domingo, 21 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - Cap. 5 - A crise do dinheiro

 

A CRISE DO DINHEIRO

 

A FORMA MATERIAL DO DINHEIRO

Há certas polêmicas quanto ao dinheiro sobre os quais trataremos de maneira apenas indireta. Alguns, por exemplo, afirmam que tal forma social nunca precisou de fato do ouro; outros consideram sua forma vigente sem valor ou apenas fictício. Apresentaremos em diante algumas teses sobre o ser enigmático e cobiçado.

***

A característica física do dinheiro mundial segue o mesmo caminho do dinheiro nacional, mas em um ritmo mais lento. Quando a equivalente geral nacional expressa-se pelo o ouro (ou prata) em especifico, o comércio internacional adota o escambo ou uma mercadoria “falha”[1]. Assim, a lei mantém-se enquanto tendência: quando o dinheiro nacional começa a expressar-se por meio do papel-moeda e do cobre lastreados em ouro (séc. XVIII, XIX), o dinheiro mundial segue atrasado, ou seja, é ainda o próprio ouro enquanto dinheiro mundial. Quando o dinheiro nacional deixa de lastrear-se em ouro, a sua versão internacional – ao seu modo, a libra inglesa, primeiro; o dólar, depois e até 1971 –, ao contrário e correndo atrás, continua ainda lastreado em ouro, em equivalência. Depois, o padrão dólar-ouro é rompido, mas continua a correr tendencialmente atrás do dinheiro nacional, pois a última começa um passo novo: a digitalização por meio, em especial, dos cartões de débito e crédito[2].

Abstração necessária à análise, Carcanholo desenvolveu com maestria a tendência à desmaterialização do dinheiro. Disponibilizamos trechos do artigo-réplica “Sobre a Natureza do Dinheiro em Marx”:

 

Esse processo progressivo de domínio do valor sobre o valor-de-uso, no interior da unidade contraditória chamada mercadoria, constitui o que chamamos “desmaterialização progressista da riqueza capitalista”. Isso, por uma razão muito simples. O valor-de-uso é o conteúdo material das mercadorias e fica determinado pelas características (conteúdo e forma) materiais de cada uma delas. O valor é sua dimensão social. O domínio deste sobre aquele implica a desmaterialização do conceito riqueza capitalista, desmaterialização da mercadoria.

 […] É justamente no dinheiro, e posteriormente no capital, em que se manifesta de maneira mais aguda e evidente o processo de desmaterialização, […] o dinheiro apresenta-se desprovido completamente desprovido de todo valor-de-uso. […] Mas, desde muito antes, desde a sua gênese, nos princípios da forma de equivalente, já se apresenta o processo de desmaterialização. Por exemplo, já na forma geral do valor, Marx afirma que o valor da mercadoria distingue-se não só do seu próprio valor-de-uso, mas de todo valor-de-uso, inclusive naquele próprio da mercadoria, ao aceitar o equivalente em troca da sua, não está interessado no valor-de-uso deste.

A desmaterialização continua no dinheiro (ouro), mas ainda a materialidade-ouro continua ali. O processo fica muito mais evidente quando mais avançado, no dinheiro de curso forçoso e no dinheiro de crédito (que são as formas que conhecemos atualmente e que são estudadas por mais no livro III d’O Capital).

[…]

Por mais Impressionante que seja a desmaterialização já alcançada do dinheiro, ela ainda não chegou ao fim. Ela prossegue seu curso e, com certeza, a desmaterialização total, embora ansiosamente buscada pela lógica do capital, jamais poderá ser alcançada.

[nota 4] As agudas crises fmaterialidainanceiras dos nossos dias são a manifestação mais cabal dessa contradição do sistema: o desejo incontido do capital pela desmaterialização e sua impossibilidade completa. (Carcanholo R. , 2002)

 

A que se deve isto? A questão que se nos apresenta é: por que destas duas leis, desmaterialização e ritmos desiguais entre dinheiro nacional e mundial? Ora, o capítulo I d’O Capital I demonstra o valor e a construção da “mercadoria das mercadorias” por um caminho: a relação conteúdo-forma: quanto mais tipos, mais fluxo e mais troca de mercadorias (conteúdo) existentes – quanto mais complexo e ativo o movimento delas – cada vez faz mais necessário destacar um elemento específico do conteúdo, elevá-lo, para que sirva de equivalente geral ou forma. Assim surge alguma mercadoria como meio de troca; depois, ouro; em seguida, o dinheiro-papel. O conteúdo, o mundo das mercadorias, possui características inerentes, quais sejam: tendência ao movimento, à instabilidade, à mudança, ao novo, à não-conservação. Por outro lado, fruto da contradição interna do conteúdo, a forma também possui singularidades: tende a conservar, à estabilidade e constância. Como o conteúdo, a forma tem duplo caráter: progressivo na medida em que conserva conquistas, consolida etapas; regressivo na medida em que tende ao conservadorismo, à estabilidade, a entrar em importante contradição com as necessidades novas do conteúdo. Portanto, pode haver contradição ente o conteúdo e a forma, que é superada cedo ou tarde a favor conteúdo, fazendo surgir uma forma nova.

O dinheiro em geral, seja qual for sua forma física, ainda possui lastro, que não é mais a mercadoria-ouro, mas o conjunto das mercadorias. Assim, o dinheiro recebido representa idealmente o possível acesso a outras mercadorias, e mede-se assim. O valor expresso no dinheiro é determinado por sua capacidade de prover acesso a outros objetos. Ou seja, mede-se o lastro por sua proporção com essa substância geral, com o conjunto do valor por meio da possibilidade de acesso a outros valores de uso. Quando o dinheiro passou a se expressar no papel-moeda, ainda podia-se trocar pela mercadoria específica ouro; esta capacidade de troca pela mercadoria dourada já fazia surgir de modo latente a possibilidade de lastro com o conjunto das mercadorias, pela troca por outros produtos dotados de valor e preço.[3]

Porque na forma de expressão autônoma, separada, do valor-trabalho o lastro torna-se indireto, no lugar de direto à mercadoria específica ouro, ocorre com o dinheiro processo de maior autonomia relativa (abstração) e torna-se “dinheiro fictício”, segundo expressão feliz de Eleutério Prado (Prado, Dinheiro: entre a ficção e o fetiche, 2020). A tentação governamental de oferecer quantidade maior de moeda, deslocando-se de seu lastro, em principal em momentos de crise, tende a diminuir o poder de compra do dinheiro, sua desvalorização, embora a maior base monetária seja apenas um dos fatores causais para uma possível inflação.

