domingo, 21 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - Cap. 3 - A empiria dos limites internos

 

A EMPIRIA DOS LIMITES INTERNOS

 

“O quantum, uma vez que é tomado como um limite indiferente, é o lado no qual um ser aí é agredido insuspeitadamente e é direcionado para seu sucumbir. É a astúcia do conceito de capturar um ser aí nesse lado, onde a qualidade do ser aí não parece entrar no jogo, - e, com efeito, de tal modo que o aumento de um Estado, de um patrimônio etc., aumento que provoca o azar do Estado, do proprietário, até aparece, inicialmente, como sua sorte.”

(Hegel G. W., 2016, p. 360)

 

O capitalismo tem elevado sua produtividade por meio de aumento da composição técnica do capital, fator que produz queda da taxa de lucro na medida em que aumenta o peso monetário da máquina e da matéria-prima e substitui trabalhadores, o chamado aumento de composição orgânica. A queda da taxa de lucro manifesta e está ao lado da tendência latente à superprodução crônica, que só pode revelar-se de modo latente, concluindo-se ou em economia planejada ou em destruição sistêmica e barbárie.

Observemos estes gráficos, que revelam a queda secular da taxa de lucro:

 

 

 

Fonte: (Maito, 2017)

Fonte: idem

 

 

 

Fonte Idem

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Idem

 

 

 

 

Fonte Idem

Fonte: Idem

 

Fonte: Idem

 

Percebemos que a taxa de lucro caiu tendencialmente até alcançar patamares muito baixos na história recente – nos países centrais, em torno de 40% no século XIX para, com ondulações, com contratendências relativas, em torno de 10% no começo do século XXI. O autor, Esteban Ezequiel Maito, de onde obtemos os gráficos[1] acima expostos, afirma:

 

 

Embora a taxa de lucro de 0% não seja considerada como o limite real do capital, mas níveis mais altos, os anos em que a linha de tendência atinge 0% foram considerados. Para o ano 1900, a tendência teria atingido 0% em 1990. Para 1919, em 2024. Para 1932, em 2007. Para 1944, em 2025. Para 1955, em 2040. Para 1970, em 2055. Para 1980, em 2046 Para 2010, em 2056. Para os países periféricos, este exercício marcou, para o ano 1970, uma taxa de 0% projetada no ano de 2072. Para o ano de 1980, em 2050 e para 2010, em 2064. (Maito, 2017)

 

O artigo conclui-se como poderia, colocando o limite da queda histórica da taxa de lucro no meio deste século:

 

Dois pontos podem ser destacados a partir desses exercícios de projeção. Conforme observado anteriormente, a tendência não se desenvolve de forma constante, mas muda sua inclinação de acordo com o momento histórico e os fatores contrários. Assim, até 2010, o limite previsto em 1900 mudou 66 anos, de 1990 a 2056. No entanto, e, em segundo lugar, o progresso desta tendência continua diminuindo cada vez mais o número de anos em relação ao limite projetado, que tende, por outro lado, a permanecer fixo no meio deste século. A incapacidade do capital, e dos fatores contrários, em reverter sua própria tendência nas últimas décadas é refletida, assim, como sendo incapaz de avançar este limite hipotético. Vale a pena repetir neste ponto a citação de Grossmann: “… à medida que essas contratendências são gradualmente fragilizadas, os antagonismos do capitalismo mundial se tornam progressivamente mais nítidos e a tendência para a ruptura aproxima-se cada vez mais da forma final de um colapso absoluto” (Idem, grifos nossos.)

 

Além de também poder adicionar o custo com capital circulante (matéria-prima, salários, etc.), mais do que somente com capital fixo; para percepção mais profunda da queda da taxa de lucro, levemos em conta teoricamente que o cálculo mais exato inclui o capital comercial e os transportes cujos pesos do capital constante sobre o capital variável – grandes redes de supermercados, colossais meios de navegação, etc. – adquire visível nova proporção[2].

