domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 16 - ética marxista (crise da ética)

 

ÉTICA MARXISTA

POR UMA ÉTICA DIALÉTICA

CRISE DA ÉTICA

 

 

Enquanto lês, agora, uma mulher é estuprada, uma criança é sexualmente abusada, um revolucionário é torturado, alguém comete suicídio, famílias passam fome, um jovem trabalha por 12 horas, há escravidão; um rico, um político ou um falso líder religioso está roubando o povo. Não precisaria ser assim – não mais.

 

“A vida não é uma tarefa fácil… Você não pode vivê-la sem cair em frustração e cinismo, a menos que você tenha um grande ideal, que o eleve acima da miséria pessoal, acima da fraqueza, acima de todos os tipos de desesperança e futilidade”.

Leon Trotsky

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como o leitor deve saber, a tarefa de escrever uma ética é difícil. Tanto mais difícil escrever uma ética de clara inspiração marxista, pois tal ciência única e correta da história humana exige um conhecimento da totalidade. Para falar de moral, tona-se necessário um alto conhecimento de psicologia, economia, sociologia, dialética etc., além de revisão de quase tudo importante escrito sobre o tema.

Nunca foi escrito uma Ética, com pretensões gerais e definitivas na história da filosofia, de inspiração marxista. Isso tem razão de ser: somos minoria, mais, somos minoria perseguida em todo o mundo. Ninguém é torturado e triturado por seguir Aristóteles ou Piaget. Lukács, bastante perseguido pelo estalinismo, passou a vida toda a se preparar para tal tarefa, mas morreu sem deixa sequer um manuscrito editável. Nossa situação é deplorável, tanto mais porque as ditaduras estalinistas destruíram momentaneamente o marxismo, transformaram-no em religião dogmática e ensinou o cinismo por todo o mundo entre militantes. Para eles, moral é moralismo… Trotsky foi o único a deixar escritos claros sobre o tema, mas não algo com ares de definitivo relativo para nossa tradição.

A decadência do capitalismo, que também é decadência moral, obriga-nos a pensar a ética, não apenas a ética do movimento marxista. Via de regra, o militante não está desconectado do mundo, e este empurra sua moral para dentro das organizações vermelhas por meio incontornável dos seus indivíduos. Isso é inevitável, mas combatível de modo efetivo. Sem moral correta não venceremos no final da história.

Nesta obra, começo por um tema preliminar: como introdução, alguns aspectos da psicologia marxista que elaborei em seus aspectos mais gerais. Talvez, tenhamos finalmente superado a poderosa psicanálise, o freudismo – por dentro dele mesmo. Assim espero. Tive de pensar a economia capitalista de nossa era, o novo período do imperialismo, a mudança nas relações de classe, os problemas do Estado e do aparato de repressão etc. Ou seja, o todo, suas partes e suas interrelações. De tal trabalho, deduzi e descobri uma dialética marxista, diacrônica e, algo imensamente polêmico, certa metafísica. Por isso, fui obrigado a pensar uma hipótese marxista-dialética de interpretação da física moderna, macro e quântica, e certos pontos na biologia (até o momento em que escrevo este prefácio, não consegui contribuir na biologia uma fusão da evo-devo e da nova síntese). Assim, a metafísica, etc. são o fim, não o começo da pesquisa. Mas o marxista não pesquisa o que deseja, mas o que sua corrente necessita, entre as opções mais urgentes. Minha filosofia, exceção das teses inaugurais, tinha a lacuna de uma teoria da moral, Ética, de base marxista em seu fundamento. As condições subjetivas para escrever tal obra estavam, grosso modo, dados por um acúmulo de 15 anos de pesquisa geral, do mundo. Sem psicologia correta o bastante, por exemplo, impossível uma Ética correta, como se matéria de todo independente. A verdade é o todo, a moral é também cerebral.

O tema é, então, urgente e necessário ao máximo. Não produzo uma ética marxista em si, ou seja, uma ética para a conduta marxista apenas; mas uma Ética, ou seja, uma filosofia de tal objeto, um, interpretação total de sua totalidade.

Os problemas que tive no meu antigo partido, PSTU-LIT, os problemas morais contra os quais lutei numa dura questão fracional, têm, claro, peso pessoal para a escolha de tal assunto sobre outros. Não foram poucos os absurdos e os constrangimentos, morais e mais que morais. No entanto, quando entrei na organização em 2008, a primeira reunião da qual participei teve como foco a leitura coletiva de um documento sobre moral revolucionária, obrigatória para os novos membros. Assim quase impossível evitar apaixonar-se pelo tema. A organização internacional a qual ainda reivindico, a LIT, tomou tal tema como tarefa, mas parece estar falhando em sua busca. A moral é fruto, antes, de uma realidade, apenas depois de uma decisão. Se se quer certa moral, crie-se as circunstância para ela.

Como morenista, li um texto de Moreno sobre moral, algo deplorável. Por exemplo: condena como degeneração pequeno-burguesa a homossexualidade. Moreno escreveu tal texto no começo de sua militância e na prisão por razões de perseguição política. Depois, abandonou tal escrito, revividicado de modo imprudente pelo PSTU. Está na hora, portanto, de resolvermos tal questão.

Quando o Muro de Berlim desabou sobre nossas consciências, os marxistas oficiais perderam a ousadia, a necessária megalomania, adaptaram-se. Perdeu-se a perspectiva de projeto. Assim, a teoria produzida é em geral pobre, dispensável, parcial, repetitiva. O medo de desmoralização é maior que a vontade de vencer. Recuamos na teoria tanto quanto na moral, a crise moral tomou conta de nosso movimento (vendaval oportunista, segundo a LIT). A nova geração de marxista, os dos países pobres em especial, têm o dever e a capacidade latente de renovar nossa tradição e nossa teoria, respeitando e compreendendo nossos velhos. No Brasil, além do autor deste livro, temos marxistas talentosos vindos da classe trabalhadora: Jones Manuel, Santiago Maribondo, Gustavo Machado, o paraguaio Ronald León etc. São inexperientes na luta de classes, mas talentosíssimos. Devem, no entanto, aprender a ser ousados ao máximo – se necessário, escarrar sobre supostas verdades consolidadas.

Lukács apenas planejou sua ética, e deixou-nos duas bases claras em sua letra: 1) a categoria da liberdade é apenas humana, social, ou seja, escolhemos; 2) a teleologia é apenas humana, de nosso cérebro. Ora, em nossa psicologia e em nossa Metafísica, em especial, a liberdade é, antes, objetiva e apenas escolhemos o que de fato já vamos escolher. A teleologia também é, primeiro, objetiva – a causalidade geral a gera  – e deve ser respeitada e observada; ocorre, então, na espécie humana em principal e de maneira forte, a subjetivação de tal categoria objetiva. A ciência atual sabe que liberdade (como externa, probabilidade quântica etc.) e teleologia (corvos etc.) são categorias também presentes na natureza não humana.

O leitor saberá que evito ao máximo ser prolixo, mas isso me fez cair no erro oposto, o laconismo. É um defeito da obra, ir direto demais ao ponto; ao menos, poupa o leitor. No decorrer do livro, o leitor verá quanta confusão existe, que atrapalha uma concepção correta de Ética.

A luta de classes é, também, uma luta de morais, moral contra moral.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

AS QUESTÕES CENTRAIS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ALIENAÇÃO E ÉTICA: O CONCEITO GERAL CENTRAL DA ÉTICA

Há o marxismo no sentido restrito, ortodoxo e revolucionário, além de dialético, e o marxismo no sentido amplo, que abarca várias correntes. Uma das formas de dividir o pensamento contemporâneo é entre marxistas e não-marxistas. Tal é o peso desse pensador militante.

O marxismo vulgar tenta tornar Marx algo tragável à academia: sem dialética, sem método, sem seu trabalho político, sem sua juventude – sem sua teoria da alienação. Uma posição fácil de refutar, cambaleante.

O título deste capítulo seria mais exato se dissermos que o tema da alienação é base de toda ética marxista. Por exemplo, para Marx, alienação é separação do homem da natureza, como se externo a ela: logo vemos que a pauta ambiental, inerentemente socialista, é algo moral. Respeitar o meio ambiente é autorrespeito, pois somos parte da natureza, somos, em primeiro lugar, animais – não divinos.

A alienação significa, grosso modo, separação, separação daquilo que deveria estar junto. O operário não se identifica com o objeto que ele mesmo produz, estão separados. Muito mais que isso: porque estamos desorganizados e separados como humanos, surge uma lógica das coisas, para as coisas. O mundo das coisas passa a dominar o mundo dos homens – a criatura domina o criador. O dinheiro, a Coisa das coisas, domina o homem como se fosse um Deus real e material; o dinheiro desconhece e não aceita qualquer limite, dinheiro em busca de mais dinheiro, valor (a alma da mercadoria) em busca de autovalorização. A criação da mão do operário, a mercadoria, passa a dominá-lo, a subjugá-lo. A valorização do mundo as coisas ocorre na proporção da desvalorização do mundo dos homens.

O contrário de alienação é felicidade, ou emancipação, ou melhor, humanização da humanidade, hoje coisificada. A ética marxista é esta: humanizar o homem. Por isso, somos contra o machismo, por exemplo. Por isso, fazemos greve por onde os operários tornam-se sujeitos. Por isso, nossos partidos são verdadeiramente democráticos e justos. A única moral real possível é a marxista, a operária e a socialista.

A alienação é algo objetivo, um fato social, mas também subjetivo, afeta nosso aparelho psíquico. Tua tristeza chama-se capitalismo. A felicidade é, portanto, o grande tema central de Marx, nem mais nem menos. A felicidade é para hoje, não para o amanhã. De tal modo que se todos procurarem, sem recuo, de fato, ter uma vida feliz, que valha a pena, o sistema cairá.

A moral é anticapitalista até a medula. O capitalismo apenas pode persistir como alienação, ou seja, como sistema imoral. Sem mentira, trapaça, traição, manobra, assassinato, crime etc. o sistema não poderia ficar de pé. Ele depende até do cinismo social geral. Trata, portanto, de tentar produzir homens diabólicos que sejam a sua imagem e semelhança. Quantas família e nações foram arrasadas por causa do dinheiro? Ou acabamos com o capital, com a desumanização, ou ele acaba conosco.

Mentir ou falar a verdade, qual o correto? Depende: qual reduz a alienação, qual atua para a libertação da humanidade? Enfim, qual humaniza o homem e diminui sua desumanização? Mentir ao patrão em uma greve pode ajudar a luta a ser vitoriosa por parte dos operários. Mas mentir ao operário na greve é, grosso modo e via de regra, imoral do ponto de vista socialista – mesmo se com as melhores intensões. Podemos perder ou ganhar na luta sindical, mas é a moral, ou seja, o combate à alienação, que define, em última instância, se o balanço do processo foi positivo ou vitorioso. Por exemplo: se a greve consegue aumento salarial, mas os comunistas dirigiram a greve com mão de ferro, sem assembleias de base – o balanço é necessariamente negativo. Uma pequena ditadura surgiu, alienação, isto é, domínio do homem sobre o homem.

Somos necessariamente imperfeitos, erramos. E tentar a perfeição artificial geral distúrbios mentais. Mas temos metas e guias de nosso comportamento, que devem ser lavados a sério. Por isso, sejamos tolerantes e didáticos, mas tenhamos limites e rumos cristalinos. Além disso, a moral marxista permite mediações, além de não ser uma receita de bolo.

Certa moral surge, é defendida e racionalizada porque ela é necessária. A moral marxista, na teoria e na prática, não são frutos do pensamento iluminado – trata-se de uma reação inevitável ao altíssimo grau de alienação em nossa época.

Sem moral correta, impossível a vitória da revolução socialista. Pois a moral de um partido é a manifestação de sua realidade interna, de seu estado.

No socialismo não haverá alienação social, pois ela não é um fato ou fenômeno em si, mais uma totalidade (divisão de classes etc.) social, humana desumana.

 

ESTALINISMO E MORAL

Trotsky escreveu um livreto sobre moral, Moral e Revolução, do qual seguimos os passos primeiros. Sem conhecer a importância da palavra alienação, porque os textos de juventude de Marx eram raros ainda, foi no rumo certo, em tal rumo. Em seu Programa de transição o Manifesto do século XX, disse:

 

A IV Internacional afasta os mágicos, os charlatães e os importunos professores de moral. Em uma sociedade fundamentada sobre a exploração, a moral suprema é a moral da revolução socialista. Bons são os métodos e os meios que elevam a consciência de classe dos operários, sua confiança em suas próprias forcas, sua disposição à abnegação na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram nos oprimidos o medo e a docilidade diante dos opressores; sufocam o espirito de protesto e revolta e substituem a vontade das massas pela vontade dos chefes, a persuasão pela pressão, a análise da realidade pela demagogia e a falsificação. Eis por que a socialdemocracia, que prostituiu o marxismo, e o stalinismo, antítese do bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e de sua moral.

Olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência; chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga que seja; não temer obstáculos; ser rigoroso nas pequenas como nas grandes coisas; ousar quando chegar a hora da ação: tais são as regras da IV Internacional. Ela mostrou que sabe ir contra a corrente. A próxima onda histórica conduzi-la-á a seu cume. (Trotsky, O Programa de Transição)

 

Com a necessária mediação histórica, a classe operária, o que é essa moral senão a moral contra a alienação, pela humanização do homem?

Ele produziu a obra em meio aos processos caluniais de Moscou, às perseguições da polícia política secreta GPU, à campanha internacional por sua desmoralização feita pelos partidos estalinista de todo o mundo. Ele foi, assim, obrigado a tratar do tema. E o fez de modo apenas inicial, mas genial ainda assim.

A moral estalinista nada é mais do que a expressão da realidade estalinista. Os burocratas ditadores precisavam, naturalmente, de certa moral sua. Daí a calúnia e a matança ser regra. Condena-se os campo de concentração nazistas – mas não os campos de concentração estalinistas e a morte, nas mãos de Stalin, da maior parte dos revolucionários que lideraram outubro. Sobre o assunto, os estalinistas são cínicos.

Nenhuma luta moral, no entanto, resolveria a situação. A materialidade resolve-se por meio da materialidade mais do que mental e comportamental. Em desespero, vendo a burocratização do partido e do Estado avançar com rapidez, Lenin condena Stalin pouco antes de morrer:

 

Stáline é demasiado rude e este defeito, plenamente tolerável no nosso meio e nas relações entre nós, comunistas, torna-se intolerável no cargo de secretário-geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem na forma de transferir Stáline deste lugar e de nomear para este lugar outro homem que em todos os outros aspectos se diferencie do camarada Stáline apenas por uma vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais atento para com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer uma fútil ninharia. Mas penso que, do ponto de vista de prevenir a cisão e do ponto de vista do que escrevi mais acima acerca das relações entre Stáline e Trótski, isto não é uma ninharia, ou é uma ninharia que pode adquirir importância decisiva. (Lenin V. , 2006)

 

A fibra moral de Lenin era mais forte que a fibra de seu coração. Isso fez do leninismo uma religião falsificada nas mãos do estalinismo, o culto ao líder.

Apenas se pode defender Stalin e o estalinismo falsificando a história, mesmo que se use verdades para isso, uma postura do tipo de um reformista ou centrista anti-liberal, mas não marxista de fato.

Já disse em outro momento, inspirando-me de modo direto em Lenin: o primeiro dever de um militante é discordar de seus dirigentes. Pensar com a própria cabeça, negar a alienação, aprender a pensar: torna-se direito e, ademais, obrigação, dever. Às vezes isso pode custar a vida, mesmo. Mas o futuro é dos teimosos.

Lukács, que morreu pouco antes de começar a escrever sua ética (marxista), pensava que o problema da burocracia estatal “socialista” era, primeiro, algo moral. Com tal premissa, teria errado por todo o livro.

Esta obra não é, em primeiro, uma reflexão sobre como os marxistas devem se comportar. O foco é tentar uma obra definitiva de ética ou moral. Mas uma ética social, não setorial, deve ter pretensões generalizantes.

Uma obra de Ética marxista tornou-se mais fácil de produzir porque o sistema entra em crise também moral, exacerbando as formas de alienação, e o socialismo é, finalmente, uma possibilidade necessária.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MORAL E ECONOMIA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MORAL E “O CAPITAL” DE MARX: EXPLORAÇÃO

A grande obra de Marx é, em primeiro lugar, um escrito de economia, no sentido positivo. Mas seu método é, dito de modo grosseiro, interdisciplinar: trata-se de história, geografia, psicologia etc. juntos. Eis a dialética, ou seja, a busca da difícil totalidade.

Os marxistas de baixo nível tentam reduzir a tal obra-prima a algo objetivista, típico da cientificidade burguesa, como algo sem moral ou “moralismos”, como pura ciência. Não é para deixar a obra maior em número páginas que Marx dedica tanto tempo para demonstrar a vida precária da classe trabalhadora com o advento do capital e do capitalismo. Suas denúncias visam ativar o senso de moral do leitor – uma obra, antes de tudo, militante. Ele toma lado, tem projeto.

Nossa tese neste capítulo é este: a categoria marxista e “econômica” de exploração tem duplo caráter, duplo significado. “Exploração” é tanto objetivo quanto subjetivo, tanto um conceito econômico quanto moral!

A escolha da chamada taxa de exploração – ou taxa de mais-valor no atual sistema – não é arbitrária ou uma coincidência. Marx deixa claro que não se paga pelo trabalho real, mas pela força de trabalho. Um engodo ocorre.

A exploração capitalista obriga, de modo retroativo, a aumentar ainda mais, se possível, a exploração, logo, a taxa de exploração. Por isso, Marx diz que a elevação de um polo é a deteriorização do polo oposto – um ganha se o outro perde. Moral, portanto. Ele dá a base da moral imoral do capitalismo, embora sua obra não seja um tratado de Ética.

Por várias vezes, Marx cita autores que demonstram como o dinheiro corrompe almas, perfis, pessoas, a sociedade etc. Não são meras frases de efeito para agradar o leitor. O dinheiro tem tal poder de corrupção quase irresistível. Resgatar a moral é destruir a sociedade do dinheiro e o dinheiro mesmo.

Enfim, um forte senso ou instinto moral motivou Marx. Os incultos de direita dizem que imposto é roubo, mas não sabem que, no subterrâneo, o imposto vem do mais-valor produzido pelo operário. Na verdade: lucro é roubo. Marx fez o impossível: quantificou a imoralidade.

 

MORAL E TRABALHO

O trabalho, para Marx, configura-se como necessidade natural do homem. Ser humano é ser trabalhador produtivo. Eis a fonte do prazer, trabalhador à semelhança da boa arte, o oposto do desprazer da alienação. Mas é no trabalho atual quando nos sentimos mal, negados, objetados. Somos coisas no trabalho, sequer animais. O trabalho é, assim, tortura real, mental e física, porque é trabalho alienado, para outro indivíduo, explorado. Perde-se a autossatisfação e autoafirmação artesãs. O trabalho, como puro trabalho, abstrato, afastou o interesse do trabalhador pela sua concretude.

No entanto, quando desempregado, o trabalhador não passa apenas por aperto financeiro. Sente mal cada vez mais, sente-se inútil, um fardo ou um peso. Sua autoestima desaba, seu orgulho fica ferido de morte. O trabalho foi rejeitado até antes do capitalismo como algo ruim, e hoje é a medida do homem (mas a medida de todas as coisas, mesmo se parecem ser homens, é o dinheiro…). O socialismo fará uma nova rejeição saudável do trabalho: tudo possível será robotizado, automatizado e informatizado. Teremos uma jornada de trabalho, para nossos padrões atuais, ínfimo, pequeno, como quatro horas por dia, de segunda à quarta. Além, claro, de um trabalho leve, intelectual e estimulador.

Pensa-se que os campos de concentração nazistas, como os estalinistas, como apenas depósito de gente, como prisões duras. Na verdade, tais campos eram tentativas de implementar a escravidão, por isso havia duro trabalho. Na porta de um desses campos estava escrito: o trabalho dignifica o homem. Não: hoje por hoje, nega o lado humano do ser humano, deve ser reduzido ao mínimo do mínimo necessário.

Os economista vulgares enchem a boca para dizer “taxa natural de desemprego!’. Querem que uma parte dos trabalhadores passe fome para, segundo eles, não haver inflação. Assim, uma taxa social é dita natural, um a força da natureza… A burguesia dominante odeia o pleno emprego e suas ondas de greves. Por isso, quer a economia morna, não aquecida.

Uma jornada de trabalho de 8 horas diárias é, hoje, com a modernidade e a tecnologia, imoral. Às vezes, com 4 horas destinado ao transporte, mais uma hora ou mais de alimentação e higiene para o trabalho – algo imoral. Reduzir a jornada diária para, por exemplo, 5 horas, com o mesmo salário, é necessidade moral urgente, humanizadora. Trabalhar para viver, não viver para trabalhar. A dignidade deve ser defendida. O trabalhador fabril sequer tem tempo de cuidar de sua saúde por meio de exercícios.

Para o senso comum, com razão, a escravidão é, hoje, algo abominável, inaceitável, imoral. O marxismo descobre que o trabalho assalariado é uma forma oculta de escravidão, escravidão assalariada. Ambos são imorais! Deve-se, portanto, acabar com qualquer forma de domínio do homem sobre o homem. Abaixo o regime de salários! Abaixo o dinheiro! A luta por salário e dignidade forçará ao fim da forma-salário, forma-preço, forma-capital. Trabalhar para outro ou morrer de fome – eis a liberdade burguesa! Trabalhar para si e para sua comunidade – eis a liberdade socialista!

 

MORAL E FÁBRICA

Marx demonstra que o patrão é um ditador na sua empresa, mesmo. Dentro de suas paredes de metal, nenhuma democracia. Se uma operária fala muito de política, logo o gerente a marca como possível sindicalista ou inimiga. Há uma luta oculta, recheada de manobras, entre democracia real e ditadura nas empresas.

Engels, um industrial, denunciou sua própria classe: os burgueses fazem da fabrica seu harém não oficial. Então, a imoralidade prospera. Mas não para aí: o ritmo, a velocidade, a quantidade de pausas – tudo é calculado e imposto sem mais, de cima para baixo.

É muito comum que os patrões tentem impor um produto mais barato, mas venenoso, na produção, contra a saúde dos funcionários e do meio ambiente. Eis uma luta moral! Tudo isso ocorre porque é imoral a divisão dos homens em classes, em ricos e pobres, a dominação o homem sobre o homem

 

DECADÊNCIA SISTÊMICA

A decadência de um modo de produção é, também, a decadência de um modo de vida. No capitalismo, por exemplo, a queda da taxa de lucro para níveis perigosos exige mais cinismo, mais luta, mais boicote e trapaça etc. Surge a moral imoral do neoliberalismo, sintoma do fim do capital. Na Roma antiga, as traições no Estado ganharam relevo nos seus últimos séculos e dias. Isso faz parecer que o problema todo é algo ético, ou seja, moral: os ideólogos (Platão etc.) passam, assim, a lutar por certa moral elevada, identificando aí – ao modo idealista – a raiz de todos os males sociais. É uma ilusão real, metodológica e prática. Debate-se moral e felicidade exato porque ela está ausente à mesa do cotidiano.

