domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 10 - A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS “SOCIALISTAS”

 

A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS “SOCIALISTAS”

“Estamos no socialismo, mas os dirigentes já estão no comunismo.”

Ditado popular soviético.

“Contudo é preciso lembrar que uma economia planejada ainda não é socialismo. Uma economia planejada pode ser acompanhada por uma escravização completa do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis: como é possível, em face da centralização abrangente do poder político e econômico, impedir que a burocracia se torne todo-poderosa e prepotente? Como se podem proteger os direitos do indivíduo e garantir com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”

(Einstein A. , 2007)

“A atual geração do povo soviético viverá sob o comunismo [na década de 1980].”

Nikita Khrushchov, em 1962.

“Nada pior pode ocorrer ao chefe de um partido radical que se viu obrigado a tomar o poder em uma época em que o movimento não está ainda maduro para a classe que representa e para a execução das medidas que exigem o domínio dessa classe (...) O que pode fazer está em contradição com toda a sua atuação anterior, os princípios e os interesses imediatos do seu partido; o que deveria fazer não poderia ser colocado na prática. Em uma palavra, é obrigado a representar não o seu partido e a sua classe, mas a classe para a qual o domínio do movimento se encontra maduro. “

                                                                                                                     Friedrich Engels

 

A luta pelo socialismo marcou o século XX. Polêmicas, lutas sociais, revoluções e contrarrevoluções, II Grande Guerra, guerra fria, etc. comunicam-se todos com o fato de um terço da humanidade ter vivido sob “regimes não capitalistas”. Após a queda do estalinismo, do muro de Berlim e da planificação burocrática, podemo-nos perguntar: qual era, afinal, o caráter daquelas sociedades?

Para iniciar o leitor ao argumento, comecemos com um trecho de A Revolução Traída de Trotsky, que nos servirá de pista. Na obra, encontramos uma profunda análise da URSS e uma caracterização marxista dessa sociedade. Vejamos:

 

Lenin […] acrescenta: ‘o direito burguês, em matéria de repartição dos artigos de consumo, supõe naturalmente o Estado Burguês, pois o direito não é nada sem um aparelho de coação que impõe suas normas. Surge-nos assim o direito burguês a subsistir durante um certo tempo no seio do comunismo, e até mesmo o Estado burguês a subsistir sem burguesia!’

Esta significativa conclusão, absolutamente ignorada pelos teóricos oficiais de hoje, tem uma importância decisiva para a inteligência da natureza do Estado soviético de hoje ou, mais exatamente, para uma primeira aproximação nesse sentido. O Estado que toma por tarefa a transformação socialista da sociedade, sendo obrigado a defender pela coação a desigualdade, isto é, os privilégios da minoria, torna-se, em certa medida, um Estado “burguês”, embora sem burguesia. Estas palavras não implicam louvor nem censura, chamam simplesmente as coisas pelo seu nome.

As normas de repartição, quando incitam o crescimento da força material, podem servir a fins socialistas. Mas o Estado adquire imediatamente um duplo caráter: socialista, na medida em que defende a propriedade coletiva dos meios de produção; burguês, na medida em que a repartição de bens tem lugar segundo padrões de valor capitalistas, com todas as consequências que decorrem desse fato. [...]

A fisionomia definitiva do Estado operário deve definir-se pela modificação da relação entre as suas tendências burguesas e socialistas. A vitória das últimas deve significar a supressão irrevogável da polícia, o que significa a reabsorção do Estado em uma sociedade que se administra a si própria. Isto basta para fazer ressaltar a enorme importância do problema da burocracia soviética, fato e sintoma. (Trotsky, A revolução traída, 1980, p. 41, grifos nossos)

 

O marxismo cindiu-se em duas posições opostas sobre os assim nomeados Estados Operários. Uma posição reitera o caráter socialista de suas revoluções, ainda que o regime político fosse criticado com dureza, por exemplo, pelos trotskistas; a outra vertente considera que havia capitalismo de Estado, domínio do valor (Kurz, O colapso da modernização, 1992) ou a “destruição do capitalismo, mas não do capital” (Mészáros, Para além do capital, 2011).

A posição destinada a este capítulo chama-os dupla revolução e, também por isso, duplo caráter de Estado. Trotsky demonstrou que, na era imperialista, a revolução democrático-burguesa era viável apenas por meio de uma revolução socialista, uma revolução em permanência. Assim, as tarefas da revolução capitalista – industrialização, unidade nacional, educação universal, reforma agrária, etc. – são cumpridas pelo Estado Operário. Daí que os trotskistas tenham considerado o lado burguês de tais revoluções apenas na medida em que é superado pela revolução social, portanto deixam de considerar um dos lados daqueles processos.[1]

A formação de um amálgama entre diferentes tipos de sociedades é algo reconhecível na história. A colonização europeia nas Américas fundaram produções destinadas ao mercado mundial, capitalista, porém, por suas condições, adotaram relações de produção escravistas e, ao mesmo tempo, mas e mais, superestrutura feudal (instituições, cultura, etc.) com influências culturais de diferentes épocas (feudalistas, primitivas indígenas e africanas e valores capitalistas nascentes)[2]. A combinação interna, oculta e inconsciente das duas sociedades, capitalismo e socialismo, é a nossa conclusão de amálgama histórico.

Na medida em que as forças produtivas em desenvolvimento nos países revolucionados eram baseadas no trabalho manual, isto é, na produção pertencente à fase histórica do capital, o caráter duplo dessas sociedades se formava. De um lado, foi necessário dois passos à frente para dar outro atrás, foi necessário um salto histórico, quer seja, adotar a economia planejada, ainda que de modo burocrático, a grande propriedade estatal e o controle do comércio exterior. De outro, a técnica na produção ainda não era a socialista, baseada na III revolução industrial, na microeletrônica e na informática. Na citação acima, Trotsky tratava do uso, mesmo que parcial, do dinheiro e do comércio; porém o decisivo do destino da sociedade está na produção, que ainda se baseava no trabalho abstrato, quer seja, à etapa do capital[3]. Para clarear, vejamos que, ao lado da produção com maquinaria, o setor produtivo na URSS tinha de lidar, por exemplo, com o taylorismo, ou seja, com a produção cooperada pré-I revolução industrial.

Trotsky deixou de levar sua observação até as últimas consequências. Em geral, recuou para a avaliação de apenas o conceito Estado operário burocratizado. Também perdeu a oportunidade de ver o caráter duplo da URSS ao teorizar que a revolução burguesa tenderia a se tornar socialista. Esse limite teórico é um dos pontos que pretendemos resolver neste capítulo. O conhecimento da verdade é aproximativo, por aproximações sucessivas, por isso reconhecemos o legado de Leon Trotsky como, por muito tempo, a mais avançada teoria, impedida de ir ainda mais longe por limites históricos, que precisa hoje ser revista e atualizada[4].

 

RESTAURAÇÃO E BUROCRACIA

Em outro capítulo observamos a importância da automação-robótica para a economia socialista. A restauração do capitalismo veio exato quando chegou a hora de os países revolucionados implementarem uma infraestrutura avançada, útil e sua por natureza. Se a burocracia estatal implementasse tal revolução industrial, destruiria as bases de sua própria dominação, de sua razão de ser. Tal atitude, se houvesse, mudaria todo o tecido social e a superestrutura: a casta governante não duraria mais um dia porque seria dispensável. A dificuldade de, diferente dos EUA, transferir as conquistar técnicas do aparato militar-espacial para a produção revela-se muito mais que um erro tático, define-se como limitação objetiva da casta burocrática. Por temor do tempo livre para todos, da abundância geral, da facilidade de planejamento econômico e do consequente impulso à revolução mundial, boicotaram a “reforma revolucionária” em nome de um prazer humano anormal e pouco acessível. Em síntese: as forças produtivas, a partir de certo ponto, poderiam desenvolver-se por apenas dois caminhos, ou socialismo e democracia socialista ou capital.

Em entrevista, Guennádi Krasnikov, presidente do conselho de diretores da Mikron, empresa russa líder na produção de semicondutores, e integrante da Academia de Ciências da Rússia, descreve a limitação técnica da extinta URSS:

 

Revista Itogi: O senhor acha que a microeletrônica soviética era mesma tão pobre e digna de ser objeto de piadas?

Guennádi Krasnikov: Claro que não. Na União Soviética, a microeletrônica era nosso orgulho e símbolo da nossa liderança no mundo. Naquela época, estávamos no grupo dos três líderes mundiais em microeletrônica, que incluía os EUA e o Japão, e mantínhamos a frente incondicional em todos os indicadores, desde volume de produção e nível tecnológico até a política do governo para o setor.”

R.I.: Os soviéticos não estavam cientes disso?

G.K: Cerca de 99% dos produtos da microeletrônica soviética eram destinados à indústria bélica, enquanto 0,5% era voltado para a fabricação de eletrodomésticos. Portanto, as pessoas comuns só podiam julgar o desenvolvimento da indústria eletrônica nacional pela presença de equipamentos eletrônicos no mercado de bens de consumo. Como essa não era uma prioridade das empresas, os eletrodomésticos de qualidade escasseavam no mercado interno. Cada empresa de microeletrônica tinha a obrigação de ter em sua gama de produtos um determinado percentual de artigos como relógios, calculadoras, brinquedos etc.