Em resumo, as próximas três décadas, no máximo quatro, são as decisivas para a crise sistêmica, expressa em uma taxa de lucro que tende a cair para próximo de 0%. O limite do capitalismo torna-se evidente.

O marxismo cindiu-se em opostos sobre a questão acima exposta: os limites do sistema são o desenvolvimento das forças produtivas em contradição com as relações de produção ou queda da taxa de lucro? Dito de outro modo: os limites do sistema capitalista ocorrem por crise do valor, redução absoluta de sua massa, ou queda da taxa de lucro? Ora, esta expressa aquela: a empiria estatística da queda da taxa de lucro aos níveis atuais revela tanto problemas na produção de valor quanto a contradição sistêmica. Vejamos como Marx expõe de modo claro a relação produtividade e queda da taxa de lucro:

 

Mas, se v [capital variável] cai de 30 para 20, por se empregar 1/3 menos de trabalhadores, ao mesmo tempo que aumenta o capital constante, teremos o caso normal da indústria moderna: produtividade crescente do trabalho, domínio de quantidades maiores de meios de produção por menos trabalhadores. Na parte terceira deste livro, ver-se-á que este movimento está necessariamente ligado à queda simultânea da taxa de lucro. (Marx, O capital 3, 2008, p. 81)

 

 

A melhor postura é evitar o defensismo das escolas teóricas e perceber que manifestam o mesmo processo social por diferentes ângulos, de modo unilateral. O melhor método, portanto, é considerar o nível de validade das diferentes contribuições, pois apenas de modo artificial podemos descartar a relação íntima entre taxa de lucro e aumento da composição orgânica ou a crise do valor.

Observemos, por sua vez, o efeito da queda da taxa sobre a produção:

 

“Se cai a taxa de lucro, o capital se torna tenso, o que transparece no propósito de cada capitalista de reduzir, com melhores métodos etc., o valor individual de suas mercadorias abaixo do valor médio social, e assim fazer um lucro extra, na base do preço estabelecido pelo mercado; ocorrerá ainda especulação geralmente favorecida pelas tentativas apaixonadas de experimentar novos métodos de produção, novos investimentos de capital, novas aventuras, a fim de obter um lucro extra qualquer, que não dependa da média geral e a ultrapasse.” (Idem,  p. 338, grifo nosso.)

 

 Assim, a superestrutura financeira é o meio para reação contra a queda da taxa ao prover uma massa de recursos para investimentos. Uma superprodução crônica é gestada no interior do capitalismo, isto é, surge no seio do capital, por meio de suas leis inerentes, a base da produção socialista. Ao mesmo tempo, a queda dessa taxa de lucro na produção leva à queda da taxa de juros, pois este tira seu lucro em parte do lucro daquele; surge a tendência à morte da taxa de juros em todo o mundo, como as taxas negativas operadas por governos imperialistas (Botelho, 2019). Juros baixos, por sua vez, servem de estímulos para investimentos em ações, formando bolhas de capital fictício. Por outro, em inúmeros setores a queda da taxa de lucro desestimula novos investimentos – principalmente onde há monopólio e em países de maior custo de produção – e leva, por isso, a investimentos de curto prazo e garantidos no mercado financeiro, também estimulando a inflação da forma fictícia de capital (Roberts M. , Produtividade, investimento e lucratividade, 2019). A pressão pela renovação técnica citada acima mantém-se, mas mediada e reduzida pela superprodução crônica latente (o capitalismo já não desenvolve com o fervor de antes as forças de produção). Assim, a mesma lei social que pressiona pela deflação dos preços das mercadorias leva à hiperinflação do capital fictício. Eis a contradição – pois, em última instância, este tira seu lucro, seu valor, daquelas, que são frutos do trabalho manual.

 

POR QUE CAI O (CRESCIMENTO DO) INVESTIMENTO

Michael Roberts, além de outros economistas, observa que o (crescimento do) investimento sofre uma tendência de queda em nosso tempo. Eis um sinal de fim do sistema: o desenvolvimento das forças produtivas, que é base para justificar a existência do capitalismo, começa a encontrar seus limites. Em diante, reforçando o final do subcapítulo anterior, listaremos as principais razões disso com respostas não alcançadas por Roberts.

