PSIQUE
Para
a crítica da psicologia
Por
uma psicologia marxista
Crise
da psique
Até aqui, vimos como um assunto levava
ao outro. A revolução permanente fez-nos tratar do socialismo “real”; então, da
China moderna; então, das fronteiras nacionais e do mundo; então, do meio
ambiente; então, da saúde física; agora, trataremos da saúde mental, mas, para
isso, somos obrigados a pensar uma psicologia marxista, nova em suas bases.
Temos, aqui, uma pesquisa completa, sistemática, mas ainda
inconclusa. Alcancei uma série de conclusões sobre o tema cuja exposição não precisa
ser adiada. A obra completa terá três partes: psique, ética e estética –
marxistas. Tais terrenos precisam das sementes de nossa tradição, ainda. A
psicologia marxista é uma das grandes tarefas intelectuais da humanidade. Como
veremos, nem sempre o indivíduo será o foco, embora ele importe muito. Mudamos
o ângulo e o foco desta ciência incompleta, que nunca poderá se sustentar por
seus próprios pés sem mais.
Uma das ideias vulgarizadas do marxismo é esta: o modo como
vivemos determina o modo como pensamos. As ideias e sentimento nunca serão um
raio em céu azul. No mais, elas são materiais e forças materiais. Nossa cabeça
é concreta. Por muito tempo, por um materialismo vulgar e unicausal, os
marxismo consideraram a idealidade como determinada mecanicamente pela
economia; logo, havia um desestímulo à pesquisa desse mundo, dessa esfera,
desse complexo. Mas as partes de uma totalidade influenciam reciprocamente umas
às outras, além de possuírem uma autonomia relativa. A onda de depressão e
suicídio em nosso tempo exige uma psicologia dialética para ontem e para o
amanhã. A ideia de que somos determinados pelo meio tem altíssima validade,
porém nada explica por si, sem pesquisa.
A existência de várias psicologias, várias escolas, demonstra
uma incompletude de tal ciência – teses e ângulos parciais surgem. A hora é de
ao fundo, ao fundamento. Temos prédios frágeis por bases frágeis. Trata-se,
portanto, de fundar uma teoria unificada da psique. O pluralismo teórico e
metodológico pouco ajuda; apesar disso, devemos ouvir as diferentes vertentes,
pois todas têm um lado da verdade, que é o todo. Sem dialética, impossível uma
ciência da psicologia.
Nosso objetivo, o objetivo da psicologia e do marxismo, nada
mais é que tornar a vida humana, além da natureza, mais feliz, mais realizada –
a humanização da humanidade. Por isso, separar o estudo da mente das questões
gerais do destino humano é um erro enorme.
A vida deve ser vivida, não apenas sobrevivida. A felicidade relativa deve
ser para agora, não para outro mundo. Se todos exigirmos uma vida que vale a
pena, o sistema cai. Eis a verdade oculta.
A psicologia verdadeira é necessariamente anticapitalista.
PARTE 1
ASPECTOS DE BASE
NATUREZA HUMANA
“Aqui, a liberdade não pode ser mais do
que o fato de que o homem socializado, os produtores associados, regulem
racionalmente esse seu metabolismo com a natureza, submetendo-o a seu controle
coletivo, em vez de serem dominados por ele como por um poder cego; que o façam
com o mínimo emprego de forças possíveis e sob as condições mais dignas e em
conformidade com sua natureza humana.”
Em O Capital I, Marx toma nota:
Aplicado ao homem, isso significa que,
se quiséssemos julgar segundo o princípio da utilidade todas as ações,
movimentos, relações etc. do homem, teríamos de nos ocupar primeiramente da
natureza humana em geral e, em seguida, da natureza humana historicamente
modificada em cada época. Bentham não tem tempo para essas inutilidades.
O mouro faz uma crítica e aponta o
procedimento metodológico. No entanto, os marxistas
1) Confundem
natureza humana com personalidade;
2) Confundem
natureza humana com moral;
3) Enfim,
confundem “natureza humana em geral” com “natureza humana historicamente
modificada em cada época”.
O primeiro passo para avançarmos dar-se
por meio da teoria marxista da alienação. Em resumo, alienação é
1) Fragmentação
do homem, seu afastamento de relações plenas com a comunidade;
2) Domínio
do homem sobre o homem, a coisificação do semelhante (machismo, classes
sociais, homofobia, xenofobia etc.);
3) Exclusão
do homem de sua criatividade, capacidade singular da espécie, de imaginar e
colocar em prática de modo ativo.
Ou seja:
1) Separação
do homem da sociedade a qual integra;
2) Separação
do homem dos iguais, dos outros homens;
3) Separação
do homem de si próprio.[1]
Em duas sentenças de Marx: a
valorização do mundo das coisas em proporção à desvalorização do mundo dos
homens; humanização das coisas e coisificação dos homens.
Dada a base, basta-nos rastrear a
equação: se há alienação, há algo negado – algo alienado. Invertamos,
deduzamos: seria qual a solução da alienação, o inverso?
1) Integração
dos homens;
2) Relações
mutualistas;
3) Ser
ativo.
Estamos diante da essência biossocial.
E esta descoberta tem implicações sobre todas as ciências humanas, além da
psicologia.
Qual, portanto, a origem da natureza
humana? Dos primatas que desceram das árvores nas savanas[2]
até o homo sapiens sapiens ocorreu um longuíssimo período de formação da nossa
espécie por meio da seleção dos mais aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil
facilitava a prática do que hoje é essência humana adquiriam probabilidade
maior de sobrevivência, perpetuavam-se[3].
Por isso, por história da humanidade devemos considerar, também, a história da
formação da nossa própria espécie, isto é, a importância da biologia na
formação do pensamento marxista. Resolvemos, então, a oposição sobre se a
essência é histórica ou natural. Assim, superamos o falso “historicismo” e a
tese pós-moderna de que tudo é – limita-se à – construção social[4].
É a formação do homem como formação do próprio homem, do orgânico ao social[5].
Em elaboração geral, a alienação ocorre
quando o mundo gerado pelo homem ganha autonomia frente a este e volta-se
contra ele – a criatura passa a dominar o criador. É preciso, pois, ver a
alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo, assim como a
natureza humana – interno e externo ao indivíduo. Tem sua existência na
totalidade social e na psique. Destacamos aqui a psicologia por ser esta a
questão que esta ciência faltou resolver, a natureza humana, seja por ideologia
ou por pouco interesse pela filosofia marxista na ciência oficial.
No entanto, curioso o espanto causado
por esta exposição entre marxistas. Ficamos diante das observações: se a
natureza é apenas histórica no sentido dos modos de produção, o homem é de fato
adaptável – logo a alienação social não explicaria a onda de depressão e
suicídio? Se explica, há algo de fato negado. Se o homem é, em essência, apenas
o determinado pelo modo de produção, adaptar-se-ia às condições dadas sem maiores
prejuízos, senão físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma resposta própria
do marxismo percebe contradição entre natureza humana historicamente modificada
em cada época e natureza humana em geral. Entre as tarefas dos homens e
mulheres no e rumo ao socialismo será resolver este problema objetivo.[6]
Mário Bunge, o menos limitado dos
filósofos oficiais da atualidade, socialista utópico que nada compreendeu do
método de Marx, assim expressa, de modo correto:
Estamos vivendo a década do cérebro. Avança-se
bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais são as
partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir que dar
traz muito mais prazer que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que sentimos
ao comer algo saboroso. Descobriu-se também, que a desigualdade é muito mais
nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por sua vez, acarreta
em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o cérebro. Nos países
mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os costarriquenhos e os
cubanos vivem muito mais que os norte-americanos. Ganham muitíssimo menos, são
muito mais pobres, mas vivem mais porque são mais igualitários.
Complementamos que, socialmente, o
altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter na outra ponta
da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação. Por isso mais correto é o
estabelecimento do mutualismo, que supera os opostos, como expressão categorial
da essência humana[7].
Vejamos o que diz Mèszáros:
Termos como malevolência, egoísmo,
maldade etc. Não podem existir sozinhos, ou seja, sem a contrapartida positiva.
Mas isso também se aplica aos termos positivos
desses pares opostos. Desse modo, não importa qual o lado adotado por um
determinado filósofo moral em sua definição de natureza humana como
inerentemente egoísta ou maldosa, ou altruísta e bondosa: ele acabará
necessariamente com um sistema totalmente dualista de filosofia. Não se pode
evitar isso sem negar que ambos os lados desses opostos são inerentes à própria
natureza humana. (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 151)
Ele Critica o kantismo, porém continua
preso à dialética kantista. Deve-se ver a unidade superante dos opostos, além
do desenvolver lógico e histórico das categorias. O nem positivo nem negativo
passa para o positivo e negativo, que são superados em um novo nem negativo nem
positivo. Assim, a negação prática da natureza humana levou a formar uma
oposição entre egoísmo e altruísmo, superada – suprassumida – pelo mutualismo.
Se o caráter comunitário, por exemplo,
é natural entre nossos primos evolutivos, ele salta de natural para social na
espécie humana. Tal mudança qualitativa de natureza é incompreendida. O aspecto
natural da espécie não é destruída mas suprassumida numa nova natureza, a
natureza humana[8]. É mais
do que o comunitário natural, sendo elevado, mais dinâmico e complexo, ao
social por meio do trabalho.
Se abstraímos as origens físicas, parte
significativa das doenças mentais possui origem na alienação, ou melhor, na não
satisfação da natureza humana. A solidão excessiva, por exemplo, degenera e
pode acarretar problemas como a paranoia, que expressa a necessidade de
interação. Essa observação simples demonstra a inerência de certas
características. Viver agrupado é mais do que uma vantagem evolutiva externa,
pois está instalada no aparelho psíquico como necessidade, como exigência a ser
satisfeita. O trabalho alienado, repetitivo e vazio de sentido, negação do
caráter ativo do homem, é outro exemplo de insatisfação, que estressa o
trabalhador.
A teoria unificada da psicologia é uma
tarefa por se fazer, no entanto muitos marxistas recuam. Não contradição na
relação entre as naturezas humanas geral e histórica é o que se pode concluir
de modo equivocado. É tarefa socialista desenvolver, na medida em que sua base
material amadurece, uma nova relação, ainda dinâmica, entre natureza humana e
sociedade e entre natureza humana e a superestrutura subjetiva (moral, concepções,
etc.)
À concepção neoliberal de natureza
humana – individualista, concorrencial e otimizador de bens – opomos outra,
esta sim assentada na mais avançada apreensão científica de nossa época,
corroborada pelas descobertas da ciência[9].
A concepção burguesa, sempre requentada, corresponde à imposição do mundo das
coisas sobre a psique, tem caráter empírico mas naturalizado, não histórico,
incorrespondente, também, com a história da formação de nossa espécie. Trata-se
de diferenciar o conjuntural do estrutural e de expor a contradição que daí
deriva.
Por seu lado, o falso “historicismo”
foi uma forma incompleta mas muito eficiente ao afirmar o homem, o caráter
social da espécie. O enfrentamento contra o darwinismo social puxou a balança
para o lado oposto. Agora devemos limpar caminho contra o determinismo genético
por outro meio: considerando o natural, o social e o “um no outro” entre os
humanos. As condições históricas, científicas e ideológicas permitem o avanço. Supera-se
a unilateralidade da observação focada exclusivamente num ou noutro polo, sendo
o polo determinante o social.
Apoiados na categoria trabalho como
categoria fundante do homem, podemos enfim superar a obra de Freud, que tem
resistido bem até aqui às duras críticas e elaborações alternativas. A
psicanálise, por não ter uma concepção própria de natureza humana, acaba
cedendo à visão oficial, o homem enquanto lobo do homem. Todas as versões
críticas anteriores sucumbiram e tomaram posição inferior no trato sobre a
psique porque falharam onde também a concepção freudiana falhou. Não mais se
trata de atualizar mas de ir além, suprassumir o legado psicanalista[10].
***
Na consideração das características
essenciais da psique humana, devemos tomar uma exceção: o psicopata. Desprovido
de estrutura cerebral e mental para a empatia e as emoções, a personalidade
psicopática arranja-se fora da natureza humana.
Seguindo o caminho frio do dinheiro e
da luta de todos contra todos, os tipos psicopáticos tendem a estar em cargos
de destaque: líderes religiosos, políticos, diretores de empresas. É o perfil
que melhor acomoda-se às exigências subjetivas do capital. A luta de classes
torna-se, em certa medida, contanto considerado sua natureza social, uma luta
biológica.
***
A consideração mais sábia sobre a felicidade
humana afirma que ela é impossível, portanto devemos buscar, com todas as
dificuldades inevitáveis, uma vida que valha a pena. Tentar ser feliz,
portanto, aparece como mera ingenuidade.
Neste nível do considerar, separemos
alegria, um estado momentâneo de emoção, da felicidade, uma condição material.
Este último é a palavra mais próxima antônima de alienação. Esta expressão, em
oposição àquela, existe porque é necessário falar de um estado de coisas tão
presente, enquanto falta nome melhor para o seu inverso, já que é escasso.
Ter uma vida feliz é ser feliz em
determinadas condições. O grande tema do marxismo é a felicidade e todos os
meios são pensados, pelo ponto de vista revolucionário, para nos aproximarmos
de tal fim.
O mundo contemporâneo busca ser feliz
por meio da teologia da prosperidade, da autoajuda, do esforço sobre-humano,
etc. Vivemos uma época de coisas ricas e abundantes em si próprias, quase como
se a felicidade pudesse ser e não ser tocada. A possibilidade latente de uma
vida plena, ainda exigente de esforço e disciplina, sentida pela intuição
geral, revela-se de fato como apenas em latência.
Lembremos que a alienação, cujo oposto
combina as palavras felicidade e liberdade, não é, em primeiro, um fenômeno
psicológico. Um burguês é feliz com sua alienação, pois está no polo positivo,
vencedor. Por outro lado, se sua condição de vida deixa de satisfazer a
natureza humana, pode até mesmo viver em depressão e depender de remédios
psiquiátricos.
Podemos determinar neste subcapítulo
uma previsão e uma exigência: a plena integração das coisas ocorrerá a partir,
somente se, da plena integração dos homens – entre eles e consigo próprios[11].
Dito de outro modo, a fusão futura da arte e da vida idealizada por Nietzsche
encontra uma versão realista no socialismo. A humanização do homem, sua
emancipação, sua saída da pré-história, se dá por um longo processo de
desumanização, por meio da alienação, por meio do inverso.
***
Pode-se argumentar que a natureza
humana é dada pelas condições materiais existentes. Ora, o cérebro humano é uma
“condição material existente” e tem suas exigências de satisfação. Muitos
marxistas, ao considerarem apenas a natureza conjuntural, tomam a essência do
homem em uma sociedade como sua própria visão ideológica – no bom e no mau
sentido – que a mesma sociedade tem de si. Assim, a essência humana seria de
homem senhor de escravo no escravismo segundo a posição de seus filósofos, de
um pecador no feudalismo de acordo com os pensadores teólogos e de egoísta no
capitalismo como afirmam seus sérios ideólogos. A essência humana conjuntural
confunde-se com o julgamento que os homens fazem de si. Para alcançar uma
posição superior, uma pequena dose de biologia na produção teórica é necessária
e pode manter-se, como vemos, dentro dos limites do ortodoxismo. O homem é um
ser social, mas ainda um animal; tem em si aspectos sociais, naturais,
sócionaturais e naturais socialmente modificadas[12].
***
A revolução socialista seria a
realização e uma imposição da essência humana? Uma situação revolucionária
surge quando as condições sociais de existência faltam ser atendidas e quando
as necessidades humanas (também socialmente criadas e desenvolvidas) precisam e
carecem de ser satisfeitas. É claro que a contradição entre natureza humana e
os sistemas de dominação classista tem sua importância e são resolvidas pelo
socialismo, mas a realidade material pesa mais e é mais ampla.
***
Para esgotar os argumentos contra a
descoberta de uma essência ou natureza humana em geral, dedicamo-nos a mais um aspecto.
Alguns camaradas tratam o tema defendendo que Marx parte da concepção de que
não há natureza humana natural, e haveria apenas essência histórica como ponto
de partida de seus estudos. Isso é um erro, pois partir de um postulado
qualquer, como afirmar que a essência humana responde apenas aos modos de
produção, trata-se do método de investigação dedutivo, não do método dialético,
que é o de Marx. Uma concepção deve ser um resultado da investigação
científica, não seu ponto de partida. No mais, abrimos este capítulo com duas
citações de Marx que sugerem claramente uma concepção diferente de natureza
humana. Dito de outro modo: uma “premissa”, se escolhêssemos este caminho
metodológico, deve ser abandonada sem rodeios assim que a pesquisa exigir outro
resultado, outra conclusão. Do contrário, tratar-se-ia de um dogmatismo quase
religioso, que despreza o real (assim como os avanços da ciência). O marxismo
nunca parte de concepções arbitrárias para entender o mundo; seu ponto de
partida é a empiria, o factual. Se há ou não uma essência humana “natural”,
sendo também histórica ao seu modo como demonstramos, deve ser um resultado,
não um começo.
***
Esta nova concepção marxista de
essência ou natureza humana explica, supera e suprassume as concepções anteriores.
Vejamos dois casos destacados na história da filosofia. Aristóteles afirmou que
o homem é um animal político, da pólis, da comunidade – expressando o ser
integrado, indiretamente o ser mutualista; afirmou ainda que o homem é um
animal racional – expressando o ser ativo, embora do ponto de vista
escravocrata, do trabalho intelectual. Hobbes afirmou do homem a competição, a
desconfiança e a glória – exatamente ligados, embora por negação, com a
integração, o mutualismo e o ativismo. Marx e Engels demonstraram que o homem
só pode ser individualista e egoísta em sociedade, ou seja, de algum modo
integrado. Todas as concepções rementem, mesmo que de modo negativo, incluso a
concepção neoliberal antes citada, à essência humana em geral, ainda que exija
trabalho filosófico-científico para perceber o lastro. Na revolução francesa,
tivemos a bandeira da liberdade (ser ativo), igualdade (ser integrado, ser
mutualista) e fraternidade (ser integrado, ser mutualista) como instinto
revolucionário daquilo que é essencial em nossa natureza. Feuerbach filosofou
que Deus é expressão da essência humana alienada; se tomamos a filosofia
cristã, o Deus-pai criador é alienação o ser ativo, o filho expressa o ser
mutualista e o espírito santo expressa o ser integrado. Hegel demonstrou que no
começo da história, no primitivismo e no mundo antigo, a sociedade (ser
integrado) é tudo e o indivíduo (ser ativo) é nada; por transição na Idade
Média, o mundo moderno fundou a concepção de que o indivíduo (ser ativo) é tudo
e a sociedade (ser integrado) é nada; segundo ele, chegaríamos, ainda sob o
capitalismo, à concepção de que a afirmação e o desenvolvimento do indivíduo
são, também, a afirmação e desenvolvimento da sociedade, e vice-versa, sem mais
tal oposição, em progressão mútua – seu projeto teve de ser adiado para
realização socialista, onde a afirmação e desenvolvimento de ambos realizará a
natureza de nossa espécie (com o mutualismo enquanto unidade de ser integrado e
ser ativo, etc.). O comunismo é a afirmação completa do indivíduo, não sua
negação, como indivíduo que só é todo seu potencial em plena comunidade plena.
Em Hegel, no campo da Lógica, vemos que
o individualismo é a negação do indivíduo:
A autossubsistência, levada ao extremo
do uno que é para si, é a autossubsistência abstrata e formal que destrói a si
mesma, o erro supremo e mais obstinado que se toma pela verdade suprema, - que
aparece em formas mais concretas como liberdade abstrata, como Eu puro e,
então, ulteriormente, como o mal. É a liberdade que assim se equivoca ao pôr
sua essência nessa abstração e, neste ser junto de si, gaba-se de alcançar-se
em sua pureza. Esta autossubsistência é, de maneira mais determinada, o erro de
considerar o que é sua própria essência como negativo e de comportar-se frente
a isso de modo negativo. Ela é, assim, o comportamento negativo frente a si
mesmo que, na medida em que ele quer alcançar o seu próprio ser, destrói o
mesmo, e esse atuar é apenas a manifestação da nulidade desse atuar. A
reconciliação é o reconhecimento daquilo, contra o que o comportamento negativo
se dirige, antes, como sua essência e [a reconciliação] é apenas como desistir da negatividade do seu ser para si, ao invés de manter-se
firme nele.
O ser mutualista e o ser ativo
preservam o para si, suprassumindo-o. O individualismo exacerbado neoliberal é,
assim, de certa forma, um ato de transformar, apenas idealmente, necessidade ou
condição em virtude.
Em Heiddegger, o ser-para-mundo, o
impulso para além de si do homem (o ser aí), com o cuidado dos utensílios, com
os quais interage, influenciando-se mutuamente, é uma versão inferior e parcial
do ser ativo. O ser-para-outro corresponde, embora de modo deficitário, quase
unilateral, ao ser mutualista e, indiretamente, ao ser integrado. O
ser-para-a-morte, reconhecer a própria finitude, então fazendo a vida valer a
pena, leva ao correspondente ao ser ativo.
Sartre, com seu existencialismo,
expressando a classe média no auge do capitalismo europeu, defendeu que o
inferno são os outros. Isso apenas se sustenta na escassez, na luta de todos
contra todos – mas nada somos sem outro humano. Ele afirma o ser ativo, negando
o ser integrado e o ser mutualista. É unilateral, portanto.
O ser integrado expressa a essência
humana no geral, no universal; o ser mutualista expressa a essência humana no
particular; o ser ativo expressa a essência humana no individual, no singular.
Também: o ser integrado liga-se ao objetivo; o ser mutualista liga-se ao
intersubjetivo; o ser ativo liga-se ao subjetivo.
Se o capital é, como dizem os marxistas
modernos, antissocial intrinsecamente; cumpre notar que ele produz uma essência
humana histórica também antissocial ou destrutiva, contra a essência humana em
geral.
***
A essência humana é natural e ato, mas
potência em certo sentido e em relação ao social. A vida social regula-nos
também. A natureza é natural, mas também social. Tantas vezes, socialmente
reprimida, ou modficada, ou mediada, ou adaptada, ou realizada – ou, ainda,
certa combinação de tais opções.
MATERIALISMO OU IDEALISMO?
Grosso modo, o idealismo é afirmar que a
ideia e seu desenvolvimento faz a realidade enquanto o materialismo, oposto,
afirma que a realidade, a matéria, faz o pensamento. Marx adota a segunda
posição, às vezes de modo muito intenso. Mas o mais correto é dizer: o marxismo
é a fusão de idealismo e de materialismo num terceiro, o terceiro excluído
incluído. É verdade que a matéria faz, primeiro, a ideia, mas, sendo a ideia
uma forma toda especial e mui complexa de matéria, ela tem uma autonomia
parcial, relativa, além de ser trabalho, de ser produtiva (cérebro) – a ideia,
a idealidade, também afeta o mundo, em principal o social. O polo determinante
dessa unidade é o materialismo, mas não de modo mecânico, unicausal, sem
mediações (ele se medeia, no externo, consigo mesmo como se com outro, outro de
si). Por isso fazemos de fato nossa história, pessoal e social, mas sob dadas
condições materiais. O marxismo supera a oposição unilateral entre materialismo
e idealismo, conclui a história da filosofia.
Vale uma construção lógica. Na lógica
aristotélica, A = x ou não-x, sem terceira resposta, sem um terceiro, que é
excluído – ou materialismo ou idealismo. Na velha dialética, existe a verdade
exato nesse terceiro, que passa a ser incluído. Mas o terceiro costuma não ser
nomeado, “entre” o relativo e o absoluto, podemos apenas aproximar com o
relativamente relativo; “entre” o materialismo e o idealismo não há, também,
nomeação. Na nova dialética, mantendo em pé a velha, x vai até não-x em “A”.
Assim, o materialismo em autodesenvolvimento constrói o ideal, o idealismo, sem
deixar de ser o “material” o verdadeiro motor primeiro e o centro, a verdade.
Esse caminho do materialismo para o idealismo relativo é o caminho da
sociabilidade cega existente até a sociabilidade organizada e planejada,
central e democraticamente, no socialismo, quando a ideia fazer a matéria
ganhará mais peso, ainda subordinado ao polo oposto unilateral, o materialismo.
O terceiro, que supera o materialismo e o idealismo, desenvolve-se,
dinamiza-se. O idealismo (abstrato) é o materialismo (concreto) em
autodesenvolvimento (processo).
Eis nossas conclusões, um novo marxismo.
Mas precisamos limpar o terreno para ganhar outros marxistas para nossa
concepção. O velho Marx, d’O Capital, adotou o materialismo “duro e rígido”.
Após elogiar muito um dos seus críticos, ele cita um comentário à sua obra, que
diz:
Para
tanto, é plenamente suficiente que ele demonstre, juntamente com a necessidade
da ordem atual, a necessidade de outra ordem, para a qual a primeira tem
INEVITALVELMENTE de transitar, sendo ABSOLUTAMENTE INDIFERENTE se os homens
acreditam nisso ou não, se têm consciência disso ou não. (…) Se o elemento
CONSCIENTE desempenha um papel tão subalterno na história da civilização, é
evidente que a crítica que tem por objeto a própria civilização está
impossibilitada, mais do que qualquer outra, de ter como fundamento uma forma
ou resultado qualquer da consciência.
Segundo o próprio Marx, o comentador foi
preciso, exato:
Ao
descrever de modo tão acertado meu verdadeiro método, bem como a aplicação
pessoal que faço deste último, que outra coisa fez o autor senão descrever o
método dialético? (Idem, p. 90)
O trecho tem outros pontos semelhantes
ao exposto. Ademais, para Marx, a vontade do capitalista não é a vontade dele
próprio, mas do capital impessoal, que se expressa no indivíduo.
O jovem Marx, em textos não publicados
em especial, ao menos esboçou nossa concepção. A posição materialista unilateral
é substancialista; a idealista, relacionalista. Em outro capítulo,
demonstraremos que Marx pendula entre a concepção de substância e de relação,
apesar de sua revolução teórica-metodológica e resolver várias oposições entre
esses dois pontos de partida.
A velha geração marxista afirma que
tentar antecipar aspectos gerais do socialismo, mesmo durante o ocaso maduro do
atual sistema, trata-se de idealismo… Mas o ideal importa, a arte marxista é,
também, prever, uma historiografia do futuro possível a partir das bases
materiais presentes.
O materialismo focou no aspecto animal
do homem; o idealismo, na sua diferença para com os demais seres
A própria realidade quebra-se em
materialismo e idealismo. Materialismo – trabalho manual; idealismo – trabalho
espiritual, intelectual. Como a verdade é o todo, a realidade supera e abarca
ambos.
A verdade supera e funde o materialismo
subjetivo e o idealismo objetivo.
SUBJETIVAÇÃO
DA OBJETIVIDADE
No idealismo objetivo de Hegel, enquanto
materialismo de cabeça para baixo, já fica claro, ao marxismo, a objetivação da
subjetividade (pensa-se o projeto de fundar um sindicato, e funda-o). A relação
é, ademais, retroativa: há, também, a subjetivação da objetividade. É famosa na
internet uma lição de moral: os mais velhos têm um casamento longo, duradouro –
mas por quê? Porque, dizem, na época deles, se algo quebrava, eles não jogavam
este ao lixo, mas o consertavam, o reconstruíam. Isso transborda inocência e
romantismo, porém há uma verdade importante aí: nós nos relacionamos pessoalmente com as coisas. Nossa psique
nunca separa por uma parede fixa nossa relação com pessoas, animais e coisas.
Marx diz que o homem tem a coisa, no entanto, por outro lado, a coisa passa a
ter o homem. É como se os objetos tivessem, embora não o tenham, uma
“personalidade objetiva”. Heiddegger trata, na relação recíproca, os objetos
como utensílios, que têm utilidade para nós enquanto, por outro lado, nós os
preservamos. Logo nossa relação atual com as coisas, com os objetos, afeta
nossa subjetividade de fato, como intui o senso comum, embora sem conseguir
reconhecer sua formulação (apenas na área da psicologia cabe o platonismo
“saber, mas sem saber que o sabe”). Faz parte do declínio geral da psique, por
exemplo, a descartabilidade e a alta perecibilidade das coisas enquanto
mercadorias – afeta-nos. A forma como leio um livro, como me relaciono para com
ele na dedicação de lê-lo, é semelhante ao meu comportamento com as demais
pessoas. Um apartamento pequeno e sem varanda constrange a mente humana. Quando
Bauman diz do mundo líquido, na verdade plasmático, diz, no fundo, isso. Tudo
que era sólido desmanchou-se no ar – mesmo.
Vale um destaque. O objeto central deste
modo de vida, o dinheiro, passa pela alta desmaterialização, é virtual, o que
reduz a capacidade de medida concreta pela razão humana, um desmedido, embora
esta não seja a causa central do alto endividamento.
Embora erre muito, Marcel Mauss acerta,
em sua crítica a Marx, quando afirma o papel das coisas na vida humana. As
coisas são o meio necessário da relação do homem com o homem, não apenas na
forma de alienação, mesmo se coisas ideais como projetos comuns. A cerveja, por
exemplo, é um lubrificante social que unifica os indivíduos (que o meio se
torne fim é uma degeneração da relação).
O desenvolvimento da criança deriva da
interação com o meio coisal, com o meio social e por avanços físicos e
biológicos – os psicólogos erram quando focam em apenas um desses aspectos. Vários
pensadores idealistas, muito antes da ideia de virtual ou de matrix, duvidaram
se a realidade é, de fato, real ou uma ilusão. O que levou, no fundo, a tal
pensamento? Bem; pessoas que têm baixíssima relação prática com o mundo, como
em casos de severa depressão imobilizadora, tendem a duvidar da existência como
algo existente de fato. Um estilo de vida pouco “fazedor” ou com pouco
movimento, com pouca ação, produz na mente uma, por assim dizer, distância, que
faz duvidar do estatuto da realidade. Por isso Platão, um escravocrata longe do
trabalho manual, pensou o mundo das ideias e alegoria da caverna. Por isso
Descartes pensou que o mundo poderia ser a criação ilusória de um demônio. A
divisão de classes, em que um setor é pouco prático, é a base do idealismo,
como o marxismo sabe.
Vale relatos comuns. Cientistas
programadores pararam de programar, nos casos que conheci, porque perceberam
que estavam pensando segundo a maneira da programação. Tive muitas das
conclusões deste livro ao lavar louças, pois limpar o material com as mãos
ajuda a limpar os pensamentos. O modo como interagimos e trabalhamos afeta
decididamente nosso modo de pensar.
Em Lúkács, cm semi-idealismo, há apenas
dois movimento diferentes, mas unidos:
1)
Objetivação
(de ideia, teleologia subjetiva),
2)
E
sua exteriorização.
Mantendo ambos, complementamos, sentido
inverso:
1)
Subjetivação
da objetividade,
2)
E
sua interiorização,
3)
Essencialização
subjetiva da aprência ou forma objetiva externa,
4)
Autônoma consciência do inconsciente social.
O útimo exige explicação. Posso saber,
de maneira imediata, que um tanto de sofás são trocáveis por uma casa – mas não
sabemos o motivo e não sabemos o motivo de sabermos isso, nem porque somos
ignorantes em relação ao lastro oculto. Eis o inconceitne social e pessoal.
O EU PRIMÁRIO
Tratarei deste tema mais uma vez em
outro capítulo. Adianto porque é difícil, essencial; além de soar como engodo,
exagero, pseudocientífico por seu lado bizarro e sua difícil demonstração
empírica direta.
Freud tomou o inconsciente como um
não-eu no sentido de ser sem tempo, desorganizado, armazenador de memórias
inaceitáveis ao ego etc. Erram os marxistas que negam tal teoria correta – por
isso deixam de ir além, de oferecer algo novo quantitativo e qualitativo, desde
o freudismo. Como ir além, como superar tal concepção de inconsciente? Nós
temos um Eu autoconsciente, vivo e organizado, mas oculto para nós e para os
outros. Usamos máscaras, mas elas não são falsas, enganos ou teatralidade.
Temos dois eus verdadeiros, um sujeito oculto determinado – como se fosse duas
personalidades com a mesma personalidade. Quando olho, em análise, alguém por
dentro, o seu eu interno; tal eu percebe, defende-se, sente-se ameaçado sem que
o eu externo dele próprio perceba (então, passa a me odiar por um motivo
qualquer, como autodefesa, gerando contra mim, o analizador, um inimigo para
toda a vida…). Freud não percebeu que o chiste, que não é piada ou ironia,
quando por meio da linguagem eu e outro falamos de nosso lado inconsciente, mas
como brincadeira – é na verdade os eus internos comunicando-se diretamente,
usando de modo mais direto o eu consciente. A consciência e o eu consciente são
frutos do trabalho e da necessidade de lidar de modo prático com o mundo
prático, externo. Já o eu inconsciente apenas foi desconfiado por poetas e
filósofos em todos os tempos. Vale uma anedota: ao fumar maconha, os
praticantes de tal arte têm certa moral informal de não falar sobre esse outro
lado, mais essencial, percebido por meio da erva, para ninguém se perder no
caminho… Como dissemos, trata-se de uma conclusão bizarra semelhante às
descrições da física quântica. O nome pode ser Eu interno, infraEu
(destacando-se do Eu-Ego e Supereu-Supego – também difere-se do eu verdadeiro e
do eu falso, chamado falso self). Se a concepção de inconsciente de Freud
causou tanta resistência, tanto mais causará esta concepção que supera
qualitativamente a dele. Na clínica, o eu inconsciente é quem faz a barreira,
resiste, manobra e, às vezes, foge da terapia porque tem em si consciência
daquilo que não quer ter consciência. Qual, então, a relação disso com o
marxismo? Toda relação. Mas agrademos os paladares conservadores ao iniciar o
material com o eixo da economia.
Uma forma de vermos que somos cindidos
em dois eus, sem dupla personalidade, é que uma parte de nós vê o sonho,
experimenta-o, e a outra o produz e o censura, medeia-o.
AS PULSÕES DO HOMEM
[Capítulo de minha
Metafísica, última parte deste livro]
Em outro momento, apresentamos a
conclusão de que a alma pode ser compreendida se for enquanto alma
materialista, ou seja, psique. Também em outro instante, expomos as teses
gerais de nossa psicologia. Aqui, apresentaremos três pulsões vitais do homem.
São elas:
Pulsão de felicidade (sentimento,
emoção) (subjetivo) (singular, individual)
Pulsão de trabalho (ação)
(subjetivo-objetivo) (particular, relação do singular com o geral)
Pulsão ontológica (razão) (objetivo)
(universal, geral)
A pulsão de felicidade afirma que somos
condenados a desejar sermos felizes. Tal impulsividade é inevitável, necessária
e em si positiva. Qualquer filosofia ou religião a propor negar tal eixo, erra
e luta contra a realidade.
A pulsão de trabalho também tem sua
inerência. Entre psicólogos e filósofos, pensa-se que a pulsão primeira e
fundamental seria o desejo (uma visão mercadológica e burguesa), mas nós
criamos um desejo (meta etc.) como justificativa para agir, viver e, ou seja,
trabalhar. Nós precisamos de trabalho, ou seja, de atividade – o ócio
prolongado e com ares de absoluto leva ao tédio. Deve-se trabalhar nem que seja
de modo onírico ou imaginativo. Há, portanto, uma necessidade natural humana
por trabalho (Marx). É verdade que a ideologia da valorização do trabalho é uma
criação burguesa, do burguês; por isso, algo histórico e falso – mas a verdade
básica foi alcançada.
A pulsão ontológica é a necessidade de
compreender o mundo ou de ter, ao menos, certa explicação geral sobre ele. Daí
a era das religiões. Um dos piores sentimentos é sofrer, mas nada saber da
causa de sua dor – dói-se em dobro. Kant (e as três pulsões tratadas negam a
tradição kantista) afirma que tem “tendência” (afirmo: natural) a ir para além,
ou por debaixo, do empírico, do sensível, dos dados, da experiência; rumo à
coisa em si, ao númeno, à essência, ao conteúdo. Ora, não há motivo para
resistir ao impulso inerente! Nosso cérebro pede explicação, motivos,
ontologia, metafísica, ou seja, ciência filosófica.
O abandono de tais pulsões caracteriza
doença, como a famosa depressão.
Parece apenas que a pulsão de felicidade
leva à de trabalho (para realizar e realizar-se) e, logo, à de ontologia
(compreender para trabalhar, modificar o mundo). Mas isso é parcial, pois os
três existem por si e com relativa autonomia.
É curioso como as três pulsões levam ao
socialismo e se realizam, à maneira tendencial, em alto nível, nele.
O DESEJO
Na parte sobre crítica da psicanálise,
veremos que Freud errou sobre como avaliar um sonho, seu conteúdo. Mas o que
mais importa é saber, antes, a natureza do desejo, não só descobrir quais. Além
de desejos opostos, que costumam conviver no mesmo individuo (engravidar e não
engravidar etc.), temos os desejos puramente biológicos, sem mediações. O mais
importante, porém, está no fato de que nossos desejos costumam estar lastrados,
com mediações, na natureza humana: queremos integração, mutualismo e sermos
ativos. Eis o conteúdo do sonho em repouso ou lúcido. Lacan fala em desejo e
demanda; este último é o desejo do desejo. Quero brigar com o vizinho por causa
da calçada ou do seu cachorro, mas, no fundo, quero me relacionar com outro ser
humano contra a solidão, mesmo que no modo de conflito. Mais um limite
psicanalítico: desconhecer o desejo.
