domingo, 21 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - Cap. 4 - Os macrociclos do capital

 

OS MACROCICLOS DO CAPITAL

 

O tema da longa duração, dos grandes ciclos, anima diferentes posições teóricas. Nesse sentido, Trotsky deu-nos uma grande contribuição esquecida mesmo entre seus seguidores. Tomemos nota de uma citação:

 

Mas o capitalismo não se caracteriza só pela periódica recorrência dos ciclos, de outra maneira a história seria uma repetição completa e não um desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e industriais são de diferente caráter em diferentes períodos. A principal diferença entre eles que está determinada pelas inter-relações quantitativas entre o período de crise e o de auge de cada ciclo considerado. Se o auge restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do período precedente, então o desenvolvimento capitalista está em ascenso. Se a crise, que significa destruição, ou em todo caso contração das forças produtivas, sobrepassa em intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração da economia. Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em magnitude, obtemos um equilíbrio temporário – um estancamento – da economia. Este é o esquema no fundamental. Observamos na história que os ciclos homogéneos estão agrupados em séries. Épocas inteiras de desenvolvimento capitalista existem quando um certo número de ciclos estão caracterizados por auges agudamente delineados e crises débeis e de curta vida. Como resultado, obtemos um agudo movimento ascendente da curva básica do desenvolvimento capitalista. Obtemos épocas de estancamento quando esta curva, ainda que passando através de parciais oscilações cíclicas, permanece aproximadamente no mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante certos períodos históricos, a curva básica, ainda que passando como sempre através de oscilações cíclicas, se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando a declinação das forças produtivas. (Trotsky, A Curva do Desenvolvimento Capitalista - Leon Trotsky, 2012)

 

Se observarmos o consenso histórico de diferentes vertentes da economia, da marxista à liberal, da década de 1940, com o fim da II-Guerra, até a de 1970 tivemos crescimentos longos e crises fracas, renomeadas recessão. Da década de 1970 até 2008 vivemos um período de crises mais duras alternadas com crescimento e quase estagnações. Por sua vez, o peso da crise de 2008 e suas consequências duradouras apontam décadas de crises duras e crescimentos fracos. A ascensão possibilitou e correspondeu à prática keynesiana; a transição da curva necessitou da prática neoliberal; o declínio da curva encontra o esgotamento da política econômica burguesa e possibilita um programa de transição ao socialismo.

Embora desconheça a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo tal como Trotsky esboçou, Pikett a confirma em seu livro nos limites do seu empirismo:

 

A Europa continental — e a França em particular — vive, em grande medida, numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ainda agora, no início dos anos 2010, imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os “Trinta Desafortunados” (que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta anos), vai desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como antes. (Pikett, 2014, p. 120)

 

Da teorização exposta, o erro de Trotsky é concluir, à luz do fim da I guerra mundial, que a produtividade recuaria quando a tendência é de crescimento desacelerado (a contração das forças produtiva é possível no declínio da curva, como tende a ser no Brasil, que caminha para a desindustrialização, mas algo em si contingente). De sua elaboração econômica, a fenomenologia manteve-se: uma curva de desenvolvimento que vai de crises leves com grandes crescimentos até crises duras com baixo crescimento entremeados por uma fase de transição entre um extremo e outro. A produção dos EUA, principal exemplo, teve tendência de alta em meio às crises cíclicas tendencialmente cada vez mais duras (representadas nas faixas cinzas do gráfico abaixo)[1].

 

GRÁFICO 5

Fonte: (FRED apud redação, 2018)

 

Cabe-nos uma tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as obrigações políticas o impediam de fazer uma atividade científica total. Assim, enquanto criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev[2], ele próprio apresentou o movimento geral percebido e suas manifestações, não esgotando o trabalho teórico enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade de uma duríssima pesquisa em torno do tema. Tentaremos concluir os aspectos gerais de tal objetivo, o que tem nos obrigado a atualizar e discordar em parte do teórico russo. Esta conclusão nos leva às eras do capital e percepção de que as curvas históricas tomam a forma de ondas.

Vejamos elementos em movimento:

a) A revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, ou seja, eleva a quantidade e o nível das contradições – dito de outro modo, maiores desigualdades de composição orgânica do capital entre os departamento I, produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo;

b) A III revolução industrial – para nos aproximarmos de nossa realidade – faz falir empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção;

c) Por demitir assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por desemprego maior comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda tende a cair;

d) Maior escala de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre disponíveis na escala necessária – ou produz superoferta de meios de produção;

e) Maior produtividade, este salto interno de qualidade, aumenta a possibilidade de elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias ficarem presas, de pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de superprodução;

f) O capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima a ser adiantado é maior, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser pago com o lucro futuro;

g) As possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de produção (custo de produção mais mais-valor gerado) são mais presentes;

h) Os transtornos da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele, também aparecem com maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre a resistência inicial;

i) Há queda da massa de valor e da taxa de lucro à medida que as novas técnicas se generalizam.[3]

 

Por outro lado, ao mesmo tempo, as próprias crises cíclicas estimulam a adoção de novo maquinário (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 209), o que revela um processo dialético de causalidade recíproca, de interinfluência em desenvolvimento.

