domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 32 - SOBRE A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO

 

SOBRE A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO

 

A crítica à educação hoje é, via de regra, negativa, apenas importante crítica. A falta de propostas positivas têm razão de ser: nada importante pode ser feito sem muitos recursos. O atual modelo de escola é condizente com sua verba. Mesmo assim, faz-se necessário propor ao menos algo de transição.

O pensamento pós-moderno vê apenas o lado negativo da escola, como prisão juvenil. Mas é um espaço de ciência e filosofia, de aprendizado subjetivo, de encontro com os demais. De modo algum, uma educação em casa ou virtual substitui o encontro, a necessária vida coletiva.

Por outro lado, exemplos pedagógicos vêm de professores, mas deve-se levar em conta que suas “pedagogias” são próprias de suas personalidades, seus perfis subjetivos deslumbrantes. Logo, não servem de exemplo imediato.

Na pedagogia, o gênio Piaget erra ao, na prática, culpar a criança, e livrar o educador, ao dizer que, se o aluno não aprende, é porque ainda não está em certa etapa… Ora, a evolução é um ato de força, um esforço ou tentativa – não apenas um fluir de água, dirá Vygotsky.

Como vimos, o desenvolvimento das forças produtivas empurram para a tendência de mudança do resto do tecido social, como a educação. Tecnologias como realidade aumentada serão parte do revolucionamento educacional ao permitir ao aluno “ver” o funcionamento das partes de uma célula diante de si, os planetas e a galáxia etc. Mas, sob o capitalismo, o desenvolvimento tecnológico tem diminuído a demanda por trabalho qualificado. A mesma base que permitirá alta educação a deteriora segundo a exigência do capital.

Feitas tais observações, vejamos nossas propostas.

 

LIVRO DE MATEMÁTICA E AFINS

Para facilitar o aprendizado e a memorização, tais medidas devem ser feitas nos livros:

 

1.  Contar a história ou alguma anedota sobre aquele assunto;

2.  Dizer sobre grandes aplicações práticas;

3.  Derivar ou provar aquela equação etc.;

4.  Revisar assunto anterior necessário;

5.  Ir do concreto ao conceito abstrato;

6.  Dar exemplos de aplicação, do simples ao complexo;

 

Até o ponto 4, deve ser a parte que o aluno pode “pular quando bem quiser” caso tenha pressa.

 

7.  Os capítulos devem ser curtíssimos;

8.  As questões e práticas devem ir do simples ao complexo, do concreto ao abstrato;

9.  A diagramação deve ser espaçosa e agradável;

10. O livro deve ser o máximo completo, sem precisar da ajuda do professor ou da internet.

 

Além disso, equações etc. devem ser apresentadas dentro de imagens fortes, criativas, de todo inusitadas o que facilita a mente tirar uma “foto”, memorizar. Macetes criativos e atalhos devem ser ensinados, além do uso de recursos artísticos e literários como o humor.

No Brasil, as obras que mais se aproximam de um projeto tão simples é a coleção “Conecte”, da Saraiva, com uso mais comum na classe média alta.

Deve-se acrescentar que o Estado deve oferecer manuais e vídeos que ensinem a estudar e a memorizar, com as técnicas disponíveis na psicologia moderna.

 

ENSINO MÉDIO

No ensino intermediário, o aluno deve ter acesso a todas as matérias, mas deverá escolher qual bloco, entre humanidades e ciências naturais, terá por média a nota 5 e qual a nota 7, entre 0 (zero) e 10.

 

FILOSOFIA

Deve-se dividir o ano desta matéria em duas partes por semestre: na primeira, história geral dos pensadores; na segunda, a história dos conceitos e ideias – conceito de espaço na história, concepções de moral, como os pensadores trataram a questão do um e muitos etc. Ademais, os diferentes métodos científicos devem ser explicados.

 

PROVAS

As provas devem ter uma questão de opinião ou redação do aluno sobre algum tema. O central é ele, desde a primeira aula do mês, ser levado a pensar sobre algum tema para escrever sua hipótese sobre na prova, valendo ponto extra.

