CRISE DA FAMÍLIA MONOGÂMICA
“Pois o nome político do amor não é outro senão socialismo.”
Frei Betto
“A medida de amar é amar sem medida.”
Santo Agostinho
Além da inspiração evidente em Engels,
este capítulo quase que repete de todo, embora chegue a conclusões diferentes e
socialistas, o pensamento da grande sexóloga e psicanalista Regina Navarro Lins;
ela recebe menos atenção da parte dos marxistas, ligados aos clássicos e
limitados pela literatura estrangeira, do que o merecido por suas elaborações.
Sua observação de que o amor romântico está em decadência e há uma substituição
progressiva, ainda que lenta, por novas formas de amar é uma importante
contribuição, pois demonstra que a instituição família nuclear burguesa está em
crise e pode ser substituída por outra família com traços comunitários.
O AMOR CONTRA O CASAMENTO
Afirma-se que o amor é social, mas
podemos demonstrar, ao contrário, que o amor é, de fato, natural socialmente
modificado ou, em principal, reprimido na história. Aliás, tal sentimento foi
condenado na prática até recentemente, até a década de 1940, por mais que
embelezasse obras de arte. Vejamos um exemplo. Manteve-se viva uma lenda dos
índios do Piauí que trata do amor de um índio e uma índia de tribos diferentes;
eles se conheceram por acaso, amaram-se e, por causa de tal amor, foram
amaldiçoados: um transforma-se em pássaro durante o dia e o outro se transforma
em onça durante a noite de modo que eles nunca se reencontram… A partir de nossa
mentalidade, do ponto de vista que valoriza o amor, é estranho o resultado
desta lição de moral indígena em forma mitológica. É o tipo de estória que
demonstra: 1) o amor é natural e 2) foi socialmente negado.
Entre os bonobos, espécie mais próxima
dos humanos, a fêmea fica meio distante, em rejeição, dos membros do bando
quando entra na puberdade e, logo mais, afasta-se para entrar em outro grupo,
onde se reproduz[1]. Esse
tipo de atitude tem valor biológico, pois aumenta a variedade genética. Vemos
que é uma tendência como no caso lendário dos índios e que os valores sociais
podem negar ao máximo a mesma força natural (xenofobia, etc.).
A história de Romeu e Julieta serve-nos
também de exemplo. É uma lição de moral: seguir os impulsos juvenis, amar
alguém de uma família outra e adversária, contra a sabedoria racional dos mais
velhos, leva à morte, ao desastre. A ideia de que o clássico do teatro
ocidental é algo romântico trata-se uma releitura posterior, sob novos olhares[2].
O texto de William Shakespeare já mostrava uma forte tendência social ao amor
individual sexual (por urbanização, etc.) ao mesmo tempo em que mediava com a
condenação de sua prática, ou seja, o sucesso ficcional da tragédia expressava
um conflito real. Há aí uma contradição entre o homem natural e o homem social,
contradição esta que, existente sob diferentes aspectos, será resolvida pelo
comunismo, em uma nova relação ainda dinâmica entre os dois polos.
Como afirmamos, apenas na década de
1940 o casamento por amor tornou-se prática social comum, aceitável. As
críticas sociais do início do século, sob uma base social que se alterava
(urbanização, trabalho feminino, etc.), e o fato de as tradições levarem a duas
grandes guerras, impulsionaram a uma renovação dos hábitos. Antes, o casamento
era de caráter financeiro ou formal, onde o amor ficava fora da equação social
em si. Agora, o casamento envolve sentimento mútuo, e isso é – e merece máximo
destaque – uma bomba de efeito retardado sobre a instituição familiar atual.
Como os sentimentos não são eternos, a base emocional da união do casal pode, e
frequentemente irá, ser desmanchada com o passar dos anos, ou seja, o fim do
amor sexual pede o fim do casamento, o direito de separação. Enquanto o casório
aconteceu por motivos sociais “racionais”, ele não entrou em crise, diferente
de hoje.
