ÉTICA MARXISTA
POR UMA
ÉTICA DIALÉTICA
CRISE DA
ÉTICA
Enquanto
lês, agora, uma mulher é estuprada, uma criança é sexualmente abusada, um
revolucionário é torturado, alguém comete suicídio, famílias passam fome, um
jovem trabalha por 12 horas, há escravidão; um rico, um político ou um falso
líder religioso está roubando o povo. Não precisaria ser assim – não mais.
“A vida não
é uma tarefa fácil… Você não pode vivê-la sem cair em frustração e cinismo, a
menos que você tenha um grande ideal, que o eleve acima da miséria pessoal,
acima da fraqueza, acima de todos os tipos de desesperança e futilidade”.
Leon Trotsky
Como o leitor deve saber, a tarefa de escrever uma ética é difícil.
Tanto mais difícil escrever uma ética de clara inspiração marxista, pois tal
ciência única e correta da história humana exige um conhecimento da totalidade.
Para falar de moral, tona-se necessário um alto conhecimento de psicologia,
economia, sociologia, dialética etc., além de revisão de quase tudo importante
escrito sobre o tema.
Nunca foi escrito uma Ética, com pretensões gerais e definitivas na
história da filosofia, de inspiração marxista. Isso tem razão de ser: somos
minoria, mais, somos minoria perseguida em todo o mundo. Ninguém é torturado e
triturado por seguir Aristóteles ou Piaget. Lukács, bastante perseguido pelo
estalinismo, passou a vida toda a se preparar para tal tarefa, mas morreu sem
deixa sequer um manuscrito editável. Nossa situação é deplorável, tanto mais
porque as ditaduras estalinistas destruíram momentaneamente o marxismo,
transformaram-no em religião dogmática e ensinou o cinismo por todo o mundo
entre militantes. Para eles, moral é moralismo… Trotsky foi o único a deixar
escritos claros sobre o tema, mas não algo com ares de definitivo relativo para
nossa tradição.
A decadência do capitalismo, que também é decadência moral, obriga-nos a
pensar a ética, não apenas a ética do movimento marxista. Via de regra, o
militante não está desconectado do mundo, e este empurra sua moral para dentro
das organizações vermelhas por meio incontornável dos seus indivíduos. Isso é
inevitável, mas combatível de modo efetivo. Sem moral correta não venceremos no
final da história.
Nesta obra, começo por um tema preliminar: como introdução, alguns
aspectos da psicologia marxista que elaborei em seus aspectos mais gerais.
Talvez, tenhamos finalmente superado a poderosa psicanálise, o freudismo – por
dentro dele mesmo. Assim espero. Tive de pensar a economia capitalista de nossa
era, o novo período do imperialismo, a mudança nas relações de classe, os
problemas do Estado e do aparato de repressão etc. Ou seja, o todo, suas partes
e suas interrelações. De tal trabalho, deduzi e descobri uma dialética
marxista, diacrônica e, algo imensamente polêmico, certa metafísica. Por isso,
fui obrigado a pensar uma hipótese marxista-dialética de interpretação da
física moderna, macro e quântica, e certos pontos na biologia (até o momento em
que escrevo este prefácio, não consegui contribuir na biologia uma fusão da
evo-devo e da nova síntese). Assim, a metafísica, etc. são o fim, não o começo
da pesquisa. Mas o marxista não pesquisa o que deseja, mas o que sua corrente
necessita, entre as opções mais urgentes. Minha filosofia, exceção das teses
inaugurais, tinha a lacuna de uma teoria da moral, Ética, de base marxista em
seu fundamento. As condições subjetivas para escrever tal obra estavam, grosso
modo, dados por um acúmulo de 15 anos de pesquisa geral, do mundo. Sem
psicologia correta o bastante, por exemplo, impossível uma Ética correta, como
se matéria de todo independente. A verdade é o todo, a moral é também cerebral.
O tema é, então, urgente e necessário ao máximo. Não produzo uma ética
marxista em si, ou seja, uma ética para a conduta marxista apenas; mas uma
Ética, ou seja, uma filosofia de tal objeto, um, interpretação total de sua
totalidade.
Os problemas que tive no meu antigo partido, PSTU-LIT, os problemas
morais contra os quais lutei numa dura questão fracional, têm, claro, peso
pessoal para a escolha de tal assunto sobre outros. Não foram poucos os
absurdos e os constrangimentos, morais e mais que morais. No entanto, quando
entrei na organização em 2008, a primeira reunião da qual participei teve como
foco a leitura coletiva de um documento sobre moral revolucionária, obrigatória
para os novos membros. Assim quase impossível evitar apaixonar-se pelo tema. A
organização internacional a qual ainda reivindico, a LIT, tomou tal tema como
tarefa, mas parece estar falhando em sua busca. A moral é fruto, antes, de uma
realidade, apenas depois de uma decisão. Se se quer certa moral, crie-se as
circunstância para ela.
Como morenista, li um texto de Moreno sobre moral, algo deplorável. Por
exemplo: condena como degeneração pequeno-burguesa a homossexualidade. Moreno
escreveu tal texto no começo de sua militância e na prisão por razões de
perseguição política. Depois, abandonou tal escrito, revividicado de modo
imprudente pelo PSTU. Está na hora, portanto, de resolvermos tal questão.
Quando o Muro de Berlim desabou sobre nossas consciências, os marxistas
oficiais perderam a ousadia, a necessária megalomania, adaptaram-se. Perdeu-se
a perspectiva de projeto. Assim, a teoria produzida é em geral pobre,
dispensável, parcial, repetitiva. O medo de desmoralização é maior que a
vontade de vencer. Recuamos na teoria tanto quanto na moral, a crise moral
tomou conta de nosso movimento (vendaval oportunista, segundo a LIT). A nova
geração de marxista, os dos países pobres em especial, têm o dever e a
capacidade latente de renovar nossa tradição e nossa teoria, respeitando e
compreendendo nossos velhos. No Brasil, além do autor deste livro, temos
marxistas talentosos vindos da classe trabalhadora: Jones Manuel, Santiago
Maribondo, Gustavo Machado, o paraguaio Ronald León etc. São inexperientes na
luta de classes, mas talentosíssimos. Devem, no entanto, aprender a ser ousados
ao máximo – se necessário, escarrar sobre supostas verdades consolidadas.
Lukács apenas planejou sua ética, e deixou-nos duas bases claras em sua
letra: 1) a categoria da liberdade é apenas humana, social, ou seja, escolhemos;
2) a teleologia é apenas humana, de nosso cérebro. Ora, em nossa psicologia e
em nossa Metafísica, em especial, a liberdade é, antes, objetiva e apenas
escolhemos o que de fato já vamos escolher. A teleologia também é, primeiro,
objetiva – a causalidade geral a gera – e
deve ser respeitada e observada; ocorre, então, na espécie humana em principal
e de maneira forte, a subjetivação de tal categoria objetiva. A ciência atual
sabe que liberdade (como externa, probabilidade quântica etc.) e teleologia
(corvos etc.) são categorias também presentes na natureza não humana.
O leitor saberá que evito ao máximo ser prolixo, mas isso me fez cair no
erro oposto, o laconismo. É um defeito da obra, ir direto demais ao ponto; ao
menos, poupa o leitor. No decorrer do livro, o leitor verá quanta confusão
existe, que atrapalha uma concepção correta de Ética.
A luta de classes é, também, uma luta de morais, moral contra moral.
AS QUESTÕES
CENTRAIS
ALIENAÇÃO E
ÉTICA: O CONCEITO GERAL CENTRAL DA ÉTICA
Há o marxismo no sentido restrito, ortodoxo e revolucionário, além de
dialético, e o marxismo no sentido amplo, que abarca várias correntes. Uma das
formas de dividir o pensamento contemporâneo é entre marxistas e não-marxistas.
Tal é o peso desse pensador militante.
O marxismo vulgar tenta tornar Marx algo tragável à academia: sem
dialética, sem método, sem seu trabalho político, sem sua juventude – sem sua
teoria da alienação. Uma posição fácil de refutar, cambaleante.
O título deste capítulo seria mais exato se dissermos que o tema da
alienação é base de toda ética marxista. Por exemplo, para Marx, alienação é
separação do homem da natureza, como se externo a ela: logo vemos que a pauta
ambiental, inerentemente socialista, é algo moral. Respeitar o meio ambiente é
autorrespeito, pois somos parte da natureza, somos, em primeiro lugar, animais
– não divinos.
A alienação significa, grosso modo, separação, separação daquilo que
deveria estar junto. O operário não se identifica com o objeto que ele mesmo
produz, estão separados. Muito mais que isso: porque estamos desorganizados e
separados como humanos, surge uma lógica das coisas, para as coisas. O mundo
das coisas passa a dominar o mundo dos homens – a criatura domina o criador. O
dinheiro, a Coisa das coisas, domina o homem como se fosse um Deus real e
material; o dinheiro desconhece e não aceita qualquer limite, dinheiro em busca
de mais dinheiro, valor (a alma da mercadoria) em busca de autovalorização. A
criação da mão do operário, a mercadoria, passa a dominá-lo, a subjugá-lo. A
valorização do mundo as coisas ocorre na proporção da desvalorização do mundo
dos homens.
O contrário de alienação é felicidade, ou emancipação, ou melhor,
humanização da humanidade, hoje coisificada. A ética marxista é esta: humanizar
o homem. Por isso, somos contra o machismo, por exemplo. Por isso, fazemos
greve por onde os operários tornam-se sujeitos. Por isso, nossos partidos são
verdadeiramente democráticos e justos. A única moral real possível é a
marxista, a operária e a socialista.
A alienação é algo objetivo, um fato social, mas também subjetivo, afeta
nosso aparelho psíquico. Tua tristeza chama-se capitalismo. A felicidade é,
portanto, o grande tema central de Marx, nem mais nem menos. A felicidade é
para hoje, não para o amanhã. De tal modo que se todos procurarem, sem recuo,
de fato, ter uma vida feliz, que valha a pena, o sistema cairá.
A moral é anticapitalista até a medula. O capitalismo apenas pode
persistir como alienação, ou seja, como sistema imoral. Sem mentira, trapaça,
traição, manobra, assassinato, crime etc. o sistema não poderia ficar de pé.
Ele depende até do cinismo social geral. Trata, portanto, de tentar produzir
homens diabólicos que sejam a sua imagem e semelhança. Quantas família e nações
foram arrasadas por causa do dinheiro? Ou acabamos com o capital, com a
desumanização, ou ele acaba conosco.
Mentir ou falar a verdade, qual o correto? Depende: qual reduz a
alienação, qual atua para a libertação da humanidade? Enfim, qual humaniza o
homem e diminui sua desumanização? Mentir ao patrão em uma greve pode ajudar a
luta a ser vitoriosa por parte dos operários. Mas mentir ao operário na greve
é, grosso modo e via de regra, imoral do ponto de vista socialista – mesmo se
com as melhores intensões. Podemos perder ou ganhar na luta sindical, mas é a
moral, ou seja, o combate à alienação, que define, em última instância, se o
balanço do processo foi positivo ou vitorioso. Por exemplo: se a greve consegue
aumento salarial, mas os comunistas dirigiram a greve com mão de ferro, sem
assembleias de base – o balanço é necessariamente negativo. Uma pequena
ditadura surgiu, alienação, isto é, domínio do homem sobre o homem.
Somos necessariamente imperfeitos, erramos. E tentar a perfeição
artificial geral distúrbios mentais. Mas temos metas e guias de nosso
comportamento, que devem ser lavados a sério. Por isso, sejamos tolerantes e
didáticos, mas tenhamos limites e rumos cristalinos. Além disso, a moral
marxista permite mediações, além de não ser uma receita de bolo.
Certa moral surge, é defendida e racionalizada porque ela é necessária.
A moral marxista, na teoria e na prática, não são frutos do pensamento
iluminado – trata-se de uma reação inevitável ao altíssimo grau de alienação em
nossa época.
Sem moral correta, impossível a vitória da revolução socialista. Pois a
moral de um partido é a manifestação de sua realidade interna, de seu estado.
No socialismo não haverá alienação social, pois ela não é um fato ou
fenômeno em si, mais uma totalidade (divisão de classes etc.) social, humana
desumana.
ESTALINISMO
E MORAL
Trotsky escreveu um livreto sobre moral, Moral e Revolução, do qual
seguimos os passos primeiros. Sem conhecer a importância da palavra alienação,
porque os textos de juventude de Marx eram raros ainda, foi no rumo certo, em
tal rumo. Em seu Programa de transição o Manifesto do século XX, disse:
A IV Internacional afasta os
mágicos, os charlatães e os importunos professores de moral. Em uma sociedade
fundamentada sobre a exploração, a moral suprema é a moral da revolução
socialista. Bons são os métodos e os meios que elevam a consciência de classe
dos operários, sua confiança em suas próprias forcas, sua disposição à
abnegação na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram nos oprimidos o
medo e a docilidade diante dos opressores; sufocam o espirito de protesto e
revolta e substituem a vontade das massas pela vontade dos chefes, a persuasão
pela pressão, a análise da realidade pela demagogia e a falsificação. Eis por
que a socialdemocracia, que prostituiu o marxismo, e o stalinismo, antítese do
bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e de sua moral.
Olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência;
chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga que
seja; não temer obstáculos; ser rigoroso nas pequenas como nas grandes coisas;
ousar quando chegar a hora da ação: tais são as regras da IV Internacional. Ela
mostrou que sabe ir contra a corrente. A próxima onda histórica conduzi-la-á a
seu cume.
Com a necessária mediação histórica, a classe operária, o que é essa
moral senão a moral contra a alienação, pela humanização do homem?
Ele produziu a obra em meio aos processos caluniais de Moscou, às
perseguições da polícia política secreta GPU, à campanha internacional por sua
desmoralização feita pelos partidos estalinista de todo o mundo. Ele foi,
assim, obrigado a tratar do tema. E o fez de modo apenas inicial, mas genial
ainda assim.
A moral estalinista nada é mais do que a expressão da realidade
estalinista. Os burocratas ditadores precisavam, naturalmente, de certa moral
sua. Daí a calúnia e a matança ser regra. Condena-se os campo de concentração
nazistas – mas não os campos de concentração estalinistas e a morte, nas mãos
de Stalin, da maior parte dos revolucionários que lideraram outubro. Sobre o
assunto, os estalinistas são cínicos.
Nenhuma luta moral, no entanto, resolveria a situação. A materialidade
resolve-se por meio da materialidade mais do que mental e comportamental. Em
desespero, vendo a burocratização do partido e do Estado avançar com rapidez,
Lenin condena Stalin pouco antes de morrer:
Stáline é demasiado rude e este defeito, plenamente tolerável no nosso
meio e nas relações entre nós, comunistas, torna-se intolerável no cargo de
secretário-geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem na forma de
transferir Stáline deste lugar e de nomear para este lugar outro homem que em
todos os outros aspectos se diferencie do camarada Stáline apenas por uma
vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais
atento para com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode
parecer uma fútil ninharia. Mas penso que, do ponto de vista de prevenir a
cisão e do ponto de vista do que escrevi mais acima acerca das relações entre
Stáline e Trótski, isto não é uma ninharia, ou é uma ninharia que pode adquirir
importância decisiva.
A fibra moral de Lenin era mais forte que a fibra de seu coração. Isso
fez do leninismo uma religião falsificada nas mãos do estalinismo, o culto ao
líder.
Apenas se pode defender Stalin e o estalinismo falsificando a história,
mesmo que se use verdades para isso, uma postura do tipo de um reformista ou
centrista anti-liberal, mas não marxista de fato.
Já disse em outro momento, inspirando-me de modo direto em Lenin: o
primeiro dever de um militante é discordar de seus dirigentes. Pensar com a
própria cabeça, negar a alienação, aprender a pensar: torna-se direito e,
ademais, obrigação, dever. Às vezes isso pode custar a vida, mesmo. Mas o
futuro é dos teimosos.
Lukács, que morreu pouco antes de começar a escrever sua ética
(marxista), pensava que o problema da burocracia estatal “socialista” era,
primeiro, algo moral. Com tal premissa, teria errado por todo o livro.
Esta obra não é, em primeiro, uma reflexão sobre como os marxistas devem
se comportar. O foco é tentar uma obra definitiva de ética ou moral. Mas uma
ética social, não setorial, deve ter pretensões generalizantes.
Uma obra de Ética marxista tornou-se mais fácil de produzir porque o
sistema entra em crise também moral, exacerbando as formas de alienação, e o
socialismo é, finalmente, uma possibilidade necessária.
MORAL E ECONOMIA
MORAL E “O
CAPITAL” DE MARX: EXPLORAÇÃO
A grande obra de Marx é, em primeiro lugar, um escrito de economia, no
sentido positivo. Mas seu método é, dito de modo grosseiro, interdisciplinar:
trata-se de história, geografia, psicologia etc. juntos. Eis a dialética, ou
seja, a busca da difícil totalidade.
Os marxistas de baixo nível tentam reduzir a tal obra-prima a algo
objetivista, típico da cientificidade burguesa, como algo sem moral ou
“moralismos”, como pura ciência. Não é para deixar a obra maior em número
páginas que Marx dedica tanto tempo para demonstrar a vida precária da classe
trabalhadora com o advento do capital e do capitalismo. Suas denúncias visam
ativar o senso de moral do leitor – uma obra, antes de tudo, militante. Ele
toma lado, tem projeto.
Nossa tese neste capítulo é este: a categoria marxista e “econômica” de
exploração tem duplo caráter, duplo significado. “Exploração” é tanto objetivo
quanto subjetivo, tanto um conceito econômico quanto moral!
A escolha da chamada taxa de exploração – ou taxa de mais-valor no atual
sistema – não é arbitrária ou uma coincidência. Marx deixa claro que não se
paga pelo trabalho real, mas pela força de trabalho. Um engodo ocorre.
A exploração capitalista obriga, de modo retroativo, a aumentar ainda
mais, se possível, a exploração, logo, a taxa de exploração. Por isso, Marx diz
que a elevação de um polo é a deteriorização do polo oposto – um ganha se o
outro perde. Moral, portanto. Ele dá a base da moral imoral do capitalismo,
embora sua obra não seja um tratado de Ética.
Por várias vezes, Marx cita autores que demonstram como o dinheiro
corrompe almas, perfis, pessoas, a sociedade etc. Não são meras frases de
efeito para agradar o leitor. O dinheiro tem tal poder de corrupção quase
irresistível. Resgatar a moral é destruir a sociedade do dinheiro e o dinheiro
mesmo.
Enfim, um forte senso ou instinto moral motivou Marx. Os incultos de
direita dizem que imposto é roubo, mas não sabem que, no subterrâneo, o imposto
vem do mais-valor produzido pelo operário. Na verdade: lucro é roubo. Marx fez
o impossível: quantificou a imoralidade.
MORAL E
TRABALHO
O trabalho, para Marx, configura-se como necessidade natural do homem.
Ser humano é ser trabalhador produtivo. Eis a fonte do prazer, trabalhador à
semelhança da boa arte, o oposto do desprazer da alienação. Mas é no trabalho
atual quando nos sentimos mal, negados, objetados. Somos coisas no trabalho, sequer
animais. O trabalho é, assim, tortura real, mental e física, porque é trabalho
alienado, para outro indivíduo, explorado. Perde-se a autossatisfação e
autoafirmação artesãs. O trabalho, como puro trabalho, abstrato, afastou o
interesse do trabalhador pela sua concretude.
No entanto, quando desempregado, o trabalhador não passa apenas por
aperto financeiro. Sente mal cada vez mais, sente-se inútil, um fardo ou um
peso. Sua autoestima desaba, seu orgulho fica ferido de morte. O trabalho foi
rejeitado até antes do capitalismo como algo ruim, e hoje é a medida do homem
(mas a medida de todas as coisas, mesmo se parecem ser homens, é o dinheiro…).
O socialismo fará uma nova rejeição saudável do trabalho: tudo possível será
robotizado, automatizado e informatizado. Teremos uma jornada de trabalho, para
nossos padrões atuais, ínfimo, pequeno, como quatro horas por dia, de segunda à
quarta. Além, claro, de um trabalho leve, intelectual e estimulador.
Pensa-se que os campos de concentração nazistas, como os estalinistas,
como apenas depósito de gente, como prisões duras. Na verdade, tais campos eram
tentativas de implementar a escravidão, por isso havia duro trabalho. Na porta
de um desses campos estava escrito: o trabalho dignifica o homem. Não: hoje por
hoje, nega o lado humano do ser humano, deve ser reduzido ao mínimo do mínimo
necessário.
Os economista vulgares enchem a boca para dizer “taxa natural de
desemprego!’. Querem que uma parte dos trabalhadores passe fome para, segundo
eles, não haver inflação. Assim, uma taxa social é dita natural, um a força da
natureza… A burguesia dominante odeia o pleno emprego e suas ondas de greves.
Por isso, quer a economia morna, não aquecida.
Uma jornada de trabalho de 8 horas diárias é, hoje, com a modernidade e
a tecnologia, imoral. Às vezes, com 4 horas destinado ao transporte, mais uma
hora ou mais de alimentação e higiene para o trabalho – algo imoral. Reduzir a
jornada diária para, por exemplo, 5 horas, com o mesmo salário, é necessidade
moral urgente, humanizadora. Trabalhar para viver, não viver para trabalhar. A
dignidade deve ser defendida. O trabalhador fabril sequer tem tempo de cuidar
de sua saúde por meio de exercícios.
Para o senso comum, com razão, a escravidão é, hoje, algo abominável,
inaceitável, imoral. O marxismo descobre que o trabalho assalariado é uma forma
oculta de escravidão, escravidão assalariada. Ambos são imorais! Deve-se,
portanto, acabar com qualquer forma de domínio do homem sobre o homem. Abaixo o
regime de salários! Abaixo o dinheiro! A luta por salário e dignidade forçará
ao fim da forma-salário, forma-preço, forma-capital. Trabalhar para outro ou
morrer de fome – eis a liberdade burguesa! Trabalhar para si e para sua
comunidade – eis a liberdade socialista!
MORAL E
FÁBRICA
Marx demonstra que o patrão é um ditador na sua empresa, mesmo. Dentro
de suas paredes de metal, nenhuma democracia. Se uma operária fala muito de
política, logo o gerente a marca como possível sindicalista ou inimiga. Há uma
luta oculta, recheada de manobras, entre democracia real e ditadura nas
empresas.
Engels, um industrial, denunciou sua própria classe: os burgueses fazem
da fabrica seu harém não oficial. Então, a imoralidade prospera. Mas não para
aí: o ritmo, a velocidade, a quantidade de pausas – tudo é calculado e imposto
sem mais, de cima para baixo.
É muito comum que os patrões tentem impor um produto mais barato, mas
venenoso, na produção, contra a saúde dos funcionários e do meio ambiente. Eis
uma luta moral! Tudo isso ocorre porque é imoral a divisão dos homens em
classes, em ricos e pobres, a dominação o homem sobre o homem
DECADÊNCIA
SISTÊMICA
A decadência de um modo de produção é, também, a decadência de um modo
de vida. No capitalismo, por exemplo, a queda da taxa de lucro para níveis
perigosos exige mais cinismo, mais luta, mais boicote e trapaça etc. Surge a
moral imoral do neoliberalismo, sintoma do fim do capital. Na Roma antiga, as
traições no Estado ganharam relevo nos seus últimos séculos e dias. Isso faz
parecer que o problema todo é algo ético, ou seja, moral: os ideólogos (Platão
etc.) passam, assim, a lutar por certa moral elevada, identificando aí – ao
modo idealista – a raiz de todos os males sociais. É uma ilusão real,
metodológica e prática. Debate-se moral e felicidade exato porque ela está
ausente à mesa do cotidiano.
