OS MACROCICLOS DO CAPITAL
O tema da
longa duração, dos grandes ciclos, anima diferentes posições teóricas. Nesse
sentido, Trotsky deu-nos uma grande contribuição esquecida mesmo entre seus
seguidores. Tomemos nota de uma citação:
Mas o capitalismo não se caracteriza só pela
periódica recorrência dos ciclos, de outra maneira a história seria uma
repetição completa e não um desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e
industriais são de diferente caráter em diferentes períodos. A principal
diferença entre eles que está determinada pelas inter-relações quantitativas
entre o período de crise e o de auge de cada ciclo considerado. Se o auge
restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do período precedente,
então o desenvolvimento capitalista está em ascenso. Se a crise, que significa
destruição, ou em todo caso contração das forças produtivas, sobrepassa em
intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração
da economia. Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em
magnitude, obtemos um equilíbrio temporário – um estancamento – da economia.
Este é o esquema no fundamental. Observamos na história que os ciclos
homogéneos estão agrupados em séries. Épocas inteiras de desenvolvimento
capitalista existem quando um certo número de ciclos estão caracterizados por
auges agudamente delineados e crises débeis e de curta vida. Como resultado,
obtemos um agudo movimento ascendente da curva básica do desenvolvimento
capitalista. Obtemos épocas de estancamento quando esta curva, ainda que
passando através de parciais oscilações cíclicas, permanece aproximadamente no
mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante certos períodos históricos,
a curva básica, ainda que passando como sempre através de oscilações cíclicas,
se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando a declinação das forças
produtivas.
Se observarmos
o consenso histórico de diferentes vertentes da economia, da marxista à
liberal, da década de 1940, com o fim da II-Guerra, até a de 1970 tivemos
crescimentos longos e crises fracas, renomeadas recessão. Da década de 1970 até
2008 vivemos um período de crises mais duras alternadas com crescimento e quase
estagnações. Por sua vez, o peso da crise de 2008 e suas consequências
duradouras apontam décadas de crises duras e crescimentos fracos. A ascensão
possibilitou e correspondeu à prática keynesiana; a transição da curva
necessitou da prática neoliberal; o declínio da curva encontra o esgotamento da
política econômica burguesa e possibilita um programa de transição ao
socialismo.
Embora
desconheça a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo tal como Trotsky
esboçou, Pikett a confirma em seu livro nos limites do seu empirismo:
A Europa continental — e a França em particular —
vive, em grande medida, numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele
período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970,
durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe
qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim
dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ainda agora, no início dos anos 2010,
imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os “Trinta
Desafortunados” (que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta anos), vai
desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como
antes.
Da
teorização exposta, o erro de Trotsky é concluir, à luz do fim da I guerra
mundial, que a produtividade recuaria quando a tendência é de crescimento
desacelerado (a contração das forças produtiva é possível no declínio da curva,
como tende a ser no Brasil, que caminha para a desindustrialização, mas algo em
si contingente). De sua elaboração econômica, a fenomenologia manteve-se: uma
curva de desenvolvimento que vai de crises leves com grandes crescimentos até
crises duras com baixo crescimento entremeados por uma fase de transição entre
um extremo e outro. A produção dos EUA, principal exemplo, teve tendência de
alta em meio às crises cíclicas tendencialmente cada vez mais duras (representadas
nas faixas cinzas do gráfico abaixo)[1].
GRÁFICO 5
Fonte: (FRED apud redação, 2018)
Cabe-nos uma
tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as
obrigações políticas o impediam de fazer uma atividade científica total. Assim,
enquanto criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev[2],
ele próprio apresentou o movimento geral percebido e suas manifestações, não
esgotando o trabalho teórico enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade
de uma duríssima pesquisa em torno do tema. Tentaremos concluir os aspectos
gerais de tal objetivo, o que tem nos obrigado a atualizar e discordar em parte
do teórico russo. Esta conclusão nos leva às eras do capital e percepção de que
as curvas históricas tomam a forma de ondas.
