domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 18 - CRISE DA FAMÍLIA MONOGÂMICA

 

CRISE DA FAMÍLIA MONOGÂMICA

 

“Pois o nome político do amor não é outro senão socialismo.”
Frei Betto

“A medida de amar é amar sem medida.”
Santo Agostinho

 

Além da inspiração evidente em Engels, este capítulo quase que repete de todo, embora chegue a conclusões diferentes e socialistas, o pensamento da grande sexóloga e psicanalista Regina Navarro Lins; ela recebe menos atenção da parte dos marxistas, ligados aos clássicos e limitados pela literatura estrangeira, do que o merecido por suas elaborações. Sua observação de que o amor romântico está em decadência e há uma substituição progressiva, ainda que lenta, por novas formas de amar é uma importante contribuição, pois demonstra que a instituição família nuclear burguesa está em crise e pode ser substituída por outra família com traços comunitários.

 

O AMOR CONTRA O CASAMENTO

Afirma-se que o amor é social, mas podemos demonstrar, ao contrário, que o amor é, de fato, natural socialmente modificado ou, em principal, reprimido na história. Aliás, tal sentimento foi condenado na prática até recentemente, até a década de 1940, por mais que embelezasse obras de arte. Vejamos um exemplo. Manteve-se viva uma lenda dos índios do Piauí que trata do amor de um índio e uma índia de tribos diferentes; eles se conheceram por acaso, amaram-se e, por causa de tal amor, foram amaldiçoados: um transforma-se em pássaro durante o dia e o outro se transforma em onça durante a noite de modo que eles nunca se reencontram… A partir de nossa mentalidade, do ponto de vista que valoriza o amor, é estranho o resultado desta lição de moral indígena em forma mitológica. É o tipo de estória que demonstra: 1) o amor é natural e 2) foi socialmente negado.

Entre os bonobos, espécie mais próxima dos humanos, a fêmea fica meio distante, em rejeição, dos membros do bando quando entra na puberdade e, logo mais, afasta-se para entrar em outro grupo, onde se reproduz[1]. Esse tipo de atitude tem valor biológico, pois aumenta a variedade genética. Vemos que é uma tendência como no caso lendário dos índios e que os valores sociais podem negar ao máximo a mesma força natural (xenofobia, etc.).

A história de Romeu e Julieta serve-nos também de exemplo. É uma lição de moral: seguir os impulsos juvenis, amar alguém de uma família outra e adversária, contra a sabedoria racional dos mais velhos, leva à morte, ao desastre. A ideia de que o clássico do teatro ocidental é algo romântico trata-se uma releitura posterior, sob novos olhares[2]. O texto de William Shakespeare já mostrava uma forte tendência social ao amor individual sexual (por urbanização, etc.) ao mesmo tempo em que mediava com a condenação de sua prática, ou seja, o sucesso ficcional da tragédia expressava um conflito real. Há aí uma contradição entre o homem natural e o homem social, contradição esta que, existente sob diferentes aspectos, será resolvida pelo comunismo, em uma nova relação ainda dinâmica entre os dois polos.

Como afirmamos, apenas na década de 1940 o casamento por amor tornou-se prática social comum, aceitável. As críticas sociais do início do século, sob uma base social que se alterava (urbanização, trabalho feminino, etc.), e o fato de as tradições levarem a duas grandes guerras, impulsionaram a uma renovação dos hábitos. Antes, o casamento era de caráter financeiro ou formal, onde o amor ficava fora da equação social em si. Agora, o casamento envolve sentimento mútuo, e isso é – e merece máximo destaque – uma bomba de efeito retardado sobre a instituição familiar atual. Como os sentimentos não são eternos, a base emocional da união do casal pode, e frequentemente irá, ser desmanchada com o passar dos anos, ou seja, o fim do amor sexual pede o fim do casamento, o direito de separação. Enquanto o casório aconteceu por motivos sociais “racionais”, ele não entrou em crise, diferente de hoje.

Como quase tudo que surge negando o velho e surgindo dele, há um período de transição. Entre o antigo casamento econômico e o amor antifamília tradicional do futuro, há a mediação da busca da realização total e plena por meio da união amorosa, por meio do casamento – o amor romântico. Isso gera uma enorme frustração, uma contradição na vida dos casais. O amar é a negação da rotina enquanto a vida de casal é a rotina completa, por exemplo. Os fatores da crise da família monogâmica serão melhor debatidos a seguir. Até aqui, ficamos com estas observações.