O dinheiro mundial também é lastreado pelo conjunto das mercadorias ou, mais exatamente, pelo conjunto do valor. O fato de este ser o dólar expressa um fator histórico: os EUA produzem e consomem parte significativa das mercadorias de todo o mundo; natural, por conseguinte, que o lastro-valor agarre-se a esta moeda – o domínio militar garantidor desta ordem é consequência, que adquire aspectos de causa[4]. O controle da Alemanha sobre o Euro possui o mesmo motivo. A industrialização e urbanização da China, pela mesma razão, coloca em decadência esta realidade. Como percebemos, o equivalente geral expressa a realidade em sua forma física. O melhor exemplo do lastro é a mercadoria mais importante e cobiçada do mundo, o petróleo, na medida em que o império americano há muito garante, com diplomacia e ameaça, a compra internacional de ouro negro apenas por meio de sua moeda, processo batizado “petrodólares”[5]. Aqui já observamos o erro de Marx ao considerar, em sua época, que o dinheiro adquire sua forma típica em ouro no mercado mundial, isto é, chegou a uma conclusão estática e incapaz de ver o desenvolvimento da forma material.

Outro modo de demonstrar o lastro do dólar percebe-se quando os EUA emitem moeda para "compensar" seu déficit na balança comercial, mantendo o nível de consumo interno. Assim, ao emitir de maneira artificial a moeda, o Banco Central força, de fato, o lastro-mercadoria.

Já o dinheiro virtual é lastreado, por enquanto, na cédula e similares. Tal lastro é garantido informalmente por 1) cálculo dos bancos do quanto lhes será exigido de dinheiro físico e quanto pode fazer circular em bits; 2) depósito compulsório que as instituições financeiras são obrigas prover ao banco central. Quando se paga no cartão de crédito supõe-se que esse pagamento é substituível por papel pintado ou que os bits são transformáveis em dinheiro-papel tão logo o suporte-cartão entre em contato com o banco ou caixa-eletrônico.

De acordo com o debatido sobre a desmaterialização, o dinheiro virtualizado também tende a perder seu lastro imediato, tende a desprender-se do dinheiro-papel. Neste sentido aponta a matéria a seguir, sobre a moeda da Suécia:

 

“Dinheiro [em papel] pode sair de circulação na Suécia até 2030”

“O fim do dinheiro de papel já é uma morte anunciada na Suécia: até 2030, as cédulas e moedas deverão virtualmente desaparecer no país, que lidera a tendência global em direção à chamada “sociedade sem dinheiro”. A projeção é do Banco Central Sueco.”

“É o prenuncio de uma nova era, dizem especialistas. A previsão é de que, no futuro, as economias modernas serão dominadas pelo uso do cartão e da moeda eletrônica em escala mundial.”

“Na Suécia a transformação é visível […]”

Novos dados do Banco Central indicam que as transações em dinheiro representam, atualmente, apenas 2% do valor de todos os pagamentos realizados na Suécia – contra a média de 7% no restante da Europa.”

[…]

“’A Suécia continua à frente do resto da Europa em relação à redução do uso do dinheiro do papel. E principalmente dos Estados Unidos, onde cerca de 47% dos pagamentos ainda são feitos em dinheiro”, acrescenta Nilervail, que destaca os avanços dos vizinhos nórdicos, Noruega e Dinamarca, na mesma direção.”

[…]

“Até nos quiosque de flores do bairro de Odenplan, no centro da capital, um aviso foi colado: “Preferência para pagamentos em cartão”. Feirantes e ambulantes também se adaptam à tendência e trabalham equipados com leitores portáteis de cartões.” (Wallin, 2016)

 

Como repetição histórica, sabe-se que o dinheiro em ouro era constantemente roubado, e por isso passou a ser guardado e substituído por um papel que o representava; assim hoje, a atividade econômica “roubo” estimula e acelera o processo de desmaterialização do dinheiro, como aponta também a matéria:

 

“Ladrões de banco vão se tornado, assim, personagens do passado. O número de roubos em agências bancárias vem atingindo o índice mais baixo dos últimos 30 anos, segundo a Associação de Bancos Sueca.”

[…]

“Em 1661, as primeiras cédulas de papel da Europa foram introduzidas pelo Stockholms Banco, o embrião do Banco Central da Suécia. Agora, ironicamente, os suecos vão se tornando os primeiros do mundo a desprezar o dinheiro vivo.”(Idem)

 

 

O lastro do dinheiro virtual em relação ao “físico” tende a se perder, além dos fatores expostos, pelos seguintes movimentos:

 

1. A demanda por dinheiro leva aos bancos a tenderem a negligenciar o lastro informal, a relação entre bits e a possibilidade de saques desse dinheiro em forma física;

2. O próprio banco central tende a reduzir a proporção de lastro – quando deve ser guardado em conta do BC – para socorrer os bancos diante das crises.

 

Destes, agregamos:

 

3. Intensificação do processo de circulação;

4. Menor custo de produção, transporte e armazenagem do dinheiro virtual relativo ao físico – assim como ocorreu com o dinheiro em papel em relação ao ouro.

 

São as imediatas, visíveis, consequências capitalistas da digitalização do dinheiro:

 

1)      Maior controle social do capital financeiro sobre a circulação – e o conjunto da sociedade;

2)      Lucro por juros nos meros processos de compra-venda;

3)      Garantias à circulação: contra cheques sem fundo, calotes[6] etc.

 

Retomemos a história.

Pela quantidade e intensificação, o ouro foi necessário como equivalente geral, expressão do valor, por suas características físicas e por seu valor em uma etapa específica de complexidade, do fluxo de mercadorias. Mas pela mesma razão – as características físicas – tornou-se uma forma atrasada, lenta, para poder seguir o conteúdo, a evolução do capitalismo, ou seja, o cada vez mais intensivo e extensivo mercado. Esta é a explicação geral para a lei da tendência à desmaterialização. O dinheiro adquire “massa” no seu processo de aceleração e ampliação histórica para, em diante, pelas mesmas razões, tender à desmaterialização.

Karl Marx, embora não tenha percebido isto com clareza, presenteia-nos ele mesmo com a tese:

 

Título de ouro e substância de ouro, conteúdo nominal e conteúdo real iniciam seu processo de separação. […] Se o próprio curso do dinheiro separa o conteúdo real da moeda de seu conteúdo nominal, sua existência metálica de sua existência funcional, ele traz consigo, de modo latente, a possibilidade de substituir o dinheiro metálico por moedas de outro material ou por símbolos. A dificuldades de cunhagem de moedas muito pequenas de ouro ou prata e a circunstância de que metais inferiores foram originalmente usados como medida de valor no lugar dos metais de maior valor – prata em vez de ouro, cobre em vez de prata – e desse modo, circulam até ser destronados pelos metais mais preciosos, esclarecem historicamente o papel das moedas de prata e cobre como substituta das moedas de ouro. Tais metais substituem ouro naquelas esferas da circulação das mercadorias em que a moeda circula com mais rapidez e, por isso, inutiliza-se de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão continuamente de modo mais rápido, isto é, onde as compras e as vendas se dão continuamente numa escala muito pequena. (Marx, O capital I, 2013, p. 199)

 

E completa: “Para impedir que estes metais satélites tomem definitivamente [! – exclamação nossa] o lugar do ouro, determinam-se por lei as proporções muito ínfimas em que eles podem ser usados no lugar desse metal.” (Idem.)

Percebemos que o Estado intervinha contra a tendência ao desprendimento do equivalente geral do ouro. O ritmo poderia – e conjunturalmente deveria – ser mediado pela equivalência, porém, mais ou menos dia, o dinheiro estava destinado a abrir mão do lastro em metal precioso. A causa é a fluidez das mercadorias e, por consequência, do equivalente geral.

