etc.). E quando forem aceitos como militantes plenos, fica proibido: ser dirigente político de células, ter cargos acima do comitê zonal (nunca de dirigente político), votar ou ser votado como representante nos congressos e conferências, participar de tendências ou frações. São medidas que diminuem a pressão externa dos aparatos, que até de modo inconsciente afetam a postura de tais membros. A degeneração de tantas organizações obriga regras duras por permanente precaução.

Algo semelhante ocorre com os profissionais dos partidos, pois podem se alinhar internamente com aqueles que mantêm seus empregos. Um profissional do partido com cargo abaixo do comitê regional e que não seja profissional do partido para fins de direção política etc., mas tarefas burocráticas (vigia, atendimento etc.), está proibido de ser dirigente político, de votar ou ser votado em conferencias e congressos ou de participar de lutas em tendências e frações.

Tais medidas não impedem a degeneração, mas são necessárias e demoramos muito para perceber o quão importantes são.

 

GARANTIAS DA DEMOCRACIA PARTIDÁRIA

Temos de formar medidas estatuárias que garantam certo grau de tensão interna saudável, que pese contra a dependência de um quadro em particular ou de um grupo.

Os birôs político e organizativo do comitê central devem ter um tempo máximo de permanência nas mãos de certo dirigente e tempo mínimo de sua ausência no cargo. Assim evitamos a excessiva especialização ou a formação unilateral de insubstituíveis.

A luta fracional deve garantir 20% dos cargos à fração derrotada que tenha alcançado pelo menos 30% dos votos congressuais com os membros escolhidos pela fração vencedora. Pode-se garantir no máximo 30% dos cargos a mais de uma fração derrotada. Assim, se uma fração consegue 40% dos votos e ganha a maioria, fica com 70% dos cargos; se outras duas frações conseguiram cada uma 30%, somando 60%, terão direito cada qual a 15% dos membros eleitos.

Esta postura, que pode ser informal, uma boa diplomacia da fração majoritária, melhor uso tem se é formalizada como mecanismo da legalidade do partido.

 

A PROLETARIZAÇÃO

Em debate com o SWP americano, Trotsky orientou que os muitos jovens daquele partido fossem girados para apoio ao movimento operário. Tal proposta pode ter a forma permanente de células de proletarização nos partidos: uma parte da juventude e dos assalariados não operários das organizações formarem organismos de base cujas tarefas centrais são marcar presença constante em determinadas fábricas, ajudar as oposições sindicais proletárias, trabalhar voluntariamente nos sindicatos fabris, etc. Tão logo uma organização consolide uma certa quantidade de membros da classe média em seu seio, o que é em si fonte de contradição, deve-se fundar tais grupos para potencializar o trabalho na principal classe da sociedade. Algo semelhante pode ser feito em trabalhos sobre setores populares muito precários como o movimento de ocupação urbana. Um grupo revolucionário deve ser formado por proletários não aristocráticos e assalariados precários em sua maioria e especialmente na direção, por isso tal giro faz-se necessário.

 

OS PROFISSIONAIS

Os profissionais do partido devem ter tarefas bastante claras e seus salários deve ser próximo ao da média salarial do país. O critério da renda faz diferença, pois apenas morando e vivendo como um trabalhador não aristocrático o militante pode sentir as mesmas dores de sua classe e ter a necessidade de revolucionar o mundo. Um salário avantajado desregula por diferentes meios seu caráter militante. O fato de dedicar-se a um emprego que dá imenso mais prazer, apesar das dificuldades, do que o emprego comum, o fato de estar em um “serviço” não alienado, deve ser um bom estímulo para aceitar ganhar menos do que sua capacidade no “mercado de trabalho”. Como deve ser quase lei interna que os profissionalizados tenham origem no movimento operário, deixa de ser um problema a questão salarial, diferente de se tentar dar tal posição a alguém de origem na classe média bem paga. Naqueles partidos onde esta regra é evitada, deve-se fazer uma transição como congelar e reduzir aos poucos a renda desses quadros, o que fará sobrar finanças para mais profissionais da revolução.

É muito comum que os membros de classe média destaquem-se nos partidos ditos operários. Um funcionário público, por exemplo, pode ter estabilidade empregatícia, maior tempo livre, menos desgaste no trabalho, mais cultura e mais recursos. Logo torna-se um quadro dirigente, contaminando com seu perfil a organização e sua direção. A profissionalização prioritária de membros advindos dos meios proletários visa dar condições para seu pleno desenvolvimento e a formação de verdadeiros partidos da classe revolucionária.

Evitemos também o debate fácil sobre o tema. Nesse limite, alguns defendem que a profissionalização deve ser cancelada após alguns anos para evitar carreirismos. A questão é que quadros capazes demoram a se formar, por isso, se voltam aos trabalhos não partidários depois de anos de dedicação militante, nós na prática perdemos e desperdiçamos potencial militante. Ademais, após longos anos trabalhando para o partido e para a revolução, dificilmente encontrarão emprego regular. Devemos manter financeiramente, mas com salários baixos e sob controle dos organismos partidários, uma camada de profissionais que acumularam capacidades práticas e teóricas. O carreirismo é devidamente evitado com o assalariamento limitado.

 

O PARTIDO LENINISTA COMO O MEIO

É um erro considerar, como faz Moreno, a construção do partido como estratégia, pois é o meio para um fim. Esta diferença, que parece desnecessária ou trivial à primeira vista, ganha importância prática quando observada mais de perto.