A conclusão de que as revoluções produtivas estimulam contradições e crises cíclicas foi observada por Schumpeter (1988), mas a este faltou descobrir ligação com os macrociclos do capital, de longa duração, com a curva de desenvolvimento capitalista descoberta por Trotsky ou, como complementamos, com o que chamamos de eras do capital. De qualquer modo, a tradição schumpeteriana fez a ligação entre macrociclos e revoluções tecnológicas, embora usassem o modelo limitado e falho de Kondratiev (mais à frente apresentaremos uma solução ao tema).

As crises encaminham-se de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de 1945 à década de 1970, para um período transitório com crises mais duras cujas sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do que trovões fortes antes da tormenta, entre meados dos anos 1970 até 2008. Agora temos um salto: declínio da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou profundas e crescimentos débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as crises cíclicas são formas de manifestação de processos profundos e essenciais do sistema. Através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção.

Mantendo esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, contradições estas que devem ser resolvidas após aprofundadas, partamos para o fator externo.

Cada revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo capitalista de produzir – salto interno. Por isso essas mudanças, ao elevarem a produtividade, entram em contradição com as formações sociais e superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução Industrial gera contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar de ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos povos, de 1848 à 1850. Antes, deu força às revoluções burguesas como na França. Este período onde a transição da curva e o declínio aconteceram é chamado por Eric Hobsbawm “a era das revoluções”.

Após tais tensionamentos, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo ascenso da curva ou nova curva, de 1850 à 1873. Já a partir da década de 1870 surge a II Revolução Industrial e também entra em relativa contradição com a formação sócio-superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico. Aqui se explica, por exemplo, a insistência “humanitária” britânica pelo fim da escravidão no Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em potencial de suas mercadorias.

Do mesmo modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares de absolutas: crise em 1914 na forma de guerra mundial, ou seja, início do declínio da curva histórica até 1945, fim da II Guerra.

Tratemos da atual curva. Ascenso entre 1945 até a década de 1970 com a II Revolução Industrial de acordo, em confluência não contraditória, com a formação social vigente. Logo depois: III Revolução Industrial gera nova contradição relativa da década de 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e o declínio da curva histórica.

Marx (Grundrisse), Schumpeter e Babbage observaram que o maquinário fabril dura em média 10 anos, seguido frequentemente de uma renovação com compra de máquinas mais modernas, que aumentam a produtividade do trabalho. Mesmo se deixamos de utilizar a ideia polêmica de revoluções industriais, a lógica acima se confirma com mudanças na produção que exigem demais mudanças e aprofunda contradições que se resolvem em uma estabilidade dinâmica temporária (ascenso da curva).

Esse é o processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples e cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a grande indústria, I revolução técnica; deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2) mudança na produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição e, por consequência, 3) de 1820 à 1850 ocorre período de duras crises e fracos crescimentos. No período da primeira era, mercantil, inexistindo crises cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais fatores agregados na avaliação, quer sejam, a situação das classes e o desenvolvimento técnico. Ademais, o começo desta época inicial do capitalismo é também destrutivo em seu avanço, pois a acumulação inicial ou primitiva do capital foi produzida com expulsão dos camponeses das terras comunais na Inglaterra, escravidão na América, aumento da miséria urbana, etc.

As elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se. Assim, toda revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e crise com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade social entra em contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.

O capital precisa rotar-se em nova velocidade, mas as “externalidades” impedem seu pleno movimento e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na produção quanto na circulação. Descobrimos crises cíclicas e tensões cada vez mais intensas. Isso torna necessário romper tal contradição com as mudanças nas eras do capital, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do capital etc.

Podemos representar as curvas visualmente:

            Fonte: Própria (2020)

 

O ascenso equivale a crises curtas e/ou anêmica; a transição apresenta crises mais duras ainda com algum crescimento, com um certo “equilíbrio” entre os opostos, quase estagnação, etc.; por último, o declínio aparece como crises longas e/ou profundas. Vejamos as três curvas ou ondas:

Fonte: idem.

Fonte: idem.

Fonte: Idem.

 

Em resumo, as três curvas históricas:

 

1. Século XVI-1760 | 1760 – 1820 | 1820-1850

2. 1850-1873[4] | 1873-1913 | 1913-1945

3. 1945-1973 | 1973-2008 | 2008...

 

Porém aqui há uma reviravolta, outro modo de observar. Do ponto de vista das eras do capital, o ponto de partida não é o ascenso da curva, a baixa contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais, que iniciam a fase de estagnação, entre o ascenso e o declínio[5] - do caos à ordem. Todas as revoluções produtivas foram o ponto de partida da fase de transição, de estagnação ou estancamento, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e gerando contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações sociais de produção e organizacionais etc.