Por outro modo de abstração, entre o ouro como dinheiro e o papel-moeda sem lastro direto tivemos uma secular transição por meio do dinheiro lastreado em ouro. Na prática e pela extensa duração, fora muito mais que mera forma transitória, pois o lastro era necessário para o nível de complexidade da circulação mercantil naquele e daquele momento histórico, sendo cada vez menos necessário a equivalência do ponto de vista do conteúdo-mercadoria.

O suporte, a forma do equivalente geral, precisa, portanto, ser matéria capaz de acompanhar a velocidade e o fluxo das mercadorias. Essa é uma das razões da necessidade de expressar o valor cada vez mais tendencialmente desmaterializado – embora esta lei nunca se realize em plena forma-pura – durante o desenvolvimento do reino das mercadorias, cada vez maior, extenso, e cada vez mais intenso.

Sigamos a aceleração capitalista. As revoluções na produção produzem mais mercadorias, mais tipos e vendem-se em maior quantidade de espaços, distâncias e em menor tempo; logo, o dinheiro deverá expressar a agitação festiva do conteúdo: mudanças incluem a mercadoria dinheiro. Quando as revoluções do valor fazem surgir novas tecnologias – máquina a vapor, eletricidade, a digitalização, a automação, etc. – as técnicas novas fazem surgir, portanto, mercadorias novas e, principalmente, quantidade nova de mercadorias no comércio. As inovações técnicas renovadoras das mercadorias têm de renovar, também, a mercadoria-mor, o equivalente geral, o dinheiro; mais uma vez, a forma do dinheiro expressa a própria realidade em sua estrutura física, isto é, expressa o desenvolver das forças de produção em forma corpórea. No início, isso se dá por meio do crédito; quando a economia se aquece, oferendo mais mercadorias e mais possibilidades de produção, o banqueiro não pode esperar a entrada de ouro em seus cofres (primeira e segunda eras) ou de dinheiro-papel (hoje), bastando dar ao desejante de crédito um símbolo representativo da riqueza entesourada, em papel ou bits. Exemplo: as novas tecnologias criaram quantidade maior de mercadorias e necessidade de impor uma realidade onde elas circulem tão bem quanto possível; o mesmo desenvolvimento permitiu a digitalização da moeda como possibilidade e, com o evolver do sistema, necessidade. Adiantamos, no entanto, que esta base produtiva é importantíssima, mas o processo de mudança também se dá por mudanças na circulação e com certa autonomia relativa em relação à produção de mercadorias.

Percebamos: dinheiro = ouro representa e é típico do mercantilismo, do capitalismo mercantil (século XVI ao XVIII); dinheiro = moeda com lastro em ouro ou prata deriva do ciclo de era industrial do capitalismo, da revolução industrial (século XVIII ao final do XIX) – ainda que o papel-moeda tenha sua origem e inicial desenvolvimento na Europa tempos antes; dinheiro = lastro no conjunto das mercadorias representa a fase do capitalismo imperialista, financeiro; digitalização = quarta era do capital, III revolução da indústria, a partir de 1973. Basta-nos observar alguns fatos: o lastro em ouro fora rompido nas moedas nacionais com a I Guerra Mundial, anjo anunciador da imperialismo; desde então, o lastro foi descartado e as tentativas de retorná-lo foram teórico e empiricamente abandonados. No mesmo sentido, por dificuldade em manter quantias de metais em circulação (guerras, escassez do metal, alta circulação de mercadorias, hiperinflação, etc.), em meados do século XVIII, Estados e bancos utilizaram moedas em papel ou em metal não-nobre para representar quantias em estoque possíveis de acumular – antes, estas formas conversíveis eram embrionárias.

As eras do capital determinam o modo como o dinheiro encarna-se no mundo. Claro também está que não é uma determinação mecânica, mas é uma determinação ainda; a desigualdade evolutiva e certos zigue-zagues acidentais apenas demonstram o quanto cada um desses quatro momentos históricos do capitalismo acaba impondo-se.

No entanto, as formas-suportes passadas do dinheiro não podem ser superadas em absoluto – guardam alguma utilidade, alguma função. Quando o capitalismo emperra e sofre por gastrite da superprodução, da crise, o ouro e a prata passam a ter um papel um pouco mais relevante (transferência de investimentos em ações para estas commoditys, comércios específicos, custeio em conflitos miliares, etc.) ou o escambo (mercadoria por mercadoria); mas nunca passarão de um papel auxiliar já que não representam em absoluto as necessidades do valor e da intensa circulação de mercadorias. Para ilustrar, basta tomar nota de que as reservas são feitas nos títulos de países com juros negativos, isto é, mesmo perdendo dinheiro, pois são títulos seguros e há possibilidade de conseguir lucro futuro no mercado de câmbio (abstração).

Em resumo, um fator fundamental atua na mudança da forma material do dinheiro, a quantidade das trocas (principalmente quando simultâneas). É elemento da circulação de mercadorias, não da produção, embora esta dê a base material. Por isso, por crescentes trocas particulares, na China do século XIII pôde-se adotar o papel-moeda antes dos europeus, que usavam ainda ouro (Harford, 2017).

Se é necessário ser mais claro, sejamos. O dinheiro mundial muda-se de matéria de modo mais lento que o dinheiro nacional, pelo menos até o advento do dinheiro virtualizado, porque a quantidade de trocas é menor – e evolui mais lentamente – em relação às tantas, pequenas e grandes, trocas dentro de um país. O mistério “O que eu tenho no bolso?” está resolvido.

Este capítulo teve sua primeira versão em 2015; desde lá, o preocupante caso da Venezuela – que, diga-se de passagem, é capitalista e precisa de uma revolução social urgente – reforçou empiricamente a teoria aqui elaborada como caso singular. Naquele país, houve a “doença holandesa”, ou seja, neste caso, o preço de mercado do petróleo manteve-se altíssimo por anos, levando prosperidade aos venezuelanos, grandes produtores de tal mercadoria. Com dólar entrando em massa, ficou mais barato importar mercadorias do que produzi-las, então a produção industrial não petroleira, em geral, definhou. Mas tudo produz seu contrário. Os preços altos atraem investimentos em busca de grandes lucros, faz compensar extrair o óleo em poços mais profundos, mais custosos, e obriga a busca de alternativas energéticas, além de gerar crise em outros setores por alto custo da matéria-prima, o que derruba a demanda; enfim, após a euforia, com grande oferta mundial, os preços do petróleo desabaram e também desabaram feito uma bomba atômica sobre a Venezuela, dependente de produzir uma grande mercadoria. O resulto é conhecido: a bruta deflação do bem exportado gerou seu oposto, hiperinflação dos necessários importados… Aqui começa nossas observações. Os EUA, visando controlar o ouro negro da região, aproveitaram o desespero da crise, tentaram estrangular financeiramente o país. O governo reagiu com muita criatividade: após fracassos sucessivos de suas medidas, fundou o Petro, sua moeda digital, criptomoeda, lastreada no petróleo – um acerto, pois o dinheiro é lastreado nas mercadorias e na mercadoria central, como demonstramos. Teve-se de ir além. Faltando de tudo naquela nação, o custo de produzir dinheiro, algo ainda mais demandado com a hiperinflação, ficou imensamente acima do valor nominal do próprio dinheiro produzido! Logo, a governança teve de estimular a digitalização de sua moeda oficial em substituição ao papel-moeda – neste caso, vale a pena destacar, mais uma vez, que o desenvolvimento tecnológico cria a possibilidade de substituição da matéria do dinheiro, tornando-se possibilidade crescente, cada vez mais necessário. Vejamos, agora, o terceiro elemento: a desvalorização da sua moeda tem relação direta com a desindustrialização do país, baseado no boom de consumo geral de importados baratos. Por último, o dólar tem sido cada vez mais usado como moeda em seu território; isso é uma forma deformada e indireta de expressar a tendência, mas apenas a tendência, superada e suprassumida pelo socialismo, de maior unificação monetária. Se o Brasil tivesse “vocação” para ser um imperialismo do tipo menor, poderia oferecer o Real como opção de moeda, mediante acordos especiais, durante as crises “monetárias” na América Latina, mas sobre suas costas há a pata firme do monstro imperialista. De qualquer modo, a revolução socialista latino-americana permitirá a unificação monetária do subcontinente antes de quase extinguir o dinheiro como o mediador das relações sociais.