Como quase tudo que surge negando o
velho e surgindo dele, há um período de transição. Entre o antigo casamento
econômico e o amor antifamília tradicional do futuro, há a mediação da busca da
realização total e plena por meio da união amorosa, por meio do casamento – o
amor romântico. Isso gera uma enorme frustração, uma contradição na vida dos
casais. O amar é a negação da rotina enquanto a vida de casal é a rotina
completa, por exemplo. Os fatores da crise da família monogâmica serão melhor
debatidos a seguir. Até aqui, ficamos com estas observações.
PÍLULA ANTICONCEPCIONAL E OUTRAS
MERCADORIAS
O desenvolvimento tecnológico é também
o desenvolvimento de mercadorias cujos valores de uso possam tornar mais fácil
certas tarefas. Em A Revolução Traída, Trotsky afirma que o Estado soviético
fez em seus primeiros anos o possível para coletivizar as tarefas domésticas,
contra a opressão das mulheres, mas, por exemplo, diante de roupas rasgadas e
mal lavadas vindas das lavanderias públicas, baseadas ainda no trabalho manual,
os cidadãos passaram a preferir o retorno à atividade doméstica. Hoje, com a
máquina de lavar, este problema pode, enfim, ser facilmente resolvido por
lavanderias públicas, gratuitas e de qualidade. O desenvolvimento técnico atual
permite liberar o tempo das mulheres em relação aos cuidados com a casa. Mas muito
mais. Para dar profundidade às mudanças em curso, preferimos citar de modo
direto Regina Navarro Lins:
A pílula anticoncepcional é a principal
responsável pela mudança radical de comportamento amoroso e sexual observada a
partir dos anos 1960. O sexo foi definitivamente dissociado da procriação e
aliado ao prazer. A mulher se liberta da angústia da maternidade indesejada e
passa a reivindicar o direito de fazer do seu corpo o que bem quiser.
O sistema patriarcal entre nós há 5 mil
anos, que se apoiou na divisão sexual das tarefas e no controle da fecundidade
da mulher – uma mulher tinha quantos filhos o homem quisesse, passando grande
parte da vida grávida –, recebe assim um golpe fatal e começa a entrar em
declínio. A mulher, a partir de então, passa a ter a possibilidade de não só
dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser e quando
quiser.
As fronteiras entre o masculino e o
feminino começam a se dissolver – nada mais interessa ao homem que não
interesse à mulher e vice-versa –, atenuando a distinção entre eles, o que é
uma precondição para uma sociedade de parceria entre homens e mulheres.
É conhecida a relação entre opressão
das mulheres e propriedade privada. Quando o homem passou a cultivar e cuidar
do gado, dando início ao processo de propriedade privada, percebeu que os
machos também influem na capacidade das mulheres de ter filhos. Para controlar
quem herdará os seus bens, a sexualidade feminina, e toda sua vida, passa a ser
controlada. É isso que entra em crise em nossa época.
Regina Navarro Lins (2012) complementa
que o automóvel e o telefone foram duas “ferramentas” que facilitaram o
encontro livre no século XX. Hoje, observamos com facilidade que a vida sexual
pode ser mais plena, mais rica, menos “fiel” (contribuindo para a crise do
casamento e da monogamia), por causa da internet – isso tem um valor especial
para as mulheres já que os homens sempre foram poligâmicos. A família
monogâmica burguesa é atacada por todos os lados.
A entrada da força de trabalho feminina
é outro destaque que corrói a família monogâmica burguesa. A primeira revolução
industrial coloca as mulheres nas fábricas, dando-lhe renda própria e, logo,
alguma autonomia. De lá para cá, houve avanços e recuos da participação da
mulher no trabalho não domiciliar, porém a tendência do capital se impõe e já
são as mulheres uma parte do “mundo trabalhista” indispensável.