 

 

PÍLULA ANTICONCEPCIONAL E OUTRAS MERCADORIAS

O desenvolvimento tecnológico é também o desenvolvimento de mercadorias cujos valores de uso possam tornar mais fácil certas tarefas. Em A Revolução Traída, Trotsky afirma que o Estado soviético fez em seus primeiros anos o possível para coletivizar as tarefas domésticas, contra a opressão das mulheres, mas, por exemplo, diante de roupas rasgadas e mal lavadas vindas das lavanderias públicas, baseadas ainda no trabalho manual, os cidadãos passaram a preferir o retorno à atividade doméstica. Hoje, com a máquina de lavar, este problema pode, enfim, ser facilmente resolvido por lavanderias públicas, gratuitas e de qualidade. O desenvolvimento técnico atual permite liberar o tempo das mulheres em relação aos cuidados com a casa. Mas muito mais. Para dar profundidade às mudanças em curso, preferimos citar de modo direto Regina Navarro Lins:

 

A pílula anticoncepcional é a principal responsável pela mudança radical de comportamento amoroso e sexual observada a partir dos anos 1960. O sexo foi definitivamente dissociado da procriação e aliado ao prazer. A mulher se liberta da angústia da maternidade indesejada e passa a reivindicar o direito de fazer do seu corpo o que bem quiser.

O sistema patriarcal entre nós há 5 mil anos, que se apoiou na divisão sexual das tarefas e no controle da fecundidade da mulher – uma mulher tinha quantos filhos o homem quisesse, passando grande parte da vida grávida –, recebe assim um golpe fatal e começa a entrar em declínio. A mulher, a partir de então, passa a ter a possibilidade de não só dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser e quando quiser.

As fronteiras entre o masculino e o feminino começam a se dissolver – nada mais interessa ao homem que não interesse à mulher e vice-versa –, atenuando a distinção entre eles, o que é uma precondição para uma sociedade de parceria entre homens e mulheres. (Lins, 2012, p. 216)

 

É conhecida a relação entre opressão das mulheres e propriedade privada. Quando o homem passou a cultivar e cuidar do gado, dando início ao processo de propriedade privada, percebeu que os machos também influem na capacidade das mulheres de ter filhos. Para controlar quem herdará os seus bens, a sexualidade feminina, e toda sua vida, passa a ser controlada. É isso que entra em crise em nossa época.

Regina Navarro Lins (2012) complementa que o automóvel e o telefone foram duas “ferramentas” que facilitaram o encontro livre no século XX. Hoje, observamos com facilidade que a vida sexual pode ser mais plena, mais rica, menos “fiel” (contribuindo para a crise do casamento e da monogamia), por causa da internet – isso tem um valor especial para as mulheres já que os homens sempre foram poligâmicos. A família monogâmica burguesa é atacada por todos os lados.

A entrada da força de trabalho feminina é outro destaque que corrói a família monogâmica burguesa. A primeira revolução industrial coloca as mulheres nas fábricas, dando-lhe renda própria e, logo, alguma autonomia. De lá para cá, houve avanços e recuos da participação da mulher no trabalho não domiciliar, porém a tendência do capital se impõe e já são as mulheres uma parte do “mundo trabalhista” indispensável.

Ao lado desses fatores,

 

Somem-se as crescentes dificuldades para impor a fidelidade feminina em uma sociedade que está se urbanizando, no qual os contatos sociais vão se tornando cada vez mais frequentes, e na qual, ainda, a abundância possibilita e requer o desenvolvimento (afetivo e racional, lembremos) das pessoas. (Lessa, Abaixo a família monogâmica!, 2012, p. 71)

 

Como observamos em outro capítulo, a tendência no socialismo é que se formarão grandes bairros com seus próprios centros, onde tarefas sociais serão guiadas, como a educação comum das crianças. Serão formas coletivas – como, provavelmente, restaurantes públicos, etc. – de socializar as tarefas nas quais as mulheres efetuam hoje sua segunda jornada de trabalho.