Façamos antes um debate lógico, mais abstrato. O meio é o meio específico de um fim e este é também daquele, fim específico do meio – para um fim, nem todo meio é válido (Trotsky, 16. Interdependência Dialética Entre Fins e Meios, 2002). Há unidade de fim e meio (Hegel). Eis uma primeira consideração da relação entre as duas categorias. Ademais, o fim não está somente em algo como apenas no final mas vai-se realizando no processo; ir-se realizando rumo a si mesmo é o mais próximo que temos de uma teleologia objetiva – unidade de fim e meio, desenvolvimento que dispensa a necessidade de uma consciência maior, um Espírito ou um Deus[1].

Há ainda outra consideração: o meio pode, por assim dizer, degenerar em fim em si mesmo. O dinheiro, por exemplo, avança de puro mediador, meio de troca, para o centro da atividade. Algo semelhante pode ocorrer nos partidos: a autoconstrução passa de meio da estratégia para ser algo em si próprio, em um falso hiperleninismo. Eis um perigo real. Um exemplo deixará mais cristalino: no lugar de elaborar política de modo objetivo, para avançar alguns passos ao socialismo, a organização partidária pode agitar propostas erradas, segundo a conjuntura, que atraiam de modo artificial a vanguarda porque são as mais radicais, porque se diferenciam das demais correntes, etc.

 

DIREÇÃO E CRESCIMENTOS

Ao ser expulso do PCB, o marxista Jones Manuel fez uma acusação esclarecedora: seu partido cresceu muito, mas a direção partidária odiou tal fato. Passei pelo mesmo processo na regional do PSTU no Piauí, que saltou de 13 para 80 militantes dado acertos vitais, antes de decair para a órbita do número anterior mais uma vez. Por que tais direções rejeitam o crescimento do próprio partido, por que operam boicotes internos? Os motivos são estes: 1) dá-lhes mais obrigações, mais trabalho; 2) exige mais democracia, menor concentração de poder; 3) exige renovação da direção, cargos que lhes garante prestígio e privilégio etc. De modo muito consciente, com doses de inconsciência, as velhas guardas partidárias boicotam o crescimento partidário, fazem do partido um clube; muitas vezes, apostam em manobras de todo tipo para operar tal amputação interna. Assim, imensamente difícil resolver tal problema – que deve obrigatoriamente ser resolvido – sem duras lutas ou rupturas.

 

 A QUESTÃO DO DIRIGENTE

Percebemos um padrão sobre a direção geral das Internacionais: os dirigentes mais respeitados atuavam como força objetiva no retardo da quebra ou degeneração de suas organizações. A II Internacional avança sua adaptação ao regime democrático burguês após a morte de Engels; o partido bolchevique e a III Internacional saltam suas degenerações com a morte de Lenin; a IV internacional quebra-se com a morte de Trotsky; a LIT e o partido MAIS na Argentina, que havia alcançado influência de massas, quebram-se depois da morte de Nahuel Moreno.

Como afirmamos anteriormente, as mudanças qualitativas da realidade mudam com atraso o perfil das organizações. Mas a superestrutura subjetiva, como grandes líderes revolucionários, tornam-se forças que também interferem no ritmo das mudanças.

A formação de grandes líderes leva décadas e muitos se afastam da militância, são presos ou morrem. Uma “seleção natural” vai consolidando alguns militantes raros, de grande estatura. Apenas a democracia partidária, com uma sólida formação prática e teórica, permite reorganizar as tarefas e errar menos diante da falta repentina de algum “insubstituível”. A mera consciência do problema do dirigente central ajuda a pensar precauções, como preparar uma nova coluna de quadros de modo antecipado, organizar rupturas diante de degenerações qualitativas, etc.

 

O COMPROMISSO MILITANTE

Deve ser estatutário que, para ser membro do partido, é obrigatório o compromisso de apoiar apenas o governo baseado na democracia socialista, que surja da destruição revolucionária do antigo estado. Nenhum governo “progressivo”, “nacional”, “anti-imperialista”, “popular”, “esquerdista” ou “socialista” por meio da suposta renovação do estado burguês deve ser apoiado, mesmo que criticamente, por qualquer membro partidário, interna ou publicamente. Esta é uma das condições vitais para ser considerado parte da organização revolucionária, deve ser do acordo mínimo de militância.

 

A QUESTÃO SINDICAL

Pequenas organizações podem degenerar em seitas, em clubes, em casas de intelectuais. Mas há também o risco mais subterrâneo de transformar-se em partidos sindicais.

É debate comum no meio militante que a ação eleitoral é algo tático, ainda que tenha de ser lavado muito a sério. Esquece-se, no entanto, que a atuação nos sindicatos é também do nível da tática militante. Os sindicatos produzem uma pressão enorme sobre as organizações como duplo peso: de um lado, dá base para a radicalidade e, de outro, prende a militância aos limites da reforma, aos limites burgueses, nas lutas parciais. Surge aí a condição para a formação de partidos centristas, que estão entre a reforma e a revolução, entre o reformismo e o bolchevismo.

O sindicalismo vermelho ou radical esquece que os sindicatos são organizações defensivas e burocratizadas, por isso serão superestruturas secundárias durante situações revolucionárias na maioria dos casos, senão em todos. Dificilmente, por conservadorismo organizacional, os revolucionários serão maioria nos aparelhos sindicais quando chegar a hora mais perigosa e decisiva. O foco perante revoluções girará para ganhar maioria nos soviets, comitês fábrica, assembleias de bairros, isto é, nos embriões de poder operário e popular.

Pequenos partidos revolucionários devem ter alguma influência sobre a vanguarda, ter trabalhos poucos e concentrados em determinadas fábricas, categorias e bairros operários. O mais importante é adquirir alguma influência social em bastiões, que possam irradiar-se em momentos oportunos de grandes lutas de classes. Ganhar sindicatos deve ser uma consequência destes trabalhos e posterior meio de ampliar a influência, não o grande fim.