TELEOLOGIA INCONSCIENTE
Além do planejamento consciente (que
deve ser incentivado), há um planejamento do inconsciente. Na nossa formação
juvenil, nosso eu interno – inconsciente organizado – tem um “roteiro” que
busca ser realizado, às vezes por meio do delírio. Até os animes que assistimos
nos formam, formam tendência. Claro, há unidade – ainda que contraditória e
relação – entre consciência e inconsciente.
Por outro lado, junto às novidades,
nosso cérebro absorve aos ciclos repetitivos externos de tempo, clima, data. De
tal modo, temos a mesma lembrança ou ideia no mesmo dia, ou próximo, do ano
anterior. Várias vezes, passei por isso por meio das lembranças de minhas redes
sociais. É inconsciente, organizado. Claro, teve função evolutiva entre os
primitivos.
PARTE 2
Psicologia e economia
FIXAÇÕES HISTÓRICAS
Podemos inferir a cada época da
humanidade sob regime de classes pelo menos uma grande fixação coletiva.
A grande tara social na época
escravista parece ter sido a guerra, o tema dos poetas. O escravismo
necessitava do conflito militar constante para conseguir escravos, terras e
domínio sobre outras civilizações. Observou Maquiavel:
E embora depois esse império [Roma],
por causa da invasão dos bárbaros, se dividissem em várias partes, essa virtú não renasceu; uma, porque se pena
um bocado para recuperar as ordenações quando estão corrompidas; outra, porque
o modo de viver de hoje, no tocante à religião cristã, não impõe a necessidade
de defender-se que havia antigamente; então, os homens vencidos na guerra ou
eram assassinados ou permaneciam em perpétua escravidão, em que se levava uma
vida miserável; as terras vencidas ou eram devastadas ou despovoadas; seus
habitantes eram destituídos de seus bens, dispersavam-se pelo mundo afora, de modo
que os sobreviventes de guerra padeciam todo tipo de miséria. Apavorados por
isso, os homens tinham em alto grau os exercícios militares e celebrava-se quem
era excelente neles. Mas hoje esse temor em grande parte se perdeu; dos
vencidos, poucos são mortos; ninguém fica muito tempo preso, porque com
facilidade são libertados. As cidades, ainda que se rebelem mil vezes, não são
arrasadas; os homens são deixados com seus bens, de forma que o maior mal que
se pode temer são as taxas; de tal sorte que ninguém quer submeter-se às
ordenações militares e esforçar-se nisso para escapar dos perigos os quais
temem pouco.
Daí que Heráclito diga, fundando a
dialética instintiva: "o conflito é o pai de todas as coisas: de alguns
faz homens; de alguns, escravos; de alguns, homens livres."
Os jogos olímpicos gregos e as arenas
romanas também expressavam tal fator cultural de origem na objetividade do modo
de vida daquela época.
A grande fixação feudal foi para com a
questão religiosa e a negação do corpo. Era necessário justificar o subconsumo
dos servos na subprodução daquele modo de produzir e as hierarquias classistas
por meio da religião e seus pecados – gula, luxúria, preguiça, etc. Era uma
ideologia útil ao feudalismo, à manutenção do sistema feudal.
O dinheiro é tema, guia de ação e
pensamento quase constantes no cotidiano sob o capital. Parecerá doença de
fixação monotemática visto por um povo não mercantil futuro. A loucura de sua
lógica, que toma a forma de um vício, pode ser bem visualizada quando vista de
fora, quando o mundo do mercado era minoritário e paralelo nas sociedades:
“Mas os que querem ser ricos caem em
tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas
coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.”
(1 Timóteo 6:9-11.)
E:
“Nunca entre os homens floresceu uma
invenção/ pior que o ouro; até cidades ele arrasa,/ afasta os homens de seus
lares, arrebata/ e impele almas honestas ao aviltamento, à impiedade em tudo”,
Sófocles, Antigone [ed. bras.: “Antígona”, em A trilogia tebana, trad. Mario da
Gama Kury, 9. ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, versos 344-50] (Marx, O capital I, 2013, p. 206, nota 92)
Como reagirá as atuais gerações quando
seus padrões de pensamento obsessivo deixarem de encontrar a base de origem?
Soa inimaginável ao cidadão comum afirmar que o dinheiro será extinto ou, ao
menos, marginal na economia do futuro possível. Ter é condição necessária de
ser, de desenvolver as possibilidades deste. Há, nos sistemas classistas, uma
contradição ao o ter ser negação do pleno e saudável desenvolvimento do ser.
Sob o capital, ter é ter o dinheiro – mas é o dinheiro, o próprio capital, o
valor como regulador social, que tem seu portador, mera encarnação de um
almático poder estranho, inumano. Ter ou não ter – eis a questão! Por isso,
sentimo-nos “naturalmente” mal, desconfortáveis, quando temos de entregar nosso
dinheiro, mesmo se em troca de algo de nosso desejo ou necessidade. De repente,
ao vermos uma quantidade enorme e concentrada de dinheiro, imediatamente
arregalamos os olhos impressionados como os insetos amam a luz artificial
noturna.
OS MOVIMENTOS DA SUBJETIVIDADE NA OBJETIVIDADE EM CRISE
Quando todas as
condições objetivas de uma situação revolucionária estão maduras – crise
econômica, classe trabalhadora radicalizada, classe média à esquerda, burguesia
dividida, Estado paralisado, forte partido revolucionário – ocorre que a
subjetividade ganha máxima importância histórica. Até mesmo a subjetividade do
indivíduo, como a do líder, adquire peso central no destino da sociedade.
Quando da crise sistêmica do escravismo romano, as pequenas e individuais
manipulações políticas, manobras, jogos pessoais, etc. tomaram alto relevo
naquela vida social decadente (parte da crise do Estado burguês, isso se repete
hoje). Em partidos políticos em dura crise interna, a psicologia individual
ganha máxima importância, multiplicando-se a questão da subjetividade por causa
da paralisia estrutural da objetividade partidária. Tais exemplos visam deixar
claro um fenômeno da crise sistêmica do capitalismo, a subjetividade na
economia. Os jornais destacam que “os mercados ficaram nervosos”, o “humor dos
mercados”, como se alguma entidade inumana e emocional. O peso da subjetividade
no fluxo dos capitais, a reação aos fatos, e seus efeitos práticos, após a
liberalização financeira como reação contra a decadência econômica, torna-se
típico de nossa época porque a base sócio-econômica amadureceu para sua crise,
seu ocaso.
CURVAS DE DESENVOLVIMENTO E SUPERESTRUTURA SUBJETIVA
Na fase de alto
crescimento do capital, de 1945 à década de 1970, o otimismo imperou com seu
existencialismo, com seu “marxismo” reformista, com suas revoluções parciais
vitoriosas, com a bossa-nova (feita para a ascensão da classe média), com
vanguardas artísticas longe mal-estar e da depressão. Mas tudo é transitório. A
partir da década de 1970, vem a crise – vêm as crises – e, com ela, o
pessimismo, o marasmo, a falência das antigas vanguardas, a literatura e o
cinema distópicos, a crise do socialismo real, a crise moral, a crise dos
partidos de esquerda, enfim, a filosofia e a realidade pós-modernas. O
sentimento é o marasmo, o tédio como angústia – ainda não há saída. Veja-se que
a base econômica, e social, mudando, mudam-se as filosofias e os humores, até
as superestruturas objetivas. Com a crise aprofundada desde 2008, a depressão
aprofundar-se-á, novas artes e filosofias pessimistas surgirão; porém uma
revolução socialista, que é típico desta época, do declínio da curva de
desenvolvimento do capitalismo, pode encher de otimismo – mesmo que
momentaneamente, e com resultados duradouros – a classe trabalhadora, os
artistas, parte dos filósofos, as organizações subversivas, etc.
DIALÉTICA DO INCONSCIENTE AO CONSCIENTE
Em outro capítulo e ensaio, debateremos
nossa nova dialética; por enquanto, por aqui, desenvolvemos apenas os opostos
inconsciente e consciente. Vejamos:
1.
A
ciência focou, de início, no “como”, não no “o porquê” durante o capitalismo –
a cientificidade socialista mudará isso.
2.
Uma
das condições para o socialismo é termos consciência de algo ainda
inconsciente, de que somos “uma forma de o cosmos conhecer a si mesmo”. Algo
feito após a revolução, mas cujas condições se dão no capitalismo – hoje,
sabemos muito da história e natureza do mundo, uma das “regras” para sermos
capazes de revolucionar a sociedade.
3.
A
psique vai do inconsciente ao desenvolvimento da consciência, sua inflação.
4.
A biologia
produz, por tentativa e erro, seres cada vez mais conscientes.
5.
A
revolução socialista é os trabalhadores tomando consciência, elevando-a,
tomando a história, que antes acontecia como se pelas suas costas, em suas
mãos, com planejamento.
6.
O
inorgânico inconsciente vai-se para a biologia com consciência.
7.
As
regras da língua avançam do inconsciente para o consciente formal.
8.
Marx
afirma que, porque surgiu a troca com suas regras inerentes, depois veio a sua
parte jurídica, a lei. Hegel diz que uma lei, como condenar assassinato, surge
porque os cidadãos já condenam, antes, o crime. A lei inconsciente torna-se
consciente.
9.
Taxa
de juros e dinheiro, que tinham origem inconsciente, tornam-se um tanto mais,
de modo relativo, ação consciente, decidida, embora a objetividade inconsciente
permaneça.
10. A macrotendência da macro-história é o
aumento da cognição humana.
11. De modo relativo, em certa medida, as coisas
que são frutos do homem desenvolvem-se do inconsciente para algum nível de
consciência ou proto-consciência parcial dos robôs e da inteligência
artificial.
O inconsciente permanece com e no
consciente.
Marx deu a base para percebermos o
“inconsciente social”, incluso como resultado de contradições. Vemos isso na
famosa expressão “fazem, mas não sabem”. Marx afirma:
Na
aplicação da maquinaria à produção de mais-valor reside, portanto, uma contradição imanente, já que dos dois
fatores que compõe o mais-valor fornecido por um capital de dada grandeza, um
deles, a taxa de mais-valor, aumenta somente na medida em que reduz o outro
fator, o número de trabalhadores. Essa contradição
imanente se manifesta assim que, com a generalização da maquinaria num ramo
industrial, o valor da mercadoria produzida mecanicamente se converte no valor
social que regula todas as mercadorias do mesmo tipo, e é essa contradição que, por sua vez, impele o
capital, sem que tenha consciência disso,
a prolongar mais intensamente a jornada de trabalho, a fim de compensar a
diminuição do número proporcional dos trabalhadores explorados por meio do
aumento não só do mais-valor relativo, mas também do absoluto. (Marx, O
capital I, 2013, p. 589, destaques meus)
Marx completa citação com nota de rodapé
153:
A
razão pela qual essa contradição imanente não se torna consciente para o
capitalista individual – e, assim, tampouco para a economia política que se
move no interior de sua concepções – será exposta nas primeiras seções do livro
III.
Para o capitalista, ele aumenta o lucro
simplesmente reduzindo o custa com o salário, diminuindo este. Mas, na verdade,
está aumentando o mais-trabalho e o mais-valor, aumentando o trabalho gratuito,
reduzindo o valor na formado e salário e o trabalho necessário. Do mesmo modo,
ao promover a automação, o capitalista prepara o terreno para o socialismo, embora
queira o oposto, o aumento do seu lucro. Em sua grande obra, Darwin afirma
haver uma seleção humana, artificial, inconsciente dos animais domesticados.
O terceiro aspecto do inconsciente
social já foi anunciado pelo marxismo, sem nomeá-lo. O filósofo, ou o artista,
ou o cientista pode ser de fato original, genial, hipercriativo, autônomo e
autêntico – mas ele será sempre fruto de sua época, de seu tempo, de sua
realidade. Não existe ideia isolada e suspensa no ar. A realidade de uma época
faz e permite as ideias, os sentimentos, o modo de sentir, a moral, as
ideologias, as ciências de sua era. O modo como vivemos (a classe etc.)
determina o modo como pensamos e sentimos – uma determinação não determinista,
mas determinação que determina ainda assim. O hábito faz a maneira de pensar,
por exemplo. O que passa na cabeça responde e corresponde ao que se passa no
seu mundo, no seu contexto. Tal verdade apenas tornou-se consciente a partir de
Marx. A materialidade determina a idealidade.
Outro exemplo de insconeciente social,
além de pessoal, está na história do pensamento. Agostinho afirmou saber o que
é o tempo, mas, se pedirmos uma definição clara, ele não a terá, confessa.
Assim, Sócrates provou que todos sabem o que é justo, coragem etc., mas não
sabem definir, logo, não saberiam de fato e de vez. Eis que temos consciência
de algo sem saber sua intimidade, como o fato de tratarmos com o valor
mercantil sem explicar por milênios sua origem e sua medida. Uma das razões é
que a definição depende do contexto, há várias formas corretas de definir (não
somente uma e universal), ou, pela finalidade etc., pode-se ir para acima de
tais conceitos crus.
O teórico burguês é limitado, mas seu
limite cumpre uma demanda teórica social burguesa, demanda também mercadológia
por isso; por isso, seus livros vendem, por isso é reconhecido – contra o
teórico do tipo comunista. Quanto ao caráter particular e hiperespcializado, complementa-se
seu lado instrumental, útil, técnico. Ademais, central, uma vida especializada
e unilateral leva ao pensamento especializado e unilateral. As calsses
dominantes do passado eram intelectuais muitas vezes, pois, para dominar,
necessitavam saber de arte militar, economia, política, filosofia, retórica
etc. Hoje, a burguesia é vagabunda, enquanto dominam os intelectuais (políticos
etc.) vindos da classe média. Como a vida de tal setor intermediário é pobre,
sua teeoria etá emobrecida em geral. Eis a mediação entre a necessidade inconsciente
de justificar o mundo ainda injusto com a consciência.
DECLÍNIO GERAL DA PSIQUE
É do conhecimento geral que a depressão
– com comorbidades como a Síndrome de Burnout – tende a ser a principal causa
de afastamento do trabalho no mundo. Tal processo está lastreado nas mudanças
materiais da sociedade capitalista na história recente. Já que a cabeça segue o
chão que os pés pisam, mesmo que em atraso, exige-se partir da realidade, do
objetivo, como nos capítulos anteriores, ao subjetivo.
Com o capitalismo recente, encerrou-se
a possibilidade de um destino mais ou menos seguro, estável para a maioria,
como os anos dourados do pós-II Guerra. A desconfiança quanto ao futuro tem
levado a inúmeras angústias, uma incisiva incerteza. A realidade parece que
será pior amanhã do que é hoje, embora a força individual de otimismo
GRÁFICO 23
Fonte:
Veja-se que o recorde, o salto do
gráfico, combina com o salto da queda da taxa de lucro, do aumento constante da
inflação, do peso das crises cada vez maior etc. O PIB, por exemplo, afeta a
mentalidade. Não é sem propósito considerar que eventos como separações de
casais (ao menos na classe média) tendem a aumentar após início de uma crise
cíclica.
As fontes de frustração aumentam e veem por diferentes
vias. Nas empresas, a produtividade é a grande religião; o esforço repetitivo
por horas, quase todos os dias, e a busca de atender pesadas metas levam ao
esgotamento psíquico. Vejamos um famoso caso:
Um trabalhador da Foxconn Technology
tentou se matar ontem, tornando-se a 13.ª pessoa neste ano a cometer suicídio
ou a tentá-lo na companhia, que fabrica produtos de alta tecnologia para
gigantes do setor como Apple, Dell e Hewlett-Packard, segundo a mídia estatal
chinesa. Desse total, foram 10 mortes. (…) Os suicídios e tentativas anteriores
nas operações da Foxconn Technology Group no sul da China envolveram
trabalhadores que saltaram de edifícios. Dois sobreviveram. Outro trabalhador
se matou em janeiro em uma fábrica no norte da China.
Para resolver este problema a empresa
teve uma ideia genial:
Gou disse aos jornalistas que estavam
sendo instaladas redes para evitar que mais pessoas pulem para a morte. As
redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e
prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em
Xangai, Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de
correio, bancos e piscinas de tamanho olímpico". "Apesar de parecer
uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se mais alguém cair",
afirmou o presidente da Foxconn. (Idem)
Para garantir a “imagem” da empresa:
Eles [ativistas que prepõe boicotes]
afirmam que as jornadas de trabalho são longas, as linhas de montagem têm uma
velocidade muito alta e os chefes aplicam uma disciplina militar para lidar com
os trabalhadores.De acordo com jornais chineses, a companhia agora obrigou os
funcionários a assinar acordos declarando que não vão se suicidar [um acordo,
veja só! – comentário nosso]. A companhia ressalta que apesar da publicidade
negativa, todos os dias cerca de 8 mil pessoas se candidatam para trabalhar na
empresa. (Idem)
Faltou observar que ou procuram um
emprego, com risco laboral de depressão psíquica, ou sofrerão de um tipo muito
específico de depressão estomacal.
Como expressão da crise do valor, na
medida em que cai a taxa de lucro aos baixíssimos patamares atuais, mais a
patronal pressiona pela retirada de direitos, por uma maior submissão do
trabalhador, por uma taxa de desemprego “natural” maior. A moral também deve se
adaptar, pois, para correr em busca dos difíceis lucros, torna-se preciso a
luta de todos contra todos, o individualismo exacerbado, o vale-tudo; tal
concepção vai contra a natureza humana e causa suas sequelas mentais. No longo
prazo, a falta de concepção cooperativa torna o trabalho insuportável já que
uma oculta guerra civil surge nos locais de trabalho. Há uma crise moral-ética
evidente.
A grande urbanidade trouxe consigo, na
forma capitalista, a solidão social. Tal efeito de invisibilidade de um lado
traz mais liberdade em potência, menor controle direto dos cidadãos, porém pode
ter também efeito contrário ao obrigar o indivíduo a adaptar-se ao meio, a ser
nada ou pouco autêntico, ou seja, a construir um “falso eu”, um eu adaptativo,
para ser aceito. Para sobreviver, deve adaptar-se subjetivamente ao grupo, à
empresa.
Nos EUA, ficaram famosos os casos em
que indivíduos completamente normais, provavelmente portadores de normose
(doença da normalidade), de repente lançaram tiros sobre alguma multidão antes
de cometerem suicídio. Tais atos violentos são vazios de sentido, não possuem
conteúdo, porque foram motivados por vidas vazias de um sentido qualquer.
No Japão, país simbólico da crise
sistêmica em inúmeros sentidos, para dar mais um exemplo, a solidão excessiva,
a depressão e o suicídio, junto com duríssimas jornadas, são profundas marcas
sociais e, ao mesmo tempo, tabus gerais. O mundo das coisas integra-se e
enfeita-se naquele país enquanto o mundo dos homens perde poesia e
fragmenta-se.
Retomando a questão dos grupos sociais,
a tendência da classe média aristocrática é isolar-se, tanto quanto pode sua
renda, criar um paraíso artificial que é um inferno para a psique. Dunker
expõe:
[…] gente pode entender o condomínio
mais além da forma concreta de vida entre muros, como uma espécie de patologia
das nossas relações com o outro e com o espaço social, no sentido de que os
condomínios [físicos] proliferam no Brasil num momento em que o Estado se
demite da função de organizar o espaço público. Ele entrega isso para
iniciativas independentes que vão ter muita autonomia para definir quais são as
regras e a maneira de habitar aquele espaço que não é mais exatamente público.
É uma espécie de concessão. Do outro lado, a gente tem uma certa alteração
desse modo de vida dentro do condomínio, na medida em que se força e se cria
artificialmente uma vida entre iguais. É uma vida em que você desaprende a
lidar com as diferenças. É um berçário para modos muito empobrecedores de estar
com o outro, nos deixando vulneráveis ao consumo de álcool e drogas de forma
superexagerada, à agressividade e à violência de uma forma disruptiva – como eu
não sei lidar com a diferença, ela acaba sendo uma espécie de ofensa à minha
existência. Fica-se vulnerável ao tédio, à apatia, ao excesso da relação com o
trabalho, a uma espécie de hiperinflação da produtividade. Quando você cria
essa vida em condomínio, a vida privada passa a ser um pouco mais gerida por
regras do espaço público. Então, a gente tem os clássicos sintomas do
sentimento de inautenticidade, do sentimento de esvaziamento, de que você está
permanentemente representando uma espécie de papel.
Entre a camada superior dos ricos, os
bilionários em destaque, os verdadeiros donos do mundo, destaca-se a perda de
noção da realidade por razão do próprio modo de vida. A falta de tato social da
classe dominante na época de sua decadência foi observada por Trotsky, na clássica
obra A Revolução Russa, quanto à nobreza durante a revolução francesa e o Czar
e a Czarina durante a revolução russa. A existência apartada da minoria
dominante mostra a alienação como em si uma vantagem ao polo “aristocrático”
das relações sociais. A prova de que o capital é incontrolável até para eles e
os domina é que portadores de grandes fortunas preparam-se para o possível fim
da civilização com caros abrigos especiais…
Há entre a maioria, incluso políticos
(vide Trump), uma loucura relativa que expressa a loucura da existência atual.
Parte dessa deformação psíquica não tira das pessoas seu lado funcional,
podendo até torná-las muito eficientes do ponto de vista desta sociedade. Gente
que foi capaz de bloquear boa parte do desenvolvimento de sua vida emocional em
nome da sobrevivência é o exemplo comum.
Boa parte dos fatores que produzem o
declínio da psique é fácil de extrair da realidade. Lukács, por exemplo,
observou o desenvolvimento da manipulação das massas sob o capitalismo atual,
uma forte influência sobre a subjetividade. De um lado, o capitalismo precisa
vender constantemente a ideia de felicidade plena por via do máximo consumo, do
acesso às mercadorias, etc. Por outro lado, o próprio capitalismo frustra as
expectativas da maioria. Isso passa para uma armadilha interna ao sistema, pois
os assalariados e setores médios querem conquistar a qualidade de vida mostrada
nas propagandas por toda parte. Isso, a luta pelo acesso, motiva o
revolucionamento total da sociedade.
Sabe-se da revolução como uma reação a
problemas objetivos como o desemprego. O caldo tem alguns ingredientes
adicionais: os protestos revolucionários costumam parecer uma grande festa,
como diz Lenin, em seus inícios, uma catarse coletiva, irracional do ponto de
vista burguês, porque enfrenta também uma situação desumanizante
subjetivamente.
A mudança socialista do estilo de vida
– menor jornada de trabalho, mais espaços de convivência, seguridade social,
acesso aos produtos, etc. – tenderá a atuar contra as diferentes formas de
alienação, que pesam sobre as mentalidades, ou seja, facilitará a realização da
essência humana (ser integrado, ser mutualista e ser ativo) e oferecerá
satisfatórias condições materiais.
A crise sistêmica do escravismo
produziu, por razões socioeconômicas, o declínio da psique naquela sociedade,
aprofundado pelo uso do chumbo (no vinho, nos encanamentos, etc. – quase
cometemos esse erro sob o capital). O mesmo ocorreu na crise sistêmica do
feudalismo, potencializado pela contradição das novas tendências com a
necessidade de repressão religiosa (com efeitos como a “epidemia da dança” na
Europa – a revolução freudiana em parte evita que repitamos hoje as mesmas
causas). Sob o capital em crise, talvez existam outros fatores ocultos, em si –
apenas em si – extrassociais e extraeconômicos, influenciando a crise subjetiva
como, talvez, o efeito da mudança climática sobre os humores, a alimentação
artificial, etc. Um filósofo vulgar dirá que nossa diferença essencial para com
os outros seres vivos ocorre porque somos uma espécie capaz de suicídio, do
indivíduo e da espécie… Na verdade, o pensamento oficial nega o fator
sistêmico, histórico, da crise psicológica. Por exemplo. Para manter o gancho
com o capítulo anterior e os demais; alguns teóricos afirmam que o mau humor e
a tristeza, além da sensação de peso, derivam de átomos e moléculas no ar
positivamente carregados enquanto o ambiente rural apresenta matérias
negativamente carregadas, dando sensação de alívio e bem-estar. Mesmo que isso
seja uma causa, dentre outras, importante, está subordinada à “causa única e
comum das causas múltiplas”, dito em dialética diacrônica, ou seja, o modo de
vida, a forma de urbanização atual etc. O ser social exige solução social.
Há que destacar a crise da psique como
crise abstrativa. Seja porque nossa capacidade de abstração mental está
reduzida (por causa do uso de tecnologia de certo modo etc.), baixa imaginação
etc.; seja porque estamos perigosamente isolados. Esse eixo conceito é
instrutivo para a psicologia e sua prática clínica.
APONTAMENTOS
SOBRE PSICOLOGIA N’O CAPITAL
A grande
obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua
totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário,
ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados.
Já no começo
de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser
tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem.
Logo mais,
Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação
central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo,
social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo
como natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem
ter que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e
por meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e
subjetivo.
Ao tratar da
cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal
social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O
simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade.
Em outro
ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita
por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua
origem.
Outro fator
está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da
população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais
filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio
se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais
verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde
produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e
nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu
autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como
cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o
estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole.
Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante
desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí
fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10
meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu
naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a
quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer tipo
de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em geral,
inconsciente.
Marx
demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por
exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no
trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido,
tal origem está apagada.
Também
notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam
a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o
valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece
para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de
trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a
pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d’O Capital, mas, ao
avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de “sentir” as conclusões da
obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado
na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e
centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na
aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai
mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do comércio.
No livro
três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores
sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas,
comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc.
Como
personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do
capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do
capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é
imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o
investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou
pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade.
Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados
no dinheiro, no valor como capital.
Enfim, Marx
deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não
longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia,
que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato
profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau
de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como
a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes
socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças –
por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.
PSICOLOGIA
FABRIL
A psicologia
fabril, como síntese e exemplar, muito mais é do que a normativa psicologia da
administração. Quando Marx afirma ser uma tentação irresistível trabalhar mais
quando o trabalhador é pago por peça, não por tempo, temos um exemplo inicial.
Gramsci afirma: nos EUA, a moral puritana contra a prática sexual fez com que o
operário “copulasse” na máquina ou na ferramenta, gastasse mais de sua energia
corpórea na produção. Vejamos mais casos concretos. As máquinas pesadíssimas,
colossais e caríssimas apequenam o trabalhador, que pensa ser nada diante
delas. Diante de trabalho alienado, separado, isolado etc. os trabalhadores
encontram meio de afirmar seus laços: quando um imita o som de macacos, outros
respondem com a mesma sonoridade, formando um grande bando metafórico a soar
nos metais fabris – o que reduz a tensão psíquica da repetição, da extensão da
jornada e do isolamento. A piada, a ironia e o meio-riso contra o gerente
servem de exemplo. Fiz uma panfletagem na garagem dos rodoviários de minha cidade;
ainda de madrugada, um dos panfleteiros, camarada, correu ao ver um antigo
colega de seu curso em administração… Mas ele voltou bufando, disse: “Fui
oferecer um panfleto para ele, mas disse que não queria, pois era um adversário
de classe.” E, após repetir a fala do agora gerente da empresa, comentou:
“Falou isso como se ele não fosse trabalhador também!” Na verdade, o procurado
tinha razão, seu lado era o do patrão, não o dos motoristas regionais; errado
estava meu companheiro ao confundir trabalhador, no sentido e no real rígidos,
com assalariado. Por fim, o capital e o capitalismo têm operado todo um “sistema
de mediações” (conceito que se revelou necessário), as relações sociais são
cada vez mais indiretas, com mais entremundos de coisas, pessoas e processos;
por quantos mundos a mercadoria deve ter passado antes de chegar ao consumidor
final, por exemplo; a empresa torna-se empresa impessoal, pois o burguês está
fora da administração e colocou – também! – um executivo entre ele e o
trabalhador – o trabalhador já não sabe quem é seu chefe real; o Estado aparece
como impessoal etc.
PARTE 3
Psicologia e estrutura
CLASSES
E PSICOLOGIA
Como
o modo de viver determina o modo de pensar, cada classe tem tendências morais,
de raciocínio, de valores etc. próprias, geras para seu grupo. Isso vem desde a
infância. Uma pedagoga revelou-me que trabalhou em escola de rico e de pobre
para crianças; na primeira, os infantes eram “desligados” e até o lanche
deveria ser dado na boca deles; na segunda, as crianças faziam fila, tenham
iniciativa, comiam de modo independente etc. A divisão de classes causa divisão
de perfiz de metais.
Os
trabalhadores são mais práticos e naturalmente disciplinados; os professores
universitários, classe média, falam demais, são viciados em falar, pensam que
falar é agir, e têm dificuldade de acordar muito cedo… No partido ao qual
militei, havia grupos operários e de professores superiores, e tal padrão
sempre se repetia, com exceções raras entre um ou outro indivíduo.
Porque
se sacrificam pouco, porque pouco agem para conseguir algo, porque pouco se
frustram, aos ricos tende-se a faltar empatia, são narcisistas, são sádicos.
Quando fizermos as críticas às categorias da psicanálise, veremos melhor a razão
disso. Além do mais, psicopatas tendem a estar de acordo com o capitalismo,
sociedade psicopática, logo prosperam e têm grandes cargos.
Devemos
falar, também, do lupemproletariado – vagabundos, ladrões, prostitutas,
mendigos etc. Eles são acostumados ao estresse, mas indisciplinados. Além
disso, são imediatistas, deixam de criar mediações para um prazer futuro maior,
não agora. Sua condição aponta para o oportunismo, para a manobra, para o jogo.
Por falta de prazer social, viciam-se no prazer químico. É, em geral, vítima da
sociedade, mas um inimigo dos trabalhadores como com a violência urbana,
arrancando destes o fruto difícil de seu trabalho.
DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO
Hegel afirma que o Senhor teve a coragem
enquanto o escravo focou no medo da morte; assim, aquele generaliza o que este
toma como concreto; aquele tem a consciência essencial, mas por mediação deste,
com e como a inessencial. Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem
validade teórica ou empírica, apenas algo da história da filosofia
supervalorizada. Talvez se torne útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande
elitista, reformulou a imagem assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o
limitado escravo julga tudo como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de
Lukács, que apenas nega e (des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos
a crítica imanente de escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou
reformulando seus caminhos. Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem
define o mundo como bom ou mau, pois ele é o polo idealista ou “espiritual”, do
não prático, e isso é demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a
religião de origem africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta
com a matéria, com o material, materialista e prático, logo deve definir o
mundo como bom ou ruim. É o oposto do que disse o último alemão, o
irracionalista; além disso, claro que o escravo toma seu senhor como mau, pois
de fato o é, logo ele é mais completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no
mundo com maior maestria, o cérebro-consciência dele mais necessita ver
cruamente a realidade. O senhor nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado
uma afirmação de humanidade, insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o
escravo, a noutra ponta, ver-se como humano desumamizado e saber que a
humanização e superioridade do seu “dono” apenas é possível por meio da sua
exploração, do roubo de trabalho. Assim, o escravo alcança instintivamente a
identidade na e da não identidade enquanto o senhor insiste que A é igual à A,
esta pobreza espiritual, que algo é apenas igual a si mesmo, numa oposição
supostamente fixa entre ele e o outro, que não tem sequer a dignidade de ser
outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as coisas tal como são porque
tomam as dores da burguesia para si, ainda que tal classe ainda tenha sido
revolucionária e “oprimida” no tempo do primeiro pensador.
Isso é expresso na prática e hoje quando
o marxismo, o ponto de vista da classe operária, é o mais avançado e dinâmico
na produção teórica acadêmica e partidária – na área de humana. Além disso,
este polo operário abraça para si a dialética, não apenas a lógica formal. De
tal modo, influencia até as ciências naturais com Einstein, comunista, e Born,
um socialista dialético, terem avançado tanto na macrofísica e na quântica,
contra o limite positivista e mecanicista de seus pares.
CINISMO:
TEATRO SOCIAL
O baile de máscaras comum, tão conhecido, trata-se de relações pessoais,
não diretamente sociais. Por outro lado, o teatro social revela-se, por
exemplo, nos protestos da alta classe média em 2016 no Brasil. Durante mais de
uma década, a aristocracia média perdeu poder econômico enquanto alguns ricos
(bancos em central) e as classes assalariadas ganharam algo. Assim, a classe
média viu os pobres como seus inimigos centrais, pois estes acessavam mais as
universidades, pois as empregadas domésticas tornavam-se rebeldes e mais
indisciplinadas, os gerentes eram vencidos pela rebeldia dos seus funcionários
etc. Odiava-se gente com cara de precário acessando aeroportos “como se
rodoviária fosse”. Então, protestos de massa da classe média encheram as ruas
contra os pobres; mas isso não poderia ser dito, já que desmoralizaria já desde
o início as manifestações. Logo, a luta formalmente era pelo Brasil, contra a
corrupção etc. No fundo, no âmago, todos estavam ali, nas ruas, por um motivo
egoísta e classista, mas fingiam que a pauta era outra. Os políticos dos ricos
sabem que governam para os enriquecidos, mas devem mentir – usando a ideologia,
que não é em si mentira – para enganar a maioria com discursos de “pelo bem do
país”, “para todos” etc. Tal cinismo é o mal da democracia burguesa. No partido
no qual militei, surgiu uma disputa dura e suja pela direção do sindicato
dirigido pela organização; na luta de frações internas, havia todo tipo de
acusação: burocracia, machismo etc. Criava-se um documento político ótimo
apenas para ganhar moral e continuar dirigindo o aparato sindical… Falava-se de
tudo, menos da causa da luta, a disputa de poder para privilégios sindicais.
Nos primeiros anos da revolução russa, a maioria do povo certamente considerava
a homossexualidade um mal a ser combatido com dureza, mas toleravam os
“caprichos” dos revolucionários, como a libertação sexual, contato que o
central – paz, pão e terra – fosse garantido.
O MAIS-PODER
Temos a
mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético
mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo
desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é
um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No
entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que
buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço
acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é
pessoal.
OS ARQUÉTIPOS
SOCIAIS
Minha teoria
do “inconsciente social” supera o inocente “inconsciente coletivo” de Jung,
reformulando o conceito em totalidade. Em geral, os junguianos são aqueles que
devem encarar a ciência, mas não são cabazes de abandonar a ilusão religiosa –
encontram, então, em Jung um meio-termo, que é falso, pseudociência. Mas dele
temos duas teorias derivadas corretas, embora parciais: 1) classificação ótima
dos perfis psicológicos, aperfeiçoado na MBTI; 2) a existência de arquétipos
tipos humanos. No entanto, há um erro: para ele, os tipos de pessoas têm
derivação natural, genética, biológica, evolucionista se quisermos –
demostraremos que é um erro, pois a origem é social.
Vejamos
alguns tipos, os centrais, e a origem real comum:
Sábio e Mago
Aqueles destinados
desde cedo ao trabalho intelectual, em pensar mais do que se mover, como os
filhos da classe média letrada, tendem aos dois tipos de arquétipos citados. O
cérebro toma forma e modo para tal perfil. A divisão classista entre trabalho
manual e trabalho intelectual empurra para isso, para unilaterizar.
Explorador
A comunidade
incentiva, para sua existência, a ousadia pessoal, a aventura. Ao oferecer
tédio e rotina, empurra o indivíduo para algo aventureiro se tem condições para
isso. O adolescente, mais afeito ao risco por cérebro ainda em formação, tende
ao perfil, que também responde aos prêmios e punições sociais.
Criador
O indivíduo,
para Freud, anal, que tem prazer em fazer sua “arte” anal durante a infância,
não em segurar as fezes com dor-prazer. Pois bem, a sociedade também precisa de
especialistas, de artistas, por isso de algum modo os incentiva e os promove
desde a infância.
Herói,
Rebelde
Ora, uma
sociedade que precisa de ambos é uma sociedade fraturada, contraditória – que
gera seus algozes. Neste livro, afirmamos que a repressão estatal, que
transbordar na repressão familiar, produz opositores crônicos, rebeldes
crônicos.
No
socialismo, com educação familiar cientifizada e qualidade de vida, com sua
democracia real, rebeldes e heróis serão coisas do passado.
O rebelde e
o herói podem degenerar no ladrão, no gatuno etc. Ora, isso também é social e
criado via sociedade: no comunismo, o crime deixará de existir e de
justificar-se. O tempo da abundância está quase a chegar.
Amante
Quero destacar
uma variação já afirmada por Jung: toda mulher tem o arquétipo oculto da
prostituta, da meretriz (amante, “piriguete” etc.). A causa social, não
natural, é esta: as mulheres, por milênios, têm sido oprimidas sexualmente e em
quase todos os sentidos da vida. Por isso, por opressão, deliram o oposto, uma
liberdade sexual maior de modo fetichista e impressionada.
No
socialismo, com a liberdade pessoal e financeira feminina, tal arquétipo será
algo do passado. A família será saudável e acabará as culpas sexuais
religiosas.
Tolo, Louco
A educação,
incluso o conviver, educa para fazer rir, também. Além disso, aproximam-se do
rebelde, sendo uma variação especial. Enfim: a loucura existe e a causa, em
geral, está na sociedade imprudente, a loucura social.