Vejamos
elementos em movimento:
a) A
revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade
do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, ou seja, eleva a
quantidade e o nível das contradições – dito de outro modo, maiores
desigualdades de composição orgânica do capital entre os departamento I,
produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo;
b) A III revolução
industrial – para nos aproximarmos de nossa realidade – faz falir
empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção;
c) Por
demitir assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por
desemprego maior comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda
tende a cair;
d) Maior
escala de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre
disponíveis na escala necessária – ou produz superoferta de meios de produção;
e) Maior
produtividade, este salto interno de qualidade, aumenta a possibilidade de
elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias ficarem presas, de
pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de
superprodução;
f) O capital
exigido para investir em maquinário e matéria-prima a ser adiantado é maior, o
que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser pago com o lucro
futuro;
g) As
possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de produção (custo
de produção mais mais-valor gerado) são mais presentes;
h) Os
transtornos da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele,
também aparecem com maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre
a resistência inicial;
i) Há queda
da massa de valor e da taxa de lucro à medida que as novas técnicas se
generalizam.[3]
Por outro
lado, ao mesmo tempo, as próprias crises cíclicas estimulam a adoção de novo
maquinário
A conclusão
de que as revoluções produtivas estimulam contradições e crises cíclicas foi
observada por Schumpeter (1988), mas a este faltou descobrir ligação com os macrociclos
do capital, de longa duração, com a curva de desenvolvimento capitalista
descoberta por Trotsky ou, como complementamos, com o que chamamos de eras do
capital. De qualquer modo, a tradição schumpeteriana fez a ligação entre
macrociclos e revoluções tecnológicas, embora usassem o modelo limitado e falho
de Kondratiev (mais à frente apresentaremos uma solução ao tema).
As crises
encaminham-se de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de 1945
à década de 1970, para um período transitório com crises mais duras cujas
sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do que
trovões fortes antes da tormenta, entre meados dos anos 1970 até 2008. Agora temos
um salto: declínio da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou
profundas e crescimentos débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as
crises cíclicas são formas de manifestação de processos profundos e essenciais
do sistema. Através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção.
Mantendo
esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de
generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, contradições
estas que devem ser resolvidas após aprofundadas, partamos para o fator
externo.
Cada
revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo
capitalista de produzir – salto interno. Por isso essas mudanças, ao elevarem a
produtividade, entram em contradição com as formações sociais e
superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução Industrial gera
contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar de
ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos
povos, de 1848 à 1850. Antes, deu força às revoluções burguesas como na França.
Este período onde a transição da curva e o declínio aconteceram é chamado por
Eric Hobsbawm “a era das revoluções”.
Após tais
tensionamentos, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo
ascenso da curva ou nova curva, de 1850 à 1873. Já a partir da década de 1870
surge a II Revolução Industrial e também entra em relativa contradição com a
formação sócio-superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso
histórico. Aqui se explica, por exemplo, a insistência “humanitária” britânica
pelo fim da escravidão no Brasil, por um nova multidão de assalariados e
consumidores em potencial de suas mercadorias.
Do mesmo
modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares de
absolutas: crise em 1914 na forma de guerra mundial, ou seja, início do declínio
da curva histórica até 1945, fim da II Guerra.
Tratemos da
atual curva. Ascenso entre 1945 até a década de 1970 com a II Revolução
Industrial de acordo, em confluência não contraditória, com a formação social
vigente. Logo depois: III Revolução Industrial gera nova contradição relativa
da década de 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e o declínio da curva
histórica.
Marx
(Grundrisse), Schumpeter e Babbage observaram que o maquinário fabril dura em
média 10 anos, seguido frequentemente de uma renovação com compra de máquinas
mais modernas, que aumentam a produtividade do trabalho. Mesmo se deixamos de
utilizar a ideia polêmica de revoluções industriais, a lógica acima se confirma
com mudanças na produção que exigem demais mudanças e aprofunda contradições
que se resolvem em uma estabilidade dinâmica temporária (ascenso da curva).
Esse é o
processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples e
cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a
grande indústria, I revolução técnica; deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2)
mudança na produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição
e, por consequência, 3) de 1820 à 1850 ocorre período de duras crises e fracos
crescimentos. No período da primeira era, mercantil, inexistindo crises
cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais
fatores agregados na avaliação, quer sejam, a situação das classes e o
desenvolvimento técnico. Ademais, o começo desta época inicial do capitalismo é
também destrutivo em seu avanço, pois a acumulação inicial ou primitiva do
capital foi produzida com expulsão dos camponeses das terras comunais na
Inglaterra, escravidão na América, aumento da miséria urbana, etc.
As elevações
qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma realidade
total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se. Assim, toda revolução na
indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e crise com
intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução
entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade social entra
em contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.
O capital
precisa rotar-se em nova velocidade, mas as “externalidades” impedem seu pleno
movimento e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na
produção quanto na circulação. Descobrimos crises cíclicas e tensões cada vez
mais intensas. Isso torna necessário romper tal contradição com as mudanças nas
eras do capital, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do
capital etc.
Podemos representar
as curvas visualmente:
Fonte: Própria (2020)
O ascenso equivale
a crises curtas e/ou anêmica; a transição apresenta crises mais duras ainda com
algum crescimento, com um certo “equilíbrio” entre os opostos, quase
estagnação, etc.; por último, o declínio aparece como crises longas e/ou
profundas. Vejamos as três curvas ou ondas:
Fonte: idem.
Fonte: idem.
Fonte: Idem.