 

1.      Queda da taxa de lucro

Roberts é unicausal quanto ao tema, com o seguinte argumento: a queda da taxa de lucro em nossa época desestimula o investimento porque a burguesia investe apenas se ela tem perspectiva de lucro futuro, a partir da análise da lucratividade no presente; se esta é baixa, logo há pouco a esperar do amanhã, não vale o risco. Mas sua observação está parcialmente correta, então parcialmente errada. Marx demonstra no livro III d’O Capital que a queda da taxa de lucro estimula, faz, a concorrência, logo impulsionando investimento (ainda que atrasado pela crise – mas Marx também afirma que a crise também tem como consequência, ainda que, complementamos, num “segundo momento”, novo investimento para substituir as máquinas). Por outro lado, os oligopólios atuais têm muito mais condições de fazer investimentos do que na livre concorrência anterior com empresas menores, ainda que seja alto investimento apenas em termos absolutos. A tese de Roberts não se sustenta bem, ao menos não sozinha, pois é apenas um pé da cadeira. A queda da taxa, em si mesma, tem efeitos opostos de reduzir e de estimular o investimento. Se há causa central empírica é esta: a crise do valor como superprodução crônica, porém latente, de mercadorias e capitais.

 

2.      Tendência ao monopólio

Com o evolver do capitalismo, surgiram monopólios “naturais”, empresas que somente podem existir como monopólios e a concorrência encaminha-se, ela mesma, para poucos vencedores. A monopolização atual empurra para redução do investimento – mas os preços de monopólios altos estimulam, por outro lado, o surgimento de concorrentes, logo é contratendência relativa à própria queda do investimento.

Se os oligopólios, como quase monopólios, desestimulam, de um lado, o investimento, por outro, o estimulam porque a concorrência é agora mais dura e mais capaz, entre gigantes. A causa tem efeitos opostos.

Destacamos que muitos dos produzos modernos exigem pesada tecnologia e pesado maquinário, e por isso muito investimento, logo, o valor de uso empurra para o monopólio, logo, para menor investimento.

 

3.      Baixo custo unitário do trabalho

Reforçamos o capítulo anterior. Cada vez mais, uma renovação técnica da produção aumenta os custos com maquinário e com matéria-prima (pois maior produtividade exige mais insumos). Por outro lado, empregam-se poucos trabalhadores com custo unitário do trabalho baixo, ainda que os salários individuais sejam altos (a tendência, em geral, é de queda na remuneração). Essa combinação faz com que não compense substituir operários por máquinas já que o custo de produzir mercadorias seria maior, não menor. O custo por razão da substituição seria maior, em muitos casos, do que o custo com funcionários. Daí, também, a redução do investimento na produção voltado à renovação tecnológica e novas empresas. A atual significativa queda da taxa de lucro é insuficiente, embora essencial, para explicar o fenômeno do baixo investimento.

 

4.      Inflação fictícia

A própria inflação artificial, por meio da moeda fiduciária, de nossa época, desestimula investimentos, pois 1) derruba os salários reais; 2)inflaciona o preço das mercadorias – é um imposto inflacionário sobre os pobres para os ricos. Além disso, há a inflação parasitária dos preços dos imóveis, da terra, apenas “deixando o tempo passar” sem grande investimento.

Antes, em geral, o aumento dos preços causava o aumento da quantidade de dinheiro em circulação; agora, ao contrário, em geral, o aumento da quantidade de dinheiro aumenta os preços. Para sentirmos o peso qualitativo do acréscimo de moeda na inflação, desde o fim do lastro em ouro, dispomos o gráfico a seguir:

 

GRÁFICO 4

Fonte: (Shaaikh apud Prado, A ameaça de estagflação, 2021)

 

Uma inflação quase constante, arrastada e singela no curto prazo tem efeitos no rumo da queda do investimento. Por outro lado, a inflação pode, ao contrário, estimular concorrência já que os preços e os custos compensam.