Ao lado desses fatores,
Somem-se as crescentes dificuldades
para impor a fidelidade feminina em uma sociedade que está se urbanizando, no
qual os contatos sociais vão se tornando cada vez mais frequentes, e na qual,
ainda, a abundância possibilita e requer o desenvolvimento (afetivo e racional,
lembremos) das pessoas.
Como observamos em outro capítulo, a
tendência no socialismo é que se formarão grandes bairros com seus próprios
centros, onde tarefas sociais serão guiadas, como a educação comum das
crianças. Serão formas coletivas – como, provavelmente, restaurantes públicos,
etc. – de socializar as tarefas nas quais as mulheres efetuam hoje sua segunda
jornada de trabalho.
A NATUREZA DO CIÚME
Neste ponto, destacamos o debate sobre
se o ciúme é natural ou, ao contrário, social, cultural, condicionado. A
resposta desta questão tem consequências práticas para os destinos e as ações
de convívio. De imediato, a tese culturalista (idealista) deve ser descartada,
pois nenhum tipo de sentimento perdura artificialmente, por mera insistente
educação, sem que seja sustentada e estimulada pela própria realidade objetiva
(social ou natural). O efeito da cultura, por isso, nada é de primário ou
primeiro e é, portanto, secundário, resultado e reforço de uma base que está
para além de si.
Na tese natural, podemos observar
espécies de libélula, onde o macho, após copular, vigia a fêmea para garantir que
ela não copule com outros machos; mas isso nada significa, por analogia
forçada, que seja o mesmo caso entre humanos.
O ciúme é, em primeiro lugar, visto de
imediato, algo de fato natural em nossa espécie, e nas demais quando ocorre,
porque se trata de um processo físico-químico e biológico, corporal, cerebral.
Mas a pura natureza acaba aí. Essencialmente, o ciúme, ao menos entre nós,
deriva não de um fato em si mesmo, mas de um contexto – assim, algo social,
ambiental.
Porque há escassez emocional, relacional,
há ciúme romântico. Se todos nós tivéssemos o costume, porque a realidade assim
o confirma regularmente, de nos sentirmos desejados, amados, com um “colchão
social”, etc.; se o medo de perder o amado fosse baixo na medida em que logo
encontraremos outro ou teremos, ao menos, certa rede de amizade e vida social
bem estabelecida, etc. se, dito de outro modo, tivéssemos a sociabilidade
íntima bem desenvolvida típica do socialismo – então, só então, nesta
abundância afetiva, além de também e necessariamente material, o ciúme amoroso
será algo inexistente ou, quando muito, marginal.
O ciúme sexual não existiu em tribos
matriarcais ou não monogâmicas porque a comunidade cuidava dos filhos, porque
não havia herança, porque a solidão social (e sexual) era baixa, etc. Nesse
sentido, mesmo se for algo inteiramente natural, refutando a posição aqui
apresentada[3], tal
tipo de sentimento pode ser severamente reduzido, sem nenhum peso que hoje tem,
pela forma de autocomposição da sociedade. Um cachorro criado preso dentro de
uma casa e totalmente dependente para sua sobrevivência e afetividade será
imensamente mais ciumento em relação a outro que pode sair quando quer, convive
em grupo com outros de sua espécie, tem alimentação fácil, etc.
Pensamos ter medido bem o peso daquilo
que é natural e social no ciúme romântico, entre fato e contexto. Portanto, o
corrosivo sentimento nunca acabará por uma tomada de consciência (embora tenha
sua importância), por instalação forçada de relações amorosas mais livres, etc.
Augustos dos Anjos, combinando naturalismo e expressionismo, afirmou: “O Homem,
que, nesta terra miserável,/Mora entre feras, sente inevitável/Necessidade de
também ser fera.”
Tentemos resolver, agora, outra
oposição.
MATRIARCALISMO OU PATRIARCALISMO?