 

SOCIALISMO DO FUNCIONALISMO PÚBLICO

No Manifesto Comunista, Marx e Engels tratam de diferentes tendências “socialistas” como o socialismo burguês e o socialismo pequeno burguês. O desenvolvimento da urbanidade e a política keynesiana no pós-II Guerra fizeram surgir uma imensa massa de funcionários cujo patrão é o estado. Este setor esquerdizou-se com sua ampliação numérica e a precarização das suas condições de trabalho. Assim surge o socialismo do funcionalismo público.

A base programática de tal setor é a defesa de um estado forte, empoderado, e o desejo ao retorno do paradigma keynesiano na política econômica (ainda que use terminologia marxista). Algumas de suas defesas são progressivas; apoiam e focam pautas democráticas, levantam o “fora governo” quando este aparece como dirigente indesejável, criticam o pagamento da dívida pública, centram críticas aos bancos e defendem uma ampla estatização (que nada tem a ver diretamente com socialismo, que é pela gestão operária das empresas, mas é positivo na medida em que destrói a ideia de que é sagrada a propriedade privada capitalista). Tal programa forma partidos pseudocomunistas, reformistas radicais e o centrismo ultraesquerdista. 

Em determinadas circunstâncias, a base social descrita[2] pode ser ganha para projetos reacionários ou mesmo fascistas que encarnam a ideia de um aparelho estatal fortalecido. São, portanto, um setor médio sob disputa, entre o operário e o burguês.

 

AS ELEIÇÕES

A eleição é a oportunidade de falar para muitos, de fazer agitação política. No entanto, é comum que partidos vermelhos sejam irresponsáveis no trato dessa tática. Por desvio sindicalista ou por baixo peso social, é recorrente a presença dos comunistas na eleição ser, no lugar de meio para ganhar audiência e simpatia, a fonte de uma visão popular negativa como taxados de seitas, deslocados da realidade ou folclóricos. A presença eleitoral acaba surtindo o efeito oposto ao almejado. O erro tem pelo menos uma origem: não parecer reformista e eleitoreiro perante a vanguarda radical; assim é produzido material de campanha para os ativistas ou para agrado da própria corrente, para sentir-se revolucionário.

Numa eleição, devemos aparecer como aqueles que mais levam a política a sério, aqueles que apresentam propostas práticas segundo o realismo da conjuntura. Mas o repetido desleixo estético, a linguagem do militantês, expressões desequilibradas, o uso desnecessário do humor, a defesa de propostas mais radicais possíveis etc. atrapalham o caminho ou isolam ainda mais a organização (ao ponto de perder a noção do quanto é marginal e ser considerado caricatural para a maioria). A rejeição indiferente das massas ocorre em grande medida por erro de apresentação dos partidos comunistas.

O partido revolucionário deve apresentar nas eleições um programa claro aos trabalhadores, ou, ou melhor, dois, um segundo a conjuntura e um com mais peso transicional. O que o seu governo fará durante o mandato? Aonde quer chegar em 30 anos de governo? Qual o plano? De onde virá o dinheiro necessário para aplicar o programa? Quais e como as leis serão mudadas? Como garantir forçar o congresso a aprovar nossas medidas? Os comunistas crescem se apresenta, por exemplo, um livro com propostas práticas para todas as áreas e bem articuladas (de novo, de onde virá o dinheiro). Devemos provar que somos aos mais capazes, que conhecemos bem o país, que sabemos dos mecanismos de Estado etc. Os projetos devem ter prazos, início, meio e fim – mesmo sendo quase impossível sermos eleitos sob o capitalismo.  No socialismo, teremos de fazer o mesmo só que no próprio governo; por isso, desde já devemos ter propostas, em diferentes níveis, e treinar a arte de governar, ensaiar, aprender a analisar para derivar e elaborar propostas práticas. Quem se limita ao sindicalismo perde logo na largada, não merecerá o poder.

 

SOBRE A FORMAÇÃO DE QUADROS

Em várias empresas, como nos call centers, uma gerência mais ou menos permanente tem a noção geral do trabalho enquanto jovens da mais baixa patente são levados até ao esgotamento após meses de labor, então são demitidos e substituídos por novos trabalhadores. Algo semelhante ocorre em alguns partidos vermelhos. Uma velha guarda tem a visão geral, dirigem os postos de comando, e jovens disciplinados são usados até “quebrarem”, então são substituídos por uma nova leva de militantes juvenis. É assim que quadros mais velhos mantém suas influências, poderes e prestígios. O tarefismo e o praticismo imperam, exige-se mais do que pode ser dado de modo equilibrado pela militância; assim, de modo artificial, o partido parece mais forte do que de fato é (no movimento, nas finanças, etc.), mas guarda dentro de si uma constante estagnação, quando não crises internas.

De um lado, deve-se focar as poucas forças em poucas tarefas, setores e organismos (participar de poucos, de preferência apenas um etc.) e, de outro, deve haver uma verdadeira fixação constante pela formação de quadros capazes de levar para frente tarefas práticas e teóricas. Nada impede, por exemplo, um manual bastante completo, recheado com exemplos práticos, sobre gestão sindical. Aqui vale comparar com as igrejas neopetencostais, pois elas formam seus “líderes de células” com muito material gratuito, claro e de qualidade sobre oratória, organização etc. Nos partidos de esquerda, na relação dirigentes e dirigidos ou entre militantes e vanguarda sem partido, existe uma tendência ao desejo de ser insubstituível, que se tenha dependência por certos quadros (que sem eles muitos trabalhos militantes definham). É possível que militantes “espertos demais” – pensam de forma autônoma, sabem elaborar política, discordam com propriedade – sejam informalmente excluídos, boicotados ou expulsos.