 

5.      Transferência de investimentos

O investimento nos países mais ou menos maduros para o socialismo, focos teóricos de Roberts, cai também porque o investimento transfere-se para países atrasados, onde é mais fácil explorar e há mercado consumidor novo e potencial. A atual interligação dos países acompanhada do alto desenvolvimento dos transportes e comunicações empurra para tal transferência.

 

6.      Altíssimos custo e risco de investimento

É famosa a passagem d’O Capital I em que Marx demonstra o começo do valor como capital, como valor que se autovaloriza na produção, quando o candidato a capitalista tem uma quantidade mínima exigida de valor na forma de dinheiro para começar o negócio, para explorar força de trabalho, pagando por matérias-primas, instalações e trabalhadores. O mínimo exigido para iniciar um empreendimento é um mínimo dado historicamente (Lukács, Prolegômenos e para ontologia do ser social, 2018) – e ele cresce com o passar do tempo, com o desenvolvimento do capitalismo. Hoje, o montante de valor na forma de dinheiro exigido pelo capital para investir é imenso, dificultando abrir uma empresa, concentrando, assim, o mercado em poucas mãos. Isso tem sua importância: o Estado socialista, ao concentrar recursos e empresas para si, terá condições de impulsionar a produção, de investir; como sintoma deste elemento, desde o século XX, o peso do Estado burguês no investimento deu um salto porque era preciso muitos recursos, e lucro apenas algumas décadas ou anos, para fazer certos empreendimentos – ou os capitalistas não tinham meios que bastassem ou não queriam correr o risco. Temos, então, mais um fator para a redução do investimento: o alto valor mínimo a se investir hoje e com um risco, por isso, alto. Isso é tendência, pois elementos como a concorrência empurram no sentido oposto, para o investimento.

 

7.      Período de duras crises

No próximo capítulo, veremos que há épocas, como a nossa, onde as crises são mais duras e/ou mais longas e os crescimentos são mais curtos e/ou frágeis; para nosso comentário, devemos incluir a fase transição, anterior, onde as crises são mais duras, mas com algum crescimento, uma estagnação ou quase estagnação. Pois bem; isso significa que, no médio e longo prazos, o investimento caia. Embora a saída das crises inclua a adoção, investimento, de novo maquinário, por exemplo – o que dá condições para mais, maiores e novas crises –, uma realidade por muito tempo tensa econômica, social e politicamente empurra para redução do investimento.

 

8.      Alta massa de lucro

No livro III d’O Capital, Marx elaborou a hipótese de que, com a alta queda da taxa de lucro, a massa altíssima de lucro poderia, no futuro, mais do que compensar a queda dessa mesma taxa, logo o investimento desabaria – tal previsão não se confirmou, ao menos ainda, em absoluto, mas tem verdade relativa hoje, tendencial, pois a existência de bilionários e grandes milionários, com seus oligopólios e monopólios, tem duro efeito contraestimulante ao investimento. É um caso, um exemplo, como nos demais pontos, em que a permanência de relações de produção, com suas relações superestruturais e jurídicas, impede ou atrasa o desenvolvimento das forças de produção.

 

9.      Excesso crônico de capital

Como as empresas são grandes demais para quebrarem, como suas falências seria um risco ao próprio sistema, os governos – incluso defendendo a própria governabilidade – atuam para mantê-las em parte artificialmente, logo há um excesso de capital, o que desestimula investir (Prado, A ameaça de estagflação, 2021)

 

10.  Esgotamento da criação de novos tipos de mercadorias

Outro motivo para a queda do investimento observa-se ao olharmos as mercadorias. O primeiro papel do capitalismo foi mecanizar a produção de artigos feitos artesanalmente, aumentando a escala. Mas logo ele teve de usar os avanços da ciência para criar uma quantidade enorme de novos produtos, de inéditas mercadorias. Isso aconteceu claramente no século XX, mas esgotou-se na história recente (por outro lado, inventar algo novo é cada vez menos artesanal e individual, exigindo mais recursos e esforços). Aglutinam-se valores de uso, diminui-se o tamanho do produto quando possível, troca-se a matéria do valor de uso, etc.; mas criar uma quantidade nova de tipos de mercadorias, de novas necessidades sociais, não ocorre como antes (o que estimula, em contratendência, a aglutinação, etc.). Isso também limita o investimento.