Os períodos de transição possuem suas
formas claro-escuro, suas mediações negativas. O isolamento social da alta
urbanidade leva a uma dependência emocional dos pais em relação aos filhos, o
que pode significar a repressão constante para controle ou a manipulação dos
infantes (a opressão sobre os jovens costuma ser pouco destacada). Mas, por
outro lado, pode levar ao “rei bebê” mimado, ou seja, certa submissão paternal,
algo de nossa época. Assim também, as mulheres podem liderar relacionamentos
abusivos contras seus parceiros, acontecimento impossível em outros momentos
históricos. São fenômenos transitórios, logo substituídos com o
revolucionamento social quando e se o socialismo vencer. As sociedades
primitivas foram matriarcais, sem opressão dos homens, a diferença dos iguais
depois se transformou em oposição e, em seguida, em contradição entre os sexos
com o patriarcalismo. Agora, podemos encontrar nova unidade com o fim da
dominação sexual de qualquer tipo, com uma comunhão civilizada dos homens,
mulheres e crianças.
A separação tornou-se um processo comum
e aceitável, até desejável, apesar das disputas por propriedade (aspecto
esperado sob relações capitalistas). É possível ter vários namorados durante a
vida, há o “ficar” por apenas um dia, temos o “juntar-se” sem casamento,
ocorrem festas especiais de separação, etc. Neste aspecto, o mundo mudou para
melhor (aqui, contrariamos o típico modo operante dos comunistas que pensam de
forma negativa sobre tudo, veem apenas crise e derrota); se as características
vigentes não alcançam as vanguardas da revolução sexual dos anos 1960, há que
reforçar que eram apenas vanguardas, não fenômenos de massa como hoje. Claro,
nem tudo está garantido, pois é uma época de transição que pode trazer
resultados positivos ou negativos (novo fanatismo religioso durante a
decadência sistêmica final, etc.). Neste tempo, os homens vivem esta fase de
diferentes formas, incluso com violência contra a mulher: o feminicídio tende a
ter novas causas, como a insegurança do homem machista em relação à maior
libertação feminina da parceira[4].
Surge a questão sobre como serão as
relações de amor no socialismo avançado. Para tal tentativa de prever,
combinamos afirmações de Lessa (2012) e Lins (2012): de um lado, satisfaremos a
necessidade de afeto com relações estáveis temporárias com um ou mais
parceiros; de outro, ao mesmo tempo, a pulsão sexual é permanente e não
dirigida a apenas um único amante, logo teremos a liberdade sexual, sexo casual,
longe de ciúmes, controles sobre o amado, etc. Deste modo, serão superadas as
angústias dos relacionamentos de nossa época.
Ao a sociedade socialista oferecer
tempo livre, estabilidade financeira, vida social plena, coletivização de
atividades domésticas, etc. a família deixará de ser uma ficção idealizada tal
como é hoje ou uma fonte de traumas. Os pais terão como enfim acompanhar o
desenvolvimento dos filhos, as uniões estáveis temporárias deixarão de ter
aquela pequena guerra civil entre quatro paredes. De certa forma, a luta pelo
socialismo também é a luta em defesa da família, de uma nova.
O movimento progressivo afirma, com
razão, a igualdade de homens e mulheres. Quando o machismo e outras opressões
forem superados no comunismo, veremos ainda mais identidade entre os sexos,
mais semelhanças – mas há, de fato, diferenças no idêntico oposto. Por
biologia, a mulher tem uma leve tendência maior ao cuidado; os homens têm
fibras musculares mais fortes (com o maquinismo atual, uma característica muito
secundária) e um pouco maior apresso pelo risco. Somos iguais, apesar e com as
diferenças inevitáveis, naturais. Isso exige a dialética da unidade e da
identidade dos opostos, que algo é idêntico a si próprio e seu oposto, a
identidade na diferença. Além do mais, podemos ir para além das tendências
naturais, nunca são barreiras intransponíveis. Há mais homens na física porque,
em primeiro lugar, há machismo, mesmo que exista uma tendência relativa para
outras ciências entre mulheres (psicologia, medicina etc.). Quando a dominação
do homem sobre o homem acabar, poderemos medir bem o que era social e o que é
uma tendência não determinística natural.