 

PARTIDO COMO ESCOLA

O partido tem algo de organização militar, algo de estado, algo de empresa – e algo de escola, neste caso, muito. De várias superestruturas. Os militantes assustam-se ao saber que o partido Bolchevique fez um curso de formação que durou 4 meses… Até aula de história da arte tiveram em tal período. Tanto do ponto de vista prático quanto teórico, deve ser uma escola real. Além de atrair para si os quadros mais capazes, deve-se formar os militantes inexperiêntes em altíssima velocidade e qualidade. Toda facilitação deve ser produzida para isso.

 

 

 

SOBRE O PERFIL DA JUVENTUDE PARTIDÁRIA

Os partidos comunistas tendem a atrair jovens com perfil “paz e amor”. Trotsky orientou o SWP americano para que seu jovens de classe média intelectualizada passassem 6 meses duros praticando o prático trabalho manual no campo, assim se reeducando. Isso soa impensável hoje. No entanto, pode haver mediação: todo militante jovem quadro e com certo tempo estável no partido deve aprender, três opções ao indivíduo, alguma arte marcial realista, ou escoterismo e sobrevivencialismo, ou praticar caça. É preciso reeducar jovens criados na democracia, na paz social relativa e em ambiente pequeno burguês.

 

RELAÇÃO PARASITÁRIA

Os comunistas podem ser membros de um partido reformista por um curto período. Moreno alerta que o tempo de presença em outra organização deve ser algo em torno de três anos, mas a realidade pode forçar o adiamento da ruptura. Sobre, o argumento do argentino é certeiro: passar muitos anos dentro de uma organização de esquerda do sistema produz pressões ao perfil da corrente revolucionária e vícios que podem se tornar incuráveis (centrismo, etc.).

Ocorre que há correntes ditas revolucionárias que acabam se adaptando, focam em orbitar outro partido. Deixam de preparar as condições de crescer e, em seguida, compor um organismo independente. Passam a parasitar a organização reformista. Localizam-se à esquerda da direção majoritária, mas sem uma estratégia de tensionamento que produza uma positiva ruptura.

Na prática, embora escondam até de si, abandonam a ousadia de formar um poderoso partido de tipo bolchevique e conformam-se em ser uma pequena corrente “revolucionária” longe de maiores pretensões.

A tática do “entrismo”, compor por alguns anos outra organização, tem por objetivo ganhar principalmente jovens radicalizados para, no segundo momento, já como partido independente, focar com mais força no movimento operário. Mas o meio acaba se tornando um fim, degenera-se.

 

O JORNAL DE VANGUARDA

O desenvolvimento da TV, algo muito recente na história, e, depois, da internet tiraram do jornal impresso grande parte do espaço que tinha na sociedade. Antes, mesmo com a concorrência do rádio, a esquerda conseguia ter um grande público para sua impressa. Hoje, o jornal é, por enquanto, uma ferramenta para uso dos militantes e da vanguarda em todo o mundo, em parte reflexo das mudanças citadas. Quais alterações na realidade obrigam mudanças na comunicação partidária? O critério de ter no começo bons jornais no lugar de muitos deve ser traduzido em propostas e concepções de conjunto.

Em primeiro lugar, a informação é de fácil acesso, mas não a verdade. A impressa socialista precisa explicar a notícia no lugar de oferecê-la, por isso necessita mostrar os nexos interno da realidade naquela ação em aparência isolada do governo, etc. O leitor tem carência de lógica e fundamento, de saber o nexo causal dos fatos, que a realidade faça sentido.

Em segundo, os textos teóricos devem ser claros e, ao mesmo tempo, profundos o bastante. Os artigos de formação devem ter o tamanho necessário para o aprendizado, mais do quer dar “alguma noção” nevoenta sobre o assunto. Certos livretos introdutórios podem ser lançados em forma de jornais especiais.

Em terceiro, o tema da arte deve estar presente da forma popular e educativa. Poemas, imagem de quadros ou esculturas e contos centrais da história podem ser acompanhados de texto que explica o contexto histórico daquela obra. A educação estética é necessária junto à divulgação das produções.

Em quarto, a impressa na internet e, sempre que possível com ajuda de especialistas, o jornal devem explicar as conquistas históricas da ciência e divulgar, de maneira crítica, as vanguardas atuais do trabalho científico. À medida que um partido comunista cresce, tende a atrair alguns intelectuais e sábios que podem ajudar em tal tarefa em suas especialidades.

Em quinto, a parte política central da imprensa deve evitar as propostas mais radicais ou de transição quando a conjuntura ainda é imprópria. É preciso separar o que é defesa programática geral para a vanguarda daquilo que é feito para que os militantes agitem como exigências no movimento prático. O jornal deve guiar a ação e torna-se defeituoso quando sua leitura deixa de guiar os debates políticos onde se decide a ação. Se a impressa central é incapaz de ser um guia, uma base para a prática, então deixa de cumprir sua função.

Em sexto, a prática da militância deve ir a balanço no jornal. Por exemplo: uma greve exemplar deve ser relatada para servir de bom exemplo e educação para os demais militantes. Um importante processo que foi derrotado pela burocracia sindical também deve ir a balanço público sobre o que os revolucionários fariam se estivessem na direção daquele sindicato. Uma ação internacionalista destacável pode servir de inspiração para os demais membros da organização.

Em sétimo, deve-se apresentar o ponto de vista comunista daquilo que está na impressa, mas deve-se, também, leva temas e assuntos boicotados pela mídia burguesa.

Mesmo um jornal de massas pode ter uma regularidade semanal ou quinzenal, em vez de diário, ao focar na qualidade das notícias e do material.