Mas como os esses produtos não estavam entre as prioridades, seu desgin e qualidade deixavam a desejar. Essa atitude dificilmente pode ser considerada correta, mas tem uma explicação.

R.I.: Muitas empresas de microeletrônica soviéticas sobreviveram?

G.K.: De jeito nenhum! A URSS tinha uma indústria microeletrônica  desenvolvida, que empregava mais de um milhão de trabalhadores e englobava uma infraestrutura colossal. Apenas algumas delas sobreviveram. E o processo de extinção não terminou: muitas das sobreviventes se mantém vivas, mas não se modernizaram. (Pokataeva, 2012, grifo nosso)

 

Percebemos uma limitação ao desenvolvimento das forças produtivas e dos produtos.

Em outro capítulo, caracterizamos políticos, administradores de empresas e cargos afins burocracia burguesa. Os burocratas “vermelhos” revelavam em si seu duplo caráter na medida em que impediam a existência da democracia operária e o avanço das forças produtivas socialistas por excelência. Havia, portanto, contradição entre a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção e superestruturais.

Vejamos outro exemplo, a internet:

 

A história é relativamente desconhecida - mas foi investigada pelo historiador e professor da Universidade de Tulsa, nos EUA, Benjamin Peters. Ele é autor do livro “How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet” (“Como não conectar uma nação: a complicada história da internet soviética”, em tradução livre), ainda sem edição em português.

O Ogas foi conduzido pelo cientista soviético Viktor M. Glushkov, que era diretor do Instituto de Cibernética de Kiev, na Ucrânia, nos anos 1950 e 1960, e era considerado por colegas cientistas “a frente de seu tempo”.

“A proposta era construir uma rede descentralizada, hierarquizada e em tempo real de gerenciamento de informação - algo semelhante ao que hoje chamamos de “computação na nuvem”.”

“O objetivo era facilitar o controle do Estado soviético sobre fábricas e empresas do regime e integrar economicamente todos os Estados da URSS.”

“Na União Soviética, uma rede centralizada de computadores significaria, portanto, um aumento das possibilidades e do apelo do controle do Estado sobre a economia: seria dar um largo passo à frente na demonstração de que o comunismo era um regime superior e inclusive com viabilidade administrativa.”

“A URSS tinha, à época, além dos motivos, os conhecimentos tecnológicos necessários e infraestrutura para fazer com que um projeto desse acontecesse. Além disso, o regime era conhecido pelas ambições e projetos megalomaníacos na área tecnológica.” (Freitas, 2016)

 

Mas:

 

De acordo com a pesquisa de Peters, a falha do projeto aconteceu por divergências administrativas, falta de consenso, burocracia, corrupção e falta de pragmatismo entre os dirigentes da URSS e aqueles que conduziam o projeto.

Documentos importantes se perdiam, reuniões eram adiadas, manda-chuvas discordavam constantemente sobre os detalhes da rede, seus propósitos e sobre quem e como ela deveria, de fato, beneficiar quando fosse implantada.”

“O resultado da série de entraves que impediram o projeto Ogas de ganhar vida foi que, nos anos 1980, ele acabou implementado com um caráter completamente diferente da proposta em sua concepção: servidores desconectados entre si, sem interoperabilidade, em centros locais de controle de fábricas da URSS - bem diferente da ideia da internet.

Apesar das discussões mais recentes sobre como a internet se dividiu em pequenas redes constituídas de bolhas sociais e sobre o controle de órgãos governamentais e empresas privadas sobre a informação, a internet foi concebida de forma técnica pelos EUA como uma rede cujo conceito não concebia hierarquias entre computadores.

É uma rede descentralizada e que cresceu por meio de cultura colaborativa de consumo e alimentação de informações. E esse é um conceito oposto àquele empregado ideologicamente pelo regime soviético: censura, hierarquias de comando e uma cultura de controle em todas as esferas.

Para o autor do livro, uma internet criada pela URSS teria valores muito diferentes daqueles que a nossa internet possui - talvez sequer tivesse se transformado na internet comercial como a conhecemos. (Idem)

 

     O autor destacado na citação afirmou que “The historic failure of that network was neither natural nor inevitable” (Peters, 1980). Mas o fracasso não foi contingente, teve como razão o regime de Estado estalinista e poderia ser revolvido apenas por meio da democracia real, socialista, ou retorno ao capitalismo.

A partir do Livro II d’O Capital, observamos a importância do sistema de comunicação e transporte para organização, diminuir o tempo de rotação do capital, diminuir desigualdades entre setores produtivos, integração internacional etc. Ao negar e relegar ao capitalismo tal meio superior; a burocracia impôs sua contradição com as necessidades produtivas e distributivas, elevando as contradições gerais, rumo a esta ou aquela solução – capital ou democracia socialista. A internet permitiria – tal como permitirá caso o socialismo vença –, enfim, o planejamento econômico pleno, a organização centralizada da produção e da distribuição; ademais, oferece as condições materiais para a democracia socialista, para a democracia participativa[5].

Uma das manifestações da contradição entre a burocracia burocratizada e a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas é a observação de que as empresas de baixo rendimento produtivo mantinham-se abertas apesar de seus resultados, pois a existência delas era o que sustentava a existência do burocrata como tal, como casta privilegiada. Nestas circunstâncias, a defesa do emprego dos funcionários era apenas demagógica já que, num governo de fato socialista, a redução da jornada de trabalho seria a solução posta para absorver a mão de obra disponível.

Sem tirar todas as conclusões necessárias de suas observações, Elias Jabbour comenta em suas palestras e aulas que a URSS iniciou a terceira revolução industrial e a implementou na siderurgia, mas apenas nela; depois, exportou a moderna técnica ao Japão, que a generalizou tanto quanto foi possível; enquanto isso, as empresas “soviéticas” estagnaram sua produtividade, sua intensividade técnica, sem nova revolução industrial e cheias de burocratas em cargos de comando e intermediários. Ou mudaria tudo ou nada mudaria. A fusão ou a aglutinação de valores de uso, por exemplo, num só produto-suporte, numa só fábrica, era algo impensável ao burocrata dependente da existência da quase sua empresa, ainda mais uma empresa sem ou quase sem subordinados diretos no trabalho manual, sem exercerem comando despótico esclarecido no lugar de uma gestão de fato científica.

Outra expressão do limite da burocracia como forma de regime é a qualidade dos produtos. Quando se tentou medir a produção pela extensão ou quantidade, os produtos eram “esticados” e ficavam frágeis; quando se media a partir do peso, os produtos ficavam cada vez mais pesados. Isso é uma contradição com as tendências da matéria do produto tal como afirmamos quanto à forma mercadoria em outro capítulo. A gestão burocrática tentava burlar as formas de controle.

A casta burocrática tomou uma série de medidas para enfrentar os problemas de crescimento após a II Guerra (Júnior, 2019). Elas, no entanto, revelavam o caráter despótico e contraditório de tal camada dirigente, pois faziam de tudo, menos fortalecer a economia planejada ou restabelecer o regime da democracia direta. As medidas giravam em torno de desregular os preços, dar maior autonomia aos dirigentes de fábricas, acabar com subsídios, tentar tirar poderes da Gosplan (instituição de planejamento central na URSS), etc. Ou seja, via regime da burocracia, as tendências capitalistas internas impunham-se paulatinamente. Todas as tentativas de modernização interior, ainda sob alguma base socialista, esbarravam na forma de administração, que burlava, sempre que podia, todas as medidas ou tornava as novas normas disfuncionais. Após o esgotamento do crescimento extensivo da indústria, o esperado crescimento intensivo, o avanço técnico na indústria, foi bloqueado. Para os privilegiados e antidemocráticos comandantes, a restauração do capitalismo era quase que um caminho natural para manter-se no topo ou prosperar.

A produção automatizada, a internet, a microeletrônica dariam um impulso gigantesco à reorganização das nações sob dupla revolução. A redução da jornada de trabalho seria enorme, por exemplo, e tiraria as condições materiais da necessidade de uma casta dirigente mais ou menos autônoma em relação à sua base social. Em um Estado operário com democracia socialista seria interesse majoritário direcionar forças para superar o trabalho manual e garantir altíssima produtividade, além de dar todo apoio possível às revoluções.

Essencialmente, havia uma contradição entre as tendências burguesas e socialistas em desenvolvimento naquelas sociedades, paralisando-as. Como revolução burguesa, o regime de Estado, ditatorial, negava a democracia socialista, de tipo soviético; como revolução socialista, o Estado planejava centralmente a economia. Como revolução burguesa, ainda havia sistema de preços em parte dos produtos e em parte das nações revolucionadas, ainda havendo subprodução real ou em termos absolutos; como revolução socialista, os preços eram constrangidos, tabelados e limitados. Como revolução burguesa, baseava-se no desenvolvimento do trabalho manual, abstrato e produtor de valor; como revolução socialista, o desemprego era proibido e o trabalho ou o estudo era obrigatório. Uma série de contradições expressa a contradição geral. A luta por qual seria o polo determinante estava por ser revolvida. Tomemos o caso da China. Como revolução burguesa, sua revolução ofereceu pequena propriedade privada aos camponeses, principal classe revolucionária no país; como revolução socialista, por outro lado, limitava o desenvolvimento da propriedade. Como o camponês deveria dar seu excedente ao governo, à cidade, sua produtividade era baixíssima, o que colocava aquela sociedade diante de estagnações. Isso só foi revolvido quando a burocracia estatal liberou os preços dos produtos agrícolas e a venda livre no mercado da maior parte do que excedia na produção camponesa – ou seja, fortaleceu e consolidou o polo burguês daquela sociedade, no lugar de uma formação democrática e progressiva de grandes cooperativas com propriedade estatal do campo, que seria parte da solução socialista.

