domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 39 - REFLEXÕES SOBRE O CAPITAL

 

REFLEXÕES SOBRE O CAPITAL

O marxismo oficial dos partidos são, em geral, presos ao imediato, ao empírico, são avessos, na prática, à abstração da filosofia. Tal defeito deve-se, em parte, por baixa formação teórica, por incompreensão da natureza do marxismo em sua raiz. Muitos autores de nossa corrente, portanto, giram em torno do mesmo eixo, repetem fórmulas batidas, olham sem ver, reafirmam posições “consolidadas” como um devoto deve rezar a mesma reza de sua igreja.

Sem máxima ousadia responsável, sem ver e ser a vanguarda do pensamento, o marxismo terá dificuldades de se renovar por dentro da ortodoxia. O que os marxistas têm a dizer, por exemplo, do fato de robôs militares tenderem a ser colocados em prática no futuro próximo? É uma questão militar, política, filosófica e científica ao mesmo tempo. Nós chegamos ao futuro, embora ele esteja desigualmente distribuído. Há uma diferença enorme entre os séculos 19 e 21, embora sua internalidade, sua lógica, esteja, no geral, preservada.

Um intelectual marxista nunca deve levar sua pesquisa por meros desejos pessoais, embora eles sejam importantes e motores subjetivos. Deve-se escolher temas e projetos difíceis porque são aquelas lacunas ainda não resolvidas, esboços ainda não desenvolvidos, problemas urgentes da teoria e da prática. Por exemplo: inexiste uma Ética marxista na nossa filosofia, para além daquilo feito por Trotsky, também por Lukács ter morrido antes de concluir tal projeto de obra. Na falta de gênios entre nós, resta-nos o trabalho coletivo, mesmo que indireto, por meio de elaborações ativas, ainda que possam estar, em boa parte, erradas; precisa-se tentar ao menos, colocar sob crítica e, se necessário, produzir novas sínteses. A covardia acadêmica de modo algum nos interessa.

Sobre o tema deste capítulo, tais parecem ser as obras e autores que oferecem o essencial sobre o Capital de Marx, sua maior compreensão: “Tempo, trabalho e dominação social: Uma reinterpretação da teoria crítica de Marx” – Moishe Postone; “Gênese e estrutura de O Capital” – Roman Rosdolsky; “Marx e o Fetiche da Mercadoria: Contribuição à Crítica da Metafísica” – Jadir Antunes; “A teoria do dinheiro em Marx” e “Teoria marxista do valor” – Isaak Illich Rubin; “Crise do valor de troca” – Kurz; “Sentido da dialética – Marx: lógica e política”, tomos I, II e III – Ruy Fausto (por acréscimo, indico ainda os artigos de Reinaldo Cacanholo e Eleutério Prado). De qualquer modo, nada substitui a leitura direta, repetitiva e atenta da obra em si. A seguir, temos observações que servem para aprofundar o sentido deste livro.

As reflexões sobre “o capital”, aqui, têm duplo sentido: sobre a obra de Marx e sobre o objeto de estudo. A “Crítica da economia política” de Marx, subtítulo de sua grande obra, não é apenas uma crítica gnosiológica, das teorias, mas também da economia política real, factual, ontológica, ou seja, crítica do valor, do capital e do capitalismo

VALOR E NADA

Por muito tempo, a categoria valor foi confundida com a categoria preço. Apenas teóricos posteriores absorveram a noção de valor como algo qualitativo, além do mais, que não é o preço, embora também o seja… Um raciocínio que, vale observar, causa espanto entre aqueles fora da tradição e do pensamento dialéticos.

Desnecessário citar diretamente aqui a famosa passagem do Livro I d’O Capital onde Marx afirma: pode-se virar e desvirar a mercadoria, mas não será encontrado nem um átomo de valor dentro de si. No entanto, ele existe sem ser empírico:

 

O valor do ferro, do linho, do trigo etc., Apesar de invisível, existe nessas próprias coisas... (Marx, O capital I, 2013, p. 170)

 

O valor para Marx poderia ser subjetivo ou metáfora, uma ficção útil? Vejamos em outra ciência. Ainda hoje, os físicos insistem que o conceito energia é apenas para uso prático, que ela, a energia, não existe no mundo real… Os críticos de Marx que o acusaram de fazer metafísica na economia entenderam mais do que se trata o valor que gerações quase inteiras de marxistas.

Se o valor existe, mas é empiricamente invisível, o que, de fato, é ele? Além de substância social, podemos conformar mais uma resposta. A mercadoria ou o capital é o ser – enquanto o valor é o nada. O nada está dentro do ser, o ser põe o nada, são unidade e diferença em devir, em vir a ser, em movimento. O processo de valor que se autovaloriza, ou seja, capital, encontra-se como outro aspecto:

 

O devir dentro da essência, seu movimento reflexionante, é, por conseguinte, o movimento do nada para o nada e, através disso, de retorno a si mesmo. (…) O ser é apenas como o movimento do nada para o nada, assim ele é a essência… (…) Essa pura e absoluta reflexão, que é o movimento do nada para o nada, determina ulteriormente a si mesma. (Hegel, 2017, p. 43)

 

O nada é esta essência do capitalismo, da mercadoria e do capital – como essência, é nada. Quando um crítico diz que o valor não é nada ao afirmar sua inexistência, de certa forma tem razão ao mesmo tempo em que erra completamente. O valor é nada que, no entanto, em nossa sociedade, é tudo – logo também é o seu oposto, o ser.

Capital é a forma de ser do valor, do nada. Neste sentido, Marx destina uma seção inteira a um único capítulo chamado “A transformação do dinheiro em capital”, que, visto pela essência, é transformação do valor em capital, em valor-capital.

Que exista mercadoria sem valor (terra virgem etc.) e capital fictício, também sem valor, apenas mostra que a substância ou o nada impera, domando a natureza do ser como mercadoria ou como capital – o que faz uma contradição entre “massa e energia” da qual falaremos em outro capítulo.

O princípio é o princípio. Hegel começa sua Lógica com o começo da filosofia, da lógica e do próprio mundo – a relação ser, nada, devir. Da mesma forma, avança Marx em sua obra. E o começo tem de ser o vazio, o sem qualidade como sua qualidade.

Destacamos que a citação de Hegel anterior é presente na Doutrina da Essência, livro II da trilogia em Ciência da Lógica. Porém o ser-nada inicia a primeira obra, A Doutrina do Ser. Por que fazemos tal observação? Ora, o nada é deduzido do puro ser, do ser sem determinações, oco por assim dizer. Como, por outro lado, é extraído o valor do valor de uso? O leitor já deve imaginar: pela exclusão de todas as características, determinações, das mercadorias:

 

Abstraindo do valor de uso dos corpos-mercadorias, resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho. Mas mesmo o produto do trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos de seu valor de uso, abstraímos também dos componentes e formas corpóreas que fazem dele valor de uso. O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer coisa útil. Todas as qualidades sensíveis foram apagadas. E também já não é mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outro trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho desaparece o caráter útil dos trabalhos nele representados e, portanto, também as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns dos outros, sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano abstrato. (Marx, O capital I, 2013, p. 116)(Marx, 2013, 116.)

 

O fato de o produto “não ser mais uma mesa, uma casa…”, está perdendo seu caráter de ente enquanto expressão de um Ser, está caindo no nada. E Mais:

 

Consideremos agora o resíduo dos produtos do trabalho. Não restou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma simples gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de força de trabalho humano, sem consideração pela forma como foi despendida. O que essas coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida força de trabalho humano, foi acumulado trabalho humano. Como cristalizações dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores mercantis. (Idem, 116.)

 

De agora em diante, o ser e o nada estão em comunhão com o valor e o capital. Não por acaso, valor e valor de uso (mercadoria) iniciam O Capital assim como ser e nada iniciam a Ciência da Lógica. É uma ironia, típica da história, que valor seja igual a nada.

O valor econômico, enquanto nada social, difere-se do nada natural. Neste, o ser tem o nada em si como definhamento, perecer, decomposição. No valor social, ao contrário, o valor definha se o objeto em que ele está definha; se a máquina desgasta-se, perde valor; se a mercadoria é destruída pelo consumo, seu valor é destruído.

Um filósofo ao modo grego, sem limites e critérios criativos para especulação, simpático à loucura, poderá afirmar: o valor – para além de substância enquanto relação social – pertence a uma quarta dimensão espacial, dimensão esta responsável pelo infinito, a energia e, manifestando-se, pelo tempo. Porém a ciência e a filosofia negam, hoje, tais absurdos, com clara razão.

Enfim, Marx afirma, reforçando nosso argumento, que o valor é real enquanto o preço, manifestação inconstante daquela, é ideal.

Reforcemos nossa pista dedutiva. Marx trata no capitulo 1 da substância, da magnitude (grandeza) e da forma do valor. Pois bem; ele toma estes aspectos dos antigos atomistas, que diziam que o átomo, o fundamental da realidade, tinha três características, exatos a substância, a magnitude e a forma. Mas o pulo do gato é ainda outro: para os atomistas, havia apenas o átomo e o vazio, sendo que o vazio faria o átomo. A mercadoria é, portanto, o átomo; o valor, o vazio ou o nada – a energia.

 

TEORIA DO FETICHE

Quando falamos em fetiche da mercadoria, muitos imaginam uma crítica ao consumismo, à adoração dos produtos, ou algo semelhante. Essa forma sugestiva de interpretar está de todo errada. O fetiche ou feitiço é uma teoria sofisticada de Marx, por isso devemos ir-nos aproximando dela, passo a passo.

Em resumo, o fetiche ocorre na sociedade quando relações sociais aparecem como relações de coisas, entre coisas, como propriedade das coisas. Chamamos coisificação ou reificação. Marx usa a palavra fetiche da nossa língua portuguesa, pois ela significa dar poder sobrenatural a um objeto, como os tribais venerando uma criação sua, o totem (uma escultura de madeira).

Fetiche da mercadoria: troca-se trabalho por trabalho, mas parece ser troca de coisa por coisa, mercadoria por mercadoria. Parece que se está comparando e igualando coisas, não trabalhos. Uma casaco = 3 quilo sde uva.

Antes de Marx expor o dinheiro, mostra que as trocas anteriores eram casuais, raras, ao acaso, e aconteciam pela trocabilidade de certa mercadoria por quantidade de outra. Por exemplo: 1 braça de linho = 2 casacos. Veja-se que o valor do linho (que, lembramos, deriva do trabalho) é expresso no valor de uso de outra mercadoria, 2 casacos. Pois bem; parece uma propriedade natural do casaco ser expressão do valor do linho, parece ser de sua natureza material, natural, não social. Isso ficará mais claro demonstrando outras formas de fetiche.

A mercadoria tem valor, mas parece ser uma propriedade natural da mercadoria ter seu valor, como se não fosse determinado socialmente. O valor tem como sua substância o trabalho abstrato (indiferenciado, igual, controlado pelo tempo) e sua grandeza no tempo de trabalho socialmente necessário – mas isso nunca fica claro no mercado, na troca. Foi preciso milênios de trabalho científico para, enfim, Karl Marx tornar evidente a propriedade social desse objeto, o valor. O que é uma relação social aparece como coisa, propriedade da coisa, ou relação entre coisas. O que é uma propriedade social da mercadoria, seu valor, aparece como natural dela mesma.

Marx fala de um investidor que leva máquinas, ouro e matéria-prima para a Austrália na intenção de lucrar em novo ambiente. Porém tudo deu errado, pois era-lhe difícil disciplinar os trabalhadores – isto é, era preciso condições sociais de trabalhadores desprovidos de tudo, que necessitassem de um emprego, para o capitalismo prosperar. O patrão pensou – e isso é típico do fetiche – que o capital é maquinário, matéria-prima, dinheiro, ou seja, coisas, que as coisas lhe dão poder e riqueza. Na verdade, o capital é uma relação social entre pessoas que é coisificada, intermediada por coisas. A propriedade social parece coisal.

Para que fique mais clara a teoria do fetiche, pensemos no poder do ouro. Parece uma propriedade natural do ouro, assim que é extraído do fundo da terra, sua capacidade de ser a riqueza por excelência. Parece uma força que vem do objeto em si, natural. A verdade é que para extrair esse metal é necessário muito trabalho humano, logo muito valor, por isso parte de sua importância; além do mais, passou a ter função útil para o mercado porque era muito uniforme e poderia ser dividido ou fundido com facilidade, o que ajudava a expressar o valor das demais mercadorias (já um casaco nunca poderá ser cortado e remendado à vontade). O que é uma dádiva social, o valor, aparece, no entanto, como algo natural do objeto. Aí entra o fetiche ou feitiço do dinheiro como se ele tivesse valor em si mesmo, como se fosse ele que desse valor às mercadorias, não as mercadorias dessem ao dinheiro seu papel, ou seja, como se o dinheiro e seu valor nunca fosse uma derivação do trabalho.

Vejamos outro caso. A riqueza social capitalista vem do trabalho e, mais exatamente, do mais-trabalho, do mais-valor, do trabalho não pago ao trabalhador, portanto, trabalho gratuito – roubado. Porém, no capital produtor de juros, tudo aparece assim: D-D’, dinheiro que gera mais-dinheiro. E pronto. Parece que uma coisa, o dinheiro, reproduz a si mesma sem mediação social do trabalho, a verdadeira fonte de toda riqueza (junto com a natureza, a “terra”). No D-D’ dos bancos, há o máximo fetiche e coisificação (reificação). Nessa fórmula, D-D’, apaga-se toda ideia de relação social realmente existente e inicia uma relação entre coisas. Chega-se ao absurdo de acontecer campanhas de propaganda oferecendo a multiplicação do seu dinheiro misteriosamente do nada se se investe no mercado financeiro.

Os economistas vulgares falavam de fórmula triática: o capital, máquina ou dinheiro, gera o lucro ou juros; o trabalhador e o trabalho geram o salário; a terra gera a renda da terra. Mas coisas não geram valor, não geram lucro – apenas o trabalho produz mais-valor, lucro, renda da terra e salário.

Enfim, a teoria do fetiche deriva da teoria da alienação, que tratamos em outro capítulo. Os homens e suas relações são coisificados e as coisas são humanizadas, ocorre uma relação social como se, sendo, relação social entre coisas.

Reforçamos: a ciência, em geral, cai em erros opostos: a teoria fetichista e a teoria relacionalista. O espaço seria relacional; tudo, construção social; o valor, fruto da troca etc.

Para pesquisa especializada, há que ver se há fetiche, ou outro tipo de fetiche, análogo, em outros modos de produção. No escravismo, o escravo é considerado ferramenta, embora falante, coisa, como se capital fixo (reificação). No feudalismo, uma dependência social entre senhor feudal e servo aparece como se o servo fosse ligado diretamente à terra, à coisa, ao natural, não numa relação de homens, embora fosse uma relação mais direta e transparente do que o confuso capitalismo. O servo não poderia abandonar a terra, como se em cordão umbilical com ela, como se fosse algo natural estar ali; mas logo passou a ser expulso de modo traiçoeiro por excomungação jurídica da Igreja, em nome oculto da classe dominante.

 

CONTRADIÇÃO VALOR-CAPITAL

Em outra oportunidade, afirmei que há uma contradição essencial na realidade capitalista, implícita na obra de Marx: a contradição entre valor e capital. Por comum, os marxistas consideram eles como somente mesmos, ou pensam o valor como apenas preço e quantitativo, ou ficam totalmente na categoria real capital deixando de lado a centralidade do valor. Diz-se que uma grande obra exige interpretações por parte dos especialistas, mas devemos nos ater ao dito pelo autor e, se necessário, atualizar sua contribuição.

A contradição entre valor e capital cresce na medida em que este se torna aquele, em que o nada se torna o ser em devir, em que a energia se torna massa. A forma evidente no Livro I d’O capital é a tendência dupla, mas oposta de: 1) o capital tentar ao máximo elevar a extensão da jornada de trabalho, embora os limites humanos, o que faz produzir ainda mais valor e mais-valor; 2) de outro, com novas máquinas, diminuir a quantidade de operários na produção, logo atuando para reduzir a massa de valor e mais-valor na empresa e na sociedade. Colocar um capital novo, como ferramentas modernas, entra em contradição com a produção de valor, que somente pode surgir do trabalho manual humano abstrato. Como esse trabalho definha com o evolver do capital, eis a contradição de essência no sistema.

A produção automática ou robotizada de nossa época é a visão da tendência do futuro: o quase fim do trabalho manual, produtor de valor. Ao definhar o valor, o capital já não deseja ser capital – é, portanto, capital fictício, fora das relações diretas de valor, suga valor de modo parasita, sem oferecer mais-valor à sociedade do dinheiro.

A contradição valor-capital é muito mais ampla. O aumento do preço da renda da terra, que não tem valor porque não tem trabalho, logo capital fictício, transfere, por diferentes mediações, valor da produção para este capital parasitário. As causas disso, da inflação de tal fato, são: 1) a queda da taxa de lucro derruba a taxa de juros, o que faz aumentar o preço do arrendamento; 2) consolidou-se a grande propriedade rural capitalista, limitando a terra; 3) a urbanização altíssima de nosso tempo encarece, por demanda, o preço do aluguel do solo; 4) a inflação fictícia, artificial, da moeda fiduciária de nosso tempo, por “impressão” de dinheiro, faz valer a pena investir na terra, que sem maiores investimentos logo dará algum lucro.

Outro exemplo da contradição valor-capital é o setor de serviços, outro capital fictício quando para lucro. Uma igreja, por exemplo, não produz valor desde a oratória do pastor. Ao contrário: esse serviço, essa franquia, suga uma parte do valor global para si de modo parasita. A inflação dos serviços em nosso tempo produziu uma forma de crise do capital, como crise do valor – os serviços são um capital, quando para fins de lucro, produtor de lucro, não de valor (penso que o leitor sabe que lucro e mais-valor ou mais-valia não são a mesma coisa, pois o lucro é apenas uma parte do mais-valor).

A contradição valor-capital se expressa em parte como contradição entre preço e valor.

 

VALOR E TEMPO

Além de confundir com o preço, o marxismo vulgar, intelectuais de grande prestígio, afirma com toda certeza que “valor é tempo de trabalho”. Isso é, neste nível, erro completo: o tempo é MEDIDA do valor – apenas e de modo inexato, imperfeito. Se, no mesmo tempo de antes, trabalha-se com o dobro de intensidade em relação ao dia anterior, logo o trabalhador produz o dobro de valor no mesmo tempo. O valor vem da energia de trabalho humano manual – e é uma forma singular, social, de energia. Pois bem; em nossa ontologia e metafísica, energia é igual à tempo, logo, de modo tortuoso, o equívoco de confundir tempo com valor tem grande fundo de verdade. Para Marx, tempo é algo que artificial, a medida humana do movimento – seu estatuto real, ontológico, como aspecto do espaço, é algo recentíssimo. O pensamento popular diz que “tempo é dinheiro”, com algum acerto nesta sabedoria.

 

ERRO DE MARX SOBRE O SALÁRIO POR PEÇA

Neste ensaio, debatemos a defesa de Marx sobre a prioridade capitalista do salário por peça. Como sabemos, o diagnóstico está errado, pois o salário por tempo, não por peça, predomina no capitalismo consolidado, principalmente na produção. Com o trabalho por aplicativo, o salário por peça ganha algum destaque, porém permanece marginal na indústria de conjunto. Aqui, usaremos a própria letra de Marx para apontar o motivo de seu erro. Comecemos por sua afirmação:

 

Da exposição precedente resulta que o salário por peça é a forma de salário mais adequada ao modo de produção capitalista. (Idem, p. 627.)

 

Está clara aí a posição do velho alemão. Vejamos elementos da “exposição precedente” que parecem sustentar suas afirmações:

 

Como a qualidade e a intensidade do trabalhado são, aqui, controladas pela própria forma-salário, esta torna supérflua grande parte da supervisão do trabalho. (Idem, p. 624.)

 

Porém, a supervisão do trabalho – capatazes, etc. – é um custo improdutivo pequeno em si, mesmo na indústria moderna. O salário por tempo não causa um desperdício de recursos especial.