 

MORAL E DINHEIRO

O dinheiro não é neutro. Ele pertence a certo modo de vida, ou melhor, o modo de vida lhe pertence. É típico do mercado e de sua sociedade, o capitalismo. Mesmo marxistas experientes pensam que o dinheiro existirá no socialismo. Eis erro de principiante promovido por quadros estudados… Vejamos como será a coisa toda. Na próxima sociedade, os trabalhadores terão um cartão magnético ou aplicativo em celular que dirá ter sido útil à comunidade, ao estudar ou ao trabalhar, logo tendo acesso gratuito aos produtos da sociedade nos estoques públicos de seu bairro. Esses dados não circularão, por isso não serão dinheiro – não serão dinheiro porque não circularão. Melhor: esses dados, não se acumularão, logo não serão dinheiro nas mãos de poucos (mesmo que esses “poucos” seja o Estado). Os dados apenas informarão, via internet, ao supercomputador do centro de planejamento que tal ou qual, ou tanto de, produto foi retirado do estoque, por isso deverá ser reposto de acordo com o planejamento central e democrático, além de técnico.

É famosa a frase no meio de esquerda: mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo! Ora, assim, mais fácil imaginar o fim de tudo do que o fim do dinheiro. No socialismo teremos outras categorias sociais. O dinheiro não será “melhor distribuído” – ele terá fim.

A lógica do dinheiro corrompe as almas, mesmo. O dinheiro não é apenas ele – é ele mesmo e sua acumulação. Dinheiro em busca de mais dinheiro: valor e capital. É de sua natureza objetiva, social, promover a disputa, a guerra, o egoísmo, a tara por acumular etc. O inconsciente social faz com que o burguês pense que quer enriquecer apenas por sua própria vontade livre, pois há vantagens evidentes nisso, mas ele segue a lei cega e objetiva do capital, personifica-o, está subordinado ao desejo e à lógica do dinheiro. Sua subjetividade é a subjetivação da objetividade.

Tudo isso é fácil de observar: famílias, amizades, empregos etc. quebram-se com altíssima frequência por causa da alma social imoral, a moeda. Irmãos brigam como nunca pela herança, mal o pai morre. Casa-se por sincero amor ao dinheiro. Projetos sensíveis são abandonados por falta de verba. Escolas privadas querem fechar escolas públicas necessárias. Entra-se na política para roubar. O empresário sonha acabar com os direitos trabalhistas de quem lhe garante o lucro. E assim por diante, e assim por diante. O mundo torna-se um mundo invertido, de cabeça para baixo. É um inferno na Terra, pois todo nosso pensamento está guiado por e para uma coisa que nos controla, apesar de ser apenas um papel pintado ou menos que isso hoje.

Hoje, o dinheiro é um nada que é, porém, tudo – o próprio Ser, Deus material. Ou acabamos com ele ou ele acaba conosco. Por exemplo, vejamos: mesmo indo para rumo à extinção de nossa espécie, as pessoas atomizadas continuam a desmatar a floresta porque fazer isso lhes dá lucros. O médio prazo que se dane! De modo geral, apenas resolveremos a crise do meio ambiente acabando com o império do valor, do dinheiro. Inexiste meio-termo possível sobre: estamos diante de uma época em que ou resolvemos tudo ou nada se resolve.

O dinheiro garante, enfim, a corrupção. Não se pode corromper bem um homem dando-lhe uma tonelada de milho que não se troca por dinheiro. Já o dinheiro troca-se por qualquer coisa, fácil de transportar, fácil de valorizar (juros!), não se deteriora, fácil de esconder, fácil de guardar etc. Suas características são corruptoras, geram a “boa” condição para corromper. Abaixo o dinheiro! As propriedades de tal objeto empurram para degenerar a moral comum como se uma força irresistível.

Veja bem. Uma sociedade abundante é a base da solidariedade, do fim da exploração, do fim da alienação, do reino felicidade e da liberdade etc. Mas uma sociedade abundante coloca em crise o dinheiro, pois o preço não compensa, o preço tende a ficar abaixo dos custos de produzir! O mercado, o dinheiro, serve à e alimenta-se da escassez real ou, em nosso tempo, artificial.

 

MORAL E SOCIALISMO

Trotsky acerta quando diz que o homem do futuro pouco parecerá com o atual revolucionário. Ele será mais doce, mas a educação pública cuidará de fazer dele forte e autônomo. Os sacrifícios revolucionários de nosso tempo serão objeto de elogio mais parte de algo ainda bárbaro – o heroísmo forçado pelas circunstâncias. Tempos de barbárie e tempo de heróis andam juntos. O modo de vida socialista terá sua própria moral não revolucionária, fruto da realidade específica não revolucionária.

 

FETICHE: COISIFICAÇÃO DA LIBERDADE

 

A teoria do fetiche de Marx significa que algo social aparece como coisal, significa que uma relação social aparece como relação social entre coisas e o homem é coisificado. Nós temos a coisificação da liberdade humana, da igualdade e da fraternidade.

A liberdade humana parece ser a liberdade de ter algo ou propriedade privada, além de pessoal. Da minha casa para dentro, sou o rei. Não porque é meu lar íntimo humanizado, mas porque me pertence coisalmente. Quanto mais propriedade ou dinheiro, mais liberdade.

Assim, somos iguais porque trocamos coisas, não por uma relação diretamente humana. Assim, somos fraternos porque estamos no mercado como proprietários privados, não como proprietários sociais. Seríamos livres na medida das trocas ditas voluntárias.

Liberdade, igualdade e fraternidade são coisificados, fetichizados. Eles não seriam frutos de relações sociais, mas coisais.

Em sua ética, Aristóteles expressa:

 

Ora, a retribuição é garantida pela conjunção cruzada. Seja A um arquiteto, B um sapateiro, C uma casa e D um par de sapatos, O arquiteto, pois, deve receber do sapateiro o produto do trabalho deste último, e dar-lhe o seu em troca. Se, pois, há uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ação  recíproca, o resultado que mencionamos será efetuado. Senão, a permuta não será igual, nem válida, pois nada impede que o trabalho de um seja superior ao do outro. Devem, portanto, ser igualados. (Aristóteles, Ética a nicômaco, 1991)

 

Somos iguais porque nossos produtos são igualados como mercadorias. Por isso, Marx afirma que o reino aparencial da circulação reina com liberdade, igualdade, Bentham e fraternidade. Tudo se iguala porque as mercadorias estão igualadas.

Mas somos escravos das coisas, do dinheiro em especial. É preciso ter para ser. Ninguém é se faminto. O socialismo também é o reino do ter – desta vez, para que o indivíduo possa ser. É curioso que quase todo mundo, no Brasil, em quase todo o globo terrestre, deseje ser ou advogado, ou médico, ou engenheiro. Apenas. A verdade é que a vocação ou o talento quase nunca pende para tais profissões. Algo estranho naturalizado ocorre, portanto. Em parte, o sujeito torna-se coisa para o chamado mercado de trabalho – o salário e o prestígio da medicina geram um poderoso campo gravitacional. Adapta-se a uma força invisível, que impõe suas vontades.

Com o capitalismo, o mundo duplicou-se: parece que somos iguais, parece que somos pagos pelo nosso trabalho, parece que o Estado é um mediador não classista etc. O socialismo, enfim, encerra tal duplicação, tornando tudo transparente mais uma vez, de novo modo. O que no capitalismo é aparência e farsa ou ilusão objetiva, – como liberdade, igualdade e fraternidade: formais – será, em muitos casos, essência real no socialismo – como liberdade, igualdade e fraternidade: reais, substanciais, essenciais. O capitalismo anuncia o socialismo, mesmo se com trombetas desafinadas. Pesando a mão e desleixando do rigor: o capitalismo é o reino da aparência; o socialismo, da essência.

A liberdade, a igualdade e a fraternidade reais não são do tipo coisificado, reificado, fetichizado. É uma relação humana direta, que subordina o coisal mediador. E um fruto histórico, não apenas natural externo. Hoje, as mercadorias fluem quase de todo livremente pelo mundo – e você?

 

A FARSA MORAL DO CAPITAL

 

Um sistema de vida precisa justificar-se, mesmo que pela mentira, mas o capitalismo produz uma ilusão concreta e objetiva, não apenas e em primeiro algo subjetivo (a categoria de ilusão concreta, ou objetiva, apareceu como necessária em minha pesquisa). A farsa moral do capital está, por exemplo, no fato de parecer – com dados sensíveis empíricos – que o trabalhador é pago de maneira integral por seu trabalho, não pelo preço de sua força de trabalho. O lucro, o preço extra acima dos custos de produção da mercadoria, parece vir do cálculo frio e objetivo do burguês diante do mercado, da concorrência; mas o (mais-) valor e o preço “a mais” vem do trabalho manual não pago do operário, algo oculto. Parece que o capitalista enriqueceu por esforço e genialidade próprios, não por uma história de escravidão e outras imoralidades nas quais está lastreado seu dinheiro e seu prazer de vida – e não parece que o trabalhador o enriqueceu. O juro parece vir do empréstimo, dinheiro a gerar mais dinheiro, mas seu fundo de lucro é o trabalho manual e o trabalho manual não pago. Parece que o trabalhador é nada diante das colossais e caríssimas máquinas (capital fixo constante, trabalho morto), mas ele é tudo. Parece que a democracia existe de fato, mas é uma forma para que os pobres não matem os ricos. A forma de contrato entre o patrão e o trabalhador é a forma de um contrato livre e mutualmente aceito na circulação, mas é escravidão assalariada na produção, como se por detrás da vida cotidiana – ou trabalha para outra classe social, de conjunto, ou morre de fome; o fato de o trabalhador individual poder mudar de patrão individual oferece a ilusão de escolha e liberdade, mas, visto em totalidade real, o conjunto da classe trabalhadora serve ao conjunto da classe dos ricos, à burguesia.

 

MORAL E ECONOMIA

 

Óbvio para um marxista: a moral serve à economia, incluso em suas contradições, e, em última instância, deriva desta. A função social da moral está no centro econômico e, logo, na luta das classes. Mas dizer isso, para nós, ainda é dizer pouco, afirmação de princípio apenas. A economia, para funcionar, precisa estimular certa moral, mas cria também condições de moralidade que trava suas engrenagens.

Temos, portanto, a moral estrutural, como a coragem em si enquanto valor, também lastreada na essência humana – ser integrado, ser mutuaista e ser ativo. Tal moral é, também, em si e para si, natural. Por outro, temos moral conjuntural, diacrônica, vinda do modo de vida em cada tempo, em cada época, em cada modo de sociedade – em parte consciente e em parte inconscientemente estimulada. Claro que as duas morais podem entrar em contradição.

 

CRISE GERAL DOS VALORES

Pelo que temos demonstrado ao longo desta obra, a crise do valor econômico levou à crise do valor moral – e dos demais valores, como o artístico. Há uma crise geral do valor.

MORAL E RELAÇÕES SOCIAIS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MORAL E TRIBALISMO

A tribo tinha a moral como sua substância sem nela muito pensar. Sua moralidade desenvolveu-se. Por exemplo: podia-se fazer sexo com filhos, mas, com a deformação nos nascimentos, logo se deduziu que os deuses condenavam tal atitude, mudando a moral. Alguns, praticavam canibalismo; vez ou outra, percebiam o prejuízo disso.

Os antigos abandonavam seus velhos – como o capitalismo hoje não quer pagar aposentadoria aos trabalhadores anciãos. Naquele caso, por escassez. Neste, veja só, por excesso e abundância. Causas opostas com efeitos iguais em diferentes circunstâncias.

É evidente que a coragem era um valor nobre dos tribais, contra a valorização da covardia no capitalismo. O indivíduo era pouco – o coletivo era tudo, condição direta de sobrevivência do singular e do geral. São os heroísmos forçados pelas circunstâncias.

Nós nos apaixonamos pela moral indígena raiz, mas ela é sintoma apenas da moral superior socialista. As tribos são o comunismo da miséria, são obrigados a serem igualitários – o socialismo é o comunismo da abundância, a livre associação dos homens de fato livres, substancialmente.

 

MORAL OPERÁRIA, MORAL POPULAR

Não romantizamos o mundo operário, nem o infantilizamos. Nosso foco é, portanto, dizer a coisa tal como ela é.

Numa ocupação de terra rural, a coletividade, unidade e a disciplina torna-se máxima. Depois, terra ocupada, a solidariedade deixa de conduzir os sem-terra: disputam, brigam até, por qual pedaço será seu ou do outro. Algo semelhante ocorre em ocupações urbanas: qual rua será asfaltada?

Na ocupação de fábrica, ao contrário, se a empresa passa a ser gerida pelos seus funcionários, não se pode dividir a máquina em pequenos pedaços, um para cada um; por isso a coletividade permanece.

 

LADROAGEM E MAIS-VALOR

Para tirar o peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado.

No Brasil, imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da rotina bárbara de seus avós ou pais. Por isso, aqui é um bom cenário para dizer de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana.

Quando um assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso. Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe.

A luta de classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado é pura inocência de ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não tenha, hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno ao detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à organização das forças de segurança e assim por diante.

Há algo ainda a ser dito.

A ladroagem é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe, também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro; os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda.

Nas favelas dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários tornam-se unidades econômicas, “feudos” capitalistas. Cumprem função de Estado, como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram economicamente a comunidade.

No Brasil, como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem.

 

MORAL E AÇÃO SOCIAL

A moral, o que rege a relação do homem com o homem e do homem com o mundo, não é coisa; sua atividade nunca é específica. Ao contrário, certa moral permeia o mundo social e os homens, por meios deles e neles. É sua prática, o abstrato concreto.

 

 

O ÓDIO POLÍTICO

Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta, quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve estimular este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes sentimentos, nada grandioso e racional será feito. “Nada grandioso no mundo foi realizado sem paixão”, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve, pois há horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio como sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior qualidade.

 

MORAL E LIBERDADE

Em comentário informal, Valério Arcary afirmou que o lema “liberdade, igualdade e fraternidade!” avisa que cada um da tríade apenas pode existir se com o outro. Mészáros, defende a liberdade e a igualdade substantivas, mais do que formais. De fato, a liberdade apenas existe se com igualdade, vice-versa, a igualdade apenas há se com liberdade. É uma tríade una. A afirmação da individualidade é anticapitalista, pois o atual sistema nega o desenvolvimento pleno do indivíduo. Afirmar-se é quebrar o capitalismo. Assim, ao individualizar o homem, o capital cria sua cova e seu coveiro.

 

 

MORAL E OPRESSÃO

O machismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia etc. são formas de 1) domínio do homem sobre o homem, 2) desumanização de membros de sua espécie. Ligado ao combate operário, deve-se combater as opressões. Dividir para governar é a regra da burguesia na luta das classes.

Mas devemos confiar na causa, não ter medo da realidade nos refutar. Os homens e as mulheres são iguais ou diferentes? Ou um ou outro! Na verdade, um e outro: são iguais e diferentes ao mesmo tempo. De modo não determinista nem total, os homens tendem um pouco mais à violência e as mulheres, ao cuidado. Mas isso não determina destinos e perfis, pois somos sociais – naturais socializados.

O machismo, o racismo etc. são ideologias que geram sua própria justificativa. As mulheres gregas eram consideradas de pensamento inferior, por isso, elas eram excluídas, por isso, tinham pensamento inferior – por causas sociais, não naturais. Os homens brancos portugueses consideravam os de pela negra como inferiores; isso gerou pobreza entre os negros e seus descendentes, logo, os de pele escura são, por probabilidade social, mais dos membros ladrões, assaltantes etc.; na aparência, para os racistas, ser negro é ser vagabundo – mas a causa real é social, não natural. É como uma profecia que se afirma e se “confirma” exato porque foi profetizada. É um tipo de mecanismo que nomeio pseudonaturalização do social, mas podemos criar nomes melhores.

A homofobia existe porque casais do tipo não produzem nova mão de obra, filhos. O machismo existe porque o homem não quer trabalhar no cuidado dos filhos, na cozinha, no zelo da casa. O racismo surgiu para escravizar negros. A xenofobia existe para separar e dividir os trabalhadores e, assim, reduzir salários. Há outros fatores, mas esses hoje imperam. Por exemplo. A tarefa não é dar tarefas ao homem na casa (mas ele, naturalmente, deve ajudar), mas tornar social um custo que só cai sobre as mulheres – creches, lavanderias, restaurantes públicos, gratuitos e de qualidade, além de obrigatórios nas empresas.

 

MORAL: ADAPTATIVOS E ATIVOS

Friedrich Nietzsche afirmou que há ativos e reativos. Os primeiro são talentosos e solitários, expansivos; os segundos, menores e andam em bando. Ele generalizou isso para as classes de modo imprudente (defendeu, por exemplo, o massacre da Comuna de Paris). Percebe-se que há outra divisão: os ativos e os adaptativos. Os ativos elaboram, tentam, agem, comovem, pensam com a própria cabeça, insistem. Os adaptativos pensam do seguinte modo: O que devo falar e fazer para ser aceito no grupo em que estou hoje? Como entrar em harmonia com meu grupo? Qual lado devo escolher para evitar prejuízos pessoais? É com espanto indisfarçável que vejo ex-socialistas – embora não confessem que são ex – que até ontem defendiam a revolução comunista hoje apoiarem o governo. Bastou saírem de um partido para outro para mudar seus pensamentos, opiniões, posições e ações. Acomodam-se ao meio ambiente. Mas esse tipo fica para trás na história. Vele citar que, na revolução russa, Kamenev e Zinoviev, fizeram dura campanha contra a revolução, contra a tomada de poder pelo partido deles, o Bolchevique, presos à onda reformista e parlamentarista, mas depois assumiram cargos no partido e no governo soviético.

Ninguém é, via de regra, apenas adaptativo ou apenas ativo. Mas é comum também: o ativo se adaptar como ativo – o adaptativo ser ativo enquanto adaptativo.

 

LIBERDADES NEGATIVA E POSITIVA

Para Kant, a liberdade negativa é independência da natureza e do contexto; ao contrário, liberdade positiva, junta àquela, está em fazer as próprias regras, de modo independente. Para nós, liberdade negativa é o caos, viver sem regras e de modo leviano – o egoísmo exagerado, para além da individualidade, do capitalismo é um modo de negativa liberdade; ao contrário, a liberdade positiva tem ordem dinâmica, porém dinâmica, pois, por exemplo, disciplina é liberdade; deve-se guiar-se de mente aberta para acidentes, novas possibilidades e bons resultados muito não ideais. A positiva liberdade tem algo de caos dentro de si, subordinado a si, emoção com razão; reconhece e respeita a natureza, o contexto e os destinos nobres da humanidade, ou seja, quer melhorar o mundo de algum modo.

 

MORAL E REDE SOCIAL VIRTUAL

Os demais dão-nos medida; mas, quando estamos no mundo virtual amplo, por menor ameaça potencial direta, tendemos a perder a noção, a ser agressivos etc. Porém, o mais importante é que, aberto ou velado, quase tudo postado em tais espaços virtuais é sobre moral.

MORAL E SUPERESTRUTURA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MORAL E MAIS-PODER

Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho, o mais-produto e o hipotético mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal.

Com sua inocência, inevitável em sua época, Rousseau afirma que nenhum homem deve ser tão pobre a ponto de ter que se vender, nenhum homem deve ser tão rico a ponto de poder comprar outros homens. O mais-poder (político, econômico, machismo etc.) é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade da abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.

 

MORAL E REALIDADE

A versão popular e vulgar do pensamento de Rousseau afirma que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Ora: mas quem corrompeu a sociedade? O homem? Ficamos, então, num loop infinito sobre qual é a causa primeira, quem detonou quem. A resposta materialista e dialética parece ser esta: o homem cria seu próprio mundo, o mundo social, mas tal mudialidade, que produz o mundo das coisas, escapa de seu controle, as coisas dominam os homens atomizados, ganham autonomia. Assim, a sociedade coisificada corrompe o criador dela por meio de leis cegas, não decididas por ninguém – já que estamos em guerra uns contra os outros. O falso Ser coisal quer coisificar tudo, incluso o homem. A sociedade não é, imunda e imoral Margaret Hilda Thatcher!, a mera soma de indivíduos: ela é homens, coisas, ideias (sentimentos, morais etc.) e suas interrelações.

 

 

MORAL E ARTE

Em nossa crítica de outras obras, veremos que direito, religião, trato social e política são derivações concretas da moral abstrata. Esse o caso de outro abstrato, a arte. E ela é contaminada pela moral de sua época. Por isso, gozamos da vitória do bem contra o mal nos filmes. O recado é que, ao menos no final, a bondade compensa. Na antiguidade, a arte era controlada exato para ser meio de ensinamento de valores e outras artes. A arte está, via de regra, impregnada pela moral de sua época como um vestido que deve sempre vestir se não quer passar vergonha. A arte lubrifica as relações sociais morais, como a tribo fortalecendo sua unidade coletiva dançando inteira junta ao redor da fogueira. Jogando com palavras, ritmos e sentimentos; a arte tem valor educativo, normativo, na consciência e no inconsciente, ajuda a formar certo senso comum, mesmo que o artista não o queira. A cartase estética é, também, cartase ética.

 

MORAL, PORNOGRAFIA E PROSTITUIÇÃO

Regina Navarro Lins afirma com frequência que o que foi pornográfico (imoral, logo) ontem, passa a ser comum e aceitável hoje ou amanhã. O modo como nos vestimos seria escandaloso e inaceitável nos séculos passados desde a cristandade.

Nesse assunto, a esquerda tem o pé direto fincado. Boa parte da esquerda é criação das igrejas cristãs, que influencia nossos valores. Afinal, mais fácil uma agulha a um rico… Mas é o pé errado: a masturbação, por exemplo, nenhum pecado materialista torna-se.

A pornografia é mais uma forma nova, muito imperfeita, de viver a sexualidade. Não há evidências científicas de que ela vicia ou faz mal. No entanto, como para a psicanálise tudo é sexo (trabalhamos para vencer a guerra pelo sexo etc.), sentir prazer sexual sem trabalho, sem o esforço de conquista, degenera uma deformação mental, como menor tolerância ao esforço e à frustração. Apoiamos esta tese: mas, em geral, a psicanálise, com razão, não é contra pornografia e masturbação moderada – apenas condena o exagero.

Mas devemos evitar a terra sem lei: exploração, mau pagamento das atrizes, exposição involuntária, pedofilia etc. devem ser duramente reprimidos.

 Para os marxistas, o trabalho assalariado, servir a outro ou morrer de fome, torna-se uma imoralidade. Tanto a escravidão quanto o assalariamento são imorais, perversos e dignos de combate. Dito isso: em geral, o trabalho alienado assalariado é a forma mais antiga de prostituição. Uns prostituem o cérebro e as mãos; outros, o órgão sexual. Não há diferenças qualitativas aí. Mas a esquerda trata o sexo como, ao mesmo tempo, o mais sagrado e o mais profano dos profanos – tal e qual a Igreja. Em geral, o casamento também é prostituição, de longo prazo, mas não somos firme em seu combatem como os moralistas fazem contras as trabalhadoras sexuais.

 

MORAL E PROTESTANTISMO

Quem tem formação básica sabe que as rupturas religiosas da Igreja deram-se porque surgia um mundo novo, o mundo do dinheiro. Era preciso uma ideologia religiosa da prosperidade e do capital. Não entraremos na autoria teórica (Weber), ainda o debate é outro.