Cuidador
Há uma
demanda social por esses tipos, em geral mulheres – com algum traço maior, mas
não absoluto, para isso. Ao praticar o cuidado, seja por obrigação etc., isso é
internalizado, passa a fazer parte da personalidade.
Homem comum
e Inocente
Sociedades
opressoras e atrasadas têm de gerar tal tipo para seu “bom” funcionamento.
Governante
Grupos
humanos necessitam – socialmente! – criar tais tipos.
Aqui, não
negamos certa dose de genética, epigenética etc. Mas a educação e a experiência
desde a infância mais importam. Somos diferentes, com diferentes inclinações,
talentos e vocações.
Há que
destacar mediações também. Por exemplo: a sociedade cria cargos, então, uma vez
criados por necessidade social, testa-se o humano ao empregá-lo; aqueles que conseguem
manter-se no cargo por seu perfil pessoal, prosperam; se não, são substituídos
por gente talvez mais capaz e com o perfil. Há um processo de encaixe e
desencaixe bastante dialético.
Os
arquétipos são sociais, de origem social em primeiro e amplo lugar. São, em
geral, frutos de necessidades e perfis sociais. Por isso, são em geral,
transitórios, históricos, com um fim marcado no futuro com os futuros homens
mais completos em si. Mas alguém pode: 1) ter mais de um arquétipo, 2) mudar
com o tempo seu perfil arquetípico, 3) buscar ter todos ou quase todos juntos.
Veja-se que homens completos, sinais dos homens futuros, como Leon Trotsky
abarcavam todas as características acima de algum modo. No fundo, tal
completude deve ser algo de meta para todos.
Em geral, os
arquétipos sociais são estimulados por causa da essência humana. Por exemplo:
ser governante gera, além do prazer material, um prazer de consideração social
– ser integrado, ser mutualista, ser ativo.
QUAL A CAUSA
DA ESQUIZOFRENIA?
A causa de
tal doença permanece oculta. Pode-se afirmar que repressão familiar excessiva,
como certa mãe narcísica contra seu filho homem, pode causar a doença; mas
isso, correto, ainda é externo. Outro modo, uma privação constante e regular do
sono degenera, também, a mente. Outra causa externa. O mesmo efeito, adoecer,
pode ter diferentes causas.
Afirmo que
uma das causas, com ares de causa geral, está em negar a natureza humana no
ambiente. Não há centralidade da química cerebral, da genética etc. Um dos
casos que acompanhei, o jovem adoecido sofria, antes, assédio e piadas
constantes. Ele tinha, assim, uma autoimagem e uma autoestima baixíssima; até
fazia piada de si para ser aceito. De início, refugiou-se nos livros, lendo
alta literatura. Parece-me que ele começou a delirar que era perseguido, que
poderes ocultos vigiavam, que comer feijão ajudaria a transportar informações
de sua mente para o poder oficial etc. Pois bem; criou uma narrativa épica para
si como forma de compensar a narrativa concreta antiépica, ao menos do ponto de
vista subjetivo. É como o vaidoso, que é vaidoso porque a realidade não o
valoriza. Outro caso, a garota que passava a noite acordada e isolada no
computador começou a ouvir vozes; parece-me uma forma de compensar o
isolamento, a necessidade de comunicar-se (humanamente, pela linguagem verbal).
Terceiro caso, o solitário acima da média pensa estar sendo vigiado e
desenvolve paranoia. Os três caos expressam a negação da essência humana – ser
integrado, ser mutualista e ser ativo. São compensações contra realidade
hostil. No último, vale acrescentar o caso famoso do matemático John Forbes
Nash, que, na sua hiperespecialização unilateral na procura de padrões, incluso
ao evitar vida social e trabalho manual (e atividade física etc.), começou a
ver padrões artificiais, em todo canto. O último caso, um estudante de economia
teve um ataque psicótico com desassociação em que chorava, separado de si mesmo
na consciência, na cama a gritar, um após o outro e em repetição, “Juro!”,
“Tentei!” – juro aqui em duplo sentido; tentei, também. Demonstra “juro” como
categoria econômica e como, ao mesmo tempo, categoria moral. Demonstra “tentei”
como esforço (economia pessoal?) e como atentar no sentido de brincadeira ou
tentação, algo moral. A perda de sensibilidade social dar-se como, de um lado,
atrofiamento por falta de prática e, de outro, defesa contra o ambiente. Por
último, tenho certa amiga “paciente” que pensa estar sendo observada quando
dorme sozinha, em especial quando solteira. Então, liga em vídeo para mim e
pede-me para que eu lhe fique olhando, o que lhe permite dormir. A solidão, ao
que indica, leva-lhe à sensação de fantasmagoria, de estar sob presença – como
os alpistas solitários também relatam tal sensação de presença nebulosa. Eis uma base, desde a essência humana, do
caso extremo, da esquizofrenia.
Estas
palavras não possuem propriamente originalidade, mas precisam ser ditas, sequer
afirmam de pronto que oferecer ao adoecidos grandes doses de essência humana
resolverá. Pelo menos tiramos doses de mistificação e biologismo do tema.
COISIFICAÇÃO
As relações
humanas são coisificadas, como sabemos. Na psicologia individual expressa-se
quando um sujeito tem a mania de guardar objetos (azulejos etc.) do passado no
momento em que eles iriam ao lixo – pois que aquele passado, ou melhor, aquela
experiência humana com outros humanos enquanto permanência; isso está
sintetizado e expressado na coisidade. Sinto-me ofendido quando os locais
comuns que fizeram parte do meu aparato emocional são modificados, reformados;
no fundo, não pelas coisas, mas pelas relações de experiências expressas nas
coisas. Um viciado em celular é viciado na coisa porque por ela, nela, realiza
seu vício natural por relações, por humanizações, por contato com outros
membros da espécie etc. Isso se difere em parte do fetiche e da reificação
tratados no marxismo.
LEI DA
POPULAÇÃO
Darwin
inspira-se no erro teórico, para humanos, da teoria da população de Malthus: a
população cresce, mas encontra um limite de alimentos, logo deixa de crescer. E
se nos inspirarmos na lei de população de Marx sobre o capitalismo? Vejamos.
Vamos, mesmo assim, deduzir, de início, um limite fixo de recursos. Assim: mais
se reproduzem aqueles que estão mais ameaçados, pois isso ajuda a aumentar a possibilidade
de passar seus genes (o que não impede que Darwin também esteja correto – que
abundância é que produz mais reprodução). Vejamos uma pista dessa nova lei
relativa. A macieira, quando levada ao clima tropical brasileiro, clima este
que não é de sua origem, prefere investir em si do que na sua reprodução, pois
tem muita luz, água, nutrientes etc. Então, os agricultores nacionais são
obrigados a cortar a água da árvore, cortar galhos etc. para estressá-la –
então surgem as maçãs novas, ela reage à sensação de ameaça ambiental, à
escassez.
Hibernar
Na falta de
alimentos, as espécies podem hibernar no inverso para guardar energia. Isso
diminui o efeito da escassez sobre a população.
Estocar
Há um
pássaro americano que, ao perceber a chega do inverno, cria enormes reservas de
produtos, rumo ao consumo no inverno rigoroso.
Variar ração
Espécies
podem mudar ou variar seu consumo. Por exemplo, surgiu uma abelha abutre que
lida com carcaças.
Mudar o
ambiente
Ao consumir
uma fruta, o animal, depois, defeca fezes e sementes, ampliando extensivamente
a quantidade de árvores úteis.
Mudar de
ambiente
Os biólogos
dialéticos Lewontin e Lewin haviam exposto tal movimento.
Tamanho da
espécie e dos indivíduos
Uma
quantidade maior de membros, constantes os recursos, tendem a ser menores, o
que aumenta de modo relativo, em comparação, a quantidade de recursos
mesmos. No longo prazo, tende-se a
diminuir o tamanho da espécie, pois os menores têm, nesse sentido, mais chances
de sobreviver.
Capacidade
de armazenar aumentada
Uma falta de
alimentos pode levar os descendentes imediatos a ter mais facilidade de
armazenar energia, diminuindo a demanda, a procura. No nível celular, isso
ocorre por redução do metabolismo causado pelo maior autoenrolameto do DNA.
Roubo
Algumas
espécies e indivíduos podem se especializar em roubar outras, além de membros
da mesma espécie, ou agregar este hábito.
Formar bando
Formar
grupos permite otimizar o sucesso da caça, afastando a barreira individual da
alimentação.
Passar a produzir
e criar ferramentas
Vez ou
outra, uma espécie que não produz, passa a produzir (e o estresse relativo, com
a imprevisibilidade, com o movimento, aumenta a cognição). No caso das
ferramentas, macacos aprenderam a quebrar cocos e a produzir varetas para
apanhar cupins. As abelhas, ou algum ancestral, em algum momento passaram a
produzir mel. Na internet, há inúmeros vídeos de pássaros usando ferramenta
externa para pescar. O peixe tegastes
diencaeus domesticou camarões para nutrir, fertilizar, seu cultivo (!) de
algas, sua fazenda.
Tais
elementos relativizam, contratendenciam, a lei da população na natureza tal
como pensou Darwin. No mais, nossa lei da população, oposta à de Darwin, tem
prova empírica na própria humanidade: as comunidades mais pobres têm mais
filhos, não menos. Aqueles com melhor qualidade de vida, entre humanos,
costumam ter menor prole, mesmo tendo mais recursos. A quebra de 1929 levou
ricos falidos aos bordeis antes do suicídio; na segunda guerra, os homens
engravidavam as mulheres antes de ir ao combate; com o impacto, incluso
midiático, da queda das torres gêmeas nos EUA, surgiu uma onda de nascimento
algo como 9 meses após o fato. A causa da vontade de fazer sexo e filhos,
nestes exemplos, o stress etc., está oculta e inconsciente – a consciência
justifica de algum modo ou outro. No caso das árvores frutíferas, os biólogos
apenas constatam sem interpretar ou generalizar; muitas árvores do nordeste
brasileiro florescem e frutificam quando inicia-se o período de seca, rnenor
humidade e mais calor, maior rico potencial; no Piauí, os ipês florescem o ano
inteiro diante da temperatura e da baixa humidade, levando à sensação de risco.
Na
psicologia individual, acompanhei um “caso” de uma jovem adulta excessivamente
sexualizada, mesmo para padrões brasileiros, com imensa dificuldade em manter
fidelidade sexual em um relacionamento. Em nossas conversas, suas falas
deixavam claro o impacto sob(re) si que teve a descoberta de uma doença
degenerativa autoimune. O medo da morte, lidar tão diretamente com a finitude,
concluí, foi a base de sua sensualidade acima da média, que guiava sua rotina e
relações. Tal pista não foi a princípio tratada como tal; apenas enquanto caso
individual, singular e isolado. Necessitei de vários anos e outros aspectos
para derivar uma teoria geral.
Os seres
menores, quanto menores, mais se reproduzem. Por quê? Porque vivem pouco. Mas
algo mais pode ser acrescentado, evitando a tautologia anterior. Seres menores
e mais frágeis, ou seja, em estágio inferior na cadeia alimentar em enorme
quantidade de casos, são mais estressados, logo se reproduzem mais do que a
alcateia de leões. A lógica darwiniana continua em pé no assunto desde
parágrafo, porém atualizado.
Parte 4
Psicologia e superestrutura
A LIBERDADE OBJETIVA OU DIALÉTICA
Para escrever um capítulo sobre a crise
da psique, este, fui obrigado a entrar em questões cada vez mais básicas da
psicologia marxista. Assim, a teoria da natureza humana, a teoria das fixações
históricas etc. Neste livro, não apenas neste capítulo, tomo nota do que me
parece o fundamento de uma psicologia unificada, marxiana. Mas nem tudo é
central sobre o objeto, pode-se descobrir mil e uma leis parciais sobre tal
ciência, sem alcançar o núcleo ou o “porquê”; por exemplo, um amigo, o músico
Robicharlison Coelho, disse-me ter percebido que é muito comum espirrarmos
quando alcançamos uma conclusão; logo percebi que aquilo era um “orgasmo
mental”, algo análogo ao orgasmo sexual; depois, percebi que o nariz
congestionado é sinal de que não estamos acessando no consciente alguma
conclusão; tais descobertas são contingentes, sem revelar o fundo do aparelho
psíquico, além de bizarras. Dito isso, outra entre as grandes questões da
psique é sobre se somos subjetivamente livres ou não – há ou não liberdade? Se
há, de que tipo é ela? Vejamos em alguns de nossos mestres, antes de oferecer
uma nova resposta.
Kant
Ele produz uma das quatro antinomias
suas, que serão resolvidas nesta obra, perguntando se 1) a realidade inteira,
incluso nosso pensamento, segue a causalidade, a necessidade, causa e efeito ou
2) há ao menos também liberdade humana. Ele não responde e considerava uma
questão irresolvível. Antes de chegar a uma conclusão, vejamos como outros
tentaram solucionar a pergunta.
Hegel
Ele oferece pelo menos três respostas
sobre a oposição liberdade-causalidade.
Primeiro, a liberdade é reconhecer a
necessidade. Por exemplo, respeitar as leis e as tendências da história. Um
divulgador marxista afirmou que o animal tem a opção de evitar o fogo, sua
liberdade de não se queimar é uma necessidade. Um burguês tem a liberdade de
seguir a luta por mais lucro, embora possa escolher ser mendigo, ou seja,
prejudicar-se.
Segundo, Hegel afirma que o uno, o um,
o indivíduo, parece afirmar-se ao isolar-se do conjunto (muitos, múltiplos),
mas isso é sua destruição. Então, apenas se pode ser livre e individual em
comunidade. Assim também, um átomo é instável energeticamente quando isolado,
por isso deve ligar-se a outros átomos, formando uma molécula, para ganhar
estabilidade.
Terceiro, ele funde causalidade e
liberdade afirmando a interação dos corpos, dos acidentes, das partes de um
todo. A causalidade é recíproca, pois uma parte age sobre outra parte, e esta,
vice-versa, também faz o mesmo. Mas todas as partes de uma totalidade, sendo
causa e efeito ao mesmo tempo, pertencem uma única substância comum, que está
no fundo, no fundamento (necessidade). As partes do todo-substância aparecem,
de modo externo, umas independentes das outras, e o mesmo ao contrário, são
fora umas das outras, apenas interagindo (liberdade). Mas essas partes são
também o mesmo, uma mesmidade, pois são uma substância apenas.
Marx
No final de O Capital, Marx afirma que
no socialismo a produção será o reino da necessidade, onde o cidadão trabalha,
mesmo que apenas jornada curta de 2, 3 ou 4 horas diárias. O que é produzido de
modo organizado permitirá o reino da liberdade, fora da fábrica, quando nos
dedicaremos à arte, à família, ao ócio etc. Como sabemos, tudo que puder ser robotizado,
automatizado, informatizado o será, o que reduzirá com toda força o tempo de
trabalho ou de serviço – o trabalho manual será superado, mesmo que não
extinto.
Lukács
O grande filósofo do século XX afirma
que a humanidade tem produtividade crescente, cada vez mais produtivo – e com o
aumento da produção aumenta também o grau de liberdade. O escravo antigo era
não livre, o servo foi mais livre que o escravo, o assalariado (com liberdade
formal) é mais livre que o servo, o trabalhador associado socialista será
substancialmente livre. Nosso destino é cada vez mais determinado por escolha
ou acaso, cada vez mais com mais opções.
Outro aspecto da liberdade lukacsiana é
que o homem no trabalho antes pensa ou imagina como e o que produzir
(teleologia, prévia ideação, liberdade) e depois manipula as leis causais da
natureza (necessidade) para produzir algo útil.
Para Lukács, a liberdade era uma
categoria apenas humana, social, além de histórica.
Nossa proposta
Vejamos como resolvemos o problema
kantiano. Ora, se a realidade tem possibilidades e probabilidades, ela as tem
em si mesma, dentro de si própria. Logo, a liberdade é objetiva antes de
subjetiva – é dialética. O homem ou a partícula toma a decisão que tem já
tendência, na sua personalidade ou perfil, além do contexto, de tomar. Um
chiste famoso ajuda a esclarecer: podemos escolher o que quisermos (entre as
opções), mas não escolhemos qual é nosso desejo, o que de fato desejamos. Se
temos 4 opções, escolheremos aquela que melhor corresponde ao que somos. A
liberdade é ter tais opções exato para escolhemos a que de fato somos levados a
escolher, causalidade e necessidade (e nossa liberdade está dentro da realidade
objetiva). Esse é o primeiro modo de fundir causalidade e liberdade. O segundo
é que o “o que” irá ocorrer é algo necessário, causal, determinístico até, mas
“o como” isso irá acontecer está, em geral, em jogo. Por exemplo, certo é que o
capitalismo irá cair, mas pode desabar de várias formas, mesmo opostas, como
por revolução ou por extinção da humanidade etc.
Necessidade é reconhecer a liberdade.
DESENVOLVIMENTO DO INTELECTIVO
O dado empírico, de QI, embora fonte de
medida limitada, demonstra que há elevação global, de 1909 a 2013[13]:
GRÁFICO 23
Fonte:
O desenvolvimento das capacidades
mentais é vital para um projeto socialista. Os mais jovens, em especial, tendem
a ter mais cultura e habilidade relativo aos mais velhos e, pela primeira vez
na história da humanidade, dominam com mais desenvoltura a moderna ferramenta,
o computador.
As condições nunca serão ideais, mas
são as melhores dentro dos limites do sistema capitalista. A internet – para
citar um destaque – ajuda no acesso ao conhecimento. A urbanidade, a
necessidade de “pôr em algum lugar” os filhos dos trabalhadores, o capitalismo
exigindo maior sensibilidade para prover o consumo são elementos que atuam para
a elevação do nível mental geral.
O mero aumento absoluto de pessoas
capazes ou com habilidades latentes, em potencialidade, será útil ao
desenvolvimento da sociedade socialista.
O Neurocientista Michel Desmurget, no
entanto, aponta tendência à redução do QI por razão da pobreza de experiência
da vida digital:
[…] os pesquisadores observaram em
muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi
chamado de 'efeito Flynn', em referência ao psicólogo americano que descreveu
esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários
países.
É verdade que o QI é fortemente afetado
por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se
considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante
estáveis por décadas, o 'efeito Flynn' começa a diminuir.
Nesses países, os "nativos
digitais" são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma
tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda,
França, etc.
Evitamos arriscar, aqui, afirmar que
esta é uma tendência atual ou mesmo secular, pelo menos enquanto a crise
sistêmica perdura (como dissemos, as condições nunca serão as ideais). Porém a
observação citada tem um valor relativo e pode ser incluído na decadência geral
da psique.
Em alto nível de abstração, o movimento
ocorre assim, uma alienação nova em certo sentido: ganho de cognição das coisas
na proporção da perda de cognição dos homens[14].
A mesma tecnologia que pode dar habilidades e tempo livre criativo ao homem
está, sob o capital, fazendo o inverso. A robótica, que ganha sensibilidade
(como medir pressão etc.) cognitiva, e a inteligência artificial estão
desobrigando o capital a investir em qualificação dos trabalhadores, em
educação – além de a internet significar menos movimento e experiências à nova
geração, viciada nas telas virtuais. Se o simples e constante movimento
repetitivo imposto pelo maquinário declinava a mente do trabalhador, a nova
tecnologia, sob o capitalismo, faz algo semelhante, aprofundando a perda
cognitiva humana dentro e fora do ambiente de trabalho.
A mercadoria faz a mediação entre a
vida no trabalho e a vida fora do trabalho, infraestrutura e relações sociais,
no sentido amplo, gerando seus problemas. A produção moderna dispensa, de um
lado, trabalho qualificado, embrutecendo intelectualmente o operário e, ao
mesmo tempo, produz os celulares modernos que estão desestimulando o
desenvolvimento completo das capacidades cognitivas (relaciona-se menos,
movimenta-se menos). Aqui, deve-se considerar a mercadoria máquina.
VONTADE
E RAZÃO
Unir o otimismo da vontade e o pessimismo da razão, um
aforismo ao modo de Gramsci, tornou-se algo característico do século XX diante
das derrotas e da impossibilidade, naquele momento, de superar o capitalismo.
Após a queda do muro de Berlim, estamos diante da formulação oposta: pessimismo
da vontade e otimismo da razão. Todos os teóricos lúcidos e a própria arte, tão
focada na distopia, sabe ou intui um fim sistêmico latente; mas o pessimismo da
vontade toma conta do espírito humano. É difícil os partidos imporem uma
disciplina férrea, ainda que e principalmente se democrática, aos seus
militantes porque as derrotas foram duríssimas. Apenas com situações difíceis e
algumas vitórias determinantes a dialética entre vontade e razão resolver-se-á
de maneira positiva.
Como parte da crise geral da psique; com razão, reclama-se
que não mais temos gênios na ciência, na filosofia, na arte etc. O poeta-músico
Humberto Gessinger expressa isso:
Onde estão os caras que lutavam dia-a-dia
Sem perder a ternura jamais?
Onde estão os caras que desmaterializavam
Moedas de dez mil reais?
Onde estão os caras que desconheciam limites
Universal e singular?
Onde estão os caras que desenhavam novas cidades
Em guardanapos na mesa de um bar?
Onde estão os caras que pregavam no deserto?
O deserto continua lá
Onde estão os caras que deixavam as portas abertas
Para a vida poder circular?
Onde está o teatro mágico só para iniciados?
Onde está o espaço não privatizado?
Onde estão os caras que acenavam com a mão invisível
Um mercado para todos nós?
Onde estão as provas?
Onde estão os fatos?
As boas novas eram só boatos?
Onde estão os atos de bravura e rebeldia ternura guerreada
dia-a-dia
Será que estamos sós?
A queda do chamado socialismo real,
fictício, teve papel central na falta de ousadia, imaginação, criatividade,
impulso etc. – e esperança. É hora de reerguermos a utopia, pois a realidade
pede, a desmoralização já faz algum tempo e temos ainda algum outro tempo para
virar o jogo. Fé cega, mas com pé atrás. A posição crítica e o estímulo ao
pensamento autônomo, tão desestimulados em “nosso” movimento no século XX, são
e serão o nosso norte.
Pode-se argumentar que a crise da
sociedade produz a crise da psique, logo nenhuma vanguarda real surgirá no
campo do pensamento como, para Marx, a consolidação do capitalismo encerrou a
era dos grandes economistas burgueses. Isso tem muita verdade, mas ainda é
parcial. Vejamos: 1) os críticos ao status
quo, durante a crise, serão obrigados a produzir; 2) as partes da sociedade
global têm particularidades, assim, em pelo menos um país ou região, a
decadência produzirá nova filosofia etc.
A INFORMAÇÃO
A literatura distópica do século XX produziu duas grandes
conclusões opostas sobre o destino da informação na sociedade: George Orwell
teorizou que seríamos privados de informação enquanto Aldous Hoxley, que
teríamos informação em excesso. Embora a segunda hipótese seja mais
sofisticada, nossa distopia real é uma combinação das duas projeções: há, ao
mesmo tempo, excesso e falta de informação.
Neste livro, evitamos tratar de ideias que já são senso
comum entre revolucionários e reformistas, como a quase óbvia manipulação
midiática. Podemos destacar apenas a inocente crítica ao pensar que basta a
quebra dos monopólios de mídia e apresentar finalmente a verdade ao povo para
tudo mudar de vez… Como disse Lukács, as ilusões da falsa ideologia são
socialmente necessárias. É claro que os grandes meios de comunicação manipulam
a verdade e criam, também, sentimentos e subjetividades; por isso é preciso,
enquanto faltam duras conjunturas que abram a possibilidade de os
revolucionários serem a maioria, uma luta de guerrilha pela informação e pela
emoção.
LÍDER
E PERFIL ORGANIZATIVO
Via de regra, a objetividade de uma organização exige que o
líder aliene-se, tone-se do perfil exigido. Mas também a organização, de cima à
abaixo, sofre influência do perfil de sua liderança – ainda que parcialmente,
de modo relativo, nada absoluto. Não é incomum, da base ao tomo, os membros
parecerem com o perfil geral da instituição. Assim, um exército sofre
influência do perfil de se general. O mesmo ocorre, por exemplo, em partidos. O
partido leninista Bolchevique teve muitos pontos de confluência com a
personalidade pessoal de Lenin.
CRISE,
ALMA E POSIÇÃO SOCIAL DO CIENTISTA
A cientificidade marxista percebe que a posição do cientista
sobre o mundo afeta e influencia – não determina de todo[15]
– sua capacidade de ver o mundo, de alcançar a verdade, de ir além da
aparência. Quando se toma a posição conservadora da sociedade, de preservar o status quo, tende-se a mistificar o
real, a avançar menos, a justificar o injustificável, etc. Isso é mais verdade
nas ciências humanas do que nas ciências naturais, embora também aí deva haver
influência indireta. O cientista é, também, uma ferramenta, mais ou menos
qualificada para lidar com o objeto de estudo. Mas isso é metade do caminho: a
ciência moderna da mente-cérebro reforça tal concepção ao demonstrar que o
stress relativo tende a produzir criatividade assim como a macieira produz maçã
quando o ambiente lhe é hostil. Um cientista ou teórico que, além de tomar mera
posição em defesa do socialismo do alto de seu apartamento, envolve-se
praticamente com situações militantes ativas, dinâmicas, arriscadas, vive
precariamente, etc. têm, assim, um estímulo do ambiente para sua produção
intelectual. Por isso, Trotsky foi imensamente produtivo em sua vida militante
e ainda mais quando no exílio mortífero forçado por Stalin (a experiência de
viver no mundo, para além do país de origem, como foi o caso de Marx, também
influencia – hoje relativamente compensado pelo atual cosmopolitismo, a
internet, etc.). A sabedoria popular diz que “a necessidade faz a
criatividade”, semelhante ao que afirma o consenso das pesquisas. Com a crise
sistêmica, com o declínio da atual curva de desenvolvimento do capitalismo, ou
seja, com a baixa estabilidade, a psique dos talentosos e honestos lutadores
será pressionada para novas elaborações, para ver em profundidade, etc. Disso,
este livro é uma demonstração. Por outro lado, porque vive sob privilégios,
porque precisa negar a essência da existência, o lado da burguesia está, neste
sentido, em desvantagem relativa – contanto que nunca subestimemos o inimigo.
Trotsky, ao tratar da crise nos EUA, após 1929, destaca: os trabalhadores são
levados a procurar razões do mundo melhores ao verem que, após uma breve
recuperação econômica, outra crise já aparece… Hoje, que os comunistas aprendam
a ter as respostas certas.
No socialismo, o baixo stress será compensado pela alta
erudição dos cidadãos, pelo avanço técnico, pelos debates públicos, pela
popularização da dialética, pela pedagogia ativa, etc. Desse modo, a
criatividade terá seu suporte.
O pensamento vulgar no marxismo diz que o crescimento
impulsiona a arte e a ciência enquanto a crise marca seus declínios. Isso é
pensamento mecanicista, causalidade não dialética, apenas em parte verdadeiro.
A crise de 2008 reduziu o investimento pesquisa no Brasil, desde 2016, e fez,
ao contrário, o governo estadunidense aumentar o investimento estatal em
pesquisa; a mesma causa com efeitos opostos em circunstâncias diferentes. O
ascenso do escravismo na Grécia permitiu o nascer da filosofia, mas foi a
decadência grega a importante fonte para surgir Platão e Aristóteles. A
decadência italiana produziu Maquiavel. A Alemanha dos séculos XVIII e XIX e a
Rússia no final do século XIX e início do XX produziram boa parte dos maiores
gênios da humanidade, pois o atraso relativo deles, a combinação entre o velho
e o novo, formando forte contradição, exigia melhores pensadores.
A
CONSCIÊNCIA SOCIALISTA
Ao
tratar da consciência socialista, Enio Bucchioni afirma:
[…] a palavra de ordem “Um, dois, três Vietnãs” atingia a
consciência dos ativistas e das massas em todo o planeta. É nesse cenário que
floresciam militantes no mundo inteiro, que sonhavam e lutavam para, num futuro
próximo, expropriarem a burguesia em seus países. Era a consciência socialista que se apossava
de milhões de pessoas em várias partes do mundo.
[…] O principal cenário de fundo desse gigantesco
crescimento era a colossal vitória da Revolução Russa de 1917, que inspirava a
consciência comunista para os ativistas nos mais variados quadrantes do mundo e
penetrava fundo nas massas.
Em
polêmica, Hernández opõe-se:
Para tentar demonstrar sua tese, Bucchioni transforma a
consciência burguesa em socialista e daí conclui que, há quarenta anos, o fim
do capitalismo e do imperialismo estava próximo. No entanto, esse não é o
principal problema do texto, porque não era a consciência burguesa das massas o
que impedia, naquele período, acabar com o imperialismo e com o capitalismo.
Afinal, qualquer marxista sabe (ou deveria saber) que as massas fazem
revoluções, contra a burguesia, com uma consciência majoritariamente burguesa.
Resolvamos com dialética a questão acima. Se os
trabalhadores fazem uma revolução socialista com consciência burguesa, logo
esta consciência imediatamente adquire duplo caráter, socialista e capitalista.
O raciocínio aprofunda-se: no caráter duplo, um dos polos domina a relação – o
valor domina o valor de uso, o aspecto alienador da religião supera seu aspecto
humano, etc. – até que a oposição se desfaça; então, pela tarefa histórica que
esta consciência move, o polo central é seu caráter socialista, não o
capitalista.
A consciência precisa ser expressa. Quando faltam
organizações corretas para expressar a consciência socialista, ela se direciona
para os partidos centristas e reformistas. Pode haver, portanto, uma expressão
deformada do real estado da consciência das massas.
PÓS-MODERNISMO
DE ESQUERDA
O grande marxista José Paulo Netto afirmou, numa de suas
palestras, que, após o surgimento do setor pós-moderno reacionário e de
direita, surgiu o pós-modernismo de esquerda e progressivo (dentro de seus
limites, claro). Qual a origem, por quê? Desde pelo menos os anos 1970, com a
alta urbanização em especial, surgiu uma camada de classe média maior e setores
médios novos e precarizados. Isso levou à esquerdização do pensamento.
O pós-modernismo propriamente reacionário, mais
profundamente irracionalista, gruda no cérebro das pessoas e nas correntes
ligadas à aristocracia da classe média, da alta classe média, e a burguesia.
Destacamos que o pós-modernismo é mais afeito aos setores
médios porque 1) são de vida, trabalho e convívio, mais fragmentado, mais
atomizado, mais individualizado – tendências gerais aprofundadas da vida social
na história recente para todas as classes, no entanto muito mais forte naqueles
setores onde isso já é típico; 2) são mais volúveis emocionalmente, pois não
passam pela escola dura da vida prática proletária; 3) tendem a ter mais
necessidades democráticas, menos trabalhistas, de tipo formalmente individuais,
como os direitos das mulheres, legalização das drogas, etc. 4) são incapazes de
ter um projeto de sociedade próprio diante da decadência da sociedade burguesa,
e apenas em circunstâncias especiais uma parte, a mais precarizada, aceita a
liderança da classe operária; 5) são ligados aos afazeres intelectuais.
ETAPAS
DA SUPRERESTRUTURA SUBJETIVA (CIÊNCIA)
Em A Ideologia Alemã, Marx criticou duramente a ideia de que
etapas da história humana fossem idênticas e como etapas do indivíduo –
criança, jovem, adulto, velho. A crítica está totalmente correta. Porém em
parte da superestrutura subjetiva, como demonstraremos, ocorrem etapas
semelhantes entre o desenvolvimento psíquico individual e das ideias,
ideologias e concepções científicas.
Leiamos a observação de Moreno:
Estudiando el desarrollo de las ciencias descubrió un paralelismo
estrecho, aunque no total, entre el desarrollo natural de la inteligencia y el
de las ciencias. Esta lógica es la de las grandes teorías de la ciencia
moderna.
E continua:
Si Della Volpe ignora a la psicología genética de la inteligencia, ésta
no lo ignoraría a él. Creemos que clasificaría su método de la abstracción
determinada como un buen ejemplo de pensamiento de niño de entre 8 y 10 años.
No estaría en mala compañía, ya que Bergson y otros ilustres filósofos están
más atrasados aún, entre los 4 y 6 años de edad mental.
O argentino, generalizando descobertas-invenções de Piaget, trata da
“nova lógica hipotético-dedutiva”:
El autor que estamos criticando no sólo ignora que para Marx hay dos
métodos de conocimiento del objeto […], sino también que la epistemología junto
con la psicologia moderna han descubierto uno nuevo: el hipotético-deductivo,
que ya no trabaja construyendo sobre abstracciones sacadas de la realidad o de
la actividad, sino sobre posibles, hipótesis. La psicología del conocimiento
advirtió que los adolescentes entre los 12 y 15 años, comienzan a utilizar una
nueva forma de pensar, la hipotética deductiva.
Além de com o método hipotético-dedutivo (dos adolescentes e da
adolescência quase atual da cientificidade no capitalismo – como com o
hipotético-dedutivo de Popper); com a pós-modernidade, e a hiperespecialização
da ciência, podemos afirmar que não apenas a cientificidade mas também –
ampliando – parte do conjunto da superestrutura subjetiva da humanidade está na
fase final de sua adolescência, de sua juventude, podendo ou não alcançar a
maturidade. Por ora, tendências de fragmentação, isto é, de esquizofrenia,
típico da idade, imperam por razão das tensões acumuladas e conflitos irresolvidos.
Essa fase maravilhosa, mas conturbada, base para o posterior amadurecimento,
demonstra a possibilidade de sairmos da infância da espécie nesta transição
para a fase adulta, o socialismo.
No nível superestrutural subjetivo, o iluminismo, para o atual sistema,
e sua concepção de racionalidade total tem relação real com o período de latência em Freud, o de desenvolvimento lógico em Piaget, o quarto estágio em Erikson, o estágio categorial em Wallon.
Desenvolvemos, em seguida, a longa etapa vista em nível individual pelos três
teóricos citados – que corresponde à adolescência e à sequência do capitalismo
nas ideias.
Nos dois níveis, pessoal e histórico, o processo instável da relação
sujeito-objeto (que inclui a produção, etc.) leva a processos de assimilação e
acomodação (Piaget[16]),
base para a etapa seguinte. O avanço da superestrutura científica da humanidade
para a priorização da acomodação (ver nota de rodapé anterior) é a futura
dominação geral da dialética na ciência.
A observação de Moreno sobre percorrer de modo inexato o mesmo caminho,
entre um e outro, entre psicologia individual e a história das ideias, está de
acordo com a crítica construtiva, ou seja, dialética de Henri Wallon a Piaget[17]:
os processos não são exatamente lineares, pode haver recuo com acúmulo, o
desenvolvimento ou mudança de etapa pode retardar, uma etapa agrega
(suprassume) a anterior, etc.
Nossa concepção é evolucionária e revolucionária. Thomas Kuhn teorizou
“A estrutura das revoluções científicas”, como o seguinte movimento: ciência normal – resolução de
quebra-cabeças – paradigma – anomalia – crise – revolução. Mas cometeu três
erros. Primeiro, ele não generalizou esse “modelo” de desenvolvimento para a
dialética geral, além da do pensamento, como faremos em outro capítulo, sobre
processo e crise. Segundo, ele pensa que um novo paradigma científico, fruto da
revolução, ou melhor, da crise, não é superior ao anterior – apenas diferente.
Ora, esse tipo de coisa acontece na arte: o próximo movimento artístico,
demostrou Lukács, é apenas diferente do anterior, nunca melhor em si[18].
Porém isso é impróprio na ciência, pois ela se aproxima cada vez mais da
verdade. A revolução científica é uma evolução científica. Essa evolução pode
ser contraditória, com avanços acompanhados de recuos como a época moderna,
século 16 a 18, negando noções como ontologia e totalidade do pensamento
antigo. No entanto, na larga escala, a tendência é de avanço, como do
afastamento científico, ir além ou por debaixo e dentro, em relação ao mero
empírico ou intuitivo (os gregos pensavam que, para compreender a realidade,
bastava olhar). A ciência tem 2 níveis, as teorias (e categorias etc.) de
aparência e as de essência. A teoria da gravitação de Einstein serve para o
meso e o macrocosmos, ambos, enquanto a gravitação de Newton é funcional,
instrumental, útil para apenas a escala “meso”, não extrema. As teorias
oficiais em economia pensam que o valor e o lucro se dão assim, em resumo:
custos com objetos (desgaste das máquinas, uso de materiais etc.) + custos com
folha de pagamento + custo com impostos + custo de novo investimento +,
finalmente, um lucro médio do mercado. Isso está certo na prática, na empiria,
na aparência, na economia vulgar. Mas, na essência, na mercadoria há custo com
capital constante (desgaste de máquina, uso de matérias etc.), cujo valor vem
do trabalho humano, + um valor produzido pelo próprio operário para pagar o seu
salário + um valor produzido a mais pelo próprio operário, mas entregue de
graça ao patrão e a outros (impostos etc.). Ou seja, o mais-valor e o lucro vêm
da produção, mas parecem vir da circulação, vêm da mão disciplinada do
operário, mas parecem vir do cálculo mental do burguês. Eis a diferença entre
teorias instrumentais, ou aparenciais, e teorias essenciais. Terceiro: se a
humanidade manter-se de pé; alcança-se níveis onde é possível reformas
científicas, ainda que profundas, não mais revoluções.