Ele continua:

 

Dado o salário por peça, é natural que o interesse pessoal do trabalhador seja o de empregar sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao capitalista a elevação do grau normal de intensidade. (Idem, p. 624.)

 

Um ponto para o salário por peça! Há mais:

 

É igualmente do interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois assim aumenta seu salário diário ou semanal. (Idem, p. 625.)

 

Se possível, o salário por tempo também estimula ampliar a jornada de trabalho. Mas o argumento anterior a este, a citação antecedente, ainda não foi refutado por nós. Vejamos o elogio e a ambiguidade de Marx:

 

Mas o maior espaço de ação que o salário por peça proporciona à individualidade tende a desenvolver, por um lado, tal individualidade e, com ela, o sentimento de liberdade, a independência e o autocontrole dos trabalhadores; por outro lado, sua concorrência uns contra os outros. O salário por peça tem, assim, uma tendência a aumentar os salários individuais acima do nível médio e, ao mesmo tempo, a baixar esse nível. Mas onde um determinado salário por peça já se encontra a muito tempo consolidado de maneira tradicional – o que cria enormes dificuldades para sua rebaixa –, os patrões também recorreram, EXCEPCIONALMENTE, ao procedimento  de transformar forçadamente o salário por peça em salário por tempo. (Idem, p. 626, destaque nosso.)

 

Onde Marx coloca a palavra “excepcionalmente”, aconteceu como nada sutil regra… O salário por tempo se impôs. Qual, então, o motivo? Eis, conclui-se: a luta de classes estimulada pela citada “tradição”!

Marx diz que o salário por peça é o método para explorar mais (idem, p 627). Mas quase diz que isso valeu somente durante a manufatura, mas nada garantia que seria o mesmo na grande indústria, no sistema de maquinaria.

Mostremos mais uma citação do próprio Marx, no mesmo capítulo, onde fica cristalina a luta de classes gerada pelo salário por peça:

 

Essa variação do salário por peça, ainda que puramente nominal, provoca lutas constantes entre o capitalista e os trabalhadores. Ou porque o capitalista aproveita o pretexto para reduzir efetivamente o preço do trabalho, ou porque o incremento da força produtiva do trabalho é acompanhado de uma maior intensidade deste último. Ou, então, porque o trabalhador leva a sério a APARÊNCIA DO SALÁRIO POR PEÇA, COMO SE LHE FOSSE PAGO SEU PRODUTO, e não sua força de trabalho, e se rebela, portanto, contra o rebaixamento do salário, que não corresponde ao rebaixamento do preço de venda da mercadoria. (Idem, p. 629, destaque nosso.)

 

Concluímos pela comparação das citações que o salário por tempo é melhor ao capitalismo porque melhor produz uma aparência que esconde o real estado das coisas. O salário por tempo gera menos problemas classistas, menos luta de classes aberta. Marx conclui o capítulo sobre o salário por peça de modo, no mínimo, esclarecedor:

 

os trabalhadores vigiam cuidadosamente o preço da matéria-prima e dos bens fabricados e são, assim, capazes de calcular com precisão os lucros de seus patrões.

O capital, com razão, descarta tal sentença como um erro crasso acerca da natureza do trabalho assalariado. Ele roga contra a pretensão de impor obstáculos ao progresso da indústria e declara rotundamente que a produtividade do trabalhador é algo que não concerne de modo algum ao trabalhador. (Idem, p. 629.)

 

É preciso, portanto, uma forma de salário que menos estimule desconcertantes vigilâncias por parte do operariado… Por fim, Marx quase ofereceu o fato de que o salário por tempo tem prioridade em relação ao salário por peça nesta citação com a qual concluímos este esboço:

 

O salário por peça, portanto, não é mais do que uma forma modificada do salário por tempo. (Idem, p. 623.)

 

Até gênios erram. Enquanto o trabalho manual perdurar, o salário por peça é mais apropriada ao socialismo, muito mais. (Levemos em conta que o dinheiro, com o tempo, deixará de existir, logo também a forma-salário.) Os motivos são claros na própria letra de Marx: 1) estimula a produtividade intensiva e extensivamente; 2) reduz o custo improdutivo com, por exemplo, vigilância, o trabalhador se autovigia; 3) desenvolve mais a individualidade do operário; 4) faz ele, quase de imediato, ter atenção com o lado administrativo da empresa, agora controlada por meio de assembleias dos funcionários. Isso cabe muito bem no fato de que, na primeira fase do socialismo, o trabalhador ganhará segundo seu trabalho, não segundo sua necessidade.

Em resumo: a máquina, ao ser um produtor de desemprego sob o capital, já garante intensidade e extensividade – sem que seja necessário salário por peça. No mais, a burguesia exige regras gerais, incluso em lei, de exploração, uma base comum de, mais fácil de medir e determinar via tempo, não via peça.

O salário por tempo expressa e é resultado do trabalho abstrato e do valor sobre o trabalho concreto e o valor de uso. Daí o lado secundário do salário por peça, por coisa concreta. A obra de Marx trata de oposições, desde a oposição básica e nuclear entre valor e vaor de uso, o que tem desdobramento lógico e histórico na opositividade, também, entre salário por peça (valor de uso) e salário por tempo (valor), a medida do movimento disciplinado.

 

LADROAGEM E MAIS-VALOR

Para tirar o peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado.

No Brasil, imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da rotina bárbara de seus avós ou país. Por isso, aqui é um bom cenário para dizer de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana.

Quando um assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso. Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe.

A luta de classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado épura inocência de ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não tenha, hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno ao detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à organização das forças de segurança e assim por diante.

Há algo ainda a ser dito.

A ladroagem é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe, também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro; os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda.

Nas favelas dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários tornam-se unidades econômicas, “feudos” capitalistas. Cumprem função de Estado, como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram economicamente a comunidade.

No Brasil, como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem.

 

MEIO DE PAGAMENTO NO SOCIALISMO

Na URSS, o pagamento dos apartamentos populares era dado por meio de pequenas, quase simbólicas, prestações mensais. Como pagar no socialismo pelos produtos, não mais mercadorias, que exigem muito, caros? Mas o cidadão já paga o necessário com seus serviços para a sociedade ou por seu estudo, logo o Estado deve garantir tudo o necessário – casa ou apartamento, móveis etc. – tão logo alguém chegue à idade adulta. O custo estatal será, no longo prazo, pequeno, pois os produtos serão resistentes e de alta qualidade. O meio de pagamento no socialismo e no capitalismo tem a mesma forma, mas conteúdo real oposto e diverso, pois na sociedade socializada o dinheiro deixa de existir, os dados do cartão não circulam ou se acumulam.

 

OS TRÊS LIVROS, ESTRUTURA FUNDAMENTAL

Em minha pesquisa, percebi que a dialética tem três categorias centrais:

1.  Totalidade;

2.  Contradição;

3.  Movimento.

Por coincidência, cheguei à conclusão de que esta é a organização dos três livros de O Capital. Em O Capital, o livro I, O processo de produção do capital, prioriza – logo não exclui os demais em si – na tríade a contradição, como com a luta de classes, com a chamada acumulação primitiva, com as contradições imanentes ao capital-valor, com as oposição entre extensividade e intensividade da jornada de trabalho, e assim por diante (lembremos, porém, que contradição dialética não é igual a conflito, como pensa-se vulgarmente, embora possa também sê-lo em muitos casos).

 O livro II, O processo de circulação do capital, prioriza o movimento como sua categoria base primeira. Já no início deste, Marx afirma:

 

O capital, como valor que acresce, implica relações de classe, determinado caráter social que se baseia na existência do trabalho assalariado. Mas, além disso, é movimento, processo com diferentes estádios, o qual abrange três formas diferentes do processo cíclico. Só pode ser apreendido como movimento, e não como algo estático. Aqueles que acham que atribuir ao valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). (Marx, O Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120)

 

Sobre, vale um parêntese. A citação acima relaciona-se com a seguinte equação qualitativa, categorial: o abstrato é o concreto em movimento – o valor é o capital em processo.

O livro III, O processo global de produção capitalista, prioriza a totalidade, logo a totalidade que inclui, juntos, contradição e movimento de modo pleno, total. O título de cada tomo já induz a tal conclusão, como vemos.

A seção VII, O processo de acumulação do capital, última do tomo, do Livro I, marca a transição para o Livro II ao aumentar o relevo da categoria movimento (e, em certa medida, a totalidade). Já no livro II, a seção III, A reprodução e a circulação de todo o capital social, também última do tomo, marca a entrada da totalidade como transição para o livro III.

No mais, o livro I demonstra o nascer e desenvolver da produção capitalista. O livro II mostra o capital industrial em sua fase robusta, como um “adulto”. O Livro III toma a produção como rumo ao seu fim sistêmico, como com as crises sendo tratadas de modo explícito e a queda da taxa de lucro. Isso é, ou deveria ser, mais evidente – se se evita cair na oposição antidialética entre exposição lógica ou histórica; este pode estar dentro daquele.

A síntese da obra apresenta-se assim: a polêmica sobre se a obra O Capital é “uma crítica ao capitalismo do ponto de vista do trabalho” (Marxismo clássico) ou “uma crítica ao caráter historicamente determinado do trabalho no capitalismo” (Postone, 2014, p. 62) é resolvida com a afirmação de que é uma “crítica do (ponto de vista do) trabalho ao trabalho no capitalismo”. A tese e a antítese, a visão sindicalista e a visão intelectualista, uma por dentro e outra por fora, são resolvidas pela síntese unificadora.

 

CAPITALISMO COMO TRANSIÇÃO

Tal como o primitivismo, o escravismo, o feudalismo; o capitalismo é, de fato, toda uma época histórica, um modo de vida completo em si mesmo. Mas, ao mesmo tempo, trata-se de uma transição, quase mera transição, entre as sociedades de classe anteriores e o futuro socialista.

Isso já se montra em O Capital quando Marx afirma que a mesma máquina que produz, de um lado, trabalho excessivo e, de outro, desemprego, também é ferramenta útil por excelência para reduzir a uma mínimo a jornada de trabalho. Com certo exagero relativo à robótica-automação hoje, o teórico pensou o conteúdo material como tanto com forma social capitalista, como capital, quanto com forma socialista. Nisso acertou e errou, pois a terceira revolução industrial é que na prática coloca o valor em crise; mas aí, na sua elaboração, já está implícito o caráter transicional do capitalismo.

De um lado, o capitalismo é uma quase constante onda periódica de quebras econômicas, de crise em crise. Isso já é sinal de seu caráter de transição e seu querer passar de algo para outro. Mas o inverso prova ainda mais. Para o capital, pleno emprego não é o inverso da crise, sequer seu sinal, mas é a própria crise mesma, enquanto a “crise propriamente dita” é, na verdade, uma solução temporária. Com o emprego pleno está posto na realidade, temos um sinal sintomático da tendência ao socialismo: os lucros caem, os trabalhadores fazem mais greve e têm aumento salarial, a produção está a todo vapor – isso é o terror para a burguesia, que precisa resolver tal estado de coisas negando o futuro, derrubando a economia contra sua tendência ao socialismo (nas greves, na queda do lucro ,etc.).

O mais curioso ocorre na ciência. Os ricos precisam da religião para que os pobres não os matem, precisa da religiosidade e da ignorância científica e cultural da massa; porém precisam, mesmo que parcialmente, não na profundidade possível, da cientificidade para lucrar mais, para fragilizar o valor de uso, para manipular. Temos, então, a infelicidade e o fanatismo na era do conhecimento subatômico, quântico. É a contradição expressada por Carl Sagan sobre uma sociedade que depende dos frutos da ciência, mas que a ignora. Aí vemos como o capitalismo é preso ao passado classista, mas, deformado por isso, tem de desenvolver, mesmo que parcialmente, a ciência.

É como se o capitalismo fosse socialismo de cabeça para baixo, precisando ser desvirado para livrar-se do afogamento.

O comércio, incluso comércio de dinheiro, marcou o processo fim de outros sistemas; agora, está como processo de fim do mundo de sistemas classistas. Quando Carl Polani diz que o dinheiro, o trabalho e a natureza degeneram se transformados em mercadorias, na verdade, acaba por dizer que esta é uma sociedade de transição, que degenera a si mesma, porque, não sabe ele, o dinheiro, a força de trabalho e a natureza são sempre mercadorias neste modo de vida. Tal caráter destrutivo e autodestrutivo é típica dessa transição histórica.

O fato de a humanidade poder se extinguir de várias maneiras avisa sobre qual estado estamos. Este é ponto nodal para um salto aos céus ou ao abismo.

Vale a pena destacar que as classes dominantes focavam suas forças armadas entre homens do “povo”, livres. Quando profissionalizaram seus exércitos, tivemos a decadência. O capitalismo tem disso: de um lado, profissionalizam-se as forças armadas em toda a hierarquia e, de outro, sempre teve que colocar os escravos assalariados como parte vital de seu corpo de membros armados.

Quando realiza-se como totalidade, o sistema entra em seu ocaso – em sua máxima contradição, quando tenta impedir o automovimento.

Enfim, a democracia burguesa, com todas demais as formas de despotismo esclarecido burguês, bem demonstra, por falsificação, a tendência a uma futura liberdade real, uma democracia de base e participativa, também dentro das empresas.

 

CAUSALIDADE MARXISTA

A causalidade comum, mecânica, não é negada pela dialética, mas ela é apenas insuficiente. Já é conhecido no meio marxista a afirmação de Marx:

 

Vimos que o desenvolvimento do modo de produção capitalista e da força produtiva do trabalho – simultaneamente causa e efeito da acumulação… (Marx, O capital I, 2013, p. 711)

 

Neste ponto, vemos como a dialética hegeliana ajudou o pensamento marxista com sua causalidade recíproca, onde causa torna-se efeito e efeito, causa. Mas, ao que parece, Marx dá mais uma contribuição, embora implícita, à lógica por meio da lógica do capital: a mesma causa produz efeitos diferentes, mesmo opostos, ao mesmo tempo ou quase simultâneos.

É o caso da queda da taxa de lucro. Um ramo industrial de algodão colocar uma máquina mais produtiva, que empregue menos trabalhadores, tende a sofrer queda da taxa de lucro – mas o algodão individual mais barato diminui os custos com matéria-prima, capital constante circulante, na indústria de linho, de tecido, de roupa fazendo subir em outro ramo, portanto, a taxa de lucro (porque o custo com capital constante reduziu em relação ao lucro). A mesma causa produziu efeitos opostos, aqui e ali, dentro da mesma totalidade.

A elevação do câmbio, a desvalorização da moeda nacional freta ao dólar tem efeitos opostos, simultâneos neste caso, de estímulo e, ao mesmo tempo, desestímulo à indústria. O câmbio desvalorizado, o dólar caro, faz compensar comprar e produzir pela indústria nacional, no lugar dos caros importados. Por outro lado, aquelas indústrias do país que precisam comprar matéria-prima ou máquinas do exterior têm seus custos de produção sensivelmente aumentados, o que desestimula a produção, e eventualmente fecham as portas. Vele notar: sozinha, a desvalorização cambial, mesmo que os efeitos opostos não existam na mesma proporção, torna-se insuficiente para estimular a indústria, embora possa ser um dos seus fatores.

Para que isso fique claro, vamos para um exemplo em si extraeconômico. A alta urbanidade de nossa época produziu isolamento social relativo, e isso teve efeitos opostos simultâneos, pois, de um lado, ofereceu mais liberdade aos perfis sociais do indivíduo, sem controle direto dos demais, mas, por outro, ao mesmo tempo, fez com que muitos adotassem um “falso-eu” para serem incluídos em grupos, para evitar a solidão.

Muitos marxistas destacam a relação de tendência e contratendência, com a tendência produzindo, em geral, a própria contratendência relativa. Isso está em parte correto e errado: a causalidade com efeitos opostos está intimamente ligada a esta outra relação dialética de categorias. De qualquer forma, a relação tendencial é superior, embora falha se isolada, pois melhor aponta o futuro.

A causalidade, deste modo, tem dois caminhos gerais: 1) uma causa produz um efeito que, por sua vez, produz um efeito oposto, depois, dentro da mesma realidade em movimento; 2) a causa produz efeitos opostos simultâneos ou quase. Isso pertence à Doutrina do Desenvolvimento.

 

UMA CONCEITUAÇÃO DIALÉTICA DAS CLASSES SOCIAIS

Como é sabido, Marx encerra seus escritos d’O Capital exato quando, finalmente, iria oferecer sua conclusão sobre as classes sociais. O manuscrito é, então, interrompido. A questão ficou suspensa no ar, flutuando, a alimentar os moinhos de vento das mais variadas interpretações próprias dentro do marxismo.

Segundo consta, nosso teórico alemão afirmou existir três grandes classes: os assalariados, os capitalistas e os proprietários de terra. Eis a tríade maldita. Porém teóricos como Trotsky afirmaram haver, em verdade, três outras classes principais: o proletariado, a classe média (ou pequena burguesia) e a classe capitalista. A letra literal de Marx, claro, tem mais peso, mais “valor”, tendo preferência entre os marxistas “ortodoxos”. É compreensível. De qualquer modo, resta elaborar com método dialético sobre o tema, tentando adivinhar qual seria o texto final do fundador do socialismo científico. Lembremos que nem sequer Engels ousou terminar o capítulo 52 do livro III, As classes.

Após o necessário rodeio introdutório, este ensaio visa oferecer uma interpretação própria baseada na dialética, seu método científico e sua lógica (mas não, é evidente, em seu modo próprio de exposição das ideias, pois exigiria trabalho mais amplo).

Em primeiro lugar, deixemos cristalino que por proletariado ou por operariado, nomes diferentes do mesmo objeto, da mesma classe, incluímos, aqui, todos os produtores de valor e de mais-valor, além de também somente, por outro ângulo, produtores de valores de uso alienáveis, com produção escalável e medível pelo tempo, ou seja: assalariados das fábricas, das minas, dos campos, dos transportes e da construção civil, além de trabalhadores mais “artesanais” como os padeiros. Todos eles adicionam valor às mercadorias.

A maioria dos assalariados não operários bem cabe no conceito de assalariados médios, parte da classe média. A forma-salário é, por isso mesmo, uma forma: faz parecer que todos os setores são iguais porque recebem um salário, escondendo a diferença de conteúdo que está para além da superfície da sociedade – que algumas atividades sociais produzem valor e outras não o produzem.

Feito tais esclarecimentos, entremos mais diretamente na intenção deste texto.

Na Ciência da Lógica, Doutrina do Conceito, Hegel faz exposição dialética das categorias universal (ou geral), particular e singular (ou individual). Como dialético, afirmou que as categorias não estão isoladas e fixadas no entendimento; na verdade, na razão, elas estão misturadas, em contato, onde uma é expressão da outra e na outra, e vice-versa. No Livro I d’O capital, ao tratar da divisão do trabalho na sociedade, Marx recupera tal formulação, deixando claro que as reivindica (diferente de sua crítica parcial ao conceito de particular feita durante sua juventude). Pois bem; penso que a questão das classes expressa, também, a mesma relação. Vejamos, no capitalismo:

 

Classe no universal, no geral: proletariado, classe média, burguesia, proprietários de terra, lupemproletariado.

Classe no particular: a classe metalúrgica, a classe gráfica, a classe tecelã, a classe de padeiros, a classe vidreira, a classe petroleira, etc. – expressão particular do geral, do proletariado; jornalistas, advogados, professores, economistas, médicos, pequenos empresários, pequenos donos de terra, etc. – expressão do geral no particular entre a classe média; banqueiros, industriais, patronal comercial, burguesia da metalurgia, burguesia do setor automobilístico, etc. – expressão do geral, o capitalista, no particular; etc.; etc.;

Classe no singular: aquele operário metalúrgico, aquele operário gráfico; aquele professor assalariado, aquele médico assalariado; Aquele burguês dono de empresa de cosmético; aquele proprietário fundiário de bosques; aquela prostituta (lupemproletariado), etc.