 

O CLUBISMO

Nahuel Moreno foi um dos que observaram que os partidos tendem a degenerar em clubes. Como o mundo é o cenário da brutalidade, quer-se evitar o problema vivendo dentro da organização. Quanto é uma tendência forte, degenera o organismo militante em uma seita apenas com aparência revolucionária. É difícil encontrar um remédio para o problema. Ter a clareza de que é uma tendência comum ajuda na precaução ao empurrar os organismos partidários para a ação efetiva, evitar excesso de atividades internas artificiais, etc.

 

O PARTIDO EM GRANDES PAÍSES

Em países continentais – Brasil, China, EUA, Rússia, Índia –, as regionais ganham importância para a dinâmica política dos partidos. É preciso que as direções de cada estado (ou província ,etc.) elevem-se à posição de direções “nacionais” daquela região. Assim como um partido internacional oferece certa autonomia aos partidos nacionais para que aprendam e elevem-se, algo semelhante deve ser feito em grandes países. A política geral para a nação deve ser separada dos encaminhamentos que variam de local a local; uma política para eleição municipal, por exemplo, pode seguir certa tática em uma cidade do sul e outra completamente diferente em outra no nordeste.

As direções regionais terão de fato que obter caráter de direção nacional – com eleição de Comitê Central, etc. – com o acúmulo de experiência e influência social, isto é, deverão ter a qualidade militante que um partido nacional exige. Isto era impensável no partido Bolchevique porque, além de pequeno quando ilegal durante o poder czarista, havia apenas duas grandes cidades na Rússia no início do século XX; a urbanidade era também menor, relativo aos nossos dias, nos países avançados.

 

CÉLULAS E DITADURAS

Hoje, o aparato repressivo é imensamente tecnológico – de potência especial numa ditadura. A organização partidária deve ser, assim, também, de certo modo, “digital”. Diante da repressão teremos, sim, comitês centrais e células ligadas, ainda que indiretamente, é claro. Mas, de modo independente ou por iniciativa do partido, deve-se formar células autônomas, desligadas, que reivindicam o partido e seu programa – mas sem latro para serem descobertos. Fazem ações por conta própria, dizem reivindicar sem ser do partido. Ficam em dormência temporária para evitar repressão, espram o melhor momento etc. Apanho isso da guerrilha moderna.

 

 

A ASSIM CHAMADA CRISE DE DIREÇÃO REVOLUCIONÁRIA

No Manifesto Comunista do século XX, o Programa de Transição, Trotsky afirma que a crise da humanidade pode ser sintetizada pela crise da direção revolucionária do proletariado. Quase 100 anos depois do início de tal “crise”, sua permanência deve ser vista por nós como normalidade, como regra.

Vários partidos trotskystas usam tal frase, que há uma crise de direção, como certo mantra explicativo. Mas o normal é que os partidos revolucionários, por serem o que são, sejam minoria, às vezes, por décadas no movimento de massas e nas eleições. Apenas durante situações revolucionárias ou, com muitos acertos, nas pré-revolucionárias, um partido antissistema pode ser de fato ouvido, ter muitos militantes, ser ou quase ser maioria. É preciso uma dura crise econômica, social e política para que a maior parte dos assalariados, em especial a classe operária, veja os radicais como a real alternativa para a solução de seus problemas. Se um partido dito comunista tem enorme peso social numa situação não revolucionária, reacionária ou contrarrevolucionária há que se pergunta se de fato é uma organização subversiva (caso dos PCs e PSs na Europa antes da fase neoliberal, organizações centristas e reformistas).

O comum são as organizações de fato vermelhas serem pequenas por muito tempo, no máximo com certa influência sobre a vanguarda. A figura do burocrata sindical e partidário ou do militante honesto e equivocado nos seus rumos impera por muitos anos, talvez por décadas. Portanto, a janela de oportunidade dos partidos leninistas é aberta em poucos períodos, no amadurecer de momentos decisivos; até lá, devem aprender a ser minoria, tanto odiar quanto perceber a própria marginalidade e construir as condições para fundar um partido marxista de massas. Porém ser minoritário é diferente de ser marginal; um partido de vanguarda sólido ou com influência minoritária nas massas pode ser consolidado nas mais variadas conjunturas evitando a degeneração das correntes em seitas políticas.

 

O TEATRALISMO MILITANTE[3]

Em especial nos momentos de recuo das lutas, surge um hábito que corrói no subterrâneo um partido leninista: a ação artificial, fictícia. Ocupa-se em demasia os militantes com palestras ou “debates” que são desnecessários, não avançam a compreensão geral da realidade, apenas marcam datas tradicionais e são obrigatórios à militância.

A constância de ações artificiais leva inconscientemente ao afastamento de militantes dos partidos e da prática política. O exemplo ajuda a compreender o fenômeno. Panfletar em frente a uma fábrica pode ser um ato de fundo inútil; se o panfleto tem uma mensagem deslocada da conjuntura concreta, se não há acompanhamento constante daquela empresa, se inexiste um projeto por detrás daquela panfletagem, então a atitude “revolucionária” torna-se de fato limitada quando não nula. Protestos de vanguarda podem ter a mesmo sentido enganoso, tornando-se pseudoprotestos.

O teatralismo tende a ser erro gerado por longo refluxo das lutas – situações não revolucionárias, reacionárias, contrarrevolucionárias –, porém pode “fazer escola” e permanecer mesmo em momentos de maior luta de classes como um vício de rotina. Em geral, a existência em parte artificial da organização política revela em tais atos.

Um trabalho constante com finalidade clara, um curso profundo sobre um tema imprescindível, etc. são necessidades para consolidar militantes. É uma necessidade tanto do movimento revolucionário quanto da psique da sua vanguarda. Mover a militância por marcha forçada de atividades tira o sentido da mais importante tarefa que alguém pode assumir em nossa época e é uma forma de alienação.