 

Desse ponto de vista:

 

Primeiro ciclo, comercial: 1500 - 1760

Segundo ciclo, industrial: 1760 - 1873

Terceiro ciclo, financeiro: 1873 - 1973

Quarto ciclo, fictício: 1973...

 

No primeiro, a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços de mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em cooperação simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial vence a força constrangedora do trabalho, o nível de autonomia do artesão, fator que o limitava e também o estimulava a superar esta contradição. No terceiro, a nova escala de produção exige um tal adiantamento de capital que o capital produtor de juros se torna mecanismo mais necessário para os saltos produtivos. Na última era, desde a década de 1970, a expressão monetária do capital necessita ainda mais que antes do capital produtor de juros, que passa a tornar-se fictício; a financeirização ganha importância como reação à impossibilidade de investimentos e à necessidade de permitir o montante de capital-dinheiro que urge ao setor produtivo, na atual composição orgânica do capital.

Vejamos a curva de desenvolvimento desde as três revoluções industriais ou, o que é outra expressão do mesmo, o início da fase intermediária entre ascenso e declínio, até novo ascenso.

Fonte: idem.

Fonte: Idem.

 

Fonte: Idem.

 

Fonte: Idem.

 

Por evidente, as datas são aproximativas dos processos. O mais complicado, nesse sentido, é a primeira curva de desenvolvimento, pois a I revolução industrial teve seu caráter também destrutivo desde o começo, mas apenas no início do século XIX (alguns consideram 1812; outros, 1825) começam as duríssimas crises cíclicas.

Em sua elaboração original, o começo era a ascenção da curva. O que para Trótski era ponto de partida – por exemplo, o crescimento de 1945 à 1973 –, é, em nossa análise, a resolução de uma contradição na totalidade macroeconômica e macrossocial. Se prosperar, a transição ao socialismo será a resolução das contradições atuais iniciadas na década de 1970, desta era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os elementos existentes do sistema anterior, isto é, superar a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes e suas superestruturas.

Desde uma observação cuidadosa, percebemos que cada revolução industrial – portanto, cada curva que se inicia pela fase de transição – dura em média 100 anos. Por quê? As crises cíclicas ocorrem mais ou menos de 10 em 10 anos, em média tendencial, no processo circular e espiral de crescimento, estagnação, crise e recuperação. Este mal é parte necessária da própria saúde doentia do capitalismo. E gera as bases para as revoluções produtivas seguintes. As alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade total; se a ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial, permite também o início de um autolimite que necessita ser resolvido. O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão – durarem, cada um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio, oferece o tom de secularidade a cada revolução industrial. A razão para a tendência secular das curvas de desenvolvimento histórico do capitalismo – uma vez observadas desde a estagnação (transição), não a partir do equilíbrio dinâmico – é idêntica em outra escala, superior, ao auge-estagnação-crise dos ciclos mais ou menos decenais da economia capitalista: a superprodução revelada empiricamente na contradição entre produção e circulação, cuja dinâmica é mediada por ações extraeconômicas, o Estado, etc. Trotsky pensava que inexistia uma regularidade temporal em tendência; hoje, um século depois de sua primeira elaboração do tema, podemos observar que de fato há uma regularidade.

Se abstraímos os fatores sociais, que ditam parte do ritmo, e observamos de modo “puro” a atual curva de desenvolvimento, os limites internos do sistema serão em meados do século XXI, concordando com o debate no capítulo anterior sobre a queda da taxa de lucro e também com os limites da crise ambiental. Entre as décadas de 2050 e 2070 ocorrerá, visto desse modo, o domínio relativamente estável da III revolução industrial via transição ao socialismo ou, ao contrário, um cenário de fim da civilização. É certo que a datação secular de cada curva uma vez observada pela fase de transição é insuficiente para a curva atual, pois a época de mudança sistêmica exige muito do fator subjetivo; por outro lado, serve de guia para pensar o tempo histórico no qual vivemos desde 2008, um tempo de crises duras exigentes de uma solução estrutural.

***

O mérito reivindicado neste capítulo é o de baixar ao chão o debate sobre os ciclos, ondas ou curvas longas do capitalismo. Saímos do debate apenas abstrato e colocamos o tema na sua atual função histórica. Além das atualizações anteriores propostas, também propomos resolução da polêmica sobre se o avanço tecnológico marca o início do ascenso da curva, como pensava Kondratiev, ou seu declínio, como pensava a tradição schumpeteriana, ainda presos ao avanço em “v” investido, ao incluirmos o período de transição, pelo qual começamos, da curva de desenvolvimento de Trotsky, que se inicia com a revolução industrial correspondente, quando as crises são mais duras, mas ainda não são o período depressivo do declínio posterior (que por sua vez antecede o equilíbrio dinâmico temporário, o chamado ascenso – que é, para nós, a conclusão, não o início). Arrigh pensou a longa duração como apenas ascensão e declínio de um império, que, após desenvolver o comércio e a produção, financeiriza-se, entra em decadência; assim pensou pela via política o que deveria ser tratado de modo, primeiro, abstraído, como ciclos econômicos dotados, também, de transição.