 

É uma visão nova de fato. Até onde sei, nenhum outro marxista tomou a questão das classes desde o universal, o particular e o singular. Aí, a dialética cumpre seu papel. De qualquer modo, o pensamento ainda flutua. Tal observação corresponde ao pretendido por Marx? A resposta a esta indagação deve ser oferecida com outra pergunta: a elaboração acima está em si e, centralmente, na realidade correta ou errada? Justificando este esboço, penso que é a resposta justa ao tema, sim, corresponde ao real.

Porém, o momento de virada: nem tudo é classe social. Os políticos, os dirigentes sindicais, os profissionais de partidos, os gerentes e os executivos das empresas – são o quê? São também apenas assalariados? Penso que devemos colocá-los na posição de burocracia, são os burocratas das diferentes classes da sociedade. É o ponto fora da curva ou a curva fora do ponto, que seja. Reforçamos: nem tudo é classe social. Há camadas de homens e mulheres que são desclassados, que são destacados pela própria necessidade de funcionamento social.

Por fim, outra variação. O conceito nunca se cabe completamente dentro de si próprio. Com o atual nível de queda da taxa de lucratividade, um burguês industrial pode bem investir parte de seu lucro em dívidas públicas, transitando entre dois tipos da classe dominante, o que torna até sua mentalidade duplicada, com um pé em cada setor. Um operário pode, em nossa época, ter um pequeno comércio em sua casa para complementar a renda, ou ter um sítio pequeno, ou algumas ações raquíticas na empresa onde trabalha; assim também duplicando sua “visão de mundo”, um pé no proletariado e outro na classe média. Em tempos de desemprego crônico, diz Trotsky, o grande número dos sem emprego e sem esperança de contrato de trabalho – o exército industrial de reserva – quase forma uma nova classe em nossa época, uma subclasse dos desempregados. Essas são expressões deformadas, dentro dos limites categoriais do capitalismo, da tendência ao fim das classes sociais.

 

POSITIVO, NEGATIVO: CLASSES

Parte do marxismo considera o “trabalho intelectual” uma categoria sem fundamento, apenas para fins práticos. O nome da coisa não determina o que é verdadeiramente a coisa[1], portanto devemos ver o conceito real, na realidade, na prática. 

O trabalho do homem primitivo era um só corpo e um só espírito, um verbo que se faz carne, uma ideia que se faz matéria. Assim também era o trabalho do artesão na fase final da Idade Média, do feudalismo: ele agia e pensava, pensava e agia. Ele planejava como seria a mercadoria, como produziria, como estocaria, como venderia – e produzia, e colocava em prática. Era algo manual-intelectual.

Por bem; o nem positivo nem negativo, proponho como dialética, avança a si mesmo para o positivo e negativo, que, em luta, por ação do negativo, passa para um novo nem positivo nem negativo. É o caso do capitalismo nas classes: o artesão, nem positivo nem negativo, passa para o patrão, positivo, que se afirma na realidade, o trabalho intelectual, e operário, o negativo, o trabalho manual repetitivo e simples, o que se nega na realidade. Dessa oposição, tende a vir o socialismo, um novo nem positivo nem negativo, com o fim da divisão de classes, com a automação-robótica, com o quase fim do trabalho manual.

O trabalho intelectual é improdutivo porque improdutivo de valor. Alguém que faz desenho para novos produtos faz um trabalho intelectual importante para a empresa, idealmente criativo, mas não produz a riqueza capitalista propriamente dita. O homem primitivo ou o artesão são a pré-história desse funcionário de criação, que coloca o proletariado para pôr em prática aquilo que ele pensou, teorizou.

Foi disso que Marx tratou no livro I, avançando desde o artesanato simples, via manufatura simples e complexa, até a maquinaria, a grande indústria. O trabalho alienou-se de si mesmo, separou-se. Em geral, a classe dominante cuida do trabalho intelectual; com a automação, no socialismo, todo o povo será a “classe” dominante focada nos afazeres intelectuais. Que as máquinas peguem no pesado por nós!

 

PREÇO DE MONOPÓLIO: TENDÊNCIAS E CONTRATENDÊNCIAS

Lenin e Trotsky, tal como outros, perceberam a crise sistêmica rumo ao seu fim enquanto falhas e desvios na legalidade, nas leis, do modo de produção capitalista. São, então, sintomas ou manifestações. Nisso, há que levar em conta, primeiro, que o monopólio real, especialmente privado, trata-se de algo raro ou transitório no capitalismo, frequentemente substituído pela concorrência de oligopólios internacionais gigantescos. Por isso, trataremos do assunto aqui com alguma pureza e abstração.

Muitos marxistas perceberam o preço de monopólio enquanto desregulação do centro de gravidade do valor e do preço de produção sobre os preços reais, de mercado. Nisto há certo consenso. Mas, logo: o que regula os preços de monopólio? O valor, ainda que de modo mais indireto. Talvez caiba aos marxistas a tarefa longa e difícil de serem detalhistas nos fatores estudados, elencando as interinfluências, tal qual Marx fez sobre alguns temas.

A questão fica mais simples se observarmos do seguinte modo: o monopólio tende, em si, a elevar indefinidamente o preço de mercado de suas mercadorias – inflação constante, crescente (tal premissa não é arbitrária, está na própria realidade); por isso, temos de ver, tomando a teoria do valor por base teórica, quais fatores impedem e constrangem tal medida. Quais as contratendências em geral causadas pela própria tendência? Como a causalidade tem efeitos opostos?

Façamos um esforço. Para isso, abstraiamos os resultados do capitalismo concorrencial ainda presente e tratemos a legalidade monopólio-preço de monopólio. Tanto quanto possível, o trato mais direto, puro e abstrato serve de recurso metodológico para interligar, em seguida, com o conjunto das leis fenomenológicas, no nível aperencial ou da circulação de mercadorias (não confundamos com circulação do capital).

Partamos aos próximos parágrafos, listemos.

1) Há concorrência de monopólio – entre oligopólios – impedindo a elevação excessiva de preços. Por si, isto impede a elevação, e pode mesmo reduzir. Se uma empresa controla o mercado de um país e eleva demasiadamente seu preço, isto gera problemas econômicos e políticos tendendo a rupturas, ou seja, a facilitar abertura do mercado à concorrência externa.

2) Um preço demasiado elevado gera luta de classes e, isto incluso, luta de classes dentro da burguesia. Certa matéria-prima sob monopólio não pode aumentar seu preço ao ponto de destruir a galinha dos ovos de ouro, as empresas compradoras do produto para transformá-lo. Só pode fazê-lo relativamente, o que reduz a própria demanda – pressão para queda dos preços. Quando isto é feito parcialmente ocorre luta de classes interssetorial, porque há transferência de mais-valor em forma de lucro de um setor para outro, e entre classes antagônicas (a burguesia pode tentar transferir o custo acrescido com capital constante com redução de salários ou a matéria-prima em questão afeta o poder de compra real dos salários, etc.). O aumento artificial do preço da gasolina no Brasil, seguindo paridade com os preços internacionais, tem gerado duras lutas, ainda que atrasadas (aqui, vale destacar, a esquerda radical é de tal forma débil que sequer chamou ou chama por uma redução do preço do combustível, como de 6,20 reais o litro para 3,50).

3) Por maior que de fato seja, nenhum monopólio planifica a totalidade da economia, algo puramente socialista, estando, pois, dependente das variações conjunturais do capitalismo, afetando oferta e demanda. Isto força alterações no preço de monopólio, para baixo e para cima.

4) A monopolização, ao planificar produção e preço, pode supor preços diferenciados para ambientes de comércio diferenciados. Por exemplo: a empresa Coca-Cola oferece um preço de, supomos, 1,50 reais para seu produto num mercadinho e 3,00 reais para o mesmo produto num bar ao lado, pois percebe possibilidades de demanda diferentes. Este cálculo, em parte arbitrário, toma a experiência prática e pode regular-se de modo inexato por ela. Isto também pode acontecer na venda em diferentes países.

5) O preço de monopólio elevado eleva as tensões gerais da concorrência entre diferentes setores, afetando a geopolítica, gerando manobras enquanto tentativas de superar o constrangimento do preço elevado. Um exemplo particular do processo geral: certa nação pode bloquear o monopólio de outro país por meio de altas tarifas de importação ao mesmo tempo em que o Estado financia o surgimento de uma empresa monopolista de seu próprio país já que os preços altos estimulam investimento.

6) Se há concorrência entre monopólio e empresas menores, o monopólio pode reduzir seu preço, mesmo afetando enormemente seus lucros, para forçar fusões e falências. Porém, se a empresa, em circunstâncias parecidas, opera a preços visivelmente abusivos e constrangedores, estimula a formação de outras empresas ou crescimento delas, pois a demanda se transfere para estas caso ponham preços compensadores. Isto, porém, exigiria grande erro de medida da parte da empresa dominante.

Por isso, supomos um planejamento às avessas, um planejamento de lucro, um plano central pelo mais-valor extra. Há inúmeros constrangimentos a um preço em demasia elevado; por mais que a orbitação dos preços em relação aos valores seja de fato parcialmente desregulado, ela ocorre enquanto sintoma de um sistema tendendo a ser superado.

7) A empresa a exercer o monopólio consegue, dentro dos limites postos, limitar sua produção; mas sua oferta máxima não pode acompanhar, de imediato, a demanda ainda mais elevada. Eis uma vantagem, a elevar os preços de mercado, que também pode transformar-se em desvantagem. Agreguemos o fator cultural: a empresa alemã Wolksvagem pôde instalar-se nos EUA porque a demanda por carros não poderia ser atendia em médio prazo pela Ford; e nisto pesa o perfil daquela população, onde seria natural o trabalhador ter um automóvel. O monopólio, ao desestimular investimento, cria uma armadilha para si.

8) Há uma percepção mais abstrata. O preço elevado de monopólio tende a impedir a demanda, reduzindo-a; mas este preço elevado continua, pois mais que compensa a perda parcial de demanda. Há um ponto, porém, ao continuar a elevação dos preços, em que a demanda começa a se reduzir continuamente, afetando o lucro, (ou estimulando os fatores acima expostos, mas estamos abstraindo deles); neste caso, encontrou-se um preço limite, um tanto abaixo daquele a gerar crise. Porém, este não é estável nem natural, estando subordinado à totalidade dos fatores.

9) A mercadoria do monopólio pode ser parcialmente ou totalmente substituída por semelhantes, por renovações, por cópias ou por falsificações. Exemplo da Microsoft, pois seus preços elevadíssimos produziram a cópia ilegal, além do programa alternativo e gratuito Linux (como o Ubuntu).

10) O monopólio privado, nosso foco, tem poder imenso sobre o Estado, mas, este, sob certas circunstâncias, pode se ver forçado a limitar a precificação do monopólio. Ademais, o monopólio estatal pode reduzir seus preços, até mesmo com prejuízos, para estimular o lucro de outras empresas. O setor estatal de energia elétrica pode oferecer seu produto barato para estimular a industrialização.

11) Há a concorrência potencial, que surgiria em caso de elevação excessiva dos preços. Logo o monopólio evita inflação para evitar o surgimento de adversários

12) Além de vender, o monopólio compra em grande escala – isso pressiona o custo de produção para baixo e, logo, o preço de produção, pois a compra, e a venda, em grande quantidade tende por si a baratear o produto.

A questão está em perceber o “preço de monopólio” enquanto também não estático e não determinado em absoluto pela empresa monopolista. Nas análises concretas, observamos os fatores que permitem ou impedem a elevação e a queda. Exemplo: o preço da gasolina no Brasil subiu sob justificativa de que a demanda mundial estava elevada e, logo, deveria existir correção dos preços; mas a queda do preço do barril de petróleo abaixo do preço de produção no mercado mundial faz o preço da gasolina… subir. Não só pela privatização da Petrobrás, exigindo funcionar ainda mais sob a lógica do lucro, a elevação dos preços internos permite não falir a empresa diante da crise global no setor. Isto, por outro lado, constrangeu os demais setores internos e tendeu à elevação dos preços finais (custos de transporte, etc.). Se há menor inflação no Brasil ou deflação, dar-se por queda do consumo, da produção, elevadíssimo desemprego, etc. constrangendo os preços.

Extraímos duas questões metodológicas: não avaliamos a questão desde a megaempresa individual mas pela totalidade e consideramos fatores extraeconômicos. A economia “pura” de nada nos serve.

Ao expor a diferença da composição orgânica dos capitais concorrentes, Marx demonstrou, Livro III, a formação do preço de produção desde a taxa média de lucro afastando este do valor produzido em separado nas empresas, acima ou abaixo deste valor; desta variação, pôde demonstrar o valor de mercado enquanto um valor médio, não estável, em torno do qual as condições de oferta e demanda fazem o preços de mercado, preços reais, orbitarem. A relação entre central e orbitante, semelhante em comparação a uma estrela orbitada por planetas com suas luas, passa do valor orbitado para o preço de produção, por sua vez orbitado pelo valor de mercado e, em seguida, preço de mercado.

O preço de monopólio faz parecer que a tendência real é elevação monopolística constante dos preços de mercado gerando as próprias contratendências. Isto está certo, embora também errado, dentro dos limites do sistema. Porém, o monopólio aponta, em essência, o fim do preço no planejamento geral socialista, preparado pela atual fase do sistema. É uma resistência, um modo inverso, ao fim da manifestação empírica do valor, o valor de troca preço – o monopólio social e socialista sobre as empresas, da sociedade sobre a própria sociedade.

 

CUSTOS DE MONOPÓLIO

O monopólio é uma vantagem em si, uma consequência natural da concorrência ao gerar vencedores e um sinal do socialismo futuro. Dito isso, há dois custos contraintuitivos desse estágio. Há os custos abstratos: controlar preços para evitar concorrência (ou destuir a nova), conviver com falsificações etc. Há os custos concretos: comprar empresas inovadoras, promissoras, poteciais concorrentes.

 

URBANIZAÇÃO E MIGRAÇÃO

É popular a concepção de que uma solução comum para a crise da humanidade é a redução da quantidade de humanos no planeta. Essa teoria foi defendida por Malthus, ganhou fama, mas não tem base alguma na realidade. Hoje, dadas as revoluções tecnológicas, somos capazes de satisfazer as necessidades mais básicas de toda a humanidade e ainda fazer sobrar recursos para novos investimentos. Assim, existe somente uma superpopulação artificial, como o grande número de desempregados produzido pelo uso de máquinas mais modernas sob o capitalismo.

Há três tipos principais de superpopulação relativa: flutuante, latente e estagnada. A seguir, debateremos cada uma.

 A superpopulação relativa flutuante é formada por trabalhadores que ora estão empregados e ora estão desempregados. Em geral, a dureza do trabalho esgota muito cedo a energia desses operários, tornando difícil arranjar ou manter o emprego com o avançar da idade.

A superpopulação relativa latente é formada por aqueles que são substituídos por máquinas modernas no campo. Sem possuir terra e desempregados, mudam-se para as cidades ou para as grandes obras onde são necessários muito braços.

A superpopulação relativa estagnada é formada por trabalhadores que trabalham de forma irregular e, por isso, têm uma qualidade de vida abaixo da média.

Porém, Marx nem tratou propriamente da urbanização nem expôs alguma tendência especial da população. Hoje, é claríssima, por grande propriedade rural capitalista e as atrações da cidade, a lei da urbanização crescente relativa e absoluta (com contratendências como fato de se fazer menos filhos na cidade e mais no campo). A alta urbanidade de nosso tempo, ao concentrar os oprimidos, dá forçar revolucionária a estes, além de ser uma base para a democracia direta, operária, do socialismo. País camponês rima com ditadura, com bonapartismo.

Em nível nacional, há o quase fim da superpopulação relativa latente. Isso, com outros fatores, como a queda da natalidade, empurra para o fim deste modo de vida como com a necessidade de criar massa de desempregados por meio de máquinas mais modernas.

Mas Marx cometeu o erro, percebido hoje por muitos, de focar na economia nacional como totalidade. Faz sentido porque apenas a Inglaterra, onde ele morava, conhecia o desenvolvimento pleno e clássico do capital; enquanto a atual crítica tem como fator o quase fim das fronteiras nacionais como quase fim do capitalismo.

De imediato, basta aplicar as mesmas leis, as mesmas formas categoriais de superpopulação para o mundo inteiro. Mas isso é parcial, embora avance. Deve-se inclui o nacional no internacional ainda. Dentro da fronteira, a migração é o quarto fator da superpopulação – hoje bem mais evidente.

Como observamos em alguns destes ensaios, as incompletudes e falhas de Marx e Engels devem-se, em bora parte, ao fato de suporem que o capitalismo de sua época estava à beira de seu fim, portanto em sua consolidação final. Daí que a correta descrição tenha de passar, ulteriormente, por meio de outros teóricos, para a dinâmica evolutiva, o evolver. Apenas hoje temos uma crise total, de totalidade sistêmica e a da natureza.

 

O DINHEIRO

É conhecido o dizer de Marx: lixo pode ser dinheiro, embora dinheiro não seja lixo. Pois bem; por outro lado, ele e Engels consideraram a matéria ouro como insuperável para o sistema, embora reconhecessem certa pulsão, para eles irrealizável, de superar tal material. Isso gerou uma confusão completa no meio marxista até hoje, entre ecléticos e dogmáticos, que seria resolvido pelo próprio movimento da coisa, seu autodesenvolvimento.

Marx diz que a história do dinheiro segue o oposto do dito pelos poetas. Os poetas antigos disseram: Idade do Ouro, a Idade da Prata, a Idade do Bronze, a Idade dos Heróis e o presente (até Hesíodo) Era do aço. Ora, para o mouro, foi o inverso: …bronze, prata, ouro… O que me parece é que ambos têm razão: o dinheiro, a forma, têm diferentes matérias, materiais – vai-se, porque assim vai o mundo do mercado, da cada vez maior materialização, até o ouro, para, daí, ir até cada vez mais desmaterialização; hoje é o virtual, eletrônico, o bit, o simples elétron. É a dialética de que algo deve materializar-se para, em seguida, desmaterializar-se.

O dinheiro tende ao seu fim como fim do capitalismo, tende a ser um nada real. O dinheiro artificial revela o sistema do dinheiro artificial, mantido pelo Estado. Aqui, entra necessariamente o tema da perecibilidade. Na vida, surgiram animais cada vez mais materiais até surgir os gigantes (como dinossauros e outros seres), então começou a desmaterialização, a diminuição do tamanho das novas espécies. A quantidade maior de trocas e de dinheiro está ligada à desmaterialização deste; o menor tamanho de certos animais está ligado à possibilidade de maior quantidade deles. A maior materialização, nos dois exemplos, diminui a perecibilidade, aumenta o tempo de vida. A maior desmaterialização, em oposto, leva ao ganho de perecibilidade. Assim, temos na forma social do dinheiro, desde sua matéria, um sinal do apocalipse do capital.

Segundo Ruy Fausto, Marx atualiza a dialética (da Doutrina do Conceito de Hegel) com a seguinte formulação: o sujeito passa para diferentes predicados, sem se confundir com eles. A mercadoria do capitalista têm o valor; ao vendê-la, tem o valor na forma de dinheiro; este valor em dinheiro é substituído por máquinas, matéria-prima e força de trabalho… O Valor passa de uma forma para outra, de uma matéria para outra.

Valor é – dinheiro

                                                              mercadoria

                                                              capital produtivo

                                                               

 

Portanto, dizer

 

Dinheiro é ouro

Sujeito é predicado

 

É um engano. Assim, deve-se dizer

 

Dinheiro é – bronze

                                                                    Prata

                                                                    Ouro

                                                                    Cobre                

                                                                    Papel

                                                                    Bits

 

Ele passa de certa matéria para outra, mesmo que por mediação do lastro.

Na China do século XII, ocorreu uma crise de desmedida do dinheiro porque a desmaterialização, o “papel” sendo moeda, facilitava muito, naquela época, a falsificação monetária. Hoje, basta alguns comandos simples de computador para gerar dinheiro do “nada”, levando à desmedida na vã tentativa do Estado de salvar seu sistema, o sistema do Deus-demônio dinheiro, do valor.