 

A REVOLUÇÃO PERMANENTE

Uma pergunta faz-se inevitável: a restauração do capitalismo era o caminho natural? Não, segundo a Teoria da Revolução Permanente. Se a revolução socialista fosse vitoriosa na Alemanha em 1918, se a II Guerra Mundial tornasse a Europa ocidental um grande continente vermelho, se revoluções políticas impusessem a democracia operária naqueles países sob o stalinismo… Poderia existir outro caminho, mas ao "destruir o capitalismo, mas não o capital" (Mészaros) internacional[6], a revolução ficou bloqueada no terreno nacional.

Segundo Trotsky:

 

Os diferentes países chegarão ao socialismo com ritmos diferentes. Em determinadas circunstâncias, certos países atrasados podem chegar à ditadura do proletariado antes dos países avançados, mas só depois destes chegarão ao socialismo. (Trotsky, A revolução permanente, 2007, p. 208)

 

Pois:

 

A revolução socialista não pode se realizar nos quadros nacionais. Uma das principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de as forças produtivas por ela engendradas tenderem a ultrapassar os limites do Estado nacional. […] A revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e termina na arena mundial. Por isso mesmo, a revolução socialista se converte em revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta. (Idem)

 

O rio da história poderia desaguar em duas diferentes águas: ou revolução socialista por meio da revolução democrático-burguesa ou revolução democrático-burguesa por meio da revolução socialista. Estes são os casos de Rússia, China e Alemanha oriental por suas proporções, colocando outros países – um terço da humanidade – em suas órbitas, como “efeitos colaterais”. Quando a URSS caiu, por exemplo, Cuba, que dependia de sua relação com os demais Estados Operários, restaurou o capitalismo pelas mãos da própria direção da sua revolução ao fechar o centro de planejamento estatal, encerrar o controle do comércio exterior e atrair capital estrangeiro. A fórmula de Lênin acabou por ser invertida: dois passos à frente para, em seguida, um passo para trás.

A revolução mundial faltou. Pode-se dizer que ocorreu em parte a exigência histórica de apoio internacional, pois aconteceram revoluções sociais em países atrasados. A revolução permanente em parte se impôs, mas não em nações desenvolvidas. Pelo contrário, os países imperialistas conheceram grande e inesperado desenvolvimento, o que afastou por décadas a possibilidade de revoluções sociais onde as forças produtivas eram mais avançadas. Lenin e Trotsky erraram ao suporem que o capital havia cumprido todas as suas possibilidades históricas. Vejamos como o fundador do Exército Vermelho dá as bases dessa explicação, embora apenas desconfie:

 

Si el mundo capitalista pudiera ahora generar un nuevo ascenso orgánico, y si encontrara un nuevo equilibrio como base para un desarrollo ulterior de las fuerzas económicas, nosotros, como Estado socialista, colapsaríamos. Se puede ilustrar esto en forma teórica y práctica em dos palabras. Teóricamente, porque un ascenso del capitalismo en Europa crearía una tecnología colosal para la burguesía, y cambiaría la psicologia del proletariado. Si el proletariado ve que el capitalismo puede levantar la economía nacional, esto se reflejará inevitablemente sobre la clase obrera que trató de hacer una revolución, fue aplastada, y experimento un desengaño. Si el capitalismo lleva la economía hacia arriba, habrá conquistado al proletariado por segunda vez, arrastrando a las masas tras él. Desde el punto de vista teórico, vemos que el socialismo tiene derecho a existir precisamente porque el capitalismo no es capaz de desarrollar las fuerzas productivas. Nuestra revolución creció sobre bases económicas, y antes de la revolución éramos parte integrante de la economía mundial. Si el capitalismo es capaz de desarrollar las fuerzas productivas, tendríamos que llegar a la conclusión de que nos equivocamos de raíz en nuestro pronóstico – el capitalismo es una fuerza progresiva, desarrolla sus fuerzas más rápido que nosotros; el bolchevismo llegó al poder demasiado pronto, y la historia castiga muy rudamente a los nacimientos prematuros. Esto sería así si el pronóstico optimista para el capitalismo tuviera alguna base. ¿Pero tiene alguna base? Es difícil de demostrar. Pero por el momento la burguesía no ha podido probarlo, y no puede hacerlo. En Europa no hay ningún desarrollo de las fuerzas productivas. Lo que están sucediendo son crisis y una fractura de las fuerzas productivas disponibles –este es el hecho básico. Por lo tanto debemos decir que el socialismo tiene derecho a existir, a desarrollarse y a todas las esperanzas de victoria. (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 203, 204; grifos nossos)

 

Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso? (Idem, p.234; grifos nossos)

 

A citação longa deixa clara uma previsão na forma de uma aposta histórica. E ela estava errada. Uma das condições da teoria da revolução permanente, o capital encontrar seus limites internos absolutos, apenas consolidou-se muito depois da revolução de 1917.

As nações que passaram pela dupla revolução, socialista e capitalista, eram todas atrasadas e necessitaram de um salto histórico, um esforço de avanço imenso, para evitar o colapso de suas sociedades, para modernizar-se.

A história tem seus mecanismos, mas falta-lhe bom senso: inexiste caminho mecânico, desprovido de tropeços. Dito de outro modo, os grandes acontecimentos históricos ocorrem primeiro como ensaios gerais e depois como processo maduro. Assim, o século XX foi nosso teste inicial quando o tempo da revolução burguesa havia passado e o tempo da revolução socialista ainda não havia surgido. Nesse sentido, toda uma época de transição, algo cinza entre o preto e o branco. É preciso ter esta clareza: por limites de época, por ser o início e ascensão da fase imperialista, as revoluções foram burguesas parciais e, pela mesma razão, ainda ser o período de elevação do imperialismo, foram revoluções socialistas também parciais.

Detenhamo-nos um pouco mais no assunto, pois fere o dogmatismo de certo marxismo “ortodoxo”. Pode haver certo consenso de que a Comuna de Paris tinha como uma de suas dificuldades a economia, já que o capitalismo ainda poderia se desenvolver e ainda faltava alcançar sua fase superior, o imperialismo; mais fácil, portanto, alcançar a conclusão de que o socialismo era ali mais possível que necessário. Mas o que dizer da revolução russa e as demais até a década de 1970? Lenin observou o nascer e o desenvolver inicial do imperialismo, seu período de ascensão, não seu período de decadência e consolidação.

Observemos os critérios de Trotsky. O capitalismo fez “enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo”? Sim: a produção desenvolveu-se até a III revolução industrial sob o regime do capital; países dominantes promoveram o “Estado de bem-estar social”, que impossibilitou por décadas revoluções sociais no centro do mundo; países atrasados determinantes, como o Brasil, cresceram de modo espetacular pelo menos até durante a década de 1970. Percebemos, logo, que as condições do socialismo passaram a estar postas de fato desde 2008, que anuncia a crise geral sistêmica (de acordo com a curva de desenvolvimento do capitalismo). O critério oferecido pelo fundador do Exército Vermelho aponta a prematuridade das revoluções sociais do século XX. Ele desconfiou tal resultado, mas sua posição dirigente do processo revolucionário soviético e a própria empiria dos fatos históricos daquele período dificultavam uma interpretação negativa da realidade.

A possibilidade, antes de tornar-se necessidade, testa-se a si própria. De modo algum afirmamos que os bolcheviques, por exemplo, deveriam ter recuado; apenas devemos perceber as causas materiais da derrota, da ascensão do regime estalinista e da posterior restauração do capitalismo. No balanço da primavera dos povos, principalmente na França, Engels destacou que Marx considerava a crise econômica como uma constante e apenas depois ambos tomaram consciência de que o crescimento econômico posterior esteve na base da derrota assim como a crise econômica foi a base do levante. Apenas hoje a situação é outra. Como demonstramos em outro momento, o capitalismo tem macrociclos e está diante de seu último, a fase de declínio da atual curva de desenvolvimento, caracterizado por crises longas ou duras entremeadas por crescimentos fracos ou curtos (cuja destruição é base para a prosperidade posterior, o ascenso).

É do conhecimento comum do marxismo que um sistema cai e é substituído apenas depois de desenvolver todas as suas possibilidades latentes. É preciso também que as bases da próxima sociedade já estejam a ponto de realizar-se dentro da sociedade anterior; a produção automatizada e a informática são exemplos de tal condição enfim madura.

No campo lógico, citemos Moreno:

 

A necessidade era considerada anteriormente como uma categoria que começava a atuar desde o começo de um processo, fazendo com que seus resultados se impusessem. Se um processo era provável não era necessário. Piaget encontra – na fórmula citada – uma resposta em um terceiro termo, o qual une os que se apresentavam como antagônicos até então. Com a “probabilidade crescente”, síntese dinâmica de probabilidade e necessidade, esta só surge e se impõe ao final do processo e não no começo. (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007, pp. 68, 69)

 

A probabilidade crescente[7] – atualizemos a citação – revelava-se nas revoluções sociais, porém antes de a necessidade se impor por completo já queesta só surge e se impõe ao final do processo e não no começo”. A possibilidade verifica-se antes de se tornar realidade.