 

TEORIA DO COLAPSO

A teoria do “processo de colapso” é de Marx. Os marxistas sabem de cor a ideia de que um sistema cai e é substituído apenas quando explora todas as suas possibilidades; o raciocínio dialético – se levado a sério – impede ilimitada margem de manobra ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em 1914... Mas ele não tinha um elemento teórico, qual seja, a teoria das curvas históricas, mais importante que a das crises cíclicas. Tal é uma enorme contribuição de Trótski. Se acrescentamos as eras do capital, percebemos toda a dinâmica e conseguimos explicar o motivo de Marx, Lênin e Trótski terem errado ao considerarem que aquela crise era a última quando não a era de fato.

Diz o general do Exército Vermelho:

 

e) A Teoria do Colapso

Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução) parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era considerada como uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico de Marx era contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem dotado dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar gradualmente a democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a essência do reformismo. Que resultou dele?

A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises. Cada crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de salvar-se destas catástrofes parciais por meio de barreiras alfandegárias, da inflação, do aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados, matérias-primas e colônias torna inevitáveis as catástrofes militares. E tudo isso prepara as catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil concordar com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo, sossegado e razoável”. Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos vestígios de razão. Seja como for, não há dúvida de que a “teoria do colapso” triunfou sobre a teoria do desenvolvimento pacífico. (Trotsky, O marxismo em nosso tempo, 2009)

 

            Percebemos que o cenário pintado por Leon Trotsky deixou de existir após a II guerra mundial. As crises tornaram-se mais leves nos países centrais e muitos países atrasados, como o Brasil, conheceram grande crescimento.

            Pouco antes de falecer (1883), K. Marx percebeu mudanças no capitalismo, expostas no livro III d’O Capital. Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais clareza a existência de novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico estavam presenciando o início da terceira era do capital, fase de estagnação daquela curva histórica e a II revolução industrial. Vejamos passagem:

 

[Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é notório, novas formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E acresce que cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos, lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a quantidade a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as encomendas ou pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente cartéis internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa forma de associação entre empresas produtoras ainda não era adequada. O choque de interesses das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e acabava restabelecendo a concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o permitia, a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande sociedade por ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na América, e na Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs nas mãos de uma única firma toda a produção britânica de álcali. […] O capital todo atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que constitui a base de toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a concorrência e prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda, pela nação. - F.E.]

É a negação do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a intervenção do Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, pp. 254, 255; grifos nossos)

 

O que Marx, Engels e depois Lenin observaram era o nascer da fase imperialista o que se difere de observar, tal qual hoje, a completa consolidação dessa fase.

Ver-se limite potencialmente absoluto neste momento histórico: de 1873-1913, estagnação, à 1913-1945, declínio. Então, por que o colapso faltou? Trotsky oferece, inconscientemente, uma pista; o refutaremos dentro de seu próprio argumento:

 

¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN?

Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso?  (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 234, 235)

 

Em carta a Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização global:

 

Não há como negar que a sociedade burguesa tenha sofrido pela segunda vez seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua morte, assim como o primeiro o conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em esboço, e da produção baseada nesse mercado. (Marx, Marx To Engels In Manchester)

 

Esboço, diz Marx. Percebemos a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente o desenvolvimento quase máximo do mercado planetário atual para abrir a possibilidade alta de superação do sistema. Vivemos o terceiro e definitivo século 16 com a globalização, com o avanço e a redução de custos com transporte e comunicação.

Trotsky, tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele concluiu que os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos, que determinam o ritmo da curva, faziam absolutos estes limites mesmos. Era verdade, mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se encontram; os limites da autocontradição do capital encontram-se com os limites das relações externas à economia. Basta a observação de que o capitalismo já domina, em diferente da época do teórico, quase todos os poros do mundo.

O capitalismo tinha ainda mais uma curva de desenvolvimento capitalista, como ficou provado. Esta curva, atual, põe a III revolução da indústria, que é forma em si contraditória com o capital e típica do socialismo. A teoria do colapso e a revolução permanente encontraram ao redor do século XXI o terreno tão esperado pelos seus autores. Enfim podemos afirmar que o capital está diante de seus limites históricos; a época de crises profundas retornou, desta vez, de maneira sistêmica.