O dinheiro é endógeno, criado dentro da economia (bancos, minas etc.), mas tendem a ser cada vez mais exógino, criado pelo Estado, além de cada vez mais artificial. É, em A, x indo para… não-x de modo relativo, como tendência, se formos para a lógica da nova dialética.  

No socialismo consolidado, será natural, como um simples ato administrativo, o fim do dinheiro como mediação da maior parte da circulação ou toda ela. Em outro momento, dissemos que a inflação absurda do endividamento, do meio de pagamento, anuncia o fim da mediação futura do dinheiro na sua não mediação imediata hoje, desde a necessidade de escoar mercadorias perante a superprodução crônica latente. Pois bem; lógica e historicamente, como na obra O Capital, o dinheiro começa como meio de circulação, padrão de preços e medida dos valores apenas; logo depois, meio de entesouramento; logo depois, meio de pagamento. Tal sequência, temporal e sistemática, anuncia o futuro possível, embora não inevitável.

O dinheiro é lastreado no trabalho abstrato, antes de no trabalho concreto, antes mais do que no ouro. O velho acerto ao focar nas formas, no erro de quase alcançar o conteúdo: o dinheiro nunca foi lastreado em si no ouro – mas no trabalho. Ouro, sendo raro, exigia muito trabalho social.

Em sua desmaterialização, o dinheiro é um qualitativo cada vez menos qualitativo e mais quantitativo (A = A e… NãoA). O dinheiro atual é ouro, mas de tolo. Ele segue nossa dialética diacrônica: o qualitativo tente a ser apenas quantitativo.

Na dialética, o mediador, a mediação, não tem conteúdo próprio, um nada em si; seu conteúdo é o conteúdo apenas dos opostos dos quais ele é a mediação. Dito isso, o dinheiro é incapaz de romper com sua fução primordial de mediação, entre duas mercadorias. Daí seu lastro nos opostos (mercadorias diversas) por ele conectatos e mediados que têm, eles sim, hoje, o verdadeiro e material conteúdo-valor dentro de si.

Lembramos que o lastro indireto no conjunto das mercadorias aparece como lastro, também indireto, no petróleo. Ora, desta substância, surgem uma quantidade enorme de materiais hoje vitais em toda a indústria (valor-matéria). Pois bem; desde o pós-guerra, as crises tendem a aparecer como parte de um ciclo do petróleo, desta moeda informal, até como crise do petróleo, como resultado do aumento bruto, dada a limitação de produção na renda da terra, ou queda bruta de seu preço. Como matéria-prima e transporte são partes essenciais dos custos que geram crise ao aumentarem de preço, temos um lastro crítico. Mas isso é externo; no interno, permanecem as conclusões gerais de Marx.

O ouro e o petróleo têm pontos em comuns: 1) são a mercadoria por excelência em suas épocas, 2) são ricos em prorpriedades úteis, ou seja, valor-matéria, 3) são guiados pela renda da terra, ou seja, por exemplo, a oferta é limitada – pertencem ao setor I da produção; 4) são fetiche porque parecem ter valor por si mesmas, independente do trabalho.

A crise do valor aparece, assim, como, tem de aparecer assim, também aparece como, crise da medida, ou seja, crise da criação de dinheiro, hoje fácil, com a inflação fina e constante desde os anos 1950. Eis aspecto da crise geral do valor, dos valores, como crise de medição.

Duas ideias devem ser expostas ainda para avaliação. Na abertura de sua Lógica, ao tratar de Ser e Nada, nos cometário, Hegel diz que para Kant 100 táleres (ou reais, ou dólares etc.) valem isso mesmo, 100 táleres. Ora, ele diz, tal quantida de dinheiro não é Ser, mas ser aí, determinado, algo em realção a outro; o dinheiro vale numa relação com outros objetos; veja-se, então, complementamos e deduzimos, que a desvalorização do dinheiro de modo absurdo no capitalismo tardio, a grande inflação agora existente, os 100 táleres valendo o que antes era apenas 50 táleres (ou seja, 100 táleres não é 100 táleres no tempo, muda o conteúdo), tata-se do dinheiro indo do ser para o nada… Mais a abstração no modo de desmareialização da moeda. Isso, em parte, afirma e contraria Marx. Para ficar claro o marxismo hegeliano, digamos: o valor abstrato e forma-valor tem forma, grandeza e substância; mas, em minha teoria do valor-matéria, o valor de uso funda o valor, como algo de si próprio, assim:

 

Substância – materialidade

Forma – propriedades formadas

Grandeza – contexto (oferta-demanda, quantidade total absoluta e relativa às demais mercadorias etc.)

 

O dinheiro é dinheiro porque seu contexto, sem escolha arbitrária, pede para algo assim surgir; sua relação com outros valores de uso, sendo puro valor de uso (revela o valor-matéria). Sua perda de substância, sua desmaterialização, alerta para sua perda de valor correspondente – e sua criação desenfreada. Enfim, fica-lhe suas propriedades enquanto meio-termo necessário. De início, a substância (ouro etc.) tinha mais peso e importância; depois, pela mediação das propreidades, num e noutro, no entanto, foi-se cada vez mais à valorização do contexto (social etc.), o que demonstra maior grau de artificialidade da forma-dinheiro em nosso tempo.

Como prova do valor-matéria, o dinheiro tornar-se, revela-se, puro valor de uso. Anuncia, também, o socialismo do valor de uso logo ali. O dinheiro é o valor de uso por excelência, pois dá acesso, hoje, aos demais valores de uso.

O capital financeiro, no sentido comum, em busca de mais capital financeiro (sua abstração, crise, da base real) nada mais é que outra expressão do dinheiro em busca de mais dinheiro, pois tais papéis são garantias legais, são expressão de valores, são promessas do fruto do trabalho, ou seja, são dinheiro – e podem atuar como a qualquer momento, em potência. São produto em busca de mais produto, ainda que de modo indireto, cada vez mais indireto.

Como meio de pagagmento, receber o produto antes e pagar (o seu valor) apenas depois ou parcelado, o dinheiro é superado dentro dos limites do próprio dinheiro – o valor dentro dos limites do valor. Entre as melhores descobertas deste livro. Porque há superprodução quase-crônica, expressa-se o reino futuro da abundância de modo invertido, forçando a consumo, adiando o pagamento, ao criar dívida. Ainda assim, recebe-se o valor de uso sem realizar seu valor mercantil – e pode haver o justo calote… Não por acaso, por razões lógico-históricas, Marx coloca o meio de pagamento como uma das últimas determinações do dinheiro na fase de avanço, diacrônico e sincrônico, da circulação.

 

CRISE DE HEGEMONIA

 Giovani Arrigh afirma que a decadência da Holanda, da Inglaterra etc. dar-se porque os burgueses práticos acumulam tanto dinheiro que passam a preferir o mundo financeiro – daí a decadência nacional. Não está errado, mas não está certo. Na verdade, o país em vantagem consome suas vantagens; por exemplo, a China tem um poderoso mundo rural, mas que, ao se urbanizar com rapidez, deixa a vida camponesa como vantagem, como fonte de nova força de trbalhao e como fonte de novo mercado consumidor. O país consome suas capacidades singulares, logo, a vantagem torna-se desvantagem; por exemplo, o poder comercial holandês, sem igual no mundo, fez o país priorizar importação barata no lugar de produzir por si, causa de sua derrota futura para a inglaterra. Além disso, quem tem enorme poder econômico, sem concorrente, tendem a degenerar, porque a concorrência é um motor vital do capitalismo; por estar muito acima dos demais, para, por exemplo, de investir em novas tecnologias como deve.

Arrigh também confunde ascensão e queda de um império, de apenas dduas fases, com as fases do sistema capitalista. Já demonstramos que há transição, declínio e ascenso – no geral. Também demonstramos que que há 4 fases: comercial, industrial, financeiro e fictício. Grosso modo, a vantagem comercial da Holanda, ao facilitar importação, impediu seu pleno desenvolvimetno industrial; então, a Inglaterra desenvolve a indútria, incluso reprimindo o capital financeiro; os EUA também reprimiram o mundo financeiro, mas apenas os bancos, pois precisavam de muito capital para financiar sua indústria muito mecanizada, daí as ações etc.; a financeirização final dá, hoje, espaço para a China.

 

TRABALHO E ONTOLOGIA

Lukács resgatou a e formulou uma ontologia. Bem observado, sua base ontológica e seu resgate metodológico devem-se à releitura de Dialética da Natureza, de Engels. Pois bem; uma terceira leitura, levaria-lhe a perceber que trabalho não é uma categoria, fundante, apenas do ser social, mas de todo o Ser, do Ser em si mesmo, nas três modalidades. Associado à energia, vemos que o trabalho, capacidade de trabalho, já faz parte do inorgânico, como Engels afirmou. Uma abelha e qualquer animal trabalham; mais, a abelha, sabe-se hoje, aprende e usa ferramentas (usam fezes para colocar na entrada da comeia, assim afastando as vespas). Descobriu-se uma espécie de peixe que cultiva seu próprio alimento, além de permitir que outro peixe entre em sua “fazenda” porque ajuda no processo produtivo. Sabemos que macacos usam ferramentas para quebrar coco, aprendem entre si a lavar uma fruta, usam insetos na ferida de parceiros. Corvos fazem ferramentas e projetam. A célula, dentro de si, produz mais-energia do que aquela exigida para sua produção, trabalho. A própria fundação da vida, assim, foi um ato de trabalho. O trabalho humano é natural – socialmente modificado. Marx já falava em necessidade natural do trabalho, faltando-lhe um pouco de ousadia. A tarefa de humanização da humanidade, afastamento das barreiras naturais, inclui afastamento, redução, do trabalho, ao menos o manual. O comunismo, com a robótica e a automação, juntos à informática, quase colocarão fim no trabalho manual, além de reduzir muito o intelectual, como a mera coleta de dados (estimulando a reflexão sobre eles). Que as máquinas trabalhem em nosso lugar! A diferença do homem para as outras espécies complexas é de grau, quantitativo, mas a mudança quantitativa fez um salto, uma mudança qualitativa, incluso pelo fato de, como em nenhuma outra forma de vida, modificamos muito o ambiente e este, então, nos modifica. Os lukacsianos, empolgados e fixos em suas descobertas, consideram o trabalho de todo e irritam-se com a ideia de crise do trabalho; os kurzianos, empolgados e fixos em suas descobertas, veem a tendência ao fim do trabalho e irritam-se com o papel do trabalho na formação da sociedade; no socialismo, o setor de serviços, como governar e educar, formas sociais puras, quando nos tornamos mais puramente sociais, será menos robotizado por sua própria natureza prática, precisando ainda da alguma ação humana – além do mais, o trabalho dividiu-se em manual e intelectual, logo este último será mais presente na sociedade. De fato, o ser social é fundado pelo trabalho, mas porque o ser biológico realiza-se em altíssimo nível na espécie humana. Por causa do trabalho, na energia em busca de mais energia, incluso a falha em tal meta, funda-se o ser social porque ele faz parte da legalidade de todo o Ser. Ser, e a verdade, é o todo contraditório em desenvolvimento, em evolver. Ser é trabalho. Ser é energia em busca de mais de si. Ser é espaço-matéria.

 

PREÇO E JUROS COMERCIAIS

Leiamos a seguinte passagem do capítulo “Capital-dinheiro e capital real – III (Conclusão)”:

 

No crédito comercial, o juro, a diferença entre o preço a crédito e o preço à vista, só entra no preço da mercadoria quando as letras têm prazo superior ao costumeiro. Se não têm, isso não acontece. E a explicação está em que cada um toma esse crédito com uma das mãos e o dá com a outra [isto não se ajusta à minha experiência. - F.E.]. Entretanto, quando o desconto surge aí nessa forma, regula-o não o crédito comercial, e sim o mercado financeiro. (Marx, O capital 3, 2008, p. 683, grifo meu)

 

Pensemos uma resposta à questão.

As circunstâncias em que o crédito comercial, “não” financeiro, ganha dinâmica ocorrem antes da elevação dinâmica do crédito financeiro (isto Marx havia percebido). Em geral, ocorrem após crises, quando a demanda começa a elevar-se. Se a demanda eleva-se para algumas mercadorias relativo à oferta (porque a crise diminui a concorrência, porque o nível de assalariamento está voltando a elevar-se, etc.), então o preço mais que compensa em relação às condições normais e, logo, o crédito comercial transforma-se em modo de extrair mais-valor extra na circulação de mercadorias. Em conclusão, no preço final há sim, entre os demais fatores, o fator juros comercial enquanto possibilidade de extrair mais-valor extraordinário, de outros setores. Por isso a observação de Engels de que a experiência concreta não confirma esta anulação do fator crédito comercial por razão dos intercréditos.

Talvez a oculta preocupação de Karl Marx em sua apressada afirmação fosse reforçar que o valor não surge da circulação mas da produção. Com o conceito “mais-valor extra” encontramos na produção capitalista a base do fenômeno acima citado.

Ao pormos o parágrafo d’O Capital em macrocontexto, sua dinâmica, podemos resolvê-lo.

O crédito comercial permite acelerar a circulação, pois desprovido da troca imediata de mercadoria por dinheiro (este nem sempre disponível na proporção desejada). Quando oferece o crédito comercial, o burguês comerciante A oferece ao B uma massa de mercadorias após supor que estas serão vendidas e vendidas a um preço capaz de retornar as parcelas com acréscimo de juros. Se este cálculo demonstrar-se errado, ocorre porque faz parte dos riscos de uma economia não planejada.

Se observamos, do ponto histórico da época de Marx, a autonomia externa e relativa dos três capitais, ainda assim percebemos pontos de contato, um no outro, a exemplo do crédito comercial.

Relação de juros no setor comercial ocorre porque ambos pertencem o reino da circulação: comércio de mercadorias e mercadoria dinheiro. Neste nível, a relação social toma forma reificada, fetichista, ao supor a ilusão de que o valor surge na circulação e inerente às coisas. Vejamos o caso do capitalista industrial: ele cuida, de imediato, da produção, apenas da produção, não da circulação – mas, assim que tem algo já produzido, ele age como esperto comerciante de suas mercadorias, comerciante de fato mesmo que venda, é claro, para o comerciante propriamente dito, para um intermediário especializado na revenda. Por isso, não há uma parede total separando as diferentes formas de capital; o comerciante pode, portanto, ser também um usuário, um quase banqueiro, digamos assim.

Evidente, portanto, que esta relação do juros comercial se reproduza “naturalmente” quando o banqueiro empresta ao capitalista comercial.

 

SALÁRIO E PREÇO

A economia vulgar condena o aumento dos salários argumentando que isso gera inflação, que aumenta de novo os salários, que gera mais inflação – e assim por diante, numa espiral perigosa. Nada mais falso.

Primeiro, diz Marx, os salários aumentam depois, porque os preços aumentaram; não, via de regra, o oposto.

Segundo: o aumento do salário não costuma ser geral e sincrônico ou na mesma proporção.

Terceiro: se há inflação, logo o trabalho que comprava, digamos, 20 produtos, passa a comprar apenas 15; logo, os 5 restantes perdem demanda, empurrando para a queda dos preços. A inflação produz seu oposto, deflação.

Quarto: o aumento dos salários tira dinheiro do lucro real, logo o burguês consome menos luxo – os produtos luxuosos tendem a diminuir seus preços. Inflação dos salários gera, assim, deflação nas mercadorias.

Quinto: o aumento da produção se dá por saltos, não pouco a pouco. Se o consumo está aquecido da parte dos trabalhadores, pode gerar breve, no tempo e no espaço (na medida), inflação, mas isso empurra para mais investimentos e mais concorrência. Uma fazenda, por exemplo, passa a produzir arroz por salto, não um pequeno lote acrescentado, por grandes extensões de terra, aumentando muito a oferta. Certa fábrica que funciona os três turnos geralmente exige nova fábrica se a demanda está alta (leva um tempo para nova planta, mas o crédito acelera o processo). Ainda assim, mesmo que de modo anárquico, em parte significativa dos casos e momentos, há certo turno ou parte da empresa ainda não utilizada, pronta para movimentar-se caso a demanda aumente muito.

Sexto: O aumento dos salários, logo antes da crise, costuma ter junto de si o pleno emprego, ou seja, um grande número de empresas concorrentes, o que derruba o lucro (o consumo burguês) e aumenta a oferta.

Sétimo: com a queda dos preços, incluso relativo ao preço do produto comum, de produtos luxuosos, o investimento desloca-se para produtos comuns para onde se destinam os salários maiores dos trabalhadores. Isso Marx já observa no livro II de O Capital.

Oitavo: se sobra alguma renda extra, muitos trabalhadores iniciarão nova forma de consumo, acessarão novos tipos de mercadorias ou serviços, o que dilui o dinheiro, a demanda. A maior parte da demanda comum dos trabalhadores não é elástica, não comprarão mais sal e gasolina porque aumentaram a renda.

Nono: no médio e no longo prazos, o aumento dos salários, além da busca por um lucro extra com mais-valor extraordinário, exige renovação tecnológica para substituir mão de obra “cara” por maquinário, o que costuma ser acompanhado por aumento da oferta, ou seja, queda do preço individual do produto, além de queda de salários por desemprego e menor custo de vida.

Décimo: com alguma frequência, há casos em que o comerciante ou a oferta de serviços não consegue aumentar o preço da mercadoria, até reduzindo em casos limites, mesmo com o aumento da demanda, mesmo com aumento dos salários, por causa da concorrência e da concentração-centralização de capital menor relativo ao mundo bancário e industrial. E o aumento dos preços, se ocorre por salários altos, ao aumentar o lucro comercial, aumenta o número de comércios, relativamente fáceis de fundar, logo maior concorrência contra aumentos de preços. Vale notar que aumentos dos salários ocorrem normalmente com a economia aquecida, com mais concorrentes.

Décimo primeiro: com a produção ativa em três turnos, a burguesia aposta no aumento da intensidade do trabalho da produção, o que aumenta a quantidade de mercadorias, o que faz o produto ter preço abaixo do seu valor.

Décimo segundo: muito dependente da cultura nacional, os trabalhadores poupam parte, pequena e a mais, da renda quanto esta cresce, adia o consumo.

Décimo terceiro: com maior demanda por dinheiro e por mais empréstimos, os juros sobem, o que desestimula o consumo e o aumento dos preços consequente. 

Por fim: o maior ou menor consumo de importados é, antes, muito mais consequência do que causa da alteração do câmbio – além deste muito sensível ao preço e à quantidade das exportações. Mesmo se afetasse duramente o câmbio para desvalorização da moeda nacional, um preço maior da moeda mundial estimula em demasia a produção dentro do próprio país, aumentando a oferta mundial e nacional, o que derruba os preços. (Uma desvalorização da moeda brasileira no câmbio produz industrialização, pois compensa comprar dentro do país no lugar de importar, mas também produz, ao mesmo tempo, o oposto, desindustrialização, pois algumas indústrias nacionais necessitam importar insumos e máquinas do exterior.) Por outro lado, se os preços nacionais sobem muito porque cresceram os salários, isso estimula a importação capaz de concorrer dentro do mercado interno, caem-se os preços.

 

Em caso de monopólio real ou oligopólio, o aumento dos salários pode ser repassado para os preços, seja porque os operários da empresa ganham mais seja porque a demanda pela mercadoria monopolizada aumenta – mas, mesmo hoje, no auge do imperialismo, não é a regra dominante ou exclusiva.

 

CONCORRÊNCIA E TAXA DE LUCRO

Marx afirma que a crise é a causa do aumento da taxa de juros, não o inverso. Mas, vale notar, a causalidade pode ser recíproca; uma vez aumentada, a taxa de juros realimenta a crise. A mesma lógica cabe à questão da taxa de lucro. Marx afirma que a queda da taxa faz a concorrência, não o contrário. Ora, claro é que a concorrência, ao exigir, por exemplo, novo maquinário, também empurra à queda da lucratividade. Causa torna-se efeito e efeito, causa.