O pensamento vulgar supõe que as revoltas sociais põem sempre em possibilidade um novo mundo e são em si expressões de um revolucionamento social latente. Mas a história da luta de classes nem sempre foi assim. Havia inúmeras revoltas de escravos no mundo antigo, porém procuravam a liberdade dos revoltosos, não o fim de toda escravidão ou do sistema. As revoltas camponesas da Idade Média não podiam propor algo novo sob aquelas condições, mesmo assim ocorriam. O diferencial da guerra de classes hoje é que a classe oprimida tem de modo latente um projeto social próprio, mas suas revoltas também podem acontecer antes que as condições estejam de fato maduras para um revolucionamento completo. A conjuntura pode estar em descompasso com a estrutura, uma contradição dialética.

Vale a pena pousarmos mais um tanto na dialética.

Em sua Lógica, Hegel diz da “Indiferença como relação inversa de seus fatores” (Hegel G. W., 2016); o indiferente, aqui, é a própria sociedade global, a materialidade social do mundo; a relação inversa de seus fatores é, se o socialismo cresce, o capitalismo diminui, e ao contrário, se o capitalismo cresce, o socialismo diminui; isso marcou o século XX de modo que a revolução permanente era uma necessidade, impossível a convivência pacífica dos opostos por muito tempo – ou avança ou retrocede. Mas Hegel é ainda mais sofisticado: um lado, um fator, tem “um tanto” do seu oposto dentro de si, igualmente o outro lado tem “um tanto” do outro em si mesmo; demonstramos no concreto este fato: os países formalmente socialistas, porque feita a revolução em países imaturos e atrasos, tinham dentro de si aspectos capitalistas, em resumo, desenvolviam dentro de si forças produtivas ainda capitalistas; por outro lado, os países capitalistas desenvolviam dentro de si as forças produtivas, ou seja, as condições para o socialismo. De imediato somente um polo, um dos fatores, poderia ser total, reduzir a nada o oposto, embora o capitalismo amadurecesse dentro de si as condições futuras para o socialismo.

Agora, vale a pena ver os saltos de qualidade. Um pouco antes de a água saltar de líquida para congelada, formam-se pequenos cristais, mas eles logo se desfazem, não se generalizam nem têm resistência própria, apenas anunciando o salto qualitativo caso a temperatura caia ainda mais; do mesmo modo, a água como gás forma pequenas gotículas, que se desfazem logo por não ter força o bastante para se manter, também anunciando a mudança de estado caso algum fator como a temperatura mude ainda mais. Pois bem, a mesma dialética dos ensaios antes do salto qualitativo se vê no século XX.

As tentativas de salto histórico, apesar das condições globais imaturas, tiveram como motor e estímulo os problemas da guerra, tema de outro capítulo.

***

Em sua crítica-atualização da teoria da revolução permanente, Moreno lida com a própria lei do desenvolvimento desigual e combinado para demonstrar que revolução socialista pode ser igual à base camponesa, não operária, tal como Trótski havia usado a descoberta para dizer revolução democrático-burguesa é igual à protagonismo operário, não burguês. Assim, o argentino atualizou a teoria.

Podemos dar novo passo.

As Revoluções em países atrasados tiveram duplo caráter: democrático-burguesas e socialistas. Percebendo a mesma lei material, vemos que o caráter dessas revoluções abriam a possibilidade de liderança sob base camponesa por outra razão além da percebida por Moreno: o campesinato é base social histórica das revoluções burguesas. A imaturidade desses países os fez necessitarem de uma revolução onde o proletariado ainda era pouco capaz de um papel ativo ou estava derrotado.

As revoluções sociais do século XX tendo duplo caráter, socialista e democrático-burguesa, abriam a possibilidade de substituir o sujeito revolucionário do operariado por camponeses, pois estes últimos são a base social das revoluções burguesas clássicas. Assim ocorreu no pós-II Guerra. A lei do desenvolvimento desigual e combinado já aponta a substituição do sujeito social, de uma classe cumprir as tarefas de outra – uma lei que prova toda sua validade em nível mais intenso.

Mesmo a de fato operária revolução social, a russa, expressa o duplo caráter, pois a revolução de 1905, o chamado ensaio geral, foi derrotada por razão da ausência do campesinato na arena política revolucionária. Já em 1917 associava, segundo Trotsky, “a guerra camponesa, movimento característico da aurora do desenvolvimento burguês[8], com o levante operário, movimento que assinala o crepúsculo da sociedade burguesa” (Broué, 2014, p. 20).

A burocracia estatal apoiou-se na pequena burguesia rural precária, falida e sem terra (aspira a uma pequena propriedade privada) usando as bases do Estado operário mais, em contradição, regime de Estado “bonapartista”. Foi preciso saltar etapas históricas: antes de forças produtivas maduras foi preciso base socialista para amadurecer as forças de produção, logo também é um Estado burguês. Quando Lenin afirmou “o socialismo é o poder dos sovietes mais a eletrificação do país”, em outras palavras, disse: o Estado “Operário” está obrigado a cumprir tarefas burguesas, sustentar um desenvolvimento ainda burguês das forças produtivas. A base sobre a qual o socialismo deveria se erguer estava, ao contrário, sendo erguida pelo Estado, por isso o duplo caráter da superestrutura, burguês e proletário, e da revolução era inevitável.

Pela mesma razão, o duplo caráter das revoluções, tornou-se menor a necessidade de um partido revolucionário nestes processos, pois, também, 1) as contradições eram elevadíssimas; 2) as tarefas poderiam ser geridas por organizações pequeno-burguesas; 3) os países tinham formações sociais que dificultavam a construção de verdadeiros partidos comunistas. Por isso, Moreno percebe que todas as revoluções vitoriosas, após a II Guerra Mundial, foram de base camponesa e não operária, em países atrasados e dirigidos por partidos centristas centralistas burocráticos com liderança pequeno-burguesa. Passaram por fora das formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Observado desde a macro-história, reforçamos, os saltos revolucionários expressavam em seus duplos caracteres o tempo da revolução burguesa encerrando e o tempo da revolução socialista ainda nascente.

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Vejamos a particularidade russa, a mais proletária das revoluções socialistas do século XX. Os problemas econômicos da I Guerra, a guerra civil revolucionária contra 14 exércitos e as dificuldade advindas junto ao isolamento econômico tiveram como efeito imediato: 1) desarticulação da indústria interna; 2) morte de parte dos operários mais avançados; 3) esvaziamento das duas grandes cidades, com deslocamento humano para o campo na intenção de evitar a fome ao dispor da reforma agrária então implementada. Esses três fatores foram base do regime “bonapartista” inaugurado por Stálin e fortalecimento do polo burguês do Estado, expresso no regime político.

Vários autores denunciam que as demais revoluções sociais já se concluíam burocratizadas, diferente da revolução russa em seu começo, baseada na democracia dos soviets. A explicação dada por muitos é que o caráter burocrático dos partidos e das guerrilhas afetou o regime de Estado. A nosso ver, a resposta é insuficiente. A questão é descobrir o motivo da burocratização inicial, da imposição de “bonapartes vermelhos”, ou seja, descobrir a realidade objetiva que fez tais condições e tais resultados. Se os países em questão estivessem prontos para uma transição ao socialismo, ainda que necessitassem do apoio internacionalista, não teriam desde o princípio a imposição da burocracia. O mesmo atraso que forçou a tentativa de avanço histórico por salto condicionou a burocratização.

Como observamos, a conclusão de que os Estados operários, e a URSS em particular, eram formas de “Estado burguês sem burguesia” (Lenin) foi considerada apenas parcialmente pelos teóricos, incluso pelo formulador da expressão, não levada às últimas consequências, preponderando a ideia de “Estado operário deformado” apenas. Também observamos que o fato de a burocracia ter restaurado o capitalismo deveria ser alinhado aos motivos econômicos das crises daqueles países, em relação à superestrutura estatal, mas é comum somente reconhecer e descrever o processo. Algo semelhante ocorre com o tema da prematuridade das revoluções. Muitos marxistas consideram o regime de Estado estalinista desde sua versão, por assim dizer, russa, como se o isolamento internacional e a guerra fossem as únicas causas fundamentais da burocratização; porém as outras revoluções, especialmente a chinesa e a cubana, refutam tal caracterização, que pode ser remetida também a Trotsky, porque já surgiram, mesmo que com uma brevíssima transição, sob o poder da burocracia, sob o regime despótico. Logo o caso russo não era mera anomalia – como supuseram, até aqui, Trotsky e os trotskistas. Aqui também há reconhecimento e descrição, mas falta saber do seu fundamento. Como explicar tais características? A única solução possível é ver que a base econômica e social, nacional e principalmente mundial, ainda estava imatura para revoluções plenas, completas e socialistas. Apenas assim podemos compreender o susto de Trotsky diante da rapidez com que o Estado da URSS encontrou a degeneração de seu regime, de democracia soviética para ditadura estalinista, em menos de 10 anos.[9]

As respostas dadas neste capítulo são das questões que os importantes aportes de Moreno não avançaram, pois consideravam a revolução democrático-burguesa apenas na medida em que ela era superada pela revolução socialista, sem supor que esta primeira estava viva ao seu modo no seio do inimigo. A razão disso era a quase certeza de que o capitalismo estava com os dias contados, dada a enorme quantidade de países formalmente não-capitalistas e as revoluções vitoriosas ou em processo. Após o impacto da restauração no Leste Europeu, Kurz e Mészàros penderam para a ponta oposta, erro inverso, o caráter burguês daquelas sociedades. De modo geral, todos os pensadores marxistas críticos à casta burocrática aproximaram-se das conclusões aqui expostas, quase as alcançando.