Em resumo, as
três curvas históricas:
1. Século
XVI-1760 | 1760 – 1820 | 1820-1850
2. 1850-1873[4] |
1873-1913 | 1913-1945
3. 1945-1973
| 1973-2008 | 2008...
Porém aqui
há uma reviravolta, outro modo de observar. Do ponto de vista das eras do
capital, o ponto de partida não é o ascenso da curva, a baixa contradição do
capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais, que
iniciam a fase de estagnação, entre o ascenso e o declínio[5] -
do caos à ordem. Todas as revoluções produtivas foram o ponto de partida da
fase de transição, de estagnação ou estancamento, da curva histórica, a caminho
do declínio desta. Surgem elevando e gerando contradições entre o novo e o
velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre produção e comércio,
entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações sociais de produção
e organizacionais etc.
Desse ponto
de vista:
Primeiro
ciclo, comercial: 1500 - 1760
Segundo
ciclo, industrial: 1760 - 1873
Terceiro
ciclo, financeiro: 1873 - 1973
Quarto
ciclo, fictício: 1973...
No primeiro,
a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços de
mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em cooperação
simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial vence a
força constrangedora do trabalho, o nível de autonomia do artesão, fator que o
limitava e também o estimulava a superar esta contradição. No terceiro, a nova
escala de produção exige um tal adiantamento de capital que o capital produtor
de juros se torna mecanismo mais necessário para os saltos produtivos. Na
última era, desde a década de 1970, a expressão monetária do capital necessita
ainda mais que antes do capital produtor de juros, que passa a tornar-se
fictício; a financeirização ganha importância como reação à impossibilidade de
investimentos e à necessidade de permitir o montante de capital-dinheiro que
urge ao setor produtivo, na atual composição orgânica do capital.
Vejamos a
curva de desenvolvimento desde as três revoluções industriais ou, o que é outra
expressão do mesmo, o início da fase intermediária entre ascenso e declínio,
até novo ascenso.
Fonte: idem.
Fonte: Idem.
Fonte: Idem.
Fonte: Idem.
Por
evidente, as datas são aproximativas dos processos. O mais complicado, nesse
sentido, é a primeira curva de desenvolvimento, pois a I revolução industrial
teve seu caráter também destrutivo desde o começo, mas apenas no início do
século XIX (alguns consideram 1812; outros, 1825) começam as duríssimas crises
cíclicas.
Em sua
elaboração original, o começo era a ascenção da curva. O que para Trótski era
ponto de partida – por exemplo, o crescimento de 1945 à 1973 –, é, em nossa
análise, a resolução de uma contradição na totalidade macroeconômica e
macrossocial. Se prosperar, a transição ao socialismo será a resolução das contradições atuais iniciadas na década de
1970, desta era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os
elementos existentes do sistema anterior, isto é, superar a contradição entre o
desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes e
suas superestruturas.
Desde uma
observação cuidadosa, percebemos que cada revolução industrial – portanto, cada
curva que se inicia pela fase de transição – dura em média 100 anos. Por quê?
As crises cíclicas ocorrem mais ou menos de 10 em 10 anos, em média tendencial,
no processo circular e espiral de crescimento, estagnação, crise e recuperação.
Este mal é parte necessária da própria saúde doentia do capitalismo. E gera as bases
para as revoluções produtivas seguintes. As alterações singulares na produção
geram contradições internas à sociedade total; se a ascenção permite a
vitalidade para a revolução industrial, permite também o início de um
autolimite que necessita ser resolvido. O mero fato de cada momento –
transição, declínio e ascensão – durarem, cada um, algumas décadas e saltarem
necessariamente para o próximo estágio, oferece o tom de secularidade a cada
revolução industrial. A razão para a tendência secular das curvas de
desenvolvimento histórico do capitalismo – uma vez observadas desde a
estagnação (transição), não a partir do equilíbrio dinâmico – é idêntica em
outra escala, superior, ao auge-estagnação-crise dos ciclos mais ou menos
decenais da economia capitalista: a superprodução revelada empiricamente na
contradição entre produção e circulação, cuja dinâmica é mediada por ações extraeconômicas,
o Estado, etc. Trotsky pensava que inexistia uma regularidade temporal em
tendência; hoje, um século depois de sua primeira elaboração do tema, podemos
observar que de fato há uma regularidade.
Se
abstraímos os fatores sociais, que ditam parte do ritmo, e observamos de modo
“puro” a atual curva de desenvolvimento, os limites internos do sistema serão
em meados do século XXI, concordando com o debate no capítulo anterior sobre a
queda da taxa de lucro e também com os limites da crise ambiental. Entre as
décadas de 2050 e 2070 ocorrerá, visto desse modo, o domínio relativamente
estável da III revolução industrial via transição ao socialismo ou, ao
contrário, um cenário de fim da civilização. É certo que a datação secular de
cada curva uma vez observada pela fase de transição é insuficiente para a curva
atual, pois a época de mudança sistêmica exige muito do fator subjetivo; por
outro lado, serve de guia para pensar o tempo histórico no qual vivemos desde
2008, um tempo de crises duras exigentes de uma solução estrutural.