Como causa oposta gerando o mesmo efeito, a alta taxa de lucro num setor também estimula aumento do investimento, da concorrência – mas seu efeito tão ou mais importante é a “mera” transferência de investimento em setores de baixa taxa de lucro para outro com alta (mesmo assim, o capital aonde a taxa é baixa pode “resistir” até a situação melhorar, como mostra a experiência comum, baseada no passado). Assim, Michael Roberts erra quando afirma que a queda da taxa de lucro é a causa, sem mais e isolada, da queda do investimento.

 

TAXA DE JUROS MUNDIAL

O economista e marxista José Martins afirma que a taxa de juros dos EUA é a taxa de juros mundial, planetária. Aqui, vamos desenvolver seu bom instinto. O mundo está altamente interligado de modo que os ciclos industriais e econômicos de uma país está sincronizado, tanto quanto pode, com as demais nações – como sabem os marxistas, os ciclos da economia, fazem grosso modo, os ciclos da variação da taxa de juros (as crises são cada vez mais globais, não apenas locais). Isso também é base para uma taxa de lucro mundial, como tendência, que limita a margem de manobra da taxa de juros corrente. Além disso, os EUA produzem e consomem como nenhum outro país do mundo, até agora (China aproxima-se), dando-lhe centralidade, o que repercute em possuir a dinheiro mundial. Quando o FED, banco central daquela nação, aumenta a taxa de juros com a qual paga seus títulos de dívida pública de curto prazo, atrai o dólar para si, o que tira tal moeda de outros países. Para compensar, as demais nações são pressionadas, até de modo inconsciente (por meio da inflação causada pela desvalorização da moeda nacional no câmbio, já que tem menos dólares em mãos), a também aumentar a taxa de juros para tornarem-se mais atraentes ao capital especulativo fluido em tempos de internet. Isso não é consciente ou dito pelos economistas do sistema: que a taxa de juros nacional depende também da taxa de juros no maior império, há um lastro.

 

CRISE SITÊMICA E CRISE

Schumpeter afirmou que as crises ocorrem nos novos setores da economia, novos tipos de produtos etc., pois neles há empresas novas, menores e em larga concorrência, o que diminuiria o lucro, ou seja, crise; para ele, nos velhos e consolidados setores não haveria crise por menor concorrência, tradição etc. Sua tese tem valor mais que singular, particular, mas não geral. A crise ocorre porque custos com salário, matéria-prima, dinheiro sobem no aquecer desigual da indústria; além da concorrência. Pois bem; mesmo sua teoria tende a ser superada em sua verdade. As redes sociais de internet e os canais de tv também por internet, sendo setores novíssimos, devem ser a fonte “natural” da crise seguinte diante da larga concorrência nova dos novos seotores; mas há um diferença hoje porque tais empresas surgem ligadas a empresas tradicionais e já consolidadas (Amazon, Apple, Disney etc.) e – é-se dono de várias empresas “concorrentes” de convívio virtual. A teoria tem valor ainda, mas está ainda mais relativizada.

Ocorre que certas empresas, por seus perfis e valores de uso, só podem surgir por grande capital e recursos, que apenas são obtidos nas empresas consolidadas. Ou, mesmo surgindo, sucumbem às maiores. Eis aí nossa segunda observação: neste tempo de decadência do capitalismo, de poderosas empresas incluso com suporte virtual, cada vez mais difícil e desestimulante é ter uma pequena empresa, um pequeno negócio – mesmo médio ou apenas nacional. A crise, hoje, mais do que antes, varre a pequena empresa em nome das dominantes, que beiram o oligopólio e o monopólio.

Nossa última observação. Ditas as bases de tais fenômenos, conclui-se que é muito difícil a existência de empresas apenas nacionais hoje. Ou declaram falência, ou são internacionalizadas, ou são compradas por gigantes internacionais. A Coreia do Sul, por exemplo, diante da baixa demanda interna, logo teve que ver no Estado um incentivo para espalhar suas empresas centrais pelo mundo, capazes de concorrer em tal cenário geral. A tara do empresários brasileiros é criar uma boa  e promissora indústria para, enfim, vendê-la aos poderosos estrangeiros.

 

AOS "ESQUERDISTAS" QUE NÃO SABEM ECONOMIA

O Banco Central manteve a taxa de juros em 2023, em seu início, acima de 13 por cento. Mas fez algo mais: criticou o governo… Isso fez Lula, afastando a responsabilidade de si, a colocar na conta da direção bancária todos os males do país. O ataque, a reação, foi fortíssima. Infelizmente, a esquerda radical costuma trazer para si todas as narrativas do oportunismo petista, social-liberal (vide a “tese” da onda conservadora). Nesse frenesi político, tomei uma posição minoritária e, veja, só, científica da questão. Eis as afirmações:

 

1. Taxa de juros não é a medida de todas as coisas. Se o governo fizesse um plano de obras públicas agressivo, geraria mais emprego. Há várias ações não ligadas a juros que reativam a economia e são até mais importantes.

2. A taxa de juros só pode cair lentamente, para não ter fuga de Capital (especulativo) – o que levaria câmbio para mais de 6 reais com a falta de dólares – logo, inflação pesada, mesmo. (Quero ver reclamarem depois da carestia...)

3. Mesmo assim, a taxa só poderia ser reduzida para algo como 11% – e, de novo, lentamente, gradual.

4. A taxa de juros americana e europeia tende a ficar elevada este ano inteiro – isso pressiona uma concorrência por dólares, por investimento, que força outros países a manter, também, taxas altas para premiar especuladores. A vida é dura.

5. Há uma crise mundial surgindo. Isso empurra, no primeiro momento, juros altos em todo o mundo.

6. Haddad, sendo um idiota, quer provar aos ricos que é capaz de ser o sucessor de Lula no futuro. Por isso não milita por menor juros como deveria.

7. Juros altos aumentam o risco de inadimplência geral – mas, repito, isso só permite, pressionar por, reduzir um pouco a taxa e de modo lento.

8. A economia vulgar pensa que o aumento dos juros causa crise. Isso só ocorre por exceção. A elevação dos juros é um sinal de que já há uma crise em gestação no subterrâneo da sociedade.

9. Foi um acerto do banco central reduzir a taxa para 2%, em 2020, diante do risco de deflação. Mas foi um erro grave manter tal taxa por muito tempo, o que afastou capital, ou seja, dólar, o que estourou o câmbio para acima de 6 reais, ou seja, gerou inflação em cadeia. Pagamos o preço agora. Mas a esquerda inculta pensa que a regra é sempre taxa de juros baixíssima, o que é um erro básico. Era necessário certo aumento da taxa para evitar que o câmbio afetasse os preços.

10. Se Lula quisesse emprego e baixa inflação, acabaria com a atual política artificial e oportunista de preço do petróleo. Já disse que a vida é dura?

11. Nos próximos anos, de crises após estas crises, teremos o risco de uma revolta social no Brasil (desemprego mais inflação – ambos grandes e longos). Talvez uma revolução. Não precisamos esperar décadas para o socialismo no país.

12. No Brasil, apenas 5 bancos controlam quase todas as operações. Nos EUA, 5 mil bancos... Isso significa que aumento ou queda de taxa Selic, de juros, não tem o mesmo afeito aqui, onde há um oligopólio, em relação à lá, onde isso – quase monopólios – nem de longe acontece.

 

Uma redução gradual de juros para algo como 11% pode fazer sentido, mas nem de longe resolve os problemas do país. O programa deve ser imensamente mais profundo. Os movimentos sociais petistas fizeram protestos pela queda dos juros que não mobilizou ninguém… Nem poderá mobilizar. O caminho não é esse, de modo algum.

 

CONCEITO REAL ABSTRATO

A realidade é a luta entre opostos, capital e trabalho. O capital, ao desprender-se do valor, produto do trabalho manual, torna-se puro conceito, capital abstrato, capital produtivo, realização do conceito de capital – então, sua crise. O trabalho torna-se, cada vez mais, puro trabalho, não apenas trabalho concreto, trabalho abstrato, trabalho geral, trabalho em geral – então, sua crise. O dinheiro, que une ambos os anteriores, torna-se, hoje, puro dinheiro, cada vez mais, dinheiro fictício, realiza-se, universaliza-se – então, sua crise. O socialismo realizará o conceito de homem e o indivíduo será, de fato, indivíduo – enfim, crise da “sociedade” e do “homem” tal como conhecemos. O socialismo é o conceito de “Bem” para onde tende a vida humana.

 

CONTRADIÇÃO ENTRE CAPITAL FIXO E CIRCULANTE

Marx demonstra a contradição de opostos, capital constante (expresso nos elementos físicos) e capital variável (expresso no trabalhador), contradição entre máquina e operário. No entanto, isso deixa de ser claro no livro 2 d’O Capital. Direto ao assunto, ocorre que o capital circulante, representado na matéria-prima e no trabalhador, tem limites que limitam o capital fixo, expresso na máquina ou no edifício etc., desejoso de ser mais circulante (capital fixo é circulante, embora não seja). A matéria-prima e o operário, em condições normais, impedem a aceleração maior da máquina (o fio quebra, o trabalhador greva contra a intensividade da jornada). Tal contradição é movente, como deveria ser: novos materiais são criados, antigos são substituídos, novas técnicas de trabalho são desenvolvidos. Assim, com dificuldades, o capital tende a reduzir o tempo de produção, que inclui a secagem da mercadoria por exemplo, ao tempo de trabalho. O tempo de circulação tem dificuldades de ser reduzido na produção. As duas contradições citadas estão lastreadas na contradição inicial, entre valor e valor de uso, são o desdobramento dela. Mas o valor-matéria apresenta isso como a luta de valor de uso (fixo) contra valor de uso (circulante), matéria contra matéria, conceito contra conceito.

 

 

 

SISTEMA DE MEDIAÇÕES

De modo grosseiro, de modo geral, em espcial no capitalismo; surge e desenvolve-se um sistema de mediações. Entre o trabalhador e a matéria-prima, surge. O antigo produtor era, também, vendedor; mas, depois, cria-se a mediação de ele vender sua mercadoria ao comerciante intermediário – isso estendeu-se até os níveis atuais. Tenta-se , hoje, suprimir algumas mediações entre produtor e consumidor final, que parcela a mais-valia. A relação direta entre patrão e trabalhador torna-se cada vez mais indireta, por mediações de pessoas, coisas e processos – o trabalhador sequer sabe quem é seu patrão e o burguês torna-se acionista longe da administração prática.

 

PROPRIEDADE PRIVADA

Não há propriedade privada sem propriedade pública, são opostos necessários e irmãos. O controle da instituição Igreja medieval sobre feudos nada tinha de igualitarismo. No mais, o Estado é um burguês impessoal. O contrário de propriedade privada, portanto, na verdade, trata-se da propriedade social, não estatal, pois pressupõe controle dos operários sobre o seu Estado e sobre as suas empresas, a ditadura do proletariado, isto é, democracia direta socialista.

Nos países que esgotaram o capitalismo interno, incluso por restrições externas, a propriedade privada devora para si a propriedade estatal, pública. Privatiza-se. Nesses casos, a luta pela estatização tem uma força que nunca teve antes na história do capitalismo, mesmo nas crises anteriores duríssimas. À época de Lenin e Trotsky, a propriedade estatal burguesa desenvolvia-se, ampliava-se, consolidava-se, demonstrava todo o vigor. Hoje é diferente. O reformismo, de esquerda ou de direita, não tem mais chão, não tem mais saída por dentro do sistema. Com isso, não nos confundimos com a esquerda centrista do funcionalismo público, que não toma a posição operária, incluso de seus desempregados, mas quer o passado keynesiano, quer o Estado burguês forte, estatista, ainda que não reconheça isso sequer para si mesma.

 

ALIENAÇÃO N’O CAPITAL

Tenta-se, com certa constância, entre acadêmicos, reduzir Marx, diminui-lo. Assim, ele não chegou a uma economia política dos trabalhadores, positiva, mas apenas a uma crítica negativa, uma crítica da economia política burguesa, sem mais. Assim, evita-se o duro trabalho intelectual de ter uma estética, uma ontologia ou uma ética marxistas. O marxismo é uma concepção, científico-filosófica, total de mundo. Não cabe, portanto, em caixas apertadas.

Neste norte que é sul, nesta bússola desregulada, afirma-se que Marx abandonou toda filosofia em sua maturidade; diz-se que ele, em especial, deixou de lado toda relação para com sua original teoria da alienação. Tal teoria conclui, entre outras, que o mundo das coisas domina o mundo dos homens, que o homem coisifica-se, que a criatura domina o criador (como Deus, criação do homem, domina o próprio homem). É este o caso, nega-se tal contribuição filosófica? Mèszáros refutou tal concepção negativa na sua obra “Teoria da alienação em Marx”, porém não focou especialmente em O Capital. Abaixo, veremos as citações claras na letra de nosso velho:

 

Tais formas, em cuja testa está escrito que elas pertencem a uma formação social em que o processo de produção domina os homens, e não os homens o processo de produção, são consideradas por sua consciência burguesa como uma necessidade natural tão evidente quanto o próprio trabalho produtivo. (Marx, O capital I, 2013, pp. 155, 156)

 

Vejamos mais:

 

A antítese, imanente à mercadoria, entre valor de uso e valor, na forma do trabalho privado que ao mesmo tempo tem de se expressar como trabalho imediatamente social, do trabalho particular e concreto que ao mesmo tempo é tomado apenas como trabalho geral abstrato, da personificação das coisas e coisificação das pessoas. (Idem, p. 187)

 

Já está claro, mas temos outros:

 

O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga. (Idem, p. 307)

Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são incorporados como apêndices vivos. (Idem, p. 494)

[…] em que o trabalhador existe para o processo de produção, e não o processo de produção para o trabalhador (Idem, p. 560)

 

A condição alienada da classe trabalhadora está de tal modo:

 

E não poderia ser diferente, num modo de produção em que o trabalhador serve às necessidades de valorização de valores existentes, em vez de a riqueza objetiva servir às necessidades de desenvolvimento do trabalhador. (Idem, p. 697)

 

Podemos dar-nos por satisfeitos. No entanto, se se quer um trecho extremamente direto, temos este:

 

Assim como na religião o homem é dominado pelo produto de sua própria cabeça, na produção capitalista ele o é pelo produto de suas próprias mãos. (Idem, p. 697)

 

São trechos, sequer todos, de uma leitura não guiada que demonstram a teoria da alienação de Marx, isto é, a continuidade, acima da descontinuidade, no desenvolvimento teórico entre o jovem e o velho Mouro. O método dialético, que é muito mais além de um jogo de palavras fácil, exige fazer, juntas, ciência e filosofia – fazer ciência é fazer filosofia; fazer filosofia, ciência. Isto, se se quer ir para além, ou melhor, para debaixo do mero empirismo e da mera descrição.

Lukács afirmou que o socialismo não é a superação da alienação, mas o pôr de novas formas de. Assim, ele quis justificar a alienação nas sociedades “socialistas” ditatoriais que ele defendia sem crítica até as últimas consequências. Na verdade, a sociedade socialista, se não destrói toda alienação social com o seu progresso, ao menos supera a maior parte dela e reduz o que ainda há de.

 

VALOR E VALORES

Aquilo que há, no fundamento, é apenas um único valor econômico, o valor global. Ele se externaliza e, portanto, se relaciona consigo mesmo. E faz isso por meio de sua interiorização nas coisas, dentro delas e por meio ou através delas.

O valor passa, externamente, para diferentes valores, como cada valor individual em cada mercadoria. Assim, ele age e reage sobre si mesmo como se sobre e com o outro de si, seu outro.

Duas empresas concorrentes são, essencialmente, dois valores em disputa. Mas eles são, no fundo, o mesmo, que concorre apenas contra si como com o outro. Logo o valor é sujeito e substância, que põe a si próprio, que se automovimenta, em sua autoconfrontação externa, nas coisas diferentes.

Ao externalizar-se em vários valores, o valor não aparece como valor social global, mas apenas na diferença entre eles.

A massa de valor quer crescer, mas tende, no longo prazo, a diminuir, pois o capital suplanta a fonte de valor, o trabalho humano. É a já comentada contradição entre valor e capital.

O capital fictício, por sua vez, é um capital oco, sem valor, que suga valor para si de modo parasita. Este é, por exemplo, o caso da renda da terra, que surge pelo simples fato de alguém ter um pedaço do planeta terra para si.

Em sua externação, o valor cai de volta no valor global, e este lado externo revela-se parcial e sem fundamento dentro de si mesmo. Mas ele, este lado, não é mero engano ou aparência. De fato, o valor confronta-se contra si próprio ao ser a alma das coisas e dos homens coisificados.

O lado externo do valor promove a atração e a repulsão no seu evolver. As mercadorias concorrem umas contra as outras para realizar seus valores, que são apenas um; os capitais se fundem para enfrentar a concorrência.

O valor tem preferência, é claro, por estar por dentro do dinheiro, por onde a atração domina, por onde ele é dinheiro em busca de mais dinheiro, valor em busca de autovaloração.

Além de ser que é nada, além de essência da aparência preço; o valor é, também, força ou, se formos ousados, energia.

A força de trabalho[2], no ato de trabalhar, é fonte do valor econômico, fonte da riqueza abstrata capitalista, junto com a natureza. A força-valor social deriva unicamente da força de trabalho, mas o capital tende a superar ou quase superar o trabalho manual abstrato. Assim, apenas forças naturais não humanas serão o ativo na produção material, encerrando o império do valor, desta força. 

A totalidade do capital, e do capitalismo, seria uma totalidade artificial, em que as partes têm ligação apenas externa, um mero amontoado, um mero junto, um mero agregado. Mas há o nexo interno, que faz da totalidade uma verdadeira totalidade e da parte de fato parte, em relação com as outras partes essencialmente. O que dá unidade real ao todo é o valor.

Diferente de Hegel em sua Lógica, onde a força apenas mantém a unidade da totalidade, algo sincrônico, adoto a dialética de que a força (na verdade, energia) é, também, em sua concentração, a base da formação diacrônica da própria totalidade, como da parte ao todo, seu impulso de ampliação e formação. O valor cumpre tal papel no evolver em totalidade capitalista.

 

CAPITAL É CRISE

A crise costuma ser vista como uma doença econômica ou fruto de certos acasos. Na verdade, o capital é crise – sua exigência consolidada produz mais crises do que estabilidades. O fato de haver quebras econômicas é parte de sua regra, de sua normalidade doentia; isso, em parte, por ser, também, uma transição entre as sociedades de classes anteriores e o socialismo de amanhã, entre o passado e o futuro dentro de si, como debatemos em outro lugar.

O pleno emprego não é o inverso da crise, nem sequer sinal da crise posterior – trata-se da própria crise, ela mesma. Pleno emprego, para o capital, é crise. Na essência, o capitalismo promove, para si, uma constante fuga, mas para frente; o crescimento é a contratendência relativa da tendência à crise. Isso significa que a crise é, bem visto, uma solução temporária.

Dentro da relação dialética de tendência com, muitas vezes produzida por esta própria, sua contratendência relativa, percebemos a causa produzir efeitos opostos. Fatores da crise produzem a própria saída apenas relativa da crise, seu adiamento:

 

1.  Baixa do preço;

Com as falências e com o desemprego, o consumo geral cai – a demanda cai em relação à oferta de mercadorias. As empresas que resistem à quebradeira, normalmente as maiores, podem comprar matéria-prima, máquinas, etc. por um preço mais vantajoso.

2.  Redução dos salários;

Na crise, o desemprego aumenta, por isso as greves param de ter força, o medo da miséria volta. O patrão consegue novamente impor baixos salários, maior jornada de trabalho e mais intensidade do trabalho. Além do mais, como a crise é superprodução e há queda da demanda por desemprego, as mercadorias que o operário compra com seu salário ficam mais baratas.

3.  Falências;

A falência de muitas empresas, especialmente as menores, faz com que a concorrência reduza e, então, menor quantidade de capitalistas embolsa o lucro total da sociedade.

4.  Novas mercadorias.

Finalmente, as mercadorias acumuladas nos mercados são vendidas ou perdem validade. Então demanda-se nova produção.