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Trotsky observou que as sociedades sob revolução social não eram ainda socialistas mas de transição ao socialismo. A consideração de três etapas – transição, socialismo e comunismo – é uma das mais importantes atualizações marxistas.

Tais formas transicionais deixaram de existir nas últimas décadas. Na obra O Veredicto da História, Martin Hernandez (2008) demonstra que os assim chamados Estados operários, de transição, possuem três características:

1)   Controle estatal do comércio exterior;

É o aspecto mais importante, mais universal. Na revolução russa, esteve presente já nos primeiros anos.

2)   Grande propriedade estatal;

Uma grande quantidade de empresas estatais não é um critério, haja vista que Mussolini expropriou alguns burgueses e elogiava-se ao afirmar que dois terços da economia pertenciam ao Estado. O critério é se a propriedade estatal na economia está a serviço ou não do mercado e se a tendência é o império da propriedade privada ou pública.

3)   Economia centralmente planejada.

As estatais francesas no pós-II Guerra faziam planejamento, para fins de mercado, e os atuais monopólios e oligopólios fazem planificação. O salto qualitativo para a transição ao socialismo é que o grosso da economia, com controle do comércio exterior e grande propriedade estatizada, passe por um plano central.

Por tais critérios mínimos, Cuba e China são hoje países capitalistas. O primeiro, por ex., fechou a Junta Central de Planificação, encerrou o controle estatal do comércio exterior (as empresas passaram a ter liberdade de negociação nesse tipo de comércio) e absorveu grande capital privado de outros países, pincipalmente os imperialistas europeus e canadenses (Herrnandez, 2008). Eis um assunto polêmico, já que muitos pensam que o território cubano ainda é um bastião do socialismo, mas a realidade deve se impor sobre a teoria.

China primeiro começou as medidas de restauração em 1979, com as Quatro Modernizações; o governo da URSS seguiu o exemplo chinês para enfrentar sua estagnação, em 1986, com a Perestroika. Cuba, como demais países do Leste Europeu sob regimes estalinistas, entrou em decadência com o fim dos subsídios da Rússia às exportações dos países parceiros (como ao açúcar cubano) e retoma o capitalismo na década de 1990.

Martin Hernandez afirma que na Europa do Leste e na ex-URSS há revoluções como crítica à burocracia e suas medidas de restauração do capitalismo que afetavam a qualidade de vida da maioria dos povos, mas que em China e Cuba faltaram rebeliões de mesma intensidade diante das medidas estatais. No território chinês, houve protestos atrasados e parciais que foram rapidamente reprimidos; já no território cubano, a crise gerou as famosas fugas por meio de botes ao mar rumo ao exílio estadunidense. O teórico citado também afirma que, diferente da ex-URSS, onde a restauração via burocracia causou um recuo social e degeneração econômica semelhante a uma guerra, em Cuba e China, em oposição, houve algum avanço contraditório das forças produtivas e do estilo de vida, não uma grande destruição geral (como, aliás, previa Trotsky, acertando quanto à URSS). A que se devem tais diferenças? Hernandez não explica, apenas constata. A razão a que chegamos é a que se segue: as sociedades cubana e chinesa ainda eram bastante imaturas, isto é, rurais e pouco industrializadas; ao contrário, os países do Leste Europeu eram industrializados e urbanos (com todas as ressalvas, também com a grande e moderna propriedade rural), logo mais explosivos e com menor possibilidade de desenvolvimento interno do capital. Tal explicação demonstra a razão central da manutenção das ditaduras em Cuba e em China enquanto em outros países houve mudança para democracia burguesa.

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Observação destacável são as manobras para fins de restauração do capitalismo. Na medida em que os governos burocráticos pretendiam restaurar o poder do capital, praticaram um tipo específico e especial de despotismo esclarecido burguês. Medidas de Estado tornavam operários acionistas privados de suas empresas, cooperativas eram estimuladas, fábricas deixavam de servir a um plano geral para apenas um plano particular, terras eram dadas aos camponeses, liberava a venda no mercado dos excedentes no campo. Foi-se minando o duplo caráter daquelas sociedades, destruindo o polo operário determinante. Por fim, diante da derrota estratégica, a restauração do capitalismo, uma vitória tática – tanto positiva quanto negativa – era cedida, em alguns países, por pressão ao substituir as ditaduras por democracia burguesa e, assim, arrefecer as tensões sociais.

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O fanatismo de esquerda leva à adoração de heróis, “iluminados” que supostamente não prestam contas à realidade. Esta forma positivista e idealista de ver os líderes leva à concepção de que, por exemplo, na Rússia o capitalismo foi restaurado apenas pela mera vontade de gente como Gorbatchov, que dirigia o país no momento da restauração.

O método marxista explica as grandes ações desde a realidade. Se bastou a vontade de poucos homens para restaurar o poder do capital, logo o “socialismo” era apenas algo contingente, sem fundamento histórico (como demonstramos, há algo verdadeiro aí – este é o caso, mas não explica todo o processo). A verdade é que o retorno ao capitalismo era um problema real e foi a forma negativa como uma contradição social, que inclui a contradição interna entre as tendências socialistas e capitalistas, passou a ser resolvida. A ideia restauracionista teve uma base material que a formou e a permitiu.

Quando o baixo crescimento da economia exigiu mudanças nas relações sociais e na supererstrutura política, a casta burocrática fez seu trabalho de coveira da revolução, concluiu sua contrarrevolução nacional. Houve, portanto, um momento propício para a radical mudança, isto é, quando as forças produtivas encontraram barreiras ao seu desenvolvimento.

A burocracia era um setor privilegiado, ainda que não formasse uma classe social, e como tal defendia seus privilégios e desejava aumentá-los. Era materialmente oportunista, inexistia controle da base social sobre os dirigentes. Há, portanto, um bom grau de verdade na crítica inocente aos restauradores: o fato de os países estarem sob ditaduras sobre o proletariado, não do proletariado, com muitas semelhanças de regime de Estado com o fascismo, foi parte essencial do que tornou possível o caminho do retorno pleno ao sistema socioeconômico adversário. Se os Estados fossem governados por democracia direta, participativa e, portanto, socialista, apenas em hipotéticos casos anormais os trabalhadores aprovariam em votações e debates medidas de retorno ao capitalismo.

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Os estalinistas diziam que os países atrasados deveriam passar ainda pela etapa da revolução burguesa, sob liderança da burguesia; mas em lugar algum se encontrou tal caminho concluído. No oposto, os trotskistas diziam que o tempo da revolução burguesa havia passado, logo as revoluções nos países atrasados tornar-se-iam socialistas; mas aí veio do desgosto geral deles, pois as revoluções radicais foram de base camponesa, não operária, de liderança oportunista, não revolucionária, em países atrasadíssimos, não combinando atraso e avanço, gerando regimes de Estado ditatoriais, não com democracia socialista, frutos de guerras, não de revoluções. Ninguém saiu satisfeito. A questão é que a impossibilidade da revolução burguesa não era igual à plena possibilidade de revolução socialista. Quod erat demonstrandum.

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Tivemos 3 teses sobre a revolução russa desde 1905, válidas para países atrasados:

1.                  Mencheviques: a revolução socialista é inviável, pois é preciso uma revolução burguesa liderada pela burguesia que desenvolva as forças de produção;

2.                  Lenin, Bolcheviques até 1917: a burguesia é fraca e covarde, por isso revolução será burguesa, mas com um governo e regime de aliança dos operários e camponeses, com maioria destes por ter grande população e pela etapa histórica;

3.                  Trotsky: A revolução será burguesa, mas, porque a burguesia é fraca e covarde, a liderança será operária, com apoio dos camponeses, logo tornar-se-á uma revolução socialista.

Pois bem; ocorreu a combinação das três teses. Em 1: de fato, a revolução seria burguesa, mas a burguesia não liderará; mesmo assim, a pequena burguesia foi a liderança em outras revoluções similares; além disso, a revolução socialista era relativamente improvável. Em 2: de fato, o operariado perderia a chance de liderar várias das revoluções; de fato, a burguesia recuaria; de fato ,o socialismo pleno era inviável. Em 3: de fato, a revolução avançaria em permanência; de fato, era impossível novas revoluções burguesas; de fato, a burguesia recuaria; de fato, o operariado poderia ser gigante na Rússia; mas o socialismo era relativamente impossível ainda. Ocorre que cada tese limitava a outra não somente no plano das ideias – na prática, na realidade. Todos eles erraram ao não preverem a burocratização do Estado como a mais radical democracia da história humana, a dos soviets, degenerar numa das mais duras ditaduras da história humana, como o mais revolucionário partido da história degenerar num dos maiores aparatos contrarrevolucionários da história.