 

A MORAL MILITANTE

O partido revolucionário deve ser um local respirável, diferente do ambiente de trabalho. É preciso uma relação de camaradagem que permita a presença “desarmada” dos militantes, onde o temor de manobras e jogos seja quase inexistente. Pode acontecer uma “facilitação do caminho” por meio de todo tipo de agrados, reposicionamento de militantes, artifícios psicológicos, etc. Esse tipo de postura deve ser severamente evitado.

Peguemos exemplos práticos. A direção pode por si escolher quem será os novos dirigentes preparando militantes específicos; quando chega a hora de votar a nova direção, os militantes apenas reafirmam, em um teatro de democracia partidária, a composição dirigente escolhida pelos quadros antecipadamente; o correto seria a base decidir desde o começo quem seria preparado para os cargos ou renovação geracional. O que parece uma questão administrativa pura revela-se uma questão também moral. Outro exemplo: dirigentes podem fazer constantes autocríticas, o que é correto, para manobrar, para manter-se nos seus postos e evitar maior dureza da base sobre a direção.

Temas como a sinceridade, o respeito, a disciplina são tratados nos debates de moral; o que pode faltar são as sinuosidades, as invisibilidades difíceis de acusar e provar. Em geral, se os membros de um partido adotam uma moralidade porca, muitas vezes disfarçada, é porque mudanças de fundo já ocorreram na organização e se expressam na prática.

A moral, tomada de modo dialético, passa longe de ser uma receita de conduta, mas há um fim que a norteia nas variadas, até opostas, decisões: destruir a alienação. A ação militante deve ter por base diminuir, ainda que por mediações, o grau de alienação dos membros partidários, da classe trabalhadora e da sociedade. Todos os militantes devem ter claro que esta é a tarefa central a partir da qual elaboramos táticas e tomamos medidas desalienantes. Bons resultados em si baseados em meios alienantes escondem na aparência uma derrota essencial.

O marxismo é, entre outras coisas, uma concepção moral. A exploração é um conceito sociológico, objetivo, mas também é um problema de moral, um tipo de imoralidade, alienação, domínio do homem sobre o homem, um roubo, ainda que inevitável em certas épocas e circunstâncias.

É moral, por exemplo, a concepção de que só é verdadeiramente marxista quem apoia, mesmo que criticamente, apenas, e somente apenas, governos baseados em outro Estado, socialista, com democracia de tipo soviética, direta e participativa. Quem apoia governos “progressistas”, apenas “anti-imperialistas”, burocráticos “vermelhos”, “socialistas” que não destroem o Estado burguês está numa posição imoral – não é marxista, mas centrista, está entre a reformar e a revolução.

Para a causa do fim da alienação social, é moral a disciplina militante, mesmo que moderada e temperada pela conjuntura, e imoral o desleixo; é moral a liberdade de defender posições dentro do partido, imoral impedir artificialmente a polêmica; é moral mentir ao patrão para ganhar uma luta sindical, imoral mentir aos trabalhadores para ganhar uma votação em assembleia. A moral, como parte do meio para o fim da alienação, tem um recorte de classe.

A moral comunista nunca é elaborada por fora, pelo mero pensar correto. É uma necessidade objetiva da luta, nunca um valor em si mesmo ou um imperativo categórico. Para isso, os militantes devem estar sob circunstâncias em que precisem de tais posturas diante da vida. Mas isso não diminui a consideração formal e a decisão na hora de seguir a moralidade, pois somos o tempo todo, inconsciente e conscientemente, objetiva e subjetivamente, educados pelo capitalismo para certa moral contra a qual devemos fazer uma contrapressão consciente, constante e imperfeita.

Os comunistas na direção de um sindicato, por exemplo, fazem uma festa para a categoria, para a base, porque o capital falha em garantir o lazer, dificulta-o em nome do lucro, logo tomamos a medida desalienante de fazer um encontro festivo, por exemplo. O combate contra a alienação dá sentido real claro aos militantes sobre a natureza de suas ações, como e por qual motivo agir.

 

A FORMAÇÃO TEÓRICA

É uma obviedade que a formação militante deve incluir uma sólida coluna teórica, mas o desprezo pela teoria costuma ser uma constante inconsciente ou semiconsciente nos partidos. Para fins de exemplo, uma equipe de dirigentes deve ser formada por gente que alia estudo e prática, que supere a oposição que remete à divisão, alienação, entre trabalho manual e intelectual; precisa ser critério de balanço dos militantes se são responsáveis ou irresponsáveis para com o estudo. Em grupos de direção intermediários, pode ser interessante agregar aquele membro pouco especial em outras tarefas, mas que tem um domínio acima da média da teoria e do raciocínio dialético (outro problema surge se militantes de tal perfil tornam-se importante minoria, maioria ou dominem os órgãos dirigentes).

De tal modo costuma-se estar aquém do mínimo exigido aos quadros que poucos levam em conta que uma formação sólida de dirigentes médios deve incluir um básico domínio da ciência militar. O centrismo estalinista foi, repetidas vezes, mais ciente da necessidade de dominar aspectos práticos da segurança e aspectos teóricos da arte de combate; isso se dá em parte pela substituição da posição de classe por uma interpretação geopolítica, lutas classistas por luta entre Estados, da realidade[4] e em parte pela ligação com as ditaduras nos Estados operários burocratizados no século XX (que ofereciam treinamento, etc.). No trotskismo, raro ver-se a publicação dos escritos militares completos de Trotsky, um dos maiores dirigentes militares da história, e, apesar da origem da corrente no fundador do Exército Vermelho, o tema da formação teórica militar é marginal, senão inexistente.