Os pastores ficam constrangidos com o novo testamento, com Jesus, uma das figuras mais apaixonantes da história mundial, que diz: antes um camelo a um rico, a caridade é maior que fé, deve-se combater o império, o dinheiro é demoníaco, bebamos vinhos e andemos com as prostitutas, atire a primeira pedra apenas se… etc. Focam, por isso, no velho testamento, a antiga aliança, não a nova, que tem o Deus da guerra, o Deus vingativo e sádico, a imensidão dos desastres etc. Da boca de tais farsantes ouvimos muito as palavras demônio e homossexual.

Do ponto de vista ideal, tais congregações crescem com velocidade porque estão de acordo com a moral dominante: dinheiro, querer mais dinheiro. É a teologia da prosperidade. Já a Católica é muito medieval (por isso, pende parcialmente ao anticapitalismo, como dirá Michael Löwy), passiva, humilde – e repetitiva em seus ritos.

Vejamos a defesa escravista do velho livro:

 

“Meras palavras não bastam para corrigir o escravo; mesmo que entenda, não reagirá bem.”

Provérbios 29: 19.

 

“O escravo que é mimado desde criança um dia vai querer ser dono de tudo.”

 Provérbios 29: 21.

 

 

"Os seus escravos e as suas escravas deverão vir dos povos que vivem ao redor de vocês; deles vocês poderão comprar escravos e escravas. Também poderão comprá-los entre os filhos dos residentes temporários que vivem entre vocês e entre os que pertencem aos clãs deles, ainda que nascidos na terra de vocês; eles se tornarão sua propriedade."

Levítico 25: 44-45

 

"Se um homem vender sua filha como escrava, ela não será liberta como os escravos homens."

Êxodo 21: 07

 

 

Ao “povo escolhido”, o problema não é escravidão – é eles não serem senhores de escravos! A proibição de comer porcos, frutos do mar (incluso peixes), fazer a barba, usar dois tecidos, tocar mulher menstruada etc. Tudo isso é ignorado, mas a condenação da homossexualidade é aceita como lei maior.

Preferimos os primeiros comunistas cristãos, embora utópicos:

 

Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e dividiam o produto entre todos, segundo a necessidade de cada um. Diariamente, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração.

Atos 2:45

 

Embora nunca tenha confessado, Marx inspirou-se nesta passagem. Ele defendeu que a bandeira comunista mundial do futuro tenha tal lema: “A cada um segundo sua necessidade, década um segundo sua capacidade!”.

De fato, o dinheiro, que não aceita limites, quer acumular cada vez mais e sempre, é o que a Bíblia nomeia Mamóm, o demônio pagão do dinheiro. Quando o Estado põe “Deus seja louvado” no dólar e no real, está dizendo, de outro modo, que seu deus real é a moeda.

No fundo, os fiéis sabem da farsa que é seu pastor. Mas precisam de um pouco de teatro, um pouco de convívio para superar a solidão, um tanto de prazer por solidariedade etc. Por isso, têm de afirmar toda vez e de modo insistente sua fé: pois, hoje, tendem a ser ateus naturalmente. Drogas, mesmo que não químicas, relacionais, são necessárias para suportar a vida - alienada. Se duas pessoas se unem contra a solidão apenas para combater de modo direto tal sentimento, tudo é constrangedor, nada funciona; nem conversa há. Assim, a religião oferece objetos concretos e abstratos para termos uma desculpa para nos encontrarmos, para termos o que fazer e o que conversar. No mais, saber que há anjos e demônios lutando por aí faz a vida parecer mais interessante, como um filme, menos tediosa, estressante e limitada.

Os comunistas cristãos podem contar, também, com as seguintes citações da Bíblia:

 

“Bendito sois vós, os pobres, pois herdarão o reino dos céus! Mas ai de vós os ricos!”. (Lucas 5:27-28)

: “É mais fácil um camelo entrar numa agulha que um rico adentrar o reino dos céus.” (Lucas 18:18-25 / Mateus 19:20-21)

“O homem rico é sábio aos seus próprios olhos; mas o pobre que é inteligente sabe sondá-lo”. (Provérbios 28:11)

“Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.” (1 Timóteo 6:9-11.)

“Quem amar o dinheiro jamais dele se fartará; e quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também isto é vaidade” (Eclesiastes 5:10).

“Não acumuleis para vós outros tesouros sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6:19-24)

 “Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade.” (1 Coríntios 13:13)

“E as multidões clamavam: Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia! Tendo Jesus entrado no templo, expulsou todos os que ali vendiam e compravam; também derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores.” (Mateus 21: 11-13)

 

MORAL E ATEÍSMO

Afirma Dostoievsky: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”. Ora, mas existe a educação, a natureza humana, a empatia, a lei e o Estado etc. Em geral, os ateus das classes trabalhadoras são pessoas acima da média na questão moral. Por quê? De um lado, o meio teatral da religião lhes escapa; de outro, eles precisam dar sentido à vida por meio da prática e de sua (re)significação. Há uma dose de inteligência também influenciando – mas boa moral e inteligência nunca serão sinônimos.

 

MORAL E GUERRA

 

A única guerra moral é a que liberta um povo, seja do capitalismo ou seja do imperialismo. Dito isso, o senso comum pensa a guerra como casa de ninguém, o vale-tudo enquanto máxima. De fato, a regra da guerra é enganar o inimigo. Mas, mesmo aí, os países e corpos de força foram obrigados a seguir certa conduta, um mínimo de civilidade. Assim, se um grupo de combate rende-se, deve-se, via de regra, de modo recíproco, aceitar a rendição e manter os rendidos, agora prisioneiro, vivos. A objetividade de origem é, também, esta: se garantimos que os desistentes serão bem tratados, mais inimigos quererão desistir. De outro modo, os seus desertores devem ser fuzilados em punição, ao menos uma parte deles para ser vir de exemplo sem perder tantos combatentes.

A violência pode ser um ato moral, portanto. É uma força produtiva, não apenas destrutiva, tal como o ódio. Espancar um homem machista que espanca a “sua” mulher é um ato louvável. Deve-se odiar a burguesia e o fascismo, por exemplo. A moral é relativa, ou melhor, relativamente relativa, sem cair no poço sem fundo do relativismo.

Lukács defende a tese de impacto de que a violência é social, humana, não natural. A violência animal não é, assim, violência alguma ou real. Resolvemos isso adotando a categoria de “natural socialmente modificado, adaptado ou desenvolvido”.

 

MORAL E TOTALIDADE

A vida individual é acidental, contingente e caótica. Uma solução é ligar sua vida ao destino da totalidade. Assim, a militância socialista liga o indivíduo ou gênero e seu destino.

 

 

MORAL E SUPERESTRUTURA

Superestrutura divide-se em duas: a subjetiva (moral, sentimento, direito, política, arte etc.) e objetiva, em resumo, instituições. Em seu desenvolvimento, no desenvolvimento social, a moral passou para a arte, para o direito, para a política, para a religião. Uma vez criados, ganharam autonomia cada vez maior, novas funções.

 

MORAL E NEUROCIÊNCIA

A neurociência é a área que mais avança por causa doa avanços técnicos e por seu um terreno relativamente novo na sua atual configuração. Mas ainda é um bebê, belo e imaturo.

Tal área demonstrou que a configuração do cérebro impõe certa conduta, ou seja, certa moral. Por exemplo: descobriu-se que um pedófilo assim agia porque tinha câncer cerebral; tirou o tumor, parou o hábito; mas o retornou de novo, pois o tumor retornou. È famoso o caso, também, do homem cujo cérebro foi atravessado pro um bastão de ferro – tornou-se irritadiço, agressivo, impaciente e intolerante.

Pessoas de direita costuma ter mais nojo, mais sensibilidade. Mas, de certa forma, esquece-se nisso a historicidade de tal movimento político. Pessoas de esquerda são, claro, via de regra, mais solidárias. Já os fanáticos políticos, de qualquer cor, tendem a ter sérios problemas sexuais, como impotência.

A moral é, primeiro, inconsciente; mas o cérebro é plástico, moldável e adaptável. Isso nos leva ao seu desenvolvimento. É evidente que o aparelho psíquico do adolescente é incompleto, mais perto da impulsividade e do risco (as meninas também são assim, mas reprimidas – então, por exemplo, namoram, maus exemplos etc.). A própria realidade, ao frustrar algumas ousadias, ajuda a desenvolver o aparelho mental que já evolver naturalmente. Por isso, o voto dos jovens não é obrigatório, mas facultativo – um acerto em si.

Dirá o poeta: nós, que temos ideias tão modernas, somos o mesmo homem que vivia nas cavernas. Somos naturais – mas naturais socialmente modificados, adaptados, mediados. O pós-modernismo e o marxismo vulgar relacionalista-sociológico, afetado por aquele, pensam que somos apenas frutos do meio, somos apenas construções sociais – sem contradição. O corpo seria mera carcaça. A dialética passa longe deles: somos, antes, animais, antes de sermos sociais – afirmação de Marx contra o idealismo, a filosofia de sua época e a religião (afirmação feita mesmo antes de Darwin lançar sua revolução). A negação disso é a alienação, uma dentre suas formas sociais. Somos animal social; animal, porém social – social, porém animal. Quando Freud diz que tudo gira em torno do sexo, diz muito e de modo materialista; pois, para o marxismo, o homem produz ferramentas e relações sociais para satisfazer necessidades reais – incluso as sexuais, cujas gravidades e centralidades na psique e no corpo são enormes. Sociedade precisa, pelo menos, se reproduzir… Claro: mudamos, adaptamos socialmente, na história, o modo de sexualizar.

 

MORAL E MORTE

Ainda por enquanto, a morte não foi enganada pela técnica. Quando e se ocorrer, gerará uma crise social: Deus? Aposentadoria? Para Camus, devemos aceitar a morde em forma de revolta contra o destino, mas nada de revolução socialista… Para Heidegger, somos um Ser para a morte, logo devemos criar uma boa vida enquanto vivos. O pior é alcançar a velhice sem ter vivido a vida, ter um mau balanço da própria história. Alguns escapam disso coma ilusão da vida após a morte: eu vivo, eu morro, eu vivo de novo… Mas é caminho perdido. Morrer sempre será um desastre da existência. Mas, como é inevitável, devemos lidar o melhor possível com o fato futuro.

 

MORAL E SUICÍDIO

É claro para o marxismo que suicídio costuma ser reação desesperada contra a alienação, contra a vida sem sentido. O mundo pesa mil toneladas sobre nossas cabeças. Quando a depressão começou a ser regra, também iniciou o hábito de romantizar o tiro sobre a própria nuca. A necessidade é, assim, tomada como se fosse vantagem. De fato, em situações raras, suicídios podem ser heroicos (explodir-se último com os fascistas numa guerra desesperada contra eles), mas não é a regra. É, via de regra, moral o suicídio? O autor dessas letras tentou quase que 10 vezes, todas falharam para minha sorte; portanto, há certa autoridade pessoal no assunto… A objetividade constrange a consciência de modo insuportável. O suicídio é condenável porque pune a pessoa errada.

 

MORAL E APARELHO PSÍQUICO

Na psicanálise, temos Superego (superEu), responsável pelo 1) ideal de Eu, 2) repressão interna; temos o Eu, ego, como mediador, o meio-termo; Temos, enfim, o ID, desejo e instinto. Cada um com seu impulso e nível de energia, tenta impor-se sobre o outro. Por isso, somos luta. Desejos opostos podem habitar o mesmo corpo.

O superego vem da experiência externa, trata-se de uma subjetivação da objetividade – internalização da lei. O que é externo, a repressão, torna-se interno, autorrepressão. Ora, da disputa do ID instintivo e do Superego surge o Ego.

Ainda assim, a estrutura está mal exposta. Existe um InfraEu, um eu interno. O Eu do ego é feito para o trabalho, para o externo, para o foco. Mas temos um Eu oculto até para nós mesmos, que, no fundo, decide. Ele sabe porque sabe, ele é porque é. De algum modo, tenta fazer valer sua vontade real, a demanda, como se por acaso. Manobra e luta no mundo.

O Ego, de fato, faz a mediação possível: quero devorar aquela moça (ID), mas medeio (Ego) dando-lhe meu telefone, desde a força relativa de minha moral (Superego). O ID faz experiência que produz superego, que produz – na relação – o ego. Este é duplicado-uno, ou seja, tem o Eu externo e o Eu interno, InflaEu. O inconsciente tem consciência de si.

Grosso modo, para Freud e sua tradição, a moral é obra do Superego, do SuperEu. Na verdade, trata-se de uma obra conjunta e autocontradiria. Os três, agora quatro, elementos unem-se de certo modo dialético para afirmar certa moral, para gera-la com determinada estabilidade instável porque dinâmica. A verdade é o todo e sua narrativa contraditória.

 

MORAL E IDEOLOGIA

Para Althusser, a ideologia impera até no inconsciente – acerta, errando sobre quase todo o resto. Também temos, por Lukács, a ideologia como falso socialmente necessário; depois, ampliou o conceito para tudo que se passa na cabeça (ciência, religião, moral, sentimentos etc.). Aqui, trataremos o fato da moral precisar, dentro de si, do que chamo de mediação ideológica. Pela importância do tema nesta obra, serei repetitivo sobre contra as exigências de estilo.

Os gregos usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia). Assim, neste mundo fixo, o senhor de escravos sempre será senhor dos escravos – o escravo continuará coisa, como se. Mudança não é algo agradável ao escravista grego – que tudo pare como as estrelas no céu! É assim como foi disfarçada, de modo inconsciente, a questão classista da felicidade e, ou seja, da moral.

Os medievais usavam Deus (teologia). Tal mediação ideológica supunha o perfeito, o dono superior da verdade superior. É aproximar-se de Deus, por isso, seguir a sua moral, ou melhor, a moral da Igreja, ou melhor, a moral do Senhor feudal. Existem, claro, outras mediações ideológicas: por exemplo, o laço social e de dependência das classes opostas se expressava de modo coisificado como dependência da terra, o servo não poderia abandonar o feudo terrestre. Mas isso apenas vale aqui como expressão de uma moral e sua mediação.

Os modernos elevavam o indivíduo (humanismo). O homem tornou-se átomo desconfiado, mais indivíduo, isolou-se, adotou a luta de todos contra todos. Seu foco é a individualidade da mercadoria e do dinheiro.

São formas de disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral. Veja bem; o mediador ideológico não é, necessariamente, uma ilusão mediadora: a luta pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e verdadeiro. É a nossa atual mediação ideológica necessária, na época de transição, de crise ontológica. Tal mediação é correta porque concreta, não mais externa ou como mera concepção.

Tudo isso se deu de modo inconsciente em geral. Os melhores pensadores enganavam-se sem saber, sem sequer desconfiar. Para eles, a empiria factual seria eterna: se assim aparece, assim é, foi e será. Mas a coisa é sendo, ou seja, a frase científica nega o movimento, quer uma verdade parada, estática. São vícios ocultos da linguagem que expressam vícios classistas.

O homem seria escravocrata, pecador ou atômico. E, de cada concepção, certa moral clara, mas com alguns pontos cegos. A mediação ideológica é, assim, uma necessidade social e do pensamento, quer seja, do pensador.

Das principais mediações de ideologia, temos as abstrações:

 

Abstração como cosmos, o geral.

Abstração como Deus, o puro (ou ideal).

Abstração como indivíduo, o separado ou isolado.

 

Tudo isso para evitar o concreto – o classismo, em principal – me seu movimento. Mas é porque o concreto está em movimento contraditório que se abstrai como fuga inconsciente.

Para avançarmos, uma clareza. Quando Marx afirmou que a ideologia é a forma como os homens tomam consciência de seus conflitos e, logo, de sua época – assim é para, enfim, agir. Não é apenas reativo e consequência: interpretar para mudar.

Outro modo de observar é este: a ética passa do geral ou universal, cosmologia, para, a mediação, o particular, isto é, um geral singular, Deus, teologia – enfim, o singular do humanismo, o indivíduo atômico. Tal avanço ocorre porque a liberdade aumenta no avançar da humanidade; por sua vez, tal liberdade aumenta por, grosso modo, aumento de produtividade.

 

MORAL E REPRESSÃO

Pensa-se a moral como puro reino da escolha ou da liberdade. No entanto, toda moral exige meios de repressão, controle e redução de danos. Regula-se. Pode ser a espada, a prisão ou um riso irônico. Pode ser até o próprio aparelho psíquico agindo sobre si como se sobre outro, outro de si. Somente a hipocrisia fala de pura liberdade, de livridade das opções. A vida é dura.

 

MORAL E CIÊNCIA

A ciência e a técnica apenas são neutras em si, se isoladas. Na história, temos uma ciência burguesa que é e foi progressiva em geral, pois, por exemplo, prepara o caminho do socialismo.

Os limites éticos do cientista é a humanização da humanidade e da natureza. Vários deles evitam criticar empresas para evitar perder projetos e patrocínios; não arriscam, portanto. No mais, como lei cega, como estamos divididos em luta, surge uma lógica impessoal do sistema: se um não faz certa pesquisa ou invenção imoral, outro fará.

De todo modo, seria errado culpar cientistas e engenheiros por desemprego causado pela inteligência artificial e os robôs. A culpa é do sistema – e de sua classe social própria dominante – que gera desemprego, do modo de vida baseado no lucro.

A ética científica não é só questão de uso e rumo da técnica: a que projeto ou classe o cientista filia-se, mesmo se finge ou pensa ser neutro?

 

SOBRE OS VALORES

O homem primitivo necessitou compreender cada vez mais as propriedades do mundo, ou seja, de modo rústico, já fazia ciência. Ao analisar o mundo, teve de descobrir – não criar – valores, valorizar; esta pedra é ruim para este machado, mas bom para tal tarefa. Pois bem; grosso modo, isso está em Lukács, então apenas vale tratarmos do assunto se algo novo houver para ser dito.

O valor artístico, por exemplo, dar-se pelo quanto de trabalho útil foi destinado na sua produção, incluso o ganho de habilidade do artista. Mas o guia é o valor de uso da arte, a mensagem. Se um “artista” dedica mil horas para pintar um quadro preto de preto, perdeu seu tempo.

Lukács diz da valoração com o exemplo do valor positivo de um bom vento para a embarcação. Ora, a diferença atmosférica deslocou ar de um ponto para outro, logo trabalho realizado. Na verdade, o valor tem origem direta em dois fatores opostos e complementares, unidos: o trabalho exigido e o trabalho economizado. Um mau vento exige mais trabalho, gasto extra – menos valor tem, menos bom é ele.

Considerado isso, que trabalho e economia de trabalho são ambos base da valoração, o que os unifica? O objetivo, a finalidade, o valor de uso – eis a medida, ou melhor, o lastro da valoração. Uma arte somente é arte se tem mensagem fictícia (podendo ser afirmada como bom, bem, ou mau, mal, elaborada).

Na relação homem e objeto, ou no trabalho-produção, a valoração divide-se, no contexto, em bom e ruim. Nas relações humanas, relações de produção e sociais ou pessoais, em bom e mau. Nada nisso de maniqueísmos, pois, por exemplo, um operário lutador da causa operária, logo bom, pode ser machista, logo mau. O que guia é o rumo da humanização da humanidade, o fim da alienação – a finalidade.

Assim, a valoração dos valores está lastreada, no trabalho, por isso, na história, por isso, nas relações contextuais, logo, na finalidade.

Já dissemos em outro lugar que o ouro vale muito porque se exige imenso trabalho para extraí-lo da terra. Mas tal imenso trabalho é exigido porque se exige muita energia-tempo-trabalho para produzi-lo nas estrelas, nas explosões estelares.

No social, o trabalho está ligado de modo direto e central com o problema da alienação, ou seja, da desumanização da humanidade. É moral o que economiza o trabalho e, ao mesmo tempo, preserva o trabalhador, algo que exige novas relações sociais de produção e novas superestruturas (instituições etc.). Tem valor, tem moral, aquilo que liberta o homem do trabalho manual e lhe dá saldável tempo livre, isto é, socialismo. O socialismo, a liberdade humana, a humanização do homem, é o valor dos valores – a meta inconsciente e, depois, consciente da humanidade.

 

MORAL E METAFÍSICA

Platão ascende a conceitos cada vez mais gerais e abstratos até alcançar o Belo, o Bom e o Bem. Para ele, os mais puros. Ora, existe um conceito ainda mais puro, geral e abstrato. O belo, o bom e o bem são o quê? São valor! Com tal conceito, na economia Marx foi de fato ao mais abstrato. O bem (coisa privada) não é o mais profundo ou, se quisermos, o mais etéreo: isso é o que está dentro do valor de uso, o bem, ou seja, seu valor invisível dentro de si. Marx poderia dar qualquer nome ao valor, já que é descoberta sua, mas lastreou a palavra na metafísica.

 

 

UMA ABSURDA TEORIA DO VALOR

Marx convida a duvidar de tudo, de todas as certezas – incluso as de sua poderosa produção. Dito isso, José Paulo Netto afirma que, quando se quer atacar ou adaptar o marxismo, foca-se em três eixos: contra a dialética, contra a teoria da revolução e contra a teoria do valor-trabalho. Nosso foco será a questão do último elemento.

Todas as tentativas de negar ou ver contradição na teoria marxista do valor são, quando muito, risíveis. Isso ocorre, simplesmente, porque ela está certa, completa e correspondente em alto grau à realidade. Os críticos confundem, por exemplo, valor e preço. Ora, por que a água, com a altíssima utilidade, apresenta-se tão barata – mas o ouro, carente de utilidade, tão caro? Eis contradição da teoria do valor subjetivo, do utilitarismo. Resposta: um exige mais trabalho social e humano para produzir em relação ao outro, muito mais.

Mas é possível afirmar totalmente a teoria marxista do valor e, ao mesmo tempo, superá-la? Façamos a digressão e o exercício apenas para fins filosóficos, pois é uma teoria de todo correta. Apresento, agora, minha própria teoria, que eu mesmo a nego!, do valor-matéria.

Marx começa sua obra coma seguinte pergunta: se duas mercadorias são qualitativamente, completamente, diferentes – como elas são igualadas? Como isso é possível? Ora, responde ele, são iguais porque são frutos iguais de trabalho humano! O tanto de trabalho gasto gera um tanto de valor, que as iguala no mercado. Mas, porém, todavia: elas não são completamente qualitativamente diferentes! Elas, as mercadorias, ou melhor, os valores de uso, são átomos concentrados, ou seja: – prótons, elétrons e nêutrons. São matéria e material igual, massa igual, ou seja, peso igual (com a gravidade). O que lhes iguala são suas matérias. Se o valor é energia, temos de ver que energia é massa (E=mc²), segundo Einstein.

Entremos mais no absurdo.

Primeiro. A máquina perde valor ao desgastar-se, ao desmaterializar-se.

Segundo. O dinheiro ganha valor ao materializar-se na forma ímpar, o ouro (átomo pesado); depois, perde valor ao desmaterializar-se (prata, cobre, papel, bits.).

Terceiro. Lamentamos muito mais a morte de um grande elefante contra a morte de uma reles formiga. Por instinto, associamos valor com materialidade – mais materialidade, aliás, mais raro, além e mais trabalho e energia exigir.