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Como dito antes, Trotsky atualizou – inconscientemente – a teoria marxista ao descrever que a nova forma de sociedade teria três, não duas, etapas: transição, socialismo, comunismo. Os países que passaram pelas revoluções parciais estavam na primeira etapa, a transição, onde o capitalismo ainda não poderia ser totalmente superado. Logo, do ponto de vista científico, é errado chamar aqueles países socialistas ou comunistas até a década de 1990. Eram sociedades transicionais onde a transição era muito mais difícil, pois ainda havia muito a amadurecer dentro dos limites do imperialismo. Em sua Ontologia, Lukács afirma a irreversibilidade dos processos, incluso sociais, como a impossibilidade de retornar ao feudalismo após a revolução francesa. A aparência dos fatos no fim do século XX o contradiz, mas apenas para percebemos a prematuridade dos processos forçados por altas contradições conjunturais e estruturais.

Aqui a confusão teórica é completa. O socialismo inicia-se como ainda herdeira direta do capitalismo, com elementos capitalistas ainda dentro de si. Por causa dessa consideração, os marxistas viram apenas o caráter transicional socialista naquelas sociedades sob (dupla e parcial) revolução; o polo capitalista aparecia apenas como parte desse incômodo passageiro do processo. Mas os revolucionamentos ocorreram em países muito atrasados e, ao mesmo tempo, décadas antes de as condições internacionais para o fim do capitalismo começarem de fato a amadurecerem (a época de decadência, consolidação, do imperialismo desde – como início – a década de 1970, aprofundada em 2008,  que tende a durar, como sua ascensão, como vimos em outro capítulo, 100 anos, com salto qualitativo até mais ou menos os anos 2050, como ascensão). É como se a revolução burguesa e o caráter também burguês daquelas nações estivessem por detrás, pelas costas da revolução vermelha, escondido embaixo da aparência. Se eram transição ao socialismo, eram igualmente transição ao capitalismo – os polos opostos anulavam-se em seu conflito e diferença. Mas a vitória final, após certo progresso pela relação dos em contraste, só poderia ser dada a um dos lutadores. Lenin disse que não há situação absolutamente sem saída, como caráter probabilístico e não determinístico; mas a história é cruel com os grandes líderes mais maduros do que as circunstâncias, diria Engels. As revoluções burguesas prematuras, ainda segundo Engels, como na Alemanha, jogaram este e outros países por muito tempo em atraso e fragmentação, pagando pesado preço pela ousadia antes da hora marcada. As revoluções duplas, por serem duplas, pelo menos foram ainda muito mais longe[10] como esboços do que os esboços capitalistas de seu nascimento. Ficamos, portanto, como o duplo de um poeta: “Força não há capaz de enfrentar/uma ideia cujo tempo tenha chegado/A força não é capaz de salvar/uma ideia cujo tempo tenha passado/(…)/Pra pegar a onda tem que estar/na hora certa num certo lugar…” (Gessinger, 1996)

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Percebendo a bifurcação do destino da URSS – ou revolução política, devolver o poder aos trabalhadores, ou retorno ao capitalismo – Trotsky elaborou possiblidades de restauração, de diferentes formas:

1)                  Invasão estrangeira – tentada por Hitler cuja derrota deu fôlego ao regime de Estado do país vitorioso;

2)                  A classe trabalhadora soviética ser ganha ao capital pelo prazer do acesso de mercadorias baratas e de qualidade de outros países – a crise inflacionária nos países capitalistas retardou a expressão do avanço técnico na produção de bens de consumo nos preços, mas as crises de subprodução e a baixa qualidade dos produtos também atuaram internamente para desmoralizar o lado vermelho do mundo;

3)                   A burocracia desenvolver-se ao ponto de minar a sociedade para transformar a grande propriedade estatal-planejada em propriedade privada – esta foi a possibilidade que ganhou concretude, a mais correta. Porém Trotsky supunha daí um processo violento de guerra civil por razão da contrarrevolução burguesa, restauracionista. As lutas aconteceram em quase todos os países sob ditaduras burocráticas, mas de maneira confusa e em proporção desigual ao tamanho do ataque. A contrarrevolução deu seus golpes finais por meio de “reformas”.

A pergunta imposta é por que a restauração deu-se por contrarreformas, não por contrarrevolução, diferente do que previu o fundador do Exército Vermelho. Esta diferença entre a previsão e a realidade foi pouco observada pelos teóricos. Se o Estado era operário, ainda que deformado, o salto regressivo só poderia ser feito por ruptura brusca. Trotsky nomeou reformismo regressivo, reformismo investido, teorizar o fim do “socialismo real[11]” sem altíssimos conflitos, pois seria supor o retorno ao capitalismo por via gradual assim como a concepção reformista de avanço pacífico ao socialismo. A explicação do erro de Trotsky e do processo tal como ocorreu também está no fato de estarmos diante de Estados de duplo caráter, operários e burgueses, além de revoluções de duplo caráter, e a burocratização da burocracia ou, o que é o mesmo, o regime de Estado expressava o polo capitalista, o passado insistente representado. O fato de terem duplo caráter as revoluções e os Estados, somado ao atraso histórico de onde partiam, demonstra que o polo capitalista poderia impor-se por “reformas liberalizantes”. Por outro lado, porque havia também um polo socialista naquelas sociedades, mais do que apenas “capitalismo de Estado”, é que as medidas puderam ser tal como de fato foram, ou seja, destruíram o monopólio estatal da economia, o planejamento geral centralizado, o controle do comércio exterior, o uso de vales em substituição ao dinheiro, o emprego pleno obrigatório, etc.

A teoria da revolução permanente fazia previsões cujos resultados poderiam ser positivos ou negativos. Ou a democracia socialista era imposta pelos trabalhadores, dando novo impulso à revolução mundial, ou o capitalismo retornaria. Tal conclusão foi considerada absurda, contrarrevolucionária e irrealista quando proposta por Trotsky, porém a história lhe deu razão da pior maneira.

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As revoluções parciais, limitadas por suas próprias épocas, permitiram inúmeras reformas e conquistas sociais em todo mundo, mais do que apenas naqueles países revolucionados. Muito mais do que isso: como ensaios gerais antes de o palco estar pronto, legaram-nos uma fina flor teórica como a teoria do partido de tipo bolchevique, a teoria do imperialismo, renovações na arte militar, a teoria da revolução permanente (a mais correta e avançada de sua época), a lei do desenvolvimento desigual e combinado, a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo, o programa de transição ao socialismo, acertos e erros de medidas transicionais, e assim por diante. Nestes casos, a revolução russa deixou inúmeros ensinamentos vitais para podermos acertar, como saber, por exemplo, de que modo devemos organizar um partido de fato comunista; este conhecimento permaneceria até hoje marginal não fosse a ousadia de Lenin e Trotsky.

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A teoria da revolução permanente antecipou nossa época, mas ela via, já naquele tempo, que os países atrasados apenas cumpririam sua modernização por meio do socialismo diante da opressão imperialista. Para Trotsky, o socialismo era a única alternativa civilizatória imediata.

O Brasil, por exemplo, entrou no século XX, digamos desse modo, com a contrarrevolução de 1930. O semifascismo de Getúlio Vargas pôde iniciar ou consolidar:

 

1 – O processo de urbanização do país;

2 – Uma sólida indústria de base – estatal;

3 – Maior número de letrados, especialistas;

4 – A preparação para a entrada do capital internacional.

 

Em um discurso de balanço mais que simbólico, afirmou o ditador:

 

A qualquer observador de bom senso não escapa a evidência do progresso que alcançamos no curto prazo de 15 anos. Éramos, antes de 1930, um país fraco, dividido, ameaçado na sua unidade, retardado cultural e economicamente, e somos hoje uma nação forte e respeitada, desfrutando de crédito e tratada de igual para igual no concerto das potências mundiais! (Vargas, 1940)

 

Há certo exagero na citação, mas porque a realidade foi, de fato, impressionante em seu salto qualitativo interno – outro Brasil surgiu, embora o mesmo e com seu passado. Não por acaso, neste país tivemos a famosa construção “façamos a revolução antes que o povo a faça”.

Se pedíssemos a Lenin a demonstração da crise do sistema desde a queda da taxa de lucro a níveis limites, ele nada poderia dizer. Se exigíssemos de Trotsky a redução do trabalho manual e do valor como tendência do fim sistêmica, ele não poderia expor algo do tipo. Se perguntássemos a Sverdlov sobre a crise ambiental que ameaça nossa espécie, ele não entenderia muito bem do assunto. Se usássemos o nível de urbanização daquela época, nada seria dito pelos dados. Portanto, apenas hoje temos a crise no fundamento. Antes, eles usariam apenas a empiria das duríssimas guerras e crises. Finalmente, uma crise – de máxima dialética, no fundo.

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Demonstrada a impossibilidade do socialismo no século XX, resta uma pergunta que nos forçará a antecipar temas de modo telegráfico: por que, então, tais países atrasadíssimos conseguiram implementar alguns aspectos socialistas, mesmo que por curto período conjuntural e histórico? O capitalismo é todo um modo de vida, uma época da história. Mas, ao mesmo tempo, é transição, quase mera transição, entre o passado classista e o futuro aclassista do comunismo. Seu caráter transicional, mesmo que precise de maturação, permitiu aspectos socialistas em sociedades muito atrasadas. Como desenvolvimento imenso da química no universo, o grafite e o diamante são diferentes, mas o mesmo, átomos organizados de modo distinto. Em sua fase madura, o capitalismo é socialismo de cabeça para baixo.

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O grande significado histórico é que o capitalismo foi restaurado pelas castas burocráticas quando o desenvolvimento das forças produtivas estava tornando-se enfim maduro para o socialismo. Sendo mais preciso, e aqui entra a ironia da história, a restauração do capitalismo ocorreu porque as forças produtivas estavam tornando-se maduras para a via socialista.