Há um debate no marxismo: a tarefa não
é dar cargos no poder às mulheres, mas destruir o cargo e o poder
inevitavelmente machistas, mesmo se liderados por uma mulher. Isso tem muita
razão, mas é parcial. Nosso cérebro também funciona por padrões, por
naturalizar repetições, assim como um programa-robô pensa, por padrão, que ser
executivo é igual a homem branco. A presença de mulheres e negros em cargos de
destaque onde antes era incomum educa bem as novas gerações, produz uma nova
naturalização por padrão. Isso é contraditório: uma mulher dona de fábrica é
uma inimiga, e machista por negar às funcionárias creches e licença maternidade
de 1 ano; mas tem um traço positivo, embora menor. O machismo apenas acabará
com o fim do capitalismo, mas temos essas mediações complicadas no meio, falsas
e verdadeiras ao mesmo tempo.
ORIGEM DA HOMOSSEXUALIDADE
Há três grandes teses causais sobre a
origem da homoafetividade: 1) no fluxo hormonal durante a gestação; 2) genética;
3) falta de satisfação sexual heterossexual (veja-se que há cobras que se
tornam travestis, mudam de cheiro para atrair machos, quando falham na meta de
copulação). O erro é considerar apenas uma causa, unicausal, quando o mesmo
efeito pode ter diferentes, até opostas, causas – como penso ser este o caso:
todas ou quase todas corretas, ambas presentes na realidade[5].
Engels, um defensor voraz da libertação das mulheres, cometeu o erro der ser
homofóbico, embora nenhuma campanha contra tenha feito em público. Ele afirmou
que a decadência de sociedades correspondeu ao aumento de hábitos sexuais
“antinaturais”. Ora, pelo menos em nossa sociedade decadente, isso tem alguma
verdade porque a alta solidão, a fragmentação dos homens, estimula a causa
número 3. Ademais, o começo da decadência dos modos de produção está
acompanhada de maior urbanização, o que diminui um tanto o controle sobre os
hábitos.
SOBRE A PROSTITUIÇÃO
1.
O trabalho
para outro é a forma mais antiga de prostituição.
2.
Neste
tema, confunde-se princípio, caracterização e mediação política.
3.
Trabalho,
num conceito amplo, e prostituição, que são o mesmo, se vagina ou se mãos, não
incluem prazer.
4.
No tema,
a esquerda tem um pé, logo o pé errado, o direito, na religiosidade.
5.
Sexo não
é sagrado ou especial – algo normal e comum. Aliás, a prostituição reduz estupros
(que, claro, não justifica). Sim, sexo é sempre uma forma que inclui dominação,
não seria diferente na prostituição – nem no trabalho classista; logo dizer que
prostituição é dominação, classismo também o é. Claro, também, que totalmente
superior se consentido. Mas a mesma energia psíquica do sexo, a pulsão, vai
para a violência – eles até se relacionam no mesmo local do cérebro. Homens que
têm vida sexual escassa por inúmeros motivos tendem a adoecer mentalmente (com
consequências, às vezes, seríssimas – para si e para outros), ademais de
fisicamente; assim a prostituição “diminui” o problema. Para a mulher é fácil
ter relações sexuais; para os homens, não. Isso deve ser levado a sério, mesmo.
Ignorar ou outra reação negativa sobre apenas é consequência do machismo, que
ignora a saúde masculina.
6.
Mas
vamos ao centro: as prostitutas. Assim como o uso da maconha, a prostituição
sempre existirá em sociedades de classes. Para ajudar as moças, devemos evitar
a criação de empresas, mas garantir aposentadoria para elas, além de outros
direitos. Elas irão se prostituir – como evitar a subordinação a cafetões e
empresas sem, pelo menos, descriminalizar? Impossível.