TDA
O Transtorno de Déficit de Atenção (e Hiperatividade) tem sido a moda
das questões mentais comuns. De fato, o nome não expressa bem sua natureza. Não
há falta de atenção apenas, mas atenção também exagerada, hiperfoco, somente
naquilo que desperta real interesse no portador. Também não é uma doença, mas
uma personalidade, um tipo humano (INFP, principalmente). O fato de o TDA ter
sido percebido em nosso tempo revela mais sobre este próprio tempo que a
evolução da ciência da mente-cérebro em si. O portador de TDA têm muitas
semelhanças com a psicologia do lupemproletariado, sendo provavelmente uma das
origens individuais, não em exato históricas, deste grupo social, entre aqueles
que não conseguem se adaptar ao mundo capitalista. A dificuldade de
planejamento de longo prazo e a quase impossibilidade de se envolver com
tarefas duras são exemplos da coincidência, não somente ocasional, entre ambos.
O TDA é naturalmente intolerante contra as diferentes formas de
alienação; por isso, também, pode tornar-se marginal na sociedade. Ele somente
aceita ordens se: 1) vê nelas sentido lógico, 2) sente que o ordenador não tem
intensões de dominá-lo, de se pôr como superior. Uma criação familiar e social
por demais repressiva pode tornar o TDA um subversivo crônico, com transtorno
opositor (como marginal ou revolucionário etc. – daí que Jung tenha posto o
subversivo, seja o tipo negativo ou o positivo, na mesma categoria, na
classificação de arquétipos[19]).
Além disso, a impulsividade faz do TDA amoroso, muito solidário e empático.
Marx teve as características de um TDA, com a vantagem de viver numa
época de poucas distrações. Vejamos:
1.
Como dissemos,
um TDA é intolerante, em alto grau, às relações alienadas. Isso permitiu Marx
ter uma sensibilidade muito maior para perceber a natureza da alienação, em
especial no capitalismo.
2.
Um TDA é
altamente simpático e empático, além de impulsivo (carinhoso, naturalmente
solidário etc. – mas costumamos associar impulsivo com violento). É o caso
biográfico de Marx.
3.
Um TDA tende
a ignorar as “inúteis explosões” do imediato, da aparência, e querer saber do
lado interno do mundo, da lógica das coisas. Isso ajudou a tornar Marx um
dialético.
4.
Um TDA é,
via de regra, imensamente criativo, associativo de ideias. Este é o caso de
nosso gigante, o maior pensador da nossa era.
5.
Um TDA, em
geral, tem letra feia, ilegível ou quase (embora seja comum entre o tipo a
habilidade de combinar as palavras, de estilo). É o caso de Marx, que perdeu
uma vaga de emprego por tal razão.
O TDA, independente de sua origem ser genética ou igualmente com outras
causas possíveis, é uma afirmação do capitalismo, como com sua falta de planejamento,
mas, ao mesmo tempo, é sua negação completa e típica, pela sua anti-alienação,
por seu perfil mais humano, por sua indisciplinada disciplina, por seu lado
criativo-associativo e profundo, por sua noção “distorcida” de tempo etc.
(Antes, éramos donos do tempo, mas hoje somos dominados por ele – certa vez
disse Fonseca Neto.) Daí sua queda, hoje, no lado lúpem, seu fracasso comum.
Assim, TDA, neste modo de vida, expressa em si contradição deste próprio modo
de vida.
A psicologia social beneficia-se desse tipo de observação. Uma sociedade
sob ditadura, por exemplo, produz ou estimula relações de opressão por
hierarquia, como na família, o que, por sua vez, produz subversivos tendentes a
ir contra aquela mesma realidade.
LINGUAGEM
É evidente que a linguagem humana, social, não tem sua origem primeira
na biologia, mas na sociedade, embora a mecânica corporal de controlar os
fluxos de ar seja vital. Como diz Engels, foi preciso a necessidade de dizer
algo para algo dizer, ou seja, o trabalho cada vez mais complexo impulsionou a
fala, depois a escrita; o erro desse gênio foi supor que a necessidade da fala
fez surgir os órgãos necessários, como se o esticar do pescoço tivesse
produzido as girafas.
Em analogia aproximal, a relação valor de uso, valor de troca e valor na
mercadoria tem algo de similar com três elementos da linguagem básica – o
significante, o significado e a energia. A palavra é uma unidade de energia,
energética.
Temos agora de demonstrar pistas sobre tal conclusão. O cérebro tem, por
exemplo, uma tensão interna, de energia, que precisa ser vazado tal excesso ao
transformar a “pulsão” em ato de falar. Uma energia, que incomoda, foi
transformada em outra matéria e energia. Assim, o padre medieval – e toda
ciência começa como misticismo e pseudociência, como o inverso de si – aliviava
os fieis que desabafavam; assim, o psicólogo e o psicanalista melhoram o
paciente.
A energia descarregada em linguagem aqui afeta menos ou mais outro
sujeito ali, a palavra é mediação dessa troca e transmissão energética. A
fofoca precisa ser dita, o carente precisa conversar o que quer que seja com
quem quer que seja. A palavra não é o inconsciente, mas algo vital mediante
como o dinheiro é mediador das mercadorias.
Vejamos por outro ângulo: há uma economia de energia. Em geral, as
palavras tendem a ficar menores e mais simples economizando matéria-energia.
Sabe-se que nos países frios as consoantes e a fala introvertida imperam por
causa da perda energética do corpo. Nos locais quentes, impera a vogal, o gasto
do excesso. As palavras Saara e Caatinga, em temperaturas mais extremas, bem
expressam isso. A palavra “muito” em português soa, de modo anormal, como
“muinto”, pois gera economia, flui melhor. As palavras mais comuns, como sim e
não ou yes e not, costumam ser menores.
O ato falho verbal descoberto por Freud surge de uma tensão que supera
uma tensão de censura contraposta e resistente. Mais uma prova do caráter
energético e transformado da palavra.
Em especial por suas origens, as palavras são comumente como onomatopeias
do real, metáforas sonoras do objeto representado. Torquato Neto afirma, contra
a palavra:
Escrever não vale quase nada para as transas difíceis desse tempo,
amizade. palavras são poliedros de faces infinitas e a coisa é transparente – a
luz de cada face distorce a transa original, dá todos os sentidos de uma vez,
não é suficientemente clara, nunca. nem eficaz, é óbvio. depende apenas de
transar com a imagem... chega de metáforas, queremos a imagem nua e crua que se
vê na rua, a imagem – imagem sem mais reticências, verdadeira.” (Torquato Neto,
Os Últimos Dias de Paupéria.)
Mas poliedros, a palavra, lembra poliedros, paralelepípedos lembra
paralelepípedos. Ele não entende, também, que a duplicidade de significados é
uma força, mais do que uma fraqueza, da linguagem. A fusão ou a combinação de
significados torna poética a poesia real da vida. É muito comum sermos duplos
para expressar a verdade do inconsciente e, ao mesmo tempo, a verdade
consciente e funcional, não menos verdadeira. A expressão “suprassumir” em
alemão – ao mesmo tempo significando os opostos superar e destruir, guardar e
preservar, elevar e suspender – facilitou descobrir a própria dialética da
vida; pois a realidade é filme, não fotografia. A poesia estica isso ao máximo,
ao limite; vejamos um pequeno exemplo, sem dispensar recursos visuais:
arrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr ar
pe pe pe pe pe pe pe dra
ááááááááguuuuuuuu a
fo fo fo fo fo fo fo fo fogo
Para fora, o pensamento era sem forma e sem ordem. Era um mar profundo
coberto de escuridão; mas sobre suas águas pairava o espírito do homem. Então
ele disse.
***
Derivamos as seguintes conclusões sobre a linguagem:
1.
Ela é
unidade de ser e não ser – se dissemos “não pense num elefante”, logo pensamos
positivamente num elefante antes de fazer negação.
2.
Uma vez
surgida, a língua ganha autonomia em relação aos indivíduos. Suas leis reais,
desenvolvimento etc. não são decididos por ninguém. Novos sentidos e conteúdos
surgem, elipses acontecem, formas mudam.
3.
Ela vai da
materialização à desmaterialização – as palavras mais usadas, após criadas, são
diminuídas, reduzidas.
4.
Ela é
energia-matéria.
5.
Vai do
simples ao complexo, como sabe qualquer observador – e tende a simplificar-se
de modo relativo.
6.
Vai do
extensivo para o intensivo, como concentrar significados na mesma palavra.
7.
Vai do
concreto ao abstrato ao concreto.
8.
Um conteúdo
palavrático pode ter várias formas, assim como várias formas podem ter
diferentes conteúdos. “Penso” pode ser pensar ou pender; “fui” pode derivar de
ser ou de ir – ou ambos! To be é ser, estar (aqui) ou estar (fazendo).
9.
A palavra
tende a mudar, adaptar-se, sua forma para ganhar a “aerodinâmica” melhor para
seu fluir.
10. Há o duplo sentido, duplo caráter, de polo
inconsciente e outro inconsciente comum na linguagem, associação.
11. Saber bem uma língua ou saber várias línguas ajuda
de modo relativo o pensamento.
12. A linguagem oral e escrita potencializa o
pensamento, mais do que o limita.
13. A linguagem começa com um conceito, que se desdobra
em dois opostos e avança para um conceito maior, unificador, mediador ou
meio-termo – ou expressão conceitual. A criação de uma palavra, no começo,
leva, tantas vezes, a criar outra oposta, similar (com sufixo etc.) ou oposta
na sonoridade.
14. O verbo, o adjetivo, o substantivo etc. existem porque
existem na realidade. O cérebro evoluiu e adaptou-se para perceber tais
aspectos.
15. As relações sintáticas existem porque existem na
realidade.
16. Morfologia é lógica formal, grosso modo; sintaxe é
lógica dialética, grosso modo.
17. Ir o ensino da letra para a sílaba, para a palavras
etc. reproduz, grosso modo, uma
sequência real na fundação da linguagem oral pelo homem primitivo.
18. Grosso modo, a morfologia costuma expressar o
desenvolvimento real da linguagem no primitivismo, como começar – no estudo e
na história da humanidade – pelo substantivo (antes, concreto; depois,
abstrato) para poder, no evolver, fundar o verbo etc.
19. A contradição entre a língua falada (conteúdo e
mutável) e língua escrita (forma) e erudita (forma e conservadora) é produtiva,
oferece uma duplicidade que anima a psique.
20. A linguagem não é neutra, mas sua acidez não é tão
alta. A realidade não é estruturada pela linguagem, apesar de sua vitalidade e
influência parcial.
21. Há linguagem de aparência e, oposta e “dentro”, de
essência.
22. A tarefa central do pensador não é esclarecer
conceitos – sua missão é desenvolver as categorias, desdobrá-las.
23. A linguagem, de um autor etc., costuma, a priori,
expressar sua personalidade.
24. Não basta desfazer o argumento adversário. Deve-se
também demonstrar sua manobra, seu jogo e sua falta lógica. A origem do erro
deve ser exposta, como a intensão real do outro.
25. A poesia é uma forma de encaixar o poema nele mesmo
MODERNO
SOFISMO
Kant e Hegel escreviam de maneira complicada porque eram distantes do
mundo popular, porque o conteúdo era complexo, porque suas personalidades eram
exuberantes, por falta de tato etc. Algo esperado. Assim como cálculos
complexos são mais difíceis de entender, também textos complexos o são; assim
como para entender cálculos complexos exige-se uma base, também textos
complexos a exigem. Mas hoje é de todo diferente. Usa-se uma forma complicada
para ocultar um conteúdo fraco ou um engodo. O leitor, coitado, já faz um
esforço imenso para traduzir o material, falta-lhe energia posterior para fazer
qualquer crítica. Com o linguajar nebuloso procura-se elevar à décima potência
o sucesso da obra, além de usar o bizarro. É claro que a ciência e a filosofia
podem desenvolver a linguagem e sua poesia, mas isso está subordinado. Tal como
os sofistas antigos educavam os cidadãos pagantes na arte da retórica, aonde
pouco importava a verdade de fato, os sofistas atuais também negam a verdade e
apostam na linguagem, em jogo artificial. Isso tem uma razão histórica de
fundo: de um lado, a perigosa verdade, classista, não deve ser acessada – de
outro, esgota-se a filosofia-ciência humana desta época, exigindo novo
paradigma, o marxismo. Incapazes de produzir algo novo com seus padrões velhos
de pensamento, forçam a criação via o palavriado. Esta obra, por exemplo,
apenas pôde existir após abandonar premissas e “verdades consolidadas”.
PALAVRA:
RAZÃO E EMOÇÃO
Por seu efeito, a palavra é unidade de razão e emoção. A palavra “amor”
ou “saudade” causa em nós, ainda que de modo leve, tais sensações, repercute na
nossa psique. A palavra tem, assim,
poder – uma força material. Os poetas sabem disso, manejam tal jogo.
Nomear um organismo partidário de “célula” em lugar de “núcleo”, por exemplo,
algo simples e vaporoso, tem certa influência pequena sobre a subjetividade e a
dinâmica do próprio organismo, que passa a ser encarado como ambiente de debate
e trabalho, além de conspiração e, de modo relativo, autônomo, diferente da
outra forma de nomear. Mas não caímos na outra ponta, um extremo, de considerar
que a realidade é linguagem – nada disso; tal formulação não resiste contra uma
observação mínima. A palavra é uma objetividade subjetiva, uma subjetividade
objetiva.
Entre outras corretas respostas, a razão é a emoção textualizada – um
gato pergunta-se, duvida, como sentimento, estado, mas o homem formula dúvida
em frase. O abstrato é o concreto em processo.
LINGUAGEM E METAFÍSICA
Faremos três breves considerações sobre metafísica materialista,
dialética e marxista, e linguagem. A leitura de Nossa Metafísica melhorará a
compreensão, mas nada limita a leitura direta aqui, neste ponto.
1. Lei geral metafísica e
linguagem
Nossa lei é esta: “movimento = energia = tempo = espaço = matéria”. A
morfologia, por exemplo, reproduz o real e, por desvio, o correto aristotelismo
(substância como substantivo etc.). Mas complementamos: A posição de verbo etc.
podem receber noções de energia, tempo, matéria etc.
2. Abstrato e concreto
Lei: o abstrato é o concreto em processo. O substantivo abstrato é uma
derivação do concreto (o pensamento exige corpo que o sustente). Nas figuras de
linguagem há rica relação de abstrato e concreto, um expressando o outro – a
multidão pernas, parte e abstração, correndo expressam os corpos e as pernas,
todo concreto; a metáfora ou a ironia tem um concreto texto para um abstrato
significado.
3. Desdobrar metafísico
As palavras básicas da linguagem humana falada são não (nada) e sim
(ser) – daí nada ser não-ser. São tudo de que precisamos, digamos assim. Isso
deriva do trabalho básico e de seu orientar (ensinar etc.) primitivo. São
curtos, em muitos sentidos, nas diferentes línguas (yes, not etc.) porque são
iniciais e muito usados. Mas dizer sim é também dizer não ao oposto, e
vice-versa. Deles, temos: amigo e inimigo, certo e errado, animal e vegetal,
móvel e imóvel, claro e escuro, amor (atração) e ódio (repulsão) etc. Mas eles
também se misturam, como no “talvez”. A sombra permeia os opostos que se
interpenetram. A linguagem expressa a vida que ela expressa, torna-se mais
complexa com a sua complexidade maior. Mais liberdade, por exemplo, exigem mais
palavras de meio-termo, de transição de instabilidade, de duplo sentido. Logo,
surgirá a necessidade de linguagem essencial, por debaixo do aparencial e
cotidiano. Tornam-se necessários conceitos, juízos e silogismos. Primeiro, foi
preciso pensar a qualidade e, em seguida ou como se isso, desenvolver mais a
quantidade, complexificar a contagem etc. Logo virá a necessidade de medir.
LEITURAS
Há, grosso modo, dois tipos de leituras consideradas em oposição. A
leitura imanente busca ser rigorosa com o que oi autor diz e expressa. A
leitura transcendente, de outro modo, busca ver mais, observar até o que o
autor sugere sem ele próprio perceber. Há, então, a leitura imanente
transcendente, ou seja, crítica. Até a biografia e a psicologia do autor devem
ser consideradas. Mas, ao mesmo tempo, deve-se ter clareza – tanto quanto possível
– daquilo que o produtor disse de fato, sem mais nem menos. E deve-se por sob
suspeita cada palavra e vírgula. É uma leitura ativa. Como tendiam a amar O
Capital, os marxistas leram de modo apaixonado já na largada, adaptando as
partes tortas à sua visão pessoal. Os economistas burgueses acusaram Marx de
ser metafísico, como se contra a ciência, ao priorizar uma coisa quase mágica
chamada valor. Os marxistas resolveram isso confundido valor com o valor de
troca e com o preço (com autoilusão de leittura em imanência). Mas a acusação
não é acusação alguma: o valor é forma, do mundo das formas, um mundo
materialista duplicado em, de um lado, matéria valor de uso e, de outro, forma
valor, além da forma do valor. O valor existe de modo independente e invisível,
porém dedutível. Apenas uma leitura de fato crítica pode reunificar valor de
uso e valor, forma e conteúdo – valor-matéria. O valor em Marx facilitou,
inclusive, o avançar do seu texto.
PERGUNTAS
Nesta obra, incluso a Metafísica, ver-se um problema: aceitar-se a
pergunta e seus termos sem reclamar. Mas a linguagem costuma ter o defeito de
ser estática, fixa, sem o tempo. Ou é isto ou é aquilo, aqui e agora. Deve-se,
antes, perguntar sobre as perguntas – ver os termos dos termos. Na nossa
crítica das antinomias kantistas veremos um bom exemplo. O uso do gerúndio, por
exemplo, tão condenado na escrita formal, pode ser retomado, pois expressa
devir.
IDEOLOGIA
A palavra maldita, ideologia, com a qual uns acusam os outros, e
vice-versa, de a praticarem em suas afirmações talvez ou supostamente
interessadas. Como veremos, todo este capítulo tem como centro tal objeto. Para
nós, a mentalidade não é epifenômeno, como até Marx deixou quase entender em
alguns momentos. Mas, mesmo assim, doloroso à consciência a ideia de que não
decidimos quando decidimos ou que não temos livre arbítrio. Às vezes, somos até
capazes de ver nos outros que eles e seus pensamentos são frutos do meio, de
sua experiência não escolhida, mas “esquecemos” de olhar com o olho de dentro
para fazer a autoanálise. Em geral, apenas quem está numa posição social que
necessita da verdade, a posição comunista e proletária, torna-se capaz do
julgamento muito pleno de si e dos demais, de saber a base concreta do
pensamento ou sentimento abstratos. Vejamos, agora, o resumo de alguns de
nossos mestres e uma conclusão específica sobre.
MARX E ENGELS
Eles começam a concepção marxista de ideologia enquanto sinônimo de
falsa consciência, como oposto à ciência. Depois, Marx avança para um conjunto
de ideias como forma de tomar consciência prática das tarefas e problemas de
seu tempo.
Eles elaboraram, então, a famosa máxima: as ideias dominantes de uma
época são as ideias de sua classe dominante.
LENIN
O teórico russo contrapõe ideologia como visão de mundo classista, das
diferentes classes. Há, assim, a ideologia operária e, oposta e inimiga, a
ideologia burguesa.
LUKÁCS
O húngaro nomeia ideologia toda a superestrutura subjetiva: ciência,
política, moral etc. Para ele, ideologia é ontológica, ou seja, tem função
prática na realidade para 1) convencer uns aos outros a trabalhar de tal ou
qual modo, 2) convencer os outros homens a organizar a vida social de certa ou
daquela maneira.
ALTHUSSER
O autor francês retomou a ideologia como falsa consciência, como uma
versão ou visão invertida, de cabeça para baixo, do mundo real. Na prática, ele
apenas retomou o senso comum e preconceitos de seu meio ambiente, a
universidade burguesa. Sua meta foi adaptar o marxismo à academia e suas
concepções de classe média.
OUTRA CONTRIBUIÇÃO
Como no tema da liberdade humana, todas as concepções acima estão certas
em algum nível. As diferentes ideologias – filosofia, arte etc. – subjetivam a
objetividade, ou seja, desenvolvem, unilateralizam e aprimoram o que já existe
na realidade. Por isso, muitas vezes apenas organizam e sistematizam o senso
comum, o cotidiano.
Engels afirma:
Vimos como os filósofos franceses do século XVIII que abriram o caminho
à revolução, apelaram para a razão como o juiz único de tudo o que existe. Pretendia-se
instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e tudo quanto
contradissesse a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma piedade. Vimos
também que, em realidade, essa razão não era mais que o SENSO COMUM do homem
idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia em burguês. (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo
Cientifico, 2003, detaque meu)
Ele repete, na mesma obra:
Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os conceitos,
são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o
outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem
meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além
disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode ser
ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se excluem em
absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus olhos, a forma de uma
rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-nos
extremamente razoável, porque é o do chamado SENSO COMUM. Mas o próprio SENSO
COMUM - personagem muito respeitável dentro de casa, entre quatro paredes -
vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos
amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, pois muito justificado
e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas
segundo a natureza do objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde,
com uma barreira, ultrapassada a qual converte-se num método unilateral,
limitado, abstrato, e se perde em Insolúveis contradições, pois, absorvido
pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação; preocupado com
sua existência, não atenta em sua origem nem em sua caducidade; obcecado pelas
árvores, não consegue ver o bosque. (Idem, destaque meu)
Lukács fala que a ciência costuma derivar do cotidiano como a criação de
pombos observada por Darwin, mas não teve tanta clareza sobre isso quanto à
ideologia.
Marx diz n’O Capital:
O segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos
os trabalhos porque e na medida em que são trabalho humano em geral, só pode
ser decifrado QUANDO O CONCEITO DE IGUALDADE HUMANA JÁ POSSUI A FIXIDEZ DE UM
PRECONCEITO POPULAR. Mas isso só é possível numa sociedade em que a forma
mercadoria é a forma universal do produto do trabalho e, portanto, também a
relação entre os homens como possuidores de mercadorias é a relação social
dominante.
Em seguida à citação, ele faz a famosa afirmação: por estar no mundo
antigo e ser senhor de escravos, Aristóteles era incapaz de perceber a
substância do valor.
A realidade é traduzida pelo pensamento, não criada neste nível. Uma
obra de moral expressa a moral objetiva da realidade, por assim dizer. Quando
pós-modernos falam de “Multidão” no lugar das classes em luta, eles estão
intuindo o fim das classes no comunismo de modo impressionista e imediatista,
pois as classes estão de fato em crise categorial. Quando outros pós-modernos
falam de fim do trabalho e besteiras semelhantes, de fato sentem com exagero a
crise do valor, a automação etc.
O filósofo ou o artista está na vanguarda do novo, ainda que algo seja
de curta vida. Adorno percebeu já e ainda no começo que a música se tornaria
apenas o fundo de um cenário, logo fato comum hoje desde o walkman, o MP3, o
celular, a internet etc. Claro, muitas vezes erram os ideólogos.
Se a realidade humana, pessoal, está fragmentada, logo surgirá uma
filosofia fragmentada. Passamos para a linguagem humana aquilo que não a é. O
espírito do tempo hegeliano, Zeitgeist, na verdade é a objetividade do tempo,
ou melhor, do meio, a carne e a coisa de uma época, corpo social e dinâmico –
espírito, mas espírito concreto.
Isso produz uma nova conclusão, teorema: se uma teoria parcial pode
surgir, ela surgirá. Vejamos dois exemplos. A artificialidade atual do
dinheiro, na artificialidade do sistema mantido pelo Estado, sua criação fácil,
leva a membros da classe média a pensarem como solução para tudo a criação
maior de moeda. A nova classe média e a aristocracia operária europeia fizeram
a cabeça de Sartre e seu existencialismo.
O materialismo parte, também, do senso comum: a realidade existe. Para
um cidadão médio é óbvio que a objetividade há, e é, pois Deus a criou. O
idealista apressado acusa tal ideia por ser vulgar, cotidiana, e eleva a voz
para duvidar da existência autônoma do real. Na verdade, sequer dá dois passos
à frente na sua elaboração.
A realidade é um inconsciente objetivo para além do inconsciente
individual, subjetivo. Assim, este é influenciado por aquele; então ocorre a
racionalização, no duplo sentido, psicanalista e não psicanalista. Lukács, por
isso, erra quando diz que o artista, similar ao Espírito hegeliano, vai para o
mundo e, enriquecido por ele, produz algo, retoma-se; não; o poeta já está na
realidade e sua inspiração vem de repente, tantas vezes do inconsciente duplo
para a consciência; depois, uma ideia leva à outra, e outra, e assim por
diante. Se o romancista pesquisa, parte da ideia inicial, age a posteriori, e
suas investigações são muito específicas, como estudar arte militar para melhor
descrever e narrar uma batalha.
Veja-se que os reformistas enrustidos no meio marxista insistem em negar
a validade teórica de três aspectos do socialismo científico: a dialética, a
queda da taxa de lucro rumo a crises e ao fim do sistema e a necessidade de um
partido democrático centralista. Fazem isso de modo, em geral, inconsciente,
mas o fazem. Em geral, expressam a classe média em suas entranhas cerebrais,
por isso, por exemplo, a maior dificuldade de ir além da lógica formal.
Enfim, a subjetividade dominante de uma época é a subjetividade de sua
objetividade dominante. O subjetivo é um espelho ampliador. A classe dominante
não cria ideologia em uma sala secreta de reuniões, caso contrário seria pura
falsificação, não ideologia; assim como não controla o próprio sistema, a
burguesia não controla a criação ideológica de modo direto e inteiro; “nós
criamos, mas criamos apesar de nós”. A realidade entra na cabeça da própria
classe dominante, que traduz o real de seu ponto de vista, e tenta ganhar a
sociedade para suas próprias posições, que têm origem primeira no objeto, ainda
que unilateral.
Uma ideologia, por mais força social potencial que tenha por si, costuma
precisar de uma superestrutura objetiva, uma instituição, para prosperar em
muitas cabeças. As teorias de Lenin e Trotsky somente deixaram de ser marginais
porque lideraram uma revolução, um partido e um Estado. Na França, a escola de
Annales apenas cresceu porque tomou espaços universitários. Para muitos
filósofos, cargos como o de reitor de universidade tiveram um efeito brutal na
popularidade de suas ideias. Fora de tais meios, costuma-se cair na
marginalidade.
O externo se internaliza. Os marxistas afirmam que apenas (re)conhecemos
o objeto quando ele está maduro; antes, conhecemos imperfeitamente o objeto
porque o objeto também ainda é imperfeito. Os mercantilistas na economia pertencem
à época mercantilista; a teoria da evolução de Darwin, a seleção do mais apto,
pôde surgir e ser corretamente aceita porque a revolução industrial impôs o
império da livre concorrência, permitiu surgir tal avanço científico por sua
estrutura-avanço social e tais ideias eram úteis para o desenvolvimento das
forças produtivas. Eis uma forma diferente de identidade e unidade
objeto-sujeito. Em duplo sentido, o objeto que se reconhece no sujeito. Além do
mais, a realidade tende a produzir homens e mulheres para si, que veem tanto
quanto podem ver.
A ideologia traduz e expressa as contradições e as dinâmicas do real,
ainda que seja para negar tais contradições e tais dinâmicas. A ideia de
tradição medieval vem de uma objetividade que pouco muda, em que o passado dava
respostas suportáveis – até não mais dar.
Temos, portanto, uma concepção ideológica de ideologia. A consciência
avança se sua base material avança; e recua se esta recua. Mas a consciência
também é matéria, então tem força na própria materialidade, e resistência à
mudança, para frente ou para trás, além de influenciar também o meio. Há
aprendizado, há tradição. De tal modo, damos um novo significado para a
dinâmica unidade e identidade sujeito-objeto; tal objeto como objetividade,
realidade. A ideia é matéria – a ideia é matéria em processo.
CONSCIÊNCIA
De onde vem a consciência? Da contradição. Quando um todo no qual o ser
vivo opera se desregula, ou seja, quando os hábitos, as repetições de
comportamento, deixam de encontrar a externalidade (totalidade) correspondente
à ação; então força-se à percepção, cálculo, medição, comparação e
diferenciação de si, do si, em comparação ao externo. É a sobrevivência, a
necessidade de satisfazer necessidades, o impulso íntimo, cuja fonte é exterior
ao corpo-mente. O primeiro impulso deu-se com a obrigatoriedade dos antigos
primatas a descerem das árvores nas savanas.
A teoria da evolução descobre que um órgão corporal, uma parte do, o
cérebro neste caso, pode ser mais ou menos flexível e modificável para novas
funções; e que as mudanças, mutações, mais ou menos comuns, prosperam ou não a
depender se gerarão vantagens, não-contradições, com o ambiente natural. Temos
um segundo estímulo à consciência. Isso é válido para uma espécie ou seu ser
singular, uma pessoa, como também para um grupo humano: uma crise econômica faz
com que um ser coletivo, a classe trabalhadora, ao romper a rotina, avance de
classe em si para, ao elevarem-se as contradições, classe para si, consciência
de classe. É análogo ao processo em escala biológica.
Na medida em que o homem primitivo, os antepassados evolutivos próximos,
modificavam, por meio do trabalho e construção de ferramentas, os seus próprios
hábitos, surgiam necessidades novas; o ambiente modificava-se, o que gerava
novas limitações a serem superadas. Como agir a estas contradições e mudanças?
Pela capacidade de projeção, de imaginar, de antecipar idealmente. Tal
habilidade só pôde surgir como necessidade permanente, mais que casual. Temos
aí a base para tudo a que chamamos inteligência, criatividade, consciência e
pensamento. Para isso, já o sabia Engels, o cérebro contou com energia
oferecida por alimentos cozidos, pelas carnes e ômega 3.
Abordemos uma pista empírica – forma de protoconsciência – em outras
espécies:
INSETOS PODEM TER TIDO “CONSCIÊNCIA” BÁSICA HÁ MAIS DE 500 MILHÕES DE
ANOS. (Comentado)
Dr. Barron e pelo Dr. Klein acreditam que as origens da consciência, são
rastreadas pelo menos, até o Cambriano, que começou há cerca de 540 milhões de
anos atrás.
“Quando os organismos começaram a mover-se livremente em seu ambiente,
eles enfrentaram muitos desafios novos”, explicou o Dr. Klein.
“Eles tiveram que decidir para onde ir. Eles tiveram que priorizar suas
necessidades. Eles tinham de interpretar informação sensorial que mudou como
consequência do seu movimento. Isso exigia um novo tipo de modelagem integrada,
e é aí que nós pensamos que a consciência surgiu.”
Bruno van Swinderen é professor associado da Universidade de Queensland
e é um líder no campo da neurobiologia do inseto.
Dr. Van Swinderen acredita que um dos pontos mais importantes do novo
trabalho é a constatação de que a compreensão da evolução da consciência não
virá da procura de comportamento inteligente em outros animais, mas sim de
compreender os mecanismos fundamentais que apoiam a consciência subjetiva e
atenção seletiva, que ele diz que “sabemos agora que insetos têm”.
“Os insetos têm sido vistos tradicionalmente como mini-robôs,
respondendo a estímulos ambientais de uma forma bastante inflexível”, disse o
Dr. Van Swinderen.
“Em contraste, Barron Klein e sugerem que é provável que algumas dos
bases fundamentais da consciência já foram resolvidas nos menores cérebros”.
Compreender completamente o que está na mente de um inseto ainda é impossível,
no entanto.
Uma coisa é o órgão; outra, o fruto de sua atividade: cérebro e mente
são categorias reais interligadas, são o mesmo, mas, ao mesmo tempo,
diferentes. Destas pistas, retiramos a seguinte hipótese, que nos parece mais
correta: não há um local responsável pela consciência – é uma consequência da
totalidade da atividade cerebral, da interação de suas partes. Mas, certamente,
qualquer totalidade, incluso o cérebro e a consciência, tem um centro.
A explicação científico-filosófica da consciência certamente terá de
abandonar a explicação simples e dicionária, isto é aquilo, para uma explicação
por saturação do conceito. De novo, as conquistas metodológicas da economia
política nos servem de exemplo facilitador: Marx, ao longo de sua obra magna,
não diz apenas em uma vez e explicação “o capital é (isto)”, escolhe
desenvolver a categoria no seu próprio evolver, satura-o no seu significado
próprio (é-se: valor que se valoriza, relação social etc.). Aqui, indicamos
“consciência é alucinação relativa” para o caminho lógico-teórico do tema.
Tratemos por nome imaginação, imaginação controlável pela relação material:
dúvida, sendo diferente de imaginar, é uma forma de imaginar; recordar, sendo
diferente de imaginar, também apenas se expressa como imaginação específica;
são exemplos de diferentes formas de imaginação. Essa é uma das instâncias de
preenchimento do conceito de consciência.
Tornemos ainda mais claro. O esquizofrênico tem, por sofrimento
material, diante da realidade, nesta, a imaginação inflada com lógica também
sob inchaço. Na selva amazônica, um macaco prende-se na armadilha de caçadores
de uma cuia com frutas dentro e um pequeno furo para pôr a mão; coloca a mão
dentro, agarra as pequenas frutas, e trava-se naquela situação, fica preso,
pois lhe é impossível soltar as frutas para se desprender e fugir – o macaco
não alucina perante o desespero, falta-lhe imaginação. “Leve um homem e um boi
ao matadouro; aquele que berrar é o homem. Mesmo que seja o boi.”(Torquato
Neto). Na falta de relação imediata com o objeto, alucina-se.
A “mente imaginativa” é um resultado da atividade cerebral, órgão
específico e integrado aos demais, é material, e tem de ser considerada também
em si, assim como o bombear de sangue não é o próprio coração – coisa e
atividade.
Apenas permanece aquilo que muda – e só a mudança é permanente. A
consciência vem da repetição; quando a mudança tornar-se regra, logo o
cérebro-mente tem a necessidade, em permanência, de saber o que permanece na
mudança. Ele continua fixado no passado, na busca da repetição, do padrão,
embora, diferente de um computador, de fato crie, faz o inédito.
Isso permite explicar um comentário: não existem mais gênios judeus.
Ora, a pergunta é por que judeus e ciganos contribuíram tanto para a
humanidade! Porque 1) eles tiveram um grande período dinâmico, de movimento e
nômade; 2) eles estavam, ao mesmo tempo, dentro e fora da sociedade (veja-se
que a solidão leva, tantas vezes, à leitura, por exemplo). Isso explica, em
parte, o motivo de os negros no Brasil (Machado de Assis, Gilberto Gil, Cruz e
Sousa, Milton Santos etc.) e dos EUA (Jazz, Blues, cinema etc.) terem
contribuído tanto com gênios máximos na história desses dois países.
A mente, a consciência, a ideia (abstratos) são resultado do cérebro
(concreto) e da realidade (concreto) em movimento, em mudança, em atividade
(processo) – o abstrato é concreto em processo. Porque a realidade altera-se, e
a realidade social mais ainda, produz-se um impulso de manter a repetição, que
forma a mente e é base para todo pensamento avançado. Uma pessoa que permanece
uma semana presa e apenas deitada num quarto sem sequer ter noção da luz
natural solar sente sua psique “desfazendo-se”, dissolvendo-se, pois perde a
noção de movimento e mudança. Os teóricos da consciência etc. erram ao partirem
de dentro para fora, não ao contrário, como se fosse premissa básica que a
mente etc. existe por si. Aumentamos, portanto, o peso do objeto sobre o
subjetivo. Nesse sentido, embora forçando um tanto a mão, a consciência é
objetiva antes de ser subjetiva.
A consciência surge ou eleva-se por sua necessidade, por necessidade de
satisfazer necessidades (individuais, coletivas). Por isso, países decadentes
após largo avanço ou imensamente contraditórios, como entre o avançado e o
atraso, produzem grandes gênios. A degeneração dada pela alta qualidade de vida
por ser combatida pela combinação de arte, esporte realista, erudição, alguma
dedicação manual, relação esforço-recompensa.
***
Aqui, inspiramo-nos nos gregos. Eles negavam a empiria aparentemente
aparência, instável, caótica, sem lógica, sem rumo, contingente e queriam
acessar o mundo por meio da boa reflexão, do pensamento dedicado, de deduções
abstratas, de lógica e conflito de ideias com palavras. Assim, continuavam
querendo o permanente na mudança – e fizeram, portanto, filosofia! A filosofia
experimental, a científica e a objetiva, claro, hoje baseiam muito mais
diretamente nos dados, no fatos, na empiria, embora saiba que a aparência ao
mesmo tempo revela e esconde a essência, a verdade.
Isso leva-nos ao debate sobre inteligência artificial: podem os
programas e robôs tornarem-se conscientes? Para nós, o que é, em primeiro
lugar, consciência? Devemos responder tal pergunta milenar, até hoje um enigma
insuperável, com suas diferentes escolas e polêmicas. Consciência é, também
(pois não o que ela é não cabe no dicionário), autoconsciência, consciência de
si. Mas ser consciente de si é ao mesmo tempo diferenciar, ter consciência do
outro e do externo. Por isso, dizer que consciência é consciência de algo tem
tal algo igualmente como a si próprio, alguém. Assim, ter consciência exige ter
consciência da sua finitude, de perceber ser algo que não outro, ou seja, ter
borda e limite, ou seja, ter fronteira e tempo. O erro de dizer que pensamos e
temos consciência por meio de todo o corpo deve ser (re)considerada – não
penamos com o corpo inteiro, mas é quase isso. O cérebro é também sua função.