“Se todas as condições de uma Coisa estão presentes, então ela entra na existência.” (Hegel, 2017, p. 130.) Demonstramos que faltava fundamento histórico para o socialismo, ou seja, faltava o indispensável desenvolvimento alto das forças produtivas mundiais e nacionais; por isso foi fácil a restauração completa do capitalismo, por isso a burocracia na China viu uma oportunidade de ouro retornar completamente ao capital, por isso houve ditaduras em todos os Estados de transição com duplo caráter. Mas, por outro lado e oposto, porque as condições tornavam, cada vez mais, possível e necessário a sociedade socialista, encerrando o império dos privilégios despóticos crescentes, houve a assim chamada restauração. A China, por exemplo, apenas poderia manter o caminho ao socialismo por saltos econômicos rumo à automação com informática e por revolução política que implementasse a democracia do socialismo – o que daria grande impulso à revolução mundial.

 

TESES – NOVA REVOLUÇÃO PERMANENTE

Pela importância do tema, apresento de modo telegráfico a maior parte de nossas conclusões, em resumo:

 

1.  As revoluções sociais do século XX tinham duplo caráter, burguês e socialista.

2.  Eram sociedades transicionais de dupla natureza, socialista e capitalista.

3.  A restauração plena do capitalismo ocorreu porque as forças produtivas – a partir de um certo ponto, quando a nova técnica passou a guardar um conteúdo oculto socialista – só poderiam se desenvolver se mudasse o regime social, pois havia uma contradição entre governo burocrático e as novas possibilidades tecnológicas (automação, informática etc.).

4. Derivada da primeira, além dos demais pontos anteriores, a segunda causa da restauração é que a contradição entre as tendências socialistas e capitalistas, que teve certo efeito progressivo e movente no começo, paralisou aquelas sociedades, levando-as a decidir qual dos dois caminhos prosperaria.

5.  A premissa da revolução permanente, estar na época de transição ao socialismo, estava errada até há poucas décadas.

6.  Tais revoluções sociais se deram em uma época em que o tempo da revolução burguesa já havia passado e o da revolução socialista ainda não estava madura.

7.  O regime ditatorial da burocracia em países além da URSS prova que eram revoluções prematuras, antes das condições nacionais e internacionais maduras.

8.  O papel importante do campesinato até mesmo na revolução russa se dá porque as revoluções também eram burguesas, por isso a base social histórica correspondente (os camponeses são base social das clássicas revoluções capitalistas).

9.  O retorno pleno ao capitalismo deu-se por contrarreformas, feitas em silêncio pela burocracia, não por contrarrevolução (diferente de como previa Trotsky), porque eram também capitalistas – e as medidas específicas (fim do planejamento geral, do uso de vales em substituição ao dinheiro, etc.) ocorreram porque eram também socialistas.

10. As nações “socialistas” não centrais apenas poderiam manter-se com elementos socialistas se permanecessem com elementos de socialismo os países centrais Rússia, China e Alemanha oriental. Por essa dependência econômica e social, a queda do socialismo “real”, fictício, nos três citados impôs capitalismo aos demais.

11.            As novas revoluções sociais serão de liderança operária – primeiro, variante mais provável. Mas a concentração enorme de setores populares (comerciários, funcionários públicos, autônomos, bancários etc.) no espaço urbano dá base, depois, estimulada, pela revolução operária, para novas revoluções socialistas de força popular, não proletária.

12.            Os países onde o Estado é privatizado ou há fusão entre líderes políticos e patrões – Arábia Saudita, Egito, Síria, etc. – é praticamente impossível uma revolução para implementar apenas democracia, por isso as revoltas em tais nações devem lutar diretamente, em permanência, avançando, pelo socialismo, pela democracia superior e real.

13. A falta de revoluções socialistas vitoriosas nas últimas décadas avisa que a próximas primeiras revoluções devem ser, em certo sentido, “ortodoxas”, de liderança operária e com partidos leninistas.

14. Para ser liderança em revoluções, em grande medida a classe operária precisará, por estar mais fragmentada e reduzida, de seu próprio partido, leninista, como liderança.

15. A revolução socialista, sob certas circunstâncias, tendem a ocorrer antes nos países dominados por serem mais atrasados, por terem menos possibilidade capitalistas de desenvolvimento, por serem mais contraditórios, por combinação do velho e do novo, por tarefas democráticas ainda não resolvidas etc.

16. Porque o capitalismo, além de ser de fato um sistema, ser também e quase apenas a transição entre o passado classista e o futuro comunista, permitiu que revoluções parciais e duplas em países atrasados adotassem certas medidas socialistas. Mesmo assim, a transição, o capitalismo, precisa de seu próprio tempo e maturação.

17. Graças à internacionalização quase máxima da economia e da sociedade atuais, como com a internet, tonou-se mais fácil, possível e necessária a internacionalização da revolução socialista – antes muito difícil e improvável.

18. A história tem a seguinte lei: algo do tipo grandioso primeiro ocorre como "ensaio geral" e depois como fato para si. O século 20 foi o ensaio geral da revolução socialista, própria do século 21.

 

A nova revolução permanente, herdeira direta da anterior, deriva de seu caldo histórico, torna-se necessária.

 

QUATRO CAUSAS E SOCIALISMO DITO REAL

     Sabe-se que Aristóteles, ao fazer balanço da filosofia grega, levantou quatro causa: material, formal, eficiente e final. Começo pela exposição lógica para adentrar no tema. Vejamos nas história tratada neste capítulo.

 

Causa eficiente: “intenção” clara ou inconsciente das revoluções – tentou-se mover o mundo causalmente para o socialismo.

Causas material e formal: o conteúdo e a forma real daqulas sociedades, que deram base também para suas revoluções.

Causas final, teleologia (objetiva, inconsciente): suas realidades finais, suas consequências – como desenvolver o mundo do capital pela negação parcial dele. Por outro lado, o objetivo dos revolucionários e dos burocratas.

 

Eis a lógica ideal na lógica real. Em nosso debate sobre metafísica, ficará ainda mais claro.

 

 

PREMISSAS FINAIS

Retromemos as premissas textuais, não de início, que serviram de abertura deste capítulo:

 

“Estamos no socialismo, mas os dirigentes já estão no comunismo.”

Ditado popular soviético.

 

Ou seja, alienação, ou seja, não socialismo real. Eisntein foi ainda mais longe:

 

 

Contudo é preciso lembrar que uma economia planejada ainda não é socialismo. Uma economia planejada pode ser acompanhada por uma escravização completa do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis: como é possível, em face da centralização abrangente do poder político e econômico, impedir que a burocracia se torne todo-poderosa e prepotente? Como se podem proteger os direitos do indivíduo e garantir com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”

(Einstein A. , 2007)

 

Ele não poderia resolver a questão porque ela ainda não tinha solução. Mas o motivo da impossibilidade de resolução precisavar ser dita. Exato quando as condições do socialismo foram, grosso modo, dadas, ocorreu o retorno ao capitalismo:

 

“A atual geração do povo soviético viverá sob o comunismo [na década de 1980].”

Nikita Khrushchov, em 1962.

 

Ele não estava mentindo, nem foi aposta cega. Mas passemos para a ultima citação: os bolcheviques tiveram que tomar decisões muito diferentes de seus perfis; com a burocratrização, em todos os países revolucionados os revolucionários foram mortos (perseguidos etc.) ou degeneraram. Engels dá a pista imensa:

 

“Nada pior pode ocorrer ao chefe de um partido radical que se viu obrigado a tomar o poder em uma época em que o movimento não está ainda maduro para a classe que representa e para a execução das medidas que exigem o domínio dessa classe (...) O que pode fazer está em contradição com toda a sua atuação anterior, os princípios e os interesses imediatos do seu partido; o que deveria fazer não poderia ser colocado na prática. Em uma palavra, é obrigado a representar não o seu partido e a sua classe, mas a classe para a qual o domínio do movimento se encontra maduro.”

Friedrich Engels

 

O estado “apenas” socialista, ao promover forças produtivas ainda de conteúdo burguês, cumpriu tarefas burguesas, tarefas democráticas etc. logo, um estado “apenas” burguês. Chegamos cedo demais, mesmo. Por isso, agora, chegaremos um tanto atrasos, pois a derrota histórica impactou por demais.

 

CRÍTICIA À CRÍTICA DE MORENO À REVOLUÇÃO PERMANENTE

De modo correto, Moreno vê que a teoria de Trotsky estava incorreta (algo curiosamente deixado de lado por morenistas), mas não aponta a causa do erro, não sabe dela. Nós descobrimos: o general russo partida de duas premissas verdadeiras hoje e erradas no seu tempo – 1) de que havia chegado o esgotamento do capital e 2) havia começado a época da revolução socialista. Ainda assim, o argentino observa (como nosso complementos):

 

1.  Previa-se que, grosso modo, apenas o partido revolucionário lideraria as revoluções – mas a regra foi oposta, partidos centralistas burocráticos e centristas.

2.  Previa-se que haveria apoio de revoluções nos países adiantados – não ocorreu.

3.  As tarefas democráticas burguesas só seriam satisfeitas via socialismo – não foi em todos os casos, embora ocorresse.

 

Mas ocorreu a previsão certa de 1) revoluções antiburocráticas, mas derrotas; 2) risco de a burocracia restaurar o capitalismo, o que aconteceu; 3) revoluções socialistas acontecerem em países em si imaturos, que foi a regra universal.