MORAL E
DINHEIRO
O dinheiro não é neutro. Ele pertence a certo modo de vida, ou melhor, o
modo de vida lhe pertence. É típico do mercado e de sua sociedade, o
capitalismo. Mesmo marxistas experientes pensam que o dinheiro existirá no
socialismo. Eis erro de principiante promovido por quadros estudados… Vejamos
como será a coisa toda. Na próxima sociedade, os trabalhadores terão um cartão
magnético ou aplicativo em celular que dirá ter sido útil à comunidade, ao
estudar ou ao trabalhar, logo tendo acesso gratuito aos produtos da sociedade
nos estoques públicos de seu bairro. Esses dados não circularão, por isso não
serão dinheiro – não serão dinheiro porque não circularão. Melhor: esses dados,
não se acumularão, logo não serão dinheiro nas mãos de poucos (mesmo que esses
“poucos” seja o Estado). Os dados apenas informarão, via internet, ao
supercomputador do centro de planejamento que tal ou qual, ou tanto de, produto
foi retirado do estoque, por isso deverá ser reposto de acordo com o
planejamento central e democrático, além de técnico.
É famosa a frase no meio de esquerda: mais fácil imaginar o fim do mundo
do que o fim do capitalismo! Ora, assim, mais fácil imaginar o fim de tudo do
que o fim do dinheiro. No socialismo teremos outras categorias sociais. O
dinheiro não será “melhor distribuído” – ele terá fim.
A lógica do dinheiro corrompe as almas, mesmo. O dinheiro não é apenas
ele – é ele mesmo e sua acumulação. Dinheiro em busca de mais dinheiro: valor e
capital. É de sua natureza objetiva, social, promover a disputa, a guerra, o
egoísmo, a tara por acumular etc. O inconsciente social faz com que o burguês
pense que quer enriquecer apenas por sua própria vontade livre, pois há
vantagens evidentes nisso, mas ele segue a lei cega e objetiva do capital,
personifica-o, está subordinado ao desejo e à lógica do dinheiro. Sua
subjetividade é a subjetivação da objetividade.
Tudo isso é fácil de observar: famílias, amizades, empregos etc.
quebram-se com altíssima frequência por causa da alma social imoral, a moeda.
Irmãos brigam como nunca pela herança, mal o pai morre. Casa-se por sincero
amor ao dinheiro. Projetos sensíveis são abandonados por falta de verba.
Escolas privadas querem fechar escolas públicas necessárias. Entra-se na
política para roubar. O empresário sonha acabar com os direitos trabalhistas de
quem lhe garante o lucro. E assim por diante, e assim por diante. O mundo
torna-se um mundo invertido, de cabeça para baixo. É um inferno na Terra, pois
todo nosso pensamento está guiado por e para uma coisa que nos controla, apesar
de ser apenas um papel pintado ou menos que isso hoje.
Hoje, o dinheiro é um nada que é, porém, tudo – o próprio Ser, Deus
material. Ou acabamos com ele ou ele acaba conosco. Por exemplo, vejamos: mesmo
indo para rumo à extinção de nossa espécie, as pessoas atomizadas continuam a
desmatar a floresta porque fazer isso lhes dá lucros. O médio prazo que se
dane! De modo geral, apenas resolveremos a crise do meio ambiente acabando com
o império do valor, do dinheiro. Inexiste meio-termo possível sobre: estamos
diante de uma época em que ou resolvemos tudo ou nada se resolve.
O dinheiro garante, enfim, a corrupção. Não se pode corromper bem um
homem dando-lhe uma tonelada de milho que não se troca por dinheiro. Já o
dinheiro troca-se por qualquer coisa, fácil de transportar, fácil de valorizar
(juros!), não se deteriora, fácil de esconder, fácil de guardar etc. Suas
características são corruptoras, geram a “boa” condição para corromper. Abaixo
o dinheiro! As propriedades de tal objeto empurram para degenerar a moral comum
como se uma força irresistível.
Veja bem. Uma sociedade abundante é a base da solidariedade, do fim da
exploração, do fim da alienação, do reino felicidade e da liberdade etc. Mas
uma sociedade abundante coloca em crise o dinheiro, pois o preço não compensa,
o preço tende a ficar abaixo dos custos de produzir! O mercado, o dinheiro,
serve à e alimenta-se da escassez real ou, em nosso tempo, artificial.
MORAL E
SOCIALISMO
Trotsky acerta quando diz que o homem do futuro pouco parecerá com o
atual revolucionário. Ele será mais doce, mas a educação pública cuidará de
fazer dele forte e autônomo. Os sacrifícios revolucionários de nosso tempo
serão objeto de elogio mais parte de algo ainda bárbaro – o heroísmo forçado
pelas circunstâncias. Tempos de barbárie e tempo de heróis andam juntos. O modo
de vida socialista terá sua própria moral não revolucionária, fruto da
realidade específica não revolucionária.
FETICHE:
COISIFICAÇÃO DA LIBERDADE
A teoria do fetiche de Marx significa que algo social aparece como
coisal, significa que uma relação social aparece como relação social entre
coisas e o homem é coisificado. Nós temos a coisificação da liberdade humana,
da igualdade e da fraternidade.
A liberdade humana parece ser a liberdade de ter algo ou propriedade
privada, além de pessoal. Da minha casa para dentro, sou o rei. Não porque é
meu lar íntimo humanizado, mas porque me pertence coisalmente. Quanto mais
propriedade ou dinheiro, mais liberdade.
Assim, somos iguais porque trocamos coisas, não por uma relação
diretamente humana. Assim, somos fraternos porque estamos no mercado como
proprietários privados, não como proprietários sociais. Seríamos livres na
medida das trocas ditas voluntárias.
Liberdade, igualdade e fraternidade são coisificados, fetichizados. Eles
não seriam frutos de relações sociais, mas coisais.
Em sua ética, Aristóteles expressa:
Ora, a retribuição é garantida pela conjunção cruzada. Seja A um arquiteto,
B um sapateiro, C uma casa e D um par de sapatos, O arquiteto, pois, deve
receber do sapateiro o produto do trabalho deste último, e dar-lhe o seu em
troca. Se, pois, há uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ação recíproca, o resultado que mencionamos será
efetuado. Senão, a permuta não será igual, nem válida, pois nada impede que o
trabalho de um seja superior ao do outro. Devem, portanto, ser igualados.
Somos iguais porque nossos produtos são igualados como mercadorias. Por
isso, Marx afirma que o reino aparencial da circulação reina com liberdade,
igualdade, Bentham e fraternidade. Tudo se iguala porque as mercadorias estão
igualadas.
Mas somos escravos das coisas, do dinheiro em especial. É preciso ter
para ser. Ninguém é se faminto. O socialismo também é o reino do ter – desta
vez, para que o indivíduo possa ser. É curioso que quase todo mundo, no Brasil,
em quase todo o globo terrestre, deseje ser ou advogado, ou médico, ou
engenheiro. Apenas. A verdade é que a vocação ou o talento quase nunca pende
para tais profissões. Algo estranho naturalizado ocorre, portanto. Em parte, o
sujeito torna-se coisa para o chamado mercado de trabalho – o salário e o
prestígio da medicina geram um poderoso campo gravitacional. Adapta-se a uma
força invisível, que impõe suas vontades.
Com o capitalismo, o mundo duplicou-se: parece que somos iguais, parece
que somos pagos pelo nosso trabalho, parece que o Estado é um mediador não
classista etc. O socialismo, enfim, encerra tal duplicação, tornando tudo
transparente mais uma vez, de novo modo. O que no capitalismo é aparência e
farsa ou ilusão objetiva, – como liberdade, igualdade e fraternidade: formais –
será, em muitos casos, essência real no socialismo – como liberdade, igualdade
e fraternidade: reais, substanciais, essenciais. O capitalismo anuncia o
socialismo, mesmo se com trombetas desafinadas. Pesando a mão e desleixando do
rigor: o capitalismo é o reino da aparência; o socialismo, da essência.
A liberdade, a igualdade e a fraternidade reais não são do tipo
coisificado, reificado, fetichizado. É uma relação humana direta, que subordina
o coisal mediador. E um fruto histórico, não apenas natural externo. Hoje, as
mercadorias fluem quase de todo livremente pelo mundo – e você?
A FARSA
MORAL DO CAPITAL
Um sistema de vida precisa justificar-se, mesmo que pela mentira, mas o
capitalismo produz uma ilusão concreta e objetiva, não apenas e em primeiro
algo subjetivo (a categoria de ilusão concreta, ou objetiva, apareceu como
necessária em minha pesquisa). A farsa moral do capital está, por exemplo, no
fato de parecer – com dados sensíveis empíricos – que o trabalhador é pago de
maneira integral por seu trabalho, não pelo preço de sua força de trabalho. O
lucro, o preço extra acima dos custos de produção da mercadoria, parece vir do
cálculo frio e objetivo do burguês diante do mercado, da concorrência; mas o
(mais-) valor e o preço “a mais” vem do trabalho manual não pago do operário, algo
oculto. Parece que o capitalista enriqueceu por esforço e genialidade próprios,
não por uma história de escravidão e outras imoralidades nas quais está
lastreado seu dinheiro e seu prazer de vida – e não parece que o trabalhador o
enriqueceu. O juro parece vir do empréstimo, dinheiro a gerar mais dinheiro,
mas seu fundo de lucro é o trabalho manual e o trabalho manual não pago. Parece
que o trabalhador é nada diante das colossais e caríssimas máquinas (capital
fixo constante, trabalho morto), mas ele é tudo. Parece que a democracia existe
de fato, mas é uma forma para que os pobres não matem os ricos. A forma de
contrato entre o patrão e o trabalhador é a forma de um contrato livre e
mutualmente aceito na circulação, mas é escravidão assalariada na produção,
como se por detrás da vida cotidiana – ou trabalha para outra classe social, de
conjunto, ou morre de fome; o fato de o trabalhador individual poder mudar de
patrão individual oferece a ilusão de escolha e liberdade, mas, visto em
totalidade real, o conjunto da classe trabalhadora serve ao conjunto da classe
dos ricos, à burguesia.
MORAL E
ECONOMIA
Óbvio para um marxista: a moral serve à economia, incluso em suas
contradições, e, em última instância, deriva desta. A função social da moral
está no centro econômico e, logo, na luta das classes. Mas dizer isso, para
nós, ainda é dizer pouco, afirmação de princípio apenas. A economia, para
funcionar, precisa estimular certa moral, mas cria também condições de
moralidade que trava suas engrenagens.
Temos, portanto, a moral estrutural, como a coragem em si enquanto
valor, também lastreada na essência humana – ser integrado, ser mutuaista e ser
ativo. Tal moral é, também, em si e para si, natural. Por outro, temos moral
conjuntural, diacrônica, vinda do modo de vida em cada tempo, em cada época, em
cada modo de sociedade – em parte consciente e em parte inconscientemente
estimulada. Claro que as duas morais podem entrar em contradição.
CRISE GERAL DOS VALORES
Pelo que temos demonstrado ao longo desta obra, a crise do valor
econômico levou à crise do valor moral – e dos demais valores, como o artístico.
Há uma crise geral do valor.
MORAL E RELAÇÕES
SOCIAIS
MORAL E
TRIBALISMO
A tribo tinha
a moral como sua substância sem nela muito pensar. Sua moralidade
desenvolveu-se. Por exemplo: podia-se fazer sexo com filhos, mas, com a
deformação nos nascimentos, logo se deduziu que os deuses condenavam tal
atitude, mudando a moral. Alguns, praticavam canibalismo; vez ou outra,
percebiam o prejuízo disso.
Os antigos
abandonavam seus velhos – como o capitalismo hoje não quer pagar aposentadoria
aos trabalhadores anciãos. Naquele caso, por escassez. Neste, veja só, por
excesso e abundância. Causas opostas com efeitos iguais em diferentes
circunstâncias.
É evidente
que a coragem era um valor nobre dos tribais, contra a valorização da covardia
no capitalismo. O indivíduo era pouco – o coletivo era tudo, condição direta de
sobrevivência do singular e do geral. São os heroísmos forçados pelas
circunstâncias.
Nós nos
apaixonamos pela moral indígena raiz, mas ela é sintoma apenas da moral
superior socialista. As tribos são o comunismo da miséria, são obrigados a
serem igualitários – o socialismo é o comunismo da abundância, a livre
associação dos homens de fato livres, substancialmente.
MORAL
OPERÁRIA, MORAL POPULAR
Não
romantizamos o mundo operário, nem o infantilizamos. Nosso foco é, portanto,
dizer a coisa tal como ela é.
Numa
ocupação de terra rural, a coletividade, unidade e a disciplina torna-se
máxima. Depois, terra ocupada, a solidariedade deixa de conduzir os sem-terra:
disputam, brigam até, por qual pedaço será seu ou do outro. Algo semelhante
ocorre em ocupações urbanas: qual rua será asfaltada?
Na ocupação
de fábrica, ao contrário, se a empresa passa a ser gerida pelos seus
funcionários, não se pode dividir a máquina em pequenos pedaços, um para cada
um; por isso a coletividade permanece.
LADROAGEM E
MAIS-VALOR
Para tirar o
peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num
aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da
qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado.
No Brasil,
imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a
possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões
pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da
rotina bárbara de seus avós ou pais. Por isso, aqui é um bom cenário para dizer
de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra
civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana.
Quando um
assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor
produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso.
Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando
uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe.
A luta de
classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o
ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado é pura inocência de
ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do
trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível
que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se
e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A
falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não
tenha, hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno
ao detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à
organização das forças de segurança e assim por diante.
Há algo
ainda a ser dito.
A ladroagem
é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características
da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim
da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe,
também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e
oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este
mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a
bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro;
os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda.
Nas favelas
dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários
tornam-se unidades econômicas, “feudos” capitalistas. Cumprem função de Estado,
como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram
economicamente a comunidade.
No Brasil,
como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem.
MORAL E AÇÃO
SOCIAL
A moral, o
que rege a relação do homem com o homem e do homem com o mundo, não é coisa;
sua atividade nunca é específica. Ao contrário, certa moral permeia o mundo
social e os homens, por meios deles e neles. É sua prática, o abstrato
concreto.
O ÓDIO
POLÍTICO
Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez
campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o
inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas
não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a
classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou
com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário
que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não
se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em
desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São
tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de
corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre
marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em
principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra
os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta,
quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A
emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um
limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e
vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve
estimular este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes
sentimentos, nada grandioso e racional será feito. “Nada grandioso no mundo foi
realizado sem paixão”, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve,
pois há horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio
como sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior
qualidade.
MORAL E
LIBERDADE
Em comentário informal, Valério Arcary afirmou que o lema “liberdade,
igualdade e fraternidade!” avisa que cada um da tríade apenas pode existir se
com o outro. Mészáros, defende a liberdade e a igualdade substantivas, mais do
que formais. De fato, a liberdade apenas existe se com igualdade, vice-versa, a
igualdade apenas há se com liberdade. É uma tríade una. A afirmação da
individualidade é anticapitalista, pois o atual sistema nega o desenvolvimento
pleno do indivíduo. Afirmar-se é quebrar o capitalismo. Assim, ao
individualizar o homem, o capital cria sua cova e seu coveiro.
MORAL E OPRESSÃO
O machismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia etc. são formas de 1)
domínio do homem sobre o homem, 2) desumanização de membros de sua espécie.
Ligado ao combate operário, deve-se combater as opressões. Dividir para
governar é a regra da burguesia na luta das classes.
Mas devemos confiar na causa, não ter medo da realidade nos refutar. Os
homens e as mulheres são iguais ou diferentes? Ou um ou outro! Na verdade, um e
outro: são iguais e diferentes ao mesmo tempo. De modo não determinista nem total,
os homens tendem um pouco mais à violência e as mulheres, ao cuidado. Mas isso
não determina destinos e perfis, pois somos sociais – naturais socializados.
O machismo, o racismo etc. são ideologias que geram sua própria
justificativa. As mulheres gregas eram consideradas de pensamento inferior, por
isso, elas eram excluídas, por isso, tinham pensamento inferior – por causas
sociais, não naturais. Os homens brancos portugueses consideravam os de pela
negra como inferiores; isso gerou pobreza entre os negros e seus descendentes,
logo, os de pele escura são, por probabilidade social, mais dos membros
ladrões, assaltantes etc.; na aparência, para os racistas, ser negro é ser
vagabundo – mas a causa real é social, não natural. É como uma profecia que se
afirma e se “confirma” exato porque foi profetizada. É um tipo de mecanismo que
nomeio pseudonaturalização do social, mas podemos criar nomes melhores.
A homofobia existe porque casais do tipo não produzem nova mão de obra,
filhos. O machismo existe porque o homem não quer trabalhar no cuidado dos
filhos, na cozinha, no zelo da casa. O racismo surgiu para escravizar negros. A
xenofobia existe para separar e dividir os trabalhadores e, assim, reduzir
salários. Há outros fatores, mas esses hoje imperam. Por exemplo. A tarefa não
é dar tarefas ao homem na casa (mas ele, naturalmente, deve ajudar), mas tornar
social um custo que só cai sobre as mulheres – creches, lavanderias,
restaurantes públicos, gratuitos e de qualidade, além de obrigatórios nas
empresas.
MORAL:
ADAPTATIVOS E ATIVOS
Friedrich Nietzsche afirmou que há ativos e reativos. Os primeiro são
talentosos e solitários, expansivos; os segundos, menores e andam em bando. Ele
generalizou isso para as classes de modo imprudente (defendeu, por exemplo, o massacre
da Comuna de Paris). Percebe-se que há outra divisão: os ativos e os
adaptativos. Os ativos elaboram, tentam, agem, comovem, pensam com a própria
cabeça, insistem. Os adaptativos pensam do seguinte modo: O que devo falar e
fazer para ser aceito no grupo em que estou hoje? Como entrar em harmonia com
meu grupo? Qual lado devo escolher para evitar prejuízos pessoais? É com
espanto indisfarçável que vejo ex-socialistas – embora não confessem que são ex
– que até ontem defendiam a revolução comunista hoje apoiarem o governo. Bastou
saírem de um partido para outro para mudar seus pensamentos, opiniões, posições
e ações. Acomodam-se ao meio ambiente. Mas esse tipo fica para trás na
história. Vele citar que, na revolução russa, Kamenev e Zinoviev, fizeram dura
campanha contra a revolução, contra a tomada de poder pelo partido deles, o
Bolchevique, presos à onda reformista e parlamentarista, mas depois assumiram
cargos no partido e no governo soviético.
Ninguém é, via de regra, apenas adaptativo ou apenas ativo. Mas é comum
também: o ativo se adaptar como ativo – o adaptativo ser ativo enquanto
adaptativo.
LIBERDADES
NEGATIVA E POSITIVA
Para Kant, a liberdade negativa é independência da natureza e do
contexto; ao contrário, liberdade positiva, junta àquela, está em fazer as
próprias regras, de modo independente. Para nós, liberdade negativa é o caos,
viver sem regras e de modo leviano – o egoísmo exagerado, para além da
individualidade, do capitalismo é um modo de negativa liberdade; ao contrário,
a liberdade positiva tem ordem dinâmica, porém dinâmica, pois, por exemplo,
disciplina é liberdade; deve-se guiar-se de mente aberta para acidentes, novas
possibilidades e bons resultados muito não ideais. A positiva liberdade tem
algo de caos dentro de si, subordinado a si, emoção com razão; reconhece e
respeita a natureza, o contexto e os destinos nobres da humanidade, ou seja,
quer melhorar o mundo de algum modo.
MORAL E REDE
SOCIAL VIRTUAL
Os demais dão-nos medida; mas, quando estamos no mundo virtual amplo,
por menor ameaça potencial direta, tendemos a perder a noção, a ser agressivos
etc. Porém, o mais importante é que, aberto ou velado, quase tudo postado em
tais espaços virtuais é sobre moral.
MORAL E
SUPERESTRUTURA
MORAL E
MAIS-PODER
Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho, o mais-produto e o
hipotético mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade,
algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da
burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma
zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos
que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço
acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é
pessoal.
Com sua inocência, inevitável em sua época, Rousseau afirma que nenhum
homem deve ser tão pobre a ponto de ter que se vender, nenhum homem deve ser
tão rico a ponto de poder comprar outros homens. O mais-poder (político,
econômico, machismo etc.) é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade
da abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso
abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder
concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da
inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos
temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para
o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.
MORAL E
REALIDADE
A versão popular e vulgar do pensamento de Rousseau afirma que o homem
nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Ora: mas quem corrompeu a sociedade? O
homem? Ficamos, então, num loop infinito sobre qual é a causa primeira, quem detonou
quem. A resposta materialista e dialética parece ser esta: o homem cria seu
próprio mundo, o mundo social, mas tal mudialidade, que produz o mundo das
coisas, escapa de seu controle, as coisas dominam os homens atomizados, ganham
autonomia. Assim, a sociedade coisificada corrompe o criador dela por meio de
leis cegas, não decididas por ninguém – já que estamos em guerra uns contra os
outros. O falso Ser coisal quer coisificar tudo, incluso o homem. A sociedade
não é, imunda e imoral Margaret Hilda Thatcher!, a mera soma de indivíduos: ela
é homens, coisas, ideias (sentimentos, morais etc.) e suas interrelações.
MORAL E ARTE
Em nossa crítica de outras obras, veremos que direito, religião, trato
social e política são derivações concretas da moral abstrata. Esse o caso de
outro abstrato, a arte. E ela é contaminada pela moral de sua época. Por isso,
gozamos da vitória do bem contra o mal nos filmes. O recado é que, ao menos no
final, a bondade compensa. Na antiguidade, a arte era controlada exato para ser
meio de ensinamento de valores e outras artes. A arte está, via de regra,
impregnada pela moral de sua época como um vestido que deve sempre vestir se
não quer passar vergonha. A arte lubrifica as relações sociais morais, como a
tribo fortalecendo sua unidade coletiva dançando inteira junta ao redor da
fogueira. Jogando com palavras, ritmos e sentimentos; a arte tem valor educativo,
normativo, na consciência e no inconsciente, ajuda a formar certo senso comum,
mesmo que o artista não o queira. A cartase estética é, também, cartase ética.
MORAL,
PORNOGRAFIA E PROSTITUIÇÃO
Regina
Navarro Lins afirma com frequência que o que foi pornográfico (imoral, logo)
ontem, passa a ser comum e aceitável hoje ou amanhã. O modo como nos vestimos
seria escandaloso e inaceitável nos séculos passados desde a cristandade.
Nesse
assunto, a esquerda tem o pé direto fincado. Boa parte da esquerda é criação
das igrejas cristãs, que influencia nossos valores. Afinal, mais fácil uma
agulha a um rico… Mas é o pé errado: a masturbação, por exemplo, nenhum pecado
materialista torna-se.
A
pornografia é mais uma forma nova, muito imperfeita, de viver a sexualidade.
Não há evidências científicas de que ela vicia ou faz mal. No entanto, como
para a psicanálise tudo é sexo (trabalhamos para vencer a guerra pelo sexo
etc.), sentir prazer sexual sem trabalho, sem o esforço de conquista, degenera
uma deformação mental, como menor tolerância ao esforço e à frustração.
Apoiamos esta tese: mas, em geral, a psicanálise, com razão, não é contra
pornografia e masturbação moderada – apenas condena o exagero.
Mas devemos
evitar a terra sem lei: exploração, mau pagamento das atrizes, exposição
involuntária, pedofilia etc. devem ser duramente reprimidos.
Para os marxistas, o trabalho assalariado,
servir a outro ou morrer de fome, torna-se uma imoralidade. Tanto a escravidão
quanto o assalariamento são imorais, perversos e dignos de combate. Dito isso:
em geral, o trabalho alienado assalariado é a forma mais antiga de
prostituição. Uns prostituem o cérebro e as mãos; outros, o órgão sexual. Não
há diferenças qualitativas aí. Mas a esquerda trata o sexo como, ao mesmo
tempo, o mais sagrado e o mais profano dos profanos – tal e qual a Igreja. Em
geral, o casamento também é prostituição, de longo prazo, mas não somos firme
em seu combatem como os moralistas fazem contras as trabalhadoras sexuais.