Ademais, consciência é finitude não só espacial, também temporal – consciência
exige falta, logo, necessidade, logo, desejo.
Dito isso, considerando a consciência de seu lugar abstrato, ou seja,
separado e isolado nas nuvens ideais, vemos a dificuldade de uma inteligência
artificial tornar-se de fato consciente. Ademais, o cérebro é a coisa mais
complexa e difícil de replicar do universo. Pode-se, com mais rapidez, simular
um “como se” tivesse consciência. Mas, ao oferecer algo como um sistema nervoso
completo ao robô, além de sentir necessidades (falta de energia, incômodo
etc.), quem sabe a singularidade finalmente ocorra, para o bem ou para o mal.
Marx diz que a há humanização das coisas e coisificação dos homens; e isso
tende a ser literal, atingir um máximo: das máquinas simples que imitavam o
movimento repetitivo das mãos humanas às máquinas complexas que imitam a sua
inteligência e consciência.
Inteligência não é apenas capacidade de se adaptar à realidade, ao meio
– mas de transformar diante do mundo ou de suas dificuldades. Ao modo passivo
darwiniano complementamos o modo ativo marxista. No mais: penso, logo a
realidade existe – pensar é o real em movmento.
A mente ou consciência não é coisa nem estática – é processo. Com Marx
e, em especial, com Darwin a consciência evolui para saber do mundo como mundo,
pois isso permite sobreviver. A divisão sujeito-objeto parou de fazer sentido:
evoluímos para saber do objeto, ainda que de modo sempre imperfeito. O abstrato
é o concreto em processo – a mente é o cérebro-corpo-mundo em movimento (de
preferência, não repetitivo, ou a repetição continua da novidade, na novidade).
Tenho de ter uma origem e, como origem tenho e origem tenho na realidade, minha
espécie surgiu como um pedaço de si, dela, logo, que respeita sua matéria e
suas propriedades – meu pensamento, assim, tem de seu como o próprio mundo
O MARXISMO
BÁRBARO
O marxismo acadêmico, antes alternativa, tornou-se o marxismo oficial,
contaminando os partidos marxistas. Há uma razão clara para o melhor do
marxismo – Lênin, Trotsky, Marx, Engels, Gramsci, Moreno etc. – ter se formado
por fora da academia, não por meio dela; em muitas ciências e na arte este
também foi, inúmeras vezes, o caso. Burocratas universitários cumprem tarefas
de burocratas; se fazem ciência, é algo acidental – tanto mais se em
profundidade; a universidade precisa ser libertada, assim como foi libertada,
antes, das mãos do feudalismo. Pelo ambiente e por elevação da qualidade vida,
tornar-se professor de universidade matou o ímpeto de boa parte dos melhores
quadros do movimento socialista. O marxismo agora oficial pouco produz de fato,
pouco contribui e, quando tem algo profundo a dizer, erra com maestria. É
constrangedor a falta de domínio do método dialético, por exemplo, usando do
sofisma para fingir que compreende algo sobre o qual pouco domina, nunca usou
como ferramenta. O marxismo sofreu o primeiro duro ataque interno na II
Internacional, com os papas da social-democracia alemã; apenas com o marxismo
russo, como com o marxismo do mundo subdesenvolvido hoje, pôde renovar a
teoria. Depois, o estalinismo matou teórica e fisicamente toda a nossa tradição
criativa. Após a segunda guerra mundial, Mandel, na estável Europa, tenta
atualizar o marxismo, mas falhou e pendeu para o revisionismo; em oposição,
Moreno, na conflituosa América Latina, faz um trabalho melhor, mas ainda tímido
e de resgate. É com Lukács que começa alguma virada após a morte de Trotsky.
Mészaros, de um lado, e Kurz, fora da universidade, de outro, são aqueles que
dão o passo de fato primeiro, ousado, mas caem em pensamento unilateral e
impressionista. Outras contribuições pontuais surgiram, mas pontuais, como os
de Henri Wallon, na psicologia, e Henri Lefebvre, na geografia. Moreno falou de
“trotskysmo bárbaro”, formado longe dos ambientes de erudição oficiais e no
calor das lutas; ampliamos para marxismo bárbaro, porque tem a sujeira
necessária, como a palavra comunista em relação à palavra socialista, para a
produção realmente criativa, embora não revisionista. O marxismo bárbaro tem
adoração pela dialética, mas de modo por inteiro crítico e renovador. O
marxismo bárbaro nunca teme a desmoralização ao querer resolver polêmicas e
problemas teóricos ousados. Em geral, o marxismo acadêmico é estéril, pouco
criativo. Quando não é bíblico e dogmático, é renovador sem critérios de fundo,
novidade pela novidade, impacto pelo impacto ou para vender muito o próximo
livro… Subversão sem marxismo de nada serve; marxismo sem subversão é inútil.
Os intelectuais marxistas são incapazes de ligar teoria e prática, de fazer
análise de conjuntura, de elaborar política correta etc. É preciso certa dose
de vida dialética para pensar de modo dialético. Por isso, o marxismo que olha
apaixonado para os teóricos europeus da história recente mantém a tradição,
comum no Brasil, de abraçar qualquer novidade exótica vinda da Europa; nada se
produz em profundidade, apenas se torna representante oficial deste ou daquele
filósofo em palestras que pouco ensinam. O muro de Berlim caiu logo em cima de
tais consciências! É necessário dizer que a razão de resgatar os clássicos,
estudá-los, tem a função de atualizar a teoria, nada de apenas atividade
literária ou repetição de fórmulas. Os jovens marxistas devem respeitar seus
mestres e suas tradições, mas para subir em seus ombros e ver mais longe e
melhor. Mas a prova de que isso não ocorre é a pobreza dos sites e revistas de
marxismo dos partidos, às vezes com meses sem novas contribuições, sem
polêmicas vivas! A paz dos cemitérios futuros. O despotismo partidário, a ordem
dos dirigentes, destrói o livre pensamento, o impulso subversivo, o pensar com
a própria cabeça, o arriscar acertar e errar. Com a devida humildade, espero
que este livro – com sua teoria geral da crise sistêmica e outras teses – seja
parte vital da recriação necessária do marxismo, demonstre que é possível, abra
novos caminhos. Afinal, isso era tarefa, já muito atrasada, para dirigentes e
eruditos da velha guarda que teve de ser cumprida por alguém fora dos ambientes
oficiais. Pois, no entanto, ela gira.
O ÓDIO
POLÍTICO
Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez
campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o
inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas
não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a
classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou
com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário
que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não
se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em
desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São
tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de
corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre
marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em
principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra
os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta,
quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A
emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um
limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e
vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve estimular
este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes sentimentos,
nada grandioso e racional será feito. “Nada grandioso no mundo foi realizado
sem paixão”, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve, pois há
horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio como
sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior qualidade.
MÉTODO
EMPÍRICO-DEDUTIVO
Quando a civilização grega antiga atingiu seu apogeu, com o devido
afastamento das barreiras naturais, o homem ainda mais social numa sociedade de
classes, produziu a filosofia dos sofistas, onde a verdade, na prática, não
importava, seria inalcançável. Algo semelhante acontece hoje. Com os avanços do
século XX, em base a uma sociedade fraturada em classes, a filosofia
pós-moderna, na área de humanas, declarou as várias verdades, as narrativas, a
fragmentação, o culturalismo, o grande indivíduo – sentiu-se à vontade para
desprender-se, em parte e ilusoriamente, do real. Duas questões
Por exemplo, dizer que tudo é construção social – à semelhança dos
antigos sofistas – soa subversivo, até socialista, mas é idealismo puro, como
se valores e hábitos pudessem mudar por pura decisão, por pura tomada de
consciência. É absurdo que marxistas tomem tal posição como na questão da
natureza humana. Tal erro tem uma base, qual seja, somos, de fato, mais sociais
que antes, bem mais, além de estarmos sob escravidão assalariada ainda.
O marxista italiano Francesco Ricci, um dos maxistas militantes mais
interessantes da atualidade, também limita-se à crtícia externa e quase apenas
superestrutural da pós-modernidade
Mas a solução não é o seu oposto, uma tomada conservadora. Aqui, entra a
reflexão sobre o método propriamente científico. O método hipotético-dedutivo
de Popper foi superado como paradigma pela moderna filosofia da ciência, mas
cientistas atrasados ou pouco afeitos à filosofia permanecem no erro. Isso tem
motivo. Não há método científico, no singular, mas métodos científicos, no
plural; e o hipotético-dedutivo certamente ajuda a fazer descobertas, embora
limitadas, por isso a sua resiliência.
Mas permanece a mera aglutinação, não a fusão em um terceiro, do
empírico e do racional. Einstein defendeu sempre o método dedutivo, por
exemplo, enquanto outros, o indutivo. É necessário resolver a oposição e a
contradição. O empirismo afirma que devemos nos limitar a colher e organizar
dados, fazendo generalizações indutivas quando for razoável, evitando de todo
refletir sobre eles; o racionalismo, ao contrário, diz que os dados enganam,
logo devemos confiar na razão humana para, de ideias racionais, chegar a
conclusões novas e racionais. Ora, ambos acertam e erram ao mesmo tempo. O
método empírico-dedutivo, o oposto do superado hipotético-dedutivo e o
adversário mortal da pós-modernidade, inicia pela apreensão dos dados
empíricos, pois eles são o começo e vitais como fonte da verdade; mas tal
empiria, além de revelar, esconde e engana, logo usamos a razão para saber
desviar das armadilhas, para saber do interno por meio do externo, da unidade
por meio da diversidade, da essência por meio da aparência enganosa – pois o
essencial é invisível aos olhos e a realidade tem uma lógica própria a ser
descoberta, não criada pelo cientista.
Além de ter uma estrutura, a realidade tem um processo inerente –
queremos ambos na nossa investigação. Queremos o mundo em seu vir-a-ser, em seu
devir, em seu tornar-se, em seu desenvolvimento. A ciência já atrasou por
demais seus avanços por falta da dialética como instinto básico da pesquisa. O
universo estático, repetitivo, passou, com muito atraso, para o universo com
história, com evolução; já podemos tomar como ainda mais racional que o cosmos
teve e terá ciclos, gerações de universo, um após outro.
Não se deve apenas interpretar os dados. A física quântica, por exemplo,
tem uma dezena de interpretações conflitantes sobre tal estágio do mundo, todas
baseadas nos dados. Mas estes nem sempre são criticados: antes, tomava-se como
verdade incontestável que o salto quântico é instantâneo; hoje, ainda toma-se o
spin como algo do reino quântico, como uma propriedade fora da nossa racionalidade,
sem maiores explicações, portanto. Deve-se deduzir, também, o limite do
empírico. A verdade está em algum lugar, nem que seja no meio ou na fusão.
Deve-se evitar de todo iniciar
por hipóteses, premissas, postulados, modelos, “métodos”, princípios ou mesmo
conceitos – eles devem ser a conclusão da pesquisa, não seu início. E são
descobertos, não criados de modo arbitrário. Em especial, os conceitos mudam se
a realidade muda, não são fixos, são móveis, muitos com início e fim.
A verdade é não empírica, impalpável, mas deriva sua descoberta da
empiria. Ao que parece, Darwin correu o mundo colhendo dados multíplices,
contingentes, diversos, caóticos – até perceber as leis gerais do
desenvolvimento da vida. Nesse sentido, foi um dialético.
É o objeto de pesquisa que diz como ele será explicado e apreendido. De
modo algum, o cientista tem a honra de escolher um ângulo ou método para sua
investigação como fazem o kantismo e o pós-modernismo. A verdade é o todo
contraditório em evolver.
Se há responsabilidade básica, nunca será escolha de todo pessoal do
pesquisador qual será seu objeto estudado. É a realidade, o objeto, as
necessidades sociais ou teóricas, que determina qual será o tema de pesquisa,
nunca a mera vontade subjetiva do sujeito. Claro, entre assuntos urgentes e
relevantes, pode-se escolher aquele pelo qual se tem mais afinidade.
Até o modo de organizar e expor um livro deve ter origem no objeto, não
no sujeito. A organização do objeto impõe uma organização clara da obra. Neste
livro, tivemos de começar, primeiro, pelo primeiro na sociedade, a economia;
não fosse assim, o material textual seria confuso.
O método dialético torna-se o método empírico-dedutivo. Em outro
capítulo, demonstraremos como no trato da lógica de tal método, Hegel deixou de
observar como se deveria o diacrônico, o processo.
Marx, Darwin, Einstein e Freud revolucionaram o pensamento e a
sociedade. Além desse fator comum, todos foram base para uma concepção
histórica do cosmos – Ser é histórico, ou melhor, histórico-geográfico. Mas
algo ainda mais de fundo também os une. Consciente ou inconscientemente, com
maestria ou com improviso; todos usaram o método empírico-dedutivo, dialético,
bem ou mal. Marx percebeu, pelos dados, as leis de desenvolvimento da histórica
capitalista e da humanidade. Darwin percorreu o mundo colhendo dados e
experiências variadas sobre a vida, até deduzir a evolução das espécies. Freud
deixava os pacientes falarem à vontade, de modo relaxado e aparentemente
desconexo, até que era percebido o nexo interno oculto na diversidade externa,
além de aspectos da história do paciente – o que lhe permitiu consolidar uma
teoria. Einstein defendeu com veemência o método dedutivo, não o
empírico-dedutivo, porém suas premissas, muitas vezes, já estavam sendo confirmadas
na realidade, como a velocidade da luz e sua medida como a máxima do universo,
aproximando-o intimamente do método aqui defendido (resumo grosseiro: partir do
empírico para deduzir – Einstein declara: “Vale então o princípio: a massa
gravitacional e a massa inercial de um corpo são iguais uma à outra. Até hoje a
mecânica, na verdade, registrou este
importante princípio, mas não o interpretou”
(Einstein, 1999, pp. 57, 58; destaques feitos
por Einstein)). Sua formulação foi a base da teoria do Big Bang, da
história, ainda incompleta, do universo. Isso explica o motivo do limitado
Popper ter afirmado que a teoria da evolução de Darwin, a teoria da história
humana de Marx e a teoria freudiana não serem, para ele, ciência… Depois,
recuou no caso da biologia darwiniana para evitar desmoralização diante da
merecida autoridade de Darwin. Popper desconhece as ciências históricas.
Veja-se que todas as teorias acima são atacadas das mais diferentes formas;
negadas por estados, correntes e religiões. Nenhum acaso há aí. Concepções de
Marx como o lado não eterno do capitalismo fere interesses lucrativos, de
classe e religiosos. A teoria da evolução derruba uma premissa da religião,
logo é negada com fervor. A teoria freudiana tira o lugar consolador da fé e
agride os bloqueios inconscientes de muitos (homossexuais enrustidos, pessoas
que mal lidam com seu complexo de édipo etc.), levando até a acusação máxima de
pseudociência (enquanto consideramos, aqui, ela incompleta). Einstein é acusado
de charlatanismo até hoje, mas nunca refutado, nem superado (embora possa ser
ao mesmo tempo preservado e superado no futuro como tentaremos esboçar em outro
capítulo) – além de ser acusado, com razão, de ser… comunista! As ditaduras
têm, em geral, horror às teorias de essência, mais do que instrumentais. Se são
obrigadas, aqui e ali, a adotá-las, como para fazer uma bomba atômica, ou para
parecer marxista enquanto rouba o povo, trata-se da verdade impondo-se. Ainda
assim, o método dialético, como empírico-dedutivo, demonstrou apenas metade de
suas capacidades revolucionárias na ciência. Em outro momento, demonstraremos
construções como A=A e não-A, sincrônicas em geral, suprassumidas por A=A e…
não-A, também diacrônicas. Isso casará bem com E=mc², a identidade dos
diferentes no movimento ou no desenvolvimento.
LUTA
POLÍTICA, LUTA DE CLASSES
Há uma falha no movimento comunista, na sua comunicação. Exceção dos
conflitos palacianos, as medidas de governo e de poder possuem um caráter
classista oculto, que deve ser revelado às massas. Por que Dilma foi obrigada a
tomar medidas neoliberais, por que o teto de gastos ao Estado? O objetivo da
grande burguesia era quebrar a onda de graves daquele período por meio do
retorno ao desemprego; por isso, cortar os estímulos estatais à economia. A causa
classista das medidas de governo deve ser denunciada por todos os cantos.
Enquanto a mídia cria um enredo para dizer que tal ou qual media é bom para
todo o país, independente das classes, e faz justificativas “técnicas”; nós
devemos, sempre, esclarecer o caráter de classe das medidas tomadas ou
pretendidas. A luta política, em especial a partidária, camufla e esconde qual
a luta real em jogo, a de grupos humanos opostos. Enquanto uns procuram
esconder o caráter classista, nós revelaremos. Isso é um caminho necessário
para retornar a consciência de classe. A luta política quer esconder, como se
autônoma, o caráter de classe de sua dinâmica.
ASPECTOS DO MAXISMO
Neste subcapitulo, trataremos de incompreensões sobre o marxismo. Muitas
críticas contra tal ciência, derivam do mau entendimento de suas conclusões,
algo comum mesmo entre os discípulos de Marx.
Individual e coletivo
Diz-se que Marx acertou, mas apenas entre as formigas. Como se o velho
pusesse o coletivo sobre o indivíduo. Isso é um erro. Sua concepção defende que
o desenvolvimento de cada um será, no socialismo, a condição – condição! – do
pleno desenvolvimento da sociedade. Como isso se mostra? O escravo antigo não
tinha liberdade alguma; depois, o servo medieval era mais livre; depois, o
assalariado no capitalismo é ainda mais livre, livre em formal; depois, o
cidadão socialista terá o maior grau de liberdade possível. No marxismo, a
história humana é a história em que o indivíduo é cada vez mais livre, logo a
próxima etapa, a socialista, será de liberdade ainda maior que a anterior.
O marxismo abomina o “isto ou aquilo” e substitui por “isto e aquilo”.
Assim, a oposição entre individualidade e coletividade deve ser superada na
união de ambos.
Biologia
Para Marx, o motor primeiro da humanidade não é a luta de classes, o
modo de produção ou a economia. O central é que homem deve, primeiro,
satisfazer suas necessidades, incluso sexuais. Ele pensou isso antes da
revolução de Darwin, contra a religião e a filosofia de sua época.
É necessário, antes, produzir e reproduzir as condições de vida de modo
a ser capaz de, pelo menos, manter-se de pé e perpetuar o gene (desconhecia-se
genes à época), a espécie e a comunidade.
Vejamos a lei primeira de Marx, fala de Engels:
Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza
orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples
facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes
do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se
poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que,
portanto, a produção dos meios de vida
materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento económico de um
povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições
do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas
dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm
também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente.
A luta de classes é uma luta por recursos e uma luta distributiva, não
só de produtos ou dinheiro, mas também de tempo, de energia etc. Em resumo,
luta de classes por: movimento, energia, tempo, espaço e matéria.
Antes de ser social, o homem é natural. De outro modo, natural
socialmente modificado e desenvolvido. Os marxistas relacionalistas pensam que
a biologia humana é apenas uma carcaça vazia, como se a genética e o biológico
nada tivessem a dizer, ainda que de modo relativo e mediado.
Por vezes de modo cínico, os marxistas vulgares consideram apenas a
homossexualidade como natural, biológica, pois isso é um bom argumento em
defesa da causa. Mas é uma exceção e um limite. Têm medo da verdade, procuram
encaixá-la em suas noções prévias.
Essência humana
Marxistas também erram sobre Marx. É o caso do tema da essência humana,
pois seus seguidores dizem que a natureza do homem vem das "condições
materiais existentes" em cada época. Pois bem; Marx diz, em O Capital, que
temos, não uma, mas 2 essências humanas: 1) a geral, independente da época – de
origem natural, como descobrimos; 2) a histórica, que muda com as mudanças ambientais da sociedade.
Assim, o cérebro humano também é uma "condição material existente",
apenas relativamente maleável.
O Marxismo sociólogo pensa: 1) para a teoria burguesa, o egoísmo é a
essência humana e algo natural; 2) a concepção burguesia está errada; 3) logo
não existe essência natural. Percebe-se o absurdo salto lógico ilógico? O fato
de a concepção burguesa de essência humana estar errada nada afirma sobre a
existência ou não de, também, uma essência humana geral e natural. Deve ser
investigado, incluso a posição de Marx da existência de duas essências humanas.
Lembremos que na época de Marx: 1) as ciências da mente e do cérebro sequer
engatinhavam, e a neurociência é recentíssima; 2) as revoluções científicas da
história do homem e da vida, Marx e Darwin, haviam acontecido, mas ainda com
muito a desenvolver. O princípio e o método marxistas permanecem como base das
atualizações, como a essência humana “natural”.
Marxismo não é estatismo
Eis uma confusão universal. Se uma empresa do Estado visa, direta ou in[20],
o lucro, o mais-valor, o dinheiro em busca de mais dinheiro, logo a empresa é
capitalista. O Estado burguês é um burguês impessoal. Contra a oposição entre o
público e o privado, alguns marxistas defendem o “comum”. Nas empresas
socialistas, os operários governam a própria empresa por meio de assembleias
regulares que decidem tudo o central de seu funcionamento; tais empresa só são
estatais porque o Estado socialista não é uma entidade separada de seu povo,
mas é diretamente controlado por ele, pelos que vivem do próprio trabalho.
O ideal
Pensa-se o materialismo de Marx como se a subjetividade nada importasse.
No meio da militância comunistas, “detalhes” psicológicos são tratados como
descartáveis, exóticos, fora do materialismo etc. Mas a visão marxista é a
visão do todo, o que inclui tudo subjetivo; ademais, criar um partido marxista
tem a função de disputar consciências, pois não existe caminho inevitável ou natural, determinístico, para o
socialismo. A oposição externa entre ideal e material, mente e corpo,
consciência e realidade, é apenas… externa, pois tudo é matéria.
MARXISMOS
Faz falta uma obra que faça a análise correta dos mais variados
marxismo, dessa pluralidade teórica. O pensamento contemporâneo pode ser
dividido entre marxistas e não-marxistas. Aqui, trataremos de maneira sintética
apenas das escolas que têm algum peso maior, que formaram tradição – ainda que menores
em suas contribuições. Apesar de nossas críticas, elas foram base desta obra,
mesmo como um referencial de por onde evitar navegar.
LENIN
O russo viveu uma das ditaduras mais violentas do mundo, da história.
Isso serviu de base para que pensasse um modelo de partido hoje nomeado
bolchevique. Democracia interna nos organismos, que lutavam por democracia, em
especial a socialista, mas agir de modo unificado e disciplinado no movimento
prático – contra um inimigo centralizado. Seu perfil partidário logo teve de
ser generalizado para outros partidos, mesmo que sob democracia burguesa.
Lenin foi um dos últimos a teorizar a natureza do imperialismo. Seu
acerto, no entanto, deve-se mais à sua perspectiva, operária e revolucionária,
que lhe deu um bom ângulo para caracterizar as mudanças.
Um político genial, mas limitado em outras áreas do pensamento. Um dos
seus limites é ter estudado a Lógica de Hegel apenas após o início da primeira
guerra mundial. Assim, ele opunha luta política e luta econômica, sem ver a
dialética unidade delas. Sua teoria do reflexo não tem muito a oferecer.
Lenin, na obra Imperialismo, ora diz que a nova fase do sistema
estimularia o desenvolvimento das forças produtivas como nunca antes, ora dizia
que elas não mais conseguiriam se desenvolver. Por que a duplicidade? Pela
pressa em torno da revolução mundial… É difícil aceitar que seu tempo ainda não
é o tempo do socialismo, a vida é curta.
Para os estalinistas, o Lenin que conhecemos hoje nasceu pronto, sem
erros. Não poupam elogios ao revolucionário. Mas ele foi uma construção social,
que se desenvolveu.
Já criticamos a indução de que a causa dos Estados burocratizados
“socialistas” seria fruto da liderança por partidos centralistas – posição que
vê a parte apenas, não o todo (a imaturidade daquelas sociedades e do
capitalismo global). Há uma dedução mais sofisticada, que pode ser fruto até
mesmo desta obra: como as condições estruturais, não conjunturais, estavam
ainda imaturas para o socialismo, buscou-se um compensador social, o partido
leninista; assim, não precisaríamos mais de tal partido porque as condições
objetivas estão, agora, maduras, dispensando um compensador “externo”. Isso é
um engano: nada garante, de antemão, mecanicamente, que o socialismo virá, pois
depende de escolhas humanas, de convencimento amplo. Com os primeiros Estados
operários, a revolução será, tendencialmente, mais fácil, o que diminui
relativamente a necessidade de partidos prontos e elevados, mas, por outro
lado, ao mesmo tempo, facilita a formação de partidos elevados, que se educarão
por saltos.
TROTSKY
Leon Trotsky ofereceu uma contribuição genial à dialética, a lei do
desenvolvimento desigual e combinado; isso foi facilitado por viver num país
desigual e combinado, com o mais avançado convivendo com o mais atrasado. Além
disso, seus textos sobre moral e arte são memoráveis. Duas grandes
contribuições suas são a teoria da revolução permanente e o programa de
transição.
A teoria da revolução mostrou-se verdadeira, pois a revolução burguesa
de fevereiro de 1917 na Rússia tornou-se revolução socialista de outubro. Isso
fez parecer correta a antes hipótese. Porém, isso é metade do caminho. Por
exemplo: a teoria da gravitação de Newton é útil nas nossas escalas, mas
superada em escalas maiores. Trotsky partia de uma conclusão que se tornou,
assim, premissa: o tempo da revolução socialista havia chegado. Esse erro
levou-o ao raciocínio sofisticado. Se estamos na época do socialismo, como ele
ocorrerá em países atrasados? Daí pensar que a revolução burguesa nos países
limitados teria de se tornar socialista logo, com o necessário apoio da
revolução nos países ricos. Todo este livro é demonstração de que o gênio
estava errado, pois a pressa levou às conclusões apenas de modo parcial e
limitado verídicas. Era preciso ainda surgir a crise total, sistêmica.
Sua contribuição militar foi muito mais prática do que teórica, sendo o
líder máximo do Exército Vermelho capaz de derrotar outros 14 exércitos
inimigos.
GRAMSCI
A Itália teve como seu grande problema o Estado, o que produziu gênios
como Maquiavel. Apenas no final do século 19 o país unificou-se. Isso pesou
sobre o perfil de Gramsci, focado na superestrutura objetiva (organizações) e
subjetiva (mentalidades etc.). Porém, ele não teve condições de oferecer uma
obra sistemática, pois estava preso. Restaram-nos anotações vagas para evitar
repressão.
Não é por acaso que tantos centristas reivindiquem seu nome. A ideia de
um revolucionário preso pelo fascismo escrevendo seu trabalho intelectual desde
a cadeia tem algo de muito romântico, em especial para “marxistas” de classe
média, aquele professor universitário. Os funcionários públicos, como os
professores, tendem a focar em temas superestruturais.
LUKÁCS
Lukács viveu no “socialismo” real cuja ideologia capitalista do trabalho
imperava. Tal pensamento comum da propaganda governamental afetou seu perfil.
Pensou, então, uma ontologia marxista, que tornava o trabalho a categoria
fundante do ser social. Ele poderia ter ido mais longe, bem mais, derivando a
nossa metafísica materialista, exposta em outro momento desta obra, mas havia
um limite sobre si.
Sua grande contribuição para a dialética é a ideia de que as partes de
um todo se relacionam umas com as outras, o que produz, também, acidentes,
acasos da causalidade recíproca dos muitos elementos constituintes de uma
totalidade em movimento.
Grosso modo, de maneira muito resumida, a ciência produzida pode, para
ele, tornar-se, sendo uma ideologia, uma ideologia propriamente. Para nós, a
ideologia, o senso comum, pode – também, pois é recíproco – ajudar, além de
atrapalhar, a produzir nova ciência.
Segue-se Lukács para evitar a questão Trotsky, o incontonável.
ESCOLA DE FRANKFURT
Não sendo marxistas, mas não negando tal filosofia – surgiu a escola
alemã, com seus fantasmas pessimistas. O mais destacado dentre eles foi,
certamente, Adorno. Ele afirma que o “todo é o falso”, pois associa totalidade
com totalitarismo, um jogo de palavras de baixo nível. A verdade é o todo,
sabemos junto com Hegel; uma verdade parcial é parcial, certa e errada. Também
levantou a ideia de que devemos focar na diferença, não na identidade. Erra
mais uma vez: a dialética é a afirmação tanto da diferença quanto da
identidade. O trabalho difícil de um cientista ou filósofo é ver a identidade,
a unidade, do diverso que aparece. Por fim, propôs o foco na contradição,
contra a totalidade, mas a contradição se resolve, dissolve-se, em seu lado
produtivo; além disso, as categorias centrais da dialética são três, não uma:
totalidade, contradição e movimento – e a contradição tem por debaixo a
relação, incluso autorrelação.
MORENO
Natural da Argentina, Moreno viveu as duras lutas do continente
americano na segunda metade do século 20. Sua qualidade e defeito estão em
forcar na “estrutura”, ou seja, nas classes, na sociologia, na antropologia.
Ofereceu, assim, uma série de atualizações da teoria marxista segundo as
exigências da realidade. Percebeu, por exemplo, que a teoria da revolução
permanente de Trotsky estava incorreta, apenas em parte verdadeira, mas não
soube propor algo melhor.
MANDEL
Em oposição à Moreno, Mandel viveu uma vida estável, incluso de
professor universitário, na Europa democrática do Estado de bem-estar social. Não
há teoria revolucionária sem prática revolucionária, e o vice-versa de Lenin. A
realidade, assim, impediu que ele fosse um grande marxista. Suas leituras são
limitadas, embora tenha esta ou aquela boa sacada na infraestrutura, na
economia.
CHE GUEVARA
Formado na classe média, de um subcontinente contraditório e atrasado,
como com grande população camponesa, surgiu Guevara. Ele foi um lutador
internacionalista e pelo socialismo, mas não foi um crítico total às ditaduras
“vermelhas”. Sua pressa pela primavera, fez com que tornasse popular o seu
princípio, resumido em: 1) não é preciso esperar o levante das massas, 2) um
pequeno grupo armado e disciplinado pode tomar o poder, vencer o Estado. Sua
morte ao promover uma guerrilha na Bolívia o refutou da pior forma, além da
derrota de tantos movimentos guerrilheiros pelo mundo, em especial na América
Latina. Como ser revolucionário tornou-se sinônimo de ser marxista, ele foi
considerado por outros e por si como herdeiro de Marx. Basta dizer-se marxista
para sê-lo. Mas, bem observado, ele fundou um neoblanquismo. Os blanquistas
consideravam que um grupo de elite e bem armado poderia tomar o poder e
implementar uma ditadura do proletariado, ditadura no sentido comum do termo. A
grande contribuição do Che foi para a história da guerra, com sua guerra de
guerrilhas, apesar de ter escritos econômicos, por exemplo. A pressa, tão comum
entre revolucionários, levaram os melhores para uma guerra inglória, antes da
hora, contra o inimigo articulado e poderoso.
ALTHUSSER
É o mais limitados dos teóricos aqui citados. De imediato, sua função
foi adaptar o marxismo às concepções acadêmicas de sua época, num momento de
alta qualidade de vida, baixa luta de classes e alta moral do estalinismo. Por
isso, condenava o que pensava ser ideologia; por isso, condenava a dialética;
por isso, condenava o jovem Marx filósofo (para ele, o Marx maduro e final
“científico” surge apenas anos depois de publicado o primeiro volume de O
Capital…). Sua concepção metodológica usava a metáfora interessada do
pesquisador que colhe a matéria-prima amorfa e lhe dá, então, forma e ordem.
Pois bem; o marxismo diz o contrário, que a própria matéria usada pelo
cientista já tem sua forma, sua história e sua própria lógica – cabe-nos
descobri-las, não criá-las.
De seus manuscritos, descobriu-se que, para ele, os momentos de passagem
de um sistema para outros ocorre aumento da aleatoriedade, um materialismo
aleatório. Tese de impacto, mas não demonstrável. Pode-se dizer igualmente que
o aleatório apenas ganha relevo diante da crise sistêmica, não aumenta
quantitativamente de modo decisivo ou qualitativo, ou que na estabilidade o
aleatório se torna ainda mais rotineiro, ou que o aleatório nada mais expressa
que a necessidade (não sendo, logo, apenas aleatoriedade). Disso tudo,
percebemos o carinho de intelectuais acadêmicos, eles com boas contribuições,
pelo teórico limitado.
KURZ
Com a terceira revolução industrial, alguns teóricos burgueses
levantaram a bandeira do fim do trabalho, crise do trabalho etc. Kurz deu a
estas intuições uma explicação marxista, a crise do valor. Ele pertence à
Alemanha, vanguarda da nova tecnologia e com baixa luta de classes por uma
qualidade de vida acima da média. Por isso, ele não vê na classe operária uma
saída revolucionária.
Em tempos midiáticos, Kurz lutava por seu prestígio e por não
desaparecer. Mas suas saídas teóricas levavam-no para um beco sem saída,
unilateral. Então ele e sua corrente forçavam a mão na tentativa de fazer novas
elaborações, impressionistas ou forçadas.
MÉSZÀROS
Com um estilo prolixo, focado em debater contra seus colegas
universitários ingleses, Mészàros foi um gigante oposto ao Kurz, igualmente
genial. Ele toma a “obsolescência programada” já debatida nos meios
intelectuais e a generaliza, como com a redução da utilização da força de
trabalho. Também foi impressionista, advogando uma crise permanente. Não
percebeu a crise do valor, por exemplo, assim como Kurz não percebeu a crise a
partir do valor de uso, como fez Mészàros.
ESTALINISMO
O estalinismo não formou uma teoria real ou geral, apenas adotou esta ou
aquela posição segundo a necessidade do momento. Sua função era negar o
marxismo, manipular as massas e seus ativistas. Para isso, usavam a
terminologia marxiana, mas apenas ela. Há, no entanto, algumas contribuições
para a história tática militar no oriente, como em Mao. Este usou a linguagem
dialética para falsificar a realidade, afirmando existir contradição principal
(como a luta imediata contra uma invasão) e não principal (como a luta de classes
durante a guerra) em cada conjuntura – na verdade, corrigimos, as contradições
entram em combinação, fundem-se, articulam-se. Não é que ele entendeu mal o
dialético, apenas fez uso oportunista da linguagem.
Em geral, por terem encontrado a verdade, pensaram ter encontrado toda a
verdade. Cada escola marxista fechou-se em si, num movimento autofágico. Esta
obra visa quebrar o sectarismo ao fazer crítica e, ao mesmo tempo, absorção dos
teóricos unilaterais. Um “a partir daqui para frente” torna-se um dos objetivos
aqui expostos. Isso quer dizer uma teoria unificada do marxismo, contra o
isolamento escolar. Só nos resta o caminho de ir juntos, ou mais juntos ainda.
NOVO MARXISMO ORTODOXO
O marxismo antigo entrou em crise, pois seu modo de operação esgotou-se,
tonou-se incapaz de responder aos novos desafios e ambientes. Ele foi avançado
para seu tempo, mas precisa ser superado e guardado. Os atuais quebra-cabeças
encontram mais sofismo que respostas na mão das velhas interpretações. Isso é
normal: tenta-se responder ao novo ou ao velho, retrospectivamente, com as
ferramentas de sempre, sem arriscar qualquer salto prematuro. Mas vamos
acumulando limites cada vez maiores, ao estilo de Kurn. A velha guarda
limita-se a repetir ad infinitum as velhas fórmulas, ignorando seus limites.
Aqui e ali, tenta-se salvar a teoria comum com atualizações pontuais,
quantitativas. Kurz e, na outra ponta, Lukács anunciaram a necessidade de uma
renovação completa do marxismo, sem eles mesmos conseguirem apontar todo o
rumo. Em geral, o limite dos marxismos recentes é, de um lado, não estarem
ligados à luta de classes e, de outro, não passar pela escola dura do
trotskysmo (leninismo), apesar de seus limites. Dificilmente um não trotskista
chegaria ao conjunto das contribuições desta obra. Tentou-se um pós-marxismo,
marxismo analítico, marxismo matemático, neomarxismo, socialismo do século XXI
etc. Foram ensaios do porvir. O marxismo é a teoria social final, que apenas
começou – assim como a nova síntese da teoria da evolução, a teoria da
relatividade na macrofísica são as teorias definitivas, que podem, no máximo,
passar por reformas revolucionárias. Marx é, no social, o que Darwin-Mendel é
para biologia e Einstein é para física. Mas seu trabalho é, em grande parte,
inacabado, como a necessária teoria da psicologia. Com a devida humildade,
penso que esta obra coloca a teoria social marxiana em outro patamar, como com
uma renovação completa e qualitativa da dialética (A=A e… Não-A). Seria uma
anomalia inesperada que a crise sistêmica, final, do capitalismo não gerasse
uma renovação teórica, se não por todos os lados, ao menos em algum local do
globo terrestre. Uma vez encontrada as repostas gerais, as novas gerações de
militantes intelectuais e mesmo acadêmicos poderão destravar suas percepções,
resolvendo novos enigmas e oferecendo novas contribuições úteis e corretas,
mesmo que parciais, não mais sofismas ou novismo artificial (como criar
conceitos apenas porque sim, para vender livros e não cair no ostracismo…) A
vida é dura, mas nós somos mais teimosos. Digamos a verdade, doa a quem doer.