***

Marx e Engels consideram o dinheiro, em essência, ouro; e isto para eles se revelava no mercado mundial. Por isso, consideravam a matéria-ouro um limite em si do sistema. Este erro confunde a forma física e natural com seu uso conjuntural e histórico. O equivalente geral é, antes de tudo, parte de uma relação social específica, tem caráter social: quanto mais geral, social e consolidado – aparentemente natural – o sistema menos precisa justificar-se, em sua forma ímpar, diretamente naquela mercadoria. Quanto mais natural parecer o sistema capitalista, menos precisa de uma forma natural, o ouro, para disfarçar sua natureza social, ou seja, sua natureza transitória, histórica e instável.

O dinheiro revela o nível de alienação das relações sociais capitalistas. Em nossa era, atinge a forma mais reificada, mais fetichista ao parecer, aparência, independe das relações materiais onde opera – o lastro torna-se cada vez mais indireto (abstração). Por isso o trabalho científico de rastrear as ligações íntimas do dinheiro virtual e impresso, dólar-petróleo, do dinheiro com o conjunto das mercadorias etc. A tendência à moeda em total virtual, apontando níveis altíssimos de produtividade, perdendo seu lastro atual, mostra-se sintoma de um sistema próximo a desmanchar-se.

Desde a origem da civilização, a história do dinheiro descreve a tendência ao fim deste: de materialidades frágeis – boi, sal etc. – ao ganho de materialidade – cobre, metais não nobres – até a forma material elevada – prata e ouro – para, em seguida, perder materialidade – ouro por cobre, por papel-moeda, por bits. Da imaterialidade à, cada vez mais, materialidade e, em diante, à imaterialidade (abstração). É uma tendência à inexistência, ao desaparecimento. Demonstra e expressa tanto o desenvolvimento da relação social de valor quanto, em diante, sua tendência à autossupressão. O dinheiro digital, virtual, é, assim, a forma material última.

Toda moeda tem dois lados, mas quatro dimensões. Tempo é dinheiro: o capital reduz o tempo de trabalho, o tempo de reprodução, o tempo de circulação, enfim, seu fundamento abstrato. A tendência à moeda unificada visa acelerar as rotações do capital, reduzir o tempo e o custo de circulação, facilitar o movimento do dinheiro e da mercadoria. Doutro modo, sem maior unidade interfronteiras e monetária, as crises seriam mais duras econômica e politicamente, as barreiras à produção capitalista seriam sentidas com maior abalo.

O tema do dinheiro leva-nos ao seu destino sob o socialismo. Um progresso contínuo e desigual de deflação, aumento da produtividade do trabalho, fará o caminho da extinção daquela forma mercantil; quando surge a possibilidade produtiva de uma oferta tal que os preços fiquem abaixo dos custos de produção, então será a hora de encerrar a forma do valor de troca na distribuição de parte considerável dos produtos – há um salto. Com algum atraso, a forma de distribuição será mudada. N’O Capital II, Marx conclui:

 

Não entra em cogitação na produção socializada o capital-dinheiro. A sociedade reparte a força de trabalho e os meios de produção nos diferentes ramos de atividade. Os produtores poderão, digamos, receber um vale que o habilita a retirar dos estoques sociais de consumo uma quantidade correspondente a seu tempo de trabalho. Esses não são dinheiro. Não circulam. (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 406)

 

Na transição ao socialismo, os cartões de débito e crédito, suportes do dinheiro digitalizado na revolução informacional, permitirão absorção muito mais exata dos dados sobre consumo, demanda, necessidades sociais e fluxos na distribuição de produtos. Um banco único estatal com dinheiro virtualizado, encaminhando o fim dessa forma enquanto forma do dinheiro, o permitirá. Tais cartões (ou mesmo o uso de celulares) deixarão de ser suportes do meio de circulação e endividamento. O desenvolvimento técnico aí pede nova forma social[7]. Percebemos, logo, o limite determinado historicamente sobre o maior crítico e, ao mesmo tempo, maior teórico do capitalismo: dos vales permitíveis das I e II revoluções industriais, com seus limites inerentes, à contabilidade geral científica, rápida e precisa, na produção e na distribuição, possível desde a III revolução tecnológica. Lenin afirmou que o controle financeiro sobre a produção oferecia bases ao socialismo, ao planejamento geral; o controle também sobre a distribuição, os processos de troca, conclui a tarefa histórica.

 

MEIO DE PAGAMENTO

A relação credor-devedor generalizou-se no capitalismo contemporâneo. Para manter a rotação do capital, unidade de produção e circulação, o capitalismo endividou os assalariados, as empresas e o Estado.

Quando o dinheiro é meio de pagamento, o comprador recebe o valor de uso antes de dar, em troca, o valor da compra. A generalização do meio de pagamento ao mesmo tempo esconde e revela que as relações sociais podem prescindir das relações de distribuição burguesas, da mediação do mercado, isto é, dos preços. O endividamento geral da sociedade é mecanismo de retardo de explosão na forma de crises cíclicas mais duras, portanto retardo também da possibilidade de socialismo. A superprodução crônica latente é base da abundância socialista, mas, sob as relações atuais, é dado um estímulo ao consumo por meio da dívida (demanda fictícia). As forças produtivas evoluíram, mas as relações de produção mantêm-se: a contradição toma forma de uma relação jurídica entre credor e devedor.