 

Percebemos que a face destrutiva da crise, a quebra econômica, tem seus fatores: excesso de capital, falências, queda do emprego, queda do salário, não escoamento das mercadorias, queda da demanda. Tais fatores que conformam a crise são, por outro lado, oposto, meios para sair dela própria temporariamente, na fuga para frente mesmo quando recua. A crise não é negada ou superada, mas, neste ponto, propriamente adiada. Assim amadurece as condições para socialismo.

Se vemos apenas a causalidade com efeitos opostos, falta-nos ver por inteiro. Tudo fica mais claro quando pensamos, junto, que a tendência é a tendência de crise, rumo à crise final, contratendênciada dentro de si, contratendência esta criada, em geral, por ela mesma, pela tendência.

Em geral, a razão de fundo é a queda da taxa de lucro causada por fatores como, por exemplo, baixo desemprego, porque a economia cresce, aumentando salários, retirando da massa de lucro. Mas há ainda a desproporção entre setores da economia, entre a produção de meios de produção e produção de meios de consumo, além de crises outras como as crises inflacionárias.

O capitalismo é preenchido por crises de vários tipos, e além das econômicas, pois ele as estimula, as promove. Nisso está, por exemplo, como no escravismo, a necessidade de duras guerras, da crise de guerra, para obter lucros e boa posição geopolítica. É seu lado inteiro, seu lado destrutivo.

A solução parcial e temporária da crise, seu adiamento, tem o efeito dialético de produzir mais crise, mais profunda, no futuro. A superprodução de capital mostrou-se como superprodução de mercadorias nos anos 2000. Solução para estimular o consumo? Facilitar o endividamento da população. Depois vem a crise do alto endividamento das famílias e da inadimplência. Na crise seguinte, viu-se uma poderosa financerização, o capital fictício das ações inflou-se ao nível absurdo. Solução? O Estado comprou os títulos podres. Depois, além do endividamento alto geral, os especuladores sentiram-se à vontade para jogar no cassino das bolsas de valores, de criar uma bolha financeira ainda maior, pois, se tudo der errado, os governos os salvará. Vamos de crise em crise, mediando a tendência ao fim sistêmico, que apontam o fim do capital. Assim, uma crise não está apenas separada da outra por um tempo ou parede intransponível, mas a quebradeira seguinte está internamente ligada à anterior por um mesmo processo.

Trotsky, ao pensar a curva de desenvolvimento do capitalismo, começa sua construção com a fase de equilíbrio, quando há grandes crescimentos e fracas crises. É um erro. Como transição e como crise em si, o capital começa-se consolidado como crise, não como crescimento, por isso corrijo sua formulação iniciando o macrociclo coma fase de transição, entre a fase de crise e a fase de crescimento.

O capital, além de formar um sistema de fato, é de fato uma fase transitória, como dissemos, quase mera transição, entre os sistemas classistas do passado e o socialismo do futuro.

 

A CAUSA CENTRAL DAS CRISES PERIÓDICAS

Existe larga literatura sobre a origem das crises, dentro e fora do marxismo. No meio marxiano, as polêmicas são muitas. As causas apresentadas, em geral, são:

 

1.      Queda da taxa de lucro;

2.      Desproporção dos setores da economia;

3.      Por sua natureza, o setor de produtos agrícolas não conseguirem aumentar a tempo sua produção segundo a demanda aquecida;

4.      Superprodução de mercadorias;

5.      Subconsumo;

6.      Aumento dos juros.

 

Nahuel Moreno, que pouco focou na economia, foi quem encontrou uma resposta geral: a causa das crises é o desenvolvimento desigual das partes constituintes – 7) como a população não crescer na mesma proporção do aumento da demanda por trabalho, fazendo crescer os salários, tirando dos lucros. É uma resposta lógica. Outro caminho, comum, é este: todas as causas são válidas, pois a crise regular é multicausal. Mas, eis mais uma contribuição nossa à lógica, as múltiplas causas costumam ter uma causa única comum. Todas as causas acima, em geral simultâneas, têm mesma origem ou fundamento, a produtividade, se a produção cresce ou-e deixa de crescer.

A única exceção é o subconsumo. Tal explicação não pode ser útil porque sempre se pode imaginar um consumo maior do que aquele em vigor, logo ele nada explica, não baseia as variações de auge e crise. Além disso, o consumo cresce imediatamente antes da forma destruidora da crise.

David Harvey e Michael Roberts fizeram uma polêmica interminável sobre a causa da crise. Eles deveriam ouvir os marxistas brasileiros, que, por razão da característica nacional, puderam dizer isto: a ambos falta compreensão da dialética, um defeito típico dos falantes da língua inglesa no mundo desenvolvido.  O primeiro diz que a origem da crise é multicausal; o segundo, que é a queda da taxa de lucro. Ora, claro que é a queda da taxa – mas tal declínio não deriva, por exemplo, da desproporção dos setores da economia, como o aumento dos preços da matéria-prima, o capital constante circulante? Ou do aumento dos salários? Se tivessem estudado dialética, saberiam que o fundamento real, entre tantas opções de fundamento, tem, ele mesmo, um fundamento, o fundamento completo. Assim, encontra-se nos problemas de produtividade, com suas consequências, a origem primeira das crises cíclicas.

 

CRISE: SUBPRODUÇÃO OU SUPERPRODUÇÃO?

Antes da maquinaria, as crises eram por falta, por escassez. Por razões naturais e ambientais,  tinha-se má colheita ou os animais adoeciam, então, crise geral. No capitalismo, ao contrário, a crise costuma ser dor excesso, por abundância. Podem ocorrer crises de subprodução, mas a superprodução é a regra regular (de 10 em 10 anos, mais ou menos). Veja-se melhor: a crise é de superprodução de capitais, capitais em demais, não grandes quantidades de mercadorias acumuladas na circulação e no mercado; a superprodução de mercadorias é consequência da superprodução de capitais.

Para o marxismo, trata-se de um ótimo argumento afirmar que o sistema capitalista é irracional porque causa fome e desemprego por meio da própria abundância. No entanto, sendo mais rigorosos, o processo ainda é mais complicado e dinâmico. A crise de superproduçãode capitais, como entre capitais que produzem o produto final, não matéria-prima etc., atua junto ou como causa de uma crise de subprodução, não superprodução. Assim, a produção de matéria-prima, pela própria natureza do valor de uso (cerais etc.), não consegue crescer a contento, à tempo, logo há inflação de tal custo para muitas das empresas. A produção de novos trabalhadores, a reprodução humana, também está muito abaixo da necessidade do capital em superprodução – os salários sobem por isso. Enfim, a produção e a circulação de dinheiro encontram limites, logo há elevação dos juros. Eis três modos de corroer o lucro de ao menos parte da burguesia, o que produz crise. A produção também produz crise, sua própria quebra.

Assim, a crise de superprodução é, também, uma crise subprodução – via de regra. Unidade dos opostos. Mesmo em tempos de superprodução geral e crônica, isso se afirma como lei capitalista relativa.

 

OFERTA E DEMANDA

Marx considerou fundamental a lei da oferta e da demanda para determinar os preços de mercado, mas não o valor real das mercadorias. Se oferta e demanda se igualam, se anulam, então deixam de explicar a origem do valor, que deriva, na verdade, do trabalho abstrato.

Podemos afirmar que a fase mercantil do capitalismo tendia a uma demanda acima da oferta. Tal estado de coisas, fez um impulso à oferta mesma. A principal forma de demanda muito acima da oferta era a oferta baixa de força de trabalho, que permitia ao trabalhador impor melhores condições de trabalho na manufatura. Isso foi finalmente resolvido com a introdução inédita da maquinaria, derrotando o trabalhador. Desde então, a oferta tende a ficar acima da demanda vigente. Isso aponta para o planejamento socialista, quando oferta e procura entrarão em equilíbrio dinâmico.

A oferta produz a demanda ou, ao contrário, a demanda produz a oferta? O problema circular esquece, primeiro, que um pode fazer o outro, e vice-versa – embora não proporcionalmente. Se a demanda permite bons preços, em cenário de concorrência, pode-se abrir um turno de trabalho novo na fábrica, o que aumenta tanto a oferta e a demanda, embora não na mesma proporção, porque emprega-se novos trabalhadores, a demanda produz demanda. Maior oferta de mercadoria matéria-prima para outras fábricas, logo por preços menores, produz nova oferta maior também na outra ponta, a oferta produz oferta; neste caso, por exemplo, a oferta maior pode vir com queda da demanda como com máquinas novas substituindo trabalhadores.

O problema da teoria burguesa, mesmo as mais sérias, é limitar-se às formas e à aparência. Por isso a polêmica circular.

Se, dada a demanda, a oferta de uma mercadoria se eleva (por mudanças na produção), logo o preço de mercado cai, o que aumenta, um tanto, a depender da elasticidade do produto, as possibilidades de venda, de demanda. Se, dada a oferta, a demanda se eleva, então aumentar-se-á o investimento na produção daquela mercadoria, a oferta. Há aí um tempo relativo em que demora a ação da causa sobre a consequência, ação e reação. As duas variantes burguesas estão erradas e certas, ou seja, há determinação recíproca.

Assim, uma dentre as limitações dos teóricos da burguesia está em colocar o valor de uso acima do valor: se aumenta a oferta relativo à demanda, os preços caem – há novo equilíbrio entre oferta e demanda? Os preços rebaixados podem não compensar as vendas, os investimentos, ou seja, a produção daquele valor de uso, por isso queda acentuada do lucro; conjunturalmente, oferta diminuindo oferta e demanda. Demanda muito alta de alguma mercadoria essencial (ou monopólios reduzindo a oferta) pode gerar altos preços, diminuindo a possibilidade de os consumidores terem dinheiro para adquirir outras mercadorias, de outros setores; conjunturalmente, demanda diminuindo demanda e oferta.

Tem-se de ver o todo, pois se o foco é oferta e demanda, nenhuma solução sai daí. O problema das crises cíclicas de superprodução de capitais, aparentemente superprodução de mercadorias, é que a taxa de lucro, depois a massa de lucro, cai, caindo também o investimento, logo caindo a produção de meios de produção também, porque há muitos concorrentes frutos da euforia anterior, porque há limitada força de trabalho produzindo pelo emprego rumo a salários e condições de trabalho melhores corroendo o lucro, porque há inflação aqui com deflação ali como fatores de corrosão da lucratividade na desproporção anárquica dos setores da economia.

 

TRANSFORMAÇÃO DOS VALORES EM PREÇOS DE PRODUÇÃO

 

I.

 

[Trecho de minha Metafísica Marxista]

 

A questão segunda é que, no cálculo, o valor geral deve estar de acordo, no quantitativo, com o preço de produção geral – iguais. Mas o cálculo não bate (apenas acerta no modo simplificado como Marx tratou, ou seja, com o capital constante, as coisas produtivas, valendo pelo seu valor, não pelo preço de produção guiado pela taxa média de lucro). O assunto é difícil de explicar e detalhado, mas o leitor terá noção – não desista. Com a dificuldade, matemática, filosofia e ciência foram ampliados para tentar explicar o paradoxo, resolver o problema do problema; mas tiveram algo de manobra, de jogo; não por menos, já que os economistas burgueses fizeram de tal dificuldade matemática a acusação de que a teoria marxista estava errada no todo e nas partes.

Piero Sraffa inclui no cálculo a quantidade de coisas, capital constante, na produção, na medida do preço de produção – o que indica nossa teoria do valor-matéria. Além do mais, o setor I da economia, que inclui produzir matéria-prima, tira da natureza o que não tem em si valor (renda da terra, preço sem valor), então, mais uma vez o valor-matéria entra em questão no cálculo.

Mas há ainda uma resposta. Marx usou uma taxa geral de lucro para calcular, mas apenas o aplicou no setor II, produção de meios de consumo. Ora, o aumento de lucro no setor I, em geral vem com aumento do preço, da taxa de lucro, e até mesmo possivelmente do (mais-) valor – e exato isso gera uma tensão no setor II, que compra dele, ou seja, máquinas e matérias-primas mais caras geram tensões, redução da produção, falências e crises no setor I! Assim, o setor II reduz o consumo, por exemplo, a compra de mercadorias do setor I. Assim, empresários do setor II passam a investir no setor I, mais lucrativo (ou o empresário de máquinas passa a investir em matérias-primas, e vice-versa). Assim, enfim!,o setor II, mais dinâmico, mais afastado da natureza, regula a taxa de lucro do setor I – para que a taxa de lucro do setor II continue normal, na sua média, fazendo os preços de produção seus estarem de acordo com os valores ao final de todo o processo produtivo global – e até se tornem igual aos seus valores. A taxa de lucro de um, setor II, regula a taxa de lucro do outro, setor I (embora haja certa reciprocidade externa). Isso é ver a coisa em movimento, para além de tabelas estáticas. O paradoxo teórico é um paradoxo real, na concretude, que se movimenta e se revolve só para depois se reestabelecer como contradição movente. Lógica concreta: eis a unidade interna lutando para ser externa na diversidade externa.

Já pensei que o lucro extra da diferença entre lucro e mais-valia seria destinado a outros setores da economia, outros investimentos, como pelo fato de o comerciante receber a mercadoria abaixo de seu valor real (portanto, possivelmente também abaixo de seu preço de produção), mas isso ainda tem traços bastante subjetivos.

A resposta fraca pode ser, então, esta: a teoria do valor é uma teoria monetária do valor e, logo, a quantidade de dinheiro, em sua oferta relativa às mercadorias, expressa o valor total; assim, o conjunto dos preços expressam o conjunto dos valores, pois os valores e preços se expressam no dinheiro total; se a mercadoria específica torna-se mais cara, e vende-se, por isso, outra será forçada a ser mais barata para poder vender-se – e o valor total permanece equivalente; seu preço de produção pode estar anormalmente alto por seus custos, mas vende-se apenas por um preço médio que realiza, no todo, o valor como igual aos preços de produção juntos. Podemos considerar a quantidade de dinheiro uma constante, mas nem isso é obrigatório, pois os preços relativos permanecem, grosso modo, os mesmos. Por outro lado, a tabela marxista considera que se os preços ficam maiores, haverá dinheiro extra – porém não precisa ser a regra e aconsideração real. O dinheiro expressa, na totalidade, o valor total, então, os preços de produção devem caber na sua ordem e medida. Em Marx, porém, o dinheiro, um valor-matéria, aparece fora do contexto, como algo externo. A solução fraca apenas expressa a solução forte anterior.

Fizemos a resposta dentro dos limites estreitos do valor-trabalho, mas o problerma simplemente dissolve-se como valor-matéria.

 

II.

 

A polêmica do “problema da transformação” foi resolvida pela mesma resposta – ou seja, falsa polêmica – por diferentes caminhos:

 

1.  A passagem dos valores para os preços de produção é uma passagem ontológica, não temporal.

2. Valor é uma categoria da totalidade, diferente dos preços de produção;

3   Há igualdade na diferença, ou desigualdade, entre valores e preços de produção (Carcanholo);

4.  A passagem dos valores para os preços de produção é lógica, não matemática (Kurz);

5. Os elementos ou fatores da produção já são, antes, comprados por seus preços, não por seus valores (Grespan).

 

Estas e outras respostas são, no geral, uma unidade, encontram-se juntas. Mas há algo ainda a dizer sobre.

Lembremos que no livro III d’O Capital, de onde surge a polêmica, Marx volta para a aparência enriquecido pela essência, isto é, consegue ver o acerto e o erro naquele grau de percepção propriamente burguês. Preço é uma categoria de aparência, burguês. Mais. O preço é ideal, no cotidiano ou na teoria, enquanto o valor é, ao contrário, real. Para fortalecer o argumento e nossa conclusão, citemos em direto o livro I d’O Capital, trechos do capítulo 2 (Marx, O capital I, 2013):

1.

A mercadoria é realmente valor de uso; seu valor se manifesta apenas idealmente no seu preço…

2.

Desse modo, a realização do preço ou da forma de valor apenas ideal da mercadoria…

3.

Seu valor se manifesta apenas idealmente no preço, que reporta ao ouro…

4.

No preço, a mercadoria pode possuir, ao lado de sua forma real – ferro etc. –, uma figura de valor ideal…

5.

Os preços, ou as quantidades de ouro em que os valores das mercadorias foram idealmente convertidos…

 

Há ainda outras citações, mas vamos poupar o leitor.

Vale a pena lembrar ainda que, como com o preço, o livro III aproxima-se das mentalidades:

 

Assim, as configurações do capital desenvolvidas neste livro abeiram-se gradualmente da forma em que aparecem na superfície da sociedade, na interação dos diversos capitais, na concorrência e ainda na consciência normal dos próprios agentes da produção.  (Marx, O Capital III, 2016, p. 132)

 

O capital é, também, como projeto original de Engels, uma crítica das categorias da economia política, incluso a categoria preço. No livro III, Marx abandona progressivamente a abstração dos livros anteriores em que, para fins teóricos, o preço foi considerado como equivalente ao valor.  Dito isso; é chegado o momento de apresentarmos nossa conclusão, enfim. A passagem dos valores para os preços de produção é, portanto, a passagem do real para o ideal, do valor real para o preço ideal. No pensamento comum e no economista vulgar, no entanto, algo como valor é pura ideia, ficção, um ideal enquanto o preço é real e concreto.

 

PROLETARIADO E VALOR

Existe polêmica sobre se setores não operários, não produtivos, são, também, parte do proletariado ou se são setores médios. A resposta é esta: não importa. O nome é apenas um nome, nada diz de modo direto sobre a natureza da coisa nomeada. O que interessa é ter clara a centralidade do operariado (em espacial, o fabril) nas revoluções por suas características. No mais, os assalariados populares e urbanos não operários ganharam, de fato, enorme importância para as revoluções presentes, logo podendo mesmo existir revoluções sem protagonismo do operariado.

O argumento central para dizer que o setor de serviços é proletariado e produz valor é esta citação d’O capital:

 

Se nos for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um trabalhador produtivo se não se limita a trabalhar a cabeça das crianças, mas exige trabalho de si mesmo até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão. (Marx, O capital I, 2013, p. 544)

 

Somos obrigados a ensinar nossos adversários a ler. Vejamos.

“Se” – se! Reforço o pensador alemão – “nos for permitido escolher um exemplo fora” – fora! – “da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um trabalhador produtivo se” – se! – “não se limita a trabalhar a cabeça das crianças” – ou seja, o que todo professor faz! –, “mas exige trabalho de si mesmo” – dele próprio, sem ser controlado pelo maquinário! – “até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão.”

O setor de serviços, o professor, pode ser produtivo de lucro ou não produtivo de lucro, se trabalha para o governo ou na rede privada, mas não produz valor (já uma fábrica ou operário improdutivo é uma anomalia teórica e prática, ainda que real nestes tempos anormais). Confundir valor com salário e mais-valor com lucro é um erro primário comum – tal como confundir mais-trabalho com mais-valor, forma e conteúdo. Ouçamos, em extenso, Marx:

 

As dimensões que o comércio assume nas mãos dos capitalistas não podem, evidentemente, transformar em fonte de valor esse trabalho, que não cria valor, mas apenas possibilita mudança de forma do valor. O milagre dessa transubstanciação não poderia, tampouco, operar-se por meio de uma transposição, isto é, se os capitalistas industriais, em vez de efetuarem diretamente aquele "trabalho de combustão", tornassem-no tarefa exclusiva de terceiras pessoas por eles pagas. Não será pelos belos olhos dos capitalistas que essas terceiras pessoas porão sua força de trabalho à disposição deles. Ao coletor de rendas de um latifundiário não importa que seu trabalho em nada aumente a magnitude do valor das rendas, nem, ao bancário, que fique o mesmo o valor das peças de ouro trasladadas para outro banco.