Observando o declínio da primeira curva, período de duras crises, após a transição, Marx e Engels afirmaram que as forças produtivas haviam se tornado forças destrutivas (Marx & Engels, A ideologia alemã, 2007, p. 41). No declínio da segunda curva de desenvolvimento, Trotsky afirmou “As forças produtivas da humanidade deixaram de crescer. As novas invenções e os novos progressos técnicos não conduzem mais a um crescimento da riqueza material. As crises conjunturais, nas condições da crise social de todo o sistema capitalista, sobrecarregam as massas de privações e sofrimentos cada vez maiores.”[6] (Trotsky, O programa de transição). Com a crise estrutural, observando inconscientemente desde a transição da curva de desenvolvimento iniciado na década de 1970, a terceira curva, Mészàros afirmou que o capitalismo somente poderia desenvolver-se em diante de modo destrutivo (Mészáros, Para além do capital, 2011). Todos os teóricos aí citados acertam e erram ao mesmo tempo porque deixaram de oberservar a dialética das curvas de desenvolvimento do capitalismo do modo como expomos neste capítulo. O que justifica, então, supormos que esta terceira curva de desenvolvimento é de fato a última? Por que acertamos desta vez? Entre outros fatores: 1) a taxa de lucro aproxima-se de sua queda absoluta; 2) a III revolução industrial permite pela primeira vez a produção socializada – e coloca em crise a substância valor; 3) a crise ambiental exige solução sistêmica. Esses três fatores bastam para concluir que estamos diante da época de transição, a mais importante da história.

Porque nossos mestres erraram, porque foram apressados, alguns teóricos afirmam que o capitalismo não cairá por si. Tal consideração também erra ao deixar de ver o motivo dos limites nas visões dos clássicos. O escravismo romano caiu em agonia lenta, mas objetiva; o feudalismo foi necessariamente dando espaço ao capital[7]. Neste momento, chegamos à fórmula “socialismo ou barbárie” (Rosa Luxemburgo) “se tivermos sorte” (Mèszáros) como duas alternativas. A morte do capital é certa; já a vitória do socialismo, não. O fator subjetivo, diante das bases objetivas maduras, fará diferença quanto ao resultado histórico.

 

CURVA DE DESENVOLVIMENTO E A TEORIA DA MISÉRIA CRESCENTE

Há polêmica entre os teóricos sobre se segue válida a teoria da miséria crescente e se o velho Marx manteve esta elaboração na sua maturidade. Antes de mais, destacamos que inexiste em O Capital qualquer referência a tal teoria, qualquer subcapítulo específico sobre o tema, qualquer comentário. O mais próximo que temos é isto:

 

Segue-se, portanto, que à medida que o capital é acumulado, a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar. Por último, a lei [da acumulação] mantém a superpopulação relativa ou exército industrial de reserva em constante equilíbrio com o volume e o vigor da acumulação prende o trabalhador ao capital (…). Portanto, a acumulação de riqueza num polo é, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, o suplício do trabalho, a escravidão, a ignorância, a brutalização e a degradação moral no polo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital. (Marx, O capital I, 2013, pp. 720,721)

 

Porém a citação é insuficiente para afirmar que o mouro tenha erguido a miséria crescente ao patamar teórico. A questão, por outro lado, passa longe de ser literária e professoral: o importante é ver na realidade se há correspondência. Em primeiro lugar, precisamos fazer uma complementação: a assim chamada teoria explica uma lei se estiver correta. Em segundo, é comum que as leis da sociedade sejam tendenciais com suas autocontratendências[8]; vejamos alguns casos:

 

1.         A miséria crescente produz luta de classes (greves, ocupações, etc.), o que, em caso de vitórias dos trabalhadores, quando o capital é capaz de ceder, pode melhorar as condições de vida ou pelo menos impedir maior deterioração das relações trabalhistas[9];

2.         Os momentos de superprodução, antes da III Revolução Industrial, costumam ser acompanhados do pleno emprego e, por causa das melhores condições de luta, aumento salariais e das condições humanas;

3.         Empresas e Estados imperialistas podem exportar contradições superexplorando os trabalhadores de outros países e, por tal motivo, oferecendo melhores condições para os proletários de países ricos – mas, em nossa época, com o alto desenvolvimento dos transportes e comunicações, o “excesso” de direitos e salários tende a tirar empresas de determinada nação, ainda que seja a sede oficial, e sua implementação em um país mais viável para extração de mais-valor;

4.         Por causa de pressões econômicas e classistas, o Estado pode intervir de maneira parcial na realidade para gerar empregos por meio de obras públicas, reduzindo o exército industrial de reserva, algumas voltadas para a qualidade de vida (saneamento básico, etc.).

5.         Pode-se dar alguma qualidade de vida para a classe trabalhadora minando a classe média (exemplo: o programa Mais Médico no Brasil levou médicos cubanos aos pobres, mas então prejudicou a aristocracia médica do país);

6.         Pôr maquinário novo pode reduzir o numero de operários totais de uma empresa, logo com aumento da miséria dos demitidos, e ser acompanhado de aumento de salário e condições de trabalho daqueles que mantiveram o contrato de trabalho, ainda que a taxa de exploração aumente;

7.         Enfim, o capital sendo ao mesmo tempo “destruição criativa” (Schumpeter) e “criação destruidora” (Chico de Oliveira) – “Mas ambas são idênticas, o criar é destruidor, a destruição é criadora” (Hegel, Ciência da Lógica - a Doutrina da Essência, 2017, p. 224) – resolve as contradições internas que as fases de transição e de declínio da curva história expressam e passa por períodos de ascensão da curva, com maior estabilidade, o que reduz a miséria crescente por algumas décadas.