A não mediação imediata do dinheiro na troca, como meio de pagamento, generaliza-se como realidade invertida da futura não mediação do dinheiro na sociedade. Em momentos históricos muito diferentes, houve também processos transitórios para novos modos sociais a partir da luta de classes entre devedor e credor:

 

A luta de classes no mundo antigo, por exemplo, apresenta-se fundamentalmente sob a forma de uma luta entre credores e devedores e conclui-se, em Roma, com a ruína do devedor plebeu, que é substituído pelo escravo. Na Idade Média, a luta tem fim com a derrocada do devedor feudal, que perde seu poder político juntamente com sua base econômica. Entretanto, a forma-dinheiro – e a relação entre credor e devedor possui a forma de uma relação monetária – reflete aqui apenas o antagonismo entre condições econômicas de existência mais profundas. (Marx, O capital I, 2013, p. 209)

 

A distribuição como distribuição apenas de valor de uso está latente. A forma jurídica, a forma da dívida, esconde a possibilidade posta. Surge, então, no horizonte a necessidade de exigir o cancelamento total e irrestrito das dívidas dos trabalhadores e pequenos empresários como parte de um programa de transição em nossa época.

O alto endividamento dos Estados, frequentemente para lidar com as crises do sistema, é um fator da crise latente do aparelho estatal capitalista, junto a outros fatores que visam dar fôlego à lógica do lucro (privatizações; grandes empresas militares, de produção de armas e componentes até mercenários etc.). Nas empresas, conseguiu-se o desenvolvimento máximo por meio de dívidas impagáveis, o que coloca a falência e o maior controle financeiro sempre diante de si, em uma fuga constante para frente. Marx já observava a relação em que uma fábrica adianta (ou seja, dá o valor de uso antes de receber o valor em dinheiro) seu produto, matéria-prima, para outra fábrica, que por sua vez também adianta suas mercadorias ao comerciante, que, enfim, adianta a mercadoria ao consumidor, que somente paga após certo prazo… O alto grau desse processo hoje é o que demonstra a relação de valor e de preço prestes a desabar, sendo substituído pela distribuição planejada dos valores de uso.

A concepção errônea de que o dinheiro é uma convenção social, não uma necessidade imposta "inconscientemente" pelo grau e tipo de desenvolvimento social específico e histórico, tem ganhado força porque tem alguma verdade em si, pois o avanço da humanidade já pode fazer do dinheiro mera convenção social, ou seja, pode descartá-lo na lata de lixo da história ou como peça curiosa de museu, onde estará escrito: por este pedaço de papel, os homens matavam uns aos outros.

 

A VARIAÇÃO DA TAXA DE JUROS

Como debatemos em outro capítulo, a taxa de juros responde, no sentido de balizar-se, à taxa de lucro; aquele é uma parte deste e o juro é uma parte do lucro total. Mas a variação da taxa de juros deve-se, de modo geral, à demanda por dinheiro. Marx faz tais afirmações nos manuscritos d’O Capital III são manuscritos, faltando revisões e aprofundamentos. Neste e no próximo subcapítulos, regataremos Marx para polemizar com o reformismo teórico e, no necessário, pôr algumas atualizações.

A elevação ou a queda dos juros são duas táticas burguesas para o enriquecimento, sem distinção, por isso a burguesia e seu Estado atuam à revelia das teorizações em que defendem um ou outro mecanismo; usa ora um e ora outro. Por quê? Porque a tendência – à elevação ou queda[8] – transforma-se em sua negação, seu inverso. Vejamos um exemplo típico. A elevação de juros aumenta o lucro dos bancos, leva à falência as empresas “em excesso”, aumenta o desemprego, o que rebaixa salários e eleva a disciplina dos assalariados (quebra as greves), permite fusões de investimentos, atrai investimento especulativo influenciando o câmbio (importações mais baratas) (Serrano, 2010), etc. Tal ação, logo mais, torna as dívidas impagáveis, rebaixa o consumo a níveis perigosos, produz-se luta de classes a partir do “segundo momento” da conjuntura, ocorre deflação ou inflação baixa, diminui a demanda por dinheiro, atrai investimento internacional como para os títulos da dívida melhor remunerados etc. Ou seja: estimulam o movimento oposto: surgem as condições para baixar a taxa de juros. A queda da taxa de juros estimula o setor produtivo, gera novos empregos, afasta parte do capital internacional (influenciando o câmbio), torna as dívidas pagáveis (o que reduz ainda mais os juros). E surge mais uma vez o oposto: a demanda de moeda aquecida aumenta a taxa de juros, a superprodução produz desconfiança dos bancos (aumentam os juros diante do risco acrescido, já que os pagamentos começam a faltar – os empresários produtivos também estão dispostos a pagar dívidas vencidas impagáveis com dívidas novas com juros maiores), ocorre o afastamento do capital especulativo internacional, o capital necessita que se “limpe” a concorrência demasiada e precisa que a taxa de desemprego cresça para disciplinar os trabalhadores (o salário desses tende a aumentar com o pleno emprego, e esta é a verdadeira inflação combatida no superaquecimento da economia) – a taxa de juros, então, responde com o devido aumento. A queda da taxa de juros deu as condições do seu oposto, a elevação. O movimento dialético, de uma tendência produzir as condições de seu oposto, e vice-versa, é o que interessa aqui. Em certa medida, abstraímos outros fatores e tratamos de modo mais puro a questão. A realidade, os ciclos industriais da indústria e do comércio, que tende a forçar e estimular a queda ou aumento da taxa de juros, a relação de oferta e demanda por dinheiro, transforma-se também em efeito da mudança da taxa por meio da causalidade recíproca. Os economistas do banco central “fazem-no, mas não o sabem” (Marx) sobre a real razão da variação da taxa de juros de curto prazo; como dissemos, por exemplo, a chamada curva de Phillips – pleno emprego é igual a inflação e desemprego é igual a baixa inflação ou deflação; algo, em verdade, contingente – é o exemplo de justificativa formal das medidas, porém, reforçamos, a real inflação e motivo das medidas são problemas do tipo como os aumentos com o custo do trabalho a partir do baixo desemprego (no próximo subcapítulo, isso ficará ainda mais claro).

A taxa de juros tendendo a orbitar em torno a um valor médio próximo de zero em vários países mantém tal tendência de flutuação, embora de maneira tão sintomática quanto ao fim do sistema capitalista. Há menor margem de manobra dos governos com a limitação ferramental dos juros desde sua queda para os atuais níveis. Fica cada vez mais difícil o governo estadunidense manter a meta de 2% de inflação anual com objetivo de pleno emprego assim como há dificuldade de o Brasil manter a meta de inflação de 4,5%. Tais metas, aliás, não são obra de uma economia supostamente pura, são uma resposta à luta de classes; algum nível de estabilidade prolongada faz-se necessário para o funcionamento do capital. Há ainda outro detalhe de época. Se um governo força por mais tempo que o necessário a queda da taxa de juros, como no caso das medidas anticíclicas do governo brasileiro desde 2008, ou, ao contrário, força seu aumento por maior período, logo mais intenso será, depois, a ação oposta a qual o Estado estará forçado a promover; assim, o aumento da taxa de juros no Brasil a partir de 2015 foi explosivo, algo como uma compensação relativo ao período anterior.