 

11.  Política neoliberal (privatizações, etc.)

A queda da taxa de lucro aos atuais níveis é a base do conhecido como neoliberalismo. A privatização de empresas estatais, por exemplo, produziu um pseudoinvestimento capaz de aumentar a massa de lucro da burguesia (desestímulo ao investimento real). A liberalização financeira foi a saída final, a contragosto dos próprios governos de início, para lidar com a crise sistêmica. Criando massa maior de desempregados, o poder burguês quis recuperar a lucratividade, aumentar o mais-valor com redução dos salários, direitos e aumentando a intensidade e, quando possível, a extensividade da jornada de trabalho. Para isso, pesa a entrada da Ásia com produtos mais baratos também por baixos direitos sociais pressionando a “austeridade”, a retirada de direitos no ocidente se quer concorrer no mercado mundial.

 

12.  Financeirização

Como a taxa de lucro está muito baixa, rumo ao mínimo histórico absoluto, o investimento financeiro, de curto prazo, mais compensa. Grandes empresas formam “braços financeiros” para especular na bolsa, etc.

 

13.  Modelo de Gestão

Alguns países e empresas têm modelo de gerência que faz forcar no curto prazo. Enquanto dura seu mandato, o gerente executivo tenta conseguir o máximo de lucro no mínimo de tempo. Isso não é um elemento propriamente central para a queda do investimento, mas merece ser destacado.

 

Listamos todos os elementos centrais para a tendência de queda do investimento. Tais elementos, tomados em isolado, são tendências com contratendências; a mesma causa comum, o alto desenvolvimento do capitalismo, ou contradição entre forças produtivas e relações de produção, produz efeitos opostos. A verdade desta queda está na combinação dos elementos, que faz imperar as tendências (e elas são tendências também enquanto focamos na atual fase do capitalismo). Assim, por exemplo, a inflação artificial, em si, tanto desestimula quanto estimula investir; porém a primeira, tendência, impõe-se porque está combinada com a exigência prévia de altíssimos recursos mínimos para investir.

***

Observado o ótimo trabalho de Maito; o mérito central sobre a percepção da queda da taxa de lucro como importante fator da crise de nossa época, como a queda estrutural do investimento[3], cabe a Michael Roberts. Sua limitação foi deixar de perceber as consequências para além da pura economia (como o Estado burguês sendo corroído pela lógica do lucro) e pouco focar no fundamento do problema, a crise do valor, etc. Ademais, ele deixa de considerar que a tendência à queda da taxa de lucro tem em si mesma a contratendência. De qualquer modo, foi seu acerto vital que também tem algo do seu contexto, a tradição empirista, não dialética, anglo-americana[4].

 

AS RELAÇÕES DE CONTRAEFEITO

O leitor tem direito de ter pressa, acessar tudo central da obra já nas primeiras páginas. Mas, apesar de ter propriedades próprias, compreende-se melhor o todo por meio também da análise de suas partes inerentes. Por isso, antecipamos assunto que seria para o último capítulo formal, antes dos apêndices necessários, sobre O capital.

 

Ø  SUBSTITUIÇÃO DO TRABALHADOR PELA MÁQUINA

Adam Smith pensou que a quantidade de trabalhadores cresceria por causa da especialização em pequenas tarefas repetitivas, mas o maquinário mudou isso. Como demonstramos antes, Marx mostrou e previu a redução do número de operários na produção, algo visto hoje com clareza por meio da automatização e da robótica. Porém, a quantidade de operários cresceu em alguns momentos curtos ou médios, como nos primeiros ¾ do século XX, logo concluímos que a tendência de substituição do homem pela máquina, com a concorrência geral, tem contrantendências relativas, que atrasam o processo. Vejamos as principais causas do retardamento:

 

1.  Redução da jornada de trabalho, fruto da luta de classes, como de 12 horas no século XIX para 8 horas diárias no século XX, obriga a contratar mais operários.