***
O mérito
reivindicado neste capítulo é o de baixar ao chão o debate sobre os ciclos,
ondas ou curvas longas do capitalismo. Saímos do debate apenas abstrato e
colocamos o tema na sua atual função histórica. Além das atualizações anteriores
propostas, também propomos resolução da polêmica sobre se o avanço tecnológico
marca o início do ascenso da curva, como pensava Kondratiev, ou seu declínio,
como pensava a tradição schumpeteriana, ainda presos ao avanço em “v”
investido, ao incluirmos o período de transição, pelo qual começamos, da curva
de desenvolvimento de Trotsky, que se inicia com a revolução industrial
correspondente, quando as crises são mais duras, mas ainda não são o período
depressivo do declínio posterior (que por sua vez antecede o equilíbrio
dinâmico temporário, o chamado ascenso – que é, para nós, a conclusão, não o
início). Arrigh pensou a longa duração como apenas ascensão e declínio de um
império, que, após desenvolver o comércio e a produção, financeiriza-se, entra
em decadência; assim pensou pela via política o que deveria ser tratado de
modo, primeiro, abstraído, como ciclos econômicos dotados, também, de
transição.
TEORIA DO COLAPSO
A teoria do
“processo de colapso” é de Marx. Os marxistas sabem de cor a ideia de que um
sistema cai e é substituído apenas quando explora todas as suas possibilidades;
o raciocínio dialético – se levado a sério – impede ilimitada margem de manobra
ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise
geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em 1914...
Mas ele não tinha um elemento teórico, qual seja, a teoria das curvas históricas,
mais importante que a das crises cíclicas. Tal é uma enorme contribuição de
Trótski. Se acrescentamos as eras do capital, percebemos toda a dinâmica e
conseguimos explicar o motivo de Marx, Lênin e Trótski terem errado ao
considerarem que aquela crise era a última quando não a era de fato.
Diz o
general do Exército Vermelho:
e) A Teoria do Colapso
Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra
Mundial, as inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos
burocratas dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas
façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução)
parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era
considerada como uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico de Marx era
contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição
melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de
classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais
bem dotado dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar
gradualmente a democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso
reside a essência do reformismo. Que resultou dele?
A vida do capitalismo monopolista de nossa época é
uma cadeia de crises. Cada crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de
salvar-se destas catástrofes parciais por meio de barreiras alfandegárias, da
inflação, do aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para
outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados,
matérias-primas e colônias torna inevitáveis as catástrofes militares. E tudo
isso prepara as catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil concordar
com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo,
sossegado e razoável”. Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos
vestígios de razão. Seja como for, não há dúvida de que a “teoria do colapso”
triunfou sobre a teoria do desenvolvimento pacífico.
Percebemos que o cenário pintado por
Leon Trotsky deixou de existir após a II guerra mundial. As crises tornaram-se
mais leves nos países centrais e muitos países atrasados, como o Brasil,
conheceram grande crescimento.
Pouco antes de falecer (1883), K.
Marx percebeu mudanças no capitalismo, expostas no livro III d’O Capital.
Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais clareza a existência de
novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico estavam presenciando o
início da terceira era do capital, fase de estagnação daquela curva histórica e
a II revolução industrial. Vejamos passagem:
[Depois de Marx ter escrito as linhas acima,
desenvolveram-se, como é notório, novas
formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda
ou à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente
aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a
lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção
ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E
acresce que cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se
isola dos demais e notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo
artificial a capacidade interna de produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos,
lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de
concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a
ela mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o
fato de se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo
para constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta
estabelece a quantidade a produzir por estabelecimento e, em última instância,
reparte as encomendas ou pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se
temporariamente cartéis internacionais, como o anglo-teuto de produção
siderúrgica. Mas essa forma de associação entre empresas produtoras ainda não
era adequada. O choque de interesses das diversas empresas violava-a com demasiada
frequência e acabava restabelecendo a concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o permitia,
a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande sociedade por
ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na América, e na
Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs nas mãos de
uma única firma toda a produção britânica de álcali. […] O capital todo
atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que constitui a base de
toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a concorrência e
prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda, pela
nação. - F.E.]
É a negação
do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma
contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de
transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto
contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a
intervenção do Estado. Reproduz nova
aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores,
fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e
embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e comércio de
ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, pp. 254, 255;
grifos nossos)
O que Marx,
Engels e depois Lenin observaram era o nascer da fase imperialista o que se
difere de observar, tal qual hoje, a completa consolidação dessa fase.