MORAL E
PROTESTANTISMO
Quem tem formação
básica sabe que as rupturas religiosas da Igreja deram-se porque surgia um
mundo novo, o mundo do dinheiro. Era preciso uma ideologia religiosa da
prosperidade e do capital. Não entraremos na autoria teórica (Weber), ainda o
debate é outro.
Os pastores
ficam constrangidos com o novo testamento, com Jesus, uma das figuras mais
apaixonantes da história mundial, que diz: antes um camelo a um rico, a
caridade é maior que fé, deve-se combater o império, o dinheiro é demoníaco,
bebamos vinhos e andemos com as prostitutas, atire a primeira pedra apenas se…
etc. Focam, por isso, no velho testamento, a antiga aliança, não a nova, que
tem o Deus da guerra, o Deus vingativo e sádico, a imensidão dos desastres etc.
Da boca de tais farsantes ouvimos muito as palavras demônio e homossexual.
Do ponto de
vista ideal, tais congregações crescem com velocidade porque estão de acordo
com a moral dominante: dinheiro, querer mais dinheiro. É a teologia da
prosperidade. Já a Católica é muito medieval (por isso, pende parcialmente ao
anticapitalismo, como dirá Michael Löwy), passiva, humilde – e repetitiva em
seus ritos.
Vejamos a
defesa escravista do velho livro:
“Meras
palavras não bastam para corrigir o escravo; mesmo que entenda, não reagirá
bem.”
Provérbios
29: 19.
“O escravo
que é mimado desde criança um dia vai querer ser dono de tudo.”
Provérbios 29: 21.
"Os
seus escravos e as suas escravas deverão vir dos povos que vivem ao redor de
vocês; deles vocês poderão comprar escravos e escravas. Também poderão
comprá-los entre os filhos dos residentes temporários que vivem entre vocês e
entre os que pertencem aos clãs deles, ainda que nascidos na terra de vocês;
eles se tornarão sua propriedade."
Levítico 25:
44-45
"Se um
homem vender sua filha como escrava, ela não será liberta como os escravos
homens."
Êxodo 21: 07
Ao “povo
escolhido”, o problema não é escravidão – é eles não serem senhores de
escravos! A proibição de comer porcos, frutos do mar (incluso peixes), fazer a
barba, usar dois tecidos, tocar mulher menstruada etc. Tudo isso é ignorado,
mas a condenação da homossexualidade é aceita como lei maior.
Preferimos
os primeiros comunistas cristãos, embora utópicos:
Todos os que
criam estavam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens,
e dividiam o produto entre todos, segundo a necessidade de cada um. Diariamente,
continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas e
juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração.
Atos 2:45
Embora nunca
tenha confessado, Marx inspirou-se nesta passagem. Ele defendeu que a bandeira
comunista mundial do futuro tenha tal lema: “A cada um segundo sua necessidade,
década um segundo sua capacidade!”.
De fato, o
dinheiro, que não aceita limites, quer acumular cada vez mais e sempre, é o que
a Bíblia nomeia Mamóm, o demônio pagão do dinheiro. Quando o Estado põe “Deus
seja louvado” no dólar e no real, está dizendo, de outro modo, que seu deus
real é a moeda.
No fundo, os
fiéis sabem da farsa que é seu pastor. Mas precisam de um pouco de teatro, um
pouco de convívio para superar a solidão, um tanto de prazer por solidariedade
etc. Por isso, têm de afirmar toda vez e de modo insistente sua fé: pois, hoje,
tendem a ser ateus naturalmente. Drogas, mesmo que não químicas, relacionais,
são necessárias para suportar a vida - alienada. Se duas pessoas se unem contra
a solidão apenas para combater de modo direto tal sentimento, tudo é
constrangedor, nada funciona; nem conversa há. Assim, a religião oferece
objetos concretos e abstratos para termos uma desculpa para nos encontrarmos,
para termos o que fazer e o que conversar. No mais, saber que há anjos e
demônios lutando por aí faz a vida parecer mais interessante, como um filme,
menos tediosa, estressante e limitada.
Os comunistas
cristãos podem contar, também, com as seguintes citações da Bíblia:
“Bendito
sois vós, os pobres, pois herdarão o reino dos céus! Mas ai de vós os ricos!”.
(Lucas 5:27-28)
: “É mais
fácil um camelo entrar numa agulha que um rico adentrar o reino dos céus.” (Lucas
18:18-25 / Mateus 19:20-21)
“O homem rico é sábio aos seus próprios
olhos; mas o pobre que é inteligente sabe sondá-lo”. (Provérbios 28:11)
“Mas os que querem ser ricos caem em
tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas
coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.”
(1 Timóteo 6:9-11.)
“Quem amar o dinheiro jamais dele se
fartará; e quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também isto é
vaidade” (Eclesiastes 5:10).
“Não acumuleis para vós outros tesouros
sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e
roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem
corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu
tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os
teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos
forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti
há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a dois senhores;
porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e
desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6:19-24)
“Por ora subsistem a fé, a esperança e a
caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade.” (1 Coríntios 13:13)
“E as multidões clamavam: Este é o
profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia! Tendo Jesus entrado no templo, expulsou
todos os que ali vendiam e compravam; também derribou as mesas dos cambistas e
as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa
será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de
salteadores.” (Mateus 21: 11-13)
MORAL E ATEÍSMO
Afirma Dostoievsky: “Se Deus não
existisse, tudo seria permitido”. Ora, mas existe a educação, a natureza
humana, a empatia, a lei e o Estado etc. Em geral, os ateus das classes
trabalhadoras são pessoas acima da média na questão moral. Por quê? De um lado,
o meio teatral da religião lhes escapa; de outro, eles precisam dar sentido à
vida por meio da prática e de sua (re)significação. Há uma dose de inteligência
também influenciando – mas boa moral e inteligência nunca serão sinônimos.
MORAL E
GUERRA
A única guerra
moral é a que liberta um povo, seja do capitalismo ou seja do imperialismo.
Dito isso, o senso comum pensa a guerra como casa de ninguém, o vale-tudo
enquanto máxima. De fato, a regra da guerra é enganar o inimigo. Mas, mesmo aí,
os países e corpos de força foram obrigados a seguir certa conduta, um mínimo
de civilidade. Assim, se um grupo de combate rende-se, deve-se, via de regra,
de modo recíproco, aceitar a rendição e manter os rendidos, agora prisioneiro,
vivos. A objetividade de origem é, também, esta: se garantimos que os
desistentes serão bem tratados, mais inimigos quererão desistir. De outro modo,
os seus desertores devem ser fuzilados em punição, ao menos uma parte deles
para ser vir de exemplo sem perder tantos combatentes.
A violência
pode ser um ato moral, portanto. É uma força produtiva, não apenas destrutiva,
tal como o ódio. Espancar um homem machista que espanca a “sua” mulher é um ato
louvável. Deve-se odiar a burguesia e o fascismo, por exemplo. A moral é
relativa, ou melhor, relativamente relativa, sem cair no poço sem fundo do
relativismo.
Lukács
defende a tese de impacto de que a violência é social, humana, não natural. A
violência animal não é, assim, violência alguma ou real. Resolvemos isso
adotando a categoria de “natural socialmente modificado, adaptado ou
desenvolvido”.
MORAL E
TOTALIDADE
A vida
individual é acidental, contingente e caótica. Uma solução é ligar sua vida ao
destino da totalidade. Assim, a militância socialista liga o indivíduo ou
gênero e seu destino.
MORAL E SUPERESTRUTURA
Superestrutura
divide-se em duas: a subjetiva (moral, sentimento, direito, política, arte
etc.) e objetiva, em resumo, instituições. Em seu desenvolvimento, no
desenvolvimento social, a moral passou para a arte, para o direito, para a política,
para a religião. Uma vez criados, ganharam autonomia cada vez maior, novas
funções.
MORAL E
NEUROCIÊNCIA
A
neurociência é a área que mais avança por causa doa avanços técnicos e por seu
um terreno relativamente novo na sua atual configuração. Mas ainda é um bebê,
belo e imaturo.
Tal área
demonstrou que a configuração do cérebro impõe certa conduta, ou seja, certa
moral. Por exemplo: descobriu-se que um pedófilo assim agia porque tinha câncer
cerebral; tirou o tumor, parou o hábito; mas o retornou de novo, pois o tumor
retornou. È famoso o caso, também, do homem cujo cérebro foi atravessado pro um
bastão de ferro – tornou-se irritadiço, agressivo, impaciente e intolerante.
Pessoas de
direita costuma ter mais nojo, mais sensibilidade. Mas, de certa forma,
esquece-se nisso a historicidade de tal movimento político. Pessoas de esquerda
são, claro, via de regra, mais solidárias. Já os fanáticos políticos, de
qualquer cor, tendem a ter sérios problemas sexuais, como impotência.
A moral é,
primeiro, inconsciente; mas o cérebro é plástico, moldável e adaptável. Isso
nos leva ao seu desenvolvimento. É evidente que o aparelho psíquico do
adolescente é incompleto, mais perto da impulsividade e do risco (as meninas
também são assim, mas reprimidas – então, por exemplo, namoram, maus exemplos
etc.). A própria realidade, ao frustrar algumas ousadias, ajuda a desenvolver o
aparelho mental que já evolver naturalmente. Por isso, o voto dos jovens não é
obrigatório, mas facultativo – um acerto em si.
Dirá o
poeta: nós, que temos ideias tão modernas, somos o mesmo homem que vivia nas
cavernas. Somos naturais – mas naturais socialmente modificados, adaptados,
mediados. O pós-modernismo e o marxismo vulgar relacionalista-sociológico,
afetado por aquele, pensam que somos apenas frutos do meio, somos apenas
construções sociais – sem contradição. O corpo seria mera carcaça. A dialética
passa longe deles: somos, antes, animais, antes de sermos sociais – afirmação
de Marx contra o idealismo, a filosofia de sua época e a religião (afirmação
feita mesmo antes de Darwin lançar sua revolução). A negação disso é a
alienação, uma dentre suas formas sociais. Somos animal social; animal, porém
social – social, porém animal. Quando Freud diz que tudo gira em torno do sexo,
diz muito e de modo materialista; pois, para o marxismo, o homem produz
ferramentas e relações sociais para satisfazer necessidades reais – incluso as
sexuais, cujas gravidades e centralidades na psique e no corpo são enormes.
Sociedade precisa, pelo menos, se reproduzir… Claro: mudamos, adaptamos
socialmente, na história, o modo de sexualizar.
MORAL E
MORTE
Ainda por
enquanto, a morte não foi enganada pela técnica. Quando e se ocorrer, gerará
uma crise social: Deus? Aposentadoria? Para Camus, devemos aceitar a morde em
forma de revolta contra o destino, mas nada de revolução socialista… Para Heidegger,
somos um Ser para a morte, logo devemos criar uma boa vida enquanto vivos. O
pior é alcançar a velhice sem ter vivido a vida, ter um mau balanço da própria
história. Alguns escapam disso coma ilusão da vida após a morte: eu vivo, eu
morro, eu vivo de novo… Mas é caminho perdido. Morrer sempre será um desastre
da existência. Mas, como é inevitável, devemos lidar o melhor possível com o
fato futuro.
MORAL E
SUICÍDIO
É claro para
o marxismo que suicídio costuma ser reação desesperada contra a alienação,
contra a vida sem sentido. O mundo pesa mil toneladas sobre nossas cabeças.
Quando a depressão começou a ser regra, também iniciou o hábito de romantizar o
tiro sobre a própria nuca. A necessidade é, assim, tomada como se fosse
vantagem. De fato, em situações raras, suicídios podem ser heroicos
(explodir-se último com os fascistas numa guerra desesperada contra eles), mas
não é a regra. É, via de regra, moral o suicídio? O autor dessas letras tentou
quase que 10 vezes, todas falharam para minha sorte; portanto, há certa
autoridade pessoal no assunto… A objetividade constrange a consciência de modo
insuportável. O suicídio é condenável porque pune a pessoa errada.
MORAL E APARELHO
PSÍQUICO
Na
psicanálise, temos Superego (superEu), responsável pelo 1) ideal de Eu, 2)
repressão interna; temos o Eu, ego, como mediador, o meio-termo; Temos, enfim,
o ID, desejo e instinto. Cada um com seu impulso e nível de energia, tenta
impor-se sobre o outro. Por isso, somos luta. Desejos opostos podem habitar o
mesmo corpo.
O superego
vem da experiência externa, trata-se de uma subjetivação da objetividade –
internalização da lei. O que é externo, a repressão, torna-se interno,
autorrepressão. Ora, da disputa do ID instintivo e do Superego surge o Ego.
Ainda assim,
a estrutura está mal exposta. Existe um InfraEu, um eu interno. O Eu do ego é
feito para o trabalho, para o externo, para o foco. Mas temos um Eu oculto até
para nós mesmos, que, no fundo, decide. Ele sabe porque sabe, ele é porque é.
De algum modo, tenta fazer valer sua vontade real, a demanda, como se por
acaso. Manobra e luta no mundo.
O Ego, de
fato, faz a mediação possível: quero devorar aquela moça (ID), mas medeio (Ego)
dando-lhe meu telefone, desde a força relativa de minha moral (Superego). O ID
faz experiência que produz superego, que produz – na relação – o ego. Este é
duplicado-uno, ou seja, tem o Eu externo e o Eu interno, InflaEu. O
inconsciente tem consciência de si.
Grosso modo,
para Freud e sua tradição, a moral é obra do Superego, do SuperEu. Na verdade,
trata-se de uma obra conjunta e autocontradiria. Os três, agora quatro,
elementos unem-se de certo modo dialético para afirmar certa moral, para
gera-la com determinada estabilidade instável porque dinâmica. A verdade é o
todo e sua narrativa contraditória.
MORAL E
IDEOLOGIA
Para Althusser, a ideologia impera até no inconsciente –
acerta, errando sobre quase todo o resto. Também temos, por Lukács, a ideologia
como falso socialmente necessário; depois, ampliou o conceito para tudo que se
passa na cabeça (ciência, religião, moral, sentimentos etc.). Aqui, trataremos
o fato da moral precisar, dentro de si, do que chamo de mediação ideológica.
Pela importância do tema nesta obra, serei repetitivo sobre contra as
exigências de estilo.
Os gregos
usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia). Assim, neste mundo fixo, o
senhor de escravos sempre será senhor dos escravos – o escravo continuará
coisa, como se. Mudança não é algo agradável ao escravista grego – que tudo
pare como as estrelas no céu! É assim como foi disfarçada, de modo
inconsciente, a questão classista da felicidade e, ou seja, da moral.
Os medievais
usavam Deus (teologia). Tal mediação ideológica supunha o perfeito, o dono
superior da verdade superior. É aproximar-se de Deus, por isso, seguir a sua
moral, ou melhor, a moral da Igreja, ou melhor, a moral do Senhor feudal.
Existem, claro, outras mediações ideológicas: por exemplo, o laço social e de
dependência das classes opostas se expressava de modo coisificado como
dependência da terra, o servo não poderia abandonar o feudo terrestre. Mas isso
apenas vale aqui como expressão de uma moral e sua mediação.
Os modernos
elevavam o indivíduo (humanismo). O homem tornou-se átomo desconfiado, mais
indivíduo, isolou-se, adotou a luta de todos contra todos. Seu foco é a
individualidade da mercadoria e do dinheiro.
São formas
de disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral.
Veja bem; o mediador ideológico não é, necessariamente, uma ilusão mediadora: a
luta pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e
verdadeiro. É a nossa atual mediação ideológica necessária, na época de
transição, de crise ontológica. Tal mediação é correta porque concreta, não
mais externa ou como mera concepção.
Tudo isso se
deu de modo inconsciente em geral. Os melhores pensadores enganavam-se sem
saber, sem sequer desconfiar. Para eles, a empiria factual seria eterna: se
assim aparece, assim é, foi e será. Mas a coisa é sendo, ou seja, a frase
científica nega o movimento, quer uma verdade parada, estática. São vícios
ocultos da linguagem que expressam vícios classistas.
O homem
seria escravocrata, pecador ou atômico. E, de cada concepção, certa moral clara,
mas com alguns pontos cegos. A mediação ideológica é, assim, uma necessidade
social e do pensamento, quer seja, do pensador.
Das
principais mediações de ideologia, temos as abstrações:
Abstração
como cosmos, o geral.
Abstração
como Deus, o puro (ou ideal).
Abstração
como indivíduo, o separado ou isolado.
Tudo isso
para evitar o concreto – o classismo, em principal – me seu movimento. Mas é
porque o concreto está em movimento contraditório que se abstrai como fuga
inconsciente.
Para
avançarmos, uma clareza. Quando Marx afirmou que a ideologia é a forma como os
homens tomam consciência de seus conflitos e, logo, de sua época – assim é
para, enfim, agir. Não é apenas reativo e consequência: interpretar para mudar.
Outro modo
de observar é este: a ética passa do geral ou universal, cosmologia, para, a
mediação, o particular, isto é, um geral singular, Deus, teologia – enfim, o
singular do humanismo, o indivíduo atômico. Tal avanço ocorre porque a
liberdade aumenta no avançar da humanidade; por sua vez, tal liberdade aumenta
por, grosso modo, aumento de produtividade.
MORAL E
REPRESSÃO
Pensa-se a
moral como puro reino da escolha ou da liberdade. No entanto, toda moral exige
meios de repressão, controle e redução de danos. Regula-se. Pode ser a espada,
a prisão ou um riso irônico. Pode ser até o próprio aparelho psíquico agindo
sobre si como se sobre outro, outro de si. Somente a hipocrisia fala de pura
liberdade, de livridade das opções. A vida é dura.
MORAL E
CIÊNCIA
A ciência e
a técnica apenas são neutras em si, se isoladas. Na história, temos uma ciência
burguesa que é e foi progressiva em geral, pois, por exemplo, prepara o caminho
do socialismo.
Os limites
éticos do cientista é a humanização da humanidade e da natureza. Vários deles
evitam criticar empresas para evitar perder projetos e patrocínios; não
arriscam, portanto. No mais, como lei cega, como estamos divididos em luta,
surge uma lógica impessoal do sistema: se um não faz certa pesquisa ou invenção
imoral, outro fará.
De todo
modo, seria errado culpar cientistas e engenheiros por desemprego causado pela
inteligência artificial e os robôs. A culpa é do sistema – e de sua classe
social própria dominante – que gera desemprego, do modo de vida baseado no
lucro.
A ética
científica não é só questão de uso e rumo da técnica: a que projeto ou classe o
cientista filia-se, mesmo se finge ou pensa ser neutro?
SOBRE OS
VALORES
O homem
primitivo necessitou compreender cada vez mais as propriedades do mundo, ou
seja, de modo rústico, já fazia ciência. Ao analisar o mundo, teve de descobrir
– não criar – valores, valorizar; esta pedra é ruim para este machado, mas bom
para tal tarefa. Pois bem; grosso modo, isso está em Lukács, então apenas vale
tratarmos do assunto se algo novo houver para ser dito.
O valor
artístico, por exemplo, dar-se pelo quanto de trabalho útil foi destinado na
sua produção, incluso o ganho de habilidade do artista. Mas o guia é o valor de
uso da arte, a mensagem. Se um “artista” dedica mil horas para pintar um quadro
preto de preto, perdeu seu tempo.
Lukács diz
da valoração com o exemplo do valor positivo de um bom vento para a embarcação.
Ora, a diferença atmosférica deslocou ar de um ponto para outro, logo trabalho
realizado. Na verdade, o valor tem origem direta em dois fatores opostos e
complementares, unidos: o trabalho exigido e o trabalho economizado. Um mau
vento exige mais trabalho, gasto extra – menos valor tem, menos bom é ele.
Considerado
isso, que trabalho e economia de trabalho são ambos base da valoração, o que os
unifica? O objetivo, a finalidade, o valor de uso – eis a medida, ou melhor, o
lastro da valoração. Uma arte somente é arte se tem mensagem fictícia (podendo
ser afirmada como bom, bem, ou mau, mal, elaborada).
Na relação
homem e objeto, ou no trabalho-produção, a valoração divide-se, no contexto, em
bom e ruim. Nas relações humanas, relações de produção e sociais ou pessoais, em
bom e mau. Nada nisso de maniqueísmos, pois, por exemplo, um operário lutador
da causa operária, logo bom, pode ser machista, logo mau. O que guia é o rumo
da humanização da humanidade, o fim da alienação – a finalidade.
Assim, a
valoração dos valores está lastreada, no trabalho, por isso, na história, por
isso, nas relações contextuais, logo, na finalidade.
Já dissemos
em outro lugar que o ouro vale muito porque se exige imenso trabalho para
extraí-lo da terra. Mas tal imenso trabalho é exigido porque se exige muita
energia-tempo-trabalho para produzi-lo nas estrelas, nas explosões estelares.
No social, o
trabalho está ligado de modo direto e central com o problema da alienação, ou
seja, da desumanização da humanidade. É moral o que economiza o trabalho e, ao
mesmo tempo, preserva o trabalhador, algo que exige novas relações sociais de
produção e novas superestruturas (instituições etc.). Tem valor, tem moral,
aquilo que liberta o homem do trabalho manual e lhe dá saldável tempo livre,
isto é, socialismo. O socialismo, a liberdade humana, a humanização do homem, é
o valor dos valores – a meta inconsciente e, depois, consciente da humanidade.
MORAL E
METAFÍSICA
Platão
ascende a conceitos cada vez mais gerais e abstratos até alcançar o Belo, o Bom
e o Bem. Para ele, os mais puros. Ora, existe um conceito ainda mais puro,
geral e abstrato. O belo, o bom e o bem são o quê? São valor! Com tal conceito,
na economia Marx foi de fato ao mais abstrato. O bem (coisa privada) não é o
mais profundo ou, se quisermos, o mais etéreo: isso é o que está dentro do
valor de uso, o bem, ou seja, seu valor invisível dentro de si. Marx poderia
dar qualquer nome ao valor, já que é descoberta sua, mas lastreou a palavra na
metafísica.
UMA ABSURDA
TEORIA DO VALOR
Marx convida
a duvidar de tudo, de todas as certezas – incluso as de sua poderosa produção.
Dito isso, José Paulo Netto afirma que, quando se quer atacar ou adaptar o
marxismo, foca-se em três eixos: contra a dialética, contra a teoria da
revolução e contra a teoria do valor-trabalho. Nosso foco será a questão do
último elemento.
Todas as
tentativas de negar ou ver contradição na teoria marxista do valor são, quando
muito, risíveis. Isso ocorre, simplesmente, porque ela está certa, completa e
correspondente em alto grau à realidade. Os críticos confundem, por exemplo,
valor e preço. Ora, por que a água, com a altíssima utilidade, apresenta-se tão
barata – mas o ouro, carente de utilidade, tão caro? Eis contradição da teoria
do valor subjetivo, do utilitarismo. Resposta: um exige mais trabalho social e
humano para produzir em relação ao outro, muito mais.
Mas é
possível afirmar totalmente a teoria marxista do valor e, ao mesmo tempo,
superá-la? Façamos a digressão e o exercício apenas para fins filosóficos, pois
é uma teoria de todo correta. Apresento, agora, minha própria teoria, que eu
mesmo a nego!, do valor-matéria.
Marx começa
sua obra coma seguinte pergunta: se duas mercadorias são qualitativamente,
completamente, diferentes – como elas são igualadas? Como isso é possível? Ora,
responde ele, são iguais porque são frutos iguais de trabalho humano! O tanto
de trabalho gasto gera um tanto de valor, que as iguala no mercado. Mas, porém,
todavia: elas não são completamente qualitativamente diferentes! Elas, as
mercadorias, ou melhor, os valores de uso, são átomos concentrados, ou seja: –
prótons, elétrons e nêutrons. São matéria e material igual, massa igual, ou
seja, peso igual (com a gravidade). O que lhes iguala são suas matérias. Se o
valor é energia, temos de ver que energia é massa (E=mc²), segundo Einstein.