 

A NATUREZA DO CIÚME

Neste ponto, destacamos o debate sobre se o ciúme é natural ou, ao contrário, social, cultural, condicionado. A resposta desta questão tem consequências práticas para os destinos e as ações de convívio. De imediato, a tese culturalista (idealista) deve ser descartada, pois nenhum tipo de sentimento perdura artificialmente, por mera insistente educação, sem que seja sustentada e estimulada pela própria realidade objetiva (social ou natural). O efeito da cultura, por isso, nada é de primário ou primeiro e é, portanto, secundário, resultado e reforço de uma base que está para além de si.

Na tese natural, podemos observar espécies de libélula, onde o macho, após copular, vigia a fêmea para garantir que ela não copule com outros machos; mas isso nada significa, por analogia forçada, que seja o mesmo caso entre humanos.

O ciúme é, em primeiro lugar, visto de imediato, algo de fato natural em nossa espécie, e nas demais quando ocorre, porque se trata de um processo físico-químico e biológico, corporal, cerebral. Mas a pura natureza acaba aí. Essencialmente, o ciúme, ao menos entre nós, deriva não de um fato em si mesmo, mas de um contexto – assim, algo social, ambiental.

Porque há escassez emocional, relacional, há ciúme romântico. Se todos nós tivéssemos o costume, porque a realidade assim o confirma regularmente, de nos sentirmos desejados, amados, com um “colchão social”, etc.; se o medo de perder o amado fosse baixo na medida em que logo encontraremos outro ou teremos, ao menos, certa rede de amizade e vida social bem estabelecida, etc. se, dito de outro modo, tivéssemos a sociabilidade íntima bem desenvolvida típica do socialismo – então, só então, nesta abundância afetiva, além de também e necessariamente material, o ciúme amoroso será algo inexistente ou, quando muito, marginal.

O ciúme sexual não existiu em tribos matriarcais ou não monogâmicas porque a comunidade cuidava dos filhos, porque não havia herança, porque a solidão social (e sexual) era baixa, etc. Nesse sentido, mesmo se for algo inteiramente natural, refutando a posição aqui apresentada[3], tal tipo de sentimento pode ser severamente reduzido, sem nenhum peso que hoje tem, pela forma de autocomposição da sociedade. Um cachorro criado preso dentro de uma casa e totalmente dependente para sua sobrevivência e afetividade será imensamente mais ciumento em relação a outro que pode sair quando quer, convive em grupo com outros de sua espécie, tem alimentação fácil, etc.

Pensamos ter medido bem o peso daquilo que é natural e social no ciúme romântico, entre fato e contexto. Portanto, o corrosivo sentimento nunca acabará por uma tomada de consciência (embora tenha sua importância), por instalação forçada de relações amorosas mais livres, etc. Augustos dos Anjos, combinando naturalismo e expressionismo, afirmou: “O Homem, que, nesta terra miserável,/Mora entre feras, sente inevitável/Necessidade de também ser fera.” (Anjos, 2002, p. 103) Porém esqueceu de poetizar, junto, aquela selva que faz tais feras ferozes, se mantemos a metáfora.

Tentemos resolver, agora, outra oposição.

 

MATRIARCALISMO OU PATRIARCALISMO?

Os períodos de transição possuem suas formas claro-escuro, suas mediações negativas. O isolamento social da alta urbanidade leva a uma dependência emocional dos pais em relação aos filhos, o que pode significar a repressão constante para controle ou a manipulação dos infantes (a opressão sobre os jovens costuma ser pouco destacada). Mas, por outro lado, pode levar ao “rei bebê” mimado, ou seja, certa submissão paternal, algo de nossa época. Assim também, as mulheres podem liderar relacionamentos abusivos contras seus parceiros, acontecimento impossível em outros momentos históricos. São fenômenos transitórios, logo substituídos com o revolucionamento social quando e se o socialismo vencer. As sociedades primitivas foram matriarcais, sem opressão dos homens, a diferença dos iguais depois se transformou em oposição e, em seguida, em contradição entre os sexos com o patriarcalismo. Agora, podemos encontrar nova unidade com o fim da dominação sexual de qualquer tipo, com uma comunhão civilizada dos homens, mulheres e crianças.