Quarto. Uma pedra mais material é, via de regra, mais útil e tem mais valor relativo a outra pedra inferior materialmente de mesmo tamanho.

Quinto. O ouro é difícil produzir nas estrelas, concentra muitos átomos.

Sexto. Tenta-se tirar componentes “desnecessários” da máquina para diminuir, assim, seu valor.

Sétimo. A deterioração de certa mercadoria também é sua perda de valor.

Oitavo. A abundância material é a base da liberdade e da felicidade.

Novo. Valor só pode existir dentro e junto de algo, de certa matéria.

Décimo. O que tem mais massa, em geral, mais matéria, tende a ter valor e preço maiores.

Décimo primeiro. A redução do valor e do preço da mercadoria está, hoje, ligada à redução de sua materialidade, ou seja, os produtor estão mais frágeis. Ou seja: valor-matéria.

Décimo segundo. Marx afirma que o valor de certa mercadoria (forma relativa) se expressa na materialidade de outra (forma equivalente). Assim, sua separação por um abismo entre valor de uso e valor cai e desaba para dentro de si: a medida dos valores e o padrão de preços, por exemplo, fundem-se, ainda que de modo a abarcar a diferença etc.

Décimo terceiro, enfim. A água é barata por sua molécula ser fácil de se formar, precisa de átomos simples e “leves”, pouco materiais, oxigênio e hidrogênio, abundantes por facilidade relativa de produzir. O ouro é caro porque, como observamos, seus átomos unidos são “pesados”, complexos, com mais matéria-massa concentrado, lago mais raro, logo mais trabalho para produzir na estrela e extrair da terra, logo mais caro via de regra e tendencialmente.

Décimo quarto. Vejamos a relação com a dialética. Marx exclui todas as propriedades físicas da mercadoria para chegar numa coisa-em-si invisível, o valor, a gelatina de trabalho dentro da coisa. Mas, contra Kant, Hegel afirmou, embora não tenha sido o único, que a coisa sem suas propriedades nada é – e que tais propriedades são, veja só, matérias ou materiais. Assim, a coisa-em-si valor nada mais seria que suas próprias propriedades, ou seja, sua materialidade. A coisa-em-si, o valor, é a coisa.

Décimo quinto. Tanto no mundo inorgânico (Sol, buracos negros etc.), passando pelo biológico (macho dominante, o mais alto etc.), quanto no social (concentração de capital, ter mais dinheiro, ter maior população etc.; ter grande casa ou carro, mais dinheiro etc.) ocorre o seguinte processo: mais matéria-massa concentrada, em relação aos demais e à média, logo, tende a ser a causa de atração, de ser orbitado, de agregar para si.

Assim, também, conectamos a teoria do valor-trabalho com a teoria da oferta e da demanda (procura). Algo é raro, logo, com muito valor por ser difícil de extrair ou produzir, porque tem mais materialidade – porque tem mais materialidade, é muito mais difícil. Por isso o ouro tem valor, sua raridade, ao exigir mais átomos para existir, exige trabalho extra.

A matéria é a própria realidade – por isso seu valor, sua base de valor. Quando dizemos que movimento = energia = tempo = espaço (meio) = matéria – dizemos, portanto, que a energia-valor nada mais é que a matéria. Assim fazemos a unidade, ainda que ainda contraditória, entre valor e valor de uso. Não mais externos um ao outro, não mais apenas estranhos.

Vejamos o parágrafo anterior. Marx diz que o preço da terra virgem não tem valor, pois não há trabalho gasto em sua produção, portanto, capital fictício; apenas há preço. Mas a terra, primeiro, tende a valer mais se ela é melhor, mais produtiva, então, mais rica materialmente! E, segundo, o oposto-idêntico-diferente de matéria é espaço ou movimento, logo, a terra mais diestante tende a perder valor, preço. Portanto: a matéria é a medida de todas as coisas!

Vale uma comparação histórica. Platão teve de dividir o mundo em dois opostos e separados: o mundo das ideias ou formas e o mundo da aparência ou material. Depois, em oposição, Aristóteles – ainda idealista, mas com toque materialista evidente – defendeu um só mundo, aqui, onde está a própria substância, a essência, o conteúdo, a forma etc. Marx dividiu economia em dois: mundo do valor de uso e mundo do valor. Agora, unifico ambos os mundos no valor-material.

Assim, o valor dado está ligado à sua

 

1)  Raridade

Que nada mais expressa além do

2)  Trabalho médio – social ou natural – exigido para sua produção ou economizado

Que é um dado gasto de energia expresso de maneira imperfeita no

3)  Tempo médio exigido em sua criação

Ligado, portanto, à sua

4)  Utilidade

Que é, por sua vez e em cadeia, expressão pobre de sua

5. Materialidade (valor-matéria)

Tanto no sentido quantitativo quanto, em principal, qualitativo.

 

Isso afastaria um tanto, como solução, o marxismo de sua necessária metafísica do valor – tão rejeitada pelos próprios marxistas, contra Marx. No entanto, não estou disposto a brigar essa luta, que é a raiz de 2 do marxismo. Uma ideia tão absurda, revisionista e pouco ortodoxa me levaria ao isolamento completo e final do movimento marxista, do qual dependo para mudar o mundo de vez e de fato. Recuo, portanto. Quem quiser correr o risco, deixo a base para o desenvolvimento posterior da ideia, seu desdobramento e suas deduções. Mas nada, absolutamente nada, garante que ela está correta ou sustenta-se na realidade, no argumento e na teoria. Incluso, pensa-se dela, a partir, parte do valor moral e do valor em geral. Mas um ponto de apoio seria que a empiria é suja, impura, concreta, impedindo a manifestação exata da lei do valor-matéria. Tal visão, enfim, reconecta o mundo dos homens com o mundo natural. Marx nunca poderia, ou teria imensa dificuldade de, criar a teoria do valor-matéria, que, grosso modo, afirma que o valor deriva de maior materialidade relativa. Isso ocorre porque a ciência, a metafísica (a verdade está no todo), a física, a filosofia, a Dialética da natureza e a sociedade ainda não haviam atingido seus ápices, de origem comum, durante sua vida. Quando Marx diz que se pode virar e desvirar a mercadoria, mas nela não se encontrará nenhum átomo de valor; esquece que a matéria, representada no átomo, é o próprio valor.

Piero Sraffa estaria orgulhoso por ser tão positivamente inspirado e superado.

 

MORAL E ADMINISTRAÇÃO

Nas empresas, o tema da ética é moda na proporção de sua falta concreta. Palestrantes são chamados para tratar do tema, dinâmicas “psicológicas” infantilizadas são feitas para criar confiança uns nos outros etc. Luta-se, sem saber, contra o problema de fundo: o sofrimento do funcionário, por falta de relações de confina, gera luta e lucro.

No campo da esquerda, coisa toda é muito complicada. Em geral cuida das tarefas de organização e administração o militante menos político, de classe média, com perfil de gerente, com ares autoritários etc. Mas a forma de organizar as coisas e as pessoas – objetividade – influencia a moral delas, além da política aprovada.

No socialismo, teremos de produzir bons e claros manuais de administração sob nova moral e perfil. O gerente será funcionário contratado pelos operários, nunca mais um todo poderoso manobrador e arrogante. De qualquer modo, comas fabricas de todo automatizadas, não haverá sobrem jugar seu despotismo e, então, o processo será muito mais técnico que subjetivo ou político.

Por hoje, como ensaio de governo, os comunistas podem, por exemplo, criar manuais claríssimos e completos de gestão sindical – comunista, ou seja, guiada por sua moral. Como garantir que os trabalhadores decidam os rumos da instituição? Veja-se mistura necessária de administrar e moralizar.

No Brasil decadente, a administração estatal decadente tende, como se força da natureza, a espalhar seu veneno pelo ar de toda a sociedade. Vejamos um caso. Em muitas escolas estatais do país, os diretores desviam verbas, por exemplo, aumentando a quantidade oficial de alunos acima da quantia real. Assim, o dinheiro que vem em sobra vai, desviado, para o bolso do administrador (em geral, eleito!). A causa de fundo são as relações monetárias imitadas e, por isso, também gerais. Por usa natureza, o dinheiro corrompe, deseja acumular-se. Um dos caminhos para resolver isso é dar ao diretor apenas valores de uso, os produtos consumidos na escola e pelos alunos, além de centralizar nacionalmente a contabilidade, além da distribuição, para facilitar descobrir erros. No Brasil, evitam digitalizar serviços estatais exato porque dificulta corrupção e desvios ou facilita descobrir erros.

 

MORAL E HUMOR

No tempo recente, debate-se a ética do humor e seus limites. Qual a medida de um humor correto? Ora, a democracia e suas regras não são decididas de modo livre e em livre acordo, são concessões de certa composição social. O humor, portanto, deve ter em conta a lei. Mas a arte, diferente de outras áreas, tem necessidade anarquista, de máxima liberdade. O certo, parece, será isto: o humorista faz o que bem quer no palco em relação ao conteúdo de suas piadas e sacadas – mas, em troca, deve tolerar e respeitar a crítica social, da opinião pública. Nada de reclamar da censura do meio. Eventualmente, isso lhe fará recuar de certos absurdos. Se o público ri de uma piada racista, o problema real e moral não está na cabeça do piadista.

 

MORAL, JUSTIFICATIVA E EXPLICAÇÃO

No senso comum, dizer que algo é sem sentido torna-se uma forma de afirmar que ele está errado. Explicar a base de um erro, que não é raio em céu azul, seria justificar o mesmo erro. Eis que isso é lógica formal inconsciente – quando, na verdade, tudo tem uma razão. Diz-se, por exemplo: “isso é errado, pois não tem lógica”. Mas serve para negar a contradição. No entanto, tudo é contraditório, apenas há lógica na contradição. Explicar não é sempre justificar.

 

A UNIDADE INTERNA E INTERPENETRAÇÃO DAS SUPERESTRUTURAS SUBJETIVAS

Vamos do abstrato ao concreto.

Na dialética de Hegel, o interno e o externo estão em unidade – e a diversidade externa tem uma unidade interna. Em nossa dialética, diacrônica, a diversidade unitária é contraditória, ou melhor, autocontraditória. Move-se para um lado ou outro, mas o geral é isto: a unidade interna torna-se, no processo, unidade também externa.

O capitalismo tratou de, diferente de antes, separar tudo no nível externo: Estado aqui, economia ali, religião acolá etc. Assim, ocultou e disfarçou a unidade interna verdadeiramente existente. A corrupção, por exemplo, um empresário subornar um político, trata-se de, no fundo do fundo, afirmação da unidade e interdependência interna na autonomia externa (política é – nada mais que – economia concentrada, dirá Lenin). O socialismo resolverá isso: o Estado cuidará da economia, o povo cuidará do Estado, o mesmo povo será armado sem polícia ou forçar armadas destacadas da sociedade etc. Sobre o fim da política no comunismo: a moral tira a política, sua expressão, da jogada no fim do socialismo.

Pois bem; em geral, as superestruturas subjetivas (tudo que se passa, entes, na cabeça) têm unidade interna e autonomia externa. Cabe à teoria perceber a realidade escondida de si mesma em si mesma. Da moral, desenvolveram-se, autonomizaram-se e ganharam novas funções – a religiosidade, a política, o sentimento, a arte etc. E criaram suas instituições, causa e consequência de tais ideologias. Vejamos o caso menos evidente: sentimento é igual à moral: sente-se moralmente, tem-se moral sentimentalmente. É uma só cabeça, autointegrada.

A religiosidade, com a religião, também é moral, também política; Bonaparte, então servidor dos novos ricos, que ninguém desconfiará ser comunista, afirmou que a religião existe para que os pobres não matem os ricos. O direito, que quer soar abstrato e impessoal, apolítico e objetivista, disfarçando seu laço íntimo com a totalidade, também é moral, também é política. O motor primeiro é a moral, incluso a moral dominante da classe (melhor, da objetividade) dominante em luta contra outras morais. A arte, sendo apenas arte, também é moral, também é – por isso – política. Por usa vez, a política tem algo de fé, mesmo, e algo de arte, e algo de direito, além de certa e inevitável moral, mesmo que cínica ou inconscientemente desconsiderada nas falas públicas.

Assim, do concreto amorfo, elevou-se, mas decaindo, o abstrato separado e externo. Depois, mais concretude, unidade, interpenetração. O abstrato é o concreto em processo. Exige teoria para ver o que está diante e atrás dos olhos… Os cientistas, em geral, inspirados na química, que em certas línguas significa que separar, apenas separam, classificam e reafirmam cada superesterutura, cada elemento. Não avançam, assim, para além do aparente, da forma, do externo, da diversidade e, ou seja, do senso comum. Na dialética de Hegel e, de certa forma, de Marx o abstrato e concreto são ao mesmo tempo apenas, sincrônico. Para nós, também diacrônico: o concreto, sendo ainda concreto, abstrai-se, quase isola suas partes, que devem depois reforçar a unidade – no nosso caso, o socialismo porá certa moral comum que colocará fim à política, ao direito, à religião, que na primitividade estavam reunidos como um só.

Até a ciência é, também, ética, embora seja cada vez mais mais do que isso e não só. Pois sua função é conhecer o mundo para melhorar a vida humana – mesmo com todo tipo de deformidade e mediação, mesmo que se desvie para fins imorais nas sociedades de classe (bomba atômica etc.). A ciência é moral prática.

Para termos toda clareza deste ponto, temos de entrar em assuntos preliminares. Lukács inspirou-se em Nicolai Hartmann, que pensou o pensamento humano, ciência e filosofia, como “intentio recta” e “intentio obliqua”. O intentio obliqua é focar no sujeito da pesquisa, não no objeto, por exemplo, perguntar-se e refletir “qual a capacidade humana de aprender?” O intentio recta, ao contrário, foca no objeto, vai ao objeto, por exemplo, tenta descobrir os limites do conhecimento humano pesquisando, não refletindo de modo abstrato sobre. Tais conceitos são gnosiológicos e se referem apenas ao pensamento, então Lukács os tornou ontológicos: intentio recta é focar no trabalho e na produção, como o homem deve agir no trabalho; intentio oblícua é focar, agir, no externo ao trabalho e na produção, ou seja, foca na ação do homem sobre o homem. Pois bem; todo esse rodeio necessário serve para dizermos que teleologia e moral são as duas categorias centrais da superestrutura subjetiva (ideologia, subjetividade, ou seja, ideias, sentimentos, moral, ciência, religiosidade etc.): 1) a teleologia tem foco central no trabalho e na produção, sendo categoria central do trabalho, ou seja, da intentio recta; 2) a moral é categoria central da relação homem com o homem, isto é, dizer como os homens devem agir entre si, fora ou para o trabalho, ou seja, intentio obliqua; categoria central, logo, da superestrutura em geral, objetiva e subjetiv). Enfim, ambas as categorias estão relacionadas, misturam-se, interpenetram-se e tornam-se na pratica a mesma eúnica; como trabalhar e se irá trabahar é uma questão moral, ética, além de teleológica ou do intentio recta.

Cumpre destacar, também, que para Lukács, igreja, justiça etc. são “instituições morais”, uma categoria genial. Complementamos isto: mudanças na superestrutura subjetiva, como na moral, lastreada nas mudanças na base econômico-social em questão, modificam, com atraso e com crise, a superestrutura objetiva (instituições) conservadora, ou a estroem, ou geram uma nova organização (embora esta, vice-versa, também influencie o que passa na cabeça dos homens). É, por exemplo, o conhecido caso da igreja protestante, glorificadora do sucesso e da riqueza, após o avanço do capital sobre as mentalidades; o Estado capitalista apenas pode cair após mudança nas mentalidades nas classes trabalhadoras, estimuladas pela crise e pelo partido comunista.

 

MORAL:SUPERDOTADOS, TDAHs E AUTISTAS

Em geral, por serem impulsos (também no bom sentido), superdotados tendem a ser humanistas, liberais contra conservadores, revolucionários, comunistas etc. – tendem a ter empatia acima, ou muito acima, da média. O mesmo ocorre, pelos mesmos motivos, com TDAHs, que podem ter destaque especial em muitas áreas. Já, por outro lado, o autista tende ao retraimento, ao foco em si, à dificuldade de emparia e compreensão do outro. Mas, entre eles, despontam alguns com altíssima habilidade especializada que ajuda a humanidade como pode, com certa clareza racional do bem comum. Os melhores costumam estar do lado dos oprimidos e dos subversivos, ainda que por meio de mediações.

 

MORAL E UNIVERSALIDADE

O senso comum marxista, o marxismo dos manuais, diz que tudo é história e tudo está dependente das forças de produção de cada época. Está muito correto, mas cai em historicismo vulgar. Como acerta muito, deixa-se de lado o erro lateral. Assim como há, para Marx, certa essência humana geral ao lado e por debaixo das históricas – há uma moral geral por debaixo das de cada época e sistema.

Eis a contradição em potência e em ato. A moral histórica pode afirmar, negar ou mediar a moral universal – total ou parcialmente. No fim das contas, a coisa acontece de modo caótico e misturado.

A coragem, tão valorizada entre os tribais, torna-se, assim, de fato, um valor universal. Mas a moral capitalista entra em contradição com a moral essencial – logo, evita-se ir ao piquete de greve para evitar a repressão policial. Já dissemos em algum lugar que avida é dura? Bem: pelo menos por enquanto, em sociedades de não abundância socializada.

Abstraído do contexto histórico concreto, indo ao abstrato e geral; torna-se claro que, entre conceitos opostos, um apresenta-se como o mais verdadeiro, o bom, o bem, o correto e o belo. Por exemplo, a lealdade ao leal sempre é superior à trapaça, mesmo se contra outro trapaceiro.

Mas conceitos gerais opostos – deve valer a pena listá-los, expondo suas lógicas comuns,  como Hegel listou as muitas categorias metafísicas em sua Lógica – podem apresentar um terceiro conceito, um terceiro antes excluído, mas que deve ser incluído. Como se “entre” o egoísmo e o altruísmo, temos o mutualismo, que supera ambos, unifica-os e preserva-os.

O contexto, no entanto, exige de nós mais do que a categoria de unidade não contraditória. Isso é descer ao chão, depois de tratar de modo geral, universal e abstrato. Tal método não é estranho ao marxismo: Em sua Ontologia, Lukács começou de tal modo sobre o trabalho, depois passou à concretude do trabalho em cada modo de vida – isso ele fez porque a realidade também é assim, reproduziu-a por sua sinuosidade.

Damos contexto ao parágrafo anterior. Há momentos de recuar e respeitar o medo. Há momentos de coragem, de avanço apesar dos pesares. Há momentos “entre” ambos, ao modo de Aristóteles. Ao modo de Hegel, há momentos de máxima imprudência necessária, afinal, nada foi feito de importante no mundo sem risco, sem ousadia e sem paixão avassaladora.

Que o marxismo dogmático e universitário pôr-se-á no polo oposto deste capítulo, algo esperado. Não posso nutrir ilusões. Toda ideia de fato nova, tanto mais se correta, causará resistência, pois toda superestrutura – como o pensamento-sentimento – sempre é conservadora, preservadora, contra os avanços ousados do conteúdo.

 

MORAL E BIOLOGIA

Já tratamos da natureza humana e da parte biológica da psique. Aqui, não ética em exato científica, nas modas do pensamento de uma época, mas ética baseada na verdade, o objeto final científico. Quando os primitivos perceberam que sexo entre parentes próximos daria em anomalias nos descendentes, a natureza impôs certa moral, a lógica real foi traduzida para a consciência e seus hábitos, a lógica ideal, embora com mediações como o complexo de Édipo e o complexo de Cronos (este, trato na Psique – por uma psicologia marxista). Contra o pós-modernismo: a biologia tem, sim, efeitos na moral-ética, como a preferência pela cooperação em nossa psique.

 

MORAL E QUANTIFICAÇÃO

O capitalismo adestrou nossas mentes para pensar tudo em termos de quantidade, de mais de quantidade, não em qualidade. Tudo deveria ser quantificado, embora nem tudo seja ou de modo de algum modo preciso. Com o mais-produto, mais-trabalho e mais-valor, ou seja, a exploração – Marx quantificou a moral, a imoralidade social.

O direito tenta tal obra, quantificar a moral. Assim, pelos valores sociais e nível de anormalidade, tenta-se medir o tamanho da pena, relativo e absoluto. Um assassinato consciente pode gerar, por exemplo, 30 anos de prisão – parece razoável à nossa moral, parece algo sob medida. Ou, diante da raiva social contínua perante a degeneração no país, prisão perpétua: uma vida sem vida por outra vida. Há algo real e algo artificial nessa tentativa de medir o sem medida. Um crime de assassinato feito de modo inconsciente ou em situação anormal pode gerar prisão mais leve ou até a libertação, o perdão do juri. A ideia antiga de “olho por olho, dente por dente”, fazer ao mau o mesmo mal feito por ele à vítima, trata-se de tentar de medir ainda em termos muito qualitativos. A moderna ideia de punição por indeniação e por multa bem revela o capital como preciosidade e como fonte de medição, o quantitativo em ato. O dinheiro é o quantitativo em ato.

Nossa teoria do valor-trabalho e do valor-matéria bem explicam a medida nexata de uma condenação. Os legalistas “fazem, mas não sabem” quando quantificam.

 

MORAL E CAUSALIDADE

Se tudo, incluso o cérebro, segue relações causais, necessárias, sem livre arbítrio, sem punição dos céus – então, kantianamente, ninguém é culpado ou condenável? Não. A punição humana serve como ação causal também, como reguladora, influencia o mundo e os cérebros.

 

FUNÇÕES FORMAL E INFORMAL

Como se, o fiel vai para a igreja louvar a Deus. Mas, sem saber, apenas aparece no templo para realizar doses de sua essência humana – e por uma regulação moral. As superestruturas e insituições possuem a função formal e a função informal, fora da consideração comum e sem forma. A arte existe de fato para tornar a vida suportável, mas tem uma lastro oculto na moralidade, um de seus centros de orbitação e de natureza. Apenas de modo externo e não essencial, além de parciale falho, as isntuições regulam a permanência da natureza humana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TESES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TESES PARA UMA ÉTICA MARXISTA

1.      A moral é objetiva, deriva da realidade, de sua concreticidade.

Como observamos sobre psicologia, por um meio não controlado de modo direto pelos homens, a concretude produz certo perfil mental, portanto, certa moral. A vida fragmentada produz moral fragmentária.

Tal moralidade não é decidida por ninguém e surge das condições objetivas. Por isso, a mudança de modo de vida, de produção, muda o modo de moral dominante. A moral dominante é a moral da objetividade dominante, não só da classe que domina; pois nem ela decide a moral real, prática.

 

2.      A moral também é intersubjetiva.

Por depender do meio e da sociedade ter certa moral.

Os homens constroem relações sociais e pessoais, além de sociais mediadas pelas pessoas. Assim, regulamos uns ao outros de modo recíproco, mesmo se falta reciprocidade. O homem apenas é em bando. Até o riso de ironia e a exclusão operam como repressão aos desvios.

 

3.      Enfim, a moral é também subjetiva.

Pois cada um tem experiências diferentes, singulares, que o moldam. Nesse sentido, a moral é, também, em parte, inconsciente, uma força às vezes irresistível e produtora da ilusão de total livre escolha.