Os cálculos não devem ser exatamente decorados. A folha da prova deve dispor todas as equações necessárias ao aluno, como na vida real – o que interessa é aplicar. No ensino médio, o uso da calculadora também deve ser permitido. As questões da prova, e do livro, de modo algum devem ser uma verdadeira charada; devem ser claras e simples, mas pode haver uma questão extra especial de alto valor.

Uma resposta bem desenvolvida, mas errada pode ganhar ponto – não se pode condenar um erro de sinal no fim, por exemplo. Mais: a prova pode ter20 questões claras para o aluno escolher 10 às quais irá se dedicar, escolher.

Como os alunos são diferentes, deve-se formar turmas apenas com os que aprendem rápido, outras com os que aprendem devagar etc. Isso ajuda (personaliza a aula etc.), apesar do desprezo inicial de pedagogos. Somos diversos e diferentes. Mas a questão deste parágrafo é reforçar que, se são diferentes os grupos e perfis, um aluno pode passar de ano em humanas e biológicas, porém reprovar o mesmo ano em exatas – é desnecessário ele repetir todas as matérias por um ano porque foi ruim apenas em matemática. E é errado, dado que exatas é etapa a etapa (tijolo após tijolo), evançar de modo forçado em matérias numéricas.

Vale um relato pessoal. Minha professora de reforço fazia o seguinte: 1) eu deveria ler para ela um parágrafo do capítulo; 2) deveria resumi-lo em voz; 3) deveria dar minha opinião sobre. Isso foi de máxima positividade para minha formação.

 

TRABALHO EM GRUPO

Lenin pensou um comitê central que delega missões para a célula cujo grupo divide tarefas. Depois, Vygotsky inpirou-se nesse modelo. Em seguida, a pedagogia dita moderna faz a arte dos trabalhos em grupo: o professor (comitê central) delega material ao grupo (célula), que debate e apresenta uma aula; mas isso quase sempre dá errado com o aluno a estudar apenas sua perte desconexa e sem debate prévio. O correto será, então, cada aula dar uma aula inteira, complementada ao final pelo professor antes preguiçoso e inculto.

 

CONCRETUDE

Entra a questão da verba, mais uma vez e sempre. Para o alunado jovem abstrair, precisa, antes, concretar – tocar objetos, lidar com a contangem prática, criar etc. Daí os laboratórios de química para experimentos, projetos práticos de construção de máquinas etc. Ir do concreto ao abstrato, pois o abstrato é o concreto em processo. Deve-se iniciar sempre pela concretude, ou ir até ele em seguida para ajudar a mente do estudante de modo que o distante soe familiar.

 

MÚSICA

Há um conto de Machado de Assis sobre um maestro que passou a vida inteira apenas lendo partitura e reproduzindo os clássicos; quando decide escrever algo próprio, é incapaz. Às vezes, passamos 15 anos decorando, memorizando, absorvendo e, de repente, no doutorado, somos obrigados e incapazes de criar algo de fato novo. A música ajuda a resolver isso. Aos 12 anos, um aluno pode aprender música num instrumento, primeiro reproduzindo; mas, ao aprender as primeiras escalas musicais, pode ser imediatamente incentivado a improvisar solos. Esse é o eixo: ensinar, após certa absorção, a improvisar, solar, até mesmo de modo subconsciente. O cérebro, assim, aprende a ser criativo, a associar, nesta e noutras áreas.

 

CURSO DE FOLOSOFIA

O curso de filosofia deve ter duas etapas. Primeira, história da filosofia, de grupo de pensadores a outros, de um filósofo a outro; segunda, focado em ciência moderna para produzir hipóteses e novas conclusões.

 

HISTÓRIA

No ensino fundamental e médio, a visão marxista da história é a necessária ao alunado. Isso pode soar ideológico, mas é a ciência mais profunda de fato. O livro de história pode, por outro lado, apresentar as diferentes contribuições de outras escolas teóricas, uma ao lado da outra. Ouvi de um professor que ensina para alunos ricos de minha cidade: “Eles preferem a história marxista porque é cinematográfica; brinco com um colega que estamos ensinando nossos inimigos de classe.”