FEMINISMO E ARTE
Séries como The Boys e tantos filmes
“lacraram” nas pautas sociais e feministas sem serem “cancelados” – lacraram e
lucraram. Por outro lado, quando um roteirista sabe estar diante de certa má
história, apela para pautas como feminismo na vã tentativa oportunista de
justificar o texto, causar polêmica etc. A solução é a seguinte, parece: certa
mulher guerreira e forte, por exemplo, deve estar na obra sendo guerreira de
modo inteiramente NATURAL, de acordo com a história contada, o contexto –
porque, de fato, É NATURAL (pasmem: um escritor de direita ensinou-me tal
verdade, foi feminista sem o saber). A arte moderna pode ajudar a naturalizar
mulheres em cargos, em ações “masculinas” etc. Sem forçar, sem justificar por
fora. Uma justificativa interna é muito melhor. Certo escritor disse que
escreve bem sobre mulheres porque descobriu que, afinal, elas são seres
humanos, então assim as trata.
HOMENS E FEMINISMO
O feminismo também é para homens! A
licença maternidade deve ser de, pelo menos, 1 ano – para mulheres e, veja só!,
Para homens! Isso evita preferência por contratar homens nas empresas, produz
igualdade. No mais, os homens estão cansados da personagem que têm de fazer,
cansados – exaustos, dirá Lins. Nem sempre se é forte e exato, ou frio. A
loucura relativa feminina é vista como algo belo, charmoso, atraente e
aceitável. Um homem “meio desequilibrado” recebe o oposto: rejeição, piada,
crítica etc. É uma opressão sobre os homens. Portanto, nem matriarcado nem
patriarcado: união e unidade pela igualdade e contra o machismo!
MEDIDA DA LIBERDADE
Contra o imperialismo e o
eurocentrismo, muitos afirmam que a sociedade ocidental não é superior. Mas
como vamos medir a liberdade, o nível de civilização, sem cair no relativismo?
A sociedade ocidental, incluso a América Latina, garante mais liberdade às
mulheres, aos homossexuais etc. – eis a medida, engelsiana. Tal libertação tem
como uma das suas bases a dominação sobre o Oriente Médio, mas é um nível
superior, ainda que contraditório, ainda que baseado na barbárie alheia, mesmo
assim. Outra medida, mais geral, passa por ter mais opções, como usar ou não
usar burca quando quiser. A liberdade da mulher deve ser um valor universal,
independente de país, pois é cientificamente provado que ela, sendo diferente,
é igual ao homem. Essa medida está lastreada, de modo indireto e recheado de
mediações, no nível de produtividade como base de níveis de liberdade.
CRISE DAS OPRESSÕES
Há ainda opressões, mas elas estão em
crise. Urbanizaçao alta gera protestos e anonimato, a ciência avança em suas
conclusões e mudança-se hábitos etc. A luta ainda é dura, mas podemos respirar
para melhor ganhar a batalha. Mesmo em países do Médio Oriente, mulheres e gays
etc., têm mais condições ao menos de rebelião, apesar dos pesares.
[1] Num
filme típico de romance, observei a cena final de um quase casamento da
protagonista com o próprio primo, que discursou, causando anticlímax, o fato de
se conhecerem desde sempre, cresceram juntos, etc. até que o amor real,
recém-conhecido, aparece e salva a noiva do desastre.
[2]
Tomo tal conclusão de uma palestra do historiador Leandro Karnal, que, por sua
vez, cita de Michel Foucault. Este registro visa evitar plágio.
[3] Ao
que parece, análogo à teoria do fetiche de Marx, quando algo social aparece
como natural, fenômenos aparentemente de todo naturais são, na verdade,
relacionais. Vejamos um exemplo. Nossos ancestrais primatas viviam em ambiente
abertos de savanas, o que facilitava ver os predadores (especialmente quando em
posição ereta); hoje, quando obtemos um terreno, capinamos seu entorno,
diminuímos o mato em volta da casa, semelhante ao como nas antigas savanas –
isso parece uma forte repetição, um padrão, indicando algo natural, quem sabe
genético, na nossa forma de lidar com o entorno, o espaço. No entanto, há algo
aí, na verdade, relacional, do perfil humano com o perfil do ambiente, da
interação de ambos, da forma de reação, semelhante ao com nossos ancestrais
evolutivos. Tanto nós como nossos ancestrais preferem ambientes com água
próxima, como nossos riachos e piscinas sempre que possível nas chácaras e
sítios, por uma questão prática, relacional, corporal e ambiental. Evitando
negar que existam efeitos genéticos sobre a psique e sobre o comportamento,
vejamos um exemplo outro. Tanto entre os homens primitivos, que viviam em
bandos nômades, como entre os homens atuais temos um limite de, mais ou menos,
50 pessoas próximas realmente de nós. Isso pode parecer genético, já que se
repete antes e agora, uma herança de tais tribos, mas é um limite numérico
prático, da capacidade real de ligação com outros, relacional.
A ciência comum caiu na
armadilha do fetiche. O que é relacional aparece como individual ou coisal. O
que é fruto de condições, aparece como independente. Respeita-se por demais a
empiria, que muitas vezes esconde e engana.
Marx diz que há certa metafísica real no fetiche da mercadoria, ou seja,
o valor parecer uma propriedade natural e da coisa quando é, na verdade,
social. Seu amigo Engels tomou nota pessoal de que a metafísica foca nas
coisas; a Dialética, nos processos. Ora, melhor se ambos! Mas o processo é o
dominante. Temos a ciência fetichista. O materialismo, percebeu Lukács, é muito
mais do que apenas coisas ou objetos – inclui processos, condições etc.
O erro oposto é pensar que
tudo é diretamente relacional, nada é em si. Na economia, pensa-se que o valor
surge na circulação de mercadorias, na relação entre elas, não na produção. Pensa-se
que o dinheiro deriva de uma escolha racional, logo relacional, não uma
imposição material. O marxismo vulgar pensa que tudo é construção social, como
se não houvesse biologia e genética também entre os homens.
[4] Descobrimos
a unidade, interpenetração e contradição dos opostos no córtex subcortical,
responsável tanto pelo sexo quanto pela agressão. O exemplo destacado, a
natureza dupla de tal parte do cérebro, resolve uma polêmica (há vários
aspectos semelhantes no cérebro, como adrenalina servir ou para o confronto ou,
o oposto, para a fuga). No debate sobre as opressões, o setor pós-moderno
destaca que o estupro é uma questão de poder e domínio masculinos (com empiria
de casos absurdos, como quando um homem impotente usa um pedaço de madeira para
violar uma mulher etc.) e, na outra ponta argumentativa, o biologismo destaca a
necessidade de satisfazer as pulsões (com outros dados empíricos, como a
redução de estupros onde surgem casas de prostituição); nesta outra
consideração da psique humana, que ademais inclui o aspecto físico do cérebro,
percebemos que a exclusão mútua de ambas as teses tem uma base comum, uma
unidade, que encerra as concepções opostas. É tanto uma questão de poder, cuja
base é a violência, quanto uma questão sexual e ambos, pela tensão causada pela
demora em satisfazer-se, misturam-se, interpenetram-se. A partir daí, façamos
alguns complementos. Lacan afirma que o sexo tem algo de violência, o que é
explicado materialmente por esta observação. O lema “faça amor, não faça
guerra” expressa inconscientemente esta relação dialética (Em A Interpretação
dos Sonhos, Freud diz da expressão “nem nos meus piores sonhos eu desejaria
isso”, sendo o sonho a realização fantasiosa de um desejo, que demonstra certo
“platonismo”, não saber que sabe, no conhecimento da psique). O tipo Incel,
celibatário involuntário, ao concentrar energia libidinal em excesso, tem raiva
do sexo oposto, origem de seu desejo sexual. Vale o destaque de que os
chimpanzés e os bonobos são os seres mais próximos geneticamente dos humanos;
os primeiros usam a violência como meio de poder, sendo patriarcais, e os
segundos, o sexo, sendo matriarcais (a origem é que o ancestral comum a ambos
dividiu-se em um local onde havia pouca disputa de recursos e abundância
enquanto no outro local, separado do primeiro por um rio, faltavam recursos e
havia disputa com os gorilas por alimentos). Regina Navarro afirma que usamos o
mundo sexual nos xingamentos, nessa violência verbal; para ela, isso é
preconceito; para nós, isso deriva, também, da unidade cerebral.