Destruamos a razão desse beco sem saída: o tempo nos faz esquecer o que nos
trouxe até aqui, mas lembramos muito bem como se fosse amanhã!
Nesta obra, aplicamos o assim chamado materialismo histórico e dialético
ao próprio marxismo.
FÉ E RAZÃO
Além da oposição emoção-razão, há entre fé e razão. Os mais moderados
dizem que ambos são necessários e complementares, portanto ambos devem ser
preservados. Isso é dialética kantista, resolvida pelo diacrônico (A=A e…
não-A). A ideia absurda de que há uma região do cérebro responsável, logo
estrutural, pela religiosidade é um erro científico de principiante. Ou melhor,
no máximo, a mesma região serve para cada oposto, pois o que o aparelho
psíquico busca é compreender a realidade, certa garantia da previsibilidade de
um futuro bom etc. A religiosidade foi uma das primeiras ferramentas, por isso
a mais frágil. Porque não tinham meios melhores, os antigos usaram a religião.
Depois, vieram a filosofia e a ciência maduras, além da arte desenvolvida. No
socialismo, ao poucos, sem imposições, as novas gerações serão cada vez mais
ateias, cientificas e filosóficas céticas ao admirarem o cosmos. A alta qualidade
de vida permitirá isso; um país com maior pobreza material e espiritual tem
mais religião e fanatismo; outro país mais agradável tem mais ateísmo e menos
fanáticos. Há, portanto, uma evolução, uma progressão, da religiosidade para o
sentimento filosófico futuro. Um passa para seu oposto. Se temos certo aumento
da religião onde há mais sofrimento por causa das guerras etc., temos, por
outro, a nova geração que “acredita em tudo” como ciência, astros, energia,
Deus etc. Tal bifurcação subjetiva expressa uma realidade bifurcada, com duas
possibilidades, socialismo ou barbárie. No mais, o novo e amplo ateísmo deve se
livrar seu perfil de seita sectária, próprio de movimentos em seus inícios, e
focar, como orienta Trotsky, na divulgação científica popular (jornais,
panfletos etc.), na formação de clubes, na defesa das pautas sociais etc.
Curioso que muitos jovens ateus procurem Nietzsche, um anticientífico, pai do
irracionalismo atual, quando deveriam assumir a responsabilidade de ligar-se a
Marx, o revolucionário ateu e científico.
NEOATEÍSMO
O ateísmo é uma concepção antiga, mas imensamente marginal –
imensamente, mesmo. Alguns filósofos antigos eram ateus. Hoje, membros da nova
geração adotam tal postura, logo isso deve ser explicado. As razões são: 1)
desenvolvimento da economia, o que oferece ouros prazeres como TV, séries,
alimentos baratos etc. 2) alta urbanização, o que diminui o controle sobre o
indivíduo; 3) alto desenvolvimento da técnica e da ciência, oferecendo
alternativas e respostas; 4) governos democráticos, sem maior controle; 5) onda
permanente de escândalos religiosos, como pedofilia e pastores ricos; 6) nível
cultural médio maior das novas gerações. Assim, os novos ateus podem surgir em
muitos países, em especial nos desenvolvidos e nos de cultura ocidental. Seus
ares de seitas ocorrem por ser um movimento em seu início, que deve aprender a
baixar a guarda dos seus adversários para ganha-los aos poucos, pelas beiradas.
De qualquer modo, o futuro do ateísmo depende do futuro da economia, do
resultado da luta das classes. Uma sociedade de decadência não resolvida tende
ao fanatismo religioso.
SEMIDEUSES
MODERNOS
Em outro momento, oferecemos um novo significado sobre o super-homem, o
além-do-homem, de Nietzsche,
pois ainda não somos em exato humanos e no futuro faremos automodificações de
acordo com certa ética; para ele, o filósofo irracionalista, em sua concepção
limitada, aquele que acessasse grande sofrimento e a arte chegaria ao nível
superior. Pois bem; daiemos mais um passo. A era da comunicação de massas levou
à adoração de certos seres humanos. Em geral, reconhecemos o hiper-especialista
em alguma tarefa como um homem total, autorrealizado. Mas, por ser unilateral,
na verdade é incompleto e falho, meio humano. Tal lógica também ocorre quando
olhamos para eles: tomamos a parte pelo todo. O divulgador científico Pirulla
demonstra que a internet, e as câmeras celulares de bolso, ao permitirem novo
tipo de vigília informal de todos sobre todos, afeta a visão impressionista dos
artistas, intelectuais etc. como se perfeitos, completos, únicos. Mesmo assim,
continuamos a procurar o absoluto no outro por nos sentirmos menos e menores.
Vale notar que a erudição ampla de um Caetano Veloso e um Gilberto Gil, juntos
com suas especialidades, facilitou seus sucessos, a aura em torno de si mesmos.
Uma beleza rara, uma grande habilidade com o futebol etc. geram a figura dos
semideuses modernos, adorados. Para isso, faz-se necessário o talento, o
facilitador, e a vocação, este impulsionando o trabalho constante e duro; mas
costumamos pensar a figura do gênio como natural, já pronta desde o seu começo,
sem esforço e sem bastidores.
SENTIMENTO
DE GUERRA
Walter Benjamin observou: a guerra antiga produzia heróis, orgulho e
poemas em ode – hoje: silêncio dos ex-combatentes, dificuldade de narrar etc.
As causas são:
1)
A abundância
atual impedir justificativa subjetiva para a guerra, a razão;
2)
Somos mais
integrados internacionalmente;
3)
Os fatos
explosivos da guerra com alta tecnologia são imensos, colossais;
4)
Pela mesma
razão de 3, perde-se a noção de causa e efeito, de lógica, pois morre-se de
repente por um objeto vindo de algum lugar obscuro, explode-se de repente (a
causalidade, por exemplo, era clara na guerra antiga por espadas, lanças e
flechas – vale destacar que o trauma tem como um de seus fatores certa perda de
lógica);
5)
Guerreia-se
para outros e para outra classe, não para si e para sua classe.
Trataremos os efeitos disso no capítulo sobre a crise militar burguesa.
PSICOLOGIA
DA GUERRA
Via de regra, o exército mais poderoso baixa a guarda, além de ir à luta
com entusiasmo; logo cabe ao mais fraco, o defensor, ter criatividade e
ousadia, que surpreende.
Ao ganhar uma batalha, inevitavelmente o vencedor baixa a guarda,
alegra-se, quer que aquilo termine logo depois de tanta tensão mental e física.
Isso costuma ser a causa da derrota na batalha seguinte. O general pode reduzir
tal otimismo negativo, mas não pode impedir de todo.
Parte essencial da luta é fazer o inimigo perder o moral, o estímulo.
Por isso, proíbe-se que haja reclamações entre soldados, que desestimula os
companheiros, afeta-os.
A psicologia tem força: tratamos bem o adversário que desiste para que
outros também parem; matamos nossos desertores para que os nossos não parem.
SENTIMENTO
DE DECADÊNCIA DE SUA ESPÉCIE
Novas experiências civilizacionais podem levar a novas experiências de
sentimentos. Um deles, típico para nossa época, trata-se do sentimento negativo
pela decadência de sua espécie. A primeira vez que sentir algo do tipo foi por
meio da experiência cinematográfica, os primeiros filmes de “O planeta dos
macacos”. “Unam” é um nome possível para o sentimento novo que ainda não tem
nomeação. Sequer nosso direito estimula o sentimento raro de amor pela nossa
espécie e pela natureza, superando o amor nacionalista em geral nocivo.
HÁBITO
DEMOCRÁTICO NO SOCIALISMO
Diz-se que no socialismo a democracia direta e participativa respeitará
a vontade da maioria, mas isso deve incluir uma cultura de ampla tolerância.
Vejamos as variantes:
1)
Aprovação
por ampla maioria;
2)
Aprovação
por maioria;
3)
Aprovação
por consenso;
4)
Aprovação
por a maioria ceder de modo voluntário à minoria;
5)
Nada fazer
por falta de consenso;
6)
Adiar a
decisão;
7)
Solicitar
voto secreto (em organismos de base).
8)
Sorteio como
para eleição de alguns dirigentes
9)
Os mandatos
de tipo e gerais serão curtos em duração.
Assim, iremos mais longe porque juntos.
O planejamento econômico democrático e centralizado é a afirmação do
homem, seu auge, pois afirma e eleva a categoria central do trabalho, a
teleologia. O homem vai, assim, de um caminho inconsciente para uma solução
consciente (análogo do ir de um inconsciente ao consciente na natureza). O
caminho cego para o socialismo torna-se um caminho claro, decidido – se
vencermos, uma probabilidade real e não apenas formal. A elevação de
consciência dos trabalhadores, sua decisão de reorganizar de vez a sociedade, torna-se
condição da vitória.
A DECADÊNCIA
DA DEMOCRACIA DOS RICOS
No ambiente protestante e neopetencostal, os privilégios de ser pastor
atrai oportunistas, vagabundos e psicopatas. Assim, o processo se
retroalimenta. Na política ocorre algo semelhante: atrai, por privilégios,
gente de baixa estatura moral e intelectual. É um aspecto “subjetivo” da crise
do Estado burguês – e a decadência da sociedade atual reforça o aqui exposto.
Com eleições regulares, que ora elegem um grupo e ora outro, além de políticos
sem falta de projeto geral, o governo não tem plano de longo prazo, para além
das próximas eleições. O que um governo começa, outro para ou desfaz etc. Um
rei, que por ser mero rei merece a guilhotina, tem ao menos a vantagem de
pensar em planos de 30 anos, pois estará, ele espera, ainda no comando da
nação. Como o socialismo revolverá tais contradições? Debateremos melhor em
capítulo específico, adiantaremos apenas alguns aspectos. De um lado, os cargos
não terão privilégios, além de sofrerem eleições regulares e mandatos perdíveis
a qualquer instante; de outro, um parlamento científico e apartidário, formado
pelos maiores cérebros do país, agregados por difícil concurso e por notório e
público saber, com salários altos, será formado, com suas propostas aprovadas
de modo automático, apenas podendo ser negadas caso reclame o outro parlamento,
que é eleito e sem privilégios, logo regulador. Pode ser que o parlamento
científico seja posto em dúvida por plebiscitos a cada, por exemplo, 20 anos,
se mantém ou renova os membros, mantendo apenas a “chapa” minoritária, formada
por uma parte dos cientistas que queria a renovação dos cargos. Assim, temos o
melhor dos dois mundos aprofundando a democracia, não a negando.
Direto ao tema, a crise sistêmica da economia torna a democracia
representativa incapaz de melhorar a vida da maioria. A crise da democracia
burguesa é a crise do sistema de dinheiro. O atual sistema democrático é,
portanto, incapaz de resolver o problema. A democracia desmoraliza-se, com
razão. Daí que muitos setores desejem o fim do jogo, que busque a volta das
ditaduras contra a ralé. Daí que os eleitores, cansados de ser enganados,
elejam comediantes e outras figuras pitorescas para o governo, já que nada
muda, seja na esquerda seja na direita. Cabe aos comunistas democráticos
exigirem na primeira oportunidade: democracia direta operária e popular já!
Democracia real – só com o fim do capital!
A PSICOLOGIA DO FASCISMO
Trotsky, o caluniado, foi quem melhor explicou o fascismo e como
combatê-lo. É um movimento burguês imperialista, que se apoia na classe média
falida, raivosa porque desesperada pela crise; o fascismo é fruto dos erros do
movimento operário. Porém os pensadores do século XX, possuídos de fetiche pelo
tema, tentaram psicologizar a origem do fascismo e seu sucesso momentâneo. Todo
tipo de tese original, embora nem tanto correta, surgiu. É claro que perfis
psicológicos nacionais, perfis de classe etc. facilitam ou dificultam o sucesso
nazista, mas a base é a crise do capital, não um inconsciente revoltado ou
pulsão sexual não vivida… Pierre Félix Bourdieu afirmou, por exemplo, que o
Brasil não tenderia ao fascismo porque vivia suas pulsões animalescas no carnaval.
Os franceses, na verdade, fetichizam os brasileiros, e vice-versa; somos
alegres e anárquicos nas festas carnavalescas porque nossa rotina é bruta e
violenta; somos amigáveis, cordiais, porque estamos sempre à beira do conflito
direto, da luta, da agressão; as mães trabalhadoras criam os filhos por meio da
violência; ademais, Bourdieu não (re)conheceu de fato a história deste país,
quase sempre sob ditaduras e um Estado “democrático” assassino. O governo
brasileiro Bolsonaro, extrema direita, ajudou a refutar o francês. O fascismo
se combate com milícias operárias e populares, além de boas propostas
socialistas para os trabalhadores e a classe média, não com psicanálise
coletiva.
TELEOLOGIA
OBJETIVA
Para ganhar moral no meio acadêmico, um dos segredos é ser contra a
teleologia, a concepção que a realidade tem finalidade, um fim, um objetivo. É
uma crítica fácil e famosa, mas pouco refletida. Os erros nesse assunto se
deram à visão mecanicista do tema, desde Aristóteles até Lukács. Vejamos a
confusão, as igualdades falsas na crítica:
1)
Teleologia
exige uma consciência que planeja.
Isso é a concepção mecanicista de um trabalho
artesão ou artístico, generalizada e, logo, rejeitada por muitos. Mas as leis
inerentes da realidade podem levar a um rumo específico.
2)
A teleologia
exige separar fim e meio.
Falso. Ainda uma visão mecanicista, priorizando uma
forma de trabalho, como vemos. O fim pode estar, em sistemas orgânicos, no
próprio meio, vai-se realizando no processo, rumo a si mesmo. O socialismo vai
rumo a si na lutando por ele, com práticas de acordo com o fim almejado. O fim
(abstrato) é o meio (concreto) em desenvolvimento (processo).
3)
Teleologia é
determinística.
Nada justifica essa hipótese. O homem, por exemplo,
tende ao socialismo – tende. Mas pode se extinguir antes de se realizar. A
teleologia não é nem determinística nem contingente, pois é tendencial.
4)
Não existe
teleologia fora da sociedade.
Outra hipótese sem comprovação. Por exemplo, o olho surgiu 6 vezes de
modo independente na história da natureza, pois era necessário que o olho
surgisse. No social, a história ocorre como teleologia objetiva e insconciente
até que a sociedade ganha consciência alta, toma as rédeas da história.
5)
Teleologia
exige um fim (absoluto).
Na verdade, a teleologia pode ter um alto grau de autorrealização, mas
ele permanece como pulsão, movimento, desenvolvimento. Não se encerra quando se
encerra.
Temos a teleologia objetiva. Lukács afirma que na arte há identidade
sujeito-objeto, forma-conteúdo, essência-aparência e nós completamos com
criar-descobrir e nada-ser. Logo vemos que Hegel se inspirou no trabalho
artístico para pensar sua Lógica, caindo em mecanicismo em certo sentido.
De modo geral, prospera quem respeita a teleologia, quem está de acordo
com a história; definha quem está na sua contramão.
IDENTIDADE E
UNIDADE DE SUJEITO E OBJETO
A ciência conheceu toda uma etapa burguesa, que foi progressiva para a
humanidade em essência, pois ofereceu bases ao socialismo. A ciência será
socialista – mais do que de forma latente ou oculta como com a III Revolução
Industrial – quando der base ao desenvolvimento da nova forma social, suas
tecnologias etc.
Entre as condições para a revolução mundial encontra-se um alto
desenvolvimento da ciência e da técnica. É preciso grande conhecimento das
propriedades do mundo, de suas possibilidades, de sua natureza e de sua
história para revolucionar a sociedade. Enfim, é preciso que o homem tenha
produzido as condições para perceber que “somos uma forma do cosmos conhecer a
si mesmo” (Sagan). Tal identidade entre sujeito e objeto deve estar latente,
ainda exigindo uma nova revolução científica, para sua realização socialista.
RELAÇÃO
Há três relações psicológicas imediatas:
- Homem-homem, sujeito-sujeito;
- Sujeito-objeto;
- Sujeito consigo.
Inspiremo-nos em Winnicott. A relação 1 torna-se mais própria do
neurótico; a 2, mais própria do perverso; a 3, mais própria do psicótico. No
neurótico, interno em si, a 1, mais própria do histérico; a 2, mais própria do
fóbico; a 3, mais própria do obsessivo.
No psicótico, também 3, a 1 é mais própria da paranoia; a 2, mais própria da
melancolia; a 3, mais própria da esquizofrenia. No perverso, a 1 é mais próprio
do sadismo; a 2, mais própria do fetichismo; a 3, mais própria do masoquismo.
Falta a Freud a clareza de que a melancolia, por exemplo, a depressão,
pode, além do psicótico, ser parte do neurótico como o narcisista com sua
vaidade negada pelo mundo, ou o perverso como o masoquista tendo prazer com sua
depressão profunda, com sua dor. Mesmo com amálgamas; além do esquema
freudiano, propomos outro complementar e paralelo:
|
Relação com outro |
Relação com objeto |
Relação consigo |
Psicótico |
Paranoia |
Melancolia |
Esquizofrenia |
Neurótico |
Histérico |
Fóbico |
Obsessivo |
Perverso |
Sadismo |
Fetichismo |
Masoquismo |
Acompanhei uma “paciente” que: 1) era paranóica na relação com outro
(quando ficava por muito solteira, após um afastamento, tinha mania de persiguição
ao ir dormir) – psicótico e relação com outro; 2) na relação consigo – era
masoquista, ou seja, perversão (incluso fantasia consciente, dita por ela, de
ser estuprada); 3) como neurótica e relação consigo – tinha algo de narcisismo,
mas também de fóbico (de modo semi-irracional, sempre olhava o vaso sanitário
para ver se não tinha cobra) e histérico. Isso demonstra que qualquer pessoa
pode ter traços diferentes na relação consigo, com outro ou com objeto –
psicótico, neurótico ou perverso. Claro que algo acentua-se pelo contexto, e à
clínica chega quase apenas o paciente unilateralizado, acentuado; mas modelos
são modelos fixos excludentes, quando o indivíduo é mais rico. Se há desejo por
outro caso: o sujeito é sádico, perverso e relação com o outro, mas obsessivo
(anal), neurótico e relação consigo. Não sei se cada um é apenas um, por
exemplo, apenas um dos neuróticos e apenas um dos relação consigo etc. formando
um de cada elemento horizontal e vertical na tabela. É uma hipótese, quase
tese; mas não tenho dados amplos para demonstrar tal regularidade.
O feto trata-se como relação consigo mesmo. Depois, relação com outro,
em principal a mãe. Depois, pluraliza a relação, com outros (e até mais com
objetos). Tal relação cada vez mais é também relação dos outros consigo, na
medida em que o Eu desenvolve-se. Enfim, ocorre a afinidade eletiva nos amores,
nas amizades etc. Por meio do outro, meço-me, individualizo-me, reconhece-me,
tomo forma-conteúdo central e ao outro como iguais e humanos.
Forma 1
Relação consigo
Forma 2
Criança –
Mãe (pai)
Forma 3.1
Criança - Mãe
- Pai
- Irmãos
- Parentes
- Próximos
…
Forma 3.2, inversa
Mãe - Criança
Pai
Irmãos
Parentes
Próximos
…
Forma 4, afinidade eletiva
Jovem, adulto – amor
Jovem adulto – amizade
Jovem, adulto – família
Em resumo, a identidade, relação consigo, feto, passa para a relação com
a mãe, com o outro, ou seja, põe-se a diferença; esta, e a sua relação, passa
para a diversidade; isso, por sua vez, produz oposição, contradição, relação,
concentração e atração – e, enfim, uma unidade (amizade, família nova, amor
etc.). A semelhança com as formas de valor em O Capital e, logo, na “relação”
de medida na Lógica de Hegel apresenta-se como real, proposital.
DESEJOS
OPOSTOS
Somos a unidade tensa de desejos opostos. Certa mulher, jovem adulta,
deseja, de um lado, focar na sua felicidade pessoal, sua carreira e ter
prazeres; por outro lado, ao mesmo tempo, tem o desejo de ser mãe, de ter uma
prole. Ambos os desejos opostos são essenciais, legítimos, justos – ainda que um
mais social e outro mais natural. Cabe a escolha, ou mediação, ou
atossabotagem, ou lidar com frustração parcial etc. Nossa tensão é mais do que
por desejar, pois também trata-se de ter desejos diversos, que podem cair em
contradição.
AFETIVIDADE:
INTENSIVO E EXTENSIVO
Certa mãe que tem oito filhos distribuirá, diluirá, seu sentimento
maternal, ainda que tenha preferências. Já a mãe isolada e carente, dedicará de
modo intensivo, menos extensivo, seu sentimento, saturando o filho único. Quem
tem muitos amigos, logo baixa carência, não é ciumento com suas amizades. Numa
sociedade de relações amorosas livres, a baixa dependência emocional, o gastar
intensivo de sentimento apenas para um, fará fraco o ciúmes, como hoje entre
amigos leais. De modo puro, o extensivo mostra-se, na unidade interna de ambos,
oposto ao intensivo; menor extensividade, maior intensividade – e o mesmo ao
inverso.
ANGÚSTIA
A psicanálise afirma que a angústia é sem objeto, diferente do medo, e
sem tempo, diferente da esperança ou ansiedade, por exemplo. Os filósofos não
marxistas consideram a alienação eterna, inevitável, junto com sua angústia.
Assim, discordamos, a causa, talvez central, do angustiamento está na não
satisfação da essência humana – ser integrado, mutualista e ativo. É uma dor de
existência que é difícil nomear e, ao mesmo tempo, difícil de saber a sua causa
(o que exige, literalmente, milênios de elaboração teórica-filosófica). Mas tal
vazio ocorre pela negação, no hábito, de nossa natureza natural. A angústia, em
geral, não tem objeto, pois seu objeto não é objeto algum, mas a relação que é
a falta de relação.
FENÔMENOS
COMUNS
Há uma série de regularidades destacadas no mundo atual. Aqui,
destacaremos dois, focos de minha atenção duradoura, dos mais comuns cuja explicação
já é insinuada no mundo popular, mas sem formalização teórica acabada.
- Tiroteio em escolas etc.
Há casos de pura psicopatia sem causa outra, de fato, mas a maioria
ocorre por uma construção. O sujeito acumula frustração, frustração, mais
frustração – até que surge, aqui e ali, certa raiva pura, aparentemente sem
conteúdo, apenas raiva. Ela vai e vem até que, por mais frustrações, domina o
assassino. Lembramos apenas que explicar não é justificar, nem fazer do
carrasco uma vítima.
- Pedofilia entre padres etc.
Para todos, óbvio que a causa é o celibato, a proibição de casar-se.
Falta explicar o processo. Assim, a profissão atrai gente com problemas sexuais
ou, mesmo, homossexuais enrustidos. Ao, em permanência, impedirem em si mesmos
olhar a mulher ou o homem de modo sexual, ao censurar-se mais o acúmulo de
desejo; o cérebro procura certa mediação, a transferência da pulsão para corpos
infantis, meninos ou meninas – que têm, também, menos meios de se defender.
Ocorre, então, a mistura de distúrbio e oportunismo. Uma das razões de quase
todos os líderes da igreja católica oporem-se ao casamento deles, o que
reduziria a tensão libidinal, seria porque passariam ser obrigados a casa com
mulheres, não com homens.
3.
Déjà vu
Esse
fenômeno popular ainda precisa de explicação. De minhas observações, elaborei
isto: o InfraEu, o Eu oculto, antecipa, planeja, tenta prever; mas isso não
ocorre de modo consciente; logo, tomamos um susto de repetição quando ocorre o
que, no fundo, já esperávamos que ocorresse.
Devemos dizer
algo sobre o InfraEu, abaixo do Eu e do SuperEu, para termos mais clareza. O Eu
externo é produzido pelo trabalho, pela ação, pelo foco no mundo, pela prática.
Pois bem; saímos de casa e temos a sensação certa de que esquecemos algo, mas
não sabemos qual algo… O InfraEu, que nos avisa sem avisar, sabe, sabe muito
bem. Tanto é que, com algum esforço, a informação do objeto salta dele para o
Eu externo, pertencente ao Ego.
Parte 5
ESBOÇO PARA
A CRÍTICA DAS CATEGORIAS DA PSICANÁLISE
Para superar uma teoria é insuficiente criar outra oposta, pois se deve
criticar ela por dentro dela mesma, em seus critérios, levá-la ao limite; ou
seja, ver o acerto no erro e o erro no acerto. Nesta obra, oferecemos algumas pistas
para uma possível teria unificada da psicologia. Tal meta deve lidar com a
teoria mais avançada de nossa época sobre a psique, a psicanálise. Ela foi
acusada de charlatanismo e pseudociência, em geral, por gente que não é da
área. Pensa-se assim: tenho pensamento, tenho psicologia, logo entendo do
assunto por natureza… Mas a física quântica é tão bizarra e inesperada quanto a
psicologia real, logo a ciência nunca tem a obrigação de ser agradável. Por
outro lado, porque acerta o alvo muitas vezes, a psicanálise é negada e
caluniada, pois, por exemplo, impensável a um jovem religioso e homossexual
enrustido aceitar tal teoria que o desnuda por dentro. A resistência violenta
contra a psicanálise é, assim, uma prova empírica de sua validade geral, ainda
que incompleta. Na psicologia, sujeito e objeto são idênticos, em unidade.
Vejamos, então, alguns dos comentários deste livro sobre a psique.
SONHOS,
EMPIRISMO E DIALÉTICA
Freud operou uma revolução ainda insuperada na ciência da psicologia.
Por inevitável, cada ciência particular alcança um momento em que é possível
profundas reformas, mas não mais rupturas de pensamento, revoluções. Sequer a
neurociência, que ainda engatinha, foi capaz de tirar o lugar da psicanálise.
O núcleo inicial da teoria freudiana foi sua intepretação dos sonhos. Em
resumo, os sonhos são realização fantasiosa de desejos, claros ou ocultos, para
manter o corpo em repouso. Freud sempre deixou claro, contra a crítica vulgar,
que o conteúdo dos sonhos não são sempre e necessariamente sexuais; se dormimos
com sede, sonhamos algo relacionado a isso, como, por exemplo, estar dentro de
um rio.
Feito o resumo de uma teorização que parece irrefutável pelo avanço
científico, portanto correta, vamos ao método. Em geral, Freud usa o método
indutivo (empirista), ou seja, opera generalizações por repetição de padrões.
Na associação livre, porém, usa o método empírico-dedutivo, quando as falas do
analizante, desconexas na aparência, demonstram ter um nexo interno; mas não é
o nosso foco aqui. A relação freudiana com o empirismo revela-se na seguinte
citação:
Nosso primeiro passo no emprego desse método nos
ensina que o que devemos tomar como objeto de nossa atenção não é o sonho como
um todo, mas partes separadas de seu conteúdo. Quando digo ao paciente ainda novato: “Que é que
lhe ocorre em relação a esse sonho?”, seu horizonte mental costuma-se
transformar-se num vazio. No entanto, se colocar diante dele o sonho
fracionado, ele me dá uma série de associações para cada fração, que poderiam
ser descritas como os “pensamentos de fundo” dessa parte específica do sonho.
Assim, o método de interpretação dos sonhos que pratico já difere, nesse
primeiro aspectos importante, do popular, histórico e legendário método de
interpretação por meio do simbolismo, aproximando-se do segundo método, ou
método de “decifração”. Como este, ele emprega a interpretação em détail e não
em masse; como este, considera, desde o início, que os sonhos têm um caráter
múltiplo, sendo conglomerados de formações psíquicas. (Freud, 2001, pp. 118, 119; grifo nosso)
Nenhum método científico é, em si mesmo, errado – nem é o critério da
verdade. Com métodos inferiores pode-se chegar à verdade ou parte dela. Mas o
método superior, a dialética, faz uma crítica ao empirismo como crítica da
citação acima:
Ora, a percepção é, mais, precisamente a forma em que se deveria
conceber; e esse é o defeito do empirismo. A percepção, como tal, é sempre algo
singular e transitório; contudo o conhecer não permanece aí, mas busca, no
universal percebido, o universal e permanente; essa é a progressão da simples
percepção para a experiência. Para fazer experiências, o empirismo se serve
principalmente da forma da análise. Na percepção, tem-se algo variadamente
concreto, cujas determinações devem ser separadas umas das outras; como uma cebola cujas cascas se tiram. Essa
decomposição tem assim o sentido de que se desprendem e decompõem as
determinações que “cresceram-juntamente” [concretas]; e de que nada se
acrescenta a não ser a atividade subjetiva do decompor. A análise contudo é
a progressão da imediatez da percepção até o pensamento, enquanto as
determinações que, em si, o objeto analisado contém reunidas recebem por serem
separadas a forma da universalidade. O
empirismo ao analisar os objetos encontra-se em erro, se acredita que os deixa
como são; pois de fato ele transforma o concreto em um abstrato. Por isso
ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que é vivo, porque vivo é só o concreto,
o uno. No entanto, deve haver essa separação para conceber; e o espírito mesmo
é em si a separação. Mas isso é apenas um dos lados, e a coisa mais importante
consiste na reunião do [que foi] separado. Enquanto a análise fica no ponto
de vista da separação, vale a seu respeito aquela palavra do poeta: “Isso a
química chama ‘Encgeiresin naturae’ que zomba dela mesma e que não sabe como;
em suas mãos possui as partes. Mas, que pena! Está faltando só o vínculo do
espírito.” A análise parte do concreto, e esse material tem muita vantagem
sobre o pensamento abstrato da velha metafísica. (Hegel F. G., 1995, p. 105; grifos nossos)
Caiu o freudismo no erro do empirismo? Em parte… Ao fazer interpretação,
foi além do mero empírico colhido, foi do sensível ao suprassensível. Mas ficou
no meio do caminho. Minha tese é a de que os sonhos podem, sim, ser analisados
desde sua totalidade. Em minhas análises de sonhos, todos os fatos sonhados
eram incompreensíveis e aparentemente desconexos – até que, com esforço, o
sentido do TODO aparecia para minha razão. Assim, as partes tinham um conteúdo
geral e um sentido comum. Certa vez, sonhei estar num sítio com jacarés, logo
depois, ato contínuo, dirigindo em marcha ré por uma estrada com minha mãe e
minha namorada. Acontece que, tempos antes, havia viajado com elas e meu pai,
este dirigindo para o sítio de uma familiar… O sonho aconteceu do final para o
início, de trás para frente, além de revelar o conflito edipiano com o pai
dominante. Pois bem; o sonho só faz sentido como uma totalidade, não por
análise isolada das partes apenas e principalmente. Além disso, somente pode
ser entendido como narrativa, como história – não como conteúdo fixo e
estático. Eis a estrutura e o processo, a verdade é o todo. As partes do sonho
apenas são compreendidos quando unidos e unidos por um fio condutor, como
totalidade dinâmica. O sonho, ademais, tenta resolver uma contradição num
movimento, numa narrativa. Outro exemplo, para dar substância: certa amiga
sofria assédio moral todos os dias no trabalho, era humilhada, mas lhe era
impossível se demitir, logo ela sonhava todos os dias, antes de acordar para ir
ao serviço, que matava a outra funcionária que lhe fazia mal (ser ativo etc.).
Assim, suportou o problema por um bom tempo.
O sonho – além de ser uma forma de manter o corpo em repouso, além de
ser uma forma de alívio psíquico por satisfação fantasiosa – parece ser uma
forma de manter bem a psique ao manter de pé a consciência, que deriva do
movimento externo, da contradição do permanente e da mudança.
***
Jung afirma que Freud limita-se a considerar o sonho como a fantasia de
um desejo qualquer, que gera tensão mental.
Segundo ele, o sonho tem função, também, de orientação, de conselho –
inspira-se na religião, como parte de seu limite pessoal conhecido… Unifiquemos
sob prioridade da psicanálise. Se temos um problema que nos angustia muito, que
gera tensão psíquica, logo desejo, o cérebro, pelo sonho, pode propor uma
solução, um movimento. Um viciado em matemática pode criar, na fantasia do
sonho, uma solução possível para um problema matemático no qual estagnou, por
exemplo. Isso ocorreu comigo. Após assistir a Série Cosmos, de Carl Sagan,
veio-me o projeto de escrever um estilo de poema coma poética daquele
divulgador científico mais o realismo da ciência, um simbolismo realista, ateu.
Mas não conseguia escrever algo, o que girava minha energia. Num sonho por
esses dias, vi o nascer e o pôr do Sol de modo mágico, enquanto uma voz,
provavelmente a minha, recitava um poema novo… Assim que acordei, corri para
escrever os versos, antes de esquecê-los; foi quando percebi que minhas unhas
grandes de violonista haviam deixado marcas na palma da minha mão, por pressão
enquanto sonhava. O poema surgiu quase pronto, precisando apenas de retoques.
MÁGICA
MATERIALISTA
Rubro o
arrebol
Do céu no
universo
Todo o
material estrelar queima
Em uma
queima cósmica de arquivos
Das cinzas
negras das estrelas
Surgem a
noite
E as
sobras-faíscas dos fogos estrelares
Quem sabe um
parto
De
novíssimas e efêmeras nebulosas planetárias
***
Freud:
1)
Descobriu
que os sonhos são fantasias de desejos. Mas não entendeu a natureza do desejo
em si, além de, às vezes, escorregar igualando sonhos e desejo sexual (erro que
nem sempre cometeu).
2)
Descobriu os
mecanismos de defesa que disfarçam o conteúdo do sonho. Mas não entendeu que a
forma ocultadora e enlouquecida como o sonho aparece também tem seu próprio
conteúdo e sentido complementar.
3)
Aproximou-se
do método correto da interpretação. Mas ficou no meio do caminho, trata-se de
integrar os fatos aparentemente separados do sonho.
O tema dos sonhos é o núcleo duro da psicanálise, mais difícil de
quebrar. A única solução é superar, ainda guardando, sua teoria. Nossa
formulação está para a psicanálise como a economia de Ricardo está para a
economia de Marx. Portanto, metemos dialética na nossa cabeça e na matéria.
PULSÕES DE
VIDA E DE MORTE
Como vemos, Freud cai no dualismo dos opostos sem unidade interna, sem
mesmidade. O que existe é apenas pulsão de vida. Esta pulsão desdobra-se de
modo externo em: 1) pulsão de criação, 2) pulsão de preservação, 3) pulsão de
destruição. Os três podem ocorrer de modo combinado ou misturado. A pulsão de
morte é uma anomalia, uma doença, quando a mente-corpo não está em seu estado
normal.
COMPLEXO DE
CRONOS
Trataremos este ponto mais uma vez em nota de rodapé posterior para
reforçar outras ideias. Sua importância justifica a repetição. A experiência do
complexo de Édipo – os filhos disputarem o amor de um adulto contra outro –
fica no inconsciente do adulto, que a revive de novo, mas de modo contrário. O
carinho do pai pela filha ou da mãe pelo filho, por exemplo, produz conflitos,
disputa de atenção. Além disso, constrangedor aos mais velhos o vigor e a
beleza dos jovens filhos – o efeito maldito do tempo! Daí o jeito duro da ação
paterna contra o filho homem ou da materna contra a filha. Isso tende a ocorrer
mais quando o filhote adquire forma corporal mais humana, mais madura. Assim, o
complexo de Édipo relaciona-se consigo próprio como com um outro, com o
complexo de Cronos.
ENERGIA – PRINCÍPIOS
DO PRAZER E DA REALIDADE
Para Freud, a energia psíquica é sexual – mas a energia é mais do que
isso. Ela é pulsão, que serve para satisfazer necessidades básicas, como comer
ou praticar sexo. Daí sua fusão com o marxismo, que também parte das necessidades
básicas e práticas.
Vemos mais uma vez o erro apenas dualista do pai da psicanálise ao
contrapor o princípio do prazer e o princípio da realidade. É a busca do prazer
que obriga a criar mediações necessárias, logo o princípio oposto. É a
necessidade de certa moral que faz adotar uma específica moral, diria Hegel. O
princípio da realidade é o princípio do prazer – mas mediado.
PERSONALIDADE:
DEFEITOS E QUALIDADES
A unidade do defeito e da qualidade é a característica. O característico
não é nem positivo nem negativo; e mostra-se como um ou outro apenas no
contexto. Destruir ou bloquear um defeito é, em geral, destruir ou bloquear uma
qualidade. A personalidade é uma, é una, e expressa-se externo em defeitos e
qualidades, em opostos – que são internamente o mesmo. Alguém impulsivo pode
ser, por isso, “sem noção” e, por falta de limite interno, também, por ouro
lado, muito criativo. A malandragem do jogador Neymar, por exemplo, para forçar
faltas com quedas artificiais ou induzidas é a mesma malandragem usada para
enganar o goleiro e fazer o gol (se, por exemplo, por ordem do técnico, ele
bloqueia a primeira característica, então bloqueia a si próprio, ou seja,
impede igualmente a segunda). A oposição e a contradição externas entre
virtudes e vícios têm a unidade interna na característica, no característico,
em uma só propriedade, particularidade, traço ou caráter. É o contexto, a
situação, que faz aparecer de alguém um polo ou outro da unidade interna.