Entremos
mais no absurdo.
Primeiro. A
máquina perde valor ao desgastar-se, ao desmaterializar-se.
Segundo. O
dinheiro ganha valor ao materializar-se na forma ímpar, o ouro (átomo pesado);
depois, perde valor ao desmaterializar-se (prata, cobre, papel, bits.).
Terceiro. Lamentamos
muito mais a morte de um grande elefante contra a morte de uma reles formiga.
Por instinto, associamos valor com materialidade – mais materialidade, aliás,
mais raro, além e mais trabalho e energia exigir.
Quarto. Uma
pedra mais material é, via de regra, mais útil e tem mais valor relativo a
outra pedra inferior materialmente de mesmo tamanho.
Quinto. O
ouro é difícil produzir nas estrelas, concentra muitos átomos.
Sexto. Tenta-se
tirar componentes “desnecessários” da máquina para diminuir, assim, seu valor.
Sétimo. A
deterioração de certa mercadoria também é sua perda de valor.
Oitavo. A
abundância material é a base da liberdade e da felicidade.
Novo. Valor
só pode existir dentro e junto de algo, de certa matéria.
Décimo. O
que tem mais massa, em geral, mais matéria, tende a ter valor e preço maiores.
Décimo
primeiro. A redução do valor e do preço da mercadoria está, hoje, ligada à
redução de sua materialidade, ou seja, os produtor estão mais frágeis. Ou seja:
valor-matéria.
Décimo
segundo. Marx afirma que o valor de certa mercadoria (forma relativa) se
expressa na materialidade de outra (forma equivalente). Assim, sua separação
por um abismo entre valor de uso e valor cai e desaba para dentro de si: a
medida dos valores e o padrão de preços, por exemplo, fundem-se, ainda que de
modo a abarcar a diferença etc.
Décimo terceiro,
enfim. A água é barata por sua molécula ser fácil de se formar, precisa de
átomos simples e “leves”, pouco materiais, oxigênio e hidrogênio, abundantes
por facilidade relativa de produzir. O ouro é caro porque, como observamos,
seus átomos unidos são “pesados”, complexos, com mais matéria-massa
concentrado, lago mais raro, logo mais trabalho para produzir na estrela e
extrair da terra, logo mais caro via de regra e tendencialmente.
Décimo
quarto. Vejamos a relação com a dialética. Marx exclui todas as propriedades
físicas da mercadoria para chegar numa coisa-em-si invisível, o valor, a
gelatina de trabalho dentro da coisa. Mas, contra Kant, Hegel afirmou, embora
não tenha sido o único, que a coisa sem suas propriedades nada é – e que tais
propriedades são, veja só, matérias ou materiais. Assim, a coisa-em-si valor
nada mais seria que suas próprias propriedades, ou seja, sua materialidade. A
coisa-em-si, o valor, é a coisa.
Décimo
quinto. Tanto no mundo inorgânico (Sol, buracos negros etc.), passando pelo
biológico (macho dominante, o mais alto etc.), quanto no social (concentração
de capital, ter mais dinheiro, ter maior população etc.; ter grande casa ou
carro, mais dinheiro etc.) ocorre o seguinte processo: mais matéria-massa
concentrada, em relação aos demais e à média, logo, tende a ser a causa de
atração, de ser orbitado, de agregar para si.
Assim,
também, conectamos a teoria do valor-trabalho com a teoria da oferta e da
demanda (procura). Algo é raro, logo, com muito valor por ser difícil de extrair
ou produzir, porque tem mais materialidade – porque tem mais materialidade, é
muito mais difícil. Por isso o ouro tem valor, sua raridade, ao exigir mais
átomos para existir, exige trabalho extra.
A matéria é
a própria realidade – por isso seu valor, sua base de valor. Quando dizemos que
movimento = energia = tempo = espaço (meio) = matéria – dizemos, portanto, que
a energia-valor nada mais é que a matéria. Assim fazemos a unidade, ainda que
ainda contraditória, entre valor e valor de uso. Não mais externos um ao outro,
não mais apenas estranhos.
Vejamos o
parágrafo anterior. Marx diz que o preço da terra virgem não tem valor, pois
não há trabalho gasto em sua produção, portanto, capital fictício; apenas há
preço. Mas a terra, primeiro, tende a valer mais se ela é melhor, mais
produtiva, então, mais rica materialmente! E, segundo, o
oposto-idêntico-diferente de matéria é espaço ou movimento, logo, a terra mais
diestante tende a perder valor, preço. Portanto: a matéria é a medida de todas
as coisas!
Vale uma
comparação histórica. Platão teve de dividir o mundo em dois opostos e
separados: o mundo das ideias ou formas e o mundo da aparência ou material.
Depois, em oposição, Aristóteles – ainda idealista, mas com toque materialista
evidente – defendeu um só mundo, aqui, onde está a própria substância, a
essência, o conteúdo, a forma etc. Marx dividiu economia em dois: mundo do
valor de uso e mundo do valor. Agora, unifico ambos os mundos no
valor-material.
Assim, o
valor dado está ligado à sua
1) Raridade
Que nada
mais expressa além do
2) Trabalho médio – social ou natural – exigido
para sua produção ou economizado
Que é um
dado gasto de energia expresso de maneira imperfeita no
3) Tempo médio exigido em sua criação
Ligado,
portanto, à sua
4) Utilidade
Que é, por
sua vez e em cadeia, expressão pobre de sua
5.
Materialidade (valor-matéria)
Tanto no
sentido quantitativo quanto, em principal, qualitativo.
Isso
afastaria um tanto, como solução, o marxismo de sua necessária metafísica do
valor – tão rejeitada pelos próprios marxistas, contra Marx. No entanto, não
estou disposto a brigar essa luta, que é a raiz de 2 do marxismo. Uma ideia tão
absurda, revisionista e pouco ortodoxa me levaria ao isolamento completo e
final do movimento marxista, do qual dependo para mudar o mundo de vez e de
fato. Recuo, portanto. Quem quiser correr o risco, deixo a base para o
desenvolvimento posterior da ideia, seu desdobramento e suas deduções. Mas
nada, absolutamente nada, garante que ela está correta ou sustenta-se na
realidade, no argumento e na teoria. Incluso, pensa-se dela, a partir, parte do
valor moral e do valor em geral. Mas um ponto de apoio seria que a empiria é
suja, impura, concreta, impedindo a manifestação exata da lei do valor-matéria.
Tal visão, enfim, reconecta o mundo dos homens com o mundo natural. Marx nunca
poderia, ou teria imensa dificuldade de, criar a teoria do valor-matéria, que,
grosso modo, afirma que o valor deriva de maior materialidade relativa. Isso
ocorre porque a ciência, a metafísica (a verdade está no todo), a física, a
filosofia, a Dialética da natureza e a sociedade ainda não haviam atingido seus
ápices, de origem comum, durante sua vida. Quando Marx diz que se pode virar e
desvirar a mercadoria, mas nela não se encontrará nenhum átomo de valor; esquece
que a matéria, representada no átomo, é o próprio valor.
Piero Sraffa
estaria orgulhoso por ser tão positivamente inspirado e superado.
MORAL E ADMINISTRAÇÃO
Nas
empresas, o tema da ética é moda na proporção de sua falta concreta.
Palestrantes são chamados para tratar do tema, dinâmicas “psicológicas”
infantilizadas são feitas para criar confiança uns nos outros etc. Luta-se, sem
saber, contra o problema de fundo: o sofrimento do funcionário, por falta de
relações de confina, gera luta e lucro.
No campo da
esquerda, coisa toda é muito complicada. Em geral cuida das tarefas de
organização e administração o militante menos político, de classe média, com
perfil de gerente, com ares autoritários etc. Mas a forma de organizar as
coisas e as pessoas – objetividade – influencia a moral delas, além da política
aprovada.
No
socialismo, teremos de produzir bons e claros manuais de administração sob nova
moral e perfil. O gerente será funcionário contratado pelos operários, nunca
mais um todo poderoso manobrador e arrogante. De qualquer modo, comas fabricas
de todo automatizadas, não haverá sobrem jugar seu despotismo e, então, o
processo será muito mais técnico que subjetivo ou político.
Por hoje,
como ensaio de governo, os comunistas podem, por exemplo, criar manuais
claríssimos e completos de gestão sindical – comunista, ou seja, guiada por sua
moral. Como garantir que os trabalhadores decidam os rumos da instituição?
Veja-se mistura necessária de administrar e moralizar.
No Brasil
decadente, a administração estatal decadente tende, como se força da natureza,
a espalhar seu veneno pelo ar de toda a sociedade. Vejamos um caso. Em muitas
escolas estatais do país, os diretores desviam verbas, por exemplo, aumentando
a quantidade oficial de alunos acima da quantia real. Assim, o dinheiro que vem
em sobra vai, desviado, para o bolso do administrador (em geral, eleito!). A
causa de fundo são as relações monetárias imitadas e, por isso, também gerais.
Por usa natureza, o dinheiro corrompe, deseja acumular-se. Um dos caminhos para
resolver isso é dar ao diretor apenas valores de uso, os produtos consumidos na
escola e pelos alunos, além de centralizar nacionalmente a contabilidade, além
da distribuição, para facilitar descobrir erros. No Brasil, evitam digitalizar
serviços estatais exato porque dificulta corrupção e desvios ou facilita
descobrir erros.
MORAL E
HUMOR
No tempo
recente, debate-se a ética do humor e seus limites. Qual a medida de um humor
correto? Ora, a democracia e suas regras não são decididas de modo livre e em
livre acordo, são concessões de certa composição social. O humor, portanto,
deve ter em conta a lei. Mas a arte, diferente de outras áreas, tem necessidade
anarquista, de máxima liberdade. O certo, parece, será isto: o humorista faz o
que bem quer no palco em relação ao conteúdo de suas piadas e sacadas – mas, em
troca, deve tolerar e respeitar a crítica social, da opinião pública. Nada de
reclamar da censura do meio. Eventualmente, isso lhe fará recuar de certos
absurdos. Se o público ri de uma piada racista, o problema real e moral não
está na cabeça do piadista.
MORAL,
JUSTIFICATIVA E EXPLICAÇÃO
No senso
comum, dizer que algo é sem sentido torna-se uma forma de afirmar que ele está
errado. Explicar a base de um erro, que não é raio em céu azul, seria
justificar o mesmo erro. Eis que isso é lógica formal inconsciente – quando, na
verdade, tudo tem uma razão. Diz-se, por exemplo: “isso é errado, pois não tem
lógica”. Mas serve para negar a contradição. No entanto, tudo é contraditório,
apenas há lógica na contradição. Explicar não é sempre justificar.
A UNIDADE
INTERNA E INTERPENETRAÇÃO DAS SUPERESTRUTURAS SUBJETIVAS
Vamos do
abstrato ao concreto.
Na dialética
de Hegel, o interno e o externo estão em unidade – e a diversidade externa tem
uma unidade interna. Em nossa dialética, diacrônica, a diversidade unitária é
contraditória, ou melhor, autocontraditória. Move-se para um lado ou outro, mas
o geral é isto: a unidade interna torna-se, no processo, unidade também
externa.
O
capitalismo tratou de, diferente de antes, separar tudo no nível externo:
Estado aqui, economia ali, religião acolá etc. Assim, ocultou e disfarçou a
unidade interna verdadeiramente existente. A corrupção, por exemplo, um
empresário subornar um político, trata-se de, no fundo do fundo, afirmação da
unidade e interdependência interna na autonomia externa (política é – nada mais
que – economia concentrada, dirá Lenin). O socialismo resolverá isso: o Estado
cuidará da economia, o povo cuidará do Estado, o mesmo povo será armado sem
polícia ou forçar armadas destacadas da sociedade etc. Sobre o fim da política
no comunismo: a moral tira a política, sua expressão, da jogada no fim do socialismo.
Pois bem; em
geral, as superestruturas subjetivas (tudo que se passa, entes, na cabeça) têm
unidade interna e autonomia externa. Cabe à teoria perceber a realidade
escondida de si mesma em si mesma. Da moral, desenvolveram-se, autonomizaram-se
e ganharam novas funções – a religiosidade, a política, o sentimento, a arte
etc. E criaram suas instituições, causa e consequência de tais ideologias.
Vejamos o caso menos evidente: sentimento é igual à moral: sente-se moralmente,
tem-se moral sentimentalmente. É uma só cabeça, autointegrada.
A
religiosidade, com a religião, também é moral, também política; Bonaparte,
então servidor dos novos ricos, que ninguém desconfiará ser comunista, afirmou
que a religião existe para que os pobres não matem os ricos. O direito, que
quer soar abstrato e impessoal, apolítico e objetivista, disfarçando seu laço
íntimo com a totalidade, também é moral, também é política. O motor primeiro é
a moral, incluso a moral dominante da classe (melhor, da objetividade)
dominante em luta contra outras morais. A arte, sendo apenas arte, também é moral,
também é – por isso – política. Por usa vez, a política tem algo de fé, mesmo,
e algo de arte, e algo de direito, além de certa e inevitável moral, mesmo que
cínica ou inconscientemente desconsiderada nas falas públicas.
Assim, do
concreto amorfo, elevou-se, mas decaindo, o abstrato separado e externo.
Depois, mais concretude, unidade, interpenetração. O abstrato é o concreto em
processo. Exige teoria para ver o que está diante e atrás dos olhos… Os
cientistas, em geral, inspirados na química, que em certas línguas significa
que separar, apenas separam, classificam e reafirmam cada superesterutura, cada
elemento. Não avançam, assim, para além do aparente, da forma, do externo, da
diversidade e, ou seja, do senso comum. Na dialética de Hegel e, de certa forma,
de Marx o abstrato e concreto são ao mesmo tempo apenas, sincrônico. Para nós,
também diacrônico: o concreto, sendo ainda concreto, abstrai-se, quase isola
suas partes, que devem depois reforçar a unidade – no nosso caso, o socialismo
porá certa moral comum que colocará fim à política, ao direito, à religião, que
na primitividade estavam reunidos como um só.
Até a
ciência é, também, ética, embora seja cada vez mais mais do que isso e não só.
Pois sua função é conhecer o mundo para melhorar a vida humana – mesmo com todo
tipo de deformidade e mediação, mesmo que se desvie para fins imorais nas
sociedades de classe (bomba atômica etc.). A ciência é moral prática.
Para termos
toda clareza deste ponto, temos de entrar em assuntos preliminares. Lukács
inspirou-se em Nicolai Hartmann, que pensou o pensamento humano, ciência e
filosofia, como “intentio recta” e “intentio obliqua”. O intentio obliqua é
focar no sujeito da pesquisa, não no objeto, por exemplo, perguntar-se e
refletir “qual a capacidade humana de aprender?” O intentio recta, ao
contrário, foca no objeto, vai ao objeto, por exemplo, tenta descobrir os
limites do conhecimento humano pesquisando, não refletindo de modo abstrato
sobre. Tais conceitos são gnosiológicos e se referem apenas ao pensamento,
então Lukács os tornou ontológicos: intentio recta é focar no trabalho e na
produção, como o homem deve agir no trabalho; intentio oblícua é focar, agir,
no externo ao trabalho e na produção, ou seja, foca na ação do homem sobre o
homem. Pois bem; todo esse rodeio necessário serve para dizermos que teleologia
e moral são as duas categorias centrais da superestrutura subjetiva (ideologia,
subjetividade, ou seja, ideias, sentimentos, moral, ciência, religiosidade
etc.): 1) a teleologia tem foco central no trabalho e na produção, sendo
categoria central do trabalho, ou seja, da intentio recta; 2) a moral é
categoria central da relação homem com o homem, isto é, dizer como os homens
devem agir entre si, fora ou para o trabalho, ou seja, intentio obliqua;
categoria central, logo, da superestrutura em geral, objetiva e subjetiv).
Enfim, ambas as categorias estão relacionadas, misturam-se, interpenetram-se e
tornam-se na pratica a mesma eúnica; como trabalhar e se irá trabahar é uma
questão moral, ética, além de teleológica ou do intentio recta.
Cumpre
destacar, também, que para Lukács, igreja, justiça etc. são “instituições
morais”, uma categoria genial. Complementamos isto: mudanças na superestrutura
subjetiva, como na moral, lastreada nas mudanças na base econômico-social em
questão, modificam, com atraso e com crise, a superestrutura objetiva (instituições)
conservadora, ou a estroem, ou geram uma nova organização (embora esta,
vice-versa, também influencie o que passa na cabeça dos homens). É, por
exemplo, o conhecido caso da igreja protestante, glorificadora do sucesso e da
riqueza, após o avanço do capital sobre as mentalidades; o Estado capitalista
apenas pode cair após mudança nas mentalidades nas classes trabalhadoras,
estimuladas pela crise e pelo partido comunista.
MORAL:SUPERDOTADOS,
TDAHs E AUTISTAS
Em geral,
por serem impulsos (também no bom sentido), superdotados tendem a ser
humanistas, liberais contra conservadores, revolucionários, comunistas etc. –
tendem a ter empatia acima, ou muito acima, da média. O mesmo ocorre, pelos
mesmos motivos, com TDAHs, que podem ter destaque especial em muitas áreas. Já,
por outro lado, o autista tende ao retraimento, ao foco em si, à dificuldade de
emparia e compreensão do outro. Mas, entre eles, despontam alguns com altíssima
habilidade especializada que ajuda a humanidade como pode, com certa clareza
racional do bem comum. Os melhores costumam estar do lado dos oprimidos e dos
subversivos, ainda que por meio de mediações.
MORAL E
UNIVERSALIDADE
O senso
comum marxista, o marxismo dos manuais, diz que tudo é história e tudo está
dependente das forças de produção de cada época. Está muito correto, mas cai em
historicismo vulgar. Como acerta muito, deixa-se de lado o erro lateral. Assim
como há, para Marx, certa essência humana geral ao lado e por debaixo das
históricas – há uma moral geral por debaixo das de cada época e sistema.
Eis a
contradição em potência e em ato. A moral histórica pode afirmar, negar ou
mediar a moral universal – total ou parcialmente. No fim das contas, a coisa
acontece de modo caótico e misturado.
A coragem,
tão valorizada entre os tribais, torna-se, assim, de fato, um valor universal.
Mas a moral capitalista entra em contradição com a moral essencial – logo,
evita-se ir ao piquete de greve para evitar a repressão policial. Já dissemos
em algum lugar que avida é dura? Bem: pelo menos por enquanto, em sociedades de
não abundância socializada.
Abstraído do
contexto histórico concreto, indo ao abstrato e geral; torna-se claro que,
entre conceitos opostos, um apresenta-se como o mais verdadeiro, o bom, o bem,
o correto e o belo. Por exemplo, a lealdade ao leal sempre é superior à
trapaça, mesmo se contra outro trapaceiro.
Mas
conceitos gerais opostos – deve valer a pena listá-los, expondo suas lógicas
comuns, como Hegel listou as muitas
categorias metafísicas em sua Lógica – podem apresentar um terceiro conceito,
um terceiro antes excluído, mas que deve ser incluído. Como se “entre” o
egoísmo e o altruísmo, temos o mutualismo, que supera ambos, unifica-os e
preserva-os.
O contexto,
no entanto, exige de nós mais do que a categoria de unidade não contraditória.
Isso é descer ao chão, depois de tratar de modo geral, universal e abstrato.
Tal método não é estranho ao marxismo: Em sua Ontologia, Lukács começou de tal
modo sobre o trabalho, depois passou à concretude do trabalho em cada modo de
vida – isso ele fez porque a realidade também é assim, reproduziu-a por sua
sinuosidade.
Damos
contexto ao parágrafo anterior. Há momentos de recuar e respeitar o medo. Há
momentos de coragem, de avanço apesar dos pesares. Há momentos “entre” ambos,
ao modo de Aristóteles. Ao modo de Hegel, há momentos de máxima imprudência
necessária, afinal, nada foi feito de importante no mundo sem risco, sem
ousadia e sem paixão avassaladora.
Que o
marxismo dogmático e universitário pôr-se-á no polo oposto deste capítulo, algo
esperado. Não posso nutrir ilusões. Toda ideia de fato nova, tanto mais se
correta, causará resistência, pois toda superestrutura – como o
pensamento-sentimento – sempre é conservadora, preservadora, contra os avanços
ousados do conteúdo.
MORAL E
BIOLOGIA
Já tratamos
da natureza humana e da parte biológica da psique. Aqui, não ética em exato
científica, nas modas do pensamento de uma época, mas ética baseada na verdade,
o objeto final científico. Quando os primitivos perceberam que sexo entre
parentes próximos daria em anomalias nos descendentes, a natureza impôs certa
moral, a lógica real foi traduzida para a consciência e seus hábitos, a lógica
ideal, embora com mediações como o complexo de Édipo e o complexo de Cronos
(este, trato na Psique – por uma psicologia marxista). Contra o pós-modernismo:
a biologia tem, sim, efeitos na moral-ética, como a preferência pela cooperação
em nossa psique.
MORAL E
QUANTIFICAÇÃO
O
capitalismo adestrou nossas mentes para pensar tudo em termos de quantidade, de
mais de quantidade, não em qualidade. Tudo deveria ser quantificado, embora nem
tudo seja ou de modo de algum modo preciso. Com o mais-produto, mais-trabalho e
mais-valor, ou seja, a exploração – Marx quantificou a moral, a imoralidade
social.
O direito
tenta tal obra, quantificar a moral. Assim, pelos valores sociais e nível de
anormalidade, tenta-se medir o tamanho da pena, relativo e absoluto. Um
assassinato consciente pode gerar, por exemplo, 30 anos de prisão – parece
razoável à nossa moral, parece algo sob medida. Ou, diante da raiva social
contínua perante a degeneração no país, prisão perpétua: uma vida sem vida por
outra vida. Há algo real e algo artificial nessa tentativa de medir o sem medida.
Um crime de assassinato feito de modo inconsciente ou em situação anormal pode
gerar prisão mais leve ou até a libertação, o perdão do juri. A ideia antiga de
“olho por olho, dente por dente”, fazer ao mau o mesmo mal feito por ele à
vítima, trata-se de tentar de medir ainda em termos muito qualitativos. A
moderna ideia de punição por indeniação e por multa bem revela o capital como
preciosidade e como fonte de medição, o quantitativo em ato. O dinheiro é o
quantitativo em ato.
Nossa teoria
do valor-trabalho e do valor-matéria bem explicam a medida nexata de uma
condenação. Os legalistas “fazem, mas não sabem” quando quantificam.
MORAL E
CAUSALIDADE
Se tudo,
incluso o cérebro, segue relações causais, necessárias, sem livre arbítrio, sem
punição dos céus – então, kantianamente, ninguém é culpado ou condenável? Não.
A punição humana serve como ação causal também, como reguladora, influencia o
mundo e os cérebros.
FUNÇÕES
FORMAL E INFORMAL
Como se, o
fiel vai para a igreja louvar a Deus. Mas, sem saber, apenas aparece no templo
para realizar doses de sua essência humana – e por uma regulação moral. As
superestruturas e insituições possuem a função formal e a função informal, fora
da consideração comum e sem forma. A arte existe de fato para tornar a vida
suportável, mas tem uma lastro oculto na moralidade, um de seus centros de
orbitação e de natureza. Apenas de modo externo e não essencial, além de
parciale falho, as isntuições regulam a permanência da natureza humana.
TESES
TESES PARA
UMA ÉTICA MARXISTA
1.
A moral é
objetiva, deriva da realidade, de sua concreticidade.
Como
observamos sobre psicologia, por um meio não controlado de modo direto pelos
homens, a concretude produz certo perfil mental, portanto, certa moral. A vida
fragmentada produz moral fragmentária.