Ver-se
limite potencialmente absoluto neste momento histórico: de 1873-1913,
estagnação, à 1913-1945, declínio. Então, por que o colapso faltou? Trotsky
oferece, inconscientemente, uma pista; o refutaremos dentro de seu próprio
argumento:
¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN?
Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi
juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no
há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las
fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es
fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para
los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los
destinos de la Unión Soviética. Si se
demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de
progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo,
esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos
precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado
demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como
explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas
sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora
que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista,
modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos
plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede
esperar aún hacer uma obra de progreso?
Em carta a
Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização global:
Não há como negar que a sociedade burguesa tenha
sofrido pela segunda vez seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua
morte, assim como o primeiro o conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da
sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em esboço, e da produção
baseada nesse mercado.
Esboço, diz
Marx. Percebemos a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente
o desenvolvimento quase máximo do mercado planetário atual para abrir a
possibilidade alta de superação do sistema. Vivemos o terceiro e definitivo
século 16 com a globalização, com o avanço e a redução de custos com transporte
e comunicação.
Trotsky, tal
como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele concluiu que os
limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos, que
determinam o ritmo da curva, faziam absolutos estes limites mesmos. Era
verdade, mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se
encontram; os limites da autocontradição do capital encontram-se com os limites
das relações externas à economia. Basta a observação de que o capitalismo já
domina, em diferente da época do teórico, quase todos os poros do mundo.
O
capitalismo tinha ainda mais uma curva de desenvolvimento capitalista, como
ficou provado. Esta curva, atual, põe a III revolução da indústria, que é forma
em si contraditória com o capital e típica do socialismo. A teoria do colapso e
a revolução permanente encontraram ao redor do século XXI o terreno tão
esperado pelos seus autores. Enfim podemos afirmar que o capital está diante de
seus limites históricos; a época de crises profundas retornou, desta vez, de
maneira sistêmica.
Observando o
declínio da primeira curva, período de duras crises, após a transição, Marx e
Engels afirmaram que as forças produtivas haviam se tornado forças destrutivas
Porque
nossos mestres erraram, porque foram apressados, alguns teóricos afirmam que o
capitalismo não cairá por si. Tal consideração também erra ao deixar de ver o
motivo dos limites nas visões dos clássicos. O escravismo romano caiu em agonia
lenta, mas objetiva; o feudalismo foi necessariamente dando espaço ao capital[7].
Neste momento, chegamos à fórmula “socialismo ou barbárie” (Rosa Luxemburgo) “se
tivermos sorte” (Mèszáros) como duas alternativas. A morte do capital é certa; já
a vitória do socialismo, não. O fator subjetivo, diante das bases objetivas
maduras, fará diferença quanto ao resultado histórico.
CURVA DE
DESENVOLVIMENTO E A TEORIA DA MISÉRIA CRESCENTE
Há polêmica
entre os teóricos sobre se segue válida a teoria da miséria crescente e se o
velho Marx manteve esta elaboração na sua maturidade. Antes de mais, destacamos
que inexiste em O Capital qualquer referência a tal teoria, qualquer
subcapítulo específico sobre o tema, qualquer comentário. O mais próximo que
temos é isto:
Segue-se, portanto, que à medida que o capital é acumulado,
a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar.
Por último, a lei [da acumulação] mantém a superpopulação relativa ou exército
industrial de reserva em constante equilíbrio com o volume e o vigor da
acumulação prende o trabalhador ao capital (…). Portanto, a acumulação de
riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o suplício do
trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no
polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como
capital.
Porém a
citação é insuficiente para afirmar que o mouro tenha erguido a miséria
crescente ao patamar teórico. A questão, por outro lado, passa longe de ser
literária e professoral: o importante é ver na realidade se há correspondência.
Em primeiro lugar, precisamos fazer uma complementação: a assim chamada teoria explica
uma lei se estiver correta. Em segundo, é comum que as leis da sociedade sejam
tendenciais com suas autocontratendências[8]; vejamos
alguns casos:
1. A miséria crescente produz luta de
classes (greves, ocupações, etc.), o que, em caso de vitórias dos
trabalhadores, quando o capital é capaz de ceder, pode melhorar as condições de
vida ou pelo menos impedir maior deterioração das relações trabalhistas[9];
2. Os momentos de superprodução, antes da
III Revolução Industrial, costumam ser acompanhados do pleno emprego e, por
causa das melhores condições de luta, aumento salariais e das condições humanas;
3. Empresas e Estados imperialistas podem
exportar contradições superexplorando os trabalhadores de outros países e, por
tal motivo, oferecendo melhores condições para os proletários de países ricos –
mas, em nossa época, com o alto desenvolvimento dos transportes e comunicações,
o “excesso” de direitos e salários tende a tirar empresas de determinada nação,
ainda que seja a sede oficial, e sua implementação em um país mais viável para
extração de mais-valor;
4. Por causa de pressões econômicas e
classistas, o Estado pode intervir de maneira parcial na realidade para gerar
empregos por meio de obras públicas, reduzindo o exército industrial de
reserva, algumas voltadas para a qualidade de vida (saneamento básico, etc.).