Descobre-se que a tendência geral de elevação ou queda dos juros depende de fatores objetivos e endógenos. Mas, em si mesma, uma decisão singular do banco central sobre a taxa de juros é subjetiva e exógena (hoje, abstração). Uma sequência de medidas, que respondem a fatores materiais em geral, pode até ir contra as tendências e exigências da realidade, porém então fomenta condições, também políticas, para que a macrotendência econômica imponha-se. A oposição entre a endogeneidade ou exogeneidade da taxa de juros tem sua resolução proposta, pois medidas “em si” determinadas pelo governo ou Banco Central representam, com acidentes, já que o fator exógeno tem margem de ação, uma legalidade quando vistas em conjunto. Vejamos um caso reconhecidamente extremo. O governo brasileiro elevou a taxa de juros para os estratosféricos 68,91% (!) em 1994; tal decisão foi em si determinada de forma exógena, foi uma decisão política. Mas qual motivo justifica tal ação? Algo forçou a subjetividade a pensar medidas do tipo? A resposta: sim: por mais de uma década vivia-se uma situação de hiperinflação com pleno emprego dos fatores de produção, greves duras e longas, crescimento radical da esquerda, instabilidade econômica e política constantes. Então foi necessário tal medida para atrair capital especulativo, dólar, e forçar a valorização do câmbio para em torno de 1 real equivalente a 1 dólar, ou seja, explodiu a entrada de importados baratos, empresas nacionais quebraram diante dos juros e da concorrência, isso gerou um desemprego que – junto com mercadorias de baixo preço – encerrou o longo período de grandes lutas sociais. Em diante, a partir dessa nova base de referência, a taxa de juros passou por seus ciclos de queda para, em alternância, o período oposto, de elevação, até chegar ao histórico 2% em 2020. Logo, a determinação dos juros é e não é exógena e ao mesmo tempo é e não é endógena.

Vale dizer que, sob o capitalismo, a variação da taxa de juros pode ser em parte substituída pela mudança dos preços de energia (elétrica, gasolina etc.) regulados pelo governo. Tais mercadorias afetam as demais e a demanda e a oferta, o rumo do dinheiro etc.

 

A ASSIM CHAMADA “TEORIA MONETÁRIA MODERNA”

No desenvolvimento do capitalismo no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser considerada pela teoria das classes: o setor médio do assalariado servidor público, uma parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês.  Com a ampliação numérica do número de membros deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma esquerdização destes, expresso, por exemplo, na adoção dos métodos proletários de luta, como a greve. É natural, portanto, que surjam teorias que representem este setor. Assim, teóricos afins defendem o fortalecimento do estado burguês, os serviços públicos, contra as privatizações e pela adoção da política econômica keynesiana. Recentemente, a assim autoproclamada Teoria Monetária Moderna (MMT) busca destacar-se em meio ao reformismo político de esquerda.  Dada a moda teórica recente de tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao núcleo de sua natureza.

A pergunta universal do nosso artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições inerentes ou, ao contrário, podemos encontrar algum nível de estabilidade interna por dentro do sistema vigente; ou seja: se o reformismo e o centrismo (que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.

A MMT afirma: 1) é o Estado a fonte do dinheiro; 2) os impostos sevem apenas para retirar excesso de moeda e nunca para fins de financiamento estatal; 3) então, o Estado pode criar dinheiro “do nada” ao ponto de produzir permanente pleno emprego. Vamos aos elementos que impedem a proposta de realizar-se.

 

1. O Estado

A MMT tem por premissa o Estado abstrato, sem classe; o aparato estatal é, nesta visão, apenas o ente racional e bastam boas propostas para tudo dar certo… O caráter de classe da principal superestrutura burguesa é tema que passa longe dos teóricos da corrente aqui criticada. Adota-se a concepção de parte da classe média, a dos servidores públicos em especial: o Estado é mais ou menos em si neutro e disputável, pode ser ganho para esta ou aquela concepção. A luta de classes pode, em tal visão de mundo, ser mesmo útil para pressionar e gerar algum equilíbrio de forças opostas (veremos como isso é inviável).

A MMT ignora que a principal instituição estatal são as forças armadas e que, para garantir as regras do capital, a força objetiva das armas, além de toda burocracia interna, pode ser usada para garantir que tudo ocorra tal como espera a classe dominante. Um governo “progressivo” é incapaz de mudar qualitativamente a natureza do Estado; isso é provado pelos tantos golpes contra governanças de esquerda, mesmo quando fizeram tão pouco. A lógica da realidade atual impõe-se nem que seja por meio da bala e do fuzil.

O centro de uma produção teórica é descobrir porque as coisas são como são e não de outra forma, porque algo se faz necessário; distanciamo-nos do “como deveria ser” para entender como de fato o mundo é e os seus motivos. A mera consideração da natureza do Estado, independente do tipo de governo, já põe abaixo a defesa de políticas baseadas na MMT. A realidade tem mecanismos internos para impor suas leis. O mais absurdo é que toda a história humana é negada pela teoria citada já que, segundo seus teóricos, apenas faltou aos governantes a teoria correta cuja origem é tão recente… Se as propostas da MMT fossem corretas e viáveis, se garantisse a prosperidade do capital, os governos teriam pressa em implementá-las.

2. O pleno emprego

Este é o ponto mais decisivo da compreensão e o mais importante deste comentário. Observemos como o equilíbrio entre as classes é inviável, o que torna o uso prático da “moderna” teoria monetária um desejo utópico por um capitalismo mais humano.

Para a MMT, o máximo do dinheiro “criado do nada” sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção cuja medida central é empregar toda a força de trabalho nacional. Aqui o reformismo fica mais evidente ao deixar de compreender que ao capital é inerentemente insuportável por muito tempo uma situação de emprego pleno. Vejamos os motivos.

 

1. O pleno emprego, como força de lei objetiva – já que o medo de desemprego quase que desaparece –, leva necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial torna-se salário e custo com direitos sociais. Os trabalhadores tomam, assim, a ofensiva até mesmo na política (Kalecki, 2020). Isto é um problema ao capital e de modo algum pode ser indefinidamente suportado.

Observamos tal fenômeno ocorrer até o pico de 2016 no Brasil, antes do efeito do aumento vertiginoso da taxa de desemprego como política econômica burguesa. A partir da premissa equivocada de que a crise de 2008 seria apenas um abalo conjuntural, o governo do PT, esperando a normalização internacional, tomou medidas anticíclicas como a redução dos juros (em parte permitida pela entrada de capital especulativo no país, que saída dos países centrais em busca de melhores rendimentos contra a crise), investimentos estatais, aumento real do salário mínimo, etc. Observemos os dados a partir de 2013. A quantidade de greves explodiu:

 

 

GRÁFICO 8

Fonte: (Dieese, 2020)

 

O número de horas paradas também – desde 2009:

 

GRÁFICO 9

Fonte: (Dieese, 2020)

 

Aqui, temos de retomar a dialética. A realidade total nunca é como certa máquina ou relógio ou computador com sua causalidade mecânica; o real é um sistema orgânico, um organismo, por isso a causa, o (quase) pleno emprego em nosso caso, apenas de modo atrasado tem efeito nas mobilizações dos trabalhadores; pela mesma lógica da materialidade, o processo de fim do emprego pleno atrasadamente passa a reduzir a onda de paralizações. Como razão, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:

 

GRÁFICO 10

Fonte: (IBGE, 2020)

 

 

GRÁFICO 11

Fonte: (idem, 2021)

 

Veja-se que o governo petista[9] adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com ações anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração, que começa a ser revertido apenas com a entrada de vez do desemprego, com o processo de fim do pleno emprego:

GRÁFICO 12

Fonte: (IBGE, 2020)

                                     

2. O pleno emprego tem como base o aumento do número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O que isso significa? Com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão já está perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com o baixo desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para algumas empresas e ao capital em conjunto.