 

4.      A moral pode negar a natureza humana, afirmá-la, mediá-la ou deformá-la.

Como dissemos, a natureza humana una tem três modalidades: ser integrado, ser mutualista e ser ativo. Elas são forças irremovíveis, mas nem sempre diretamente observadas. Um meio ambiente ético exige certa harmonia dinâmica entre ser integrado, ser mutualista e ser ativo

 

5.      O tema da moral ou ética, ou da felicidade, surge da contradição de um problema real, um problema moral concreto.

O tema da moral surge por problemas na moral. Se ele fosse existente de modo relativamente pleno, o debate seria desnecessário. A coisa estaria resolvida.

 

6.      A ética real e prática, ou a mesmidade que é a moral, pode ser algo “antiético”.

A visão ontológica da moral supõe que existe várias formas de moral, se quiser, de conduta; por isso, a imoralidade pode ser certa forma de moral condenável.

 

7.      Via de regra, não se sabe o que é certo na conduta a priori, sem contexto e sem finalidade.

O estupro e pedofilia, por exemplo, sempre serão imorais (os camponeses medieval que se revoltavam estupravam as mulheres do castelo para que seus filhos não tivessem o sangue dos poderosos – uma ação política, mas baseada na alienação). Mas há um leque de outras questões em que não dá para julgar de modo isolado, sem sua concretude total.

 

8.      Há certa dialética da moral.

Ela pode ser: a) funcional para o sistema; b) pode ser disfuncional para o sistema, mesmo que surja dele, de sua objetividade, de seu modo de vida (caso demonstrado neste livro); c) pode ser uma combinação de ambos; d) pode ser funcional e tornar-se disfuncional – e) ou o contrário, o inverso. Por isso Florestan Fernandes conclui por instinto o fim próximo do capitalismo por este gerar, em nossa era em especial, um convívio ético antiético.

 

9.      A luta comunista é pelo fim da alienação, sua finalidade, logo sua moral obedece a tal objetivo – ainda que por mediações.

Roubar sindicato ou desrespeitar a decisão de uma assembleia de base são formas de imoralidade, pois desumanizam o outro. Mesmos e os resultados forem bons no imediato, afasta-nos da estratégia, da humanização da humanidade.

 

10.  Cada classe tem, por seus hábitos e estilo de vida, tendências morais próprias.

Há certa moral geral - a moral dominante é a moral da objetividade dominante. Mas as diferentes classes vivem, de modo relativo, diferentes objetividades. A greve estimula certa moral coletiva. O ser isolado da classe média aristocrática tende a valorizar o individualismo.

 

11.  A filosofia da moral na história – na teoria e na prática – costuma usar um mediador ideológico.

Os gregos usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia), os medievais usavam Deus (teologia), os modernos elevavam o indivíduo (humanismo). São formas de disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral. Veja bem; o mediador ideológica não é necessariamente uma ilusão mediadora: a luta pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e verdadeiro. É a nossa e atua mediação ideológica necessária.

 

12.  Há saída para o imperativo categórico.

Fazer algo, ter uma postura, porque é certa em si mesma não se sustenta. Erra Kant. Pois quase tudo é, apenas, em seu contexto. Mas ele diz: não fazer aos outros o que não quer que façam contigo. Como se houvesse indivíduos e iguais apenas. O imperativo categórico mantém-se se é, sob novo significado, imperativo de uma categoria, categorial, a emancipação, fim da alienação, liberdade e felicidade individuais e coletivas.

 

 

 

13.  A moral comunista é rígida, mas sua aplicação é dialética.

A mesma causa, certa postura moral, pode causar ações diferentes, até opostas. Aqui, somos obrigados a dizer a verdade; ali, somos obrigados a mentir, a manobrar (na greve contra o patrão, por exemplo, se temos margem de manobra).

 

14.  A moral, antes, inicia-se na prática, depois é estruturada, defendida ou criticada e ampliada de modo consciente.

Pensa-se a moral como algo racionalista, que vem de si mesma, como se fosse primeiro motor. Nada se passa na mente que não as passa na realidade.  A moral socialista, pro exemplo, é uma amplificação da moral já existente por meio das lutas operárias.

 

15.  A luta socialista é também uma luta por uma sociedade ética, de boa moral, e cria as condições para tal moralidade, mentalidade.

Um semimarxista como Elias Jabbour diz que marxismo não é moralismo – como se moralismoe moral fossem a mesma entidade. Isso ocorre porque seu partido, o PCdoB, é uma organização degenerada, que falsifica, agride, boicota, corrompe etc., enfim, estalinistas seguindo suas tradições… A imposição de uma vida ética é equivalente a impor o socialismo.

 

16.  O comércio é o mundo da trapaça, da tentativa de barganhar – o mundo capitalista é o mundo comercial.

É impossível boa ética no capitalismo por causa de sua própria lógica irracional. O valor-dinheiro não conhece limite, quer ser dinheiro em busca de mais dinheiro. Por isso, a corrupção é a regra. O funcionário do comércio tem de mentir ao cliente para convencê-lo a comprar os produtos da loja. O engano torna-se, assim, obrigatório. Por isso, o homem esconde quanto ganha, um tabu.

 

 

17.  Enquanto existir ricos e pobres, haverá corrupção.

Querer melhorar de vida é um desejo impossível de largar. Quando o primeiro homem, dirá Marx, calçou os pé, nunca mais foi capaz de andar descalço. Portanto, quer-se ascender na vida. Enquanto houver o conceito de rico, haverá o de pobre. Quando classes sociais não mais existirem – quando formos apenas indivíduos –, os corruptos e os corruptores serão extintos, não haverá o que disputar.

 

18.  Certa moral deriva de sua necessidade.

Isso é base hegeliana – Hegel, aqui, acertou.

 

19.  Os fins justificam os meios, mas os meios também justificam os fins.

Maquiavel é sinônimo de oportunismo e manobra, mas isso é exagero completo. Ele apenas era realista na sociedade que propunha e um pensador seríssimo. Mas o meio já deve ser a realização, ainda que parcial e tendencial, do fim; o fim realiza-se no processo do próprio meio. Eis a dialética de fim e meio que Trotsky, como Hegel, não entendeu (no entanto ele deixa cristalino, contra o estalinismo, que o meio deve ser o meio correto de um fim).

 

20.  A crise sistêmica, ao elevar tensões, produz crise ética, moral.

Como a objetividade afeta a subjetividade, até determinando-a em muitos casos, a exacerbação da luta de todos contra todos tornará avida mais difícil. No começo, aos vencedores as batatas! Mas essa crise é de abundância, não de escassez. Com o tempo, os de baixo serão obrigado a ações de moral elevada.

 

21.  Ao forçar a luta de classes, o capitalismo força a classe operária a adotar certa melhor moral, como a unidade coletiva, para ser vitoriosa – assim, o capitalismo faz surgir as concepções morais, boas e ruins, que serão partes de sua destruição.

 

22.  A moral do capitalismo em seu ocaso volta-se contra o próprio sistema, ajuda a torná-lo insuportável.

 

23.  Impossível uma obra de ética final, conclusiva nos aspectos gerais, sem uma concepção correta de homem e de sua psicologia.

É o que fiz em toda minha produção teórica. Desse modo, a produção da obra Ética torna-se, enfim, possível.

 

24.  O autor de uma ética definitiva, de clara inspiração marxista, deve, antes, ter passado por uma grande rede de experiências, ter vivido a vida, ter sofrido – ser muito mais do que um rato de biblioteca.

Isso parece pouco, mas é preciso ter mais do que olhos para ver a verdade. A individualidade, os perfis diferentes, existe, logo temos diferentes e variadas capacidades. A ética exige um autor ético. Isso é ciência materialista de fato: nenhuma economista burguês conseguiria chegar à verdade sobre a economia – apenas Marx, o economista do movimento operário, foi capaz de ir tão profundo quanto necessário.

 

25.  A decisão de regras moral não é, primeiro, gnosiológica, por leis artificiais.

Aristóteles diz que a felicidade depende de uma sociedade organizada, justa e saudável; mas a ética surge exatamente porque não há eticidade na prática, porque surge a necessidade de pensar sobre ela – realidade adoecida e sua reação contra ela. Ele também afirma o meio-termo, o bom senso, entre estremos de comportamento; mas o que comanda não é a ideia, uma lógica a priori, a realidade é maior; pois isso, há momento para respeitar o medo, há momento de coragem e há momento de máxima ousadia.

 

CATEGORIAS DA ÉTICA

Além do valor em si, lógica formal, a dialética demonstra que há um valor no contexto, na situação: uma categoria é algo ou seu oposto, bom o ruim etc., segundo suas circunstâncias.  Deve-se, então, analisar a situação concreta, por inteira. Já dissemos que, via de regra, há hora de uma posição moral e há de seu extremo oposto, ou, também, do meio-termo. O mundo é maior que nossa cabeça, ele manda. Além do mais, fácil reconhecer, de modo geral e abstrato, qual das categorias em jogo é, via de regra, superior. Os conceitos opostos extremos são, a maioria:

 

Bem e mau

Sim, o mundo divide-se em, na essência, bem e mau. A realidade é, ainda, maniqueísta, embora evitemos considerar isso. Claro: ninguém é perfeito e flutuamos entre um e outro – mas flutuamos dentro de certos limites.

 

Bem e mal

Há o trabalho bem feito – e o mal feito.

 

Bom e mau

Toda atitude em relação ao outros homens e em relação à natureza pode ser julgada, em separado, assim.

 

Bom e ruim

Julgamentos sobre as coisas podem ser imorais se deixarmos de julgar de modo honesto quando ou quanto bom e quando ou quanto ruim. Por exemplo: ao vender um produto do qual tirará sua comissão extra.

Na finalidade, o “bom e ruim” passa a palavra para “útil e não útil”, algo mais objetivo.

 

Felicidade e tristeza

A moral busca a felicidade, acima do prazer. Mas a tristeza, vez ou outra, torna-se necessárias: os sentimentos não são arbitrários.

 

Coragem e covardia

Fácil ver qual o superior, mesmo com o meio-termo da prudência. A covardia costuma ser disfarçada sob o nome de prudência ou tradição etc. Às vezes, devemos perder a noção e arriscar tudo. À vezes, devemos respeitar e ouvir o medo (mais uma vez: os sentimentos têm razão de ser, devemos respeitá-los).

 

Lealdade e deslealdade

Devemos ser leal apenas ao leal. Há, portanto, exigência de reciprocidade.

 

Luta e fuga

O mesmo hormônio, adrenalina, serve para preparar o corpo tanto para fugir quanto para lutar. Há unidade dos opostos na mesmidade hormonal. Recuar nem sempre é um mau caminho: a ofensiva permanente e a todo custo já foi a desgraça de muitos.

 

Ativo e passivo

Não há porque ver algum valor na passividade. Somos, enfim, seres ativos, construtores, desejosos íntimos de autonomia e liberdade. Certa vez, ouvi um marido reclamar que a esposa parou, de repente, de fazer sexo com ele. Com um tanto mais de conversa e desabafo, além de álcool, descobri que isso aconteceu desde o dia em que ele arranjou um novo e lucrativo emprego; desde então, ela passou a depender financeiramente dele. E o amor acabou: sem querer, ela afirma sua humanidade e individualidade negando o sexo.

 

Firmeza e maleabilidade

Deve-se ser, ao mesmo tempo, firme, ativo e adaptativo. Mas há limites em tudo. O oportunismo começa quando a maleabilidade degenera no vale-tudo. Devemos ser duros e doces como a rapadura.

 

Dialética e teimosia

Respeita-se as condições, modificando a ação. O contrário disso, o sectarismo, põe a ideia acima da realidade.

 

Amor e raiva

O ódio é tão justo quanto o amor: ambos são necessários. A questão é administrá-los, mediá-los e tomar boas decisões.

 

Racional e irracional

Para viver bem o racional, precisamos, também, descansar o cérebro e respeitar nosso lado emotivo, vulgar e animal. Mas sempre pondo a razão acima do não planejado, do impulsivo, do dionístico etc.

 

Emotivo e frieza

Deve-se ser objetivo, mas sabendo que sempre somos afetados emocionalmente. Conscientes disso, tentamos calcular da melhor forma e maneira. A frieza nada ajuda, por outro lado: precisamos sentir também com emoção o estado da realidade. Acima de ser parciais, devemos ser objetivos, mesmo escolhendo um lado.

 

Sinceridade e mentira

Mentir apenas por uma razão maior: salvar-se de um sequestrador etc. Mas cultivar a sinceridade entre os seus. No mais, nossas relações pessoais precisam de uma dose de mentira para amortecer conflitos potenciais – mas, em certo ambiente, como o militante, torna-se inadmissível.

 

Coletividade e egoísmo

O coletivo apenas deve ser respeitado na medida em que ele, na prática ou no projeto, quer elevar e respeitar o indivíduo. Somos diferentes e o socialismo deve afirmar tal diferença. A individualidade é uma das mais poderosas conquistas da humanidade. Mas ela, em nosso tempo, pende para o egoísmo, uma inflação sempre nociva.

 

Altruísmo e egoísmo

Ambos devem ser superados, mantendo o prazer de ambos, por meio do mutualismo, pois há prazer em doar-se e em receber.

 

Solidariedade e egoísmo

A solidariedade é a base da sobrevivência possível de nossa espécie.

 

Tolerância e intolerância

Deve-se intolerar os intolerantes. Deve-se tolerar os tolerantes.

 

Disposição e preguiça

O tempo livre e o nada fazer são necessidades: nada de ócio criativo ou produtivo. Precisamos de pausas estáveis para melhor render nas atividades. Dentro de todo preguiçoso há um oprimido – pois agir é da natureza humana. Claro, a preguiça desmedida deve ser punida. Come quem trabalha!

 

Respeito e desrespeito

Isso inclui o autorrespeito e autodesrrespeito. Ouvi de certa mãe dizer que de fato desrespeita seu filho porque ela carregou ele por 9 meses… O filho, adolescente, percebe a incoerência prática e moral.

 

Responsabilidade e irresponsabilidade

Não conheço qualquer situação que justifique a irresponsabilidade. Isso tem seu lastro na comunidade e no trabalho: as coisas devem funcionar como devem. Eis um dos casos categoriais absolutos, não relativos.

 

Elogiosidade e bajulação

Também caso absoluto. Devemos elogiar de fato e de verdade, quando de verdade e de fato. Nunca a bajulação consciente é honesta.

 

Elogiosidade e calúnia

Deve-se dizer a verdade, muitas vezes mesmo que isso promova processos por calúnia. Mas o lado caluniador, quase sempre na história da humanidade, já estava errado de início, tem intenção oportunista. Por saber que está errado, logo em desvantagem, tenta virar o jogo com jogo de acusação. Marx foi caluniado, quando vivo, de espião etc. por um certo senhor Vogt. Ele foi, assim, obrigado a responder às acusações, tão forte era a campanha. Escreveu um livro de sucesso em seu tempo, hoje esquecido, que levantava uma hipótese: o seu acusadrs, o senhor Vogt, era agente do governo alemão infiltrado no movimento operário… Dito e feito: após sua morte, foi a público documentos que demonstravam sua relação com os serviço secreto daquele país.

 

Mediação e autoritarismo

Deve-se ter espírito democrático, mesmo. Tolerar a discordância, colocar a voto, mediar quando possível e bom (o que nem sempre é o caso), evitar levantar a voz para ganhar no grito de autoridade. Ganhar posições de pensamento e resolução por meios estranhos é um derrota, embora pareça uma vitória – aliena.

 

Realidade e cinismo

Deve-se chamar as coisas pelos seus nomes, nem mais nem menos, na medida exata. Mesmo que doa, mesmo que gere isolamento por algum tempo, mesmo que soe amalucado. O cinismo faz diferente, contamina a realidade com acordos e meio-termos.

 

Orgulho e arrogância

Sejamos orgulhos, não arrogantes. É uma linha tênue, mas é ainda uma linha. Alguns ou sentem-se muito menos ou, depois, muito mais. A realidade não é assim, purificada e dura.

 

Orgulho e vaidade

A boa vaidade pode ser positiva, até uma força motora construtiva se bem guiada. Isso tudo junto, com quem ela anda, com a inveja dos outros.

Trotsky certa vez relatou uma visita ao Papa do socialismo, Kaustsky. Disse: o homem era um poço de grande humildade. Ele era humilde, porém, oportunista que era, porque o mundo lhe elogiava. Sua vaidade era, assim, externa a si. A vaidade negativa e excessiva é uma defesa dos fracos, humilhados, derrotados, isolados etc. Precisam de um compensador subjetivo para uma realidade imprópria e oposta, hostil.

 

Honra e desonra

Honra-se quem tem honra. De modo algum, a desonra, em relações normais, tem algo válido.

 

Confiança e desconfiança

Deve-se desconfiar de tudo. Confiar demais gera, em reação inconsciente, paranoia. Desconfiar de modo permanente, e tudo querer controlar, também. Devemos dialetizar ambos, misturá-los numa receita tão balanceada quanto possível.

 

Paciência e impaciência

Embora pareçam absolutos, não são. São relativos: às vezes, deve-se perder a paciência, após cultivá-la. A impaciência é, em si, um erro; mas também depende de seu contexto.

 

Poderíamos preencher os olhos do leitor com firulas e sacadas elegantes sobre todos os pontos acima, um por um. Mas é desnecessário. É claro, por exemplo, que somos imperfeitos por natureza, que misturamos os opostos na prática. Surgem, ademais, leis como desrespeitar os desrespeitadores, ser egoísta contra os egoístas, ser desleal apenas contra os desleais, respeitar apenas os que respeitam, ser tolerante apenas com os tolerantes etc. Eis regulações, reciprocidade.

Temos, então, dois tipos de relação categorial – a relativa e absoluta. Numa, um conceito exclui de pronto o outro. Noutra, um conceito mistura-se com o outro. O erro comum é misturar de modo exagerado as duas classes: relativas, mentir ou matar tornam-se uma proibição de pedra, lei de pedra, absolutas, dos 10 mandamentos, mas há situações e situações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INVERSÃO, INVERSÃO MORAL

 

O jovem Marx faz observações perspicazes. Entre elas: um burguês, mesmo que analfabeto, certamente é um gênio, pois o cientista é seu funcionário – como seria menos inteligente se superior na hierarquia social, se o contrata? O burguês feio torna-se o mais bonito e sedutor por natureza quando com seus bolsos cheios. Se alguém vil, torna-se logo alguém admirável.

A inversão social presente, parece necessária. No entanto, a questão de sua necessidade ainda permanece oculta. Na dialética, o que é sorte no mundo que aparece revela-se azar no mundo essencial; o que é moral em um é, ao contrário, imoral em outro etc. Por que assim, também, na inversão?

Lula é o maior serviçal da burguesia na história deste país, mas aparece como grande líder social. As classes e regiões mais pobres mais votam nele, como se uma gratidão antiga. Ele é de todo consciente de sua farsa, e a alimenta para preservar o governo e o regime.

Por outro lado, Bolsonaro é o mais incapaz de governar, mas parece como o mais capaz para muitos; o mais oportunista, mas parece como o mais honesto; o mais entreguista, mas parece como o mais nacionalista; o mais fraco, mas aparece como o mais forte.

Os seguidores de Bolsonaro sabem, no fundo, que ele é um idiota oportunista e, exato por isso, afirmam dele o contrário. A necessidade social relativa, em certas classes, por um político de traços fascistas gera necessidade de falsificação, de inversão. É preciso afirmar todo dia o contrário daquilo que é ele, sua natureza.

Bolsonaro e Lula aprenderam ou têm o jeito de povão, como se um membro da família. Tal manha é necessária para ganhar simpatia popular e voto. Eles comem carne importada como se fosse alguém popular.

A necessidade de ilusão, inversão, ocorre junta da necessidade da autoilusão, uma expressão dela. Hitler era alguém risível, para quase todos incluso apoiadores, mas todo um teatro social formou-se para tê-lo como alguém quase místico.

A tragédia torna-se farsa; a farsa, tragédia. É insuficiente perceber o fenômeno, pois também devemos, mesmo que grosso modo, explicá-lo. O imoral parece como o moral; o moral, como imoral. Os atores e seus perfis trocam de papéis segundo o público que mal interpreta o teatro.

Há uma necessidade social, ideológica, de justificar a vida, as coisas tal como são – mesmo que para isso necessitemos usar de certa maquiagem ideal, sentimental etc. Ver tudo de cabeça para baixo ocorre porque tudo está, de fato, de cabeça para baixo. È o terror bíblico do justo passar por injusto, e vice-versa. Por exemplo, Trotsky, o homem mais pleno de moralidade no movimento comunista durante a era Stalin, foi caluniado em todo o mundo como mais imundo, fascista, infiltrado, oportunista etc. E Stalin, um dos maiores oportunista da história, foi visto como pai dos povos, justo etc. O injusto deve sempre vestir a roupa aparente de seu inverso, de seu contrário do contrário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EXPOSIÇÃO DIALÉTICA DE NOSSAS IDEIAS – CRÍTICA DA ÉTICA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VÁZQUEZ

 

Vázquez escreveu um livro, Ética, que ganhou bastante fama de seu tempo até nossos dias. Ele apresenta a obra como introdução à área, mas isso é um engano: certa visão clara e específica sobre moral está exposta por toda sua obra aos estudantes e aos leitores. Trata-se de um marxista, por isso, para pensar uma ética marxiana, temos de ver se o autor citado já ofereceu, ou não, as respostas necessárias. Vejamos suas concepções erradas, uma a uma:

 

1.  A ética não tem princípios universais.

Primeiro erro, pois, além de elementos históricos parciais, de cada modo de produção, há elementos gerais.

 

2.  A ética é teoria.

Para ele, a ética é teoria da moral – mas a ética é também ontológica, real, não apenas gnosiológica, do pensamento.

 

3.  A ética é ciência da moral, não filosofia.

Confunde ética com história da ética como pensamento e como realidade. A questão se resolve, portanto, assim: ética é tanto filosofia quanto ciência porque filosofia é ciência.

 

4.  A ética é racionalista.

Ora, hoje sabemos que o pensamento está lastrado em fatores inconscientes irremovíveis.

 

5.  Ética pressupõe conduta.

Mas o crescimento do debate moral só pode surgir se 1) há sua ausência, 2) cresce o número de opções reais.

 

6.  Moral são normas.

Não necessariamente, pode não haver listas para certa moral.

 

7.  Moral nada tem a ver com natureza humana determinista.

Porém, o homem pode, sim, agir contra sua própria natureza humana, se ela existe – e existe. Ele não vê que, se a natureza humana é histórica, também é histórica a formação de nossa espécie.

 

8.  Se é inevitável, não é imoral.

Para o autor citado, a escravidão antiga promovida pelo senhor não era imoral porque inevitável. Mas sempre há alternativas. O burguês não seria imoral por empregar crianças, pois é vítima de uma lei cega e impositiva…

 

9.  O normativo é diferente de moral.

Deixa, assim, de ver que o normativo e a moral derivam ambos do factual.

 

10.            Os participantes aceitam livremente certa moral.

Isso é metade verdade, metade mentira, pois desde o berço somos condicionados.

 

11.            Moral e religião são diferentes

A religião vem, em grande medida, da moral – forma de manter e impor certa moral.

 

12.            Moral e política são diferentes

Também aqui não vê a unidade interna da diferença. Toda tarefa é impor certa moral na política, fundi-los e livrá-los de suas separações, algo realizado no socialismo.