2.  Os momentos de euforia econômica fazem surgir mais empresas, mais concorrentes.

3.  Novos tipos de produtos exigem novas empresas, logo mais operários, algo reduzido hoje com a aglutinação de diferentes valores de uso no mesmo suporte.

4.  Monopólios e oligopólios retardam o uso de novas técnicas de produção, novas máquinas.

5.  A redução dos salários, por desemprego “tecnológico” em central, faz compensar manter funcionários e o trabalho manual.

6.  O barateamento de matérias-primas ajuda na sobrevivência de empresas menos tecnológicas.

7.  Momentos de inflação, em especial de demanda acima da oferta, ajuda a manter empresas de menor intensidade de capital, menor composição técnica e orgânica de capital, pois os preços de seus produtos compensam.

8.  Em algumas empresas, muito difícil diminuir o tempo de rotação do capital industrial, por causa do valor de uso produzido etc., em especial reduzir o tempo de trabalho e de produção, o que obriga criar outra fábrica com trabalho manual para atender a demanda.

9.  Protecionismo nacional comercial e industrial tem força relativa para impedir o avanço da tendência à diminuição do trabalho manual abstrato.

 

Por tais fatores, os marxistas empiristas “esqueceram” que O Capital de Marx demonstra que o caminho é a redução do número de operários, não seu crescimento. Temos, portanto, a queda tendencial da massa nova de valor.

Vale a pena destacar, em contraposição, que o inchaço enorme e colateral do setor de serviços estimula relativamente a automação, pois, por ser pouco produtivo e de baixa tecnologia, emprega muito, forçando momentos de pleno emprego com suas duras greves e aumentos salariais – o que empurra para substituição do trabalhador pela máquina.

 

Ø  TAXA DE LUCRO NA CRISE SISTÊMICA: CAUSA E CONTRACAUSA[5]

A queda da taxa de lucro é o sinal do aumento da produtividade. Os custos produtivos (máquinas, matérias-primas, salários) crescem, tendem a crescer, em relação ao lucro real. Pois bem; Marx afirma que a própria substituição do homem pela máquina produz efeitos opostos à queda da dita taxa, ou seja, uma contracausa, ou contraefeito. Vejamos uma por uma em nosso tempo.

1.  Aumento do grau de exploração do trabalho.

Hoje, tornou-se muito difícil ao capital aumentar a extensividade das horas trabalhadas – a jornada de 8 horas tornou-se parte da cultura, da tolerância operária e popular. Além disso, a intensividade alta impede a extensividade maior. Não bastasse, a intensividade alta tem também um limite, um limite humano, alcançado, em geral, no nosso tempo.

2.  Redução dos salários.

O salário mínimo por lei, também parte da normalidade e da cultura, além de efeitos contra o desemprego, deixam de pressionar tanto a queda de salários. A inflação constante das últimas décadas elavam à luta de classes e a reajustes.

3.  Baixa de preço dos elementos do capital constante.

As modernas matérias-primas são terras raras ou produzidas por monopólios e oligopólios internacionais, logo os preços não caem ou não tanto. A produção de máquinas também exigem altíssima especialização hoje, além de poucos fornecedores por consequência, além da alta renovação, o que pesa contra a queda de seu preço.

4.  Superpopulação relativa.

A população que vem do campo esgotou-se, há dificuldade de importar mão de obra, os partos diminuem e o desempregado ou recebe auxílio do Estado ou vive às custas de outros – ou entra artificialmente no setor de serviços (autônomo etc.). A burguesia tenta compensar isso com medidas como aumentar a idade mínima para aposentar-se, estímulo à natalidade etc.

O alto nível de mecanização alcançado (automação etc.) diminui o peso da superpopulação relativa e da queda de salários na luta contra a queda da taxa.

5.  Comércio exterior.

Eis um fator importante, mas o mercado mundial já se tornou mundial – a mercadoria já está em todo canto.