Para o capitalista, que faz outros trabalharem para ele, compra e venda constituem função fundamental. Apropriando-se do produto de muitos em ampla escala social, tem de vender na mesma escala e, em seguida, reconverter o dinheiro nos elementos da produção. Como sempre, o tempo empregado na compra e venda não cria valor. O funcionamento do capital mercantil dá origem a uma ilusão. Mas, sem entrar em pormenores, fica desde já evidente: se uma função, em si mesma improdutiva, embora necessária à reprodução, se transforma, com a divisão do trabalho, de uma tarefa acessória de muitos em tarefa exclusiva, especializada, de poucos, não muda ela, com isso, de caráter. Um comerciante apenas (considerado aqui mero agente da conversão formal das mercadorias, somente comprador e vendedor) pode, com suas operações, encurtar o tempo de compra e o de venda de muitos produtores. É como se fosse uma máquina que reduz emprego inútil de energia ou ajuda a aumentar o tempo que se pode destinar à produção.

Para simplificar o problema (uma vez que só mais tarde estudaremos o comerciante como capitalista e o capital mercantil), vamos supor que esse agente de compra e venda seja um indivíduo que vende seu trabalho. Gasta sua força de trabalho e seu tempo de trabalho nas operações M-D e D-M. Vive disso como outros que vivem de fiar ou de fazer pílulas. Realiza função necessária, pois o processo de reprodução também abrange funções improdutivas. Trabalha como qualquer outra pessoa, mas o conteúdo de seu trabalho não cria valor nem produto. Figura entre os custos improdutivos mas necessários da produção. Sua utilidade não consiste em transformar em produtiva função improdutiva, em produtivo trabalho improdutivo. Seria um milagre que se pudesse efetuar semelhante transformação mediante simples transferência de função. Sua utilidade, ao contrário, consiste em que se compromete parte menor da força de trabalho e do tempo de trabalho da sociedade nessa função improdutiva. E mais. Suponhamos que esse agente comercial seja um assalariado mais bem pago que os outros. Como assalariado, qualquer que seja seu pagamento, trabalha gratuitamente parte do tempo. Recebe por dia, digamos, o valor que corresponde a um produto de oito horas de trabalho e funciona durante dez. As duas horas de trabalho excedente que ele executa não produzem valor, nem tampouco as oito horas de trabalho necessário, embora, em virtude destas, a ele se transfira uma parte do produto social. Nas dez horas dessa função de mera circulação, se gasta sempre, do ponto de vista social, uma força de trabalho. Ela não pode ser aplicada em outra tarefa, em trabalho produtivo. Além disso, a sociedade não paga essas duas horas de trabalho excedente, embora tenham sido gastas pelo indivíduo que o executa. Mas, com isso, não se apropria a sociedade de produto excedente nem de valor. Mas os custos de circulação representados pelo agente comercial reduzem-se de um quinto, de dez para oito horas. A sociedade não paga equivalente por um quinto do trabalho do tempo de circulação. Se é o capitalista quem paga ao agente, diminuem, por não serem pagas as duas horas, os custos de circulação de seu capital, os quais constituem redução de sua receita. Para ele é um ganho positivo, pois decresce um elemento negativo para a valorização de seu capital. Quando pequenos produtores autônomos de mercadorias despendem parte de seu próprio tempo em compra e venda, esse dispêndio só poderá ser ou tempo gasto nos intervalos de sua função produtiva ou interrupção de seu tempo de produção. (Idem, p. 148, 149, 150, grifo nosso.)

 

Apenas nas fábricas, minas, transportes, campos e construção civil se produz valor, além de casos especiais como nas padarias. Apenas neles, portanto, há proletariado; um professor ou um pastor de igreja não tem escala crescente de produtividade, caso de algum modo falamos de produtividade em tais setores, o que é uma poderosa medida.

O problema de muitos marxistas, sociológicos em especial, é terem lido, quando de fato leram, apenas o livro I d’O Capital. Se tivessem lido o livro II, veriam que há trabalho improdutivo de valor na fábrica, e mais, se é improdutivo antes, logo é improdutivo depois, dirá Marx, mesmo gerando lucro. “A divisão do trabalho, ao tornar autônoma uma função, não faz dela criadora de produto e de valor, se já não o era antes de tornar-se independente.” (Marx, O Capital - livro 2, 2014, p. 152) Veja-se, além disso, nas duas anteriores citações, a insistência de Marx em associar valor e produto (alienável); o abstrato é o concreto em processo – de troca. Isso quer dizer que, quando o setor de call centers, antes na própria empresa como custo, passa a ser terceirizado, ele é improdutivo de valor tanto antes quanto, por isso, depois, embora passe a gerar lucro.

Marx faz uma observação que nos é sugestiva:

 

Alterando-se sua concepção da natureza do mais-valor, altera-se, por conseguinte, sua concepção de trabalho produtivo. Razão pela qual os fisiocratas declaram que somente o trabalho agrícola é produtivo, pois só ele forneceria mais-valor. Mas, para os fisiocratas, o mais-valor existe exclusivamente na forma da renda fundiária. (Marx, O capital I, 2013, p. 545)

 

Por analogia, torna-se claro o motivo de os defensores enfáticos do “precariado”, do proletariado como igual a (quase) todo assalariado, da produção do mais-valor sempre que há mais-trabalho, ou aqueles que dispensam a centralidade, mesmo que relativa, do operariado-proletariado tenderem ao reformismo e ao centrismo, além de relativizarem o papel do partido de tipo leninista em nome dos partidos “anticapitalistas” como Syriza e Podemos. A concepção teórica, como sobre qual trabalho produz valor, corresponde, em muitos casos, à concepção política.

 

TEMPOS DE TRABALHO E DE PRODUÇÃO

No livro 2 d´O capital, Marx afirma: 1) o tempo de produção é maior que o tempo de trabalho (pois, por exemplo, a mercadoria deve secar, ir à secagem); 2) a tendência é reduzir o tempo de produção ao tempo de trabalho. Dito isso, nosso complemento é este: 3) na incapacidade relativa de diminuir o tempo de produção, de reduzi-lo ao tempo de trabalho, surge uma pressão a mais para reduzir o número de trabalhadores na produção afim de reduzir custos.

 

O ESTADO

Embora sem obra específica sobre o Estado, Marx trata de tal ferramenta em vários pontos de sua grande contribuição literária. O poder despótico dentro da fábrica tem seu complemento e sua unidade necessária com o poder estatal. Destacamos que o capital iria a uma rápida autodestruição, levando junto consigo a humanidade, caso não fosse a ação da sociedade e do seu Estado como com a implementação de uma jornada normal limite de trabalho e um salário mínimo. Assim, por fora o capital foi parcialmente controlado na sua real e inevitável incontrolabilidade. Mas isso é metade do caminho, da reflexão: o capital ou o capitalismo impediu a rápida barbárie não como um outro, o Estado enquanto externo, mas limitou a si mesmo como se fosse por meio de um outro. Fato é, como dissemos em outra oportunidade, que o capital é transição entre as sociedades de classes e a possível sociedade não classista do futuro, logo as medidas que impediam a rápida deteriorização social apenas aumentaram o tempo necessário de transição. Quando o mercado devora a si mesmo, não mais apenas todo o resto, usa o ente geral abstato, o estado, para se regular e se mediar. Quando pode fazer tal movimento.

Ainda como dissemos, o Estado hoje mantém artificialmente a sociedade do capital. Isso se expressa na seguinte mudança: antes, a luta era pela vigência da livre iniciativa, sem controle estatal, que deveria cuidar apenas do básico; agora, já desde o passado keynesiano, tornou-se natural o Estado ou o governo ter um plano econômico, um projeto de desenvolvimento etc. Tal necessidade de intervenção, mesmo se negativa, demonstra, em parte, a artificialidade do sistema e a necessidade de sua superação por uma economia planejada.

 

RELAÇÕES E FORÇAS DE PRODUÇÃO

Quem determina quem? As mudanças nas relações de produção são a causa das mudanças nas forças produtivas ou, ao contrário, estes, em seu desenvolvimento, mudam aqueles? Ora, isso é: 1) uma noção mecânica de causalidade, mas a dialética é causalidade recíproca, ou melhor, interação, influência mútua ao mesmo tempo; e 2) isso é querer regras que dispensem a pesquisa empírica. Pode ser um ou outro, depende das circunstâncias e da época histórica. Devemos evitar tanto o relacionalismo quanto o substancialismo. Neste caso, evitar tanto Lukács quanto Bukárin. No mais, o desenvolvimento das forças produtivas podem mudar apenas em parte as relações de produção antes da mudança total; podem não avançar dadas as relações de produção vigentes; podem avançar por causa das ou das novas relações de produção; podem torna-se forças de destruição, forças destrutivas, dadas as realçoes de produção em vigor.  

 

APONTAMENTOS SOBRE PSICOLOGIA N’O CAPITAL

A grande obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário, ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados.

Já no começo de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem.

Logo mais, Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo, social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo como natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem ter que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e por meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e subjetivo.

Ao tratar da cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade.

Em outro ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua origem.

Outro fator está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole. Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10 meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer tipo de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em geral, inconsciente.

Marx demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido, tal origem está apagada.

Também notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d’O Capital, mas, ao avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de “sentir” as conclusões da obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do comércio.

No livro três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas, comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc.

Como personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade. Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados no dinheiro, no valor como capital.

Enfim, Marx deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia, que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças – por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.

 

RACIONALIZAÇÃO DOS ECONOMISTAS

O capitalismo tem suas leis, mas ele, rumo ao fim, torna-se mais artificial. Assim, o aquecimento da economia aumenta a demanda por dinheiro, o que eleva os juros; porém, em nosso tempo, o banco central controla a taxa geral de juros. E agora? Sem a teoria marxista, criam-se falsas teorias que justificam seguir a legalidade do real. Por isso, altos salários geraria uma inflação constante que retroalimenta-se – deve-se, então, aumentar os juros para gerar desemprego, derrubar os salários. Por isso, também segundo os ideólogos, baixo desemprego gera sempre inflação (importante) – deve-se aumentar o juros. Por isso, inflação alta seria sempre excesso de moeda na praça, logo, deve-se aumentar os juros etc. Ou seja: justificam como podem suas medidas e os fenômenos, longe da essência real. Antes, o rei tentava substituir o ouro pela prata como bem queria e dava tudo errado, sem saber o motivo disso, então aceitava-se as coisas como devem ser sem maiores explicações. Eis exemplo de insconsciente social.

 

KEINESIANISMO E NACIONALISMO

Assim como o capitalismo leva a focar no mercado, não na produção, também eleva a focar na nação, não no mundo. Assim, a política keinesiana de esquerda foca nos talentos nacionais, nos próprios trabalhadores e empresários contra o resto do mundo. Ora, se os governos de todo o mundo acordam certo dia iluminados e adotam a política de Keynes, e da MMT, logo, no limite, elas se anulam mutualmente, deixam de ter efeito, pois prosperam na desgraça alheia, na precarização da classe trabalhadora de outro país. Embora seu vigor internacionalista constante, Marx teve algo de nacional na sua grande obra, feita na ímpar Inglaterra. Aos marxistas, bastaram extrapolar ao mundo suas conclusões e atualizar sob suas bases.

 

CONTRA O IDEALISMO

Marx contrapõe um fato contra outro fato, não, em primeiro, uma ideia contra outra ideia. Aqui e ali, uma ideia contra os fatos. O primeiro movimento materialista ou anti-idealista está ao demonstrar que o valor deriva do trabalho abstrato, não da subjetividade, por convenção social, na comparação etc. O valor vem da mão, não do cérebro separado. A ilusão ocorre porque o preço pode estar acima ou abaixo do seu real valor, sensível até ao humor do comerciante. Logo em seguida, Marx revela que o valor, mais-valor, a mais-valia, o valor extra derivam das mãos operárias, não do cálculo mental de um burguês qualquer; na prática, na empiria, o patrão calcula, tentando adivinhar em certa medida, quanto “a mais” deverá colocar de preço acima dos custos de produção – mas isso é aparência, não a verdade de essência. O mais-valor e o lucro surgem das mãos, não do cérebro administrador. Avancemos: o burguês investe aonde a taxa de lucro é maior, independente de seus talentos, vocações, inclinações, formação etc. No mais, o valor extra do comerciante faz parecer que o burguês comercial coloca um dado preço extra na mercadoria comprada para revendê-la; mas, na verdade, o industrial lhe passou a mercadoria abaixo de seu valor real. O padrão ouro impôs-se independente da vontade do rei, do governante – e o dinheiro impôs-se de modo inconsciente à sociedade, não foi uma criação artificial. A economia vulgar do MMT diz que o governo tem liberdade de impor qualquer taxa de juros do tipo curta; o engano se dá porque de fato o governo tem margem de manobra, mas não vê a essência, que certo caminho para os juros domina, inconscientemente, a mentalidade do banco central, inescapável; os juros são, assim, endógenos, impostos pelos ciclos industriais e econômicos. A assim chamada, pelos burgueses, acumulação primitiva foi afirmada de modo mitológico com alguns espertos poupando e enriquecendo enquanto outros gastavam e festejavam, o que teria gerado a desigualdade humana no capitalismo… Marx demonstra a crueza materialista da acumulação inicial, ou seja, o capital se impôs com genocídio, escravidão, roubo de terras, perseguição etc. Não pelo perfil diferente dos homens, uns sábios e acumuladores e outros gastadores.

 

MODO DE PRODUÇÃO, MODO DE PENSAR

O modo de produção e o modo de vida determinam, em última instância, o modo de pensar, modo de pensamento. Não é uma determinação determinística, mas é quase. O modo de produção mental (ciência etc.) desenvolve-se e altera-se com alguma autonomia dentro de certos limites do meio ambiente social. Ou pode vir algo tão novo ou diferente que se torna marginal ou deixa de existir. Grosso modo, a mudança real gera a mudança ideal – embora esta também faça aquela, um materialismo com traços materialistas ideias. Por modo de pensar incluímos o modo de sentir, moral, valores etc. No início do capitalismo, antes da primeira grande revolução industrial, Marx afirma, era considerado imoral um empresário gastar muito dinheiro, não ser um economizador nato, pois isso feria a necessidade insconciente (social) do capital por mais acumulação, mais-capital; depois, a moral foi oposta já que esbanjar riqueza abria portas no mundo dos negócios.

 

LIMITE DO SALÁRIO

Por algum tempo, o Estado impôs salário máximo antes de vigorar o salário mínimo, ou seja, condições iguais de concorrência entre os capitalistas – até o vale-tudo tem regras. Mas o salário apenas pode ser tão alto ao ponto de o trabalhador real não ganhar autonomia, independência, novo destino, abrir seu próprio negócio etc. Pode-se não aumentar salário, mas ganhar funcionários por meio de estabilidade no emprego, plano de saúde ou outras saídas criativas. Há um salário máximo oculto e informal entre os trabalhadores comuns.

 

VALOR E VALOR ARTÍSTICO

Como se sabe, o preço é manifestação incerta do valor, e este é fruto do trabalho manual humano abstrato voltado à produção de mercadorias. A mercadoria que tem em si mais trabalho, para sua produção, tem, assim, também, mais valor econômico em si – se segue, pelo menos, a média social do tempo de sua criação. Mas o que dizer do valor artístico?

De minha pesquisa, percebi que o valor artístico, embora não empírico, depende de dois fatores: 1) trabalho, esforço de criação (incluso a formação do próprio artista); 2) criatividade – esforço criativo subconsciente. É uma interessante descoberta perceber que os dois valores, o econômico e da arte, vem, ambos, do trabalho. No caso do valor da arte o 3) a quanto tempo foi criado e 4) o material usado também influenciam, mesmo que indiretamente, sua valorização. Um quadro todo pintado de preto tem um valor artístico nulo ou quase nulo, um, por assim dizer, zero positivo, enquanto a Mona Lisa de Da Vice tem enorme valor de arte por seu esforço, direto e indireto, condensado na obra, além do tempo de existência. Não é possível quantificar isso, o valor artístico, nem sequer é necessário quantificar tudo, mas de imediato percebemos as diferenças, embora sem saber traduzir, já que sem teoria, em palavras.

O erro dos economistas vulgares é pensar que o valor econômico vem da oferta e demanda: se a demanda está alta, por exemplo, os preços sobem; se a demanda está baixa, relativo à oferta, os preços caem. Isso é apenas como a realidade deforma a realidade essencial: se demanda e oferta se igualam, se anulam, o que explicaria, então, o valor das mercadorias? Ora, o valor, que é e não é preço, deriva do trabalho. Por analogia, o pensamento vulgar pensa que o valor da arte vem da necessidade do artista e do público – de fato, a necessidade é importante como importa a necessidade de uma mercadoria qualquer satisfazer o homem, um desejo. Mas uma obra de arte tem valor em si, dentro de si, na sua formação, não por julgamento de público, não pela bilheteria. A necessidade de uma arte é apenas demanda ou oferta; seu valor artístico deriva, principalmente, do esforço humano criativo, inspiração e transpiração.

O valor artístico, como o valor econômico, também pode se expressar no preço – mas porcamente. Uma péssima obra de arte, que sequer arte deve ser, pode ter um preço elevadíssimo enquanto o verdadeiro artista morre de fome. A falsa arte – que tem nenhum ou pouco esforço real – produz, assim, uma forma de capital fictício, além de servir frequentemente para lavar dinheiro…

Não queremos, com isso, dizer que todo valor ou toda valoração, como a moral, são frutos do esforço humano, do trabalho – isso teria de ser provado, demonstrado. O central aqui, o bom susto, foi perceber a irmandade entre valor e valor da arte.

A força das teorias estéticas de Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács etc. é que foram produzidas por gênios; mas suas fraquezas são o fato de que eles não faziam arte, não eram artistas, às vezes nem sequer artísticos. Em geral, costuma-se romantizar o fazer artístico por algo como explosão imaginativa, puríssima iluminação. Há exagero aí. Escrever, fazer, um poema é difícil, exige dedicação. A inspiração é matéria-prima, para ser ou estar trabalhada – ou não.

Temo, então, o valor artístico, fruto do trabalho de fundar o conteúdo pela fusão de forma e matéria. Temos, ademais, o valor artístico médio, que inclui o tempo da obra, os materiais usados etc. E o valor como preço, uma deformação necessárias no aspecto mercantil.

Quanto aos demais valores, boa parte deles vem não do trabalho exigido, mas também do trabalho que economizam (pois o Ser é energia em busca de mais energia). Mesmo assim, exigirá um trabalho específico para tratar dos valores para além dos valores econômicos.

 

DEPARTAMENTOS DE PRODUÇÃO

No livro II, Marx conclui com os dois departamentos, no movimento global: o I, produção de meios de produção (máquinas, matérias-primas etc.); o 2, produção de meios de consumo. Rosa inclui o 3, produção de meios de destruição (armas, bombas etc.). A desproporção dos setores leva, no externo, às crises. Dito isso, vejamos possíveis contribuições.

O departamento 2, produção de meios de consumo, divide-se na produção de mercadorias comuns e produção de luxo. Pois bem; primeira conclusão, produtos de luxo costumam caminhar para tornarem-se produtos de consumo popular, com maior mercado. Os temperos que hoje desperdiçamos foram antes a causa de guerras e consumo entre os ricos, os celulares em todas as mãos já foram produtos de luxo.

No departamento 2, no consumo comum, podemos dividir a produção e as mercadorias em tipo 1, de primeira necessidade, e tipo 2, de segunda necessidade, estes últimos comumente mais tecnológicos e menos vitais, mais culturais até. Os de tipo 2 deixam de ser consumidos assim que há crise e desemprego ou importante inflação – logo, são mais sujeitos às quebras econômicas, e costumam ser a ponta de lança, além de tecnologia de ponta, nas fases de recuos.

No departamento 1, tempos o tipo 1, produção de matéria-prima, e tipo 2, produção de máquinas. Este segundo tende a quebrar antes nas crises econômicas, um dos sinais de crise é a recuo da compra de máquinas, muito mais do que de insumos. Também em caso de inflação, das matérias-primas, tende-se a reduzir a consumo das mercadorias de tipo 2 do departamento 1.

A divisão apresentada foca no valor, não no – e sobre o – valor de uso do tipo “duráveis e não duráveis”, que esconde parte da dinâmica. Por outro lado, a economia real mais geral pode ser dividida, em sua unidade em movimento (transportes), energia, tempo (máquinas, redutoras de tempo etc.), espaço (renda da terra, construção etc.) e matéria (massa). Há incluso, luta de classes por tais elementos, como por espaço, energia, matéria-água etc.