Tal
moralidade não é decidida por ninguém e surge das condições objetivas. Por
isso, a mudança de modo de vida, de produção, muda o modo de moral dominante. A
moral dominante é a moral da objetividade dominante, não só da classe que
domina; pois nem ela decide a moral real, prática.
2.
A moral
também é intersubjetiva.
Por depender
do meio e da sociedade ter certa moral.
Os homens
constroem relações sociais e pessoais, além de sociais mediadas pelas pessoas. Assim,
regulamos uns ao outros de modo recíproco, mesmo se falta reciprocidade. O
homem apenas é em bando. Até o riso de ironia e a exclusão operam como
repressão aos desvios.
3.
Enfim, a
moral é também subjetiva.
Pois cada um
tem experiências diferentes, singulares, que o moldam. Nesse sentido, a moral
é, também, em parte, inconsciente, uma força às vezes irresistível e produtora
da ilusão de total livre escolha.
4.
A moral pode
negar a natureza humana, afirmá-la, mediá-la ou deformá-la.
Como
dissemos, a natureza humana una tem três modalidades: ser integrado, ser
mutualista e ser ativo. Elas são forças irremovíveis, mas nem sempre
diretamente observadas. Um meio ambiente ético exige certa harmonia dinâmica
entre ser integrado, ser mutualista e ser ativo
5.
O tema da
moral ou ética, ou da felicidade, surge da contradição de um problema real, um
problema moral concreto.
O tema da moral surge por problemas na moral. Se ele fosse existente de
modo relativamente pleno, o debate seria desnecessário. A coisa estaria
resolvida.
6.
A ética real
e prática, ou a mesmidade que é a moral, pode ser algo “antiético”.
A visão
ontológica da moral supõe que existe várias formas de moral, se quiser, de
conduta; por isso, a imoralidade pode ser certa forma de moral condenável.
7.
Via de
regra, não se sabe o que é certo na conduta a priori, sem contexto e sem
finalidade.
O estupro e
pedofilia, por exemplo, sempre serão imorais (os camponeses medieval que se
revoltavam estupravam as mulheres do castelo para que seus filhos não tivessem
o sangue dos poderosos – uma ação política, mas baseada na alienação). Mas há
um leque de outras questões em que não dá para julgar de modo isolado, sem sua
concretude total.
8.
Há certa
dialética da moral.
Ela pode
ser: a) funcional para o sistema; b) pode ser disfuncional para o sistema,
mesmo que surja dele, de sua objetividade, de seu modo de vida (caso
demonstrado neste livro); c) pode ser uma combinação de ambos; d) pode ser
funcional e tornar-se disfuncional – e) ou o contrário, o inverso. Por isso
Florestan Fernandes conclui por instinto o fim próximo do capitalismo por este
gerar, em nossa era em especial, um convívio ético antiético.
9.
A luta
comunista é pelo fim da alienação, sua finalidade, logo sua moral obedece a tal
objetivo – ainda que por mediações.
Roubar
sindicato ou desrespeitar a decisão de uma assembleia de base são formas de
imoralidade, pois desumanizam o outro. Mesmos e os resultados forem bons no
imediato, afasta-nos da estratégia, da humanização da humanidade.
10. Cada classe tem, por seus hábitos e estilo de vida,
tendências morais próprias.
Há certa
moral geral - a moral dominante é a moral da objetividade dominante. Mas as
diferentes classes vivem, de modo relativo, diferentes objetividades. A greve
estimula certa moral coletiva. O ser isolado da classe média aristocrática
tende a valorizar o individualismo.
11. A filosofia da moral na história – na teoria e na
prática – costuma usar um mediador ideológico.
Os gregos
usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia), os medievais usavam Deus
(teologia), os modernos elevavam o indivíduo (humanismo). São formas de
disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral. Veja
bem; o mediador ideológica não é necessariamente uma ilusão mediadora: a luta
pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e
verdadeiro. É a nossa e atua mediação ideológica necessária.
12. Há saída para o imperativo categórico.
Fazer algo,
ter uma postura, porque é certa em si mesma não se sustenta. Erra Kant. Pois
quase tudo é, apenas, em seu contexto. Mas ele diz: não fazer aos outros o que
não quer que façam contigo. Como se houvesse indivíduos e iguais apenas. O
imperativo categórico mantém-se se é, sob novo significado, imperativo de uma
categoria, categorial, a emancipação, fim da alienação, liberdade e felicidade
individuais e coletivas.
13. A moral comunista é rígida, mas sua aplicação é
dialética.
A mesma
causa, certa postura moral, pode causar ações diferentes, até opostas. Aqui,
somos obrigados a dizer a verdade; ali, somos obrigados a mentir, a manobrar
(na greve contra o patrão, por exemplo, se temos margem de manobra).
14. A moral, antes, inicia-se na prática, depois é
estruturada, defendida ou criticada e ampliada de modo consciente.
Pensa-se a
moral como algo racionalista, que vem de si mesma, como se fosse primeiro
motor. Nada se passa na mente que não as passa na realidade. A moral socialista, pro exemplo, é uma
amplificação da moral já existente por meio das lutas operárias.
15. A luta socialista é também uma luta por uma
sociedade ética, de boa moral, e cria as condições para tal moralidade,
mentalidade.
Um
semimarxista como Elias Jabbour diz que marxismo não é moralismo – como se
moralismoe moral fossem a mesma entidade. Isso ocorre porque seu partido, o
PCdoB, é uma organização degenerada, que falsifica, agride, boicota, corrompe
etc., enfim, estalinistas seguindo suas tradições… A imposição de uma vida
ética é equivalente a impor o socialismo.
16. O comércio é o mundo da trapaça, da tentativa de
barganhar – o mundo capitalista é o mundo comercial.
É impossível
boa ética no capitalismo por causa de sua própria lógica irracional. O
valor-dinheiro não conhece limite, quer ser dinheiro em busca de mais dinheiro.
Por isso, a corrupção é a regra. O funcionário do comércio tem de mentir ao
cliente para convencê-lo a comprar os produtos da loja. O engano torna-se,
assim, obrigatório. Por isso, o homem esconde quanto ganha, um tabu.
17. Enquanto existir ricos e pobres, haverá corrupção.
Querer melhorar de vida é um desejo impossível de largar. Quando o
primeiro homem, dirá Marx, calçou os pé, nunca mais foi capaz de andar
descalço. Portanto, quer-se ascender na vida. Enquanto houver o conceito de
rico, haverá o de pobre. Quando classes sociais não mais existirem – quando
formos apenas indivíduos –, os corruptos e os corruptores serão extintos, não
haverá o que disputar.
18. Certa moral deriva de sua necessidade.
Isso é base hegeliana – Hegel, aqui, acertou.
19. Os fins justificam os meios, mas os meios também
justificam os fins.
Maquiavel é sinônimo de oportunismo e manobra, mas isso é exagero completo.
Ele apenas era realista na sociedade que propunha e um pensador seríssimo. Mas
o meio já deve ser a realização, ainda que parcial e tendencial, do fim; o fim
realiza-se no processo do próprio meio. Eis a dialética de fim e meio que
Trotsky, como Hegel, não entendeu (no entanto ele deixa cristalino, contra o
estalinismo, que o meio deve ser o meio correto de um fim).
20. A crise sistêmica, ao elevar tensões, produz crise
ética, moral.
Como a objetividade afeta a subjetividade, até determinando-a em muitos
casos, a exacerbação da luta de todos contra todos tornará avida mais difícil.
No começo, aos vencedores as batatas! Mas essa crise é de abundância, não de
escassez. Com o tempo, os de baixo serão obrigado a ações de moral elevada.
21. Ao forçar a luta de classes, o capitalismo força a
classe operária a adotar certa melhor moral, como a unidade coletiva, para ser
vitoriosa – assim, o capitalismo faz surgir as concepções morais, boas e ruins,
que serão partes de sua destruição.
22. A moral do capitalismo em seu ocaso volta-se contra
o próprio sistema, ajuda a torná-lo insuportável.
23. Impossível uma obra de ética final, conclusiva nos
aspectos gerais, sem uma concepção correta de homem e de sua psicologia.
É o que fiz em toda minha produção teórica. Desse modo, a produção da
obra Ética torna-se, enfim, possível.
24. O autor de uma ética definitiva, de clara
inspiração marxista, deve, antes, ter passado por uma grande rede de
experiências, ter vivido a vida, ter sofrido – ser muito mais do que um rato de
biblioteca.
Isso parece pouco, mas é preciso ter mais do que olhos para ver a
verdade. A individualidade, os perfis diferentes, existe, logo temos diferentes
e variadas capacidades. A ética exige um autor ético. Isso é ciência
materialista de fato: nenhuma economista burguês conseguiria chegar à verdade
sobre a economia – apenas Marx, o economista do movimento operário, foi capaz
de ir tão profundo quanto necessário.
25.
A decisão de
regras moral não é, primeiro, gnosiológica, por leis artificiais.
Aristóteles diz que a felicidade depende de uma sociedade organizada,
justa e saudável; mas a ética surge exatamente porque não há eticidade na
prática, porque surge a necessidade de pensar sobre ela – realidade adoecida e
sua reação contra ela. Ele também afirma o meio-termo, o bom senso, entre
estremos de comportamento; mas o que comanda não é a ideia, uma lógica a
priori, a realidade é maior; pois isso, há momento para respeitar o medo, há
momento de coragem e há momento de máxima ousadia.
CATEGORIAS
DA ÉTICA
Além do
valor em si, lógica formal, a dialética demonstra que há um valor no contexto,
na situação: uma categoria é algo ou seu oposto, bom o ruim etc., segundo suas
circunstâncias. Deve-se, então, analisar
a situação concreta, por inteira. Já dissemos que, via de regra, há hora de uma
posição moral e há de seu extremo oposto, ou, também, do meio-termo. O mundo é
maior que nossa cabeça, ele manda. Além do mais, fácil reconhecer, de modo
geral e abstrato, qual das categorias em jogo é, via de regra, superior. Os
conceitos opostos extremos são, a maioria:
Bem e mau
Sim, o mundo
divide-se em, na essência, bem e mau. A realidade é, ainda, maniqueísta, embora
evitemos considerar isso. Claro: ninguém é perfeito e flutuamos entre um e
outro – mas flutuamos dentro de certos limites.
Bem e mal
Há o
trabalho bem feito – e o mal feito.
Bom e mau
Toda atitude
em relação ao outros homens e em relação à natureza pode ser julgada, em
separado, assim.
Bom e ruim
Julgamentos
sobre as coisas podem ser imorais se deixarmos de julgar de modo honesto quando
ou quanto bom e quando ou quanto ruim. Por exemplo: ao vender um produto do
qual tirará sua comissão extra.
Na
finalidade, o “bom e ruim” passa a palavra para “útil e não útil”, algo mais
objetivo.
Felicidade e
tristeza
A moral
busca a felicidade, acima do prazer. Mas a tristeza, vez ou outra, torna-se
necessárias: os sentimentos não são arbitrários.
Coragem e
covardia
Fácil ver
qual o superior, mesmo com o meio-termo da prudência. A covardia costuma ser
disfarçada sob o nome de prudência ou tradição etc. Às vezes, devemos perder a
noção e arriscar tudo. À vezes, devemos respeitar e ouvir o medo (mais uma vez:
os sentimentos têm razão de ser, devemos respeitá-los).
Lealdade e
deslealdade
Devemos ser
leal apenas ao leal. Há, portanto, exigência de reciprocidade.
Luta e fuga
O mesmo
hormônio, adrenalina, serve para preparar o corpo tanto para fugir quanto para
lutar. Há unidade dos opostos na mesmidade hormonal. Recuar nem sempre é um mau
caminho: a ofensiva permanente e a todo custo já foi a desgraça de muitos.
Ativo e
passivo
Não há
porque ver algum valor na passividade. Somos, enfim, seres ativos,
construtores, desejosos íntimos de autonomia e liberdade. Certa vez, ouvi um
marido reclamar que a esposa parou, de repente, de fazer sexo com ele. Com um
tanto mais de conversa e desabafo, além de álcool, descobri que isso aconteceu
desde o dia em que ele arranjou um novo e lucrativo emprego; desde então, ela
passou a depender financeiramente dele. E o amor acabou: sem querer, ela afirma
sua humanidade e individualidade negando o sexo.
Firmeza e
maleabilidade
Deve-se ser,
ao mesmo tempo, firme, ativo e adaptativo. Mas há limites em tudo. O
oportunismo começa quando a maleabilidade degenera no vale-tudo. Devemos ser
duros e doces como a rapadura.
Dialética e
teimosia
Respeita-se
as condições, modificando a ação. O contrário disso, o sectarismo, põe a ideia
acima da realidade.
Amor e raiva
O ódio é tão
justo quanto o amor: ambos são necessários. A questão é administrá-los,
mediá-los e tomar boas decisões.
Racional e
irracional
Para viver
bem o racional, precisamos, também, descansar o cérebro e respeitar nosso lado
emotivo, vulgar e animal. Mas sempre pondo a razão acima do não planejado, do
impulsivo, do dionístico etc.
Emotivo e
frieza
Deve-se ser
objetivo, mas sabendo que sempre somos afetados emocionalmente. Conscientes
disso, tentamos calcular da melhor forma e maneira. A frieza nada ajuda, por
outro lado: precisamos sentir também com emoção o estado da realidade. Acima de
ser parciais, devemos ser objetivos, mesmo escolhendo um lado.
Sinceridade
e mentira
Mentir
apenas por uma razão maior: salvar-se de um sequestrador etc. Mas cultivar a
sinceridade entre os seus. No mais, nossas relações pessoais precisam de uma
dose de mentira para amortecer conflitos potenciais – mas, em certo ambiente,
como o militante, torna-se inadmissível.
Coletividade
e egoísmo
O coletivo
apenas deve ser respeitado na medida em que ele, na prática ou no projeto, quer
elevar e respeitar o indivíduo. Somos diferentes e o socialismo deve afirmar
tal diferença. A individualidade é uma das mais poderosas conquistas da
humanidade. Mas ela, em nosso tempo, pende para o egoísmo, uma inflação sempre
nociva.
Altruísmo e
egoísmo
Ambos devem
ser superados, mantendo o prazer de ambos, por meio do mutualismo, pois há
prazer em doar-se e em receber.
Solidariedade
e egoísmo
A
solidariedade é a base da sobrevivência possível de nossa espécie.
Tolerância e
intolerância
Deve-se
intolerar os intolerantes. Deve-se tolerar os tolerantes.
Disposição e
preguiça
O tempo
livre e o nada fazer são necessidades: nada de ócio criativo ou produtivo.
Precisamos de pausas estáveis para melhor render nas atividades. Dentro de todo
preguiçoso há um oprimido – pois agir é da natureza humana. Claro, a preguiça
desmedida deve ser punida. Come quem trabalha!
Respeito e
desrespeito
Isso inclui
o autorrespeito e autodesrrespeito. Ouvi de certa mãe dizer que de fato desrespeita
seu filho porque ela carregou ele por 9 meses… O filho, adolescente, percebe a
incoerência prática e moral.
Responsabilidade
e irresponsabilidade
Não conheço
qualquer situação que justifique a irresponsabilidade. Isso tem seu lastro na
comunidade e no trabalho: as coisas devem funcionar como devem. Eis um dos
casos categoriais absolutos, não relativos.
Elogiosidade
e bajulação
Também caso
absoluto. Devemos elogiar de fato e de verdade, quando de verdade e de fato.
Nunca a bajulação consciente é honesta.
Elogiosidade
e calúnia
Deve-se
dizer a verdade, muitas vezes mesmo que isso promova processos por calúnia. Mas
o lado caluniador, quase sempre na história da humanidade, já estava errado de
início, tem intenção oportunista. Por saber que está errado, logo em
desvantagem, tenta virar o jogo com jogo de acusação. Marx foi caluniado,
quando vivo, de espião etc. por um certo senhor Vogt. Ele foi, assim, obrigado
a responder às acusações, tão forte era a campanha. Escreveu um livro de
sucesso em seu tempo, hoje esquecido, que levantava uma hipótese: o seu
acusadrs, o senhor Vogt, era agente do governo alemão infiltrado no movimento
operário… Dito e feito: após sua morte, foi a público documentos que
demonstravam sua relação com os serviço secreto daquele país.
Mediação e
autoritarismo
Deve-se ter
espírito democrático, mesmo. Tolerar a discordância, colocar a voto, mediar
quando possível e bom (o que nem sempre é o caso), evitar levantar a voz para
ganhar no grito de autoridade. Ganhar posições de pensamento e resolução por
meios estranhos é um derrota, embora pareça uma vitória – aliena.
Realidade e
cinismo
Deve-se
chamar as coisas pelos seus nomes, nem mais nem menos, na medida exata. Mesmo
que doa, mesmo que gere isolamento por algum tempo, mesmo que soe amalucado. O
cinismo faz diferente, contamina a realidade com acordos e meio-termos.
Orgulho e
arrogância
Sejamos
orgulhos, não arrogantes. É uma linha tênue, mas é ainda uma linha. Alguns ou
sentem-se muito menos ou, depois, muito mais. A realidade não é assim,
purificada e dura.
Orgulho e
vaidade
A boa
vaidade pode ser positiva, até uma força motora construtiva se bem guiada. Isso
tudo junto, com quem ela anda, com a inveja dos outros.
Trotsky
certa vez relatou uma visita ao Papa do socialismo, Kaustsky. Disse: o homem
era um poço de grande humildade. Ele era humilde, porém, oportunista que era,
porque o mundo lhe elogiava. Sua vaidade era, assim, externa a si. A vaidade
negativa e excessiva é uma defesa dos fracos, humilhados, derrotados, isolados
etc. Precisam de um compensador subjetivo para uma realidade imprópria e
oposta, hostil.
Honra e
desonra
Honra-se
quem tem honra. De modo algum, a desonra, em relações normais, tem algo válido.
Confiança e
desconfiança
Deve-se
desconfiar de tudo. Confiar demais gera, em reação inconsciente, paranoia.
Desconfiar de modo permanente, e tudo querer controlar, também. Devemos
dialetizar ambos, misturá-los numa receita tão balanceada quanto possível.
Paciência e
impaciência
Embora
pareçam absolutos, não são. São relativos: às vezes, deve-se perder a
paciência, após cultivá-la. A impaciência é, em si, um erro; mas também depende
de seu contexto.
Poderíamos
preencher os olhos do leitor com firulas e sacadas elegantes sobre todos os
pontos acima, um por um. Mas é desnecessário. É claro, por exemplo, que somos
imperfeitos por natureza, que misturamos os opostos na prática. Surgem,
ademais, leis como desrespeitar os desrespeitadores, ser egoísta contra os
egoístas, ser desleal apenas contra os desleais, respeitar apenas os que
respeitam, ser tolerante apenas com os tolerantes etc. Eis regulações,
reciprocidade.
Temos,
então, dois tipos de relação categorial – a relativa e absoluta. Numa, um
conceito exclui de pronto o outro. Noutra, um conceito mistura-se com o outro.
O erro comum é misturar de modo exagerado as duas classes: relativas, mentir ou
matar tornam-se uma proibição de pedra, lei de pedra, absolutas, dos 10
mandamentos, mas há situações e situações.
INVERSÃO,
INVERSÃO MORAL
O jovem Marx faz observações perspicazes. Entre elas: um burguês, mesmo
que analfabeto, certamente é um gênio, pois o cientista é seu funcionário –
como seria menos inteligente se superior na hierarquia social, se o contrata? O
burguês feio torna-se o mais bonito e sedutor por natureza quando com seus
bolsos cheios. Se alguém vil, torna-se logo alguém admirável.
A inversão social presente, parece necessária. No entanto, a questão de
sua necessidade ainda permanece oculta. Na dialética, o que é sorte no mundo
que aparece revela-se azar no mundo essencial; o que é moral em um é, ao
contrário, imoral em outro etc. Por que assim, também, na inversão?
Lula é o maior serviçal da burguesia na história deste país, mas aparece
como grande líder social. As classes e regiões mais pobres mais votam nele,
como se uma gratidão antiga. Ele é de todo consciente de sua farsa, e a
alimenta para preservar o governo e o regime.
Por outro lado, Bolsonaro é o mais incapaz de governar, mas parece como
o mais capaz para muitos; o mais oportunista, mas parece como o mais honesto; o
mais entreguista, mas parece como o mais nacionalista; o mais fraco, mas
aparece como o mais forte.
Os seguidores de Bolsonaro sabem, no fundo, que ele é um idiota
oportunista e, exato por isso, afirmam dele o contrário. A necessidade social
relativa, em certas classes, por um político de traços fascistas gera
necessidade de falsificação, de inversão. É preciso afirmar todo dia o
contrário daquilo que é ele, sua natureza.
Bolsonaro e Lula aprenderam ou têm o jeito de povão, como se um membro
da família. Tal manha é necessária para ganhar simpatia popular e voto. Eles
comem carne importada como se fosse alguém popular.
A necessidade de ilusão, inversão, ocorre junta da necessidade da
autoilusão, uma expressão dela. Hitler era alguém risível, para quase todos
incluso apoiadores, mas todo um teatro social formou-se para tê-lo como alguém
quase místico.
A tragédia torna-se farsa; a farsa, tragédia. É insuficiente perceber o
fenômeno, pois também devemos, mesmo que grosso modo, explicá-lo. O imoral
parece como o moral; o moral, como imoral. Os atores e seus perfis trocam de
papéis segundo o público que mal interpreta o teatro.
Há uma necessidade social, ideológica, de justificar a vida, as coisas
tal como são – mesmo que para isso necessitemos usar de certa maquiagem ideal,
sentimental etc. Ver tudo de cabeça para baixo ocorre porque tudo está, de
fato, de cabeça para baixo. È o terror bíblico do justo passar por injusto, e
vice-versa. Por exemplo, Trotsky, o homem mais pleno de moralidade no movimento
comunista durante a era Stalin, foi caluniado em todo o mundo como mais imundo,
fascista, infiltrado, oportunista etc. E Stalin, um dos maiores oportunista da
história, foi visto como pai dos povos, justo etc. O injusto deve sempre vestir
a roupa aparente de seu inverso, de seu contrário do contrário.
EXPOSIÇÃO
DIALÉTICA DE NOSSAS IDEIAS – CRÍTICA DA ÉTICA
VÁZQUEZ
Vázquez
escreveu um livro, Ética, que ganhou bastante fama de seu tempo até nossos
dias. Ele apresenta a obra como introdução à área, mas isso é um engano: certa
visão clara e específica sobre moral está exposta por toda sua obra aos
estudantes e aos leitores. Trata-se de um marxista, por isso, para pensar uma
ética marxiana, temos de ver se o autor citado já ofereceu, ou não, as
respostas necessárias. Vejamos suas concepções erradas, uma a uma:
1. A ética não tem princípios
universais.
Primeiro
erro, pois, além de elementos históricos parciais, de cada modo de produção, há
elementos gerais.
2. A ética é teoria.
Para ele, a
ética é teoria da moral – mas a ética é também ontológica, real, não apenas
gnosiológica, do pensamento.
3. A ética é ciência da moral, não
filosofia.
Confunde
ética com história da ética como pensamento e como realidade. A questão se
resolve, portanto, assim: ética é tanto filosofia quanto ciência porque
filosofia é ciência.
4. A ética é racionalista.
Ora, hoje
sabemos que o pensamento está lastrado em fatores inconscientes irremovíveis.
5. Ética pressupõe conduta.
Mas o
crescimento do debate moral só pode surgir se 1) há sua ausência, 2) cresce o
número de opções reais.
6. Moral são normas.
Não
necessariamente, pode não haver listas para certa moral.
7. Moral nada tem a ver com
natureza humana determinista.
Porém, o
homem pode, sim, agir contra sua própria natureza humana, se ela existe – e
existe. Ele não vê que, se a natureza humana é histórica, também é histórica a
formação de nossa espécie.