6.  Aumento do capital por ações.

A financeirização, o capital fictício, já ocorreu, diferente de seu crescimento na época de Marx, já atingiu seu auge.

 

Os efeitos de oposição à queda da taxa de lucro continuam operando, mas não como antes. Por outro lado, já demonstramos antes as causas, que reforçam umas às outras, que levam à queda do crescimento do investimento – contracausa, contraefeito, contratendência.

 

OUTRA CONTRATENDÊNCIA

Entre as contratendências colocadas, uma foi negligenciada por Marx: as mundança no valor de uso da mercadoria. Ademais, isso afeta o custo com matéria-prima (mudança de materiais etc.) e, eventiuamlente, no maquinário. O fato de a empresa produzir o mesmo suporte para vários valores de uso, por exemplo, serve de contratendência à queda da taxa de lucro e aumenta a massa de lucro. Ou se a mercaodoria pode reduzir de tamanho e de materialidade. Ou um processo pode ser superado, como a secagem. Nosso tempo facilita ver isso na realidade e, portanto, teorizar.

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]             Dos dados e metodologia nos gráficos: “A taxa de lucro no capital fixo foi, de longe, a medida mais comum em estudos sobre a rentabilidade do capital. Em um estudo anterior, realizamos uma comparação entre quatro países sobre a taxa de lucro marxista, mas, com exceção à este caso, todos os estudos que abordaram uma comparação internacional, devido à disponibilidade dos dados, focam na taxa de lucro sobre o capital fixo. Chan-Lee e Sutch, em uma das primeiras análises comparativas, estudaram as taxas de lucro dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) durante o período de 1960-1980, refletindo claramente o declínio devido à crise de rentabilidade nos anos setenta. Lee e Sutch realizaram um estudo que considerava a rentabilidade à longo prazo no Reino Unido, EUA, Japão e na zona do euro (a partir dos anos 60) no contexto de uma análise histórica da hegemonia global de estados sucessivos no sistema mundial. Duménil e Lévy também compararam os níveis de taxas de lucro desses países, embora em um intervalo de tempo mais curto. Zachariah faz um exercício semelhante, acrescentando também a China e a Índia. No entanto, ele não estima o retorno do capital fixo reprodutivo, mas inclui moradias, que não fazem parte do capital fixo e do próprio processo de produção capitalista.”

                “As estimativas para catorze países são apresentadas neste artigo, em alguns casos cobrindo mais de um século de história e representando mais da metade da produção mundial nos últimos setenta anos. Em relação ao trabalho destes pesquisadores, são incorporados a longo prazo (série de mais de um século de extensão) estimativas para Alemanha, Argentina, Suécia e Holanda. A inclusão da Argentina no início do século XX, bem como da Coréia e da China nas últimas décadas, nos permite uma melhor interpretação das áreas periféricas, de acumulação mais dinâmica, durante alguns períodos específicos, em relação com a tendência geral de rentabilidade.” (Maito, 2017)

[2] Por isso Marx excluiu a indústria dos transportes no cálculo comum da taxa ainda no século XIX.

[3] Ao mesmo tempo, refutamos e agregamos, suprassumimos, a tese de Michael Roberts sobre a razão da queda do investimento.

[4] Uma nota metodológica. Uma parte do trabalho científico é superar o limite nacional no perfil do pesquisador (Tanto Roberts quanto seu opositor, David Havey, têm o mesmo defeito, não dominar a dialética). Marx foi cosmopolita, indo da Alemanha à Inglaterra e França, o que afetou seu perfil. Este livro quer transcender os limites pátrios (facilitado pela internet, etc.). Kurz, por exemplo, absolutizou e percebeu o papel da automação por seu olhar desde a Alemanha.

[5] Em meus registros eletrônicos, que servem de prova formal, tenho tal tese desde 2017. Em 2023, apareceu novamente por outras mãos (estrangeiras) – o que revela a maturidade sosical da teoria. Não fui plagiado, porém, pois não publiquei de modo oficial e amplo, mas apenas um manuscrito em português em grupos de economia etc.

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