O
INCONSCIENTE ORGANIZADO
O inconsciente opera, de modo oculto à consciência, a formação de
conhecimento por padrões, conclusões de funcionamento da realidade quase
imperceptíveis ao pensamento, leituras da realidade não formalmente teorizadas
etc. Isso ficou conhecido popularmente como a hipótese do “superpoder” mental e
cerebral do homem – a intuição. Citamos o caso de quando se teve o impulso
intuitivo de comprar uma nova chinela com o fato de seu calçado de fato quebrar
uma semana depois, pois a mente apreendeu alterações mínimas no objeto durante
o seu uso, o que gerou a intuição. Porque um pneu de ônibus pode dar sinais
imperceptíveis ao consciente, mas perceptíveis aos modos mais profundos da
psique, um usuário do transporte pode dizer momentos antes “o pneu irá fura”
como suposta previsão “mística”. Sem qualquer método formal, muitos conseguem
ler psicologicamente outra pessoa ou a tendência de dinâmica de um grupo.
Pessoas do campo podem “sentir” que irá chover apesar da aparente falta de
sinais imediatos e aparentes. O autor deste material errava a chave do grosso
molho a ser usada quando tentava escolher de maneira consciente, mas acertava
sempre quando se deixava agir por “instinto”. O consciente deve focar-se no
imediato, no prático, deve especializa-se e evitar excessos; logo cabe ao
inconsciente o trabalho de base, que é expresso conscientemente em forma apenas
de conclusões “supostas”, sem revelar seu lastro. Às vezes, o inconsciente
aprende antes do consciente ou independente deste. Uma conclusão, mesmo
teórica, está diante de nós, a pedir para ser falada ou sacada, mas temos
bloqueios conscientes, como o medo da ousadia. Os artistas sabem muito bem
disso, pois à vezes uma ideia ou letra de música nasce pronta, vinda não sei de
onde, bastando externalizá-la e melhorá-la. O inconsciente tem ordem em seu
caos. Assim, temos o Eu (ego), o SuperEu (superego) e o infraEu, que não é o ID
puro.
O inconsciente, infraEu, tem consciência de si. Somos, assim, um que é
dois. O que um analista leva 5 anos para saber do paciente, e que o paciente
também não sabe, o infraEu sabe de modo claro e organizado. Freud e a
psicanálise são atacados também porque romperam um contrato social invisível,
de ver apenas o eu que aparece de modo direto, também real. Os psicopatas, ao
verem literalmente o mundo, veem bem este aspecto para manipular. É comum que
usuários de drogas, como maconha, vejam a “verdade”, a camada por assim dizer
proibida.
Além da realidade como inconsciente e do inconsciente subjetivo sob novo
significado, temos a visão materialista do inconsciente coletivo, como
explicado sobre a origem dos arquétipos. Complementamos: o inconsciente
coletivo existe sob forma diferente da de Jung porque, junto com as
singularidades e particularidades, os cérebros diversos possuem e compartilham
estrutura e processos comuns, universais. Por isso, um líder religioso antigo e
um enlouquecido hoje podem ter ao mesmo delírio ou alucinação.
O inconsciente organizado e a dupla consciência, com outro eu oculto,
revela-se na linguagem humana, além da natural. Com frequência, falamos frases
com duplo sentido, duplo caráter, um claro e funcional, outro não funcional,
que revela o Eu interior – ambos verdadeiros.
PERSONALIDADE
E PERFIL FÍSICO
Esta área já foi obra de muita pseudociência, mas deve haver razão na
loucura. Os escritores sabem descrever um personagem por seu modo físico para
expressar sua personalidade, como traços pontudos para alguém perigoso e traços
arredondados para alguém amoroso. O interno se externaliza. Isso deve ter
origem genética, mesmo[21].
Uma parte – apenas uma parte – do perfil humano deriva de sua biologia. Mas há,
também, o fator ambiental ou social. Em síntese: hábitos levam a perfis mentais
e corporais; por sua vez, perfis mentais levam a hábitos e padrões corporais;
enfim, perfis corporais levam a hábitos e perfis mentais (neste caso, em parte
como alguém é visto pelos demais a partir do padrão, pressionando informalmente
a colocar “cada um em seu devido lugar”[22]).
Os três momentos ocorrem combinados, retroalimentando-se. Isso, ao modo de
Platão, sabe-se sem saber no mundo cotidiano.
Aquele adulto que tem o problema de ser um “Rei-bebê” esticado tende ao,
ao ser como crianças mimadas, desejo de comida e outros hábitos que lhe faz ser
acima do peso, arredondado como um infante. Um sujeito por ter barba imperfeita
por amadurecimento imperfeito, e crescer barba após, por exemplo, casar e tomar
responsabilidades. O corpo fala de muitas maneiras tal como certa metáfora da
psique. O leitor pode ver que há aí absurdo, mas a verdade não precisa ser
agradável e não absurda. Em cachorros e raposas domesticadas, assim como em
animais de pasto, observou-se que hábitos (ambiente etc.), genética e perfis
afetavam seus modos físicos, em período curto, no ser individual e em poucas
gerações; incluso com mudança hormonal.
TEORIA DO
SINCRONISMO
Vamos direto aos aspetos:
1) Observei diálogos de colegas de classe na universidade UESPI. Em
torno de alguém extrovertido, papel de líder e comunicador, os amigos
juntavam-se antes das aulas. No passar do tempo e das conversas, seus corpos
faziam movimentos, tendo por resultado final: um círculo formado por aquelas
pessoas, pernas abertas em forma de “v” invertido, tão estável quanto possível,
onde até certos outros movimentos corporais igualavam-se (mãos no bolso ou
braços cruzados etc.);
2) Os movimentos corporais empáticos possuem como principal fator a
imitação, como espelho, do movimento de outrem: cruzo as pernas quando quero me
aproximar subjetivamente de alguém de pernas cruzadas;
3) Os hábitos coletivos em um determinado espaço (casa, escritório etc.)
tendem a um ritmo e lógica internos de interação, tal como alguma “dança
informal”, entre as pessoas naquele ambiente;
4) É possível fazer leitura corporal do estado da relação de um casal
por meio de suas posturas ao dormirem. Por exemplo: um de costas para o outro,
costas encostadas, e movimento espelhado idêntico – ideia de harmonia entre
eles.
A tendência ao sincronismo é uma dimensão intersubjetiva na objetividade
social. No mais, corresponde ao desejo, dimensão psíquica, por harmonia, ordem,
organização, integração etc.
Em linguagem poética:
Os corpos humanos estão interligados
Em uma sincronia de movimentos cotidianos
Como em um ballet invisível
Que não percebemos também porque
‘Stamos demasiadamente nele
E
Se teu corpo na sala movimentar-se
Na cozinha alguém reagirá
Ajeitar-se-á o outro alguém à mesa
Como se fossem os corpos todos
Maestrados e maestros partes todos d’um todo
Conectados integrados e interinfluentes
Em um único instante num único coletivo movimento
Onde juntos e inconscientes e sempre dançamos
Até a data desta tese-poema
E
Há uma camada pensante do não pensamento
Somos
Causa-consequência em igual medida-tempo
Pois não há dia ou pedaço do dia
Desprovidos desta dança complexo-lógica
Como os corpos ao se encontrarem na rua que
Agem reagindo como reagem agindo
Instantaneamente e ambos
Simultaneamente
Simultaneamente e simultaneamente
E
Meu corpo vira-se enquanto o teu abraça-me
Ao dormirmos
Tenho registro virtual desta tese-poema, penso, já há 10 anos pelo
menos; mas não tive coragem, de início, de apresentar a ideia de maneira
científica. Também apresentando teses ousadas demais por meio da literatura;
Miguel Nicolelis, neurocientista, defendeu a mesma hipótese fundamentada, como
algo científico, ainda mais cedo (creio), mas sem grande sucesso – até sua
audiência merecida na internet. Pois bem; nossas teses são muito parecidas,
senão iguais, de modo que me parece ser dele o mérito inicial. Ele nomeia o
fenômeno de sincronia brain-net, incluso, quer seu uso técnico, prático, como
nos esportes.
NOMES E
PERSONALIDADE
Os nomes e sobrenomes podem influenciar parte da personalidade. Em
resumo, isso é deduzido das seguintes descobertas:
1) A formação do self na criança, sua diferenciação do meio, ser algo em
si e para si, perceber-se, se dá também por meio do seu nome, em especial por
meio do chamado verbal-afetivo do pai e da mãe (descoberta de Winnicott).
2) Na infância, a capacidade lógica da criança passa por estágios e
demoram os saltos de percepção. Até a pré-adolescência, há uma lógica muito
rígida, não dinâmica, de opostos e significados (descoberta de Piaget).
3) A mente opera, em sua função pré-consciente, associações e
combinações (descoberta de Freud).
4) A mente é sugestionável, sem necessidade hipnótica, em níveis
diferentes.
Exemplifiquemos. Uma criança cujo nome é Flor apreende o significado de
flor enquanto objeto externo com suas características e, ao mesmo tempo, esta
palavra lhe é absorvida enquanto significado de si – então ocorre uma fusão interna,
inconsciente. No A Interpretação dos Sonhos, Freud, citando Goethe, cita por
alto, apenas em forma de intuição, que as pessoas vestem seus nomes, sendo que
o seu nome significa em alemão “Alegria”, o que o influenciou a ser médico,
psiquiatra e fundador da psicanálise.
PECADOS E
PERSONALIDADES
Toda ciência começa como religião e pseudociência. Como a alquimia deu
lugar à química, o confessionário passou bastão para a clínica em psicanálise.
Dito isso, o método classificatório de perfis é sempre imperfeito e falho –
todos corretos com defeitos. Mas, em geral, podemos dizer que cada cidadão, ao
menos nas sociedades de classe, é marcado por ao menos um dos assim chamados
“pecados capitais” ou uma “virtude capital”.
INCONSCIENTE
E MENTE
Busca-se refutar o freudismo de modo equivocado ao afirmar que a
neurociência moderna provou a inexistência de um inconsciente, como se um
pedaço do cérebro fosse. O aparelho psíquico como inconsciente e consciente ou
ID, ego e euperego (super-eu) de modo algum são coisas ou partes mas frutos
abstratos da interação da Coisa, do cérebro consigo próprio e com o ambiente,
da interação de suas partes. A mente, também, de maneira nenhuma é coisa, pois
é o fruto da atividade da coisa orgânica, ligada ao seu meio; e é essa própria
atividade. Para comparação, não podemos tocar nem o valor nem o preço das
mercadorias em si, mas eles existem e são dedutíveis. Para ser real e
cientificamente válida, uma categoria não precisa sempre ser diretamente
observável – já que pode sê-lo indiretamente.
A TRÍADE DE
PERFIS PSICOLÓGICOS
Freud observou, por generalização bastante perspicaz, que existem três
tipos humanos: psicótico, neurótico e perverso. O psicótico tem lei, e lógica,
rígida, fixa; em ampliação, a figura comum do louco com sua “vida paralela
inventada”. O neurótico, por muitos considerado o normal, aceita as leis, mas é
capaz de crítica e reformulação; ele pode derivar o fóbico (cujo objeto
central, de medo no caso, é externo), o histérico (cujo objeto é o corpo) e o
obsessivo (cujo objeto é um pensamento ou comportamento de origem mental); logo
veremos porque insistimos na palavra “objeto” nos parênteses. O terceiro perfil
é o perverso, que somente respeita a lei se lhe dá alguma vantagem. Pois bem;
os psicanalista associam os três perfis com o complexo de édipo
(homossexualidade etc.), do nível e do tipo de repressão em reação ao “objeto”
amoroso parental. Ao que parece, no entanto, levantamos a proposta na esperança
de originalidade e acerto, que vale para todo tipo de objeto. Vejamos. O
psicótico assim é, em nível menor ou na forma doentia, porque na infância
frustrou-se muito em acessar os objetos de desejo (comida, brinquedo, afeto
etc.) ou teve pouca experiência prática com a realidade – logo seu objeto
tornou-se seu pensamento, sua imaginação, que se inflou, compensando. Daí que
Lacan pensou que a loucura de Joice foi compensada por este ao destinar sua
imaginação para a escrita. Muitos cientistas são psicóticos e psicóticos
criativos, não só neuróticos. (Por outro lado, por exemplo, visto de modo
reverso, a dedicação unilateral e constante à, por exemplo, matemática, leva a
um desenvolvimento deformado, inflado e desigual do cérebro, perdendo outros
aspectos necessários à vida por causa da especialização excessiva, levando matemáticos
a verem padrões por todo canto, desregulado.) O neurótico comum teve acesso ao
objeto e por mediações, como parte de um trabalho, além de uma satisfação
normal; então, enriqueceu sua experiência para com ele. O perverso, por outro
lado, não teve mediações, não teve trabalho, quer relação direta e imediata com
o objeto, tornando até o outro como objetal; pouca frustação – enquanto o
psicótico teve muita, base e gatilho de sua esquizofrenia comum –, prazer
desmedido, satisfação quase imediata (daí que ricos tendam mais ao mundo e ao
modo perverso – daí que empresas familiares tendam a falir com o passar das
gerações); por isso, também, supõe-se, os perversos possuem pouca imaginação,
disciplina e criatividade; por não sofrerem como se deve, os perversos não
desenvolvem a empatia mutualista. Afirmações como “a consciência é a
consciência de algo”, ou “a consciência é alucinação relativa”, ou ”a
consciência vem de fora para dentro por querer o permanente na mudança” etc.
ligam-se bem com estas observações.
O neurótico adoece quando não consegue alcançar seu objeto, como afirma
Freud. Vejamos, para formar um círculo teórico, um caso de delírio persistente,
psicótico, na qual o portador tem noção crítica de seus pensamentos doentios.
Porque ele sente solidão, imagina que está sendo vigiado secretamente, sendo
olhado (ser integrado); porque sente solidão sexual, imagina que moças famosas
estão se guardando para ele (ser mutualista); porque se sente menos, tende a
acreditar que é dotado de grandes habilidades e ações (ser ativo). Em Freud, a
questão é quase sempre sexual apenas, como única base – sem suspeitar a
essência humana natural-social ou relação com todo tipo de objeto de desejo.
Vejamos dois estudos de caso opostos, um sádico (perverso) e um
psicótico (delírio).
O jovem adulto gosta de ver vídeos de pessoas acidentadas, agressões,
lutas duras, cenas de guerra reais, torturas etc. Produz humor depreciativo,
diminui amigos, humilha de forma engraçada, constrange os próximos etc. Quando
criança, matava pintos com pedra para saber como eram. Brigava diariamente e
controlava suas namoradas. Olhando de perto, sua mãe depressiva, abandonada
pelo marido desde cedo, apegou-se em demasia com o filho. Ela dava tudo o que
ele queria, controlava-o por meio do prazer, do presente. Ele venceu de modo
edipiano, sendo o esposo da mãe. Desacostumado com frustração, sempre
abandonava um negócio, uma arte marcial etc. sempre que havia sinal de
sacrifício. Eis um sádico leve.
O segundo caso é oposto. A mãe controlava, sendo narcisista, por meio da
punição, da frustração – base para um filho com traços delirantes. O pai,
obsessivo compulsivo, apegado ao dinheiro, e sádico, também costumava frustrar
o infante. O garoto, na adolescência, revelou sua loucura parcial como reação
ao controle paterno e materno. Aqui, o edipianismo também foi vitorioso com a
proximidade coma mãe, contra o pai austero, mas não serve de causa para o
delírio, pois, assim fosse, ocorreria algo semelhante ao primeiro caso; logo
vemos que a frustração excessiva, não somente sexual, movimentou a psique deste
caso, substituindo o objeto real pela fantasia.
Uma nota metodológica: a mesma consequência, perfis, pode ter diferentes
causas. Freud não entendeu isso, unicausal por princípio.
FALAR-PENSAR
– AGIR-COMPORTAR-SE
A separação do agir e do falar deu-se em duas clínicas, a
cognitiva-comportamental e a psicanálise (ou humanismo etc.). Mas a ação é
exteriorizar, logo o mesmo que a linguagem. Mas falar é uma ação. Nada impede
mudança de comportamento como parte da clínica – nada impede ouvir o paciente
para ele melhorar. Materialismo e idealismo juntos no terceiro, práxis.
TRANSTORNO
OPOSITOR PERSISTENTE
Vale a pena citar este tipo para a nossa avaliação. Uma sociedade
autoritária, como com ditadura, passa seus valores por meio da família, dos
pais. Pais autoritários, expressando uma ditadura de Estado maior, geram filhos
cronicamente rebeldes – por quê? Porque o infante já nasce com natureza humana
natural, como a necessidade de ser ativo, afirmar-se. Assim, mediada pela
família (escola etc.), a ditadura estatal gera seus próprios coveiros, seus
inimigos. A sociedade socialista deixará de ter tais transtornos por sua
democracia real, sua qualidade de vida e respeito aos jovens.
REPRESSÃO
FAMILIAR
Uma das causa importantes do masoquismo e do sadismo é a repressão
familiar. Ao beber cerveja ou comer açaí pela primeira vez, odiamos a
experiência; mas, se insistimos no consumo, o cérebro atua para modificar a
experiência, que passa a dar prazer, até vício. O mesmo ocorre quando um pai
tem mania de agredir a filha – a agressão tornar-se o sexo dela com o pai. Um
menino que vive sempre com pai alcóolatra e violento pode passar a gostar de
violência, de constranger os demais etc. torna-se sádico.
A TEORIA
UNIFICADA DO DESENVOLVIMENTO
Freud, Erik Erikson, Wallon e Piaget desenvolveram, cada um por si, suas
próprias teorias do desenvolvimento infantil. Mas, bem observado, todas têm
algo em comum: suas etapas ocorrem, grosso modo, na mesma época, na mesma
divisão temporal (e as datações são tendenciais, aproximativas). A etapa 1, do
nascimento até, via de regra, um ano e seis meses; a etapa 2, de um ano e seis
meses até os três anos de idade; a etapa 3, dos três anos até os seis; a etapa
4, dos seis anos até os dose; a etapa 5, pela adolescência etc. Como todos têm
tal temporalidade, bem ou mal, logo há uma teoria comum ainda oculta.
O que há em comum são três fatores:
1. Etapa do desenvolvimento
cerebral
Como suas partes e suas interrelações estão quantitativa e qualitativamente
ordenados.
2. O nível de experiência
Diz-se que se um gato doméstico tivesse o tamanho de leão, ele comeria
seus donos. Aprender a andar, por exemplo, leva a novas experiências.
Há uma oposição teórica: a vivência leva a uma etapa (Vigostsky) ou a
etapa permite certa experiência cognitiva (Piaget)? Ora, a etapa existe, mas
ela pode demorar a surgir ou passar-se para a próxima por baixo estímulo ao
desenvolvimento. Eis resolução da possível contradição real entre
relacionalismo e substancialismo, posições unilaterais e igualmente válidos.
3. Energia (em busca de mais de
si)
Para Freud, a energia é propriamente sexual, mas, para nós, ela é
energia corporal e cerebral que tem apenas a forma de energia sexual como seu
centro, principal forma.
Vejamos cada etapa, que chamaremos totalidade, do ponto de vista comum,
completo:
Todos corretos e unilaterais:
Freud: psicossexual, biológico
Erikson: psicossocial
Wallon, Vigotsky: emocional e grupal, relação com os demais humanos
Piaget: cognitivo, biológico, relação com objetos
Totalidade 1
– nascimento até 18 meses
Aqui, a criança é totalmente dependente, seu problema central é a fome,
a necessidade de amamentar-se. Seu problema é o outro.
Freud: fase oral, quando o prazer centra-se na boca.
Erikson: sensorial, nesta fase desenvolve-se a confiança ou a
desconfiança.
Wallon: impulsivo-emocional.
Piaget: inteligência sensório-motora. Da indiferenciação eu-mundo
exterior ao reconhecimento de objeto, espaço, tempo, causalidade.
Totalidade 2
– 18 meses até 3 anos
Freud: prazer anal, foco na prática social comum. Prazer em prender
(obsessivo-compulsivo futuro etc.) ou soltar (criativo no futuro etc.) fezes.
Erikson: muscular, desenvolve autonomia ou dúvida e vergonha.
Wallon: sensório-motor e projetivo
Piaget: pré-operatória, pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade
do pensamento.
Totalidade 3
– 3 até os 6 anos
Freud: fase genital, prazer genital, o filho se apaixona, em geral, pelo
membro adulto da família do sexo oposto, complexo de Édipo.
Erikson: O terceiro estágio – iniciativa ou culpa são consolidados na
personalidade.
Wallon: estágio do personalismo. Imitação motora e social. Fase em que
discorda dos adultos.
Piaget: pré-operatória,
pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade do pensamento.
Totalidade 4
– dos 6 aos 12 anos
Freud: latência – deixa-se a energia como sexual, que se volta para
outros centros, como a inteligência.
Erikson: o quarto estágio – dois caminhos para a personalidade:
indústria (produtividade) ou inferioridade.
Wallon: estágio categorial – a capacidade de abstração e saber dos
conceitos crescem. O estágio do
personalismo é sucedido por um período de acentuada predominância da
inteligência sobre as emoções.
Piaget: operatório concreto – Passagem da intuição à lógica do concreto,
início da descentração. Aquisição da capacidade de perceber a reversibilidade
das operações, explicações causais, noções de permanência de substância, peso e
volume.
.
Totalidade 5
– dos 12 aos 21 anos
Piaget: operatório formal ou abstrato – Acesso à lógica operatória
abstrata, descentração se completa. Pensamento proposicional e
hipotético-dedutivo
A partir daqui, apenas Erikson desenvolveu de modo oportuno e seguro.
O quinto estágio – desenvolve-se em identidade ou confusão de
identidade.
Marca o período da Puberdade e adolescência.
O amadurecimento total desta fase, em seu fim, é ser capaz de um
raciocínio dialético, o mais maduro existente. A unidade dos opostos e a
mesmidade do diverso é o central, passa-se do hipotético dedutivo – típico dos
jovens – para a dialética, mas raro de acontecer na sociedade de classes ou
atrasadas.
A adolescência foi descoberta, reconhecida, não criada em si pela
modernidade. Basta lembrar que os gregos antigos reclamavam que os jovens
apenas pensavam em sexo e festas.
Totalidade 6
– dos 21 aos 40 anos
Questão chave deste estágio: Deverei partilhar a minha vida ou viverei
sozinho?
Totalidade 7
– dos 40 (35) aos 60 anos
Os dois caminhos possíveis, a crise, está entre generatividade ou
estagnação.
Este ponto merece destaque.
O corpo torna-se mais lento, mais frágil. Na psicologia, aprende-se a
economizar energia, por exemplo, vencendo o adversário por cansaço ou saber
esperar. Mas, porque se está mais frágil, começa a se tornar alguém com mais
medo. Assim, podem surgir tendências cínicas e oportunistas. Alguém antes
subversivo e revolucionário sabe que, mais velho, não será tão ativo numa
perigosa revolução, por isso tende a ser mais mediador, mais covarde (nos
protestos de 2013 no Brasil, os veteranos dos partidos radicais condenaram a
violência dos manifestantes; o velho anarquista Proudhon condenou fervores
revolucionários de sua própria juventude). O pensamento muitas vezes
cristaliza-se ou torna-se conservador, algo mais comum na próxima totalidade.
O desenvolvimento mental e lógico aqui é mais intensivo que extensivo:
consegue fazer mais associações. Se pedimos para falar sobre França, logo ele
citará aspetos ligados à palavra, como o pão, Louvre, poetas, revolução etc.
Pode-se, assim, chegar ao auge da produção intelectual se não se curva à sua
fragilização em andamento, se continuar ousado.
Leminski diz que “a política é o sexo dos velhos”. Bem cabe a frase
nesta época, de vida socializada.
Quando vê que está perdendo os traços de juventude, o sujeito pode se
agarrar ao passado, com crise da meia idade, namorando gente mais jovem, usando
roupas da moda etc. Vivemos a ditadura do ser jovem sempre, porque estamos na
época entre a juventude e a maturidade do ser social.
Totalidade 8 – dos 60 anos até a morte
Ou o sujeito irá para a integridade ao fazer bom balanço de sua vida ou
sentirá desespero por um mau balanço de sua existência. Mas, discordo de
Erikson, há também a sabedoria da angústia no segundo caso, não apenas a
sabedoria do acerto no primeiro.
Há inúmeras “crianças crescidas”, que estagnaram numa fase inferior em
muitos aspectos, embora consigam desenvolver um outro lado funcional, que pague
as contas. Não é incomum pessoas velhas com lógica infantil do tipo “ou isto ou
aquilo”, de opostos fixos. A maturidade ainda é algo raro. Por outro lado,
frustração moderada, como parte menor da riqueza de experiências, ajuda a
amadurecer; mas estresse pesado pode, ao contrário, estagnar um sujeito.
Outra observação precisa ser feita. Em nossa dialética, que debateremos
nos últimos capítulos, passa-se, no tempo, não apenas logicamente (como em
Hegel), da identidade para a diferença, para a diversidade, para a oposição,
para a contradição e, se caso for, para a unidade-identidade. Isso também
ocorre como processo por cada etapa. A totalidade 1, unidade, tudo é um, e
progressivamente o bebê vai diferenciando-se, percebendo-se; na totalidade 2, a
criança tem diante de si a diferença (unitária) que quer passar para a
diversidade “solta”; na totalidade 3, temos a diversidade que passa para a
oposição; na quatro, temos a oposição que passa pra a contradição; na quinta,
adolescência, contradição; na maturidade real, a unidade de opostos. Isso está
exposto de modo rígido, o processo é muito mais confuso, com processo,
retrocessos e saltos.
Eis primeira formulação e esboço da teoria unificada do desenvolvimento.
CLÍNICA –
SOCIAL E PESSOAL
O adoecimento psíquico, via de regra, deriva de relações sociais
mediadas por relações pessoais. A clínica de terapia produz uma nova relação
pessoal, desta vez positiva, em geral, como reação indireta às contradições do
atual modo de vida.
COMPLEXO DE
CAIM – LEIS E ESSÊNCIA HUMANA
Os irmãos disputam, comparam as ações uns dos outros, formando-se. Mas a
psicologia pode ter mil e uma leis, todas corretas sem chegar ao fundo, ao
fundamento; “irmão do meio” etc. Ora, irmãos formam personalidade porque nascem
com necessidades biológicas e sociais com sua essência humana. A necessidade de
amor (ser mutualista) pode gerar a formação de uma personalidade tanto por
imitação ou por diferenciação, a depender das circunstâncias. É a natureza
humana, com a qual abrimos este capítulo, que diz dos rumos do que seremos, ao
menos na maior parte.
ASSIMILAÇÃO
POR AFASTAMENTO
O título parece contradizer as leis da natureza. Quando o filho sai de
casa ou quando os pais morrem, a descendência, que conviveu com os cuidadores,
faz uma compensação, absorve alguma característica do outro em seus hábitos,
pensamentos, personalidade. O outro permanece conosco de modo indireto. Perder
amigos etc. podem também produzir tal efeito. Quando enfim saí da casa de meu
pai, passei a apagar as luzes como ele fez, com sua mania. Vale mais um relato
de nossa relação. Por várias vezes, condenei suas falas racistas, com a
arrogância de um jovem e de um antirracista certo; ele, então, sempre abaixava
o olhar e dizia que se aprende isso com os pais (isso é importântissímo – e, de
fato, minha avó negra, mãe dele, ficou feliz de saber que sua então namorada
era braquíssima… O Maranhão, suas origens, tem pesado racismo); poucos dias
antes de sair de casa, ao ver um artista negro rebolar na TV, mais uma vez
soltou frases racistas, então, o repreendi de novo e, de novo, soltou sua frase
(familiar) com seu gesto; mas dessa vez foi diferente comigo, pois, de algum
modo, senti seu valor sendo fixado na minha mente, tornei-me mais racista
(algo, antes, senão inexistente, raro), com pensamentos racistas ora ou outra,
algo que simplemente não existia antes. Logo quando nos afastaríamos de vez,
uma absorção por uma frase sobre família. Veja-se o papel da família, social e
na psique, para passar valores e sentimentos, além de hábitos. No mais, sabe-se
que o afastamento de um quark de dentro de um próton faz surgir um novo quark
interno – serve de comparação geral e lógica.
AS CAUSAS
Para Freud, via de regra, cada efeito possui uma, apenas uma, causa –
grosso modo. Mas sabemos que, além da causa comum na essência humana, temos
causas diferentes para o mesmo efeito. A psicologia cognitiva-comportamental
afirma que a causa da depressão é somente, somente, a construção de uma
autoimagem deformada (como crítica demasiada dos familiares, internalizada após
algum tempo). No polo oposto, Freud diz da depressão um ver-se mal como, no
fundo, estando decepcionado não consigo, mas com o outro antes admirado e, de
modo inconsciente, agora sem altivez para si. Ora, os dois casos podem existir,
além de tantos outros concretos ou externos. Uma visão mecanicista e não
dialética atrapalha muito o desenvolvimento da ciência, como vemos. O problema
de Freud aí é sua visão liberal capitalista de tudo ser culpa do indivíduo
(diz-se: qual a tua responsabilidade pela dor de que reclamas?), supervaloriza
a individualidade atômica, de haver sempre algo podre no reúno interno da
Dinamarca; ou seja, como na religião, ele exacerba o sentimento de culpa
individual – culpado até que se prove o contrário. Claro, quem sofre, não deve
ser como vítima passiva, embora vítima seja, e a clínica deve ajudá-lo ser
ativo, reagir bem etc.
BASES DO
MISTICISMO
Duas causas são claras: 1) na falta de capacidade de saber a causa dos
fenômenos, criou-se entidades abstratas místicas; 2) diante do medo da morte e
uma vida infeliz, criou-se um mundo após a morte – eu vivo, eu morro, eu vivo
de novo… A terceira destacada causa ocorre porque acontecem fenômenos que, via
de regra, exigem teleologia subjetiva, uma ação humana. Por exemplo, filmes de
terror focam em lâmpadas apagando e acendendo de modo artificial, logo, a mente
busca sua causalidade natural, pois só o homem opera tal ação, nem que seja o
homem abstrato. Isso causa arrepios, efeito sem causa aparente aponta uma causa
comum essente. Em quarto, alucinações e delírios acontecem, nem que seja vez ou
outra, no nosso complexo cérebro. O misticismo, a fé, a religiosidade – são
etapas necessárias de nossa história, que só agora podem ser superadas, por
isso o ateísmo passou a existir de fato. No classismo, o afastamento radical da
vida prática também opera misticismo, mas isso é lateral. Outra coisa é a
necessidade de manter tal cultura para melhor dominar, para evitar a solidão,
por questões morais etc. Vários sociobiólogios raciocinam de modo fraco: se a
humanidade foi religiosa até aqui, logo ser religioso é algo genético,
biológico, fixo e eterno… A pobreza desse pensamento salta aos olhos. Se a
humanidade viver bem, como no socialismo, e com alta cultura, o ateísmo será
algo “natural”; a religião, além de outros fanatismos, deixará de ser uma
necessidade social, para suportar ou para manipular. A necessidade cerebral
(conteúdo) que leva à religião (forma) será satisfeitsa de novos modos
(formas). Não saber a mera relação de forma e conteúdo caracteriza tal
cientificidade anti-histórica, de direita.
COMUNICAÇÃO
INCOSNCIENTE
Temos uma cominicação geral inconsciente, por meio da fala, do corpo, da
roupa etc. Infracomunicação social. Exemplo: avisamos ao outro como nos
sentimos sobre nós mesmos e como devemos ser tratados. Quem tem autoimagem
ruim, avisa, sem o querer, aos demais o grau de repeito que tem de si, calibrando
em tendência o grau de respeito que os demais tem dele (se diz de si que é “um
bosta”, os outros arranham acreditar). O chiste é outra dessas formas de
comunicação. Tal comunicação oculta ocorre o tempo todo, sem que percebamos.
Para gente treinada ou para psicopatas mais fácil ver.
ASPECTOS DA
AUTOTERAPIA
A cura, ou algo como isso, é um ato humano, logo, relacional – o mero
fato de alguém te ouvir sem julgar, sem maiores consequências, já melhora a
vida psíquica do paciente (claro: isso pode ser tentado de modo informal ou
extraclínico, combinado). Mas, como o fim do preconceito contra os problemas
mentais, a demanda tonou-se alta, incapaz de ser atendida e fonte de maior
renda aos terapeutas… Para eles, impensável uma saída que não inclua pagamento.
É preciso observar se há formas de certa autoanálise. Vejamos casos testados.
1. Tornar sua história… história
Escrever um pequeno livro “secreto” à mão, ou no computador, sobre sua
vida, seus traumas, suas alegrias, suas ousadias, seus erros etc. Tudo
possível, sem pressa. A noção de sua narrativa ajuda na vida psíquica, melhora.
Mesmo se escolhe escrever sem passo a passo, fato após fato, se escreve de modo
confuso e disperso, sem começo e fim, tende a historicizar a própria vida.
Como se depois: avaliar os prós e contras da ida atual, amizades e
inimizades, com quem contar, quais os recursos disponíveis, talentos etc. De
preferência, num papel.
Depois, quase que em separado: deve escrever, se alfabetizado, não
apenas falar, de seus projetos e sonhos. Expor em algo externo suas ideias
ajuda a pensá-las, organizá-las, medi-las.
2. Mudar hábitos
Isso deve ser consciente e permanente: dorme tarde? Deve dormir cedo e
bem. Boa alimentação, exercícios, ler todos os dias etc.
3. Entender de psicologia
Mesmo a ciência vulgar de que nos apaixonamos pelo pai ou pela mãe tem
enorme serventia, ajuda a interpretar a própria história, mais do que a
descrever. Nesse sentido, deve elevar um
pouco o nível cultural em tal tema. Deve-se criar manuais pequenos e didáticos
ao extremo sobre, além de vídeos gratuitos e bem feitos, com as diferentes
teorias.
4. Combater más ideologias
O esforço nem sempre compensa ou recompensa. Nem tudo é dinheiro. Uma
verdadeira lista de valores corretos deve ser claro. Deve dizer, por exemplo: o
meio ambiente sempre afetará teu pensamento e teu sentimento. Às vezes, o azar
aparente tem uma sorte de fundo oculta e necessária.
5. Acessar arte, em especial,
séries
A arte narrativa faz-nos viver outros mundos, ter mais emoções e ter
noção de outras personalidades e caminhos. A arte, em geral, humaniza-nos. O
vício em séries entre jovens isolados tem razão de ser, não é apenas negativo.
6. Vida social
Há trabalhos, além do desemprego, que isolam o funcionário. Deve-se
compensar isso com altruísmo, hobbies, clubes, grupos de mesmo interesse. O que
unifica as pessoas são coisas, mesmo coisas abstratas como projetos – sem isso,
o constrangimento de não saber o que falar ao necessário outro.
7. Seguir as três leis
Deve-se: 1) estar integrado num grupo; 2) ter alguma ação de doação,
ajuda ou cooperação; 2) respeitar as próprias vontades, desejos, projetos,
impulsos etc. Cada um fará isso como pode e como queira.
8. Dever do ócio
Pelo menos uma vez ao dia ou na semana, parar algo como meia hora para o
ócio total. Na olhar, nada fazer, apenas pensar e, às vezes, de modo solto –
sem Internet, TV etc. Apenas sentado em certo canto, na cadeira.
Fato é que pouco adianta qualquer método se ainda estamos no capitalismo
decadente, pois somos frutos do meio. A pobreza e seus males não se resolvem na
terapia, que pouco pode fazer sobre. Alguém de alta classe média pode, ele sim,
melhorar de modo sensível. Mesmo assim, o Estado pode tomar medidas
“antidepressivas” como um complexo social (incluso bares), cultural e esportivo
bastante amplo, agradável, estético (como jardins) etc. Isso, de certo modo,
enfrenta bares externos do bairro se, por exemplo, diminui o preço de bebidas;
mas podemos incluir os pequenos empresários nesses espaços, em parceria.
O LUGAR
DESTAS IDEIAS
Tais formulações, teses, são com facilidade acusadas de pseudociência –
são imensamente exóticas. Por isso, para preservar a moral dos demais assuntos,
meditei exclui-las desta obra. Mas seria covardia teórica em um livro que
propõe a renovação de quase toda a ciência, como com a nova teoria da essência
humana.
Nas próximas páginas e capítulos, teremos mais exemplos de formulações
ainda não sistematizadas para uma proposta de psicologia marxista. Sobre elas,
quase tudo aqui é muito novo, inédito, por isso haverá resistência
conservadora, dos mais velhos em especial. Mesmo na teoria, nunca haverá
revolução sem resistência do passado.No entanto, quase todo este capítulo serve
de preparo para o próximo ponto, a crise da psique.
PSICOLOGIA
MARXISTA
Neste capítulo, próximo a concluir-se, apresentamos nossa proposta geral
de psicologia marxista, o que não dispensará uma pesquisa especializada
posterior. Em geral, os psicólogos nada sabem de economia, logo a base de toda
a sociedade. Como separar a psique dos ciclos econômicos no sistema vigente? Em
geral, nada sabem de história como totalidade. Em geral, são incultos, como em
questões de dialética, ou biologia, ou neurociência. Enfim, a verdade é o todo,
não a parte em si.