8. Se é inevitável, não é imoral.
Para o autor
citado, a escravidão antiga promovida pelo senhor não era imoral porque
inevitável. Mas sempre há alternativas. O burguês não seria imoral por empregar
crianças, pois é vítima de uma lei cega e impositiva…
9. O normativo é diferente de
moral.
Deixa,
assim, de ver que o normativo e a moral derivam ambos do factual.
10. Os participantes
aceitam livremente certa moral.
Isso é
metade verdade, metade mentira, pois desde o berço somos condicionados.
11. Moral e religião são
diferentes
A religião
vem, em grande medida, da moral – forma de manter e impor certa moral.
12. Moral e política são
diferentes
Também aqui
não vê a unidade interna da diferença. Toda tarefa é impor certa moral na
política, fundi-los e livrá-los de suas separações, algo realizado no
socialismo.
13. Moral e direito são
diferentes.
Mas
concepção moral dominante produz o direito dominante. A moral também cria meios
de repressão, ainda que não físicos.
14. Moral e trato social
são diferentes; aquele é interno e este, externo.
O trato
social deriva de e mantêm certa moral, a moral em ato.
15. Liberdade é ter
consciência da causalidade do mundo.
Cai, então,
numa posição idealista sem o saber. Na verdade, nós somos individualmente
livres para escolher porque nosso cérebro, embora seja apenas um com a realidade,
também é um outro para ela e dela; ou seja, o cérebro é produtivo, além de ter
autonomia relativa. A necessidade, ao lidar com a energia, produz cada vez mais
liberdade, ou seja, alternativas. A realidade tem alternativa, assim a
liberdade é objetiva; nós escolhemos aquilo que já iremos escolher entre as
opções dadas; liberdade é ter, assim, opções; mais liberdade é ter mais opções
para escolher a de nossa inclinação, pois não escolhermos desejar o que
desejamos.
16. O valor é apenas social.
Ele não sabe
a origem do valor: o trabalho ou sua economia para uma finalidade. Assim como a
realidade é já a própria possibilidade por razão de suas propriedades –
propriedade é já o valor, ainda que não pensado ou conceituado. Logo, o valor
só é na coisa. Ademais, a relação homem-natureza é moral, subordinada a
valores.
17. A moral não serve a casos anormais.
Alguém com
cleptomania não seria imoral, pois ele nunca escolhe roubar. Mas a moral serve
exato para saber quais são os casos anormais, disfuncionais para aquela
sociedade. A moral regula e, assim, controla – manda o doente ao psicólogo, por
exemplo.
18. Diferente de no socialismo, o patrão e o operário na produção não
operam relações morais.
Não! Isso é
fetiche! É uma forma de relação social coisificada.
19. O valor é algo do sujeito, subjetivo.
Na verdade, o valor ob, sub e intersubjetivo, ou seja, tem suas camadas,
que se mistura.
20. a moral é bom ou bem.
Mas pode haver moral imoral, porque é conduta prática.
21. Na moral, limitamo-nos a conceitos opostos.
Cai-se assim, na antidialética. Demonstramos que egoísmo e altruísmo são
superados pelo mutualismo.
22. O valor moral depende de seu resultado.
Ora, a ação – e a intenção – pode ser moral, porém o resultado,
incontrolável no fundo, pode ser imoral. Pode haver, assim, contradição no
processo.
23. Devo porque posso.
Correto e dialético, mas limitado. Ele diz que devo escolher a opção
mais moral porque tenho tal alternativa. Certo, porém, também: posso porque
devo. O dever ser já apresenta diante de nós a opção correta, ainda que
difícil.
24. A moral é social.
Parcialmente certo. Mas não somos tábua rasa: nascemos com essência
humana – ser integrado, ser mutualista e ser ativo. O homem ainda é animal. A
democracia é, assim, desde a essência humana, uma necessidade, também e em
primeiro, natural, um impulso interno – tanto no conteúdo quanto na forma,
tanto na aparência quanto na essência. Ódio contra ser enganado, sentir-se
ativo e ouvido de fato na contrução de um trabalho ou projeto coletivo no qual
se engaja de algo modo etc.
26.
Nem somos
totalmente absolutamente autônimos, pois estamos na realidade, nem somos de
todo e em absoluto heterônimos, pois somos individuais e livres.
Em parte. Primeiro, porque subjetivamos a
objetividade, a norma externa passa a ser parte de nós mesmos, interna.
Segundo, vai-se de realidade psíquica e social, na história, de heterônima
para, de modo relativo, cada vez mais, autônoma (A=A e… Não-A). O problema de
afirmações fixas e clara é que elas não expressam o tempo e o processo dentro
de si.
27. Apenas existe a norma de cada época específica.
Não necessariamente, pois uma norma geral pode ser
válida para diferentes etapas históricas, embora isso seja possibilidade real.
28. Os juízos
morais são enunciativas, preferenciais ou imperativas.
Ele deixa de ver a união dialética delas, embora
tenha aproximado duas. Assim, dizer “faça isto” (imperativa) também dizer, de
maneira oculta e por derivação, “e não faça aquilo” (preferencial). A
imperativa é, logo, uma enunciação de que o que se deva fazer é correto, justo
etc. Além disso, esquece o juízo do conceito, que afirma: isto feito deste modo
é bom belo, justo etc. Que tem forma e conteúdo juntos no enunciado.
29. Moral é
relação com os outros.
Na verdade, pode ser relação coma natureza e,
também, consigo, automoral.
30. A moral da
tradição, por não ser refletida, é negativa.
Moral é, também, tradição. O pensamento da moral
muitas vezes serve apenas para justificar o que já se tem na sociedade e em si.
31. A moral é
justificada 1) socialmente, 2) na prática, 3) na lógica, 4) na ciência, 5) na
dialética (história).
Ora, qual sociedade? Para que tipo de prática? Com
qual das tantas lógicas existentes? A ciência é humana, pode errar, pode ser
imperfeita e muito imprecisa, gerando morais erradas como o racismo desde a
teoria evolutiva. A ciência não é feita de consensos, nem de paradigmas fixos
Na história, o autor criticado pensa a história
como evolução quase linear da moral. Cai em relativismo histórico. Como na
parte, as morais de cada tempo são diferentes, não em si superiores entre si –
até amoral de fato superior surgir, a socialista. E na mesma ética há morais
contraditória com outras e com o seu próprio mundo social. Mas deve-se separar
o concreto do abstrato: há um julgamento moral da história da moral, cujo eixo
é se tal norma humaniza ou não o homem.
32. A moral
cabe ao indivíduo.
Ora, grupos humanos também podem, como conjunto e
em conjunto, operar atos morais ou imorais.
33. A moral
acomoda-se ao seu mundo.
Mas a moral de um mundo pode entrar em contradição
com ele mesmo, e o mundo é contraditório consigo.
HERÁCLITO
Para ele, o
conflito (guerra, contradição etc.) também é algo produtivo, construtivo e
positivo; mas não entende sua tarefa de superação. Como considera tudo plural
uma unidade, diz que o homem deve repstiar tal unidade mesma; logo vemos o
limite conforsita de sua visão genial.
SOFISTAS
Para eles, o homem é a medida de todas as coisas. Logo, a verdade é
subjetiva, não objetiva. Já demonstramos, ao contrário, que a matéria é a
medida de todas as coisas.
PLATÃO E
SÓCRATES
Ao escolher morrer envenenado, após condenação de sua tribo, Sócrates
deu uma lição de moral: respeitar ao máximo sua coletividade, pois nada seria
fora dela. Platão, seu discípulo, conclui o primeiro livro de sua A República
no mesmo sentido: a justiça deve ser a mesma coisa que o coletivo respeitado.
Não por acaso, ele fala da guerra: os guerreiros devem agir de modo coletivo se
querem vencer, sem egoísmo. Assim é porque a sociedade escravista é belicista
ao extremo. Mas, se há necessidade de isso debater, então isso não é realidade
evidente.
ARISTÓTELES
Defendia o meio-termo entre extremos opostos de conduta. Ele pensou,
assim, o método como algo externo aos fatos e ao objeto de estudo. Além do
mais, pensava que a felicidade era a contemplação filosófica Mas o homem também
é cozinheiro das coisas: age, produz e
cria. E se a felicidade, hoje, não for possível? Logo responderemos a pergunta
Como Aristóteles ofereceu um verdadeiro paradigma e uma obra
sistemática, devemos dar mais atenção para refutar sua filosofia. Vejamos ponto
a ponto, gradual:
1.
Moral e
felicidade são coisas humanas
Hoje sabemos que não é assim, ao menos nos animais superiores. Mas,
claro, assim é de modo ímpar entre os humanos.
2.
Cada um tem
ou almeja um bem
Não. Os diferentes bens são unificados no bem comum
3.
Um bem não é
superior por durar mais
Mas o bem também é matéria, que deve permanecer
4.
O bem não
serve a todas as ciências
Nossa teoria geral do valor provou o contrário. O bem, em geral, se
particulariza.
5.
A felicidade
é algo completo
O pai da lógica formal não sabe que a vida é contradição. Tentar
evita-las no lugar de desdobrá-la apenas produz mais problemas.
6.
Felicidade é
atividade
Felicidade é objetividade e subjetividade – também.
7.
A moral é
racional
Não: a moral é racional e irracional ao mesmo tempo, consciente e
inconsciente.
8.
O hábito
forma o caráter
Isso é antidialético. O caráter também forma o hábito. Além, disso,
aspectos físicos, relacionais e biológicos (este, parcial e mediado) também
fazem o perfil pessoal.
9.
Amar
mulheres casadas é um vício – para siso não é meio-termo
Ora, a monogamia é inatural na humanidade. Se quisermos: entre a
monogamia e a depravação, há a poligamia (relações livres etc.).
10.
Deve-se
seuir a norma social
Ela pode estar erra. Segue a máximo: se uma lei é injusta, devemos
desobedecer a legalidade.
11.
O homem é
causa primeira de suas ações
Não! A realidade total manda, o mundo muito maior do que nossas
cabeças. A causalidade é dialética, não
mecânica.
12.
A ação ética
é de todo voluntária
Desde Freud, ao contrário, sabemos que voluntária e in.
13.
O desejo, o
querer e o impulso são voluntários
Mas se o inverso deles é ruim, logo somos forçados em certo sentido a
segui-los.
14.
O forçoso é
involuntário
Só um escravista diria isso! Pode ser voluntário, esmos e forçoso.
15.
Atuar por
ignorância é involuntário, logo não imoral
Tal afirmação não se sustenta. É voluntário, mesmo se com informaçõess –
sempre – incompletas.
16.
Querer e
opinar são diferentes de escolher
Não! Querer e opinar já são escolher, embora a razão possa redirecionar.
17.
Deseja-se
porque deliberou-se
Pode ser:
mas pode deliberar-se porque desejou-se.
18.
O fim é
sempre, por natureza, bom
Nem sempre:
pode-se escolher um fim errado. Enriqueceu-se, mas ficou mais infeliz. O fato
de buscarmos a felicidade não garante que saibamos o que de fato a causa em
nós.
19.
O fim é que
importa
Ora, há interdependência de fim e meio. O meio também importa.
20.
A justiça,
por exemplo, não gera injustiça
Mas o mundo é complexo, e a causa pode entrar em contradição com seu
efeito.
21.
A ética gera
felicidade
A boa ética não garante felicidade.
22.
Não há
acaso: os felizes por acidente foram abençoados pelos deuses
Basta ser ateu para refutar tal afirmação. No mais, o acaso é a causa
acidental: acaso e causalidade são um, sendo dois. Acaso e sorte acontecem,
existem. Mas ele cai em Deus! Podemos, ao contrário, facilitar a sorte e a
tendência de vitória.
23.
Deve-se ir
ao nobre, o homem totalmente ético
Assim, ele pensa um homem ideal, artificial, inexiste.
24. Todos os bens são particulares
Todos os
bens, na verdade, buscam a matéria.
25. A busca da ética é a felicidade
Mas a ética
não busca apenas a felicidade. Ademais, uma ação ética pode gerar infelicidade.
26. A política serve ao bem comum
Numa
sociedade de classes, a política serve a uma classe.
27. A prática justa gera o homem justo, etc.
Mas o ato
juto e bom em si pode ter 1) intensão oportunista e 2) efeito contrário ao
esperado.
28. É-se bom de apenas um modo e mau de vários.
Na verdade,
pode-se ser bom de vários modos também.
29. A raiva etc. e sua ações sempre são voluntárias.
Nem sempre:
pode-se perder o equilíbrio e a razão.
30. Pode-se ser injusto sem ser uma pessoa injusta.
Ora, ser justo ou injusto não é uma essência imutável, mas uma prática
teória e uma teoria prática. Em resumo: é-se – sendo. Quando se está justo, se
é justo; quando se está injusto, se é injusto.
31. Enfim, deve-se buscar o meio termo entre extremos
Isso é a
falácia do meio-termo, do bom senso. Como dissemos: há momentos para respeitar
o medo; outros, a coragem; outros, a máxima imprudência. O problema não se
resolve com lógica a priori, mas com o contexto. Ao subordinarmos o medo, a
coragem, a prudência e a imprudência às circunstâncias – nós superamos, como se
pairamos acima, os conceitos de medo, contagem, prudência e imprudência. De tal
modo, entre outros, suepera-se a tradição de Sócrates. A definição depende do
contexto.
Aristóteles
foi, assim, concluímos, um gênio – errou em quase tudo por culpa de seu tempo,
não por sua cabeça.
ESTOICOS
Diziam que o universo tem cada coisa em seu lugar, logo devemos aceitar
o destino. Isso é ser passivo, portanto, triste. O homem é desejo.
EPICURISMO
Defendia o
respeito ao desejo, ao prazer, mas de modo moderado para evitar vícios (bebia-se
café sem açúcar, mas agora maioria é incapaz disso, exagerou-se). O rpblemade
Epicuro é 1) não ver a necessidade de luta social diante da decadência, 2)
quase sempre, impossível ser feliz, logo, deve-se tentar apenas uma vida que
valha a pena.
CRISTIANISMO
Se Deus e Lúcifer existissem, este trabalha para aquele. O Anjo da Luz
pune o mal no inferno. Além disso, deu ao homem a sabedoria. Eia a contradição
fictícia e interna da mitologia cristã.
HOBBIES E
SMITH
A ideia, em Hobbies, de que o homem é o lobo do homem tem validade
empírica, mas temporária, e não natural (cerebral) ou estrutural – mas a ideia
de comunidade unida já está, de cerda forma, nele desde a necessidade do
Estado, da organização. Já o economista filósofo Adam Smith afirma que o egoísmo
de cada uma faz com que, como se fosse mão invisível, a sociedade progrida e o
bem prospere. Mas a história do capitalismo refutou tal concepção. Sem economia
planejada e sua solidariedade democrática a sociedade vive o caos negativo.
MAQUIAVEL
Toda teoria tem sua versão vulgar. Nos senso comum, o maquiavélico é
aquele que manobra, trapaceia, manipula e joga. Algo um tanto injusto com o
italiano, pois ele era um pensador seríssimo e justo. Mas era, também, realista
ao extremo. Sua famosa frase “os fins justificam os meios” de fato leva à
compreensão de que todo artifício é válido para conseguir o desejado. Trotsky
afirma tal lógica, mas acrescenta um limite: os meios devem ser os meios
apropriados para o fim. Em minha formulação: os fins justificam os meios, mas,
também, os meios devem justificar os fins. Mais. O fim já se realiza no meio,
no processo, cada vez mais e tendencialmente, o meio já é o fim, embora não
realizado. Se quero acabar com a alienação, devo, respeitando o futuro desejado
e mais maduro, praticar desde já ações desalienantes.
HEGEL
Para o alemão, a luta do homem contra o homem é o motor de história
(Marx e Engels atualizam e criticam ao mesmo tempo ao afirmarem que a luta de
classe é tal primeiro motor). Nesse sentido, a dialética hegeliana afirma que a
contradição é produtiva, além de destrutiva; portanto, temos base da moral,
segundo ele.
Hegel inspira-se na economia política – o egoísmo de todos faz o bem
social na totalidade – e, claro, nos filósofos iluministas. Mas, como idealista
que foi, afirmou: a sociedade externa expressa como os homens de fato são por
dentro, internamente. É desse modo que ele unifica o subjetivo e o objetivo.
Não haveria, por isso, contradição entre indivíduo e sociedade. Ao contrário,
dizemos que a objetividade – não controlada pelo homens – é que faz certa
subjetividade, ainda que possa entrar em contradição com a real natureza
humana.
No fim das contas, a concepção de Hegel não é concepção alguma. Mas ele
soube disser isto: certa moral surge da necessidade de certa moral. Desse modo,
ele foi um materialista invertido, um idealista objetivo. Quase acertou o ponto
em questão.
Na história idealista, Hegel afirma que, antes, a coletividade era tudo
– o indivíduo era nada. Depois, no capitalismo, o indivíduo é tudo e o
coletivo, nada. È chegada a hora, para próxima etapa era o socialismo.
KANT
Kant comete três erros. Primeiro, diz que devemos fazer algo por guia
única da razão – não fazer o que se quer, negar o desejo, que é, para ele,
irracional. Mas a minha razão pode convencer minhas emoções racionalmente.
Segundo, diz para não fazer algo que condena que façam sobre si mesmo; certo,
mas se eu for um masoquista que gosta da punição, da derrota e do sofrimento?
Isto é, ele pensa um sujeito abstrato, sem concreto, irreal, sem contexto etc.
Além disso, considera que ação moral é pura, sem peso da realidade na decisão.
Kant pede para que o homem seja fim em si mesmo, não meio. Eis o
socialismo! No entanto precisamos do homem total como fim em si mesmo. Total –
não realizado ainda. Total – não apenas o indivíduo.
UTILITARISMO
Tal escola é vista como egoísta, mas isso é um erro. Para eles, o bom é
o bom para o maior número de pessoas possível, mesmo se prejudica o sujeito da
ação. Eles resolvem o problema do egoísmo e do altruísmo apenas de forma
negativo (resolvo de modo positivo com o mutualismo, que funde ambos). Isto:
pode ser má ou boa ação, o que importa é o resultado de prazer para a maioria.
É um instinto democrático em ascenção. Muitos de tal escola pensam, ademais,
num utilitarismo pluralista: o bom e o bem seria prazer ou, outro caso, poder
ou, terceira opção, conhecimento etc. Se descemos ao chão e pensarmos o
classismo na realidade: tal pluralidade de opções guarda um objetivo de fundo
comum – o fim da alienação, o socialismo, a humanização do semelhante.
UM PARADOXO
DAS MORAIS
A ética de Aristóteles, Kant, dos utilitaristas etc. ao menos a maioria
deles, levariam a quebrar ao meio o sistema do tempo em que foram pensados (de
modo positivo ou negativo). Se suas ideias abstratas descessem ao mundo, fossem
concretas, quebrariam concreticidade. Elaboraram suas teses e normais sem
atentar para a divisão de classes no mundo real. A ideia de fazer algo para o
agrado da maioria (utilitarismo) ou certo em si (kantismo), derrubaria o
sistema baseado na moral imoral, o sistema de classes. Assim, ao serem contra o
concreto, são contra o concreto, o sistema.
No mais, afinal: o que determina uma ação moral? Alguns dizem ser a
intenção (Kant); outros, o resultado (Bentham etc., utilitaristas). Ou um, ou
outro. Assim, cai-se na lógica formal e na unidade que não abarca a
pluralidade. Além disso, quer-se evitar a contradição. O problema circular cai
e loop, num jogo sem fim. Ora, uma ação pode ser moral, mas seu resultado ser
imoral – e vice-versa. Uma ação pode ser oportunista sem intenção oportunista.
DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO
Hegel afirma que o Senhor teve a coragem
enquanto o escravo focou no medo da morte; assim, aquele generaliza o que este
toma como concreto; aquele tem a consciência essencial, mas por mediação deste,
com e como a inessencial. Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem
validade teórica ou empírica, apenas algo da história da filosofia
supervalorizada. Talvez se torne útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande
elitista, reformulou a imagem assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o
limitado escravo julga tudo como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de
Lukács, que apenas nega e (des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos
a crítica imanente de escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou
reformulando seus caminhos. Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem
define o mundo como bom ou mau, pois ele é o polo idealista ou “espiritual”, do
não prático, e isso é demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a
religião de origem africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta
com a matéria, com o material, materialista e prático, logo deve definir o
mundo como bom ou ruim. É o oposto do que disse o último alemão, o
irracionalista; além disso, claro que o escravo toma seu senhor como mau, pois
de fato o é, logo ele é mais completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no
mundo com maior maestria, o cérebro-consciência dele mais necessita ver
cruamente a realidade. O senhor nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado
uma afirmação de humanidade, insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o
escravo, a noutra ponta, ver-se como humano desumamizado e saber que a
humanização e superioridade do seu “dono” apenas é possível por meio da sua
exploração, do roubo de trabalho. Assim, o escravo alcança instintivamente a
identidade na e da não identidade enquanto o senhor insiste que A é igual à A,
esta pobreza espiritual, que algo é apenas igual a si mesmo, numa oposição
supostamente fixa entre ele e o outro, que não tem sequer a dignidade de ser
outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as coisas tal como são porque
tomam as dores da burguesia para si, ainda que tal classe ainda tenha sido
revolucionária e “oprimida” no tempo do primeiro pensador.
Isso é expresso na prática e hoje quando
o marxismo, o ponto de vista da classe operária, é o mais avançado e dinâmico
na produção teórica acadêmica e partidária – na área de humana. Além disso,
este polo operário abraça para si a dialética, não apenas a lógica formal. De
tal modo, influencia até as ciências naturais com Einstein, comunista, e Born,
um socialista dialético, terem avançado tanto na macrofísica e na quântica,
contra o limite positivista e mecanicista de seus pares.
Podemos aproveitar o alemão
irracionalista do seguinte modo: a relação homem-coisa, no trabalho, pesa o bom
e o ruim – as relações do homem com os demais, com a natureza e consigo pesa o
bom e o mau.
NIETZSCHE E O NAZISMO
Certa famosa especialista no alemão
irracionalista ofereceu duas afirmações em sobre seu objeto de estudo: 1)
Nietzsche não tratou da moral do senhor e do escravo de modo marxista, ou seja,
de modo histórico; 2) Nietzsche não deu base ao nazismo, pois elogiou os judeus
em citações. Ora, a comentadora deverá reler as obras dele… Já no início de seu
texto magno sobre moral, ele por exato critica todos os teóricos anteriores por
não terem uma visão histórica, no tempo, na origem, ou seja, na genética. Em
segundo lugar, ele afirma que a decadência ocidental é causada pela moral
judia, pela degeneração causada pelos judeus (e ainda elogia a raça ariana).
Além disso, critica a mistura de raças como degeneração estimulada pelos
judeus. Ora, eis a matéria-prima para o nazismo, para o arianismo. Ele é a
justificação teórica do fascismo alemão. Nietzsche era elitista, defensor das
classes dominantes como superiores e nobres no duplo sentido de nobreza; além
disso, anticomunista. Um dos seus erros é transpor lógicas das relações
pessoais para relações sociais, algo feito de modo forçado e artificial. Quando
Lukács o criticou nesse sentido, base do nazismo, como criticou, junto, os
demais irracionalistas; acadêmicos pomposos e inimigos oculto da ciência em
todo o mundo declararam raiva irracionalista contra o marxista de alto nível,
eram incapazes de aceitar a verdade de sua letra, criticaram logo aquilo em que
ele mais acertou, assim não viram sequer seus limites.
Quem lê a moral de Nietzsche e não sente
nojo é ou nazista ou acadêmico.
KIERKEGAARD
Para ele, existem três modos de vida: 1)
o religioso, o superior e causa de felicidade; 2) o ético, em que o individuo é
controlado pelo meio; 3) o estético, voltado aos prazeres e o mais vil. Problema:
deuses não existem. Segundo problema: o homem é coletivo, precisa seguir certa
ética de modo relativo ao menos. No mais, a vida estética, com seus prazeres,
soa, como verdade que é, a opção correta.