 

13.            Moral e direito são diferentes.

Mas concepção moral dominante produz o direito dominante. A moral também cria meios de repressão, ainda que não físicos.

 

14.            Moral e trato social são diferentes; aquele é interno e este, externo.

O trato social deriva de e mantêm certa moral, a moral em ato.

 

15.            Liberdade é ter consciência da causalidade do mundo.

Cai, então, numa posição idealista sem o saber. Na verdade, nós somos individualmente livres para escolher porque nosso cérebro, embora seja apenas um com a realidade, também é um outro para ela e dela; ou seja, o cérebro é produtivo, além de ter autonomia relativa. A necessidade, ao lidar com a energia, produz cada vez mais liberdade, ou seja, alternativas. A realidade tem alternativa, assim a liberdade é objetiva; nós escolhemos aquilo que já iremos escolher entre as opções dadas; liberdade é ter, assim, opções; mais liberdade é ter mais opções para escolher a de nossa inclinação, pois não escolhermos desejar o que desejamos.

 

 

16. O valor é apenas social.

Ele não sabe a origem do valor: o trabalho ou sua economia para uma finalidade. Assim como a realidade é já a própria possibilidade por razão de suas propriedades – propriedade é já o valor, ainda que não pensado ou conceituado. Logo, o valor só é na coisa. Ademais, a relação homem-natureza é moral, subordinada a valores.

 

17. A moral não serve a casos anormais.

Alguém com cleptomania não seria imoral, pois ele nunca escolhe roubar. Mas a moral serve exato para saber quais são os casos anormais, disfuncionais para aquela sociedade. A moral regula e, assim, controla – manda o doente ao psicólogo, por exemplo.

 

18. Diferente de no socialismo, o patrão e o operário na produção não operam relações morais.

Não! Isso é fetiche! É uma forma de relação social coisificada.

 

19. O valor é algo do sujeito, subjetivo.

Na verdade, o valor ob, sub e intersubjetivo, ou seja, tem suas camadas, que se mistura. 

 

20. a moral é bom ou bem.

Mas pode haver moral imoral, porque é conduta prática.

 

21. Na moral, limitamo-nos a conceitos opostos.

Cai-se assim, na antidialética. Demonstramos que egoísmo e altruísmo são superados pelo mutualismo.

 

22. O valor moral depende de seu resultado.

Ora, a ação – e a intenção – pode ser moral, porém o resultado, incontrolável no fundo, pode ser imoral. Pode haver, assim, contradição no processo.

 

23. Devo porque posso.

Correto e dialético, mas limitado. Ele diz que devo escolher a opção mais moral porque tenho tal alternativa. Certo, porém, também: posso porque devo. O dever ser já apresenta diante de nós a opção correta, ainda que difícil.

 

24. A moral é social.

Parcialmente certo. Mas não somos tábua rasa: nascemos com essência humana – ser integrado, ser mutualista e ser ativo. O homem ainda é animal. A democracia é, assim, desde a essência humana, uma necessidade, também e em primeiro, natural, um impulso interno – tanto no conteúdo quanto na forma, tanto na aparência quanto na essência. Ódio contra ser enganado, sentir-se ativo e ouvido de fato na contrução de um trabalho ou projeto coletivo no qual se engaja de algo modo etc.

 

26.  Nem somos totalmente absolutamente autônimos, pois estamos na realidade, nem somos de todo e em absoluto heterônimos, pois somos individuais e livres.

Em parte. Primeiro, porque subjetivamos a objetividade, a norma externa passa a ser parte de nós mesmos, interna. Segundo, vai-se de realidade psíquica e social, na história, de heterônima para, de modo relativo, cada vez mais, autônoma (A=A e… Não-A). O problema de afirmações fixas e clara é que elas não expressam o tempo e o processo dentro de si.

 

 

27.  Apenas existe a norma de cada época específica.

Não necessariamente, pois uma norma geral pode ser válida para diferentes etapas históricas, embora isso seja possibilidade real.

 

28. Os juízos morais são enunciativas, preferenciais ou imperativas.

Ele deixa de ver a união dialética delas, embora tenha aproximado duas. Assim, dizer “faça isto” (imperativa) também dizer, de maneira oculta e por derivação, “e não faça aquilo” (preferencial). A imperativa é, logo, uma enunciação de que o que se deva fazer é correto, justo etc. Além disso, esquece o juízo do conceito, que afirma: isto feito deste modo é bom belo, justo etc. Que tem forma e conteúdo juntos no enunciado.

 

29. Moral é relação com os outros.

Na verdade, pode ser relação coma natureza e, também, consigo, automoral.

 

30. A moral da tradição, por não ser refletida, é negativa.

Moral é, também, tradição. O pensamento da moral muitas vezes serve apenas para justificar o que já se tem na sociedade e em si.

 

31. A moral é justificada 1) socialmente, 2) na prática, 3) na lógica, 4) na ciência, 5) na dialética (história).

Ora, qual sociedade? Para que tipo de prática? Com qual das tantas lógicas existentes? A ciência é humana, pode errar, pode ser imperfeita e muito imprecisa, gerando morais erradas como o racismo desde a teoria evolutiva. A ciência não é feita de consensos, nem de paradigmas fixos

Na história, o autor criticado pensa a história como evolução quase linear da moral. Cai em relativismo histórico. Como na parte, as morais de cada tempo são diferentes, não em si superiores entre si – até amoral de fato superior surgir, a socialista. E na mesma ética há morais contraditória com outras e com o seu próprio mundo social. Mas deve-se separar o concreto do abstrato: há um julgamento moral da história da moral, cujo eixo é se tal norma humaniza ou não o homem.

 

32. A moral cabe ao indivíduo.

Ora, grupos humanos também podem, como conjunto e em conjunto, operar atos morais ou imorais.

 

33. A moral acomoda-se ao seu mundo.

Mas a moral de um mundo pode entrar em contradição com ele mesmo, e o mundo é contraditório consigo.

 

HERÁCLITO

Para ele, o conflito (guerra, contradição etc.) também é algo produtivo, construtivo e positivo; mas não entende sua tarefa de superação. Como considera tudo plural uma unidade, diz que o homem deve repstiar tal unidade mesma; logo vemos o limite conforsita de sua visão genial.

 

SOFISTAS

Para eles, o homem é a medida de todas as coisas. Logo, a verdade é subjetiva, não objetiva. Já demonstramos, ao contrário, que a matéria é a medida de todas as coisas.

 

PLATÃO E SÓCRATES

Ao escolher morrer envenenado, após condenação de sua tribo, Sócrates deu uma lição de moral: respeitar ao máximo sua coletividade, pois nada seria fora dela. Platão, seu discípulo, conclui o primeiro livro de sua A República no mesmo sentido: a justiça deve ser a mesma coisa que o coletivo respeitado. Não por acaso, ele fala da guerra: os guerreiros devem agir de modo coletivo se querem vencer, sem egoísmo. Assim é porque a sociedade escravista é belicista ao extremo. Mas, se há necessidade de isso debater, então isso não é realidade evidente.

 

ARISTÓTELES

Defendia o meio-termo entre extremos opostos de conduta. Ele pensou, assim, o método como algo externo aos fatos e ao objeto de estudo. Além do mais, pensava que a felicidade era a contemplação filosófica Mas o homem também é  cozinheiro das coisas: age, produz e cria. E se a felicidade, hoje, não for possível? Logo responderemos a pergunta

 

Como Aristóteles ofereceu um verdadeiro paradigma e uma obra sistemática, devemos dar mais atenção para refutar sua filosofia. Vejamos ponto a ponto, gradual:

 

1.      Moral e felicidade são coisas humanas

Hoje sabemos que não é assim, ao menos nos animais superiores. Mas, claro, assim é de modo ímpar entre os humanos.

 

2.      Cada um tem ou almeja um bem

Não. Os diferentes bens são unificados no bem comum

 

3.      Um bem não é superior por durar mais

Mas o bem também é matéria, que deve permanecer

 

4.      O bem não serve a todas as ciências

Nossa teoria geral do valor provou o contrário. O bem, em geral, se particulariza.

 

5.      A felicidade é algo completo

O pai da lógica formal não sabe que a vida é contradição. Tentar evita-las no lugar de desdobrá-la apenas produz mais problemas.

 

6.      Felicidade é atividade

Felicidade é objetividade e subjetividade – também.

 

7.      A moral é racional

Não: a moral é racional e irracional ao mesmo tempo, consciente e inconsciente.

 

8.      O hábito forma o caráter

Isso é antidialético. O caráter também forma o hábito. Além, disso, aspectos físicos, relacionais e biológicos (este, parcial e mediado) também fazem o perfil pessoal.

 

9.      Amar mulheres casadas é um vício – para siso não é meio-termo

Ora, a monogamia é inatural na humanidade. Se quisermos: entre a monogamia e a depravação, há a poligamia (relações livres etc.).

 

10.  Deve-se seuir a norma social

Ela pode estar erra. Segue a máximo: se uma lei é injusta, devemos desobedecer a legalidade.

 

11.  O homem é causa primeira de suas ações

Não! A realidade total manda, o mundo muito maior do que nossas cabeças.  A causalidade é dialética, não mecânica.

 

12.  A ação ética é de todo voluntária

Desde Freud, ao contrário, sabemos que voluntária e in.

 

13.  O desejo, o querer e o impulso são voluntários

Mas se o inverso deles é ruim, logo somos forçados em certo sentido a segui-los.

 

14.  O forçoso é involuntário

Só um escravista diria isso! Pode ser voluntário, esmos e forçoso.

 

15.  Atuar por ignorância é involuntário, logo não imoral

Tal afirmação não se sustenta. É voluntário, mesmo se com informaçõess – sempre – incompletas.

 

16.  Querer e opinar são diferentes de escolher

Não! Querer e opinar já são escolher, embora a razão possa redirecionar.

 

17.  Deseja-se porque deliberou-se

Pode ser: mas pode deliberar-se porque desejou-se.

 

18.  O fim é sempre, por natureza, bom

Nem sempre: pode-se escolher um fim errado. Enriqueceu-se, mas ficou mais infeliz. O fato de buscarmos a felicidade não garante que saibamos o que de fato a causa em nós.

 

19.  O fim é que importa

Ora, há interdependência de fim e meio. O meio também importa.

 

20.  A justiça, por exemplo, não gera injustiça

Mas o mundo é complexo, e a causa pode entrar em contradição com seu efeito.

 

21.  A ética gera felicidade

A boa ética não garante felicidade.

 

22.  Não há acaso: os felizes por acidente foram abençoados pelos deuses

Basta ser ateu para refutar tal afirmação. No mais, o acaso é a causa acidental: acaso e causalidade são um, sendo dois. Acaso e sorte acontecem, existem. Mas ele cai em Deus! Podemos, ao contrário, facilitar a sorte e a tendência de vitória.

 

23.  Deve-se ir ao nobre, o homem totalmente ético

Assim, ele pensa um homem ideal, artificial, inexiste.

 

24.  Todos os bens são particulares

Todos os bens, na verdade, buscam a matéria.

 

25.  A busca da ética é a felicidade

Mas a ética não busca apenas a felicidade. Ademais, uma ação ética pode gerar infelicidade.

 

26.  A política serve ao bem comum

Numa sociedade de classes, a política serve a uma classe.

 

27.  A prática justa gera o homem justo, etc.

Mas o ato juto e bom em si pode ter 1) intensão oportunista e 2) efeito contrário ao esperado.

 

28.  É-se bom de apenas um modo e mau de vários.

Na verdade, pode-se ser bom de vários modos também.

 

29.  A raiva etc. e sua ações sempre são voluntárias.

Nem sempre: pode-se perder o equilíbrio e a razão.

 

30.  Pode-se ser injusto sem ser uma pessoa injusta.

Ora, ser justo ou injusto não é uma essência imutável, mas uma prática teória e uma teoria prática. Em resumo: é-se – sendo. Quando se está justo, se é justo; quando se está injusto, se é injusto.

 

 

31.  Enfim, deve-se buscar o meio termo entre extremos

Isso é a falácia do meio-termo, do bom senso. Como dissemos: há momentos para respeitar o medo; outros, a coragem; outros, a máxima imprudência. O problema não se resolve com lógica a priori, mas com o contexto. Ao subordinarmos o medo, a coragem, a prudência e a imprudência às circunstâncias – nós superamos, como se pairamos acima, os conceitos de medo, contagem, prudência e imprudência. De tal modo, entre outros, suepera-se a tradição de Sócrates. A definição depende do contexto.

 

Aristóteles foi, assim, concluímos, um gênio – errou em quase tudo por culpa de seu tempo, não por sua cabeça.

 

ESTOICOS

Diziam que o universo tem cada coisa em seu lugar, logo devemos aceitar o destino. Isso é ser passivo, portanto, triste. O homem é desejo.

 

EPICURISMO

Defendia o respeito ao desejo, ao prazer, mas de modo moderado para evitar vícios (bebia-se café sem açúcar, mas agora maioria é incapaz disso, exagerou-se). O rpblemade Epicuro é 1) não ver a necessidade de luta social diante da decadência, 2) quase sempre, impossível ser feliz, logo, deve-se tentar apenas uma vida que valha a pena.

 

CRISTIANISMO

Se Deus e Lúcifer existissem, este trabalha para aquele. O Anjo da Luz pune o mal no inferno. Além disso, deu ao homem a sabedoria. Eia a contradição fictícia e interna da mitologia cristã.

 

HOBBIES E SMITH

A ideia, em Hobbies, de que o homem é o lobo do homem tem validade empírica, mas temporária, e não natural (cerebral) ou estrutural – mas a ideia de comunidade unida já está, de cerda forma, nele desde a necessidade do Estado, da organização. Já o economista filósofo Adam Smith afirma que o egoísmo de cada uma faz com que, como se fosse mão invisível, a sociedade progrida e o bem prospere. Mas a história do capitalismo refutou tal concepção. Sem economia planejada e sua solidariedade democrática a sociedade vive o caos negativo.

 

MAQUIAVEL

Toda teoria tem sua versão vulgar. Nos senso comum, o maquiavélico é aquele que manobra, trapaceia, manipula e joga. Algo um tanto injusto com o italiano, pois ele era um pensador seríssimo e justo. Mas era, também, realista ao extremo. Sua famosa frase “os fins justificam os meios” de fato leva à compreensão de que todo artifício é válido para conseguir o desejado. Trotsky afirma tal lógica, mas acrescenta um limite: os meios devem ser os meios apropriados para o fim. Em minha formulação: os fins justificam os meios, mas, também, os meios devem justificar os fins. Mais. O fim já se realiza no meio, no processo, cada vez mais e tendencialmente, o meio já é o fim, embora não realizado. Se quero acabar com a alienação, devo, respeitando o futuro desejado e mais maduro, praticar desde já ações desalienantes.

 

HEGEL

Para o alemão, a luta do homem contra o homem é o motor de história (Marx e Engels atualizam e criticam ao mesmo tempo ao afirmarem que a luta de classe é tal primeiro motor). Nesse sentido, a dialética hegeliana afirma que a contradição é produtiva, além de destrutiva; portanto, temos base da moral, segundo ele.

Hegel inspira-se na economia política – o egoísmo de todos faz o bem social na totalidade – e, claro, nos filósofos iluministas. Mas, como idealista que foi, afirmou: a sociedade externa expressa como os homens de fato são por dentro, internamente. É desse modo que ele unifica o subjetivo e o objetivo. Não haveria, por isso, contradição entre indivíduo e sociedade. Ao contrário, dizemos que a objetividade – não controlada pelo homens – é que faz certa subjetividade, ainda que possa entrar em contradição com a real natureza humana.

No fim das contas, a concepção de Hegel não é concepção alguma. Mas ele soube disser isto: certa moral surge da necessidade de certa moral. Desse modo, ele foi um materialista invertido, um idealista objetivo. Quase acertou o ponto em questão.

Na história idealista, Hegel afirma que, antes, a coletividade era tudo – o indivíduo era nada. Depois, no capitalismo, o indivíduo é tudo e o coletivo, nada. È chegada a hora, para próxima etapa era o socialismo.

 

KANT

Kant comete três erros. Primeiro, diz que devemos fazer algo por guia única da razão – não fazer o que se quer, negar o desejo, que é, para ele, irracional. Mas a minha razão pode convencer minhas emoções racionalmente. Segundo, diz para não fazer algo que condena que façam sobre si mesmo; certo, mas se eu for um masoquista que gosta da punição, da derrota e do sofrimento? Isto é, ele pensa um sujeito abstrato, sem concreto, irreal, sem contexto etc. Além disso, considera que ação moral é pura, sem peso da realidade na decisão.

Kant pede para que o homem seja fim em si mesmo, não meio. Eis o socialismo! No entanto precisamos do homem total como fim em si mesmo. Total – não realizado ainda. Total – não apenas o indivíduo.

 

UTILITARISMO

Tal escola é vista como egoísta, mas isso é um erro. Para eles, o bom é o bom para o maior número de pessoas possível, mesmo se prejudica o sujeito da ação. Eles resolvem o problema do egoísmo e do altruísmo apenas de forma negativo (resolvo de modo positivo com o mutualismo, que funde ambos). Isto: pode ser má ou boa ação, o que importa é o resultado de prazer para a maioria. É um instinto democrático em ascenção. Muitos de tal escola pensam, ademais, num utilitarismo pluralista: o bom e o bem seria prazer ou, outro caso, poder ou, terceira opção, conhecimento etc. Se descemos ao chão e pensarmos o classismo na realidade: tal pluralidade de opções guarda um objetivo de fundo comum – o fim da alienação, o socialismo, a humanização do semelhante.

 

UM PARADOXO DAS MORAIS

A ética de Aristóteles, Kant, dos utilitaristas etc. ao menos a maioria deles, levariam a quebrar ao meio o sistema do tempo em que foram pensados (de modo positivo ou negativo). Se suas ideias abstratas descessem ao mundo, fossem concretas, quebrariam concreticidade. Elaboraram suas teses e normais sem atentar para a divisão de classes no mundo real. A ideia de fazer algo para o agrado da maioria (utilitarismo) ou certo em si (kantismo), derrubaria o sistema baseado na moral imoral, o sistema de classes. Assim, ao serem contra o concreto, são contra o concreto, o sistema.

No mais, afinal: o que determina uma ação moral? Alguns dizem ser a intenção (Kant); outros, o resultado (Bentham etc., utilitaristas). Ou um, ou outro. Assim, cai-se na lógica formal e na unidade que não abarca a pluralidade. Além disso, quer-se evitar a contradição. O problema circular cai e loop, num jogo sem fim. Ora, uma ação pode ser moral, mas seu resultado ser imoral – e vice-versa. Uma ação pode ser oportunista sem intenção oportunista.

 

DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO

Hegel afirma que o Senhor teve a coragem enquanto o escravo focou no medo da morte; assim, aquele generaliza o que este toma como concreto; aquele tem a consciência essencial, mas por mediação deste, com e como a inessencial. Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem validade teórica ou empírica, apenas algo da história da filosofia supervalorizada. Talvez se torne útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande elitista, reformulou a imagem assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o limitado escravo julga tudo como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de Lukács, que apenas nega e (des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos a crítica imanente de escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou reformulando seus caminhos. Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem define o mundo como bom ou mau, pois ele é o polo idealista ou “espiritual”, do não prático, e isso é demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a religião de origem africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta com a matéria, com o material, materialista e prático, logo deve definir o mundo como bom ou ruim. É o oposto do que disse o último alemão, o irracionalista; além disso, claro que o escravo toma seu senhor como mau, pois de fato o é, logo ele é mais completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no mundo com maior maestria, o cérebro-consciência dele mais necessita ver cruamente a realidade. O senhor nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado uma afirmação de humanidade, insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o escravo, a noutra ponta, ver-se como humano desumamizado e saber que a humanização e superioridade do seu “dono” apenas é possível por meio da sua exploração, do roubo de trabalho. Assim, o escravo alcança instintivamente a identidade na e da não identidade enquanto o senhor insiste que A é igual à A, esta pobreza espiritual, que algo é apenas igual a si mesmo, numa oposição supostamente fixa entre ele e o outro, que não tem sequer a dignidade de ser outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as coisas tal como são porque tomam as dores da burguesia para si, ainda que tal classe ainda tenha sido revolucionária e “oprimida” no tempo do primeiro pensador.

Isso é expresso na prática e hoje quando o marxismo, o ponto de vista da classe operária, é o mais avançado e dinâmico na produção teórica acadêmica e partidária – na área de humana. Além disso, este polo operário abraça para si a dialética, não apenas a lógica formal. De tal modo, influencia até as ciências naturais com Einstein, comunista, e Born, um socialista dialético, terem avançado tanto na macrofísica e na quântica, contra o limite positivista e mecanicista de seus pares.

Podemos aproveitar o alemão irracionalista do seguinte modo: a relação homem-coisa, no trabalho, pesa o bom e o ruim – as relações do homem com os demais, com a natureza e consigo pesa o bom e o mau.

 

NIETZSCHE E O NAZISMO

Certa famosa especialista no alemão irracionalista ofereceu duas afirmações em sobre seu objeto de estudo: 1) Nietzsche não tratou da moral do senhor e do escravo de modo marxista, ou seja, de modo histórico; 2) Nietzsche não deu base ao nazismo, pois elogiou os judeus em citações. Ora, a comentadora deverá reler as obras dele… Já no início de seu texto magno sobre moral, ele por exato critica todos os teóricos anteriores por não terem uma visão histórica, no tempo, na origem, ou seja, na genética. Em segundo lugar, ele afirma que a decadência ocidental é causada pela moral judia, pela degeneração causada pelos judeus (e ainda elogia a raça ariana). Além disso, critica a mistura de raças como degeneração estimulada pelos judeus. Ora, eis a matéria-prima para o nazismo, para o arianismo. Ele é a justificação teórica do fascismo alemão. Nietzsche era elitista, defensor das classes dominantes como superiores e nobres no duplo sentido de nobreza; além disso, anticomunista. Um dos seus erros é transpor lógicas das relações pessoais para relações sociais, algo feito de modo forçado e artificial. Quando Lukács o criticou nesse sentido, base do nazismo, como criticou, junto, os demais irracionalistas; acadêmicos pomposos e inimigos oculto da ciência em todo o mundo declararam raiva irracionalista contra o marxista de alto nível, eram incapazes de aceitar a verdade de sua letra, criticaram logo aquilo em que ele mais acertou, assim não viram sequer seus limites.

Quem lê a moral de Nietzsche e não sente nojo é ou nazista ou acadêmico.

 

KIERKEGAARD

Para ele, existem três modos de vida: 1) o religioso, o superior e causa de felicidade; 2) o ético, em que o individuo é controlado pelo meio; 3) o estético, voltado aos prazeres e o mais vil. Problema: deuses não existem. Segundo problema: o homem é coletivo, precisa seguir certa ética de modo relativo ao menos. No mais, a vida estética, com seus prazeres, soa, como verdade que é, a opção correta.

 

SCHOPENHAUER

A partir do foco de Kant nos sentidos, tal pensador pensou que o desejo ou o desejar é o nosso mal, a fonte da infelicidade. Como um religioso, pregou negar os desejos e vontades, fontes de frustração, ansiedade e tédio. Não é preciso muito esforço para negar sua filosofia.