5. Pode-se dar alguma qualidade de vida
para a classe trabalhadora minando a classe média (exemplo: o programa Mais
Médico no Brasil levou médicos cubanos aos pobres, mas então prejudicou a
aristocracia médica do país);
6. Pôr maquinário novo pode reduzir o numero
de operários totais de uma empresa, logo com aumento da miséria dos demitidos,
e ser acompanhado de aumento de salário e condições de trabalho daqueles que
mantiveram o contrato de trabalho, ainda que a taxa de exploração aumente;
7. Enfim, o capital sendo ao mesmo tempo
“destruição criativa” (Schumpeter) e “criação destruidora” (Chico de Oliveira)
– “Mas ambas são idênticas, o criar é destruidor, a destruição é criadora”
O último ponto
é nosso destaque. Como o jovem Marx observou a transição e o declínio de uma
das curvas de desenvolvimento, da revolução industrial à primavera dos povos,
pôde, assim, ver a miséria crescente ser produzida. Diante da qualidade de vida
na Europa e nos EUA no pós-II Guerra até o início dos anos 1970, teóricos
marxistas como Roman Rosdolsky
CURVA DE
DESENVOLVIMENTO NO MUNDO E NAS NAÇÕES
Em teoria,
somos obrigados a tratar níveis de abstração. Os países mais decisivos para o
ritmo mundial são os imperialistas e grandes submetrópoles como o Brasil. Eles
denunciam uma curva global de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, há
nações inteiras, como China, que estão em fases nacionais diferentes, de alto
crescimento, das curvas de desenvolvimento. Mesmo considerando que a totalidade
é o vital para as mudanças mundiais, faz-se necessário explicar essa diferença.
Tomemos os
dados a seguir:
GRÁFICO 6
Fonte:
GRÁFICO 7
Fonte: idem.
Ambos os
gráficos demonstram queda de crescimento após 1970. O trabalho foi feito por
Alan Freeman no artigo “A sexagenária tendência declinante do crescimento
econômico nos países industrializados do mundo”. No entanto, em que pese a
ótima elaboração, ele evita explicar as razões do declínio.
Podemos
elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é, em nosso tempo, o
capitalismo de uma nação, menores são as possibilidades de seu crescimento. Por
isso, vai ficando cada vez mais – tendencialmente – lento o crescimento de
Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase todas as suas
possibilidades.
O mesmo é
válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980, pois é tão maduro
sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de
crescimento maiores relativas aos da China atual, destino prioritários dos
capitais internacionais por décadas, gerou demanda interna por urbanização no
século XX; até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito industrializado,
muito urbanizado, com luta de classes citadina, elevados comércio e sistema
bancário etc. A entrada da China no mercado mundial permitiu um ambiente mais
“saudável” para o capital; em diante, o principal país latino-americano
conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje presente –, desindustrialização
progressiva, crescimentos conjunturais limitados, destruição do patrimônio
público por meio da privatização etc.
O contrário
ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa populacional rural,
espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras agricultáveis para
agronegócio etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo “atrasadas”
a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais maduros, com,
por assim dizer, excesso de capitalismo.
Vejamos os
10 países de maior previsão de crescimento – acima da reconhecida China – em
2017
Os próximos
saltos realmente globais de crescimento são alcançáveis apenas por meio de
outra sociedade. Até esta se impor, o fraco crescimento do capitalismo nas
nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um
desenvolvimento destrutivo. O “excesso de maturidade” demonstrará um divórcio
entre crescimento humano e crescimento econômico de forma cada vez mais
evidente e na medida mesma em que este último encontra autobarreiras sob o
capital.