SCHOPENHAUER
A
partir do foco de Kant nos sentidos, tal pensador pensou que o desejo ou o
desejar é o nosso mal, a fonte da infelicidade. Como um religioso, pregou negar
os desejos e vontades, fontes de frustração, ansiedade e tédio. Não é preciso
muito esforço para negar sua filosofia.
LUKÁCS
O pai da ontologia marxista morreu antes de iniciar sua obra de ética
marxista. Deixou-nos apenas notas e indicações. Porém, ele antecipou a questão
da liberdade. Nós, humanos, em nossa história universal, à medida em que
aumentamos a produtividade do trabalho, somos mais livre, mais individuais e
com mais opções. Em minha dialética, diacrônica, com determinações de
desenvolvimento (A=A e…Não-A), estou com o pensador citado: a necessidade
vai-se, permanecendo ela mesma, tornando-se cada vez mais liberdade. Do menos
ao mais livre ainda dentro da necessidade. Pois bem: ter mais opções leva a
pensar uma ética para escolher as melhores, as mais justas, as mais
emancipadas. Como disse em outro momento, somos da heteronomia, subordinação
moral a fatores externos, que são também subjetivados, para, sem romper, cada
vez mais autonomia.
Hegel considera que não há contradição indivíduo e sociedade (coletivo)
porque, para ele, idealista, a sociedade é fruto da cabeça dos homens. A
sociedade seria sua imagem e semelhança. Lukács faz o inverso: para ele,
materialista, também não existe tal contradição, pois o coletivo social faz o
indivíduo e seu pensamento, com o perfil correspondente. Ora, existe essência
humana, que pode ser desrespeitada. E existe contradição na sociedade que
contamina o indivíduo, e este entra em contradição com o todo ou com o todo por
meio de outros indivíduos. Tomamos lado, ainda que sem percebermos, na
autocontradição social. A harmonia do indivíduo e da coletividade, ambos sendo
afirmados, ainda não é fato, ainda é tarefa.
Para Lukács, há diferença entre moral e ética. Moral se referiria ao
indivíduo, para si, em relação ao gênero; a ética, ao oposto, se referiria ao
respeito ao gênero, sobre o indivíduo. Ora, assim ele se limita à mera
oposição, sem ver a unidade interna de ambos, pois moral é igual à ética. Ambos
estão misturados e em interpenetração na realidade. Temos, portanto, a
identidade dos opostos, comoa unidade do universal geral (gênero) e do
individual singular. A ética geral faz a moral individual; a moral individual
fez a ética geral – um só mundo, logo, um só corpo e um só espírito. O fato de
haver duas palavras para o mesmo objeto é apensa uma coincidência histórica.
CAMUS
Como vê apenas utopia no socialismo, ao deixar de entender sua necessida
histórica, aposta apenas na pura revolta contra a suposta falta de sentido para
o destino. E sua revoluta é sempre apenas individual, além de quase que apenas
destrutiva e negativa.
ESSÊNCIA OU
EXISTÊNCIA?
Os gregos pensavam que, assim como a pereira produz pera, cada homem tem
um lugar natural, um talento seu ou essência. O existencialismo pensa o oposto,
que o homem faz a si próprio, a existência individual precede a essência. Pois
bem; ambos estão certo e errados. Alguém que nasce com TDAH tende a ser
criativo para a arte e a política, mas estará em más condições, em geral, como
dirigente militar. É verdade que não se nasce mulher, torna-se; mas é verdade,
também, que não se torna mulher, nasce-se – tem traços femininos determinados
desde antes do nascimento. É outra forma de dizer isto: os homens fazem sua
própria história pessoal, mas a fazem sob condições dadas, incluso biológicas e
ambientais, que não escolhem. Eu sou Eu e minhas circunstâncias, mas o Eu é
também circunstância. Eu sou o que sou.
O existencialismo como escola de pensamento surgiu e cresceu com o
aumento da democracia, a invisibilidade urbana elevada, o fato – em principal –
de sermos mais sociais e mais individuais relativo à antes, a existência de
abundância de mercadorias, a elevação das classes médias etc. A necessidade –
causalidade etc. – produz, em seu desenvolvimento, a liberdade, ainda que
relativa e parcial (teleologia etc.). A liberdade (abstrato) é a necessidade
(concreto) em autorrelação e autodesenvolvimento (processo). Daí a ilusão de
que somos já de fato livres e independentes, a inflação exagerada do conceito
de liberdade individual.
Para Sartre, ademais, o valor é subjetivo. Na verdade, unidade do
subjetivo e do objetiva, existe na própria realidade.
MORAL E CAPITALISMO
Há a moral dita e a moral feita ou efetiva. O capitalismo precisa vender
a moral de que somos todos iguais e livres. Mas, na prática, somos escravos
assalariados.
CATEGORIAS E
ÉTICA
A dialética é a contradição de categorias opostas. Mais do que isso: a
contradição e a diferença também devem dar lugar à unidade oculta das
categorias em oposição. Os teóricos da ética adotam uma categoria contra outra,
de modo impressionista e unilateral. Como esta obra tem pretensões populares,
apresento os conceitos em linguagem concreta e clara, contra o estilo de Hegel,
o pai da moderna dialética.
FORMA E CONTEÚDO
O conteúdo de uma ação pode ser boa, como a sua intenção, mas sua forma
de aplicar ser ruim, negativa. Isto é, pode haver contradição entre forma e
conteúdo. Na mente, pode-se focar apenas em um ou em outro – para produzir
certa teoria, por exemplo. Sartre foca apenas no conteúdo; Kant, apenas na
forma.
APARÊNCIA E ESSÊNCIA
Diz-se que é insuficiente ser bom, deve parecer bom igualmente. O que aparece
como bom ou bem visto de modo isolado e na aparência, pode ser ruim ou mau no
todo e na essência. Nem sempre são contraditórios, mas saber que isso pode
acontecer já é um alerta importante.
NECESSSIDADE E LIBERDADE
Debatemos exaustivamente, neste livro, o tema. Alguns veem apenas a
necessidade, como o imperativo categórico de Kant, do dever fazer; outros, a
liberdade irrestrita, como Sartre. Ora, somos cada vez mais livres, mas nossa
mente tem opções limitadas e sempre escolhemos o que vamos, de fato, escolher.
CAUSA E CONSEQUÊNCIA
Eles também podem entrar em contradição: a consequência pode ferir a
causa e suas bases. Ademais, a consequência pode tornar causa de modo
retroativo no sistema em questão. A causa pode ser boa moralmente, mas sua
consequência ser má em sua moral, mesmo se regra não for. A causa e o seu
efeito nunca estão isoladas do contexto, que também pesa nos resultados.
INTERNO E EXTERNO
A moral interna real se externaliza na ação e na linguagem. Por outro
lado, caminho inverso, a moral externa sempre, em alguma medida, torna-se
internalizada. Há quem defenda o respeito às normas sociais e externas; há quem
defenda o valor do interno, da subjetividade etc. Ambos desconhecem a
verdadeira essência humana e do mundo social, além da relação às vezes
contraditória do externo e do interno.
ABSTRATO E CONCRETO
Deve-se, primeiro, observar o ato moral de modo isolado, por si. Mas, se
queremos ser rigorosos, devemos observá-lo de acordo com suas interconexões com
a realidade posta.
INTENSIDADE E EXTENSIVIDADE
O utilitarismo diz que devemos agradar o maior número possível de
pessoas. Mas a extensividade pode estar contra a intensividade, e a quantidade
contra a qualidade. A questão é que tal norma “agradar ao maior número” não tem
como ser a norma última. A verdadeira norma, que dá a extensão e a intensidade
em cada caso concreto, depende da emancipação, do fim da alienação, da
humanização do homem. A posição filosófica egoísta, ao contrário da
utilitarista, foca apenas na intensividade: em defesa de meu prazer máximo,
mesmo prejudicando aos demais.
MEIO E FIM
Também debatemos muito tal tema neste livro. O meio deve ser o meio de
um fim, conectados. Ademais: o meio já vai realizando, no processo, aquele fim
que estaria apenas no final. O fim realiza-se, em alto grau, depois, mas
amadurece antes. Fim e meio são apenas um, embora dois. Alguns autores focam
apenas no meio, no ato em si; outro, apenas no fim, na consequência. No
entanto, podemos abandonar a visão unilateral. Mas, quando o fim abandona os
corretos meios ou os meios tornam-se fim em si mesmo – contradição.
SINGULAR E GERAL
Há os que forcam no singular, no fato em questão, como Sartre e sua
liberdade enquanto lei suprema. Outros, no geral, ou seja, na norma, naquilo
que vale para todos. Um erra por não perceber que há normas que guiam. Outro
erra porque não adapta a norma às circunstâncias, ao contexto ou uma concepção
geral correta.
TOTALIDADE, CONTRADIÇÃO E MOVIMENTO
A verdade do mundo e da parte está no todo, pois tudo está integrado.
Além do mais, a contradição é inevitável; tentar escondê-la apenas piora a
situação – o outro é nosso inferno e nosso paraíso, a relação necessária. Por
fim, tudo muda: a verdade, os fatos, as pessoas, as circunstâncias etc.
Conceitos e relações conceituais, ao refletirem a realidade, também se alteram
de tempos em tempos.
A dialética exige muito de nós, pois fere um pensamento rápido e apenas
instintivo. Mas, sem a dialética moderna, torna-se impossível resolver as
oposições e polêmicas da história de tal filosofia. A ética correta faz a
correta relação das categorias opostas, isto é, a unidade interna delas.
ESTOICISMO
DIALÉTICO
Por que não nomear “autoajuda dialética”? A autoajuda pode passar de uma
literatura vulgar para algo mais elevado, apesar de preconceitos enraizados.
Aqui, combatermos os sensos comuns considerados alguma coisa como sabedoria
para os cidadãos. Descobriu-se que é sinal de baixa inteligência gostar de
frases óbvias repetidas várias vezes, assim como velhos por instinto de defesa
negam o novo e a novidade. Quem nada novo tem a dizer, que se cale! Aqui,
percebemos que os conceitos da dialética são úteis para melhor lidar com o cada
vez mais difícil mundo, exterior e interior.
MATÉRIA E IDEIA
O modo como vivemos determina o modo como pensamos e sentimos. De fato,
ouvir músicas tristes tende a nos entristecer (mas ficar triste ao ouvir uma
canção pode ser bom também).
Como a palavra é algo material, embora leve, logo o dito por nós e sobre
nós nos influencia na autoimagem. Seja realista consigo, com as qualidades e
defeitos, mas evite depreciar-se, pois pode acabar acreditando em si…
É quase impossível ser feliz na periferia de uma grande cidade. Isso é
fato. E sob o capitalismo, tanto mais difícil ter felicidade. Portanto, a
infelicidade é um dado hoje inevitável – deve-se tentar construir momentos de
alegria genuína para suportar a existência.
A cabeça segue o chão que os pés pisam, mesmo se com atraso. Ser feliz é
ser feliz quando o ambiente tem felicidade. Não espere estar sereno em um
ambiente por muito tempo desesperador. O natural é que se o meio é caótico,
nossa mente também o será.
Organize a tua casa, mas não tanto, sem taras por perfeições, que assim
organizará melhor teu pensamento. Lave as louças.
Às vezes, conviver com pessoas doentias nos adoece – mas podemos
enlouquecer de solidão se nos afastamos delas. Por isso, arranjar novas
companhias deve ser, em geral, um processo passo a passo, progressivo. Nossa
espécie necessita viver junta, agrupada, coletiva. Mentem os filósofos que
elogiam a solidão, que transformam o defeito enlouquecedor em qualidade.
Teus hábitos, meios e companhias te definem – mesmo. Diga por onde andas
que direi quem tu és. Por isso, tenha sempre isto em mente: o mundo é maior que
minha cabeça. A realidade determina tua mentalidade.
CONTRADIÇÃO
Se um filósofo promete paz consigo independente do meio, ele mente ou
mente para si. A coisa é risível. Claro que um monge tibetano é calmo, sábio e
alegre – ele vive isolado, no mato, com doações etc. Na cidade, ele seria
outro.
A vida é luta, conflito e contradição. Evite iludir-se com situações
ideais, perfeitas que nunca existirão. Ter em mente o supremo e o sublime gera
frustração e depressão. Temos de acolher a contradição como algo inevitável e
aprender, então, a geri-la, a acomodá-la, a fazer com que ela seja produtiva e
suportável sem rupturas ou esgotamentos.
Só quem muito sofre pode dar bons conselhos. Quem foi abençoado com
vitórias seguidas por toda a vida pouca consciência do mundo tem.
Melhor feito que perfeito. Foque em fazer ou em fazer bem feito, mas
evite a máxima excelência total. Quem tem pouca relação prática com a vida,
manual etc., tende a ser “idealista” demais, e na cabeça tudo é perfeição.
Nunca terá paz total porque a realidade é mudança. No fundo, queres mais
que paz e riqueza; queres uma vida vivida e vívida, que valha a pena,
emocionante, aonde tu importas, quando podes ajudar teus irmãos de espécie, que
te desafies etc. Claro, com direito à ferias de vez em quando diante de belas
praias topicais, pois somos de carne, não de ferro (e até o ferro pode
enferrujar…). Nós sentimos infelicidade, mas não sabemos por exato suas causas
ou todas elas; então,, um tanto pro influência do ambiente, pensamos que ela
virá pelo sucesso, pela riqueza, pela paz do interior, pelo isolamento etc.
Quando alcançamos o objetivo, esperamos igual o mais infelizes; descobrimos, na
maioria das vezes, que pegamos a estra errada. É preciso um pouco de sorte, ou
de ciência ou de sociedade para encontrar felicidade real, para saber aonde
está a fonte de água.
Como a alegria, a tristeza e a raiva são sentimentos legítimos – devem
ser vividos, sentidos. Do contrário, adoece-se. Se sentimos, necessitamos
sentir.
A META
Poderás realizar teus sonho, mas quase impossível do modo único
esperado. Virá de outro modo ou de outro “como”, além de imperfeições.
SER, NADA, DEVIR
A filosofia barata apela para o fato de sermos nada diante da imensidão
do universo –no entanto, sofremos muito, somos o centro de nosso universo
interno. Somos um ser e um nada.
Quando a filosofia manda deixar de se preocupar com morte, erra de todo.
Porque morreremos, devemos ter uma vida ao mesmo tempo irresponsável e
planejada. Vivemos como se fôssemos eternos; no fundo, não acreditamos na nossa
própria morte.
A função do medo da morte é gerar a iniciativa de viver com coragem – um
gera o outro, seu oposto. Assim deve ser.
CONCEITO SUPRASSUMIR
Se és mais velho, escreva para si um pequeno livro com sua história
sincera: erros, acertos, ousadias, imoralidades etc. Se és demasiado novo,
inclua planos, projetos, visões de si no futuro.
Nunca negue sua personalidade – adapte-a, torna-a mais funcional,
acrescente algo, aprenda com os demais, reprima apenas algo pequeno e danoso.
Não tem ser outro. O melhor modo de destruir o que odeia em si é superá-lo por
dentro dele mesmo, fazer ele se tronar um outro. Ou: use o defeito de modo a
gerar qualidades.
A DIFERENÇA E O MESMO
Isso deve ser entendido: somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Isso
serve para evitar inimizades por diferenças políticas, evitar reprimir um filho
homossexual etc. Tolerância ao que pode ser tolerado, eis a lei. Devemos criar
costume com a polêmica honesta, ainda que duríssima. Faça exercícios duros para
acostumar-se ao estresse acostumável.
SER EM SI E SER PARA OUTRO
Nunca seremos um só com o outro. E costuma ser um erro ser apenas para
outro. A mãe, por exemplo, não pode anular sua personalidade diante do filho,
embora seja por algum tempo para ele e não em exato para si.
DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO
Cuidar da saúde física é condição para cuidar da saúde mental. Sem
exercícios regulares, nenhuma conquista. Por isso, também, uma longa jornada de
trabalho, mesmo se voluntária, é imoral.
Por muito tempo, nosso corpo e nosso cérebro são plásticos, ou seja,
adaptam-se ao nosso aprendizado e ao nosso esforço. Quanto mais fazemos, melhor
somos.
LIMITE, MAU INFINITO, O INFINITO QUALITATIVO
A má infinitude é um sempre mais, sem respeitar limites. Para não
sucumbir, o sujeito deve ser sujeito, ou seja, por limite em si mesmo e para si
mesmo. Nada de comer demais, por exemplo.
UNO E VAZIO – ATRAÇÃO E REPULSÃO
O pensamento vulgar diz que pensar atrai vitórias, o grande segredo…
Nada mais idiota. Não existe justiça natural ou divina, logo, tudo, para ter
chances de acontecer, deve ser fruto de um esforço mais ou menos constante e
equilibrado.
Devemos atrair e repulsar companhias também segundo projetos. Mas veja:
um sonho que se sonha só é apenas um sonho que se sonha só – sozinho não somos
nada, nem sequer humanos. A tentativa de isolamento pessoal para nos afirmarmos
é, na verdade, nossa ruína – daí a reconciliação com outros da mesma espécie.
SIMPLES E COMPLEXO
Todo começo é difícil, na verdade, quase impossível. Natural pensar em
desistir e supor a impossibilidade de conseguir o esperado. Contanto que o
almejado seja de fato virtualmente possível, ainda que difícil, vale a pena
insistir. De qualquer modo, a experiência fará do teimoso alguém com mais
habilidades, capacidades, contatos, amigos etc. Ou até a sorte rara de ter
inimigos sinceros, sinal de uma vida vivida e que vale a pena. Ir do simples ao
complexo é uma lei universal.
INTENSIVO E EXTENSIVO
Em geral, se falta recursos, pode-se ter uma vida ou intensiva ou extensiva.
Aqui, nenhuma divisão moral a priori sobre certo ou errado. Uma vida intensiva
de festas, bebedeira etc. pode ser justa. Uma vida pela calmaria e sem riscos
pode ser interessante. A questão é que elas são opostas e uma diminui a outra,
vice-versa. Uma alternativa é tentar um equilíbrio de ambas. Numa vive-se
menos, mas pode ser melhor ou ter sentido de vulgaridade; outra, por tendência,
vive-se mais, mas pode gerar sensação de inutilidade.
SALTO DE QUALIDADE
Meras mudanças pequenas, parciais, quase invisíveis podem, quando cada
vez mais acumuladas, mudar tudo. Mude devagar, sem pressa, passo a passo –
naquilo que precisa ser melhorado. Não force a marcha antes do preparo para
isso.
QUALIDADE E REARRANJO
7 gênios reunidos pode gerar uma burrice geral. É a organização que
importa, como tudo está arranjado.
CAOS E ORDEM
Ordem excessiva estressa a mente, pois ela, no fundo, sabe que a
perfeição é uma imperfeição, fora do real. Inevitavelmente, haverá acasos e
imprevistos ruins – e alguns bons (esteja pronto para eles, para novas
oportunidades).
SOBRE A PROBABILIDADE
Crie um sentido de “possibilidade crescente”. Se há preparo constante,
então, cada vez mais, possível a sorte bater à porta. Vá criando condições cada
vez melhores.
QUANTIDADE
Tanto mais no capitalismo, no mundo do dinheiro, tendemos a pensar tudo
em termos de quantidade – não de qualidade. Exige certo autocontrole voltar o
pensamento para o aspecto qualitativo. Evite a ilusão quantitativa.
POSITIVO E NEGATIVO
Tudo é positivo e negativo – ao mesmo tempo. Um novo emprego, uma
vitória, trará, por exemplo, um gerente ruim. Isso faz parte da vida. Escolher
é perder – ganhar é perder.
COMBINAÇÃO DE DUAS MEDIDAS
Sempre seremos comparados com os demais – e sempre nós mesmos faremos
comparação com os outros. É inevitável, somos máquina de medição. A questão é
que somos tão diferentes em história e talentos que fazer isso de modo
excessivo é uma injustiça conosco. A medida só é justa se a canalizamos de modo
saudável para alguma certa meta. O melhor é agregar pessoas com diferentes
perfis para formar um grupo muito mais capaz como um corpo com vários órgãos,
cada um com sua função especial. Com o tempo, teremos mais afinidade por alguns
diversos de nós próprios.
ESSENCIAL E INESSENCIAL
A vida parecer ter o essencial e aquilo que não é ela, seu oposto. Ora,
a vida não deve ser pensada como gerência de banco – o inútil (arte etc.) é o
que mais importa, afinal, também é essencial.
DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO
A vida é feita, sem escapatória, por opostos. E, no fundo, os opostos
precisam und do outros para ser o que são.
FORMA, ESSÊNCIA, MATÉRIA E CONTEÚDO
Fala-se com boca cheia em focar na essência, não na aparência. Mas a
aparência também importa, às vezes, ajuda a ver e revelar o essencial. A forma
ajuda a revelar a essência, a matéria e o conteúdo. Lógico, podem entrar em
contradição também.
FUNDAMENTO
Tudo na sua vida deve ter um motivo, o porquê, uma razão. Viver no
automático é a causa de infelicidade, pois nossa mente precisa ver o sentido de
tudo, de nossas ações.
CONDIÇÃO
Para que algo novo surja, faz-se preciso criar as condições pelo menos
mínimas para seu surgir. Não tente brotar uma flor antes de sua hora.
A COISA E SUAS PROPRIEDADES
Ao adquirir algo, foque em suas propriedades – o barato, via de regra,
sai caro. No mais, alguém é suas propriedades, por isso, adquira habilidades de
especialista.
O TODO E AS PARTES
O que é bom em si pode ser ruim no tudo ou no contexto. O que aparece
como sorte pode ser azar no fundo do fundo. Por isso, avalie o todo de suas
partes. O valor de algo está na sua função naquela sua totalidade, não em si
isolado.
EXTERNO E INTERNO
O interno se externaliza. Uma tristeza constante que não é desabafada
para alguém ou para um papel tende a adoecer, expressa-se de modo errado. O que
somos por dentro seremos por fora.
MODO (MANEIRA)
Sinto dizer, mas tua vida está determinada do começo ao fim. No entanto,
a mera ilusão de que fazemos nosso destino de modo livre já afeta nosso destino
final. Se és velho, teu desleixo com os estudos, por exemplo, só foi como
deveria e poderia ser, como iria de fato acontecer naquelas circunstâncias que
te impediram de estudar.
INTERAÇÃO
Tudo está em relação de ida e de volta com tudo – tudo ao mesmo tempo
influencia e é influenciado. De tal modo, podemos guiar nossa vida para um
plano, um sonho, mas a vitória depende de fatores que não decidimos, além de
nosso necessário esforço. Por isso, tenha compaixão com os de menos sorte.
O JUÍZO QUALITATIVO
Tem as seguintes leis, sobre o homem e sobre sua ação:
O singular é o universal.
O singular é o particular.
O singular é o singular.
JUÍZO DA REFLEXÃO
Aqui, o sujeito está na relação e reflexão com outro. O o sujeito, não o
predicado, avança do singular para o particular e, então, para o universal.
Avancemos moralmente:
Juízo singular: "Eu sou humano."
Juízo particular: "Algumas pessoas são humanos."
O Juízo particular é tanto positivo quanto negativo, pois daí se diz que
algumas pessoas não são humanas.
Juízo da totalidade, universal: "Todos os homens humanos.”
Esse avanço lógico e abstrato é também real e concreto, na mente e no
fato. O socialismo é a realização de tal juízo, de totalidade.
Se dizemos "os homens", dizemos "o homem"; se
dizemos todos os homens, dizemos o homem é imortal. Então vamos ao juízo da
necessidade.
JUÍZO DA NECESSIDADE
Este desdobra-se em:
Juízo categórico: "Eu sou humano."
Juízo hipotético: "Se eu sou, ele é."