 

PRODUÇÃO DE ARTIGOS

É notório que há uma fábrica quase inútil de artigos no meio acadêmico. Para preservar a qualidade, a medição deve pôr uma quantidade máxima limitada de artigos e papers que valem ponto num ano. Além disso, livros individuais devem valer mais, além da divulgação científica.

 

LÍNGUAS

Quase todos os alunos jovens sonham aprender inglês, mas não aprendem na sala de aula. Há algo errado, portanto. Minha proposta é a de imersão completa por 3 semanas ou 1 mês, no ano, estudando apenas inglês ou outra língua nesse período. Nos EUA, há uma escola em que o aluno vai para um retiro de férias onde tem contato apenas com a língua estrangeira, com todos os objetos com o “nome” deles colado, com livros e filmes naquela língua, com pessoas para conversar etc. Isso deve ser feito em escala maior. Para economizar custos, o Estado pode colocar algumas escolas nas 3 primeiras semanas de aula; outros nas 3 seguintes etc.

Além disso, o professor, se ainda mantemos alguma aula convencional, deve usar palavras opostas no ensino. Tal oposição gera gatilho para aprendizado.

O Estado deve comprar certas séries, dos mais variados estilos, de episódios curtos, com um programa que permita o aluno ver uma cena em português, depois em inglês etc. A repetição importa.

 

OUTRAS MATÉRIAS

No quarto ano do ensino fundamental, todo aluno deve ter três cursos: 1) música, rumo ao improviso; 2) arte marcial; 3) no final de semana, escoterismo. Nos anos seguintes, pode escolher focar em um ou outro.

 

BIOLOGIA

O Estado deve aproveitar que a tecnologia computacional está avançadíssima para criar uma série completa, longa, repetitiva e “devagar” sobre todos os assuntos dos livros didáticos. Por exemplo, cada processo celular invisível deve ter um vídeo com grande qualidade de efeitos especiais para demonstrar, repetida e agradavelmente, o processo.

 

RENDIMENTO DO ALUNO

Assim que um aluno, desde a alfabetização, demonstra dificuldade, notas baixas, logo ele deve ser encaminhado para um reforço extra com outro professor. Isso promoveu uma revolução educacional no pobre Ceará, que tem 87 das 100 melhores escolas do país, além das 10 melhores. Nem reprovar, que afasta o aluno, nem passar de ano em modo forçado, alimentando seu atraso.

 

INTERNET

A internet e o celular são base para a revolução educacional. Em salas de aula, os professores perdem a maior parte do tempo escrevendo no quadro, depois os alunos tiram foto daquilo escrito… O livro e a internet devem ser suficientes, com cada aluno pesquisando por si o que o professor apenas apresenta. Reforçamos: em pelo menos metade das matérias, o aluno poderá faltar às aulas para estudar por si numa biblioteca da escola com internet boa e aparelhos, para estudo isolado; além disso, poderá dedicar-se ao lazer e ao esporte no espaço interno da escola caso queira estudar em outro momento. Alguns alunos aprendem melhor sozinhos, outros, com aula etc.

Assim, deve ser direito todo aluno ter um bom celular e internet permanente.

Vale notar que há uma arte oportunista dos professores, a arte de enrolar. Aquilo que poderia ser oferecido em 1 ou 2 aulas é esticado para durar 1 mês inteiro.

Como o aparelho psíquico do alunado ainda está em formação, apenas em casos raros há carinho por aprender. Por isso, deve haver alguma autoridade professoral, e estímulos ao aprendizado, por prazer e recompensa ou dever.

 

SALÁRIO

Os alunos devem receber salário, que cresce com o avanço das séries. Além disso, uma parte da renda recebida varia segundo as notas, segundo o rendimento em prova. Veja bem; ao cérebro do adolescente ainda falta maior senso de responsabilidade e é impulsivo, logo deve ser em parte guiado, incentivado. Além disso, bons resultados devem gerar salários maiores a professores e funcionários.

 

AULA

A aula deve começar 8 horas da manhã, não 7 ou 6. Além disso, nenhuma tarefa deve ir para casa, tudo deve ser resolvido no espaço escolar.