É preciso evitar que um militante mais afeito ao assunto ou uma equipe passe a centralizar o estudo militar. Como em todo partido revolucionário com algum peso social, há infiltrados na organização ou monitoramento estatal e bastaria uma repressão sobre militantes selecionados para quebrar a “coluna militar” do partido. Por isso a solução é diluir tal responsabilidade de estudo entre todos os quadros consolidados; será necessidade também da própria revolução. Todos os dirigentes devem ter aprendizado obrigatório na arte da guerra.

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Deve-se evitar que um partido torne-se rotineiro grupo de debates intelectuais e, ao mesmo tempo, também precisa ser a fonte de novos grandes pensadores, atrair e formar as melhores mentes. A organização deve dar importantes e vitais aportes às ciências humanas (se possível, igualmente nas ciências naturais) por meio de pesquisas profundas e necessárias à própria compreensão da realidade, que é o cenário da prática militante. Intelectuais orgânicos, acadêmicos, integrantes quadros devem ter a responsabilidade de investigar o que interessa à plena compreensão do mundo. É necessário fazer um contraponto à degeneração científica (pós-modernismo, positivismo, pesquisas fictícias, etc.) das universidades.[5]

 

MILITÂNCIA E CINISMO

Na grande obra “O Homem que amava os cachorros” de Leonardo Padura, a narrativa demonstra o processo de transformação de um revolucionário em um cínico, embora negue isso a si próprio, caso do assassino de Trotsky, Ramón Mercader. No caso da personagem, percebeu que seus dirigentes eram oportunistas, mas, se rompesse com eles, passaria, no mínimo, por sérias dificuldades – então preferia uma “alucinação negativa” ao desconsiderar para si tal conclusão.  Esse foi o caso de grandes dirigentes do partido Bolchevique quando este degenerou sob liderança de Stalin. Apesar de suas críticas duras e corretas, vários quadros recuaram, até pedindo perdão por seus “erros”, para evitar o isolamento social e político, para manter sua renda, para não morrer, para evitar o exílio. Não é incomum, ainda hoje, o cinismo tomar conta dos militantes de origem socialista. O antigo e degenerado PCB, tinha a cultura de isolar, senão punir, certos ex-militantes, fazendo estes sofrerem pesadamente no ostracismo ou mesmo recuarem pedindo “perdão”, por meio da proibição de sequer falar com aquele membro expulso. Isso faz parte da tradição estalinista. Quem, por outro lado passou pelo peso de fatos como isolamento, fará de tudo para se adaptar, no lugar de aceitar um novo ostracismo advindo de posições corretas; quem bebeu o primeiro café com açúcar, nuca mais aceitou seu gosto puro amargo. Ocorre o mesmo que as seitas religiosas com táticas de manipulação para dar vida a um militante cínico, teatralmente comunista, como o pastor degenerado decora toda a bíblia e vive um personagem público.

 

A NECESSÁRIA OUSADIA

A queda do socialismo real teve um impacto poderoso sobre a subjetividade dos velhos e novos revolucionários. Os antigos militantes eram ousados, tinham altíssimo espírito de sacrifício, pensavam enormemente, era muito mais natural uma disciplina férrea. Não tem sido assim com as gerações atuais. A rotina sindical, o teatralismo do radicalismo, etc. tomam conta da militância. Acreditam na possibilidade e na necessidade socialista, porém não tanto nem tão rápido… Assim, faltam-nos grandes líderes como se o tempo dos heróis, das conspirações, das perseguições, etc. fossem coisa de um passado recente findado, de uma barbárie que foi superada pela civilização (pela democracia, etc.). Até a produção teórica decai em elaborações apenas parciais, não qualitativas.

Para resolver isso, ajuda tomar consciência de tal psicologismo e treinar-se para a ousadia, para a grandeza, para um tipo de megalomania racional. É necessário pensar, agir e sonhar grandemente. Mas isso somente será resolvido de todo com grandes exemplos de revoluções vitoriosas e a própria pressão das circunstâncias (ditaduras, etc.).

 

CALIBRAÇÃO DA POLÍTICA

É comum que uma corrente elabore política para melhor se localizar, para se diferenciar, quando o certo seria elaborar uma política segundo a conjuntura, nem mais nem menos. Isso é comum  no Brasil: as pequenas correntes trotskistas, para justificar a própria existência, elaboram políticas mais radicais do que a do centrista PSTU, que por sua vez costuma elaborar políticas ultraesquerdistas. Eles dobram a aposta independente das circunstancias, são mais radicais do que os radicais oportunistas. Mas elaboramos propostas para atrair as massas, não os ativistas. Às vezes, os oportunistas de direita e de esquerda desafiam os revolucionários a tomar medidas mais radicais que as corretas. Um golpista pode provocar a esquerda para ire às ruas em protesto axato para justificar seu golpe de Estado (isso ocorreu, por exemplo, na França de Luís Bonaparte e na revolução dos cravos em Portugal). Na Bolívia, o reformismo da direção da COB propôs um partido dos trabalhadores ligado ao grande sindicato; os revolucionários deveriam dizer: não façamos isso, não agora; esperemos uma dura crise e a desmoralização do MAS para fundar um partido novo, senão sairá um aborto e então teremos dificuldades posteriores de realmente fundar um partido nosso; provavelmente, o oportunismo quer realmente queimar a possibilidade de no futuro criar tal partido. Às vezes, é preciso recuar, adiar ou esperar para a madurecer as condições necessárias.

 

PARTIDO: MÁQUINA OU ORGANISMO?