 

O último ponto é nosso destaque. Como o jovem Marx observou a transição e o declínio de uma das curvas de desenvolvimento, da revolução industrial à primavera dos povos, pôde, assim, ver a miséria crescente ser produzida. Diante da qualidade de vida na Europa e nos EUA no pós-II Guerra até o início dos anos 1970, teóricos marxistas como Roman Rosdolsky (Rosdolsky, 2001) abandonaram a teoria, e sua lei, aqui comentada. Apenas observando a tendência produzindo a própria contratendência relativa[10] e ao perceber a ligação com as curvas de desenvolvimento histórico se faz possível clarear o tema e resolvê-lo. Trata-se de uma legalidade relativa, tendencial.

 

CURVA DE DESENVOLVIMENTO NO MUNDO E NAS NAÇÕES

Em teoria, somos obrigados a tratar níveis de abstração. Os países mais decisivos para o ritmo mundial são os imperialistas e grandes submetrópoles como o Brasil. Eles denunciam uma curva global de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, há nações inteiras, como China, que estão em fases nacionais diferentes, de alto crescimento, das curvas de desenvolvimento. Mesmo considerando que a totalidade é o vital para as mudanças mundiais, faz-se necessário explicar essa diferença.

Tomemos os dados a seguir:

 

GRÁFICO 6

            Fonte: (Freeman, 2019)

GRÁFICO 7

Fonte: idem.

 

Ambos os gráficos demonstram queda de crescimento após 1970. O trabalho foi feito por Alan Freeman no artigo “A sexagenária tendência declinante do crescimento econômico nos países industrializados do mundo”. No entanto, em que pese a ótima elaboração, ele evita explicar as razões do declínio.

Podemos elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é, em nosso tempo, o capitalismo de uma nação, menores são as possibilidades de seu crescimento. Por isso, vai ficando cada vez mais – tendencialmente – lento o crescimento de Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase todas as suas possibilidades.

O mesmo é válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980, pois é tão maduro sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de crescimento maiores relativas aos da China atual, destino prioritários dos capitais internacionais por décadas, gerou demanda interna por urbanização no século XX; até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito industrializado, muito urbanizado, com luta de classes citadina, elevados comércio e sistema bancário etc. A entrada da China no mercado mundial permitiu um ambiente mais “saudável” para o capital; em diante, o principal país latino-americano conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje presente –, desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados, destruição do patrimônio público por meio da privatização etc.

O contrário ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa populacional rural, espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras agricultáveis para agronegócio etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo “atrasadas” a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais maduros, com, por assim dizer, excesso de capitalismo.

Vejamos os 10 países de maior previsão de crescimento – acima da reconhecida China – em 2017 (BBC, 2017): Etiópia, 8,3%; Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%; Djibouti, 7%; Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%. O que há em comum? O alto processo de crescimento tem como causa o baixo desenvolvimento… São países com base – isto é, seus atrasos – para uso de mecanismos estimulantes dos talentos capitalistas: endividamento do Estado, vantagens fiscais às empresas estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização, superexploração da força de trabalho etc. São países cujas características nacionais ainda permitem amadurecer em larga escala elementos capitalistas em oposição aos países que já desenvolveram a industrialização, a urbanização, a grande propriedade rural, etc. e por isso crescem muito menos, possuem menos possibilidades latentes.

Os próximos saltos realmente globais de crescimento são alcançáveis apenas por meio de outra sociedade. Até esta se impor, o fraco crescimento do capitalismo nas nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um desenvolvimento destrutivo. O “excesso de maturidade” demonstrará um divórcio entre crescimento humano e crescimento econômico de forma cada vez mais evidente e na medida mesma em que este último encontra autobarreiras sob o capital.

Há ainda duas observações destacáveis. Em primeiro, o relógio do tempo histórico é internacional. Se o mundo vive a superprodução de capitais e mercadorias, então países como a China terão suas possibilidades “nacionais” de desenvolvimento encurtadas. A temporalidade é, antes de mais, mundial, responde à alta integração das partes, dos países. Os limites da nação respondem, portanto, de um lado a fatores internos como nível de urbanização, industrialização, o grau de desenvolvimento da propriedade rural[11] e, de outro, a fatores externos, que podem encurtar a margem de desenvolvimento, como o surgir de países com melhores condições de investimento para o capital internacionalizado, os limites gerais do capital, etc. Japão é, em muitos aspectos, o melhor país para observar a crise sistêmica e, em nosso tema imediato, as limitações internacionais; com o fim da II Guerra, aquele país recebeu um estímulo especial para se reerguer longe de vias socialistas como um câmbio muito desvalorizado; isso permitiu impulsionar a indústria nacional para o mundo, porém chegou-se a um ponto crítico em que começava a ameaçar o poderio estadunidense; este, então, operou todo tipo de pressão até forçar o governo japonês a valorizar sua moeda de modo drástico; a vantagem dissipou-se; o Estado do Japão derrubou os juros, tentou contrabalancear com o consumo interno, e conheceu décadas de quase estagnação com ameaças de depressão econômica a partir de 2008. A necessidade de uma revolução social para retomar a prosperidade consolidou-se por combinação de fatores internos e internacionais.