Mais uma vez, o aluno tem direito a não marcar presença em metade das matérias, mas deve fazer prova como os demais, com nota mínima 7. Para isso, a escola deve oferecer bibliotecas para estudar, internet ou distrações como esportes etc. Ou seja, o aluno pode faltar em tais matérias, mas deve, de qualquer modo, oferecer bom resultado final. Uma nota mínima, 7 ou 8, deve ser condição para liberar-se da presença em aula.

 

FARDAMENTO

O fardamento não deve ser obrigatório, apenas opção, para estimular a diferença, incluso de perfil mental. Além disso, as fardas devem respeitar a moda e o clima.

 

FORMAÇÃO DO PROFESSOR

A formação do professor, em principal nas exatas, deve ter três perfis: 1) licenciatura superior; 2) bacharelado; 3) licenciatura de base. Um curso de matemática voltado a formar professores de ensino médio e fundamental deve ensinar algo de matemática avançada, cálculo etc., mas deve focar na didática, na oratória, no reforço do aprendido antes, na história de tal ciência etc.

Todo professor deve ter aulas para aprender a melhor discursar, oratória.

 

ENSINO SUPERIOR

Todas as matérias de um semestre do curso deve ter um tema base, mas também um livro de base, cuja leitura é obrigatória. Os alunos do ensino superior hoje terminam o curso sem ter lido sequer um livro inteiro, apenas introduções ou pedaços de algumas obras. Isso deve mudar. Ler em sala e individualmente devem ser o foco máximo. Mil vezes melhor um único livro lido com atenção a 200 trechos de 200 autores.

Ademais, todo professor capaz de dar grandes aulas deve ser pago para disponibilizar cursos gratuitos completos na internet. Toda cultura erudita humana deve estar disponível de graça na web em português.

 

SOBRE FILHOS

Em complemento, temos tais indicações para a educação familiar:

 

1.      Dar opções ao filho. Por exemplo: se sairão juntos, pedir para que o filho escolha entre três roupas, entre três sobremesas etc.;

2.      Sempre explicar o motivo de uma ordem;

3.      Ouvi-lo sinceramente e de fato, mas, nas questões centrais, os pais decidem;

4.      Elogiar mais o esforço do que o resultado;

5.      Não contrariar ordem de outro, exceção de situações de debate;

6.      Não bater, exceção de casos raros, mas punir com cortes de afazeres (não deixar sair, sem internet etc.) ou novas obrigações;

7.      Desde cedo oferecer brinquedos desafiadores, mesmo que impróprios um tanto para a idade;

8.      Dar tarefas domésticas, maiores ou menores segundo a idade;

9.      Ensinar coisas práticas da vida: como retirar dinheiro em banco, como andar no centro, como pedir para descer do ônibus etc.

10.  Estimular a brincadeira e convívio com outras crianças, evitar o isolamento típico de nossa época;

11.  Testar desde cedo quais os talentos ou vocações da criança, sem preconceitos ou ambições, e “especializá-lo” desde já, incentivando enquanto o interessar, sem forçá-lo – uma habilidade desenvolvida desde a infância gerará um ótimo trabalhador, ou alguém saudável com seus hobbies particulares;

12.  Respeitar a moda juvenil, mesmo com alguns limites relativos;

13.  Nunca humilhar em público;

14.  Dar direito à intimidade, à vida própria, ao filho – comum os pais sentiram-se donos das crias;

15.  Falar sobre sexo com naturalidade, disponibilizar preservativos e espaço privado para vida sexual – isso dificulta muito a gravidez;

16.  Punir egoísmo, mas premiar autorrespeito, a defesa das próprias vontades.

 

No fim, não há manuais que garantam o destino da prole.

 

A NOVA GERAÇÃO

Refletir em filosofia sobre os mais jovens têm vários problemas associados. Primeiro, pode-se ter uma concepção saudosistas e criticista exagerada entre os mais velhos, que romantizam o próprio passado. Segundo, oposto, pode-se pensar que se trata apenas de geração diferente, como se a degeneração geracional não fosse uma possibilidade. Há ainda a armadilha do caminho do meio; vejamos um exemplo lógico: a impulsividade (mesmo) de alguém, a caraterística de fundo, produz em certas situações qualidades, como criatividade grande, mas também defeitos, como a falta de noção social; a característica, a mesmidade ou base, externaliza-se como defeitos aqui e qualidades ali. Pois bem; a nova geração teria, assim, igualmente, qualidades e defeitos próprios?