A separação tornou-se um processo comum e aceitável, até desejável, apesar das disputas por propriedade (aspecto esperado sob relações capitalistas). É possível ter vários namorados durante a vida, há o “ficar” por apenas um dia, temos o “juntar-se” sem casamento, ocorrem festas especiais de separação, etc. Neste aspecto, o mundo mudou para melhor (aqui, contrariamos o típico modo operante dos comunistas que pensam de forma negativa sobre tudo, veem apenas crise e derrota); se as características vigentes não alcançam as vanguardas da revolução sexual dos anos 1960, há que reforçar que eram apenas vanguardas, não fenômenos de massa como hoje. Claro, nem tudo está garantido, pois é uma época de transição que pode trazer resultados positivos ou negativos (novo fanatismo religioso durante a decadência sistêmica final, etc.). Neste tempo, os homens vivem esta fase de diferentes formas, incluso com violência contra a mulher: o feminicídio tende a ter novas causas, como a insegurança do homem machista em relação à maior libertação feminina da parceira[4].

Surge a questão sobre como serão as relações de amor no socialismo avançado. Para tal tentativa de prever, combinamos afirmações de Lessa (2012) e Lins (2012): de um lado, satisfaremos a necessidade de afeto com relações estáveis temporárias com um ou mais parceiros; de outro, ao mesmo tempo, a pulsão sexual é permanente e não dirigida a apenas um único amante, logo teremos a liberdade sexual, sexo casual, longe de ciúmes, controles sobre o amado, etc. Deste modo, serão superadas as angústias dos relacionamentos de nossa época.

Ao a sociedade socialista oferecer tempo livre, estabilidade financeira, vida social plena, coletivização de atividades domésticas, etc. a família deixará de ser uma ficção idealizada tal como é hoje ou uma fonte de traumas. Os pais terão como enfim acompanhar o desenvolvimento dos filhos, as uniões estáveis temporárias deixarão de ter aquela pequena guerra civil entre quatro paredes. De certa forma, a luta pelo socialismo também é a luta em defesa da família, de uma nova.

O movimento progressivo afirma, com razão, a igualdade de homens e mulheres. Quando o machismo e outras opressões forem superados no comunismo, veremos ainda mais identidade entre os sexos, mais semelhanças – mas há, de fato, diferenças no idêntico oposto. Por biologia, a mulher tem uma leve tendência maior ao cuidado; os homens têm fibras musculares mais fortes (com o maquinismo atual, uma característica muito secundária) e um pouco maior apresso pelo risco. Somos iguais, apesar e com as diferenças inevitáveis, naturais. Isso exige a dialética da unidade e da identidade dos opostos, que algo é idêntico a si próprio e seu oposto, a identidade na diferença. Além do mais, podemos ir para além das tendências naturais, nunca são barreiras intransponíveis. Há mais homens na física porque, em primeiro lugar, há machismo, mesmo que exista uma tendência relativa para outras ciências entre mulheres (psicologia, medicina etc.). Quando a dominação do homem sobre o homem acabar, poderemos medir bem o que era social e o que é uma tendência não determinística natural.

Há um debate no marxismo: a tarefa não é dar cargos no poder às mulheres, mas destruir o cargo e o poder inevitavelmente machistas, mesmo se liderados por uma mulher. Isso tem muita razão, mas é parcial. Nosso cérebro também funciona por padrões, por naturalizar repetições, assim como um programa-robô pensa, por padrão, que ser executivo é igual a homem branco. A presença de mulheres e negros em cargos de destaque onde antes era incomum educa bem as novas gerações, produz uma nova naturalização por padrão. Isso é contraditório: uma mulher dona de fábrica é uma inimiga, e machista por negar às funcionárias creches e licença maternidade de 1 ano; mas tem um traço positivo, embora menor. O machismo apenas acabará com o fim do capitalismo, mas temos essas mediações complicadas no meio, falsas e verdadeiras ao mesmo tempo.

 

ORIGEM DA HOMOSSEXUALIDADE

Há três grandes teses causais sobre a origem da homoafetividade: 1) no fluxo hormonal durante a gestação; 2) genética; 3) falta de satisfação sexual heterossexual (veja-se que há cobras que se tornam travestis, mudam de cheiro para atrair machos, quando falham na meta de copulação). O erro é considerar apenas uma causa, unicausal, quando o mesmo efeito pode ter diferentes, até opostas, causas – como penso ser este o caso: todas ou quase todas corretas, ambas presentes na realidade[5]. Engels, um defensor voraz da libertação das mulheres, cometeu o erro der ser homofóbico, embora nenhuma campanha contra tenha feito em público. Ele afirmou que a decadência de sociedades correspondeu ao aumento de hábitos sexuais “antinaturais”. Ora, pelo menos em nossa sociedade decadente, isso tem alguma verdade porque a alta solidão, a fragmentação dos homens, estimula a causa número 3. Ademais, o começo da decadência dos modos de produção está acompanhada de maior urbanização, o que diminui um tanto o controle sobre os hábitos.