A psicologia deve adentrar mais em temas como ética, emprego, classes,
diferenças biológicas entre sexos (sim, há diferença na igualdade), estética,
movimentos psicológicos da economia, educação, dinâmica política etc. Isso é
psicologia marxista.
Feita a crítica absorvente da teoria mais avançada, a psicanálise,
façamos um breve passeio pelos teóricos.
PSICANÁLISE
Focar no sexo como base da psique, em biologia humana sob tal ângulo,
tornou-se a força e a fraqueza do freudismo. Isso é vital, mas não é a
totalidade. O homem também é social. No mais, o psicanalítico caiu em dualismo,
falha a ser superada.
VYGOTSKY
Aqui, tratamos mais da tradição do que da letra literal do autor.
Inspirado na revolução russa, surgiu a ideia de que a psicologia é baseada na
comunicação, nas reações sociais e pessoais, no estímulo externo, nas fases
sociais. A linguagem seria o centro. Mas o homem é social-biológico. Marx
descobre, contra a religião, que a biologia é a base movente do primeiro-motor,
o trabalho; aliás o trabalho é natural, incluso necessidade natural, e social.
Depois, mas juntos, vêm linguagem e sociabilidade. Tal hierarquia não é
arbitrária e apenas mental, mas real.
PIAGET
Caiu no erro oposto, as etapas de desenvolvimento como apenas cognitivas
e naturais. Ainda assim, no final da vida pôde reconhecer que havia certas
variações em tribos etc. Também não viu o homem total, a verdadeira
sociabilidade. Focou na relação sujeito-objeto, não também no sujeito-sujeito,
unilateralidade típica da psicologia histórico-social.
Na verdade, a fase, a etapa de desenvolvimento, é dada pela CONDIÇÃO
biológica, a etapa é uma CONDIÇÃO para, uma base; mas seu fluir e desenvolver,
seu consolidar, é relacional.
WALLON
Pôs dialética no materialismo de Piaget – como uma etapa agregar dentro
de si a anterior. Via a variação de centro de gravidade entre emoção e razão no
desenvolvimento infantil. Esqueceu, também, a totalidade ao focar na educação.
SKINNER
Comete o mesmo erro dos demais: não encontra a essência humana. Para
ele, valia a concepção de que o objeto (ambiente) é ativo e o sujeito
(indivíduo) é passivo, adapta-se. Isso deriva de um erro parcial de Darwin, que
criticaremos em outro momento. Mas a criança já nasce com uma essência natural,
que busca ser satisfeita, além de pulsões naturais e sociais. Não apenas nos
adaptamos: mudamos a realidade, manobramos, mentimos, jogamos, evitamos,
mudamos, moldamos, insistimos, mediamos etc. Para ele, um comportamento flui ou
tende a desaparecer por reforço ou punição. Apenas. Um empirismo medível: ele
foca apenas no comportamento por ser diretamente observável, uma cientificidade
positivista e pobre. Há uma verdade aí, no entanto: o meio tem poderosa força
sobre o que somos. A crítica ao Skinner
é, antes, liberal disfarçada com roupas de esquerda, como se fôssemos livres,
autônomos, individuais apenas, de todo conscientes etc. Somos, sim, ratos em
uma gaiola de recompensas… Embora possamos, com a linguagem e com nossa
essência, além da revolta, do ser ativo, reagir e revolucionar. O homem faz sua
história, o cérebro é trabalho, produtivo, ativo.
SOCIOBIOLOGIA
Tal escola não tem contribuição relevante alguma, por exemplo, na
economia. Mas há algo a dizer sobre a psicologia, onde de fato avançam – só que
de modo unilateral e impressionista. O homem não se reduz à sua condição
biológica, ou genética, ou sexual. Ademais, aquilo biológico pode ser “natural
socialmente modificado” ou mediado.
Todos eles buscam um ângulo, um erro que é um acerto. Dizer que tudo é
construção social é tão certo e errado quanto dizer que tudo deriva de sua
biologia. O método necessário torna-se método dialético, empírico-dedutivo.
Devemos passar longe do empirismo. Nota-se que um programa virtual famoso de
neurociência estava dando uma série de falsos positivos por décadas, sem que
isso fosse percebido… A maioria dos testes psicológicos não dão o mesmo
resultado quando repetidos, replicados, por outros, se e quando são retestados.
A verdade é teimosa. Incluso, ela deve ser tema maior das reflexões
psicológicas.
PSICANÁLISE
É CIÊNCIA? O MÉTODO
A moda intelectual diz que não, então, surgiu uma forte polêmica no
Brasil. Do lado oposto, Dunker deu todas as provas exigidas pela "psicologia
baseada em evidências" – ela é científica --, mas não querem reconhecer a
derrota (isso exigiria mudar seu movimentoe suas personalidades…). No caminho
do meio, penso que a psicanálise não deve ser negada – mas, mais por exato, superada. A pergunta
correta é esta: podemos superar a psicanálise? Penso que sim porque Freud errou
sobre o núcleo, sobre a essência ou natureza humana. Mas para superar tal
tradição é preciso preservar tudo aquilo que ela acertou, além de aprofundá-lo,
junto à observação de seus limites. Psicanálise é ciência – não cedo um
milímetro nessa afirmação, contra até alguns psicanalistas que afirmam ser ela
uma "contraciência" etc. (Embora eu seja adversário leal de Freud.) Mas
a psicologia final parece não estar iniciada de fato em Freud. Junto com a moda
intelectual, a psicanálise sempre sofreu grandes e raivosos ataques. Toda
teoria que acerte algo profundo será negada e atacada. É assim com a evolução,
com o marxismo, com o Big Bang, com o heliocentrismo. É assim com a teoria do
inconsciente. Um gay enrustido e religioso atacará a psicanálise, sem saber de
modo consciente da razão de seu tanto ódio. Raramente um rico aceitará o
marxismo. Não basta ser inteligente e rigoroso para aceitar uma verdade lógica,
mas profunda. Até Bunge já afirmou isso: o pai teórico do neoliberalismo não
vivia a vida comum, era um rato isolado e aristocrático de laboratório – seu
estilo de vida e sua limitação teriam de moldar seu pensamento. Mas os
seguidores de Bunge não o leram bem... Ainda que ele fosse adversário do
freudismo. Como disse, quero colocar a psicanálise no passado como Marx tomou
para si o “valor” (aqui, o inconsciente) de Ricardo exato para tornar este
passado também… Os psicanalistas, além de erros como o estruturalismo, tratam
as categorias de Freud enquanto modelos e fixos, sempre as premissas etc.
Deve-se, ao contrário, guardando consigo o acúmulo, ir direto ao objeto, aos
dados, aos fatos ec. Para daí deduzir, e talvez até modificar ou adaptar as
categorias guardadas na mente do analizador. Quando Lacan diz que Hamlet
demorou a agir porque estava de luto, esqueceu que, se ele agisse, a peça de
teatro acabaria em menos de meia hora… Não se deve ter uma estrutura pronta
para encaixar a realidade nela (digo em vários sentido, incluso na estrutura de
linguagem). Mas vamos, grosso modo, ao caminho de Freud. Percebeu que alguns
sonhos são realização fantasiosa dos desejos (tem-se sede, sonha com rios etc.;
tem-se tensão sexual, sonha com sexo etc.); ou descobriu que os demais, incluso
pesadeslos, também o são, fantasia de desejo, ou forçou a generalização por
indução ao dizer que todo sonho só pode ser desejo – não importa; ora, assim, os
pesadelos só poderiam ser desejos ocultos que estão… na parte profunda, no
inconsciente! Descobre conceito após conceito, desde os fatos e a realidade. A
hipinose já sugeria uma camada abaixo, dentro, oculta e maleável. Os jovens
equivocados da “psicologia baseada em evidências” acusaram o freudismo, por
exemplo, de operar apenas com casos qaue deram certo, que “comprovassem” etc.
Ora, isso não é um erro, trata-se de mentira pura e simples. Eles têm uma noção
vaga e caricatural do que é a psicanálise, então deduzem sem, antes, investigar
(a vulgarização do hipotético-dedutivo contra o empírico-dedutivo). Vejamos: o
livro claro, curto e simples “Neurose, Psicose e Perversão” (Freud) tem algo
como 40% dos casos como erros, falhas, fracassos, conflitos etc. Não uma boa e
vitoriosa terapia. Bastava ler… De brinde, aos ligados a Popper, há por lá um
caso, antes mesmo do sucesso ruim de Poppér!, de falseabilidade: para Freud,
toda paranoia é contra alguém de mesmo sexo, como expressão da homossexualidade
oculta-inconsciente do “paciente” (Freud afirmou que a psicanálise serve apenas
aos neuróticos, não aos psicóticos, o que mostra sua clareza científica, seu
limite), mas o caso em questão parecia ser de paranóia de certa moça contra um
homem, ou seja, sexo oposto, não de igual sexo, então ele investiga até
descobrir que o caso era contra, na verdade, uma outra mulher – fez o teste,
foi algo falseável. Mas a moda intelectual, incapaz de perceber que os avanços
enormes da cientificidade burguesa tem seus limites de época, não entende tanto
de algo mais acima, mais sofisticado, quer reduzir tudo ao simples como herança
cartesiana. Queria eu estar em avanço, a debater na pós-psicanálise, mas sou
obrigado a sair em defesa de uma teoria adversária a qual desejo superar de
modo positivo, agregador. Na teoria, deve-se acertar o adversário nos seus
pontos mais fortes e/ou, então, no seu núcleo e com a arma da verdade, da
crítica de todo honesta e fundamentada. Eis uma tarefa contra o freudismo.
Pierre Fougeyrollas, Freud e Lacan
Pierre Fougeyrollas é um marxista de quem tive acesso alguns de seus
artigos críticos à Lacan. De seus textos, tornou-se-me claro que o pai da
psicanálise é seríssimo, mas seu discípulo francês tem muito de charlatanismo
puro e simples (ainda assim, alguns lacanianos são incríveis como Cristian
Dunker). Aqui, farei complementos ao
marxista citado seguindo seus lastros.
Vamos ponto a ponto.
Para Freud, a inveja feminina do pênis e o medo do garoto de perder seu
falo tem algo de natural, permanente. Fougeyrollas resolve isso com história: o
marxismo dá privilégios ao homem desde cedo, logo há inveja feminina precoce;
já o menino sente que tem poder maior por ser do sexo masculino, logo tem medo
de perder tal poderio ao ser castrado. Em geral, Freud é fisicalista,
biologista e mecanicista – falta-lhe mais dialética, mais história, mais peso
social. Mas Lacan piora tudo: sem qualquer indicação empírica, diz que o falo é
algo de todo inconsciente, melhor, um significante que pode receber vários
significados. Para ele, o filho é o falo da mãe. O falo seria uma estrutura ou
parte de uma estrutura que receberia conteúdos. É seu idealismo oculto, sua
ruptura com o materialismo e, assim, com a ciência. Nada se explica por ele: de
aonde vem o falo? Silêncio… Vale um exemplo particular. Por algum tempo, tive
uma briga com minha mãe. Ao meu pai perguntar a causa do afastamento, eu disse
de impulso ao explicar: muito difícil conviver com ela, é como se ela pegasse
uma tesoura e cortasse minha rola! Ou seja, via nela minha castração
inconsciente, ameaça. A espontaneidade da frase dita com ênfase por mim
serviu-me até de mais uma prova da validade, ainda que parcial, da psicanálise.
No socialismo avançado, a tese psicanalítica será passado, algo transitório e
superado – homens e mulheres serão iguais na diferença.
Para Lacan, o inconsciente existe desde sempre, sem formação – uma
estrutura que permanece. Mais: mente ao afirmar que tal é aposição de Freud
(seu chamado retorno a Freud é mentira, apenas isso, frase de efeito para
atrair). Para este, o inconsciente vem, por exemplo, de pensamentos e memórias
que não somos capazes de aceitar, de conviver de modo aberto – então os
enterramos numa região oculta, mas que se faz presente. Para Lacan, o
inconsciente é uma estrutura de significantes, de formas quase platônicas
(embora não diga isso). Não tem história, formação, experiência etc. Sequer
apresenta pistas reais que reforçariam sua tese.
Valoriza-se com exagero suas sacadas e jogos – de modo algum é um
gigante entre nós. Vejamos alguns.
De Wallon, pensa os estágios do espelho: a criança ver-se no espelho e
isso o ajuda a se medir como algo separado do mundo etc. Fougeyrollas, porém,
observa: o espelho é algo criado pelo homem apenas em determinada época – e seu
acesso geral é recente. Digamos mais: o espelho e sua experiência infantil nada
tem de essencial para compreender o mundo. Nada. O mero movimento corporal
ajuda o infante a medir-se, mediar-se, separar-se, inteirar-se. É a
experiência, com ou sem espelho, a jornada da individuação. Veja bem: Lacan
foca no espelho por ser o mais próximo do idealismo, embora isso seja
inconsciente para ele próprio, incluso pura experiência do Eu consigo, não da
experiência materialista.
Lacan diz: não é relação sexual. Fougeyrollas demonstra que ele nega que
haja relação qualquer. Ora, a relação, diz esse crítico, pode ser contraditória
– o sexo é mais do que masturbação a dois, embora tenha também algo disso. A
questão é que sexo é, primeiro, uma categoria biológica, depois socialmente adaptada
– por sua base na vida, de fato é uma relação. Se sexo não fosse uma relação,
seríamos de todo satisfeitos com o masturbar-se desde a possibilidade de nossas
mãos tão humanas.
Depois, diz Lacan: eu sou no inconsciente – e apenas. Ele inverte Descarte
num jogo inútil: onde penso (consciente), não sou – onde não penso
(inconsciente), sou. Seria verdade do sujeito apenas no inconsciente. Não vê
que há unidade do inconsciente com o seu oposto – e que um revela ao esconder o
outro. A psique é toda a psique. Mas ele cria uma parede impossível e total
entre uma área e a outra.
Lacan afirma o mais-de-gozar. Quando gozamos, sentimos falta de um gozar
mais profundo e total. Isso diz algo, mas ele usa um conceito de impacto para
impressionar, a arte do engodo.
Vejamos agora o desejo em Lacan. Para Freud, o desejo é biológico em sua
origem. Para o marxismo, natural e socialmente adaptado (minha contribuição ao
marxismo, que considera desejos em si mesmos sociais). Fougeyrollas afirma que
Lacan tira o desejo de lugar nenhum, de modo spinozista, sem causa e sem rumo.
A coisa tem um vazio interessante: certa hora, a mãe para de olhar o bebê com
tanta força, então a criança pensa faltar algo nela para ser desejada pela sua
cuidadora, há em si um vazio, uma falta a ser preenchida – causa do desejo se
podemos falar de causa aqui e em Lacan. Veja bem; Fougeyrollas não consegue
explicar, embora sua crítica negativa seja ótima. Vejamos a resposta. A vida
evolui para o trabalho; nosso tédio após as conquista não é por falta, por
falta do desejo, ou por realizá-lo, mas porque temos a pulsão de trabalho, de
agir, de praticar (materialismo, Lacan, materialismo!). Mas, para o francês, a
pulsão do desejo vem do nada para o nada… O desejo vem, também, das
características da natureza humana, advinda de nossa história natural:
desejamos ser integrado, ser mutualista e ser ativo. Querer muito o curso de
medicina dar-se, por exemplo, pelo amor social que receberá, ser integrado etc.
Lacan afirma o “em nome do pai”. Alguma hora, o nome do pai aparece
diante do filho. Mais: o pai dá nome e sobrenome ao filho. Mas isso é
conjuntural, histórico, transitório. Minha teoria do nome como uma das
influências da personalidade é muito mais completa, correta e para diferentes
modos de vida.
Como estruturalista, sem história, afirmou que não existe o sujeito (nem
dialética…). Mas, mesmo se o sujeito fosse o inconsciente, este inexistiria na
prática. Eis a sua fé negativa na humanidade. Na verdade, contra sua posição,
sabemos que pode ser e não ser sujeito, pode ser forçado a ser sujeito, que a
estrutura permite o sujeito ao rachar-se, há unidade interna de inconsciente e
consciente – em dialética diacrônica, o não sujeito pode tornar-se sujeito,
potência para ato.
Para Freud, o ID é pulsão vital e, por outro lado, o superego é
repressão e idealização – mediados pelo ego. Fougeyrollas afirma que o supergo
deriva da sociedade e suas repressões; o ID, ao inverso, tem origem biológica.
Logo, o ego medeia como pode o natural e o social dentro da psique. Lacan não
vê solução real nessa contradição. Mas no socialismo, com mais liberdade e
harmonia social-biológico, as doenças ditas mentais serão muito menores e mais
leves as que existirem ainda. Sem socialismo, sem cura real. Mas Lacan apenas
afirma a alienação e a impossibilidade de cura. Há ainda um complemento. A
sociedade pode estimular a potência ou a origem de pulsões do ID, como a
hiperssexualização; e o superego é formado pelo meio ambiente, não
necessariamente social ou pessoal.
Lacan diz das três profissões impossíveis: governar, análise e ensinar.
Ora, mesmo que de modo imperfeito, tais coisas acontecem, e sempre, e de modo
eficaz. Sem isso, não existiriam mundo social.
Lacan a linguagem, a relação, a substância e a realidade mesma.
Lacan nega até a comunicação, como se sempre houvesse engano na suposta,
para ele, relação. Besteira, mesmo: a prática prova que a comunicação foi ou
não eficaz – sem boa linguagem, sem sociedade.
A contribuição da psicanálise para a libertação da mulher é imensa,
merece lembrança eterna da humanidade. Mas Lacan vai contra o impulso feminista
do freudismo e de sua época ao dar uma limitação estrutural à mulher, como se
uma outra ou inexistente de fato.
No final da vida, muito pessimista, Lacan diz que a psicanálise é arte
do engodo. Seus seguidores interpretam isso como o fato de a psicanálise
trabalhar com a linguagem na clínica, com o ato falho etc. Mas é literal: ele
deformou a psicanálise com suas especulações sem base, com engodos. Fez, quase
sempre, um desserviço à ciência incompleta – mas revolucionária – de Freud. Não foi um cientista; se forçar
muito, podemos oferecer o título de filósofo, mas de baixa qualidade, incluso
na clareza de sua letra. Disfarçou sua pobreza teórica por meio de recheios e
confusão linguística. No lugar de descobrir como descobrir o mundo, tomou para
si modelos externos e de modo artificial os aplicou no suposto objeto de
estudo.
PSIQUE E
DIALÉTICA
Vejamos algumas relações dialéticas das categorias na psicologia. De
modo algum encaixamos o objeto nos conceitos: vemos, após análise, a relação
entre eles. Isso serve para que estudantes da área tenham mais intimidade com o
método mais complexo existente. Na medida do possível, a passagem lógica
acompanhará a passagem histórica, do indivíduo – cada vez mais concreto, menos
abstrato.
NECESSIDADE E LIBERDADE
Necessidade é lei, assim deve ser, e liberdade é fugir da causalidade,
do determinismo. Com o inconsciente, Freud colocou a necessidade inconsciente
na mente humana. Mas liberdade é ter opções para negar as opções – escolher o
que desejamos. E o desejo é natural, porém também social, ou natural
socialmente desenvolvido ou adaptado. O desejo, por sua vez, nada mais é que a
expressão de necessidade de felicidade, trabalho e ontologia.
SER, NADA, DEVIR
Como ser social, o bebê ainda é nada. Torna-se um ser – e sujeito – no
seu devir, no seu processo, no seu integrar-se a si e ao meio. Daí a vitalidade
do movimento, da interação.
CONTRADIÇÃO
Desde cedo, convivemos coma diferença, com a oposição e com a
contradição – isso permite distinguir, comparar, unir, separar; pensar. A
contradição (relativa) eleva a consciência e forma o necessário inconsciente
por repressão, por ocultação.
Até agora, temos contradição entre o homem natural e o homem social.
MESMO E DIFERENÇA
No princípio, tudo era o mesmo – aí veio a diferença perigosa. Mas,
depois, descobrimos que tudo é o mesmo – sou como o outro, sou porque ele é,
eles são.
NEGAÇÃO DA NEGAÇÃO
Exemplo. Nossa personalidade infantil é negada na adolescência – depois
fazemos um comum acordo de ambos na fase adulta.
SER EM SI E SER PARA OUTRO
A criança é um ser em si, ainda não para si, e um ser apenas para outro.
A mãe se torna, em outro sentido, para outro. A vida só faz sentido, por origem
de sobrevivência, sendo ao mesmo tempo para si e para outro – além disso:
social e natural.
DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO
A constituição determina. Quem ainda não sabe andar é dependente ao
externo. Mas ganha-se autonomia ao equilibrar-se, a constituição nova funda nova
determinação.
LIMITE, MAU INFINITO
Testamos os limites de nosso convívios e perfis. Um psicopata criança
torna-se um oportunista mais leve, manipula sem matar, ao sofrer muita
repressão na sua formação.
Mas o limite é dado pelo outro. Isso não é só negativo, também é
positivo: sozinho, desmancho-me. Ele ajuda a me definir, medir, criar.
UNO E VAZIO – ATRAÇÃO E REPULSÃO
Somos a relação de um “um” com os muitos. Com isso, por nossos perfiz,
atraímos uns e repudiamos outros. Algo sem valor em si. Precisamos, de fato, de
um pouco de isolamento – mas apenas relativo e parcial, somos sociais ao
extremo.
O isolamento, que parece nossa afirmação, trata-se de nossa destruição.
SIMPLES E COMPLEXO
O homem vai do simples ao complexo. Eis a função da educação: tornar-nos
mais sofisticados.
INTENSIVO E EXTENSIVO
Uma personalidade intensiva tem feitos extensivos (sucesso etc.).
Deve-se ter calma, sem esgotamento por impulso imenso.
SALTO DE QUALIDADE
Constrói-se passo a passo, antes dos saltos. Mas há saltos: mudanças
inteiras ocorrem.
QUALIDADE E REARRANJO
Nosso problema pode estar no modo como organizamos nossas vidas, não na
vida em si. Como organizamos a psique.
CAOS E ORDEM
O caos força nossa mente a perceber as leis e tendências da realidade.
Mas, se o inferno permanece, nossa mente absorve o externo aparencial –
enlouquecemos, pois a falta de lógica real aparente gera a falta de lógica
ideal. A vida deve fazer sentido. Deve ser previsível, ainda dinâmica, em
alguma certa medida.
SORE A PROBABILIDADE
A probabilidade é crescente – não está pronta de início. A vitória não
depende apenas de nós, por si.
QUANTIDADE
A quantidade importa. Mas é preciso medir: a riqueza é sem medida, por
isso é preciso, por exemplo, abrir mão disso um tanto pela qualidade de vida,
como o tempo.
POSITIVO E NEGATIVO
A mesma característica, neutra, forma na sua parte externa, no contexto,
uma qualidade aqui e um defeito ali. Combater, mais que moderar, o defeito é
destruir, também, a qualidade – e destruir a característica, o indivíduo.
DESMEDIDA
Não temos medida em si – o meio ajuda a nos formarmos. Por isso, na
internet somos desrespeitosos e ilegais desde a falta do outro real diante de
si.
SER E ESSÊNCIA
De certo modo, duplicamo-nos – inconsciente e consciente, natural e social
etc. Somos o que somos, mas de modo adaptado ao movimento e ao meio.
ESSENCIAL E INESSENCIAL
Precisamos do desperdício na vida. Uma vida feita apenas do essencial é
fonte de sofrimento imenso. Perca tempo com a arte, com uma conversa vulgar.
DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO
Sempre estaremos construídos e construindo oposições, relações opostas.
Sorte daqueles que têm inimigos. Sorte daqueles que têm amigos diversos. O
paciente cai em oposições – ter ou não filhos? Dois desejos opostos vivos,
conflitantes e em unidade estranha.
FORMA, ESSÊNCIA, MATÉRIA E CONTEÚDO
A forma como algo deve dar certo está em jogo – contanto que de algum
modo o conteúdo seja vitorioso.
O conteúdo psíquico expressa-se, claro que sim, nas expressões corporais
e faciais – além de características físicas (rosto mais arredondado por efeito
hormonal etc.) do indivíduo.
CONDIÇÃO
Algo só surge – como a cura – se há as condições todas para sua
ocorrência.
A COISA E SUAS PROPRIEDADES
As propriedades mentais do indivíduo deriva de suas condições materiais.
O TODO E AS PARTES
A psicologia burguesa (incluso o freudismo) foca de todo no indivíduo –
esquece seu contexto, que o determina, mesmo. Até o clima afeta a ação.
EXTERNO E INTERNO
A personalidade interna se expressa. Mas é preciso saber interpretar,
pois a mesma manifestação pode ter diferentes causas. Até a dissimulação
dissimula mal e revela.
CAUSA E INTERAÇÃO
A interação é base da saúde mental. Somos causados por outros e coisa e
nossa realização é ser causa de outras pessoas e coisas.
Não sabemos o que causa a felicidade, o que é ter vida feliz. Supomos,
adivinhamos, absorvemos o que diz a propaganda. Então, dedicamos a vida ao
projeto de ser feliz de tal ou qual modo. E depois descobrimos, no fim de tudo,
ou tarde demais, que não era por ali – mas por aonde? Cada sociedade, até cada
fase de uma, vende ou produz um modelo de felicidade – funcional ao sistema
etc. Ou os filósofos, vagabundos que são, disputam quem tem razão na matéria.
MECANISMO, QUIMISMO – TELEOLOGIA
De exemplar do geral, somos cada vez mais singulares (e com manias)
pelas particularidades. Com nexo apenas externo com os outros e com o meio
(mecanismo), percebemos nossa necessidade dos demais, ainda que neguemos em
teatro (quimismo); enfim, planejamos, dentro desse mecanismo e desse quimismo,
projetos e fins. Eles permitem e motivam a teleologia. O medo da morte lembra-nos que somos vida. Um
concreto abstrato – o abstrato de um concreto. Estamos no absoluto.
Algumas outras pontuações faremos na parte sobre educação e sobre
direito, além da moral (ética) e estética. No mais, concluímos na metafísica,
que obriga tratar de assuntos que envolvem a psique. Em outros capítulos, quando usamos tal
“esquema”, a coisa toda foi mais concreta e fechada – aqui, tem mais a força de
orientações, exemplos, tendências, generalidades etc. Isso porque a
mente-cérebro é o objeto mais complexo do universo.
[1]
Este é um esforço de condensação e seleção da teoria, na relação homem-homem. A
alienação em Marx se expressa em: “1) alienação dos seres humanos em relação à
natureza; 2) à sua própria atividade produtiva; 3) à sua espécie, como espécie
humana; e 4) de uns em relação aos outros.”
[2]
Nosso ancestral evolutivo já vivia abaixo das árvores, no solo, porque sua
morfologia fazia-o habilidoso para andar e correr; por isso, adaptou-se ao
ambiente de savana.
[3] No
mais, vale observar, o paleontólogo Nacho Martínez Mendizábal teorizou que o
gênero homo, diferente de nossos primos primatas, perdeu o tamanho dos caninos,
pois, ele diz, tais dentes elevados serviam para disputas internas, contra
membros da própria espécie, e, entre nossos antepassados, a cooperação superou tal tipo de
conflito, moldando a morfologia dentária.
[4] A
grande dádiva do marxismo não é apenas, nem no seu começo, afirmar que o homem
é diferente e especial como dizem a religião e boa parte da filosofia. Ao
contrário, descobre, pouco antes de Darwin dar a forma teórica ímpar, que o
homem é um ser natural, biológico, antes de ser de fato social. Isso é parte do
significado de que o homem precisa comer e de abrigo antes de poder fazer
filosofia. Sobre isso trata Mészáros no capítulo sobre moral em seu “Teoria da
alienação em Marx”.
[5]
Quem vem antes, a essência ou a existência? O processo de formação da
existência é, também, o processo de formação da essência (Sartre pensa que a
existência precede a essência porque ele vê o indivíduo, não a humanidade – por
outro lado, na formação do indivíduo humano, sua maturação existencial avança
para consolidação da essência humana em geral; uma criança têm uma fase
egoística, pois ainda é um homem em formação). Além da formação de nossa
espécie, o longuíssimo período de comunismo primitivo, igualdade e comunidade
da escassez, operou uma seleção social com seleção natural, facilitando a
reprodução e perfil daqueles que têm a essência humana em geral.
[6] O
trabalho sobre a noção, até aqui mistificada, de essência humana pode receber a
crítica de que usamos o método dedutivo para percebê-la. Marx também usa tal
metodologia para expor um novo
objeto, o valor, no Capítulo I d’O Capital.
[7] Os
psicólogos evolutivos (Robert Trivers) chamam altruísmo recíproco,
reciprocidade. A expressão mutualismo, tomado emprestado da biologia, a associação
de populações diferentes de modo vantajoso a ambos, é limitado, mas o mais
próximo que consideramos para corresponder ao objeto.
[8]
Vale a pena comentar em nota a questão, famosa hoje, do gene egoísta. O egoísmo
do gene é base de nosso egoísmo natural, pois os genes focam em reproduzir a si
mesmos? Ora, isso fica muito mais claro e correto se incluímos a categoria
suprassumir; esta expressão, o suprassumir, é, ao mesmo tempo, concentrados
dentro de si, misturados, os significados diferentes e opostos destruir,
superar, guardar (conservar) e elevar. O lado egoísta do gene não é totalmente
negado na realidade, nem totalmente afirmado nela, pois é suprassumido, como no
fato de as espécies, como nível acima, que apareceu antes – do “ponto de vista
do gene egoísta” – como mero nada ou instrumento, procurarem a perpetuação das
próprias espécies; permanece, então, a possibilidade do altruísmo, da
solidariedade, da comunidade, da comunhão, do mutualismo. No lado humano,
acrescenta-se que o homem é a afirmação da natureza e, mas, ao mesmo tempo, sua
transcendência.
[9] A
concepção aqui exposta pode dar base a outras observações e pesquisas. Exemplo:
abstraindo o uso como ração, incomum hoje no ocidente; nós adestramos os lobos
para que servissem de companhia (integração), fossem capazes de guarda
(relações mutualistas) e auxiliares na caça (ser ativo). Desenvolvemos raças de cães para satisfazer
diferentes necessidades. A demonstração dos tipos caninos é um tanto
unilateral, pois os três elementos, abstraídos, estão como se misturados dentro
da realidade; porém serve de primeira aproximação clara ao tema.
[10]
Freud está em relação a uma nova teoria da psique como Ricardo em relação a
Marx. Considerar o aspecto natural do homem é uma das forças da psicanálise,
embora seja uma ciência social, mesmo que seja negada esta localização pelo seu
fundador, que a considerava parte dos estudos biológicos (possivelmente para
dar ares mais científicos ao seu legado contra os ataques que sofria). Dito de
outra forma, dar-se, com a psicanalística, primeira base materialista para a
psicologia, embora deva ser superada.
O Behaviorismo, por sua
vez, também avança certos aspectos, mas de maneira unilateral. É tão ciência
quanto o freudismo. Nega-se os avanços de Skinner porque se tem, entre os seus
críticos, uma concepção burguesa de homem, como se livre e autônomo, longe de
quase determinismos do ambiente, o que é falso. No mais, tal concepção percebeu
que a repressão sobre os jovens não é um método válido como em animais, pois
gera reações, manobras, problemas, etc. Mais um pouco e seria percebido que
isso se deve a uma essência humana.
[11]
As coisas tendem à integração: aglutinação de valores de uso, internet das
coisas, aproximação entre produção de bens de consumo e produção de matéria-prima,
fusão entre capital financeiro e capital produtivo, etc. A tendência à
integração coisal, falsa modalidade do Ser, é expressão alienada – por
alienação – da tendência de integração do ser social, como a formação de uma
única comunidade global no socialismo, respeitando as particularidades locais,
a atração dialética após a repulsão, como demonstrou Lukács esta última humana
tendência (até onde vai meu conhecimento sobre o húngaro, nunca tendo chegado a
formular sobre a primeira e, logo, nem também a ligação ontológica de ambas,
algo próprio como contribuição desta obra). Apesar de mais implícito que
explícito, o movimento “das coisas” está entre as bases deste livro; como
vemos, uma nota de rodapé é suficiente, embora o tema seja em si profundo e
inédito científica e filosoficamente. Certo nível de integração das coisas,
mesmo fragmentando os homens, é uma das condições para haver socialismo.
[12]
Exemplo deste último, natural socialmente modificado, podemos observar na
atração pelo corpo feminino. Na idade média, a escassez levou a ver como sinal
de saúde mulheres acima do peso; na China, os homens atraiam-se por pés
femininos pequenos porque os pés das camponesas eram mais rudes, diferente dos
das mulheres da aristocracia. Nestes casos, a busca por fêmeas melhor aptas
para a reprodução teve mediação social em tipos específicos.
[13] A
linha no gráfico sobre ao Brasil não corresponde aos dados reais, tendo sido um
erro de organização. Também neste país houve elevação do QI.
[14]
Ao que parece, tal alienação é, em si mesma, antiga, pois o cérebro humano
reduziu de tamanho desde a origem da propriedade privada.
[15]
Parte dos pensadores atuais afirmam que basta ao cientista reconhecer a
influência de sua posição social sobre sua prática teórica para que o problema
esteja resolvido. Jamais um economista oficial, burguês, chegaria às conclusões
profundas de Marx. Claro, nem tudo depende do ponto de vista e do olhar
crítico, pois outros fatores influenciam: a disciplina de pesquisa, o perfil
pessoal, o acesso a recursos, o grau de desenvolvimento técnico e histórico,
etc.
[16] Resumo,
primeiro contato: “Conforme Cunha (2002), Piaget considera que o processo de
construção do conhecimento inicia-se com o desequilíbrio entre o sujeito e o
objeto. Para ele, a origem do conhecimento por parte do sujeito envolve dois
processos complementares e por vezes, simultâneos. O primeiro é chamado de
Assimilação e o segundo a Acomodação.”
“Em Mussen (1977), a
assimilação é tomada como a capacidade de o sujeito incorporar um novo objeto
ou ideia a um esquema, ou seja, às estruturas já construídas ou já consolidadas
pela criança. Já a acomodação seria a tendência do organismo de ajustar-se a um
novo objeto e assim, alterar os esquemas de ação adquiridos, a fim de se
adequar ao novo objeto recém-assimilado.”
“Para Cunha (2002), após
algum tempo, a criança passará a dominar o novo objeto assimilado e acomodado,
chegando a um ponto de equilíbrio. Assim, “a criança que atinge esse patamar
não é a mesma, pois o seu conhecimento sobre o mundo agora é outro, maior e
mais desenvolvido”. (p. 77).”
[17] Um oferece
dialética ao materialismo do outro, não sendo resumíveis suas contribuições a
esse encontro.
Moreno vê apenas o lado positivo
de Piaget, de fato impressionante. Além do mais, ele perde a oportunidade de
desenvolver e consolidar o básico, como fizemos, dentro dos limites do objetivo
desta obra, a questão das etapas no indivíduo e na ciência.
[18]
Na arte, assim ocorre: 1) o novo surge do aprofundamento, radicalização como do
romantismo ao simbolismo; 2) vem da oposição: como do romantismo para o
realismo; 3) vem da fusão. Eles permitem transição na passagem de um por outro,
como o romantismo de terceira fase, crítico social e erótico, antes do
realismo. Mas a origem de fundo das escolas, ainda que indireta, são as
mudanças na sociedade.
[19]
Vale notar que os arquétipos existem não por razões – em si, em primeiro ou em
principal – biológicas, genéticas, naturais ou inconscientes, como pensa o
limitado Jung, mas porque a realidade exige tais tipos humanos na história e,
fundamentalmente, por isso, gira a educação da personalidade, desde cedo, para
este ou aquele caminho (como com a especialização, às vezes unilateral, que
costuma passar dos pais para os filhos – o arquétipo do sábio por devir de uma
educação centrada no trabalho intelectual, desde os pais professores
universitários, e assim por diante). Jung ofereceu a classificação, mas não a
razão correta dos tipos humanos. O TDA deixará de ser o rebelde total quando o
mundo deixar de produzir e necessitar de rebeldes totais. O arquétipo da
meretriz existe nas mulheres porque há dura repressão sexual sobre elas,
exagerando uma pulsão interna. Isso não nega certo substancialismo, junto e ao
lado do relacionalismo, quanto ao tema; pois parece ser, por exemplo, natural,
genético, que em torno de 4% da população mundial seja TDAH, com perfil geral
que tende a ser o poeta ou o astrônomo da comunidade indiana antiga etc.
[20]
“Direta ou in” – vemos que a arte e a ciência podem atualizar relativamente a
gramática, ou produzir algo colateral, nesse caso por redução, sem cair no
sofismo obscurantistas dos mal chamados “continentais”, em especial dos
irracionalistas.
[21]
Para evitar qualquer acusação de determinismo genético, aprofundamos que a
genética tem efeito parcial e mediado na personalidade. A coisa se dá, por
exemplo, assim: o conteúdo relativo da genética pode ser desenvolvido e
expresso das mais diferentes formas, que derivam da adaptação e mediação
social.
[22]
Pessoas mais altas e belas tendem a ter mais destaque em cargos.
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