Em segundo, o neoliberalismo é uma necessidade do capital quando o desenvolvimento nacional encontra limites, quando se esgota; tem de satisfazer a necessidade de acumulação capitalista por meio de privatizações, redução de serviços públicos, etc. Já em países em “desenvolvimento”, o keynesianismo é a política econômica adotada, que tem em seu próprio ventre o seu oposto, a futura adoção do paradigma neoliberal. De modo idealista, os políticos e os economistas “progressivos”, muitos de esquerda, reclamam e apontam diferenças entre as medidas de um Estado contra as de outro. Pedem que a razão tome de assalto o governo e ilumine, pelo exemplo, a mente dos estadistas. Ora, falta responder por que as coisas são tal como são, por que acontecem de maneira necessária, assim. É nas bases materiais que encontramos a resposta da adoção prática desta ou daquela teoria econômica instrumental. Quem está contra o governo “privatista” mas nunca contra o capitalismo, quem quer de volta o poder estatal de Keynes, perde a locomotiva da história porque olha para o passado, nega a necessidade do socialismo, do futuro. Na fase imperialista, o poder estatal surge como o grande capitalista, capaz de endividar-se, de concentrar dinheiro para investimentos de grande porte típicos da época imperialista, ser o comprador por excelência, etc. Mas tão logo o desenvolvimento do capital encontra barreiras ao seu autodesenvolvimento privado, a principal superestrutura burguesa, o Estado, atua em defesa da taxa e da massa de lucratividade de sua classe. O modelo neoliberal demonstra que o modo de produção capitalista esgota-se, precisa e pode ser superado. Não é o modelo keynesiano que levou ao crescimento mas as condições da economia que permitiram o crescimento e a adoção da política econômica correspondente. O idealismo cede lugar ao materialismo.

 

TENDÊNCIA AO LUCRO DESTRUTIVO

O lucro tende a basear-se no regressivo pela contradição entre as relações de produção e as forças produtivas. No Brasil, a ditadura militar destruiu as ferrovias do país para que empresas de automóveis tivessem lucros maiores – aumentando a poluição, encarecendo os custos de transporte, etc. A Rússia depende da ativação de guerras para que seu complexo militar evite a crise. Em Israel, a “nação” depende da construção civil e da indústria mélica, logo a guerra contra os palestinos é uma constante – as ações de suas empresas crescem quando o governo lança bombas contra a Palestina. No Brasil, temos o exemplo de as ações na bolsa crescerem exato porque há crise, recuo econômico, pois, por exemplo, a situação ruim impede a alta de juros, ao derrubar a demanda, facilitando o crédito, e as empresas têm menos concorrentes. É uma contradição entre lucro e qualidade de vida da maioria, já presente antes, mas acentuada em nossa época. Segundo a Oxfam, no auge da pandemia do Covid 19, surgiu um novo bilionário no mundo a cada 26 horas, e os 10 homens mais ricos do planeta mais que dobraram suas fortunas; ao mesmo tempo, a pobreza aumentou para a maioria (Globo A. O., 2022). Tanto melhor para o capital se há destruição; isso diminui a pressão sobre a sociedade e o Estado para prevenção, antecipação, reação, investimento; pois o lucro está logo ali, atrás de uma tragédia. O capitalismo é um canibal que devora o próprio braço. A situação de mais crise que progresso produz megaempresas que se sustentam graças ao meio ambiente declinante, seja porque leva a novo tipo de demanda, seja porque a concorrência não surge, seja porque controla a luta de classes; logo é de seus interesses a continuação de certo clima de terra arrasada.

 

CRISE NA PRIMEIRA REVLUÇÃO INDUTRIAL

Marx demonstra que a introdução das máquinas pela primeira vez foi um desastre completo para o trabalhador produtivo, que perdeu a batalha. Até o tamanho médio dos cidadãos assalariados caiu, geração após geração. Lembramos porque isso é, por si mesmo, crise, involução da principal força produtiva. Assim, afastamo-nos do economicismo.