 

3. No aquecimento da economia, as empresas crescem e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o consumo aumentado e os investimentos a todo vapor leva a uma demanda maior por dinheiro, o que por sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês "produtivo" é sugado cada vez mais, dessa vez pelos bancos.

 

4. Com o aquecimento da economia, as empresas de monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de valor em outras empresas, com preços artificialmente altos. Mas há aqui ainda, aqui, outro caso típico. Pleno emprego dos fatores de produção, cuja medida é o uso de quase toda a força de trabalho disponível, é diferente de equilíbrio; enquanto a maioria dos setores está obrigada a rebaixar os preços, algumas empresas possuem oferta menor que a demanda, o que obriga aí à elevação dos preços, a sugar valor para si, aumentando os custos para outros (com matéria prima, etc.), e leva algum tempo para que surjam novas empresas que aumentem a oferta.

 

Enfim: o pleno emprego é crise ou, adotando o raciocínio dialético, o primeiro sinal da crise por meio de seu oposto – e crise é solução do ponto de vista do capital. O governo será pressionado a adotar a política econômica correspondente como foi o caso do governo Dilma II (um golpe de Estado apoiado pela maior parte da burguesia impôs a política econômica que o governo tinha dificuldade de assumir, pois havia perdido base social com as medidas do ministro da fazenda Levy). A crise é uma necessidade do capital.

Se queremos o pleno emprego, temos de aprender a “política econômica” marxista, o programa de transição. No lugar da utopia de apenas fazer o Estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e gasto público, exijamos algo classista, o que mobiliza as massas quando o desespero as alcança: escala móvel de tempo de trabalho, ou seja, redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego zero; isto é dividir todo o trabalho disposto na sociedade entre toda a força de trabalho disposta. Mas é mais fácil o capitalismo cair do que tal proposta ser aceita, especialmente durante a crise, e esta é exatamente sua grande força: empurra para uma luta “reformista” pelo o fim do sistema. É uma política superior à noção de Keynes, muito. Há uma taxa social, não natural, de desemprego exigido pela própria lógica do sistema capitalista, portanto quebrar uma de suas leis leva à revolução social. Para isso, o caminho não é o voto em partidos “progressivos” ou dar bons conselhos ao capital sobre como é supostamente bom uma economia capitalista a todo vapor, mas elevar o nível de organização dos trabalhadores.

 

3. A desvalorização do dinheiro

É evidente que o governo pode aumentar a quantidade de dinheiro, acima da arrecadação. Mas isso é quantitativo, não qualitativo, isto é, deve lastrear seus gastos nos impostos[10], lucro de estatais e em empréstimos.

Um incremento massivo de dinheiro em curto tempo tende a gerar inflação, mesmo que seja dos ativos financeiros, como temos observado desde 2008. Assim, uma quantidade maior de dinheiro, acima do necessário à circulação e ao entesouramento, tende à desvalorização da moeda. Isso é verificável, em especial desde o fim do lastro direto ao ouro (produzindo, segundo José Martins, inflação fictícia):

GRÁFICO 13

(Prado, Dinheiro: entre a ficção e o fetiche, 2020)

 

Assim, uma política baseada na MMT pode gerar, sob certas circunstâncias e proporções, fenômenos como a estagflação (Prado, Dinheiro: entre a ficção e o fetiche, 2020). A solução real dos problemas econômicos duros das próximas décadas virá pelo, até agora esquecido, programa de transição, ou seja, pela revolução social.

 

O ESTADO E A CRISE MONETÁRIA

Observamos que o governo, digamos, sente os sinais de que deve elevar ou reduzir os juros – e sua ação tem importância vital (a taxa de juros começa endógena e, permanecendo assim, torna-se cada vez mais exógena – abstração, crise de abstração! – por bancos centrais e por dinheiro artificial; A=A e… Não-A). Também soubemos que o dinheiro virtualizado torna-se, em certa medida, artificial (abstração), tornando também artificial e formal, em alguma medida, o sistema de arrecadação de impostos e de gastos (ver a última nota de rodapé). Enfim, em certo grau, a existência e a lógica do sistema é, hoje, garantida artificialmente pelo Estado, que garante uma regulação capitalista “normal”. Isso é um sinal negativo, invertido, na artificialidade do sistema, de que uma ferramenta estatal – desta vez, baseada na democracia participativa e direta, socialista – é necessária para um verdadeiro planejamento econômico finalmente possível. Além disso, denuncia que os limites do capitalismo expressam-se dentro dele próprio. Em nota anterior, dissemos: “Vários marxistas e economistas perceberam que o Estado, de modo artificial (garantindo o funcionamento do sistema artificialmente – o que em si merece reconhecimento teórico) impediu que poderosas empresas fechassem as portas…” Eis uma conclusão inescapável. Isso é um dos modos de contradição entre a necessidade de desenvolvimento das forças de produção, exigindo novo modo de vida, e as relações de produção e superestruturais vigentes.

O Estado e os bancos mantém e criam o dinheiro de modo artificial (abstração), ou seja, contradição, uma vez mais, entre forças produtivas e relações de produção-superestruturas. A aparência de dinheiro sem lastro é real, levada a sério, o que mina sua essência existencial; eis o contraditório. O dinheiro perde a medida, torna-se desmedido, um sem medida. A vã tentativa de salvar o sistema por criação hoje fácil e vulgar de moeda apenas adia e torna mais explosiva a catástrofe. O dinheiro é, em nosso tempo, um nada que ainda é tudo; eis o paradoxo. A facilidade atual de criar ou destruir moeda é o sinal de seu fim, de sua dispensabilidade. Carcanholo pensa a desmaterializacão da forma dinheiro como uma afirmação do valor, que tende a ser puro conceito – não vê sua crise como expressão da crise do dinheiro e do valor. No polo oposto, Kurz uniletariza ao pensar o dinheiro como sem valor, sem ver o lastro oculto na mercadoria, ou melhor, no seu valor. A “impressão” desregulada de dinheiro é o quantitativo subordinado tentar dominar o qualitativo dominante; mas, assim, o quantitativo tende a negar-se em sua autoafirmação arbitrária. Veja-se que o presidente Biden dos EUA adotou a tática da MMT, criou dinheiro tanto quanto a política permitiu. Após o início da crise de 2008, a base monetária, saltou de 1 trilhão para 2 trilhões de dólares. Depois, saltou para 4 trilhões. Enfim, para 9 trilhões! Dinheiro solto, o que nos dá outro exemplo empírico para demonstrar “pleno emprego é crise”.