Há ainda
duas observações destacáveis. Em primeiro, o relógio do tempo histórico é
internacional. Se o mundo vive a superprodução de capitais e mercadorias, então
países como a China terão suas possibilidades “nacionais” de desenvolvimento
encurtadas. A temporalidade é, antes de mais, mundial, responde à alta
integração das partes, dos países. Os limites da nação respondem, portanto, de
um lado a fatores internos como nível de urbanização, industrialização, o grau
de desenvolvimento da propriedade rural[11]
e, de outro, a fatores externos, que podem encurtar a margem de
desenvolvimento, como o surgir de países com melhores condições de investimento
para o capital internacionalizado, os limites gerais do capital, etc. Japão é,
em muitos aspectos, o melhor país para observar a crise sistêmica e, em nosso
tema imediato, as limitações internacionais; com o fim da II Guerra, aquele
país recebeu um estímulo especial para se reerguer longe de vias socialistas
como um câmbio muito desvalorizado; isso permitiu impulsionar a indústria
nacional para o mundo, porém chegou-se a um ponto crítico em que começava a
ameaçar o poderio estadunidense; este, então, operou todo tipo de pressão até
forçar o governo japonês a valorizar sua moeda de modo drástico; a vantagem
dissipou-se; o Estado do Japão derrubou os juros, tentou contrabalancear com o
consumo interno, e conheceu décadas de quase estagnação com ameaças de
depressão econômica a partir de 2008. A necessidade de uma revolução social
para retomar a prosperidade consolidou-se por combinação de fatores internos e
internacionais.
Em segundo,
o neoliberalismo é uma necessidade do capital quando o desenvolvimento nacional
encontra limites, quando se esgota; tem de satisfazer a necessidade de
acumulação capitalista por meio de privatizações, redução de serviços públicos,
etc. Já em países em “desenvolvimento”, o keynesianismo é a política econômica adotada,
que tem em seu próprio ventre o seu oposto, a futura adoção do paradigma
neoliberal. De modo idealista, os políticos e os economistas “progressivos”,
muitos de esquerda, reclamam e apontam diferenças entre as medidas de um Estado
contra as de outro. Pedem que a razão tome de assalto o governo e ilumine, pelo
exemplo, a mente dos estadistas. Ora, falta responder por que as coisas são tal
como são, por que acontecem de maneira necessária, assim. É nas bases materiais
que encontramos a resposta da adoção prática desta ou daquela teoria econômica
instrumental. Quem está contra o governo “privatista” mas nunca contra o
capitalismo, quem quer de volta o poder estatal de Keynes, perde a locomotiva
da história porque olha para o passado, nega a necessidade do socialismo, do
futuro. Na fase imperialista, o poder estatal surge como o grande capitalista,
capaz de endividar-se, de concentrar dinheiro para investimentos de grande
porte típicos da época imperialista, ser o comprador por excelência, etc. Mas
tão logo o desenvolvimento do capital encontra barreiras ao seu autodesenvolvimento
privado, a principal superestrutura burguesa, o Estado, atua em defesa da taxa e
da massa de lucratividade de sua classe. O modelo neoliberal demonstra que o
modo de produção capitalista esgota-se, precisa e pode ser superado. Não é o
modelo keynesiano que levou ao crescimento mas as condições da economia que
permitiram o crescimento e a adoção da política econômica correspondente. O
idealismo cede lugar ao materialismo.
TENDÊNCIA AO
LUCRO DESTRUTIVO
O lucro
tende a basear-se no regressivo pela contradição entre as relações de produção
e as forças produtivas. No Brasil, a ditadura militar destruiu as ferrovias do
país para que empresas de automóveis tivessem lucros maiores – aumentando a
poluição, encarecendo os custos de transporte, etc. A Rússia depende da
ativação de guerras para que seu complexo militar evite a crise. Em Israel, a
“nação” depende da construção civil e da indústria mélica, logo a guerra contra
os palestinos é uma constante – as ações de suas empresas crescem quando o
governo lança bombas contra a Palestina. No Brasil, temos o exemplo de as ações
na bolsa crescerem exato porque há crise, recuo econômico, pois, por exemplo, a
situação ruim impede a alta de juros, ao derrubar a demanda, facilitando o
crédito, e as empresas têm menos concorrentes. É uma contradição entre lucro e
qualidade de vida da maioria, já presente antes, mas acentuada em nossa época.
Segundo a Oxfam, no auge da pandemia do Covid 19, surgiu um novo bilionário no
mundo a cada 26 horas, e os 10 homens mais ricos do planeta mais que dobraram
suas fortunas; ao mesmo tempo, a pobreza aumentou para a maioria
CRISE NA
PRIMEIRA REVLUÇÃO INDUTRIAL
Marx
demonstra que a introdução das máquinas pela primeira vez foi um desastre
completo para o trabalhador produtivo, que perdeu a batalha. Até o tamanho
médio dos cidadãos assalariados caiu, geração após geração. Lembramos porque
isso é, por si mesmo, crise, involução da principal força produtiva. Assim,
afastamo-nos do economicismo.