 

LUKÁCS

O pai da ontologia marxista morreu antes de iniciar sua obra de ética marxista. Deixou-nos apenas notas e indicações. Porém, ele antecipou a questão da liberdade. Nós, humanos, em nossa história universal, à medida em que aumentamos a produtividade do trabalho, somos mais livre, mais individuais e com mais opções. Em minha dialética, diacrônica, com determinações de desenvolvimento (A=A e…Não-A), estou com o pensador citado: a necessidade vai-se, permanecendo ela mesma, tornando-se cada vez mais liberdade. Do menos ao mais livre ainda dentro da necessidade. Pois bem: ter mais opções leva a pensar uma ética para escolher as melhores, as mais justas, as mais emancipadas. Como disse em outro momento, somos da heteronomia, subordinação moral a fatores externos, que são também subjetivados, para, sem romper, cada vez mais autonomia.

Hegel considera que não há contradição indivíduo e sociedade (coletivo) porque, para ele, idealista, a sociedade é fruto da cabeça dos homens. A sociedade seria sua imagem e semelhança. Lukács faz o inverso: para ele, materialista, também não existe tal contradição, pois o coletivo social faz o indivíduo e seu pensamento, com o perfil correspondente. Ora, existe essência humana, que pode ser desrespeitada. E existe contradição na sociedade que contamina o indivíduo, e este entra em contradição com o todo ou com o todo por meio de outros indivíduos. Tomamos lado, ainda que sem percebermos, na autocontradição social. A harmonia do indivíduo e da coletividade, ambos sendo afirmados, ainda não é fato, ainda é tarefa.

Para Lukács, há diferença entre moral e ética. Moral se referiria ao indivíduo, para si, em relação ao gênero; a ética, ao oposto, se referiria ao respeito ao gênero, sobre o indivíduo. Ora, assim ele se limita à mera oposição, sem ver a unidade interna de ambos, pois moral é igual à ética. Ambos estão misturados e em interpenetração na realidade. Temos, portanto, a identidade dos opostos, comoa unidade do universal geral (gênero) e do individual singular. A ética geral faz a moral individual; a moral individual fez a ética geral – um só mundo, logo, um só corpo e um só espírito. O fato de haver duas palavras para o mesmo objeto é apensa uma coincidência histórica.

 

CAMUS

Como vê apenas utopia no socialismo, ao deixar de entender sua necessida histórica, aposta apenas na pura revolta contra a suposta falta de sentido para o destino. E sua revoluta é sempre apenas individual, além de quase que apenas destrutiva e negativa.

 

ESSÊNCIA OU EXISTÊNCIA?

Os gregos pensavam que, assim como a pereira produz pera, cada homem tem um lugar natural, um talento seu ou essência. O existencialismo pensa o oposto, que o homem faz a si próprio, a existência individual precede a essência. Pois bem; ambos estão certo e errados. Alguém que nasce com TDAH tende a ser criativo para a arte e a política, mas estará em más condições, em geral, como dirigente militar. É verdade que não se nasce mulher, torna-se; mas é verdade, também, que não se torna mulher, nasce-se – tem traços femininos determinados desde antes do nascimento. É outra forma de dizer isto: os homens fazem sua própria história pessoal, mas a fazem sob condições dadas, incluso biológicas e ambientais, que não escolhem. Eu sou Eu e minhas circunstâncias, mas o Eu é também circunstância. Eu sou o que sou.

O existencialismo como escola de pensamento surgiu e cresceu com o aumento da democracia, a invisibilidade urbana elevada, o fato – em principal – de sermos mais sociais e mais individuais relativo à antes, a existência de abundância de mercadorias, a elevação das classes médias etc. A necessidade – causalidade etc. – produz, em seu desenvolvimento, a liberdade, ainda que relativa e parcial (teleologia etc.). A liberdade (abstrato) é a necessidade (concreto) em autorrelação e autodesenvolvimento (processo). Daí a ilusão de que somos já de fato livres e independentes, a inflação exagerada do conceito de liberdade individual.

Para Sartre, ademais, o valor é subjetivo. Na verdade, unidade do subjetivo e do objetiva, existe na própria realidade.

 

MORAL E CAPITALISMO

 

Há a moral dita e a moral feita ou efetiva. O capitalismo precisa vender a moral de que somos todos iguais e livres. Mas, na prática, somos escravos assalariados.

 

 

 

CATEGORIAS E ÉTICA

 

A dialética é a contradição de categorias opostas. Mais do que isso: a contradição e a diferença também devem dar lugar à unidade oculta das categorias em oposição. Os teóricos da ética adotam uma categoria contra outra, de modo impressionista e unilateral. Como esta obra tem pretensões populares, apresento os conceitos em linguagem concreta e clara, contra o estilo de Hegel, o pai da moderna dialética.

 

FORMA E CONTEÚDO

O conteúdo de uma ação pode ser boa, como a sua intenção, mas sua forma de aplicar ser ruim, negativa. Isto é, pode haver contradição entre forma e conteúdo. Na mente, pode-se focar apenas em um ou em outro – para produzir certa teoria, por exemplo. Sartre foca apenas no conteúdo; Kant, apenas na forma.

 

APARÊNCIA E ESSÊNCIA

Diz-se que é insuficiente ser bom, deve parecer bom igualmente. O que aparece como bom ou bem visto de modo isolado e na aparência, pode ser ruim ou mau no todo e na essência. Nem sempre são contraditórios, mas saber que isso pode acontecer já é um alerta importante.

 

NECESSSIDADE E LIBERDADE

Debatemos exaustivamente, neste livro, o tema. Alguns veem apenas a necessidade, como o imperativo categórico de Kant, do dever fazer; outros, a liberdade irrestrita, como Sartre. Ora, somos cada vez mais livres, mas nossa mente tem opções limitadas e sempre escolhemos o que vamos, de fato, escolher.

 

CAUSA E CONSEQUÊNCIA

Eles também podem entrar em contradição: a consequência pode ferir a causa e suas bases. Ademais, a consequência pode tornar causa de modo retroativo no sistema em questão. A causa pode ser boa moralmente, mas sua consequência ser má em sua moral, mesmo se regra não for. A causa e o seu efeito nunca estão isoladas do contexto, que também pesa nos resultados.

 

INTERNO E EXTERNO

A moral interna real se externaliza na ação e na linguagem. Por outro lado, caminho inverso, a moral externa sempre, em alguma medida, torna-se internalizada. Há quem defenda o respeito às normas sociais e externas; há quem defenda o valor do interno, da subjetividade etc. Ambos desconhecem a verdadeira essência humana e do mundo social, além da relação às vezes contraditória do externo e do interno.

 

ABSTRATO E CONCRETO

Deve-se, primeiro, observar o ato moral de modo isolado, por si. Mas, se queremos ser rigorosos, devemos observá-lo de acordo com suas interconexões com a realidade posta.

 

INTENSIDADE E EXTENSIVIDADE

O utilitarismo diz que devemos agradar o maior número possível de pessoas. Mas a extensividade pode estar contra a intensividade, e a quantidade contra a qualidade. A questão é que tal norma “agradar ao maior número” não tem como ser a norma última. A verdadeira norma, que dá a extensão e a intensidade em cada caso concreto, depende da emancipação, do fim da alienação, da humanização do homem. A posição filosófica egoísta, ao contrário da utilitarista, foca apenas na intensividade: em defesa de meu prazer máximo, mesmo prejudicando aos demais.

 

MEIO E FIM

Também debatemos muito tal tema neste livro. O meio deve ser o meio de um fim, conectados. Ademais: o meio já vai realizando, no processo, aquele fim que estaria apenas no final. O fim realiza-se, em alto grau, depois, mas amadurece antes. Fim e meio são apenas um, embora dois. Alguns autores focam apenas no meio, no ato em si; outro, apenas no fim, na consequência. No entanto, podemos abandonar a visão unilateral. Mas, quando o fim abandona os corretos meios ou os meios tornam-se fim em si mesmo – contradição.

 

SINGULAR E GERAL

Há os que forcam no singular, no fato em questão, como Sartre e sua liberdade enquanto lei suprema. Outros, no geral, ou seja, na norma, naquilo que vale para todos. Um erra por não perceber que há normas que guiam. Outro erra porque não adapta a norma às circunstâncias, ao contexto ou uma concepção geral correta.

 

TOTALIDADE, CONTRADIÇÃO E MOVIMENTO

A verdade do mundo e da parte está no todo, pois tudo está integrado. Além do mais, a contradição é inevitável; tentar escondê-la apenas piora a situação – o outro é nosso inferno e nosso paraíso, a relação necessária. Por fim, tudo muda: a verdade, os fatos, as pessoas, as circunstâncias etc. Conceitos e relações conceituais, ao refletirem a realidade, também se alteram de tempos em tempos.

 

A dialética exige muito de nós, pois fere um pensamento rápido e apenas instintivo. Mas, sem a dialética moderna, torna-se impossível resolver as oposições e polêmicas da história de tal filosofia. A ética correta faz a correta relação das categorias opostas, isto é, a unidade interna delas.

 

 

ESTOICISMO DIALÉTICO

 

Por que não nomear “autoajuda dialética”? A autoajuda pode passar de uma literatura vulgar para algo mais elevado, apesar de preconceitos enraizados. Aqui, combatermos os sensos comuns considerados alguma coisa como sabedoria para os cidadãos. Descobriu-se que é sinal de baixa inteligência gostar de frases óbvias repetidas várias vezes, assim como velhos por instinto de defesa negam o novo e a novidade. Quem nada novo tem a dizer, que se cale! Aqui, percebemos que os conceitos da dialética são úteis para melhor lidar com o cada vez mais difícil mundo, exterior e interior.

 

MATÉRIA E IDEIA

O modo como vivemos determina o modo como pensamos e sentimos. De fato, ouvir músicas tristes tende a nos entristecer (mas ficar triste ao ouvir uma canção pode ser bom também).

Como a palavra é algo material, embora leve, logo o dito por nós e sobre nós nos influencia na autoimagem. Seja realista consigo, com as qualidades e defeitos, mas evite depreciar-se, pois pode acabar acreditando em si…

É quase impossível ser feliz na periferia de uma grande cidade. Isso é fato. E sob o capitalismo, tanto mais difícil ter felicidade. Portanto, a infelicidade é um dado hoje inevitável – deve-se tentar construir momentos de alegria genuína para suportar a existência.

A cabeça segue o chão que os pés pisam, mesmo se com atraso. Ser feliz é ser feliz quando o ambiente tem felicidade. Não espere estar sereno em um ambiente por muito tempo desesperador. O natural é que se o meio é caótico, nossa mente também o será.

Organize a tua casa, mas não tanto, sem taras por perfeições, que assim organizará melhor teu pensamento. Lave as louças.

Às vezes, conviver com pessoas doentias nos adoece – mas podemos enlouquecer de solidão se nos afastamos delas. Por isso, arranjar novas companhias deve ser, em geral, um processo passo a passo, progressivo. Nossa espécie necessita viver junta, agrupada, coletiva. Mentem os filósofos que elogiam a solidão, que transformam o defeito enlouquecedor em qualidade.

Teus hábitos, meios e companhias te definem – mesmo. Diga por onde andas que direi quem tu és. Por isso, tenha sempre isto em mente: o mundo é maior que minha cabeça. A realidade determina tua mentalidade.

 

CONTRADIÇÃO

Se um filósofo promete paz consigo independente do meio, ele mente ou mente para si. A coisa é risível. Claro que um monge tibetano é calmo, sábio e alegre – ele vive isolado, no mato, com doações etc. Na cidade, ele seria outro.

A vida é luta, conflito e contradição. Evite iludir-se com situações ideais, perfeitas que nunca existirão. Ter em mente o supremo e o sublime gera frustração e depressão. Temos de acolher a contradição como algo inevitável e aprender, então, a geri-la, a acomodá-la, a fazer com que ela seja produtiva e suportável sem rupturas ou esgotamentos.

Só quem muito sofre pode dar bons conselhos. Quem foi abençoado com vitórias seguidas por toda a vida pouca consciência do mundo tem.

Melhor feito que perfeito. Foque em fazer ou em fazer bem feito, mas evite a máxima excelência total. Quem tem pouca relação prática com a vida, manual etc., tende a ser “idealista” demais, e na cabeça tudo é perfeição.

Nunca terá paz total porque a realidade é mudança. No fundo, queres mais que paz e riqueza; queres uma vida vivida e vívida, que valha a pena, emocionante, aonde tu importas, quando podes ajudar teus irmãos de espécie, que te desafies etc. Claro, com direito à ferias de vez em quando diante de belas praias topicais, pois somos de carne, não de ferro (e até o ferro pode enferrujar…). Nós sentimos infelicidade, mas não sabemos por exato suas causas ou todas elas; então,, um tanto pro influência do ambiente, pensamos que ela virá pelo sucesso, pela riqueza, pela paz do interior, pelo isolamento etc. Quando alcançamos o objetivo, esperamos igual o mais infelizes; descobrimos, na maioria das vezes, que pegamos a estra errada. É preciso um pouco de sorte, ou de ciência ou de sociedade para encontrar felicidade real, para saber aonde está a fonte de água.

Como a alegria, a tristeza e a raiva são sentimentos legítimos – devem ser vividos, sentidos. Do contrário, adoece-se. Se sentimos, necessitamos sentir.

 

A META

Poderás realizar teus sonho, mas quase impossível do modo único esperado. Virá de outro modo ou de outro “como”, além de imperfeições.

 

SER, NADA, DEVIR

A filosofia barata apela para o fato de sermos nada diante da imensidão do universo –no entanto, sofremos muito, somos o centro de nosso universo interno. Somos um ser e um nada.

Quando a filosofia manda deixar de se preocupar com morte, erra de todo. Porque morreremos, devemos ter uma vida ao mesmo tempo irresponsável e planejada. Vivemos como se fôssemos eternos; no fundo, não acreditamos na nossa própria morte.

A função do medo da morte é gerar a iniciativa de viver com coragem – um gera o outro, seu oposto. Assim deve ser.

 

CONCEITO SUPRASSUMIR

Se és mais velho, escreva para si um pequeno livro com sua história sincera: erros, acertos, ousadias, imoralidades etc. Se és demasiado novo, inclua planos, projetos, visões de si no futuro.

Nunca negue sua personalidade – adapte-a, torna-a mais funcional, acrescente algo, aprenda com os demais, reprima apenas algo pequeno e danoso. Não tem ser outro. O melhor modo de destruir o que odeia em si é superá-lo por dentro dele mesmo, fazer ele se tronar um outro. Ou: use o defeito de modo a gerar qualidades.

 

 

A DIFERENÇA E O MESMO

Isso deve ser entendido: somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Isso serve para evitar inimizades por diferenças políticas, evitar reprimir um filho homossexual etc. Tolerância ao que pode ser tolerado, eis a lei. Devemos criar costume com a polêmica honesta, ainda que duríssima. Faça exercícios duros para acostumar-se ao estresse acostumável.

 

SER EM SI E SER PARA OUTRO

Nunca seremos um só com o outro. E costuma ser um erro ser apenas para outro. A mãe, por exemplo, não pode anular sua personalidade diante do filho, embora seja por algum tempo para ele e não em exato para si.

 

DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO

Cuidar da saúde física é condição para cuidar da saúde mental. Sem exercícios regulares, nenhuma conquista. Por isso, também, uma longa jornada de trabalho, mesmo se voluntária, é imoral.

Por muito tempo, nosso corpo e nosso cérebro são plásticos, ou seja, adaptam-se ao nosso aprendizado e ao nosso esforço. Quanto mais fazemos, melhor somos.

 

LIMITE, MAU INFINITO, O INFINITO QUALITATIVO

A má infinitude é um sempre mais, sem respeitar limites. Para não sucumbir, o sujeito deve ser sujeito, ou seja, por limite em si mesmo e para si mesmo. Nada de comer demais, por exemplo.

 

 

 

UNO E VAZIO – ATRAÇÃO E REPULSÃO

O pensamento vulgar diz que pensar atrai vitórias, o grande segredo… Nada mais idiota. Não existe justiça natural ou divina, logo, tudo, para ter chances de acontecer, deve ser fruto de um esforço mais ou menos constante e equilibrado.

Devemos atrair e repulsar companhias também segundo projetos. Mas veja: um sonho que se sonha só é apenas um sonho que se sonha só – sozinho não somos nada, nem sequer humanos. A tentativa de isolamento pessoal para nos afirmarmos é, na verdade, nossa ruína – daí a reconciliação com outros da mesma espécie.

 

SIMPLES E COMPLEXO

Todo começo é difícil, na verdade, quase impossível. Natural pensar em desistir e supor a impossibilidade de conseguir o esperado. Contanto que o almejado seja de fato virtualmente possível, ainda que difícil, vale a pena insistir. De qualquer modo, a experiência fará do teimoso alguém com mais habilidades, capacidades, contatos, amigos etc. Ou até a sorte rara de ter inimigos sinceros, sinal de uma vida vivida e que vale a pena. Ir do simples ao complexo é uma lei universal.

 

INTENSIVO E EXTENSIVO

Em geral, se falta recursos, pode-se ter uma vida ou intensiva ou extensiva. Aqui, nenhuma divisão moral a priori sobre certo ou errado. Uma vida intensiva de festas, bebedeira etc. pode ser justa. Uma vida pela calmaria e sem riscos pode ser interessante. A questão é que elas são opostas e uma diminui a outra, vice-versa. Uma alternativa é tentar um equilíbrio de ambas. Numa vive-se menos, mas pode ser melhor ou ter sentido de vulgaridade; outra, por tendência, vive-se mais, mas pode gerar sensação de inutilidade.

 

 

 

SALTO DE QUALIDADE

Meras mudanças pequenas, parciais, quase invisíveis podem, quando cada vez mais acumuladas, mudar tudo. Mude devagar, sem pressa, passo a passo – naquilo que precisa ser melhorado. Não force a marcha antes do preparo para isso.

 

QUALIDADE E REARRANJO

7 gênios reunidos pode gerar uma burrice geral. É a organização que importa, como tudo está arranjado.

 

CAOS E ORDEM

Ordem excessiva estressa a mente, pois ela, no fundo, sabe que a perfeição é uma imperfeição, fora do real. Inevitavelmente, haverá acasos e imprevistos ruins – e alguns bons (esteja pronto para eles, para novas oportunidades).

 

SOBRE A PROBABILIDADE

Crie um sentido de “possibilidade crescente”. Se há preparo constante, então, cada vez mais, possível a sorte bater à porta. Vá criando condições cada vez melhores.

 

QUANTIDADE

Tanto mais no capitalismo, no mundo do dinheiro, tendemos a pensar tudo em termos de quantidade – não de qualidade. Exige certo autocontrole voltar o pensamento para o aspecto qualitativo. Evite a ilusão quantitativa.

 

 

POSITIVO E NEGATIVO

Tudo é positivo e negativo – ao mesmo tempo. Um novo emprego, uma vitória, trará, por exemplo, um gerente ruim. Isso faz parte da vida. Escolher é perder – ganhar é perder.

 

COMBINAÇÃO DE DUAS MEDIDAS

Sempre seremos comparados com os demais – e sempre nós mesmos faremos comparação com os outros. É inevitável, somos máquina de medição. A questão é que somos tão diferentes em história e talentos que fazer isso de modo excessivo é uma injustiça conosco. A medida só é justa se a canalizamos de modo saudável para alguma certa meta. O melhor é agregar pessoas com diferentes perfis para formar um grupo muito mais capaz como um corpo com vários órgãos, cada um com sua função especial. Com o tempo, teremos mais afinidade por alguns diversos de nós próprios.

 

ESSENCIAL E INESSENCIAL

A vida parecer ter o essencial e aquilo que não é ela, seu oposto. Ora, a vida não deve ser pensada como gerência de banco – o inútil (arte etc.) é o que mais importa, afinal, também é essencial.

 

DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO

A vida é feita, sem escapatória, por opostos. E, no fundo, os opostos precisam und do outros para ser o que são.

 

 

 

 

FORMA, ESSÊNCIA, MATÉRIA E CONTEÚDO

Fala-se com boca cheia em focar na essência, não na aparência. Mas a aparência também importa, às vezes, ajuda a ver e revelar o essencial. A forma ajuda a revelar a essência, a matéria e o conteúdo. Lógico, podem entrar em contradição também.

 

FUNDAMENTO

Tudo na sua vida deve ter um motivo, o porquê, uma razão. Viver no automático é a causa de infelicidade, pois nossa mente precisa ver o sentido de tudo, de nossas ações.

 

CONDIÇÃO

Para que algo novo surja, faz-se preciso criar as condições pelo menos mínimas para seu surgir. Não tente brotar uma flor antes de sua hora.

 

A COISA E SUAS PROPRIEDADES

Ao adquirir algo, foque em suas propriedades – o barato, via de regra, sai caro. No mais, alguém é suas propriedades, por isso, adquira habilidades de especialista.

 

O TODO E AS PARTES

O que é bom em si pode ser ruim no tudo ou no contexto. O que aparece como sorte pode ser azar no fundo do fundo. Por isso, avalie o todo de suas partes. O valor de algo está na sua função naquela sua totalidade, não em si isolado.

 

 

EXTERNO E INTERNO

O interno se externaliza. Uma tristeza constante que não é desabafada para alguém ou para um papel tende a adoecer, expressa-se de modo errado. O que somos por dentro seremos por fora.

 

MODO (MANEIRA)

Sinto dizer, mas tua vida está determinada do começo ao fim. No entanto, a mera ilusão de que fazemos nosso destino de modo livre já afeta nosso destino final. Se és velho, teu desleixo com os estudos, por exemplo, só foi como deveria e poderia ser, como iria de fato acontecer naquelas circunstâncias que te impediram de estudar.

 

INTERAÇÃO

Tudo está em relação de ida e de volta com tudo – tudo ao mesmo tempo influencia e é influenciado. De tal modo, podemos guiar nossa vida para um plano, um sonho, mas a vitória depende de fatores que não decidimos, além de nosso necessário esforço. Por isso, tenha compaixão com os de menos sorte.

 

O JUÍZO QUALITATIVO

Tem as seguintes leis, sobre o homem e sobre sua ação:

 

O singular é o universal.

O singular é o particular.

O singular é o singular.

 

JUÍZO DA REFLEXÃO

Aqui, o sujeito está na relação e reflexão com outro. O o sujeito, não o predicado, avança do singular para o particular e, então, para o universal. Avancemos moralmente:

 

Juízo singular: "Eu sou humano."

Juízo particular: "Algumas pessoas são humanos."

O Juízo particular é tanto positivo quanto negativo, pois daí se diz que algumas pessoas não são humanas.

Juízo da totalidade, universal: "Todos os homens humanos.”

Esse avanço lógico e abstrato é também real e concreto, na mente e no fato. O socialismo é a realização de tal juízo, de totalidade.

Se dizemos "os homens", dizemos "o homem"; se dizemos todos os homens, dizemos o homem é imortal. Então vamos ao juízo da necessidade.

 

JUÍZO DA NECESSIDADE

Este desdobra-se em:

Juízo categórico: "Eu sou humano."

Juízo hipotético: "Se eu sou, ele é."

Juízo disjuntivo: "Eu sou, então, ou B, ou C, ou D. – é, são".