 

GRÁFICO 14

(Fonte: na imagem)

 

Mas a inflação que surgiu com o pleno emprego não é em exato por conta do excesso de moeda na praça, pois a circulação de dinheiro desabou naquele país:

 

GRÁFICO 15

Fonte: (Roberts M. , Alta da inflação e risco financeiro, 2021)

 

Assim, na Europa e no EUA deram-se todos os sintomas da nova crise mundial após a quebra de 2008, isto é: desemprego baixo, aumento dos salários, aumento das greves, aumento do preço das matérias-primas (incapazes de acompanhar como seria melhor o aumento da demanda industrial, caso dos chips em falta), aumento dos juros etc. A MMT faliu e envelheceu mal, pois pleno emprego é gerar instabilidade ao capital e ao capitalismo.

 

 

 

 

 

 

 



[1] Iniciamos a abstração pelo século XVI, pelas grandes navegações; portanto, o dinheiro antes e em outros sistemas não nos interessa aqui. Fumo, conchas, aguardente, açúcar, etc. foram usados como dinheiro no triângulo comercial Portugal-Brasil-África. Ademais, o comércio começou como troca entre diferentes povos, iniciando pela troca mercadoria-mercadoria (escambo), para depois ser uma realidade interna destes.

[2] Essa desigualdade (temporal) da forma dos dinheiros nacionais e mundial, o ritmo descompassado de suas mudanças, é tendencialmente reduzida quanto mais evoluído está o capitalismo.

[3] Durante minha pesquisa, encontrei por acaso, por exposição de um militante, uma citação creditada a Hitler: "Nós não éramos imbecis ao ponto de tentar fazer uma moeda [lastreada em] ouro, do qual nada possuíamos, mas para cada marco que era emitido nós exigíamos um marco de valor de trabalho feito ou de bens produzidos... Nós ríamos das ocasiões em que nossos financistas nacionais apregoavam que o valor de uma moeda é regulado pelo ouro e pelos títulos do tesouro jazendo nos cofres de um banco estatal." Não encontrei nenhuma prova da veracidade dessas palavras, porém elas expressam muito bem o espírito das ideias sobre o dinheiro que aqui apresentamos, infelizmente talvez pela boca de um dos piores homens que a humanidade produziu.

[4] Esta consequência desenvolve ares de causa. Este caráter duplo relaciona-se com a decadência do império norteamericano. O dólar como dinheiro e reserva internacionais, além de manter o nível consumo sustentado no deficit comercial, permite manter seu poderoso aparato militar em todo o mundo. Por isso, interessantíssimo o fato de algo tornar-se sua própria negação: a produtividade e consumo nos EUA permitiu sua moeda torna-se a forma do dinheiro mundial; mas isso abriu caminho para a desindustrialização futura e entrada facilitada do capital-mercadoria, com o nível de consumo controlando a luta de classes interna.

[5] Desde a Guerra do Iraque, é quase uma sabedoria popular a importância do petróleo para o capitalismo, fonte de energia e matéria-prima para a indústria (plástico, etc.). Seu preço tem repercussão vital sobre os demais preços.

[6]             Exemplo: dedução automática da parcela de um empréstimo no salário; este último recebido pelo trabalhador num – por meio do – banco, não mais em escritório específico da empresa, como era até a década de 1980.

[7] Antes, o novo Estado concluirá a digitalização da moeda, como observa Paul Cockshott: “Remover todo o dinheiro em papel e moeda, substituir por cartões de crédito eletrônicos.” (Cockshott, Big Data e Supercomputadores: Fundamentos do cibercomunismo, 2020).

[8] Abstrairemos as pequenas flutuações e focaremos nas “ondas longas”. Além disso, a teoria que expomos aqui é ainda mais condizente nos EUA; o Fed (banco central) deste país afeta as taxas de juros nas demais nações ao alterar suas próprias taxas. Assim, se lá aumentam-se os juros, logo atrai capital para si, para os títulos de dívida estadunidenses, tirando dólar e investimento de outros países, que são, em regra, forçados ou pelo menos “estimulados” a compensar também elevando os juros, para voltar a atrair capital.

[9] Exato na época de grandes greves, entre 2013 e 2016, um setor da esquerda e de seus intelectuais, muitos petistas e muitos outros formalmente comunistas, defenderam a tese antimarxista de que havia no país uma “onda conservadora”. Tal “onda” pairava no ar, não se sabendo como surgiu nem de onde vinha, e entrava na consciência de todo o povo… Mas a empiria os desmentiu: se há onda grevista, logo há aí uma expressão da realidade esquerdizando a massa de assalariados. Eis tudo. Despois, a moda intelectual e reformista caiu em desuso, sem o devido balanço ou autocrítica. Daí se observa vários problemas, entre eles o fato de a intelectualidade acadêmica dita marxista viver em um mundo paralelo, mais próximo da classe média em seus apartamentos vizinhos, que entre trabalhadores de fato ou na periferia; isso também se expressa em que, em geral, estudam e pesquisam o que bem querem, não necessariamente o que o movimento revolucionário necessita, mesmo que por mediações e no próprio tempo da teoria, caindo por vezes em discussões alienadas, bizarras por vezes, das pressas da conjuntura ou da estrutura.

Outro erro naquela conjuntura, que ainda persiste na esquerda, ocorreu quando caracterizaram a situação politica, pelo menos a partir de 2013, como pré-revolucionária. Nossas observações refutam tal análise. O crescimento das lutas foi causado não por destruição econômica, mas por certa marcha forçada de crescimento, permitido pelo boom da venda de commodities ao estrangeiro a preços elevados, especialmente à China (que também adiou a forma destrutiva da crise – a superprodução de capitais no mundo – em seu território com incentivos estatais). Logo antes de uma crise propriamente dita, o desemprego cai, os salários sobem e as lutas crescem; por isso, a situação política era não revolucionária, mas aí entra outra categoria, momento, tratada em outro capítulo, útil para perceber que estávamos, por causa de circunstâncias combinadas, em um momento ofensivo, não defensivo. Com o golpe jurídico-parlamentar contra o governo Dilma (na aparência, pois, na essência, visava acelerar os ataques contra os trabalhadores que a governança do PT já não era capaz de aprofundar ao perder apoio dos assalariados), a situação tornou-se reacionária – e o momento tornou-se defensivo – porque combinou destruição econômica, perda de direitos, redução das greves e das lutas, classe média voltada à direita, burguesia unificada e governos reacionários.

[10] A MMT afirma que o arrecadado via impostos é destruído, como dados que são, e o Estado cria, posteriormente, dinheiro de todo novo ao gastar. Assim, a “teoria” seria correta por ser mera descrição empírica do que ocorre. Ora, se o dinheiro é destruído em uma ponta do processo, ele passa a existir idealmente na contabilidade estatal, muda de forma, ou seja, é, no segundo momento, apenas fisicamente (papel, bits) substituído por matéria nova, que passa a representar em diante aquilo recolhido legalmente. Os teóricos da MMT separam em absoluto de modo artificial os dois momentos e ignoram a transição de um para o outro. Descobrimos que os gastos são, portanto, lastreados, não arbitrários.

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