Participo de um grupo de escritores; nele, com frequência, os mais jovens perguntam "isso pode?", ou "isso é certo?". Eles querem agradar, não ser rejeitados. Penso que há duas razões centrais para: 1) uma criação mais isolada, menos vida social, o que reduz o colchão psíquico; 2) a internet pede que sejamos desejados e vistos, contra o ridículo e a ridicularização pública (certo controle social abstrato retorna com a internet – em sistemas de punição e recompensa, reforço e desestímulo). Aonde há rebeldia? Aonde há originalidade? Isso é perigoso, muito. Ser “alternativo” agora é comprar roupas “alternativas” da moda… Bolos de aniversário falsos na festa e teatros de subversão.

A nova geração, desde muito cedo, movimenta-se menos, socializa-se menos – eis a fragilização, o atraso do desenvolvimento em todas as esferas psíquicas. Se somos, por exemplo, rejeitados, mas temos uma fonte segura de amizade e amor, somos muito menos afetados pela ação alheia. Para comparação, veja-se que um militante de classe média, mais isolado em geral, cede com mais facilidade a pressões hostis, pendendo ao centrismo, em relação a militantes operários, mais “duros”, mais tolerantes aos isolamentos.

A crise geral da psique, parece, cobrará seu preço sobre a nova geração. Por evidente, há qualidade maiores como a maior capacidade de aprender com a internet. Mas o que melhora a sociedade e o indivíduo, o que determina o peso do positivo e do negativo, é sua capacidade de subversão, o novo.

Humberto Gessinger, Engenheiros do Hawaii, pensa na música Pose sobre:

 

Vamos passear depois do tiroteio

Vamos dançar num cemitério de automóveis

Colher as flores que nascerem no asfalto

Vamos todo mundo

Tudo que se possa imaginar

 

(…)

Vamos ficar acima, velejar no mar de lama

Se faltar o vento, a gente inventa

Vamos esquecer o dia da semana

Tem que ser agora, anos 90

 

Vamos remar contra a corrente

Desafinar do coro dos contentes

 

E completa:

 

Tô fora voodoo, ranço, baixo astral

Eu não vou perder meu tempo brincando de ser mal

Não vou viver pra sempre nem morrer a toda hora

Como rasgos pré-fabricados num novo velho blue jeans

 

Há várias manifestações de adestramento, incluso disfarçados de rebeldia. Sabemos que, há poucos anos, os pais brigavam para os filhos entrarem casa; hoje, brigam porque não saem.

 

AS LIÇÕES

Os marxistas e os dialéticos evitam a filosofia do comportamento, dos estoicos etc. Mas seus raciocínios gerais podem ser muito úteis diante do sofrimento humano, ainda que este apenas possa ser muito reduzido numa sociedade socialista. Apenas Trotsky, em Questões do modo de vida, e Valério Arcary, em Ninguém disse que seria fácil, ensaiaram entrar em tais temas. Como este livro pretende tanto explicar o real quanto oferecer algo para a prática, derivamos as seguintes conclusões:

 

1)                 O excesso constante de prazer não leva à felicidade, mas ao esgotamento. Felicidade tem substância e conteúdo, quase medida.

2)                 Se a sociedade está em situação difícil, mas difícil será o indivíduo obter vitórias individuais ou felicidades.

3)                 Na vida pessoal e no curto e médio prazo, às vezes, não há saída ou alternativa, embora não tanto demore uma solução na maioria dos casos. Inexiste situação totalmente sem saída, mas pequeníssimas alternativas em probabilidade difícil e raramente se realizam.

4)                 O processo importa, mas vitórias importam ainda mais.

5)                 O grande esforço é condição da vitória, mas não suficiente nem garantia certa.

6)                 Sofrer é o privilégio de viver, mas para evitar aquele desde o prazer e a felicidade.