Juízo disjuntivo: "Eu sou, então, ou B, ou C, ou D. – é, são".
Isso acontece também na psicologia. Vale um comentário. Tanto Eu quanto
B, C e D são o mesmo, são um, têm o mesmo universal ou gênero único. Por
exemplo: o animal A é ou águia, ou urso, ou peixe. Veja-se que eles são
diferentes e estão separados, em conflito do “ou-ou”; mas, ao mesmo tempo, há
identidade entre eles, pois todos eles são ANIMAL, são o mesmo.
JUÍZO DO CONCEITO
Juízo assertórico: "Isto é bom, mal, justo, etc."
Torna-se um juízo problemático, pois se pode dizer tanto algo quanto seu
contrário sobre o mesmo sujeito ou fato (bom, mau, etc.).
Juízo apodídico: "ESTA intensão PRATICADA DESTA MANEIRA é
boa." Resolve o juízo problemático.
O último juízo é cheio de conteúdo, por isso passa para o silogismo –
unidade do sujeito e predicado. Ele também é o mais objetivo, pois coloca na
coisa, não em alguém, sobre a natureza do sujeito.
JUÍZO MARXISTA
Uma ação boa pode ser ora esta ora, aquela, ora oura, ora uma quarta
etc. Não é única, uma forma apenas.
SILOGISMO
Basta dizer que o universal, o particular e o singular são um –
misturam-se, mudam de posição ao mesmo tempo na hierarquia.
Todos os homens devem ser humanizados.
Ele é um homem.
Logo, deve ser humanizado.
MECANISMO, QUIMISMO, TELEOLOGIA
A visão isolada e de relação apenas externa e funcional passa para a
necessidade da integração necessária – é impossível ser feliz sozinho. A
solidão produz tendência de agir de acordo com a finalidade de integrar-se e
bem usa as relações.
A ÉTICA
COMUNISTA, MILITANTE
VALORES DE
UM MILITANTE COMUNISTA
Até a década
de 1990, a esquerda era sinônimo de anticorrupção, de ética, de ideia de
justiça social, de abnegação. Mas o PT tomou o governo federal e, escândalo
após escândalo, até a esquerda comunista foi desmoralizada. Para as novas
gerações, que já cresceram diante de governos petistas, a direta era moral e
justa (dita “conservadora”), não corrupta. Somo obrigados a reverter tal
cenário no imaginário popular de parte das novas gerações. Vejamos, portanto,
guias abertos para a moral militante revolucionária, comunista:
1.
Coragem e
ousadia
Se tiveres medo, vá com medo – mas não recue se a questão for não
recuar, for avançar. Treinar artes marciais pode ajudar na psicologia do
ativista. A covardia não é boa conselheira. A imprudência parente é mais útil
do que sempre recuar. Mas, claro, nada de ofensiva permanente. O que deve ser
claro é isto: quando a oportunidade aparecer – ousadia, ousadia, ousadia! E
criatividade, muita!
2.
Disciplina
O momento político costuma impedir uma disciplina total, por isso,
evitemos esgotar os ativistas com exigências de ação permanente. No entanto,
sem esforço grande e disciplina nada importante é feito. Disciplina é
liberdade.
3.
Honestidade
As tentações são muitas, mas o futuro é nosso. Aceitamos perder aqui
para ganhar mais depois. Nada de meio-termos, manobras etc. para facilitar o
caminho supostamente justo.
4.
Rebeldia
Cannon, um comunista dos EUA, afirma que tudo comunista verdadeiro pensa
como marxista, mas sente como anarquista. O sentimento anarquista de liberdade
total e pura nos guia sempre, embora direcionado pela razão científica e
socialista. Os dirigentes que se danem se estão errados! Nada de obediência
cega aos comandantes: pensar coma própria cabeça sempre, aprender a pensar. O primeiro
dever de todo militante é discordar de seus líderes.
5.
Ódio à rotina e à burocracia
Nada de engordar dentro dos sindicatos e partidos: ir ao chão do mundo
sempre. Ao contrário do romantismo comum, uma greve ou uma luta não é boa, pois
cansa e esgota, exige muito de nós, mas é nosso território necessário.
6.
Espírito democrático radical
Deixar o outro falar, mesmo que seja de direita. Queremos convencer, não
manipular resultados. No partido, evitamos ao máximo ganhar uma discussão no
grito, embora vez ou outra a temperatura suba muito.
7.
Solidário
Somos ativos
em solidariedade. Que tal os jovens militantes organizarem um sopão para os
moradores de rua? Também devemos querer saber como estão nosso camaradas,
contra a dureza da alma urbanizada.
8.
Disposição para ser teimoso e firme quando em
minoria
Se somos
minoria, paciência. Pois, se nossa proposta é a correta para a vitória, a
defendemos mesmos sabendo que perderemos a votação na assembleia – contra o
centrismo, o tempo pode nos ajudar. Aprendamos a perder e aprendamos ganhar.
Sejamos firmes sempre. Nossa firmeza atrairá alguns, talvez os melhores.
9.
Unir prática e teoria
Quem não estuda teoria é um irresponsável; para cada vitória terá uma
derrota, pois age por instinto e padrão. Quem não pratica, está amputado e com
ares de cinismo.
10. Cuidar de
sua saúde
Muitos militantes, como se incorporando Che, fumam. Como a vida de
ativista é muito tensa, costuma-se precisar de um compensador para suportar a
vida anormalmente ativa. Mas somos poucos e leva uma vida inteira para formar
quadros políticos capazes e capazes de governar.
11. Paciência ativa
Uma
revolução, que demora acontecer, pode acelerar a história e surgir como se de
repente, por salto. Nas próximas décadas, ou sistema cairá ou cairemos – tempo
de duras e decisivas crises. Mas a velha geração teve de esperar por décadas,
perderam a juventude e, embora não confessem se quer para si mesmos, a
esperança; falam de revolução de modo automático. Mas a paciência deve ser
ativa, não passiva – fazer, não só esperar.
12. Mentalidade
autônoma e crítica sobre tudo e sobre os dirigentes
13. Desapego com
os prazeres materiais
O espírito
de aventura deve ser permanente, busca-se a próxima grande emoção planejada e
calculada, ou seja, responsável. Ser comunista é aceitar que pode ser preso,
exilado, torturado, assassinado, demitido etc.
14. Desejo de se
tornar dispensável ao formar outros militantes
Nesta área,
o oportunismo é enorme. Os militantes dirigentes não ensinam o necessário aos
militantes de base. Por sua vez, os militantes em geral não ensinam o bastante
os ativistas sem partido próximos de nós. Qual o objetivo disso? Criar
dependência, ser indispensável – ver o movimento quebrar sem sua liderança.
15. Negar o
poder sempre e até que o poder operário seja imposto pelos trabalhadores – não
apoiar nenhum governo no capitalismo.
Isso é
autoexplicativo.
16. Ter nojo do
cinismo
O grande
escritor cubano Padura escreveu uma obra que já é um clássico universal, O
Homem que amava os cachorros, que conta como um militante sério tona-se um
cínico. É-se revolucionário, porém não tanto. O cinismo toam conta das
organizações vermelhas, junto com atividades artificiais etc. Não é exagero ser
intolerante sobre quando diante dele.
17. Megalomania e romantismo realista
É preciso
sonhar, sonhar grande. Devemos rir dos limites e do bom-senso. Somos
idealizadores e construtores de grandes projetos.
18. Encarar a vida como ela é de fato, sem ilusões
Não temos
medo de a realidade refutar nossas ideias. Não encaixamos o mundo em nossas
concepções. Se a situação é difícil, não dizer que é fácil. Se há derrota, não
dizemos que é uma vitória oculta. Esse ponto é o ensinamento de Trotsky.
19. Dizer a verdade
Lição de
também de Trotsky, dizer que são tolos os que agem como tolos. Ter o brio de
ser desagradável em nome da verdade.
20. Respeitar a diferença e a individualidade
O
capitalismo tenta nos padronizar, nos igualar – como se fôssemos máquina de
máximo trabalho. Mas o socialismo não é o coletivo sobre o individual mas o
apoio mútuo de ambos. Um militante ou célula partidária rende mais, a outra
rende menos, como deve ser. Algo humano. Um organismo vivo não é como certa
máquina uniforme. Só no socilaismo seremos livre, ou seja, indivíduos de fato,
singulares. Não é normal, por exemplo, que quase todos os jovens, logo por
serem jovens, sonharem o mesmo sonho universitário: direito, medicina ou
engenharia. Isso é, em geral, falta de autorrespeito inconsciente.
Como
dissemos, moral e política não são duas atividades diferentes, são um sendo
dois com certa autonomia e outras funções. A tarefa é aproximar a política da
moral correta. Para isso, não podemos contar com os reformistas e centristas.
O VENDAVAL
OPORTUNISTA
A LIT, organização comunista internacional a qual reivindico, afirma
como uma dentre suas teses que uma crise moral abateu-se desde o fim da década
de 1980. A causa seria, e estão corretos, a queda do muro de Berlim.
Revolucionários antes disciplinados tornaram-se políticos da ordem, ativistas
de ONGs, sindicalistas malandros, deixaram de militar, abandonaram posições
revolucionárias. Terra arrasada. A própria LIT, em crise interna, quase deixou
de existir. A velha guarda escolheu outros caminhos.
Mesmo assim, para tal organização, a nova etapa seria revolucionária.
Para outros, contrarrevolucionária. Na verdade, “apenas” reacionária, difícil –
mas ainda estamos de pé no ringe. Boa parte da vanguarda comunista surgiu
inspirada no socialismo dito real. Natural, portanto, que com o retorno ao
capitalismo naquelas nações, suas consciências recuassem com o recuo daquelas
sociedades, da materialidade. Perde-se, portanto, material humano valioso. A
tarefa seria perder o mínimo possível quando obrigados a recuar.
Mas a LIT observou de maneira incompleta. Por debaixo das explosões, o
neoliberalismo impunha-se. O fim do pleno emprego, base de uma solidariedade
instintiva, por exemplo, afetou a moral geral. A queda da taxa de lucro, e
reação contra tal queda, promoveu uma crise moral da sociedade. Lembro-me que
quando a empresa estatal – Telepisa – em que meu pai trabalhava foi
privatizada, funcionários e ex-funcionários entraram em depressão,
suicidaram-se, enfartavam, famílias antes estáveis se separavam etc. O clima de
terror, desconfiança, tristeza e disputa pairava no ar, incluso entre velhos
amigos. A incerteza feria a dignidade dos trabalhadores.
Sem perspectiva de outro mundo, resta o cinismo. Parece, desde lá, que
outro mundo não é possível ou, se possível, algo viável. Então, amargamos a
derrota. O sentimento difuso de
socialismo na massa e na vanguarda recuou por um tempo, mas volta de maneira
devagar ao rumo certo, graças às novas gerações. Mesmo uma próxima revolução
socialista vitoriosa, dirigida pelos trotskystas, ainda terá diante de si uma,
muitas vezes saudável, desconfiança. A burocracia fez história e tradição da
pior forma.
Até hoje, correntes internacionais como UIT, que rompeu com a LIT após
formar uma fração secreta, e a CWI, esquecem ou nem colocam o debate sobre
moral como centro. A CWI, por exemplo, que tem acertado tanto, capitula à moral
atrasada dos operários e, por isso, evita o debate das opressões, alienações
como o machismo e a homofobia.
Na LIT, a Comissão de Moral deve ser eleita por ampla maioria, os
membros eleitos devem ter bom histórico e o organismo é de todo independente do
Comitê Central, do eixo político. As outras internacionais não seguem, via de
regra, tal regra, em especial, o último ponto.
EXEMPLOS
PRÁTICOS DE MORAL
Desçamos ao
mundo sujo e empoeirado, ao concreto. Feito o debate abstrato, ora de pousar no
chão quente do real. Agora, trataremos de casos com tons pessoais, o exemplo
ensina, embora não generalize.
I.
Como alguém
externo ao movimente, observei que a prática de esporte com skate (patins etc.)
exige e impõe certa moral especial. Se um praticante cai, nunca se deve rir
dele. Se faz certa manobra difícil e
improvável, todos comemoram porque foi esplêndido. Tal moralidade corre entre
praticantes de todo o mundo já há algumas décadas. Isso prova que há alternativas
contra a degeneração.
II.
O indivíduo,
com seu perfil, também faz a história – e o acaso faz a história. No Maranhão,
em certo sindicato, houve a disputa de duas chapas na sua eleição: a dos
revolucionários e a dos reformistas. Ganhou a segunda, mas tudo foi muito mais
dialético. A presidente nova do sindicato – considero que ela seja de tipo
obsessivo – não roubava nem deixa roubar. Ela era mais do que correta,
corretíssima. Então, os outros membro da direção tentaram de tudo para
“resolver” isso: manobra, assédio, calúnia, ameaça etc. Mas ela era
irredutível, firme e brava. Foi por isso, portanto, que ela se aproximou,
depois, dos antigos inimigos, os socialistas trotskystas.
III.
De
madrugada, tive a tarefa de colar cartazes por toda a UFPI. Era um trabalho de
sísifo, pois os militantes do PCdoB, criados no oportunismo, arrancavam todos
os dias nossos materiais. Na chapa para o DCE, cogitou-se fazer o mesmo. Mas os
militantes do PSTU foram firmes: os estudantes, a base, devem decidir
livremente e por voto, sem um grão de manipulação de nossa parte. A luta era
também moral: manipulação estalinista ou
democracia de base trotskista? Era uma luta pelo método, pela alienação contra
a emancipação. Cumpre notar, que o PCdoB, UJS, invadiu a sala de contagem de
votos e quebrou as urnas que sabiam que iam perder. Assim, pela força, ganharam
a direção da organização estudantil… Veja-se que o debate universitário entre
Stalin, o ditador, e Trotsky, o general democrático, não é abstrata, tem
consequências práticas. Fui um grande aprendizado ver jovens, que deveriam ser
dotados de certo romantismo, oportunistas.
IV.
Vi, por
exemplo, sindicalistas do PCdoB e do PT agirem como verdadeiros mafiosos:
ameaçavam de morte, agrediram um adversário com socos e em bando, tentavam
corromper, furavam pneus de carros, roubavam dos sindicatos, encerravam uma
greve sem votação, destruíam a luz de um prédio para não haver assembleia da
categoria etc. São muitos casos. Todos eles diante da disputa pelo sindicato
dos rodoviários do meu estado. Isso é comum, rotina, dentro do movimento
sindical e popular – por isso, os pelegos terão, muito provável, de morrer
porque estarão, com a maioria dos sindicatos, do lado da burguesia na guerra
civil revolucionária.
V.
Uma
duríssima luta fracional surgiu no PSTU do Piauí. Falava-se de tudo, mesmo do
problema real. Eis o cinismo: elevar, de maneira artificial, o debate para
evitar falar da importante podridão. No fundo, toda a manobra era uma disputa
de dois grupos pela direção do sindicato, quem lideraria a instituição. Mas
disso ninguém falava de maneira direta. O problema seria, por exemplo, de
“concepção e regime”. O militante G fez assédio moral contra certa camarada que
trabalhava de graça no sindicato; objetivo era afastá-la para empregar outro
militante, pertencente ao seu grupo.
A pauta do
feminismo era usado de modo oportunista. Para acusar e desmoralizar o
adversário. Numa dessas reuniões, a militante L disse contra uma camarada: se
você me enfrentar na plenária de balanço, eu te destruo… Certa vez, uma
ativista foi atacada com violência em sua pequena cidade por ter postado uma
foto nua. Foi, então, para Teresina pedir ajuda. Mas as militantes do PSTU
colocaram ela de escanteio. Por quê? Porque a garota, não elas, ganharia alguma
fama com o caso.
Na verdade,
havia luta fracional em todo país, escondida pela direção nacional, incluso
luta nos organismos dirigentes. Mas, de modo imoral, os quadro experientes
esconderam o fato como força de lei interna. Assim, de maneira obscura a luta
era feita – com expulsão clara ou velada de militantes e grupos internos para
garantir maioria. Aqueles de base que eram espertos demais passavam para
ostracismo.
O sexo foi
usado como arma de convencimento (muito usado no PSOL, PT e PCdoB: chamada
tática dois, ou seja, se não ganha na política, namoro aquele ativista para
ganhá-lo para minha corrente). Clubes sexuais informais surgiram, mas para
manipular, não para emancipar a sexualidade.
Muitos
militantes, antes revoltados e aguerridos, recuaram e defenderam outras posições,
que outrora criticavam, porque estar de um lado na luta de facções garantia seu
emprego, sua casa, sua vida social, para não ser expulso etc. O cinismo passou,
portanto, a tomar conta do cenário.
Depois, G
vendeu seu mandato sindical para seu parente, e escapou da polêmica morando em
outro estado – com uma gratificação ilegal extra dado pelo membro do governo
que é de sua família! Quando a informação chegou até mim, o susto foi tão
grande que tive uma “alucinação negativa”, esqueci de fazer tal denúncia, seque
lembrava dela. Neste tema, o G impediu enquanto pode, em nome de boa relação
familiar, que o partido e o sindicato chamasse o “Fora” ou “Abaixo” contra seu
parente.
Nessa luta
difícil, perdi algo como 20 quilos: de leve obesidade para alguém ósseo.
Depois, surgiram as crises de pânico, que duraram alguns anos. De tal modo,
é-me difícil falar sobre tudo ocorrido, existe uma peso subjetivo enorme.
No lugar de
manter a luta para a contradição ser resolvida, no lugar de debate franco,
forçou-se a eleição imediata dos novos dirigentes – algo sem critério, manobra.
Assim, um organismo de direção regional que deveria ter 5 militantes passou a
ter 11 para agradar paladares oportunistas. Tudo isso sem debater, antes,
programa, propostas, polêmicas etc.
Até ameaças
veladas e informais eram feitas. Por segurança, não as descrevo. Mas isso posso
antecipar: os melhores militantes tendiam a ser afastados, premiando-se os
priores, os submissos, os adaptativos.
Cada grupo
regional era ligado a um grupo nacional de modo informal e secreto. Como os
iguais se atraem, os professores aliavam-se à ala intelectual; os burocratas,
com os sindicalistas; os partidários, com os partidários. Isso revelava
questões de fundo, de classe.
O clima era
insuportável, pois, a qualquer momento, era-se vítima de certa manobra. Diante
da tensão, os com mais dificuldade afastavam-se aos poucos.
Quem
defendia acriticamente a posição a direção nacional ganhava claros pontos,
espaço etc. Era um jogo de agrado, de submissão. Por exemplo: escrevi um
documento sobre a crise do partido que previa sua contradição (até hoje não
compreendi porque D. fez muito esforço para me impedir de enviar o texto ao
congresso partidário). Mas, então, o texto – e outro para o congresso
internacional da LIT – foi boicotado na minha própria regional…
Mais uma
vez, temos de falar de G. Ele afirmou na plenária dos servidores: o dirigente
geral político do setor deve ser, por regra, o dirigente sindical. Assim, ele
queria colocar a militante L., que era sua amante, na direção geral dos dois
organismos, partidário e sindical. Mas a informação era falsa, não estava nos
estatutos partidários.
VI.
Che Guevara
abriu mão de uma vida estável e próspera como burocrata estatal cubano para
enrolar-se nas selvas da Bolívia. Isso é moral.
Quando os
militantes soviéticos pediam desculpas pelos seus “erros”, ou seja, recuavam a
crítica, faziam isso para evitar o exílio, o desemprego, a prisão, a morte e o
isolamento. Mas Trotsky lutou pela verdade até o último instante de vida, por
isso ele é uma personagem tão apaixonante no teatro da história universal.
VII.
Eis a era do
cinismo. O professor finge que dá aula, o aluno finge que aprende, o médico
finge que trabalha, o jornalista finge que faz jornalismo etc. certos patrões
brasileiros lavavam dinheiro ao oferecer palestras sobre ética, ética
empresarial… Vivemos tempo, de fato, de mercadoria sem valor, aparência sem
essência, forma sem conteúdo, jarro vazio.
O INDIVÍDUO
De modo formal ligado à tradição marxista, Sartre afirma que tal ciência
tem a falha de evitar o indivíduo, focado apenas nas classes, nas forças
produtivas etc. Os marxistas freudianos costumam fazer igual crítica. Mas na
obra “História da revolução russa”, primeira obra de história do marxismo, por
Leon Trotsky, um dos maiores representantes de nossa escola, há a afirmação: 1)
o perfil pessoal do Czar e da Czarina importa para entender tal narrativa, 2) a
revolução russa não teria sido vitoriosa sem Lenin, a direção do partido teria
capitulado à democracia burguesa. Eis exemplos que refutam Sartre.
Em uma de suas aulas, Sérgio Lessa traduz e resume Lukács: a história é
e se faz na ação dos indivíduos – e a ação dos indivíduos se faz na história.
Isso larga o objetivismo da história e o subjetivismo individualista sobre ela.
Os indivíduos fazem a história, mas sob condições dadas e não escolhidas. Ora,
tal verdade é incompleta, pois o todo adquire propriedades que as partes, os
indivíduos neste caso, não têm. No nosso caso, porque os indivíduos estão atomizados
e em luta uns contra os outros, o mundo das coisas ganha autonomia e poder –
surgem leis imperativas que não foram decididas por ninguém. Rumamos ao abismo
guiados por um carro automático. Em certos momentos e épocas, fazemos a
história em parte apesar de nós mesmos. Veja-se que partidos oportunistas foram
forçados a fazer revoluções socialistas no século XX.
Para mim, todas as demais consciências são algo objetivo, não apenas
subjetivo; eis a relatividade dos conceitos. Como o mundo é muito maior do que
nossas cabeças, somos, em última instância, determinados por ele. Pode-se agir
contra as necessidades reais e da história, incluso atrasando a realização de
tais necessidades, mas elas são impostas no fim, enfim.
Lukács cai em idealismo ao considerar a razão ou a idealidade como motor
primeiro, sendo a categoria central do trabalho a teleologia. Para ele, focado
nesse indivíduo que faz a história, pensamos em fazer o machado; então, fazemos
o artefato; então, mudamos o meio ambiente, o mundo; então, o mundo nos muda;
então, o novo ambiente exige de nós uma segunda teleologia. E assim por diante
o processo repte-se, circular-espiral. Ora, a consciência é a busca permanente
do permanente na mudança. É porque a realidade muda, que a mente eleva-se de
seu patamar anterior. Uma mudança forte e inesperada do real, força a ainda
buscar o permanente – o que é base para a criatividade. O primeiro motor é o
mundo. Como isso acontece, apenas a pesquisa e a antropologia especializada
poderá dizer. Vejamos casos hipotéticos. Uma mudança de clima em todo o mundo,
seja por abundância seja por escassez, permite à mulher coletora na antiguidade
pré-histórica perceber que da semente nasce a planta nova, o que inicia a
agricultura. No mundo todo, a agricultura surgiu na mesma época, o que sugere
uma causa comum (um clima que força ou, ao contrário, favorece perceber com
rapidez a causalidade semente-árvore). O mundo força a teleologia ou dá suas
condições.
Hoje, a sociedade é uma associação não associada. O mundo social é apesar
de nós, dos indivíduos enquanto isolados. Se as coisas pudessem livrar-se dos
homens, o fariam. Marx, no livro III d’O Capital, afirma que o socialismo é
quando o desenvolvimento do indivíduo será condição para desenvolver o
coletivo, a sociedade. Condição. Temos ainda a contradição sociedade e
indivíduos, pois os desenvolvimentos daquela continua a ser feito com a redução
deste. Os marxistas vulgares pensam que o marxismo é a afirmação da unidade do
coletivo com máximo sacrifício individual, mas pensam pela metade e de modo
mecânico. A verdadeira afirmação da individualidade é antissistêmica, pois
exige junto consigo a liberdade, a igualdade e a fraternidade – tríade que só
pode vencer se unidas.
ESTÉTICA MARXISTA
Crise da arte
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