Isso acontece também na psicologia. Vale um comentário. Tanto Eu quanto B, C e D são o mesmo, são um, têm o mesmo universal ou gênero único. Por exemplo: o animal A é ou águia, ou urso, ou peixe. Veja-se que eles são diferentes e estão separados, em conflito do “ou-ou”; mas, ao mesmo tempo, há identidade entre eles, pois todos eles são ANIMAL, são o mesmo.

 

JUÍZO DO CONCEITO

Juízo assertórico: "Isto é bom, mal, justo, etc."

Torna-se um juízo problemático, pois se pode dizer tanto algo quanto seu contrário sobre o mesmo sujeito ou fato (bom, mau, etc.).

Juízo apodídico: "ESTA intensão PRATICADA DESTA MANEIRA é boa." Resolve o juízo problemático.

O último juízo é cheio de conteúdo, por isso passa para o silogismo – unidade do sujeito e predicado. Ele também é o mais objetivo, pois coloca na coisa, não em alguém, sobre a natureza do sujeito.

 

JUÍZO MARXISTA

Uma ação boa pode ser ora esta ora, aquela, ora oura, ora uma quarta etc. Não é única, uma forma apenas.

 

SILOGISMO

Basta dizer que o universal, o particular e o singular são um – misturam-se, mudam de posição ao mesmo tempo na hierarquia.

 

Todos os homens devem ser humanizados.

Ele é um homem.

Logo, deve ser humanizado.

 

MECANISMO, QUIMISMO, TELEOLOGIA

A visão isolada e de relação apenas externa e funcional passa para a necessidade da integração necessária – é impossível ser feliz sozinho. A solidão produz tendência de agir de acordo com a finalidade de integrar-se e bem usa as relações.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ÉTICA COMUNISTA, MILITANTE

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VALORES DE UM MILITANTE COMUNISTA

Até a década de 1990, a esquerda era sinônimo de anticorrupção, de ética, de ideia de justiça social, de abnegação. Mas o PT tomou o governo federal e, escândalo após escândalo, até a esquerda comunista foi desmoralizada. Para as novas gerações, que já cresceram diante de governos petistas, a direta era moral e justa (dita “conservadora”), não corrupta. Somo obrigados a reverter tal cenário no imaginário popular de parte das novas gerações. Vejamos, portanto, guias abertos para a moral militante revolucionária, comunista:

 

1.      Coragem e ousadia

Se tiveres medo, vá com medo – mas não recue se a questão for não recuar, for avançar. Treinar artes marciais pode ajudar na psicologia do ativista. A covardia não é boa conselheira. A imprudência parente é mais útil do que sempre recuar. Mas, claro, nada de ofensiva permanente. O que deve ser claro é isto: quando a oportunidade aparecer – ousadia, ousadia, ousadia! E criatividade, muita!

 

2.       Disciplina

O momento político costuma impedir uma disciplina total, por isso, evitemos esgotar os ativistas com exigências de ação permanente. No entanto, sem esforço grande e disciplina nada importante é feito. Disciplina é liberdade.

 

 

3.       Honestidade

As tentações são muitas, mas o futuro é nosso. Aceitamos perder aqui para ganhar mais depois. Nada de meio-termos, manobras etc. para facilitar o caminho supostamente justo.

 

 

4.      Rebeldia

Cannon, um comunista dos EUA, afirma que tudo comunista verdadeiro pensa como marxista, mas sente como anarquista. O sentimento anarquista de liberdade total e pura nos guia sempre, embora direcionado pela razão científica e socialista. Os dirigentes que se danem se estão errados! Nada de obediência cega aos comandantes: pensar coma própria cabeça sempre, aprender a pensar. O primeiro dever de todo militante é discordar de seus líderes.

 

5.       Ódio à rotina e à burocracia

Nada de engordar dentro dos sindicatos e partidos: ir ao chão do mundo sempre. Ao contrário do romantismo comum, uma greve ou uma luta não é boa, pois cansa e esgota, exige muito de nós, mas é nosso território necessário.

 

6.       Espírito democrático radical

Deixar o outro falar, mesmo que seja de direita. Queremos convencer, não manipular resultados. No partido, evitamos ao máximo ganhar uma discussão no grito, embora vez ou outra a temperatura suba muito.

 

7.      Solidário

Somos ativos em solidariedade. Que tal os jovens militantes organizarem um sopão para os moradores de rua? Também devemos querer saber como estão nosso camaradas, contra a dureza da alma urbanizada.

 

8.       Disposição para ser teimoso e firme quando em minoria

Se somos minoria, paciência. Pois, se nossa proposta é a correta para a vitória, a defendemos mesmos sabendo que perderemos a votação na assembleia – contra o centrismo, o tempo pode nos ajudar. Aprendamos a perder e aprendamos ganhar. Sejamos firmes sempre. Nossa firmeza atrairá alguns, talvez os melhores.

 

9.       Unir prática e teoria

Quem não estuda teoria é um irresponsável; para cada vitória terá uma derrota, pois age por instinto e padrão. Quem não pratica, está amputado e com ares de cinismo.

 

10.   Cuidar de sua saúde

Muitos militantes, como se incorporando Che, fumam. Como a vida de ativista é muito tensa, costuma-se precisar de um compensador para suportar a vida anormalmente ativa. Mas somos poucos e leva uma vida inteira para formar quadros políticos capazes e capazes de governar.

 

11.  Paciência ativa

Uma revolução, que demora acontecer, pode acelerar a história e surgir como se de repente, por salto. Nas próximas décadas, ou sistema cairá ou cairemos – tempo de duras e decisivas crises. Mas a velha geração teve de esperar por décadas, perderam a juventude e, embora não confessem se quer para si mesmos, a esperança; falam de revolução de modo automático. Mas a paciência deve ser ativa, não passiva – fazer, não só esperar.

 

12.   Mentalidade autônoma e crítica sobre tudo e sobre os dirigentes

 

13.   Desapego com os prazeres materiais

O espírito de aventura deve ser permanente, busca-se a próxima grande emoção planejada e calculada, ou seja, responsável. Ser comunista é aceitar que pode ser preso, exilado, torturado, assassinado, demitido etc.

 

14.   Desejo de se tornar dispensável ao formar outros militantes

Nesta área, o oportunismo é enorme. Os militantes dirigentes não ensinam o necessário aos militantes de base. Por sua vez, os militantes em geral não ensinam o bastante os ativistas sem partido próximos de nós. Qual o objetivo disso? Criar dependência, ser indispensável – ver o movimento quebrar sem sua liderança.

 

15.   Negar o poder sempre e até que o poder operário seja imposto pelos trabalhadores – não apoiar nenhum governo no capitalismo.

Isso é autoexplicativo.

 

16.   Ter nojo do cinismo

O grande escritor cubano Padura escreveu uma obra que já é um clássico universal, O Homem que amava os cachorros, que conta como um militante sério tona-se um cínico. É-se revolucionário, porém não tanto. O cinismo toam conta das organizações vermelhas, junto com atividades artificiais etc. Não é exagero ser intolerante sobre quando diante dele.

 

17.  Megalomania e romantismo realista

É preciso sonhar, sonhar grande. Devemos rir dos limites e do bom-senso. Somos idealizadores e construtores de grandes projetos.

 

18.  Encarar a vida como ela é de fato, sem ilusões

Não temos medo de a realidade refutar nossas ideias. Não encaixamos o mundo em nossas concepções. Se a situação é difícil, não dizer que é fácil. Se há derrota, não dizemos que é uma vitória oculta. Esse ponto é o ensinamento de Trotsky.

 

 

19.  Dizer a verdade

Lição de também de Trotsky, dizer que são tolos os que agem como tolos. Ter o brio de ser desagradável em nome da verdade.

 

20.  Respeitar a diferença e a individualidade

O capitalismo tenta nos padronizar, nos igualar – como se fôssemos máquina de máximo trabalho. Mas o socialismo não é o coletivo sobre o individual mas o apoio mútuo de ambos. Um militante ou célula partidária rende mais, a outra rende menos, como deve ser. Algo humano. Um organismo vivo não é como certa máquina uniforme. Só no socilaismo seremos livre, ou seja, indivíduos de fato, singulares. Não é normal, por exemplo, que quase todos os jovens, logo por serem jovens, sonharem o mesmo sonho universitário: direito, medicina ou engenharia. Isso é, em geral, falta de autorrespeito inconsciente.

Como dissemos, moral e política não são duas atividades diferentes, são um sendo dois com certa autonomia e outras funções. A tarefa é aproximar a política da moral correta. Para isso, não podemos contar com os reformistas e centristas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O VENDAVAL OPORTUNISTA

 

A LIT, organização comunista internacional a qual reivindico, afirma como uma dentre suas teses que uma crise moral abateu-se desde o fim da década de 1980. A causa seria, e estão corretos, a queda do muro de Berlim. Revolucionários antes disciplinados tornaram-se políticos da ordem, ativistas de ONGs, sindicalistas malandros, deixaram de militar, abandonaram posições revolucionárias. Terra arrasada. A própria LIT, em crise interna, quase deixou de existir. A velha guarda escolheu outros caminhos.

Mesmo assim, para tal organização, a nova etapa seria revolucionária. Para outros, contrarrevolucionária. Na verdade, “apenas” reacionária, difícil – mas ainda estamos de pé no ringe. Boa parte da vanguarda comunista surgiu inspirada no socialismo dito real. Natural, portanto, que com o retorno ao capitalismo naquelas nações, suas consciências recuassem com o recuo daquelas sociedades, da materialidade. Perde-se, portanto, material humano valioso. A tarefa seria perder o mínimo possível quando obrigados a recuar.

Mas a LIT observou de maneira incompleta. Por debaixo das explosões, o neoliberalismo impunha-se. O fim do pleno emprego, base de uma solidariedade instintiva, por exemplo, afetou a moral geral. A queda da taxa de lucro, e reação contra tal queda, promoveu uma crise moral da sociedade. Lembro-me que quando a empresa estatal – Telepisa – em que meu pai trabalhava foi privatizada, funcionários e ex-funcionários entraram em depressão, suicidaram-se, enfartavam, famílias antes estáveis se separavam etc. O clima de terror, desconfiança, tristeza e disputa pairava no ar, incluso entre velhos amigos. A incerteza feria a dignidade dos trabalhadores.

Sem perspectiva de outro mundo, resta o cinismo. Parece, desde lá, que outro mundo não é possível ou, se possível, algo viável. Então, amargamos a derrota.  O sentimento difuso de socialismo na massa e na vanguarda recuou por um tempo, mas volta de maneira devagar ao rumo certo, graças às novas gerações. Mesmo uma próxima revolução socialista vitoriosa, dirigida pelos trotskystas, ainda terá diante de si uma, muitas vezes saudável, desconfiança. A burocracia fez história e tradição da pior forma.

Até hoje, correntes internacionais como UIT, que rompeu com a LIT após formar uma fração secreta, e a CWI, esquecem ou nem colocam o debate sobre moral como centro. A CWI, por exemplo, que tem acertado tanto, capitula à moral atrasada dos operários e, por isso, evita o debate das opressões, alienações como o machismo e a homofobia.

Na LIT, a Comissão de Moral deve ser eleita por ampla maioria, os membros eleitos devem ter bom histórico e o organismo é de todo independente do Comitê Central, do eixo político. As outras internacionais não seguem, via de regra, tal regra, em especial, o último ponto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EXEMPLOS PRÁTICOS DE MORAL

 

Desçamos ao mundo sujo e empoeirado, ao concreto. Feito o debate abstrato, ora de pousar no chão quente do real. Agora, trataremos de casos com tons pessoais, o exemplo ensina, embora não generalize.

 

I.

Como alguém externo ao movimente, observei que a prática de esporte com skate (patins etc.) exige e impõe certa moral especial. Se um praticante cai, nunca se deve rir dele. Se  faz certa manobra difícil e improvável, todos comemoram porque foi esplêndido. Tal moralidade corre entre praticantes de todo o mundo já há algumas décadas. Isso prova que há alternativas contra a degeneração.

II.

O indivíduo, com seu perfil, também faz a história – e o acaso faz a história. No Maranhão, em certo sindicato, houve a disputa de duas chapas na sua eleição: a dos revolucionários e a dos reformistas. Ganhou a segunda, mas tudo foi muito mais dialético. A presidente nova do sindicato – considero que ela seja de tipo obsessivo – não roubava nem deixa roubar. Ela era mais do que correta, corretíssima. Então, os outros membro da direção tentaram de tudo para “resolver” isso: manobra, assédio, calúnia, ameaça etc. Mas ela era irredutível, firme e brava. Foi por isso, portanto, que ela se aproximou, depois, dos antigos inimigos, os socialistas trotskystas.

III.

De madrugada, tive a tarefa de colar cartazes por toda a UFPI. Era um trabalho de sísifo, pois os militantes do PCdoB, criados no oportunismo, arrancavam todos os dias nossos materiais. Na chapa para o DCE, cogitou-se fazer o mesmo. Mas os militantes do PSTU foram firmes: os estudantes, a base, devem decidir livremente e por voto, sem um grão de manipulação de nossa parte. A luta era também  moral: manipulação estalinista ou democracia de base trotskista? Era uma luta pelo método, pela alienação contra a emancipação. Cumpre notar, que o PCdoB, UJS, invadiu a sala de contagem de votos e quebrou as urnas que sabiam que iam perder. Assim, pela força, ganharam a direção da organização estudantil… Veja-se que o debate universitário entre Stalin, o ditador, e Trotsky, o general democrático, não é abstrata, tem consequências práticas. Fui um grande aprendizado ver jovens, que deveriam ser dotados de certo romantismo, oportunistas.

IV.

Vi, por exemplo, sindicalistas do PCdoB e do PT agirem como verdadeiros mafiosos: ameaçavam de morte, agrediram um adversário com socos e em bando, tentavam corromper, furavam pneus de carros, roubavam dos sindicatos, encerravam uma greve sem votação, destruíam a luz de um prédio para não haver assembleia da categoria etc. São muitos casos. Todos eles diante da disputa pelo sindicato dos rodoviários do meu estado. Isso é comum, rotina, dentro do movimento sindical e popular – por isso, os pelegos terão, muito provável, de morrer porque estarão, com a maioria dos sindicatos, do lado da burguesia na guerra civil revolucionária.

V.

Uma duríssima luta fracional surgiu no PSTU do Piauí. Falava-se de tudo, mesmo do problema real. Eis o cinismo: elevar, de maneira artificial, o debate para evitar falar da importante podridão. No fundo, toda a manobra era uma disputa de dois grupos pela direção do sindicato, quem lideraria a instituição. Mas disso ninguém falava de maneira direta. O problema seria, por exemplo, de “concepção e regime”. O militante G fez assédio moral contra certa camarada que trabalhava de graça no sindicato; objetivo era afastá-la para empregar outro militante, pertencente ao seu grupo.

A pauta do feminismo era usado de modo oportunista. Para acusar e desmoralizar o adversário. Numa dessas reuniões, a militante L disse contra uma camarada: se você me enfrentar na plenária de balanço, eu te destruo… Certa vez, uma ativista foi atacada com violência em sua pequena cidade por ter postado uma foto nua. Foi, então, para Teresina pedir ajuda. Mas as militantes do PSTU colocaram ela de escanteio. Por quê? Porque a garota, não elas, ganharia alguma fama com o caso.

Na verdade, havia luta fracional em todo país, escondida pela direção nacional, incluso luta nos organismos dirigentes. Mas, de modo imoral, os quadro experientes esconderam o fato como força de lei interna. Assim, de maneira obscura a luta era feita – com expulsão clara ou velada de militantes e grupos internos para garantir maioria. Aqueles de base que eram espertos demais passavam para ostracismo.

O sexo foi usado como arma de convencimento (muito usado no PSOL, PT e PCdoB: chamada tática dois, ou seja, se não ganha na política, namoro aquele ativista para ganhá-lo para minha corrente). Clubes sexuais informais surgiram, mas para manipular, não para emancipar a sexualidade.

Muitos militantes, antes revoltados e aguerridos, recuaram e defenderam outras posições, que outrora criticavam, porque estar de um lado na luta de facções garantia seu emprego, sua casa, sua vida social, para não ser expulso etc. O cinismo passou, portanto, a tomar conta do cenário.

Depois, G vendeu seu mandato sindical para seu parente, e escapou da polêmica morando em outro estado – com uma gratificação ilegal extra dado pelo membro do governo que é de sua família! Quando a informação chegou até mim, o susto foi tão grande que tive uma “alucinação negativa”, esqueci de fazer tal denúncia, seque lembrava dela. Neste tema, o G impediu enquanto pode, em nome de boa relação familiar, que o partido e o sindicato chamasse o “Fora” ou “Abaixo” contra seu parente.

Nessa luta difícil, perdi algo como 20 quilos: de leve obesidade para alguém ósseo. Depois, surgiram as crises de pânico, que duraram alguns anos. De tal modo, é-me difícil falar sobre tudo ocorrido, existe uma peso subjetivo enorme.

No lugar de manter a luta para a contradição ser resolvida, no lugar de debate franco, forçou-se a eleição imediata dos novos dirigentes – algo sem critério, manobra. Assim, um organismo de direção regional que deveria ter 5 militantes passou a ter 11 para agradar paladares oportunistas. Tudo isso sem debater, antes, programa, propostas, polêmicas etc.

Até ameaças veladas e informais eram feitas. Por segurança, não as descrevo. Mas isso posso antecipar: os melhores militantes tendiam a ser afastados, premiando-se os priores, os submissos, os adaptativos.

Cada grupo regional era ligado a um grupo nacional de modo informal e secreto. Como os iguais se atraem, os professores aliavam-se à ala intelectual; os burocratas, com os sindicalistas; os partidários, com os partidários. Isso revelava questões de fundo, de classe.

O clima era insuportável, pois, a qualquer momento, era-se vítima de certa manobra. Diante da tensão, os com mais dificuldade afastavam-se aos poucos.

Quem defendia acriticamente a posição a direção nacional ganhava claros pontos, espaço etc. Era um jogo de agrado, de submissão. Por exemplo: escrevi um documento sobre a crise do partido que previa sua contradição (até hoje não compreendi porque D. fez muito esforço para me impedir de enviar o texto ao congresso partidário). Mas, então, o texto – e outro para o congresso internacional da LIT – foi boicotado na minha própria regional…

Mais uma vez, temos de falar de G. Ele afirmou na plenária dos servidores: o dirigente geral político do setor deve ser, por regra, o dirigente sindical. Assim, ele queria colocar a militante L., que era sua amante, na direção geral dos dois organismos, partidário e sindical. Mas a informação era falsa, não estava nos estatutos partidários.

VI.

Che Guevara abriu mão de uma vida estável e próspera como burocrata estatal cubano para enrolar-se nas selvas da Bolívia. Isso é moral.

Quando os militantes soviéticos pediam desculpas pelos seus “erros”, ou seja, recuavam a crítica, faziam isso para evitar o exílio, o desemprego, a prisão, a morte e o isolamento. Mas Trotsky lutou pela verdade até o último instante de vida, por isso ele é uma personagem tão apaixonante no teatro da história universal.

VII.

Eis a era do cinismo. O professor finge que dá aula, o aluno finge que aprende, o médico finge que trabalha, o jornalista finge que faz jornalismo etc. certos patrões brasileiros lavavam dinheiro ao oferecer palestras sobre ética, ética empresarial… Vivemos tempo, de fato, de mercadoria sem valor, aparência sem essência, forma sem conteúdo, jarro vazio.

 

 

 

 

O INDIVÍDUO

 

De modo formal ligado à tradição marxista, Sartre afirma que tal ciência tem a falha de evitar o indivíduo, focado apenas nas classes, nas forças produtivas etc. Os marxistas freudianos costumam fazer igual crítica. Mas na obra “História da revolução russa”, primeira obra de história do marxismo, por Leon Trotsky, um dos maiores representantes de nossa escola, há a afirmação: 1) o perfil pessoal do Czar e da Czarina importa para entender tal narrativa, 2) a revolução russa não teria sido vitoriosa sem Lenin, a direção do partido teria capitulado à democracia burguesa. Eis exemplos que refutam Sartre.

Em uma de suas aulas, Sérgio Lessa traduz e resume Lukács: a história é e se faz na ação dos indivíduos – e a ação dos indivíduos se faz na história. Isso larga o objetivismo da história e o subjetivismo individualista sobre ela. Os indivíduos fazem a história, mas sob condições dadas e não escolhidas. Ora, tal verdade é incompleta, pois o todo adquire propriedades que as partes, os indivíduos neste caso, não têm. No nosso caso, porque os indivíduos estão atomizados e em luta uns contra os outros, o mundo das coisas ganha autonomia e poder – surgem leis imperativas que não foram decididas por ninguém. Rumamos ao abismo guiados por um carro automático. Em certos momentos e épocas, fazemos a história em parte apesar de nós mesmos. Veja-se que partidos oportunistas foram forçados a fazer revoluções socialistas no século XX.

Para mim, todas as demais consciências são algo objetivo, não apenas subjetivo; eis a relatividade dos conceitos. Como o mundo é muito maior do que nossas cabeças, somos, em última instância, determinados por ele. Pode-se agir contra as necessidades reais e da história, incluso atrasando a realização de tais necessidades, mas elas são impostas no fim, enfim.

Lukács cai em idealismo ao considerar a razão ou a idealidade como motor primeiro, sendo a categoria central do trabalho a teleologia. Para ele, focado nesse indivíduo que faz a história, pensamos em fazer o machado; então, fazemos o artefato; então, mudamos o meio ambiente, o mundo; então, o mundo nos muda; então, o novo ambiente exige de nós uma segunda teleologia. E assim por diante o processo repte-se, circular-espiral. Ora, a consciência é a busca permanente do permanente na mudança. É porque a realidade muda, que a mente eleva-se de seu patamar anterior. Uma mudança forte e inesperada do real, força a ainda buscar o permanente – o que é base para a criatividade. O primeiro motor é o mundo. Como isso acontece, apenas a pesquisa e a antropologia especializada poderá dizer. Vejamos casos hipotéticos. Uma mudança de clima em todo o mundo, seja por abundância seja por escassez, permite à mulher coletora na antiguidade pré-histórica perceber que da semente nasce a planta nova, o que inicia a agricultura. No mundo todo, a agricultura surgiu na mesma época, o que sugere uma causa comum (um clima que força ou, ao contrário, favorece perceber com rapidez a causalidade semente-árvore). O mundo força a teleologia ou dá suas condições.

Hoje, a sociedade é uma associação não associada. O mundo social é apesar de nós, dos indivíduos enquanto isolados. Se as coisas pudessem livrar-se dos homens, o fariam. Marx, no livro III d’O Capital, afirma que o socialismo é quando o desenvolvimento do indivíduo será condição para desenvolver o coletivo, a sociedade. Condição. Temos ainda a contradição sociedade e indivíduos, pois os desenvolvimentos daquela continua a ser feito com a redução deste. Os marxistas vulgares pensam que o marxismo é a afirmação da unidade do coletivo com máximo sacrifício individual, mas pensam pela metade e de modo mecânico. A verdadeira afirmação da individualidade é antissistêmica, pois exige junto consigo a liberdade, a igualdade e a fraternidade – tríade que só pode vencer se unidas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ESTÉTICA MARXISTA

Crise da arte

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