7)                 O trabalho não dignifica o homem, exceção quando obrigamos a sociedade a permitir com que a necessidade natural do trabalho seja cumprida de maneira respeitosa.

8)                 Vitórias pessoais são obras coletivas e mais ou menos democráticas.

9)                 O inferno é a falta do outro.

10)             Perceber a causa, o motivo, a razão, a utilidade e a finalidade possível de um projeto ou trabalho produz prazer e impulso, talvez felicidade.

11)             Precisamos dos opostos, lazer e atividade, dormir bem e acordar bem, amor e raiva, medo e coragem, e assim por diante, e assim por diante. Sem excesso de um contra o outro, sem unilateralidade. Às vezes, um tornando-se o seu inverso.

12)             Desistir pode ser uma opção, em principal e muitas vezes apenas no limite, pois o acerto também é feito de falhas no caminho ou ao lado.

13)             A perfeição de personalidade ou de vida é uma utopia irrealizável. Vida é conflito, contradição.

14)             Os defeitos não devem ser reprimidos, produzindo novas doenças aparentemente sem causa, mas redirecionados para algo positivo, produtivo, saudável e útil.

15)             Exceto causas orgânicas, inexiste preguiça dominante mas não uso de talentos e possibilidades, pelo individuo ou pela sociedade.

16)             Não há qualquer fórmula que garanta permanência de relações sociais e pessoais – só a mudança é permanente.

17)             Nem sempre felicidade é abrir os olhos, mas é necessário.

18)             Apenas na impossibilidade de uma vida feliz, deve-se pensar a possibilidade de uma vida que valha a pena, contanto não fira a essência humana natural.

19)             A popularidade dos livros de autoajuda é fruto da semialfabetização popular mais a infelicidade constante, mais a felicidade como quase tocável pelo alto desenvolvimento do mundo social e das coisas.

20)             Nem sempre se colhe o que planta, nem sempre se planta o que colhe.

21)             Má condição não é sempre punição de um erro ou punição justa.

22)             Entre as piores sensações é sofrer, mas não saber a causa de seu sofrimento. Daí a necessidade, por exemplo, da cultura. Daí que se procura soluções erradas como excesso de acúmulo de coisas.

23)             O corpo não é a negação da alma, mas sua afirmação. Corpo são para ter mente sã. materialismo também é cuidar do corpo, de si.

24)             A principal tarefa do Marxismo é a felicidade humana, tanto quanto possível e responsável.

25)             Agir por uma causa maior é tanto compensador quanto correto e necessário.

26)             Como na guerra, a máxima ousadia pode ser o mais racional.

27)             Exato o medo de algo produz o algo, o medo da rejeição produz rejeição.

28)             Às vezes, é preciso recuar antes de avançar com dignidade.

29)             Às vezes, é preciso adiar para ter algo melhor no futuro.

30)             Nem toda proposta boa em si é boa de fato quando considerado todo o contexto.

31)             Uma derrota aparente pode esconder uma vitória essencial. Uma vitória aparente pode ser, na verdade, uma derrota oculta. O azar pode ser sorte, a sorte pode ser azar.

32)             Planejar, nunca nos mínimos detalhes, é preciso – até para alcançar bons resultados diferentes do esperado.

33)             É necessário teimosia e insistência de médio ou longo prazo.

34)             O correto nem sempre recompensa.

35)             Quase nada é certo ou errado em si, pois depende do contexto.

36)             Nos planos, o mais importante é fixa-se no “o que” deseja realizar, pois tal “o que” pode acontecer de muitos modos, “como” e formas diferentes; portanto, deve-se ter mente aberta aos modos de realização, os “comos”.

37)             O homem é ainda um animal, logo é negativo para o homem urbano afastar-se em demasia da natureza, ainda que ela possa envolver algum risco.

38)             Se teu trabalho é intelectual, dedique um momento regular para ato manual; se, ao contrário, teu trabalho é manual, dedique um momento regular para ação intelectual; além disso, tenha um momento do dia ou da semana para nada fazer, para o pensamento fluir solto ou planejar e refletir; ser unilateral produz problemas físicos e mentais.

39)             Sempre consulte outros antes de tomar uma importante decisão.