 

SOBRE A PROSTITUIÇÃO

1.    O trabalho para outro é a forma mais antiga de prostituição.

2.    Neste tema, confunde-se princípio, caracterização e mediação política.

3.    Trabalho, num conceito amplo, e prostituição, que são o mesmo, se vagina ou se mãos, não incluem prazer.

4.    No tema, a esquerda tem um pé, logo o pé errado, o direito, na religiosidade.

5.    Sexo não é sagrado ou especial – algo normal e comum. Aliás, a prostituição reduz estupros (que, claro, não justifica). Sim, sexo é sempre uma forma que inclui dominação, não seria diferente na prostituição – nem no trabalho classista; logo dizer que prostituição é dominação, classismo também o é. Claro, também, que totalmente superior se consentido. Mas a mesma energia psíquica do sexo, a pulsão, vai para a violência – eles até se relacionam no mesmo local do cérebro. Homens que têm vida sexual escassa por inúmeros motivos tendem a adoecer mentalmente (com consequências, às vezes, seríssimas – para si e para outros), ademais de fisicamente; assim a prostituição “diminui” o problema. Para a mulher é fácil ter relações sexuais; para os homens, não. Isso deve ser levado a sério, mesmo. Ignorar ou outra reação negativa sobre apenas é consequência do machismo, que ignora a saúde masculina.

6.    Mas vamos ao centro: as prostitutas. Assim como o uso da maconha, a prostituição sempre existirá em sociedades de classes. Para ajudar as moças, devemos evitar a criação de empresas, mas garantir aposentadoria para elas, além de outros direitos. Elas irão se prostituir – como evitar a subordinação a cafetões e empresas sem, pelo menos, descriminalizar? Impossível.

 

FEMINISMO E ARTE

Séries como The Boys e tantos filmes “lacraram” nas pautas sociais e feministas sem serem “cancelados” – lacraram e lucraram. Por outro lado, quando um roteirista sabe estar diante de certa má história, apela para pautas como feminismo na vã tentativa oportunista de justificar o texto, causar polêmica etc. A solução é a seguinte, parece: certa mulher guerreira e forte, por exemplo, deve estar na obra sendo guerreira de modo inteiramente NATURAL, de acordo com a história contada, o contexto – porque, de fato, É NATURAL (pasmem: um escritor de direita ensinou-me tal verdade, foi feminista sem o saber). A arte moderna pode ajudar a naturalizar mulheres em cargos, em ações “masculinas” etc. Sem forçar, sem justificar por fora. Uma justificativa interna é muito melhor. Certo escritor disse que escreve bem sobre mulheres porque descobriu que, afinal, elas são seres humanos, então assim as trata.

 

HOMENS E FEMINISMO

O feminismo também é para homens! A licença maternidade deve ser de, pelo menos, 1 ano – para mulheres e, veja só!, Para homens! Isso evita preferência por contratar homens nas empresas, produz igualdade. No mais, os homens estão cansados da personagem que têm de fazer, cansados – exaustos, dirá Lins. Nem sempre se é forte e exato, ou frio. A loucura relativa feminina é vista como algo belo, charmoso, atraente e aceitável. Um homem “meio desequilibrado” recebe o oposto: rejeição, piada, crítica etc. É uma opressão sobre os homens. Portanto, nem matriarcado nem patriarcado: união e unidade pela igualdade e contra o machismo!

 

MEDIDA DA LIBERDADE

Contra o imperialismo e o eurocentrismo, muitos afirmam que a sociedade ocidental não é superior. Mas como vamos medir a liberdade, o nível de civilização, sem cair no relativismo? A sociedade ocidental, incluso a América Latina, garante mais liberdade às mulheres, aos homossexuais etc. – eis a medida, engelsiana. Tal libertação tem como uma das suas bases a dominação sobre o Oriente Médio, mas é um nível superior, ainda que contraditório, ainda que baseado na barbárie alheia, mesmo assim. Outra medida, mais geral, passa por ter mais opções, como usar ou não usar burca quando quiser. A liberdade da mulher deve ser um valor universal, independente de país, pois é cientificamente provado que ela, sendo diferente, é igual ao homem. Essa medida está lastreada, de modo indireto e recheado de mediações, no nível de produtividade como base de níveis de liberdade.