Aqui, reforçamos a sensibilidade não conceituada de Moreno. Trata-se o partido como certo maquinismo em que a disciplina é total a qualquer instante, levando ao esgotamento de quadros e um tamanho artificial, que produz crises, necessitante de uma euforia militante permanente, tarefismo, para manter o peso social, sindical etc. A tarefa do partido é considerar o militante um ser humano, não máquina ou peça de uma. Se uma célula, por combinação de indivíduos, pode render no máximo 30%, então este é seu 100% real. Claro, deve-se fazer campanha permanente pela disciplina – mas o risco é passar do ponto, de estressar o partido mais do que o saudável. O partido é um organismo vivo, não uma coisa ou fetiche. Ao elaborar política, por exemplo, devemos ter em conta, no cálculo de conjuntura, a situação de nossa organização, o moral dos nossos soldados etc. Não os pensar como totalmente disponíveis e capacitados haja o que houver. O combate contra a alienação tem disso: ver a humanidade, a imperfeição, os talentos, as vocações etc. dos membros. Gente excepcional é excepcional, exceção. Alguns grupos e indivíduos dentro do partido renderão mais outros menos, em situações diferentes. 

 

A HORA DO TROTSKYSMO?

Muitos trotskystas pensaram que a queda do chamado socialismo real e as revoluções antirregime no Leste Europeu abriram caminho para o trotskysmo. Uma derrota prevista por Trotsky, a restauração do capitalismo, pesou e pesa de modo negativo entre as massas, mas dá certa razão histórica entre a vanguarda. A situação seria diferente se as lutas antiburocráticas, que derrubaram o aparato estalinista, desemborcassem em novos Estados operários revolucionários, com democracia socialista. Não foi o caso. A pergunta é, então, se pelo menos se abriu a época dos verdadeiros leninistas.

As revoluções socialistas da segunda metade do século XX foram camponesas enquanto o trotskysmo tem seu programa ligado ao movimento operário. Hoje, porém, as revoluções podem ter liderança operária, em principal as primeiras, mas tendem também a ter peso popular urbano. Isso significa que ou os trotskistas atualizam seus programas ou perderão a oportunidade histórica. Se lhes faltar uma compreensão correta de nossa época, a prática será limitada.

Surgiram em quase todos os países com alguma real importância pequenos partidos que se reivindicam trotskistas. Mas há um problema acumulado em silêncio: desde a década de 1990, houve um recuo das lutas e da força ideológica do socialismo, então os partidos passaram por períodos mais ou menos reacionários que levaram as organizações à rotina, ao defensismo, ao abandono da teoria[6] e à marginalidade. Isso cobra um preço. Quando as crises mundiais começam a balançar o sistema, os partidários oficiais do comunismo encontram-se educados em outro espírito e adquiriram inúmeros vícios. A ave acostumada a voos rasos é incapaz de alcançar grandes alturas. Os partidos vermelhos, portanto, deverão estar dispostos a duras reformas internas e, talvez em muitos casos, suportar rupturas.  Neste sentido, o terreno, as conjunturas, e a crise sistêmica pressionarão de modo positivo pela autorrenovação do bolchevismo.

Para fins de duro debate programático, campanhas internacionais conjuntas, tarefas unitárias em alguns países (como, por exemplo, a formação de um partido trabalhista e popular nos EUA); os principais partidos internacionais trotskystas – LIT, TMI, ASI –, que adotam o centralismo democrático e se diferenciam da degenerada SU, podem formar uma federação de internacionais, uma frente única revolucionária internacional a partir de certo programa mínimo revolucionário. Tal unidade deve deixar claro que não é a IV Internacional reconstruída, que é respeitada a independência das diferentes correntes, com a autoconstrução enquanto meta legítima, e que uma unificação só poderá surgir após a tomada revolucionária do poder em algum país.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Façamos breve debate lateral. Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx afirma: "O comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo não constitui em si mesmo o objetivo da evolução humana – a forma da sociedade humana." (Marx, Manuscritos econômicos filosóficos, 2011, p. 148) Assim encerra subcapítulo A Propriedade Privada e o Comunismo.  Damos outra resposta. A humanidade, corrijamos o mestre, por longa autotransição, desdobra-se do em si ao para si. O processo histórico de humanização da humanidade ocorre, portanto, de modo contraditório, pela separação e oposição dos homens, pela desumanização. Se por meio do trabalho o homem modifica a natureza e a si; se, por tal modo o desenvolvimento, sua capacidade de transformar e dominar a natureza torna-se necessidade incontornável e irresistível; se todo sistema econômico-social alcança pontos nodais ao se desenvolver desafiando saltos qualitativos; se as necessidades humanas são “cumulativas e irresistíveis” (Marx); se, enfim, a produtividade crescente do trabalho perpassa toda nossa história; então o homem encaminha-se, a humanidade encaminha-se inconsciente (teleologia inconsciente) e, depois, em certo grau de desenvolvimento, quando o igualitarismo começa a estar latente, conscientemente para o comunismo. Por outro lado, não é uma teleologia determinista, dada, inevitável, pois fatores não sociais podem impedir – uma catástrofe de fato natural sobre a qual o homem não pode reagir, etc. –; o ponto nodal para o comunismo, sabe-se hoje, por ser o ponto de altíssimo desenvolvimento, mas destrutivo, pode antes nos destruir.

[2] O operário da empresa estatal pendula entre a concepção proletária e a do funcionalismo.

[3] A primeira a observar tal fenômeno foi, se bem recordamos, Maria Rita Kehl. Infelizmente, não reencontramos a entrevista aonde ela defende tal ideia. Tal registro visa evitar acusação de plágio.

[4] O erro oposto, desconsiderar o peso da geopolítica na análise, também ocorre.

[5] Tal consideração foi feita, em primeiro, pelo marxista Santiago Marimbondo de modo informal.

[6] Cumpre destacar que a teoria permite também aprender com o exemplo alheio, dispensando ter de passar por longuíssimas experiências para acertar. A prática completa o ensinamento, mas aprender com o outro, com a história do movimento socialista, dispensa começar tudo quase do zero; é o sinal mínimo de sabedoria necessária.

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