O próprio
Marx destaca a poderosa crise de 1925, que inicia o declínio da curva de desenvolvimento,
após a primeira fase, a transição, e antes da terceira, ascenso. Mas ele diz de
crises parciais anteriores na economia:
De 1770 a 1815, a indústria algodoeira esteve em
depressão ou estagnação por 5 anos. Durante esse primeiro período de 45 anos,
os fabricantes ingleses desfrutavam do monopólio da maquinaria e do mercado
mundial. De 1815 a 1821, depressão; em 1822 e 1823, prosperidade; em 1824, são
abolidas as leis de coalizão, grande expansão geral das fábricas; em 1825,
crise…
O processo
todo foi desumano. Crise, ainda hoje, pode significar que o setor mais
importante ou a maior parte da burguesia ri alegre da situação enquanto os
trabalhadores veem suas condições definharem. Para a burguesa, em geral, crise
é solução, lucro etc. A crise iniciada com a revolução capitalista na produção
trouxe consigo o desamparo da maioria e bastante ouro para algumas poucas
contas bancárias.
[1] A
estatística condiz com Marx, contra Trotsky: “A estatística das exportações e
importações serve para medir a acumulação do capital real – o capital produtivo
e o capital-mercadoria. E revela sempre que no período de desenvolvimento da
indústria inglesa (1815-1870) marcado por ciclos decenais, o máximo da última
fase de prosperidade antes da crise reaparece sempre como mínimo da subsequente
fase de prosperidade, para em seguida atingir novo máximo mais elevado.”
[2] O
próprio Kondratiev reconhece que foi Trotsky, no primeiro congresso da III
Internacional, quem primeiro expôs a ideia de ciclos longos. Para localizar o
leitor: após a exposição de Trotsky, Kondratiev partiu de sua ideia e elaborou
a teoria dos ciclos, que duram entre 50 e 60 anos, com uma fase a, ascendente,
e uma fase b, descendente; ao longo deste capítulo, ficará evidente a pobreza
de sua elaboração.
[3]
Nesta lista, vemos que as diferentes teses para a razão das crises periódicas
são válidas; “subconsumo”, superprodução de capital, queda da taxa de lucro
(aliás, o central), redução da massa de valor, desproporcionalidade, etc. Que
são todos impulsionados pelo avanço técnico.
[4] “En esa época Marx no podía tomar en
cuenta – sólo observó el ascenso en el mercado – que se enfrentaba con una
nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las
vacilaciones débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la
economía a niveles más altos. No previó esto. La revolución no vino en 1859-60.
En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de Italia, luego tuvimos la
guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes,
cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de
batallas. Fue a principios de los ‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea
de depresión, estancamiento.”
[5] Esse
erro ocorre também, não apenas, por uma posição intuitiva e “estética”, como se
algo que naturalmente devesse começar a visualização da curva pelo ascenso,
pela baixa contradição, não pela transição.
[6]
Ver-se em Trotsky uma unilateralidade e catastrofismo quanto ao tema. Para ele,
as forças produtivas sequer tornam-se destrutivas sob as bases atuais, mas há
apenas uma paralisia completa de seus avanços. Em outro capítulo, daremos uma
resposta sintética, mas clara e completa, sobre a relação das forças de
produção e as relações de produção.
[7]
Cada modo de vida classista – escravismo, feudalismo, capitalismo, primeiras
fases do socialismo – tende a durar menos tempo relativo ao modo de vida
anterior, pois é mais produtivo do que aquele existente antes e desenvolve mais
rapidamente as forças de produção, rumo ao esgotamento sob as bases vigentes,
necessitando passar para outro estágio.
[8]
Dito de passagem, há dúvida se a legalidade dialética de uma tendência produzir
contratendências pertence apenas ao ser social, por ser o mais complexo, ou
também abarca o mundo natural. Vejamos dois possíveis exemplos que podem
responder a questão, no inorgânico e no orgânico. Uma estrela tem tendência a
colapsar para dentro de si, de a gravidade fazer aproximação rumo a um buraco
negro ou estrela de nêutrons; mas tal tendência produz fusões de átomos, que
liberam fótons e estes a empurram para fora, em contratendência; surge uma
estabilidade dinâmica na estrela até a tendência impor-se. As grandes extinções
destruíram seres vivos e forçaram espécies ligeiramente diferentes a acasalarem
entre si, formando eventualmente novas espécies; isso é empiricamente
demonstrável desde a atual grande extinção, de origem humana, que tem
impulsionado acasalamentos entre espécies diferentes; ademais, a extinção de
algumas espécies facilita o surgimento de outras, a extinção dos dinossauros
“abriu o terreno” para os mamíferos. Para fins de complemento, até em
matemática encontramos uma relação de tendência e contratendência, na
conjectura de Collatz.
[9]
Marx diz “a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de
piorar.” Ora, a remuneração alta dá melhores condições ao trabalhador, pode
melhorar sua situação.
[10]
Nota lógica. A relação dialética de tendência e contratendência está acima, por
apontar o rumo, da relação em que a causa produz efeitos opostos.
[11] O
desenvolvimento dos três elementos citados – urbanização, industrialização,
grande propriedade rural – são destacados ao longo do livro, por isso chamamos
atenção ao leitor.
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