 

 

 

CRISE DAS OPRESSÕES

Há ainda opressões, mas elas estão em crise. Urbanizaçao alta gera protestos e anonimato, a ciência avança em suas conclusões e mudança-se hábitos etc. A luta ainda é dura, mas podemos respirar para melhor ganhar a batalha. Mesmo em países do Médio Oriente, mulheres e gays etc., têm mais condições ao menos de rebelião, apesar dos pesares.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Num filme típico de romance, observei a cena final de um quase casamento da protagonista com o próprio primo, que discursou, causando anticlímax, o fato de se conhecerem desde sempre, cresceram juntos, etc. até que o amor real, recém-conhecido, aparece e salva a noiva do desastre.

[2] Tomo tal conclusão de uma palestra do historiador Leandro Karnal, que, por sua vez, cita de Michel Foucault. Este registro visa evitar plágio.

[3] Ao que parece, análogo à teoria do fetiche de Marx, quando algo social aparece como natural, fenômenos aparentemente de todo naturais são, na verdade, relacionais. Vejamos um exemplo. Nossos ancestrais primatas viviam em ambiente abertos de savanas, o que facilitava ver os predadores (especialmente quando em posição ereta); hoje, quando obtemos um terreno, capinamos seu entorno, diminuímos o mato em volta da casa, semelhante ao como nas antigas savanas – isso parece uma forte repetição, um padrão, indicando algo natural, quem sabe genético, na nossa forma de lidar com o entorno, o espaço. No entanto, há algo aí, na verdade, relacional, do perfil humano com o perfil do ambiente, da interação de ambos, da forma de reação, semelhante ao com nossos ancestrais evolutivos. Tanto nós como nossos ancestrais preferem ambientes com água próxima, como nossos riachos e piscinas sempre que possível nas chácaras e sítios, por uma questão prática, relacional, corporal e ambiental. Evitando negar que existam efeitos genéticos sobre a psique e sobre o comportamento, vejamos um exemplo outro. Tanto entre os homens primitivos, que viviam em bandos nômades, como entre os homens atuais temos um limite de, mais ou menos, 50 pessoas próximas realmente de nós. Isso pode parecer genético, já que se repete antes e agora, uma herança de tais tribos, mas é um limite numérico prático, da capacidade real de ligação com outros, relacional.

A ciência comum caiu na armadilha do fetiche. O que é relacional aparece como individual ou coisal. O que é fruto de condições, aparece como independente. Respeita-se por demais a empiria, que muitas vezes esconde e engana.  Marx diz que há certa metafísica real no fetiche da mercadoria, ou seja, o valor parecer uma propriedade natural e da coisa quando é, na verdade, social. Seu amigo Engels tomou nota pessoal de que a metafísica foca nas coisas; a Dialética, nos processos. Ora, melhor se ambos! Mas o processo é o dominante. Temos a ciência fetichista. O materialismo, percebeu Lukács, é muito mais do que apenas coisas ou objetos – inclui processos, condições etc.

O erro oposto é pensar que tudo é diretamente relacional, nada é em si. Na economia, pensa-se que o valor surge na circulação de mercadorias, na relação entre elas, não na produção. Pensa-se que o dinheiro deriva de uma escolha racional, logo relacional, não uma imposição material. O marxismo vulgar pensa que tudo é construção social, como se não houvesse biologia e genética também entre os homens.