O próprio Marx destaca a poderosa crise de 1925, que inicia o declínio da curva de desenvolvimento, após a primeira fase, a transição, e antes da terceira, ascenso. Mas ele diz de crises parciais anteriores na economia:

 

De 1770 a 1815, a indústria algodoeira esteve em depressão ou estagnação por 5 anos. Durante esse primeiro período de 45 anos, os fabricantes ingleses desfrutavam do monopólio da maquinaria e do mercado mundial. De 1815 a 1821, depressão; em 1822 e 1823, prosperidade; em 1824, são abolidas as leis de coalizão, grande expansão geral das fábricas; em 1825, crise… (Marx, O capital I, 2013, p. 641)

 

O processo todo foi desumano. Crise, ainda hoje, pode significar que o setor mais importante ou a maior parte da burguesia ri alegre da situação enquanto os trabalhadores veem suas condições definharem. Para a burguesa, em geral, crise é solução, lucro etc. A crise iniciada com a revolução capitalista na produção trouxe consigo o desamparo da maioria e bastante ouro para algumas poucas contas bancárias.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] A estatística condiz com Marx, contra Trotsky: “A estatística das exportações e importações serve para medir a acumulação do capital real – o capital produtivo e o capital-mercadoria. E revela sempre que no período de desenvolvimento da indústria inglesa (1815-1870) marcado por ciclos decenais, o máximo da última fase de prosperidade antes da crise reaparece sempre como mínimo da subsequente fase de prosperidade, para em seguida atingir novo máximo mais elevado.” (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, p. 663)

[2] O próprio Kondratiev reconhece que foi Trotsky, no primeiro congresso da III Internacional, quem primeiro expôs a ideia de ciclos longos. Para localizar o leitor: após a exposição de Trotsky, Kondratiev partiu de sua ideia e elaborou a teoria dos ciclos, que duram entre 50 e 60 anos, com uma fase a, ascendente, e uma fase b, descendente; ao longo deste capítulo, ficará evidente a pobreza de sua elaboração.

[3] Nesta lista, vemos que as diferentes teses para a razão das crises periódicas são válidas; “subconsumo”, superprodução de capital, queda da taxa de lucro (aliás, o central), redução da massa de valor, desproporcionalidade, etc. Que são todos impulsionados pelo avanço técnico.

[4] “En esa época Marx no podía tomar en cuenta – sólo observó el ascenso en el mercado – que se enfrentaba con una nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las vacilaciones débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la economía a niveles más altos. No previó esto. La revolución no vino en 1859-60. En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de Italia, luego tuvimos la guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes, cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de batallas. Fue a principios de los ‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea de depresión, estancamiento.” (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, p. 190)

[5] Esse erro ocorre também, não apenas, por uma posição intuitiva e “estética”, como se algo que naturalmente devesse começar a visualização da curva pelo ascenso, pela baixa contradição, não pela transição.

[6] Ver-se em Trotsky uma unilateralidade e catastrofismo quanto ao tema. Para ele, as forças produtivas sequer tornam-se destrutivas sob as bases atuais, mas há apenas uma paralisia completa de seus avanços. Em outro capítulo, daremos uma resposta sintética, mas clara e completa, sobre a relação das forças de produção e as relações de produção.

[7] Cada modo de vida classista – escravismo, feudalismo, capitalismo, primeiras fases do socialismo – tende a durar menos tempo relativo ao modo de vida anterior, pois é mais produtivo do que aquele existente antes e desenvolve mais rapidamente as forças de produção, rumo ao esgotamento sob as bases vigentes, necessitando passar para outro estágio.

[8] Dito de passagem, há dúvida se a legalidade dialética de uma tendência produzir contratendências pertence apenas ao ser social, por ser o mais complexo, ou também abarca o mundo natural. Vejamos dois possíveis exemplos que podem responder a questão, no inorgânico e no orgânico. Uma estrela tem tendência a colapsar para dentro de si, de a gravidade fazer aproximação rumo a um buraco negro ou estrela de nêutrons; mas tal tendência produz fusões de átomos, que liberam fótons e estes a empurram para fora, em contratendência; surge uma estabilidade dinâmica na estrela até a tendência impor-se. As grandes extinções destruíram seres vivos e forçaram espécies ligeiramente diferentes a acasalarem entre si, formando eventualmente novas espécies; isso é empiricamente demonstrável desde a atual grande extinção, de origem humana, que tem impulsionado acasalamentos entre espécies diferentes; ademais, a extinção de algumas espécies facilita o surgimento de outras, a extinção dos dinossauros “abriu o terreno” para os mamíferos. Para fins de complemento, até em matemática encontramos uma relação de tendência e contratendência, na conjectura de Collatz.

[9] Marx diz “a situação do trabalhador, seja sua remuneração alta ou baixa, tem de piorar.” Ora, a remuneração alta dá melhores condições ao trabalhador, pode melhorar sua situação.

[10] Nota lógica. A relação dialética de tendência e contratendência está acima, por apontar o rumo, da relação em que a causa produz efeitos opostos.

[11] O desenvolvimento dos três elementos citados – urbanização, industrialização, grande propriedade rural – são destacados ao longo do livro, por isso chamamos atenção ao leitor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário