SOBRE
A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
A crítica à educação hoje é, via de regra, negativa,
apenas importante crítica. A falta de propostas positivas têm razão de ser:
nada importante pode ser feito sem muitos recursos. O atual modelo de escola é
condizente com sua verba. Mesmo assim, faz-se necessário propor ao menos algo
de transição.
O pensamento pós-moderno vê apenas o lado negativo
da escola, como prisão juvenil. Mas é um espaço de ciência e filosofia, de aprendizado
subjetivo, de encontro com os demais. De modo algum, uma educação em casa ou
virtual substitui o encontro, a necessária vida coletiva.
Por outro lado, exemplos pedagógicos vêm de
professores, mas deve-se levar em conta que suas “pedagogias” são próprias de
suas personalidades, seus perfis subjetivos deslumbrantes. Logo, não servem de
exemplo imediato.
Na pedagogia, o gênio Piaget erra ao, na prática,
culpar a criança, e livrar o educador, ao dizer que, se o aluno não aprende, é
porque ainda não está em certa etapa… Ora, a evolução é um ato de força, um
esforço ou tentativa – não apenas um fluir de água, dirá Vygotsky.
Como vimos, o desenvolvimento das forças produtivas
empurram para a tendência de mudança do resto do tecido social, como a educação.
Tecnologias como realidade aumentada serão parte do revolucionamento
educacional ao permitir ao aluno “ver” o funcionamento das partes de uma célula
diante de si, os planetas e a galáxia etc. Mas, sob o capitalismo, o
desenvolvimento tecnológico tem diminuído a demanda por trabalho qualificado. A
mesma base que permitirá alta educação a deteriora segundo a exigência do
capital.
Feitas tais observações, vejamos nossas propostas.
LIVRO DE MATEMÁTICA E AFINS
Para facilitar o aprendizado e a memorização, tais
medidas devem ser feitas nos livros:
1. Contar a
história ou alguma anedota sobre aquele assunto;
2. Dizer sobre
grandes aplicações práticas;
3. Derivar ou
provar aquela equação etc.;
4. Revisar
assunto anterior necessário;
5. Ir do concreto
ao conceito abstrato;
6. Dar
exemplos de aplicação, do simples ao complexo;
Até o ponto 4, deve ser a parte que o aluno pode
“pular quando bem quiser” caso tenha pressa.
7. Os
capítulos devem ser curtíssimos;
8. As questões
e práticas devem ir do simples ao complexo, do concreto ao abstrato;
9. A
diagramação deve ser espaçosa e agradável;
10. O livro deve ser o máximo completo, sem precisar
da ajuda do professor ou da internet.
Além disso, equações etc. devem ser apresentadas
dentro de imagens fortes, criativas, de todo inusitadas o que facilita a mente
tirar uma “foto”, memorizar. Macetes criativos e atalhos devem ser ensinados,
além do uso de recursos artísticos e literários como o humor.
No Brasil, as obras que mais se aproximam de um
projeto tão simples é a coleção “Conecte”, da Saraiva, com uso mais comum na
classe média alta.
Deve-se acrescentar que o Estado deve oferecer
manuais e vídeos que ensinem a estudar e a memorizar, com as técnicas
disponíveis na psicologia moderna.
ENSINO MÉDIO
No ensino intermediário, o aluno deve ter acesso a
todas as matérias, mas deverá escolher qual bloco, entre humanidades e ciências
naturais, terá por média a nota 5 e qual a nota 7, entre 0 (zero) e 10.
FILOSOFIA
Deve-se dividir o ano desta matéria em duas partes
por semestre: na primeira, história geral dos pensadores; na segunda, a
história dos conceitos e ideias – conceito de espaço na história, concepções de
moral, como os pensadores trataram a questão do um e muitos etc. Ademais, os
diferentes métodos científicos devem ser explicados.
PROVAS
As provas devem ter uma questão de opinião ou
redação do aluno sobre algum tema. O central é ele, desde a primeira aula do
mês, ser levado a pensar sobre algum tema para escrever sua hipótese sobre na
prova, valendo ponto extra.
Os cálculos não devem ser exatamente decorados. A
folha da prova deve dispor todas as equações necessárias ao aluno, como na vida
real – o que interessa é aplicar. No ensino médio, o uso da calculadora também
deve ser permitido. As questões da prova, e do livro, de modo algum devem ser
uma verdadeira charada; devem ser claras e simples, mas pode haver uma questão
extra especial de alto valor.
Uma resposta bem desenvolvida, mas errada pode
ganhar ponto – não se pode condenar um erro de sinal no fim, por exemplo. Mais:
a prova pode ter20 questões claras para o aluno escolher 10 às quais irá se
dedicar, escolher.
Como os alunos são diferentes, deve-se formar turmas
apenas com os que aprendem rápido, outras com os que aprendem devagar etc. Isso
ajuda (personaliza a aula etc.), apesar do desprezo inicial de pedagogos. Somos
diversos e diferentes. Mas a questão deste parágrafo é reforçar que, se são
diferentes os grupos e perfis, um aluno pode passar de ano em humanas e
biológicas, porém reprovar o mesmo ano em exatas – é desnecessário ele repetir
todas as matérias por um ano porque foi ruim apenas em matemática. E é errado,
dado que exatas é etapa a etapa (tijolo após tijolo), evançar de modo forçado
em matérias numéricas.
Vale um relato pessoal. Minha professora de reforço
fazia o seguinte: 1) eu deveria ler para ela um parágrafo do capítulo; 2)
deveria resumi-lo em voz; 3) deveria dar minha opinião sobre. Isso foi de
máxima positividade para minha formação.
TRABALHO EM GRUPO
Lenin pensou um comitê central que delega missões
para a célula cujo grupo divide tarefas. Depois, Vygotsky inpirou-se nesse
modelo. Em seguida, a pedagogia dita moderna faz a arte dos trabalhos em grupo:
o professor (comitê central) delega material ao grupo (célula), que debate e
apresenta uma aula; mas isso quase sempre dá errado com o aluno a estudar
apenas sua perte desconexa e sem debate prévio. O correto será, então, cada
aula dar uma aula inteira, complementada ao final pelo professor antes
preguiçoso e inculto.
CONCRETUDE
Entra a questão da verba, mais uma vez e sempre.
Para o alunado jovem abstrair, precisa, antes, concretar – tocar objetos, lidar
com a contangem prática, criar etc. Daí os laboratórios de química para
experimentos, projetos práticos de construção de máquinas etc. Ir do concreto
ao abstrato, pois o abstrato é o concreto em processo. Deve-se iniciar sempre
pela concretude, ou ir até ele em seguida para ajudar a mente do estudante de
modo que o distante soe familiar.
MÚSICA
Há um conto de Machado de Assis sobre um maestro que
passou a vida inteira apenas lendo partitura e reproduzindo os clássicos;
quando decide escrever algo próprio, é incapaz. Às vezes, passamos 15 anos
decorando, memorizando, absorvendo e, de repente, no doutorado, somos obrigados
e incapazes de criar algo de fato novo. A música ajuda a resolver isso. Aos 12
anos, um aluno pode aprender música num instrumento, primeiro reproduzindo;
mas, ao aprender as primeiras escalas musicais, pode ser imediatamente incentivado
a improvisar solos. Esse é o eixo: ensinar, após certa absorção, a improvisar,
solar, até mesmo de modo subconsciente. O cérebro, assim, aprende a ser
criativo, a associar, nesta e noutras áreas.
CURSO DE FOLOSOFIA
O curso de filosofia deve ter duas etapas. Primeira,
história da filosofia, de grupo de pensadores a outros, de um filósofo a outro;
segunda, focado em ciência moderna para produzir hipóteses e novas conclusões.
HISTÓRIA
No ensino fundamental e médio, a visão marxista da
história é a necessária ao alunado. Isso pode soar ideológico, mas é a ciência
mais profunda de fato. O livro de história pode, por outro lado, apresentar as
diferentes contribuições de outras escolas teóricas, uma ao lado da outra. Ouvi
de um professor que ensina para alunos ricos de minha cidade: “Eles preferem a
história marxista porque é cinematográfica; brinco com um colega que estamos
ensinando nossos inimigos de classe.”
PRODUÇÃO DE ARTIGOS
É notório que há uma fábrica quase inútil de artigos
no meio acadêmico. Para preservar a qualidade, a medição deve pôr uma
quantidade máxima limitada de artigos e papers que valem ponto num ano. Além
disso, livros individuais devem valer mais, além da divulgação científica.
LÍNGUAS
Quase todos os alunos jovens sonham aprender inglês,
mas não aprendem na sala de aula. Há algo errado, portanto. Minha proposta é a
de imersão completa por 3 semanas ou 1 mês, no ano, estudando apenas inglês ou
outra língua nesse período. Nos EUA, há uma escola em que o aluno vai para um
retiro de férias onde tem contato apenas com a língua estrangeira, com todos os
objetos com o “nome” deles colado, com livros e filmes naquela língua, com
pessoas para conversar etc. Isso deve ser feito em escala maior. Para
economizar custos, o Estado pode colocar algumas escolas nas 3 primeiras
semanas de aula; outros nas 3 seguintes etc.
Além disso, o professor, se ainda mantemos alguma
aula convencional, deve usar palavras opostas no ensino. Tal oposição gera
gatilho para aprendizado.
O Estado deve comprar certas séries, dos mais
variados estilos, de episódios curtos, com um programa que permita o aluno ver
uma cena em português, depois em inglês etc. A repetição importa.
OUTRAS MATÉRIAS
No quarto ano do ensino fundamental, todo aluno deve
ter três cursos: 1) música, rumo ao improviso; 2) arte marcial; 3) no final de
semana, escoterismo. Nos anos seguintes, pode escolher focar em um ou outro.
BIOLOGIA
O Estado deve aproveitar que a tecnologia computacional
está avançadíssima para criar uma série completa, longa, repetitiva e “devagar”
sobre todos os assuntos dos livros didáticos. Por exemplo, cada processo
celular invisível deve ter um vídeo com grande qualidade de efeitos especiais
para demonstrar, repetida e agradavelmente, o processo.
RENDIMENTO DO ALUNO
Assim que um aluno, desde a alfabetização, demonstra
dificuldade, notas baixas, logo ele deve ser encaminhado para um reforço extra
com outro professor. Isso promoveu uma revolução educacional no pobre Ceará,
que tem 87 das 100 melhores escolas do país, além das 10 melhores. Nem
reprovar, que afasta o aluno, nem passar de ano em modo forçado, alimentando
seu atraso.
INTERNET
A internet e o celular são base para a revolução
educacional. Em salas de aula, os professores perdem a maior parte do tempo
escrevendo no quadro, depois os alunos tiram foto daquilo escrito… O livro e a
internet devem ser suficientes, com cada aluno pesquisando por si o que o
professor apenas apresenta. Reforçamos: em pelo menos metade das matérias, o
aluno poderá faltar às aulas para estudar por si numa biblioteca da escola com
internet boa e aparelhos, para estudo isolado; além disso, poderá dedicar-se ao
lazer e ao esporte no espaço interno da escola caso queira estudar em outro
momento. Alguns alunos aprendem melhor sozinhos, outros, com aula etc.
Assim, deve ser direito todo aluno ter um bom
celular e internet permanente.
Vale notar que há uma arte oportunista dos
professores, a arte de enrolar. Aquilo que poderia ser oferecido em 1 ou 2
aulas é esticado para durar 1 mês inteiro.
Como o aparelho psíquico do alunado ainda está em
formação, apenas em casos raros há carinho por aprender. Por isso, deve haver
alguma autoridade professoral, e estímulos ao aprendizado, por prazer e
recompensa ou dever.
SALÁRIO
Os alunos devem receber salário, que cresce com o
avanço das séries. Além disso, uma parte da renda recebida varia segundo as
notas, segundo o rendimento em prova. Veja bem; ao cérebro do adolescente ainda
falta maior senso de responsabilidade e é impulsivo, logo deve ser em parte
guiado, incentivado. Além disso, bons resultados devem gerar salários maiores a
professores e funcionários.
AULA
A aula deve começar 8 horas da manhã, não 7 ou 6.
Além disso, nenhuma tarefa deve ir para casa, tudo deve ser resolvido no espaço
escolar.
Mais uma vez, o aluno tem direito a não marcar
presença em metade das matérias, mas deve fazer prova como os demais, com nota
mínima 7. Para isso, a escola deve oferecer bibliotecas para estudar, internet
ou distrações como esportes etc. Ou seja, o aluno pode faltar em tais matérias,
mas deve, de qualquer modo, oferecer bom resultado final. Uma nota mínima, 7 ou
8, deve ser condição para liberar-se da presença em aula.
FARDAMENTO
O fardamento não deve ser obrigatório, apenas opção,
para estimular a diferença, incluso de perfil mental. Além disso, as fardas
devem respeitar a moda e o clima.
FORMAÇÃO DO PROFESSOR
A formação do professor, em principal nas exatas,
deve ter três perfis: 1) licenciatura superior; 2) bacharelado; 3) licenciatura
de base. Um curso de matemática voltado a formar professores de ensino médio e
fundamental deve ensinar algo de matemática avançada, cálculo etc., mas deve
focar na didática, na oratória, no reforço do aprendido antes, na história de
tal ciência etc.
Todo professor deve ter aulas para aprender a melhor
discursar, oratória.
ENSINO SUPERIOR
Todas as matérias de um semestre do curso deve ter
um tema base, mas também um livro de base, cuja leitura é obrigatória. Os
alunos do ensino superior hoje terminam o curso sem ter lido sequer um livro
inteiro, apenas introduções ou pedaços de algumas obras. Isso deve mudar. Ler
em sala e individualmente devem ser o foco máximo. Mil vezes melhor um único
livro lido com atenção a 200 trechos de 200 autores.
Ademais, todo professor capaz de dar grandes aulas
deve ser pago para disponibilizar cursos gratuitos completos na internet. Toda
cultura erudita humana deve estar disponível de graça na web em português.
SOBRE FILHOS
Em complemento, temos tais indicações para a
educação familiar:
1.
Dar opções ao filho. Por exemplo: se sairão juntos,
pedir para que o filho escolha entre três roupas, entre três sobremesas etc.;
2.
Sempre explicar o motivo de uma ordem;
3.
Ouvi-lo sinceramente e de fato, mas, nas questões
centrais, os pais decidem;
4.
Elogiar mais o esforço do que o resultado;
5.
Não contrariar ordem de outro, exceção de situações
de debate;
6.
Não bater, exceção de casos raros, mas punir com
cortes de afazeres (não deixar sair, sem internet etc.) ou novas obrigações;
7.
Desde cedo oferecer brinquedos desafiadores, mesmo
que impróprios um tanto para a idade;
8.
Dar tarefas domésticas, maiores ou menores segundo a
idade;
9.
Ensinar coisas práticas da vida: como retirar
dinheiro em banco, como andar no centro, como pedir para descer do ônibus etc.
10.
Estimular a brincadeira e convívio com outras
crianças, evitar o isolamento típico de nossa época;
11.
Testar desde cedo quais os talentos ou vocações da
criança, sem preconceitos ou ambições, e “especializá-lo” desde já,
incentivando enquanto o interessar, sem forçá-lo – uma habilidade desenvolvida
desde a infância gerará um ótimo trabalhador, ou alguém saudável com seus
hobbies particulares;
12.
Respeitar a moda juvenil, mesmo com alguns limites
relativos;
13.
Nunca humilhar em público;
14.
Dar direito à intimidade, à vida própria, ao filho –
comum os pais sentiram-se donos das crias;
15.
Falar sobre sexo com naturalidade, disponibilizar
preservativos e espaço privado para vida sexual – isso dificulta muito a
gravidez;
16.
Punir egoísmo, mas premiar autorrespeito, a defesa
das próprias vontades.
No fim, não há manuais que garantam o destino da
prole.
A NOVA GERAÇÃO
Refletir em filosofia sobre os mais jovens têm
vários problemas associados. Primeiro, pode-se ter uma concepção saudosistas e
criticista exagerada entre os mais velhos, que romantizam o próprio passado.
Segundo, oposto, pode-se pensar que se trata apenas de geração diferente, como
se a degeneração geracional não fosse uma possibilidade. Há ainda a armadilha
do caminho do meio; vejamos um exemplo lógico: a impulsividade (mesmo) de
alguém, a caraterística de fundo, produz em certas situações qualidades, como
criatividade grande, mas também defeitos, como a falta de noção social; a
característica, a mesmidade ou base, externaliza-se como defeitos aqui e
qualidades ali. Pois bem; a nova geração teria, assim, igualmente, qualidades e
defeitos próprios?
Participo de um grupo de escritores; nele, com
frequência, os mais jovens perguntam "isso pode?", ou "isso é
certo?". Eles querem agradar, não ser rejeitados. Penso que há duas razões
centrais para: 1) uma criação mais isolada, menos vida social, o que reduz o
colchão psíquico; 2) a internet pede que sejamos desejados e vistos, contra o
ridículo e a ridicularização pública (certo controle social abstrato retorna
com a internet – em sistemas de punição e recompensa, reforço e desestímulo).
Aonde há rebeldia? Aonde há originalidade? Isso é perigoso, muito. Ser
“alternativo” agora é comprar roupas “alternativas” da moda… Bolos de
aniversário falsos na festa e teatros de subversão.
A nova geração, desde muito cedo, movimenta-se
menos, socializa-se menos – eis a fragilização, o atraso do desenvolvimento em
todas as esferas psíquicas. Se somos, por exemplo, rejeitados, mas temos uma
fonte segura de amizade e amor, somos muito menos afetados pela ação alheia.
Para comparação, veja-se que um militante de classe média, mais isolado em
geral, cede com mais facilidade a pressões hostis, pendendo ao centrismo, em
relação a militantes operários, mais “duros”, mais tolerantes aos isolamentos.
A crise geral da psique, parece, cobrará seu preço
sobre a nova geração. Por evidente, há qualidade maiores como a maior
capacidade de aprender com a internet. Mas o que melhora a sociedade e o indivíduo,
o que determina o peso do positivo e do negativo, é sua capacidade de
subversão, o novo.
Humberto Gessinger, Engenheiros do Hawaii, pensa na
música Pose sobre:
Vamos passear depois do tiroteio
Vamos dançar num cemitério de automóveis
Colher as flores que nascerem no asfalto
Vamos todo mundo
Tudo que se possa imaginar
(…)
Vamos ficar acima, velejar no mar de lama
Se faltar o vento, a gente inventa
Vamos esquecer o dia da semana
Tem que ser agora, anos 90
Vamos remar contra a corrente
Desafinar do coro dos contentes
E completa:
Tô fora voodoo, ranço, baixo astral
Eu não vou perder meu tempo brincando de ser mal
Não vou viver pra sempre nem morrer a toda hora
Como rasgos pré-fabricados num novo velho blue jeans
Há várias manifestações de adestramento, incluso
disfarçados de rebeldia. Sabemos que, há poucos anos, os pais brigavam para os
filhos entrarem casa; hoje, brigam porque não saem.
AS LIÇÕES
Os marxistas e os dialéticos evitam a filosofia do
comportamento, dos estoicos etc. Mas seus raciocínios gerais podem ser muito
úteis diante do sofrimento humano, ainda que este apenas possa ser muito
reduzido numa sociedade socialista. Apenas Trotsky, em Questões do modo de vida, e Valério Arcary, em Ninguém disse que seria fácil, ensaiaram entrar em tais temas. Como
este livro pretende tanto explicar o real quanto oferecer algo para a prática,
derivamos as seguintes conclusões:
1)
O excesso constante de prazer não leva à felicidade,
mas ao esgotamento. Felicidade tem substância e conteúdo, quase medida.
2)
Se a sociedade está em situação difícil, mas difícil
será o indivíduo obter vitórias individuais ou felicidades.
3)
Na vida pessoal e no curto e médio prazo, às vezes,
não há saída ou alternativa, embora não tanto demore uma solução na maioria dos
casos. Inexiste situação totalmente sem saída, mas pequeníssimas alternativas em
probabilidade difícil e raramente se realizam.
4)
O processo importa, mas vitórias importam ainda
mais.
5)
O grande esforço é condição da vitória, mas não
suficiente nem garantia certa.
6)
Sofrer é o privilégio de viver, mas para evitar
aquele desde o prazer e a felicidade.
7)
O trabalho não dignifica o homem, exceção quando
obrigamos a sociedade a permitir com que a necessidade natural do trabalho seja
cumprida de maneira respeitosa.
8)
Vitórias pessoais são obras coletivas e mais ou
menos democráticas.
9)
O inferno é a falta do outro.
10)
Perceber a causa, o motivo, a razão, a utilidade e a
finalidade possível de um projeto ou trabalho produz prazer e impulso, talvez
felicidade.
11)
Precisamos dos opostos, lazer e atividade, dormir
bem e acordar bem, amor e raiva, medo e coragem, e assim por diante, e assim
por diante. Sem excesso de um contra o outro, sem unilateralidade. Às vezes, um
tornando-se o seu inverso.
12)
Desistir pode ser uma opção, em principal e muitas
vezes apenas no limite, pois o acerto também é feito de falhas no caminho ou ao
lado.
13)
A perfeição de personalidade ou de vida é uma utopia
irrealizável. Vida é conflito, contradição.
14)
Os defeitos não devem ser reprimidos, produzindo novas
doenças aparentemente sem causa, mas redirecionados para algo positivo,
produtivo, saudável e útil.
15)
Exceto causas orgânicas, inexiste preguiça dominante
mas não uso de talentos e possibilidades, pelo individuo ou pela sociedade.
16)
Não há qualquer fórmula que garanta permanência de
relações sociais e pessoais – só a mudança é permanente.
17)
Nem sempre felicidade é abrir os olhos, mas é
necessário.
18)
Apenas na impossibilidade de uma vida feliz, deve-se
pensar a possibilidade de uma vida que valha a pena, contanto não fira a
essência humana natural.
19)
A popularidade dos livros de autoajuda é fruto da
semialfabetização popular mais a infelicidade constante, mais a felicidade como
quase tocável pelo alto desenvolvimento do mundo social e das coisas.
20)
Nem sempre se colhe o que planta, nem sempre se
planta o que colhe.
21)
Má condição não é sempre punição de um erro ou
punição justa.
22)
Entre as piores sensações é sofrer, mas não saber a
causa de seu sofrimento. Daí a necessidade, por exemplo, da cultura. Daí que se
procura soluções erradas como excesso de acúmulo de coisas.
23)
O corpo não é a negação da alma, mas sua afirmação.
Corpo são para ter mente sã. materialismo também é cuidar do corpo, de si.
24)
A principal tarefa do Marxismo é a felicidade
humana, tanto quanto possível e responsável.
25)
Agir por uma causa maior é tanto compensador quanto
correto e necessário.
26)
Como na guerra, a máxima ousadia pode ser o mais
racional.
27)
Exato o medo de algo produz o algo, o medo da
rejeição produz rejeição.
28)
Às vezes, é preciso recuar antes de avançar com
dignidade.
29)
Às vezes, é preciso adiar para ter algo melhor no
futuro.
30)
Nem toda proposta boa em si é boa de fato quando
considerado todo o contexto.
31)
Uma derrota aparente pode esconder uma vitória
essencial. Uma vitória aparente pode ser, na verdade, uma derrota oculta. O
azar pode ser sorte, a sorte pode ser azar.
32)
Planejar, nunca nos mínimos detalhes, é preciso –
até para alcançar bons resultados diferentes do esperado.
33)
É necessário teimosia e insistência de médio ou
longo prazo.
34)
O correto nem sempre recompensa.
35)
Quase nada é certo ou errado em si, pois depende do
contexto.
36)
Nos planos, o mais importante é fixa-se no “o que”
deseja realizar, pois tal “o que” pode acontecer de muitos modos, “como” e
formas diferentes; portanto, deve-se ter mente aberta aos modos de realização,
os “comos”.
37)
O homem é ainda um animal, logo é negativo para o
homem urbano afastar-se em demasia da natureza, ainda que ela possa envolver algum
risco.
38)
Se teu trabalho é intelectual, dedique um momento
regular para ato manual; se, ao contrário, teu trabalho é manual, dedique um
momento regular para ação intelectual; além disso, tenha um momento do dia ou
da semana para nada fazer, para o pensamento fluir solto ou planejar e
refletir; ser unilateral produz problemas físicos e mentais.
39)
Sempre consulte outros antes de tomar uma importante
decisão.
40)
Os fins justificam os meios, mas, ao mesmo tempo, os
meios devem justificar os fins.
Uma obra sobre moral ou ética marxista terá de
adentrar em tal tema, incluso formulando sobre, mantendo a noção de totalidade
e tempo histórico.
Certo ensinamento geral nem sempre é útil ao
comportamento cotidiano, e vice-versa. É fato que podemos dividir os homens em ativos
e reativos, mas ocorre de modo diferente, inverso, na amplidão das classes
sociais. A classe operária é ativa e anda em bando; no nível pessoal, são os
reativos que andam em grupo. A burguesia é reativa, mas mais individual.
EDUCAÇÃO E SISTEMA
Para agradar aos marxistas, tomemos algumas notas. O
desenvolver universal da humanidade exije cada vez mais ciência, arte e nível
cultural. O comércio, e tanto mais o comércio capitalista, exige elevação
cultural mínima das massas: o cidadão precisa saber comprar e vender, ler
manuais no trabalho e liderar o caixa de um supermercado… Mas para, em geral,
aí. O capital hoje faz dois movimentos, mais do que no passado: 1) tenta
destruir, por simplificação e robotização, o trabalho especializado, que exige
mais educação e maiores salários; 2) aumenta o número de especializados de modo
artificial, bem ou mal formados, para forçar queda dos salários. Além disso, as
novas tecnologias têm emburrrecido a maioria, movimenta-se menos etc., por isso
o QI começou a cair. O futuro verá como sinal do bizarro fim do sistema o fato
de estudantes com doutorado esconderem sua formação real no currículo porque
precisam de empregos, mesmo se precários – mais formação exposta, menos
trabalho. O capitalismo, contra a revolução, produziu a ideologia ilusória de
que a educação muda o indivíduo e, por isso, o mundo; que ele terá paz e
prosperidade assim. Ora, isso se prova falso hoje, na decadência. Temos gente
com alta ou maior fomação, e vida precária – algo explosivo. Grosso modo,
sistemas mais vançados são mais complexos, logo, exigem mais formação; no
entanto, o capital entra, mais uma vez, em contradição consigo ao limitar a
quantidade de homens e mulheres altamente capazes. No Brasil, temos uma demanda
anormal por programadores, mas pouquíssimos têm habilidades para tal tarefa.
Com a mercantilização da educação, o ensino perde qualidade; torna-se ténico,
formal, manualítico, praticista, burocrático etc. Claro que os ricos terão sempre
melhor formação em tal sociedade, mesmo com educação prática e emocional
horrível. A escola pública é apenas um depósito de jovens para servir de
liberação aos pais que precisam trabalhar. É claro também que se trata de uma
forma de adestramento juvenil. Dito isso, continua verdade que os professores
são precarizados, mas também é fato que eles formam um estilo de aula
desatualizada, um interesse reacionário de corporação (a autoeducação via
internet tem valor relativo). A informática permite a elevação cultural maior e
mais veloz, porém depende em boa medida, por enquanto, da paixão e do tempo do
indivíduo. A forma de produzir impõe uma forma de educar. Aliás, a indústria do
Brasil não exige muito trabalho especializado – logo a educação não é de alta
qualidade. Tão simples quanto isso. No socialismo, a educação terá função
humanitária, por isso, a produção será, ao contrário, subordinada à elevação
cultural do povo. Devemos voltar a ter vergonha de sermos incultos e admirar os
de maneira intelectual. Isso inclui uma educação senível, artística, estética –
não apenas racionalista. É um direito e um dever aprender a apreciar Vivald. Se
pessoas seguem pseudociência, há que saber a necessidade de isso fazerem. O
irracionalismo deve ser combatido, mas também compreendido – vencemos se
cortamos sua raiz material, não apenas ideal. Vencemos na ideia se vencemos na
matéria. Nas eleições de americanas, 2023, todos os candidatos republicanos dos
EUA foram contra a tese do aquecimento global… Já quanto ao modelo de ensino e
o modelo de ciência, não cabe aqui focar em tais aspectos. Qualquer modelo
profundo é infinitamente melhor do que ensino algum ou mesmo raso. Nível
cultural é, incluso, tempo livre real: quando o operário letrado sentir tédio –
encontrará o livro.
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