40)             Os fins justificam os meios, mas, ao mesmo tempo, os meios devem justificar os fins.

 

Uma obra sobre moral ou ética marxista terá de adentrar em tal tema, incluso formulando sobre, mantendo a noção de totalidade e tempo histórico.

Certo ensinamento geral nem sempre é útil ao comportamento cotidiano, e vice-versa. É fato que podemos dividir os homens em ativos e reativos, mas ocorre de modo diferente, inverso, na amplidão das classes sociais. A classe operária é ativa e anda em bando; no nível pessoal, são os reativos que andam em grupo. A burguesia é reativa, mas mais individual.

 

EDUCAÇÃO E SISTEMA

Para agradar aos marxistas, tomemos algumas notas. O desenvolver universal da humanidade exije cada vez mais ciência, arte e nível cultural. O comércio, e tanto mais o comércio capitalista, exige elevação cultural mínima das massas: o cidadão precisa saber comprar e vender, ler manuais no trabalho e liderar o caixa de um supermercado… Mas para, em geral, aí. O capital hoje faz dois movimentos, mais do que no passado: 1) tenta destruir, por simplificação e robotização, o trabalho especializado, que exige mais educação e maiores salários; 2) aumenta o número de especializados de modo artificial, bem ou mal formados, para forçar queda dos salários. Além disso, as novas tecnologias têm emburrrecido a maioria, movimenta-se menos etc., por isso o QI começou a cair. O futuro verá como sinal do bizarro fim do sistema o fato de estudantes com doutorado esconderem sua formação real no currículo porque precisam de empregos, mesmo se precários – mais formação exposta, menos trabalho. O capitalismo, contra a revolução, produziu a ideologia ilusória de que a educação muda o indivíduo e, por isso, o mundo; que ele terá paz e prosperidade assim. Ora, isso se prova falso hoje, na decadência. Temos gente com alta ou maior fomação, e vida precária – algo explosivo. Grosso modo, sistemas mais vançados são mais complexos, logo, exigem mais formação; no entanto, o capital entra, mais uma vez, em contradição consigo ao limitar a quantidade de homens e mulheres altamente capazes. No Brasil, temos uma demanda anormal por programadores, mas pouquíssimos têm habilidades para tal tarefa. Com a mercantilização da educação, o ensino perde qualidade; torna-se ténico, formal, manualítico, praticista, burocrático etc. Claro que os ricos terão sempre melhor formação em tal sociedade, mesmo com educação prática e emocional horrível. A escola pública é apenas um depósito de jovens para servir de liberação aos pais que precisam trabalhar. É claro também que se trata de uma forma de adestramento juvenil. Dito isso, continua verdade que os professores são precarizados, mas também é fato que eles formam um estilo de aula desatualizada, um interesse reacionário de corporação (a autoeducação via internet tem valor relativo). A informática permite a elevação cultural maior e mais veloz, porém depende em boa medida, por enquanto, da paixão e do tempo do indivíduo. A forma de produzir impõe uma forma de educar. Aliás, a indústria do Brasil não exige muito trabalho especializado – logo a educação não é de alta qualidade. Tão simples quanto isso. No socialismo, a educação terá função humanitária, por isso, a produção será, ao contrário, subordinada à elevação cultural do povo. Devemos voltar a ter vergonha de sermos incultos e admirar os de maneira intelectual. Isso inclui uma educação senível, artística, estética – não apenas racionalista. É um direito e um dever aprender a apreciar Vivald. Se pessoas seguem pseudociência, há que saber a necessidade de isso fazerem. O irracionalismo deve ser combatido, mas também compreendido – vencemos se cortamos sua raiz material, não apenas ideal. Vencemos na ideia se vencemos na matéria. Nas eleições de americanas, 2023, todos os candidatos republicanos dos EUA foram contra a tese do aquecimento global… Já quanto ao modelo de ensino e o modelo de ciência, não cabe aqui focar em tais aspectos. Qualquer modelo profundo é infinitamente melhor do que ensino algum ou mesmo raso. Nível cultural é, incluso, tempo livre real: quando o operário letrado sentir tédio – encontrará o livro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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