[4] Descobrimos a unidade, interpenetração e contradição dos opostos no córtex subcortical, responsável tanto pelo sexo quanto pela agressão. O exemplo destacado, a natureza dupla de tal parte do cérebro, resolve uma polêmica (há vários aspectos semelhantes no cérebro, como adrenalina servir ou para o confronto ou, o oposto, para a fuga). No debate sobre as opressões, o setor pós-moderno destaca que o estupro é uma questão de poder e domínio masculinos (com empiria de casos absurdos, como quando um homem impotente usa um pedaço de madeira para violar uma mulher etc.) e, na outra ponta argumentativa, o biologismo destaca a necessidade de satisfazer as pulsões (com outros dados empíricos, como a redução de estupros onde surgem casas de prostituição); nesta outra consideração da psique humana, que ademais inclui o aspecto físico do cérebro, percebemos que a exclusão mútua de ambas as teses tem uma base comum, uma unidade, que encerra as concepções opostas. É tanto uma questão de poder, cuja base é a violência, quanto uma questão sexual e ambos, pela tensão causada pela demora em satisfazer-se, misturam-se, interpenetram-se. A partir daí, façamos alguns complementos. Lacan afirma que o sexo tem algo de violência, o que é explicado materialmente por esta observação. O lema “faça amor, não faça guerra” expressa inconscientemente esta relação dialética (Em A Interpretação dos Sonhos, Freud diz da expressão “nem nos meus piores sonhos eu desejaria isso”, sendo o sonho a realização fantasiosa de um desejo, que demonstra certo “platonismo”, não saber que sabe, no conhecimento da psique). O tipo Incel, celibatário involuntário, ao concentrar energia libidinal em excesso, tem raiva do sexo oposto, origem de seu desejo sexual. Vale o destaque de que os chimpanzés e os bonobos são os seres mais próximos geneticamente dos humanos; os primeiros usam a violência como meio de poder, sendo patriarcais, e os segundos, o sexo, sendo matriarcais (a origem é que o ancestral comum a ambos dividiu-se em um local onde havia pouca disputa de recursos e abundância enquanto no outro local, separado do primeiro por um rio, faltavam recursos e havia disputa com os gorilas por alimentos). Regina Navarro afirma que usamos o mundo sexual nos xingamentos, nessa violência verbal; para ela, isso é preconceito; para nós, isso deriva, também, da unidade cerebral.

[5] Isso nos dá uma deixa teórica. A obra de Engels Origem da família, da propriedade privada e do Estado deve ser reescrita, atualizada; mas a base e as conclusões continuam válidas, confirmadas pelo avanço científico. Por exemplo, teoriza-se que, com a urbanização, com a vida sedentária, iniciou-se a monogamia para evitar doenças sexuais, antes incomuns. Ora, as diferentes causas amadurecem mais ou menos juntas porque possuem uma causa comum, uma estrutura e um processo. Porque desenvolvemos a agricultura e a pecuária, além da formação das classes, precisou-se da subordinação das mulheres e da família monogâmica por questões de adoecimento sexual, para controlar a origem dos filhos, para manter a propriedade privada etc. As novas descobertas aprofundam as conclusões de Engels. O erro seria, portanto, a concepção unicausal ou deixar de avançar para a causa comum das diferentes causas.

Há ainda a contribuição de Freud. Outras causas da homossexualidade são: 1) nascemos todos bissexuais, logo somos isso em alguma, e móvel, medida; 2) o narcisismo de tipo exacerbado por ter como consequência a homossexualidade, como o amor por um igual a si; 3) o complexo de édipo*, que não é uma doença, pode se "mal“ elaborado, como com excesso de repressão do desejo pela mãe ou pai.

 

* Deve-se considerar o inverso, no adulto, do complexo de Édipo, o complexo de Cronos, como nomeio. A experiência edipiana está guardada dentro do individuo adulto, não ficou apenas na infância, e a revive em nova posição quando lidera uma família. O pai oprime o filho ao disputar o amor da esposa-mãe; a mãe oprime a filha ao disputar o amor do esposo-pai. Isso se dá de modo inconsciente e com certo grau de consciência. Mas costuma-se focar apenas na “birra” dos jovens em suas oposições contra os familiares. Quando a criança ganha forma corporal mais autônoma, começa a intensificação da disputa. Temos o pai que sempre diminui o filho, mas diz que é para seu próprio bem; temos a mãe que, perdendo a beleza com a idade, inveja a saúde corpórea da filha, então a oprime. O pai desenvolve carinho especial pela filha; a mãe, pelo filho; há casos extremos como o lado doentio de um pai que controla por demais a vida amorosa da filha, como com casos de assassinatos, ou pedofilia. Os casos empíricos são muitos e de diversos tipos. Os contos de fadas também tratam desse tipo de exagero no Complexo de Cronos (destaca-se, por ex., a versão nova de Rapunzel, no filme Enrolados, e Caroline e mundo secreto). Na mitologia, Kronos era um Deus que cortou os testículos de seu pai, Urano, mas, no poder, temeu ser destronado por seus próprios filhos deuses, então os comia – até que sua esposa, a mãe deles, salvou um dos novos deuses. O tempo, o envelhecimento, pesa muito na ativação deste complexo.

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