Moreno afirmou que dois fatores mais um (derivado natural) deveriam permanecer da teoria 1) a necessidade de um bom partido, 2) a necessidade de revolução se tornar internacional, 3) a necessidade imperiosa de democracia. Porém, exceção talvez de 1, os outros dois são vivos princípios desde Marx, nenhuma novidade real.

Trotskystas conservadores ao extremo, incluso morenistas, deixam de olhar a realidade de modo cru e permanecem intactos na teoria, da permanente revolução, que precisa e foi atualizada agora. A teoria que apresento, aqui, explica porque Trotsky e Moreno acertaram e erraram aonde acertaram e erraram. Se estes capítulo e livro não lhes abrir os olhos, não expandir suas consciências; então, com dificuldade serão bons dirigentes ou capazes de ver o mundo.

Valem ainda observações sobre a revolução permanente em Marx e Engels. O critério permanece: a criatividade tentou resolver o problema da revolução em países imaturos numa época não pronta para o socialismo na essência, mas pronta na aparência. Na Ideologia Alemã, afirmam: mesmo países atrasados como Alemanha poderiam ir ao socialismo se com apoio internacional. Vale insistir que a revolução ser, em pouco tempo, mundial, trata-se de uma premissa comum do marxismo, não do trotskysmo em si – em Princípio básicos do Comunismo, texto que prepara o Manifesto, já há tal orientação internacionalista clara. Depois, na revolução alemã da primavera dos povos, Marx e Engels avisam que aburguesia não iria para a sua própria revolução (tese de revolução peramente) e que a pequena burguesia tomaria o leme no começo (substituição de classes no papel histórico, teses também da teoria) – mas que os operários deveriam ser independentes, exigir cada vez mais, rumo ao socialismo, numa revolução permanente (expressão deles!) de fato (outro aspecto da revolução permanente aí, embora cru: exigências transitórias, que forçam ir ao socialismo). Em famosa carta à uma revolucionária russa, Marx, já bastante velho, afirma que a comuna atrasada do campo russo poderia saltar direto para o socialismo sem necessidade de toda a longa etapa burguesa da propriedade rural. O caldo estava pronto, embora Trotsky desconhecesse tais textos. Há um detalhe: no texto militar “Os bakhunistas em ação”, Engels dá por base da influência anarquista, dos erros militares, da derrota do processo revolucionário etc. o caráter imaturo da economia espanhola à época, ainda incapaz de socialismo. Nem sempre o raciocínio mais sofisticado é o mais correto. Vale pontuar que a teoria da revolução permanente de Marx na Alemanha provou-se errada, ao menos em seus resultados, pois foi-se do feudalismo ao capitalismo de modo gradual e por cima, sem saltos; os motivos disso são: a) como classe privilegiada, os senhores feudais, diante de um mundo hostil, alegraram-se em transmultar-para burgueses (a contra gosto, em oposição, o senhor de escravo tornou-se senhor feudal, mas seu sangue imperou ainda); b) o capitalismo já havia se consolidado no mundo; 3) já haviam ocorrido muitas revoluções como na América inteira, na Fança, na Inglaterra – evitou-se a revolução pequeno buguesa, não burguesa, o que demonstrou a pressa histórica de Marx na sua critatividade política e teórica. Apenas agora, com todas as crises maduras numa crise sisêmica, como veremos ao longo desta obra, a revolução permanente pode ser compreendida, prosperar e ser atualizada.

 

INCÔMODA HIPÓTESE

O trotskismo hoje é centrista, burocrático, passivo, sindicalista, rotineiro, sectário,  amante da marginalidade etc. Antes, partidos com este perfil, mas estalinistas, foram obrigados a tomar o poder, apesar de si. Talvez, desta vez, aqueles que supostamente reivindicam Trotsky tomem o poder por força das circunstâncias, apesar de suas incapacidades. No entanto, tal variante deve ser apenas considerada, pois não devemos arriscar o destino da humanidade tomando como certo esse caminho impróprio. Se uma seita tomar o poder sem se revolucionar por dentro, influenciará de modo negativo, por um lado, o perfil dos partidos vermelhos em outros países, mesmo que a revolução vitoriosa estimule o movimento comunista por outro lado.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Se nos é permitido um debate filosófico, as posições caíram na oposição do entendimento, ou-ou, quando deveriam avançar para e-e. Melhor.  Isto e aquilo mais nem isto nem aquilo, Estado operário e burguês ao mesmo tempo que nem propriamente operário nem propriamente burguês.

[2] A exposição deste amálgama, da colonização, apenas reproduz conclusões de Moreno. Sobre, ver: (Moreno, Quatro teses sobre a colonização espanhola e portuguesa nas Américas, 2020)

[3] Mandel também vai rumo à posição de Trotsky: “Uma economia híbrida. Entretanto, apesar do funcionamento da economia soviética não ser dominado pela lei do valor, ela também não pode abstrair-se de sua influência. Apesar de não ser uma economia capitalista, isto é, uma economia baseada na produção generalizada de mercadorias, também não é uma economia socialista voltada para a satisfação direta da necessidade humana, uma economia na qual o trabalho possui um caráter imediatamente social. É uma economia pós-capitalista com elementos de mercado. A sobrevivência parcial da produção de mercadorias é combinada com o domínio parcial da alocação direta de recursos produtivos.” (Mandel, 2020)

[4] Aqui, pode ser útil uma comparação. As ideias de gravitação de Newton são corretas até certo importante grau: resolveram questões científicas e permitiram fazer previsões acertadas. No entanto, algumas questões ficavam em aberto, como a precessão anômala do periélio de Mercúrio. Uma teoria nova, de Einstein, concluiu que a gravidade não era uma força mas a curvatura do tecido espaço-tempo provocada pela massa (e pela energia). A teoria anterior permaneceu útil até certo grau, porém outra solucionava as questões postas. Toda essa digressão visa ganhar o leitor para nossas conclusões. O autor reivindica o ortodoxismo trotskista, embora dialogue criticamente com outras tradições ao longo da obra; é reconhecível o grande valor da teoria da revolução permanente, que dela surgia uma luta justa. Porém: o próprio Trotsky, enquanto estivesse vivo, atualizaria suas formulações à luz dos novos fatos. A mente aberta é, portanto, uma vantagem dos marxistas, a negação do dogmatismo.

[5] O fato de estas condições materiais estarem maduras apenas na história recente é uma demonstração de que a realidade antes estava imatura para a revolução socialista e seu regime de Estado, a democracia socialista.

[6] Sendo um grande entre os nossos, Mészaros obteve respostas inconclusas ao lhe faltar, neste tema, a devida atenção à Revolução Mundial. A ele, como a Lukács, bastavam outras medidas de Estado, internas, à revelia da revolução internacional, para haver outro rumo. A categoria “pós-capitalismo” revela-se, se correta a formulação geral deste capítulo, uma categoria apenas em parte certa, de aparência. No Grundrisse, Marx diz que o capital somente pode existir como muitos capitais e luta entre eles, o que parece refutar Mészàros, pois tudo estava unido no Estado, mas isso é parcial, pois, vendo desde o mundo, não desde um país isolado, a URSS etc. tinham de lidar com o mercado mundial. O capital interno era, portanto, Sui Generis.

[7] Faltou Moreno e Piaget destacarem, por outro lado, na dialética, a necessidade crescente.

[8] O programa dos Bolcheviques era avançado, ainda mais considerando aquele país naquela situação, ou seja, a estatização da grande propriedade rural sob controle de seus funcionários, do operariado rural. Porque a revolução também era burguesa, além de socialista, além de parcial, o partido teve de recuar da sua proposta, apoiando a luta por reforma agrária, fragmentação da terra. Isso tem consequências até hoje: atualmente, os partidos vermelhos ainda insistem na reforma agrária, como eixo e não secundária, um recuo programático, como sua proposta central para o campo. Está mais do que na hora de corrigir tal limite. Devemos ir para frente, não para o passado: a grande propriedade rural, se unificando as terras e empresas do campo, permitirá, por exemplo, comida barata, até gratuita, além de manter, no socialismo em seu começo, saudáveis as contas internacionais com a exportação de grãos, carne etc.

[9] Sendo trotskysta, o autor tem maior facilidade de criticar ao trotskismo. Os argumentos externos sobre as causas da burocratização – morte da vanguarda, desarticulação da produção, isolamento momentâneo etc. – são, na verdade, a regra, grosso modo, de todas as revoluções socialistas… Se levamos seus argumentos a sério, deriva-se daí que todas as revoluções socialistas futuras degenerarão em ditadura bonapartista de uma burocracia, assim como toda revolução burguesa tronou-se ditadura militar… Mas o único argumento que se sustenta por inteiro é que aqueles países revolucionados eram imaturos, assim como imaturos os países considerado avançados à época. Para Trotsky, a burocratização na Rússia era uma anomalia em princípio irrepetível, além de breve no tempo. Apenas hoje, em nosso tempo, temos um beco sem saída para o capital.

[10] Isso foi facilitado, também, pelo fato de o capitalismo ser uma transição, quase mera transição, entre as sociedades de classes e o socialismo – debateremos ainda em outros momentos.

[11] Por nossa teorização, concluímos que o chamado socialismo real era, em certa medida, na verdade, uma ficção de socialismo.

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