[5]
Isso nos dá uma deixa teórica. A obra de Engels Origem da família, da propriedade privada e do Estado deve ser
reescrita, atualizada; mas a base e as conclusões continuam válidas,
confirmadas pelo avanço científico. Por exemplo, teoriza-se que, com a
urbanização, com a vida sedentária, iniciou-se a monogamia para evitar doenças
sexuais, antes incomuns. Ora, as diferentes causas amadurecem mais ou menos
juntas porque possuem uma causa comum, uma estrutura e um processo. Porque desenvolvemos
a agricultura e a pecuária, além da formação das classes, precisou-se da
subordinação das mulheres e da família monogâmica por questões de adoecimento
sexual, para controlar a origem dos filhos, para manter a propriedade privada
etc. As novas descobertas aprofundam as conclusões de Engels. O erro seria,
portanto, a concepção unicausal ou deixar de avançar para a causa comum das
diferentes causas.
Há ainda a contribuição de
Freud. Outras causas da homossexualidade são: 1) nascemos todos bissexuais, logo
somos isso em alguma, e móvel, medida; 2) o narcisismo de tipo exacerbado por
ter como consequência a homossexualidade, como o amor por um igual a si; 3) o
complexo de édipo*, que não é uma doença, pode se "mal“ elaborado, como
com excesso de repressão do desejo pela mãe ou pai.
* Deve-se considerar o
inverso, no adulto, do complexo de Édipo, o complexo de Cronos, como nomeio. A
experiência edipiana está guardada dentro do individuo adulto, não ficou apenas
na infância, e a revive em nova posição quando lidera uma família. O pai oprime
o filho ao disputar o amor da esposa-mãe; a mãe oprime a filha ao disputar o
amor do esposo-pai. Isso se dá de modo inconsciente e com certo grau de
consciência. Mas costuma-se focar apenas na “birra” dos jovens em suas oposições
contra os familiares. Quando a criança ganha forma corporal mais autônoma,
começa a intensificação da disputa. Temos o pai que sempre diminui o filho, mas
diz que é para seu próprio bem; temos a mãe que, perdendo a beleza com a idade,
inveja a saúde corpórea da filha, então a oprime. O pai desenvolve carinho
especial pela filha; a mãe, pelo filho; há casos extremos como o lado doentio
de um pai que controla por demais a vida amorosa da filha, como com casos de
assassinatos, ou pedofilia. Os casos empíricos são muitos e de diversos tipos.
Os contos de fadas também tratam desse tipo de exagero no Complexo de Cronos
(destaca-se, por ex., a versão nova de Rapunzel, no filme Enrolados, e Caroline
e mundo secreto). Na mitologia, Kronos era um Deus que cortou os testículos de
seu pai, Urano, mas, no poder, temeu ser destronado por seus próprios filhos
deuses, então os comia – até que sua esposa, a mãe deles, salvou um dos novos
deuses. O tempo, o envelhecimento, pesa muito na ativação deste complexo.
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