 

CAOS E ORDEM, CAPITALISMO E SOCIALISMO

Em nossa dialética, o caos não tem lei alguma, mas tem a lei de passar para a ordem. Assim, o capitalismo é irracional, mas suas leis de desenvolvimento são suas leis de passagem para o socialismo. A tendência de queda da taxa de lucro, a acumulação, a concentração e centralização de capitais, a redução tendencial do número de operários etc. são o caminho do caos para a ordem, a lei do sem lei. Entre outras determinações, a obra O capital é uma exposição de como o capitalismo tende a ser socialismo, do caos relativo para a ordem relativa. Quando dizemos que o capitalismo é irracional, dizemos porque suas leis geram caos (crise, desordem etc.) e seu caos, falta de planejamento central etrc., gera leis cegas.

 

RELACIONALISMO E SUBSTANCIALISMO N’O CAPITAL

Em outros momentos desta obra, explicamos como o bom marxismo supera a oposição entre relacionalismo e substancialismo, ambos unilaterais. Lógico que há relações, que não são coisa, e que há substância, mas é comum uma “terceira resposta” nos objetos de estudo mais complexos. 

Nesse sentido, vejamos um erro imenso de Rubin. Para ele, o trabalho abstrato não é trabalho, substancial, mas relação feita na troca, algo sociológico. Assim, o trabalho só se torna abstrato no comércio, pois é aí que os trabalhos concretos são igualados, possuem valor (ver-se outra oposição do tipo; ora, o valor surge apenas na produção, mas se revela e só se realiza apenas na circulação, ambos baseiam o valor).

Como se fosse nada, Rubin se vê forçado a citar trechos onde Marx associa trabalho abstrato com atividade de trabalho:

 

“Se prescindirmos do caráter concreto da atividade produtiva, e portanto da utilidade do trabalho, o que permanece dele em pé? Permanece simplesmente, o ser um dispêndio de força de trabalho humana. O trabalho do alfaiate e do tecelão, ainda que representem atividades produtivas qualitativamente distintas, tem em comum o ser um dispêndio produtivo de cérebro humano, de músculos, nervos, braços etc.., portanto, neste sentido, são ambos trabalho humano” (C., I p. 11). (…) “Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força de trabalho humana sob uma forma especial e voltada a uma finalidade e, como tal, como trabalho concreto e útil, produz valores de uso” (C., I, pp. 13-14). (Marx apud Rubin, 1987, p. 150)

 

Mas, no lugar de ir para frente, aceitar as palavras de Marx, Rubin vai para o lado como um caranguejo. Ele não vê que o uso da força de trabalho, que é natural, ainda que socialmente modificada ou desenvolvida, faz, com o trabalho, a mediação do social e do natural. Ele coloca uma parede entre o social e o natural neste aspecto:

 

De duas coisas, uma é possível: se o trabalho abstrato é um dispêndio de energia humana em forma fisiológica, então o valor possui também um caráter material reificado; ou então, o valor é um fenômeno social, e o trabalho abstrato deve ser entendido também como um fenômeno social, relacionado  a uma determinada forma social de produção. (Idem, p. 151)

 

Então, cai na oposição não dialética ou-ou, ou isto ou aquilo, como se não houvesse um “terceiro excluído” a incluir. Ele salta do natural ao social, sem mediação.

É curioso como Rubin se vê forçado a citar Marx contra ele mesmo, mas ainda insiste no relacionalismo puro. Diz o fundador do marxismo, afirmando que o trabalho abstrato existiu por eras, mas a diferença atual é que se consolidou, contra o argumento “historicista”, como algo apenas de nosso tempo:

 

“(…  )Assim, a abstração mais simples, que a Economia moderna situa em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece, no entanto, nesta abstração praticamente verdadeira como categoria da sociedade moderna” (Marx apud. idem p. 161)

 

Rubin finge que não vê, diz que não foi nada – e leva mais socos. Vamos agora à demonstração de que Marx, de modo implícito, não explícito, ainda que com passos tortos, evita cair no relacionalismo ou no substancialismo, neste caso abarcando ambos. Vejamos a nota de rodapé produzida pelo autor criticado:

 

Na primeira edição alemã de O Capital, Marx resumiu a diferença entre o trabalho concreto e o abstrato da seguinte maneira “segue-se do que dissemos que uma mercadoria não possui duas formas diferentes de trabalho, mas um único e mesmo trabalho é definido de maneiras diferentes e mesmo opostas, conforme esteja relacionado ao valor de uso das mercadorias como seu produto, ou ao valor mercantil como sua expressão material” (Kapital, I, 1867, p. 13; grifos de Marx). O valor não é produto do trabalho, mas uma expressão material, fetiche, da atividade laboriosa das pessoas. Infelizmente, na segunda edição Marx substituiu este resumo que destaca o caráter social do trabalho social pela bem conhecida sentença conclusiva da Parte 2 do Capítulo I, que deu a muitos comentadores uma base para compreender o trabalho abstrato num sentido fisiológico: “todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força humana de trabalho no sentido fisiológico” (C., I, p. 13). Parece que o próprio Marx percebeu a inexatidão da caracterização preliminar de trabalho abstrato que dera na segunda edição de O Capital. Prova notável disso é o fato de que na edição francesa do Livro I de O Capital (1875), Marx achou necessário completar essa caracterização: aqui, na página 18, Marx deu simultaneamente ambas definições de trabalho abstrato…” (Idem,  p. 163)

 

Assim, ele quase percebe o que está diante de seu nariz, mas recua – nem relacionalismo nem substancialismo. Rubin diz que até o valor é relacional, algo da troca. Não uniu produção (substância) e mercado (relação), tornou-se unilateral. Além disso, o trabalho social é trabalho também individual como necessidade natural do homem, algo desconsiderado por Rubin.

Não é suficiente ter olhos para ver – aceitar dói mais. Toda a genialidade de Rubin sucumbe ao adotar premissas, como a sociológica e a relacionalista, no lugar de criticar-se desde o objeto.

O abstrato é o concreto em processo – o trabalho abstrato é o trabalho concreto em processo, ou seja, no tempo (processo) e como gasto de energia de trabalho (processo).

Hegel afirma na sua Lógica: aquilo que está na causa continua-se, transfere-se, na consequência. Ele cita a água da chuva que passa para o chão agora molhado, ambos com água. Assim, o trabalho abstrato, a energia de trabalho, passa para a mercadoria como valor. O trabalho abstrato, como gasto e transferência de energia humana (abstrato), é causa do valor. Rubin conclui suas observações citando Marx, quando este afirma que se todas as empresas aumentassem a intensidade do trabalho ao mesmo tempo e da mesma forma, nada mudaria, o valor expresso em dinheiro nas mercadorias seria o mesmo, nem mais nem menos. Ora, isso não acontece, pois a regra e a realidade é alguma empresa ou setor aumentando a intensidade por si, de modo desigual em relação a outras empresas e setores. O tempo de trabalho socialmente necessário como medida do valor é impreciso, imperfeito, inexato; pois o valor não vem do tempo, vem da energia, incluso cerebral, do homem. Assim, Marx afirma na sua grande obra algo do tipo: 12 horas de trabalho produz X valor, mas se aumentamos a intensidade do trabalho, no mesmo tempo, a quantidade de mercadorias produzidas será maior e a quantidade de valor também será maior, não alterando o preço individual do produto nesse nível de abstração. Se o operário leva 2 minutos para produzir dada mercadoria, mas, por maior velocidade da mesma máquina, produzir em apenas 1 minuto o mesmo produto, logo a quantidade de valor é igual, antes e depois, pois antes, em 2 minutos, e agora, em 1 minuto, são gastos a mesma quantidade de energia humana.

Os trabalhos privados de fato se igualam no comércio, na circulação, mas porque, ao mesmo tempo, se igualam como trabalho abstrato, gasto de energia, de fato na produção. A superação do substancionalismo e relacionalismo puros pede passagem.

Dizer que a igualação é algo do mercado é cair no erro de Aristóteles, criticado por Marx jpa no início de sua grande obra, de considerar que não há igualdade real, apenas existe o artifício de igualação para fins práticos. Marxismo não é relacionalismo! Hegel, fundador da moderna dialética, inspirou Marx ao dizer que, primeiro, há, no fundo, a substância e, segundo, ela – esta substância – expressa a si mesma nos seus “acidentes”, que estão, no externo, em interação livre, solta, (o mercado!) como se não houvesse o lado de “dentro”, digamos assim, o substancial. Assim, Hegel funde, na diferença, substância e relação, substancialismo e relacionalismo. Eis uma das bases “literárias” dos primeiros capítulos d’O Capital, em especial o primeiro. A verdade está em um terceiro, o excluído incluído.

 

DEFLAÇÃO DA CONCORRÊNCIA

Até as primeiras fases da mecanização da produção, as mercadorias eram muito parecidas. Hoje, se diferenciam na sua igualdade. Vejamos um exemplo banal: mesmo com concorrência, sem prévio acordo, as diferentes padarias aumentam o preço de seus produtos, parecidos, e de modo parecido diante do insistente aumento dos custos. Por quê? Porque a demanda é estável, fidelizam consumidores etc. Um amaciante melhor mantém seu preço maior relativo ao mesmo produto concorrente mais barato de menor qualidade – cada um com seu público. Claro, nas crises a concorrência entre eles aumenta, como com a queda geral da qualidade do produto; nos crescimentos estáveis, antes do boom, cada um cuida como se do seu espaço.

 

MICRO E MACRO - CONTRADIÇÃO

Há apenas macroeconomia como há apenas macrobiologia. Mas, no externo, existem contradição e diferença entre micro e macro. Por exemplo, uma onda geral de demissão pode ser feita para reduzir custos microeconômico – mas isso derruba a demanda geral, crise. Tal contradição assim é, inescapável neste sistema, mas reunificado sob o socialismo planehado. Há planejamento local, por exempresa, ainda não geral.

 

 

 

REALIZAÇÃO DO VALOR DE USO

Pelo valor-matéria, a crise é de superprodução de capital e, depois, de mercadoria. Ou seja, excesso de valor de uso e não realização do valor de uso, do produto. Nesse sentido, sem a necessidade de pensar o valor metafísico (sendo ele também material, ainda que em outra dimensão). O valor de uso apodresse nas fábricas e nos estoques e prateleiras. Além disso, o valor de uso trabalho não se realiza. E o dinheiro é guardado para melhor momento, como diz Keynes, embora não seja a causa da crise de modo algum, mas sua consequência natural. 

 

DUPLA INTENSIVIDADE

Marx diz que o capitalismo tenta ter mais valor e mais-valor aumentando a jornada de trabalho, extensividade, ou acelerando o trabalho, intensividade. Lembramos que há duas intensividades: a concreta e a abstrata. A primeira é a exigência de mais velocidade ou mais intensividade do trabalhador; já  a segunda ocorre quando implementa-se certa máquina por onde o trabablador, por exemplo, dobra sua produção com a mesma intensidade aparente, fisiológica e concreta. Este última é um grande artifício do capital por onde esconde o aumento da exploração. Daí porque o salário por tempo ganha maior dimensão frente ao salário por peça hoje, no capitalismo maduro ou no tardio. O contínuo produz mais do discreto – dialética.

 

A PULSÃO DE CRESCIMENTO DO SOCIALISMO

Na busca por lucro, o capital teve pulsão incontrolável e inconsciente, não decidida por ninguém, como lei cega, de expandir-se cada vez mais, de superar todas as fronteiras até que o mundo, por ser redondo, fosse todo preenchido consigo. Isso se mostrou como luta entre concorrentes, entre capitalistas, e busca do dinheiro por mais dinheiro.

Ora, se o socialismo não for, no futuro próximo, algo contingente, ele teria de, necessariamente, tender – não deterministicamente – a expandir-se, tender a ser total, à superação do capitalismo em todo o globo terrestre. Do contrário, ele seria muito mais ideia no geral irrealizável do que matéria pronta para surgir no real.

Em primeiro lugar, o socialismo é uma decisão consciente, a afirmação da racionalidade humana. Por isso, de modo algum virá naturalmente e precisa no mínimo um partido com projeto de poder de fato livre e igualitário.

Em segundo, a própria revolução em um país, de imediato, serve de exemplo para outros povos. O exemplo é sempre contagiante, vitória estimula vitória.

Em terceiro, as revoluções exigem, infelizmente, guerra civil, e isso significa destruição, além disso, quebra das relações comerciais internacionais. A revolução é, então, uma forma de crise econômica se ela acontece em algum país central.

Em quarto, mas de modo algum abaixo na hierarquia, o socialismo somente pode vir se o capitalismo torna-se incapaz de oferecer reformas, de melhorar a qualidade de vida da maioria. Ou ele cumpre uma função civilizacional, mesmo se contraditória, ou merecerá cair, ser superado. A revolução impõe uma nova era de reformas.

Em quinto, o socialismo, com seu planejamento democrático e central, com a concentração de recursos no Estado operário, poderá, por saltos, elevar a produtividade, respeitando o meio ambiente, o que o fará vencer a concorrência internacional, além de oferecer produtos de alta qualidade (resistência etc.), fazendo definhar a economia capitalista de outras nações. Os primeiros estados socialistas, além de seguir seus talentos e tradições, terão de estar na e buscar sempre a ponta tecnológica.

Em sexto, empresas internacionais, se o socialismo vence num país imperialista, serão estatizadas e colocadas sob gestão de democracia direta, operária, tanto dentro do país revolucionado quanto nas filiais da empresa em outras nações.

Em sétimo, um Estado operário atua para colocar a classe trabalhadora na ofensiva.

A pulsão do capital de expandir-se encarnou-se na personagem do patrão, do capitalista, que tomou a vontade do valor em busca de valorização como vontade sua, como pulsão sua como alguém possuído por um demônio, Mamón. Assim, por outro lado, a classe trabalhadora encarnará, vencendo ou não, se ganhar consciência disso, a pulsão do capital de deixar de ser capital, de haver condições maduras e a necessidade do socialismo. Dirá Hegel: liberdade é, também, reconhecer a necessidade.

O primitivismo, o comunismo da miséria ou da escassez, impulsionava tal modo de vida por meio da reprodução da tribo-família, que se dividia em dois novos grupos quando crescia a si mesma até um ponto limite. O escravismo ampliava-se porque a guerra contra outros povos além das suas fronteiras era necessária para ter novos escravos, mais escravizados e mais terras para exploração rumo ao enriquecimento maior. Possivelmente o mais fraco em autoexpansão por seu ruralismo fixo, o feudalismo tinha por hábito passar a coroa ou o feudo para o filho primogênito, levando os demais filhos a, entre outros caminhos, ampliar o domínio feudalista sobre novos territórios sob justificativa da ampliação do domínio da Igreja.

 

 

 

O PONTO DE IRREVERSIBILIDADE DO SOCIALISMO EM CAPITALISMO

Lukács, em sua obra de Ontologia, afirma a irreversibilidade dos processos, como o feudalismo dando o lugar ao capitalismo na França sem ponto de retorno, ou da URSS não retornar ao capital. A história parece refutá-lo desde a queda do muro de Berlim. Podemos dizer, então que a parte muda de fato apenas se o todo também e necessariamente estiver maduro como deve, como o mercado mundial no final do século XVIII. Uma cadeira, uma parte ou coisa, pode sair do lugar e depois reverter ao análogo ao passado, retornar para mesma posição, enquanto a tempo humano simplesmente passou para frente, irreversível.

Em primeiro lugar, o Estado radicalmente democrático do socialismo impede medidas de retorno pleno ao capital, boicota e reprime tais medidas. Assim foi o começo do capitalismo, a dominação formal era, por exemplo, até o século XVIII, obrigar toda a “ralé” a trabalhar de modo humilhante; em seguida, diz Marx, uma lei como se natural regulava o trabalho, uma dominação real, mais que formal ou externa, que disciplina o trabalhador com medo do chicote invisível da ameaça de fome e desemprego.

Mas temos, aqui, de abstrair o Estado, pois o sistema socialista deve se sustentar sob seus próprios pés, ao menos após alguns anos ou décadas. Um curioso leigo pergunta se ele terá liberdade de criar uma grande empresa no socialismo se ele bem quiser; respondemos que hoje é impossível criar feudos medievais por conta realidade que impede de todo. Como, portanto, o socialismo impede “naturalmente” a grande propriedade privada?

Em segundo lugar, a jornada de trabalho será baixíssima já no começo do novo sistema, reduzida ao mínimo. Assim, um operário não aceitará trabalhar para um empresário se ganhará mal e trabalhará mais do que deve. No socialismo, desemprego é proibido. Um dos defeitos do “socialismo real”, uma das causas centrais do ponto de retorno ao capital, era que o trabalho não se tornava quantitativamente e qualitativamente diferente do trabalho sob o capitalismo.

Em terceiro, impossível concorrer com um Estado, ou seja, com uma sociedade que controla o Estado, e se este se organiza como uma enorme empresa unificada e planejada, tendo em suas mãos, com democracia operária dentro das fábricas, o grosso dos meios econômicos.

Em quarto, o dinheiro, a partir de certo ponto, deixará de existir.

Em quinto, as fábricas e os produtos modernos exigem hoje e cada vez mais enorme investimento em todos os aspectos, como pesquisa e sua fundação. O custo de construir colossais meios dá ao Estado – repetimos, gerido pelos cidadãos – uma vantagem larga.

Em sexto, a revolução opera mudanças culturais como uma visão correta e crítica do passado.

Parece-me que o segundo aspecto é o mais importante e vital, intimamente ligado à, sétimo, automação-robotização-digitalização generalizada no socialismo avançado, imponto tempo livre, abundância e novas relações de produção-sociais. Além disso, a revolução mundial, ao mudar a totalidade, ao menos os países centrais, porá o ponto de não retorno, junto com a necessária democracia real do socialismo (há que lembrar que um regime Estado existe por uma composição social que exige tal regime, além de certa inércia, logo a democracia socialista não existirá por mera decisão e acordo, mas por uma base real que a exige, como desemprego inexistente e jornada de trabalho baixíssima). Em nossa época, nos primeiros anos, um país de transição socialismo pode mesmo retornar ao capitalismo ou ir à barbárie, embora improváveis.

Na URSS, em especial, vale destacar que se desenvolvia um conteúdo material capitalista, fábricas com certa tecnologia, certo nível técnico próprio ao capital, e tentava-se, em contradição, impor uma forma socialista, ainda que parcial. Uma contradição conteúdo-forma – e todo contraditório tem de se revolver, avançando, senão definha.

 

DESTINO DO CAPITAL

O capital acumula-se mais na região aonde há melhores condições. Mas capital atrai mais capital, mesmo sem boas condições melhores, de tal maneira que uma parte ínfima do mundo (um pedaço dos EUA, Japão, litoral da China, pequeníssimo ponto da Europa etc.) concentra metade da indústria mundial. Há, portanto, acumulação territorial, desigualdade combinada. Uma fábrica cresce no singular; no particular, uma fábrica exisge novas fábricas auxiliares, matéria-prima etc.; no geral, o capital vai aonde há mais capital, mais-valor, mais-capital, mais dinheiro. Eis uma desigualdade inevitável sob o atual modo de produção. Daí a atração de mão de obra de todo o mundo, o que pressiona contra os salários por mais oferta de trabalhadores. O processo, então, retroalimenta-se de vários modos.

 

JORNADA DE TRABALHO REAL

Diz-se que a jornada de trabalho no Brasil é oito horas. Mentira: desde quando escovamos os dentes, fazemos tudo em torno rumo a ir à empresa. No almoço, comemos para ter forças e nervos para trabalhar – esse tempo está preso ao trabalho. Depois, mais horas no transporte. Ainda dedicamos 12 horas por dia ao trabalho, mas uma parte de outro modo. Além disso, o trabalho hoje é mais intensivo do que no século 19, ou seja, tempo – antes extensivo – condensado. Depois, cuidamos dos filhos para gerar mais trbalahdores. Aos domingos, ajeitamos a casa o diainteiro para deixá-lo em condições de permitir o trabalho normal… Pensar pouco sobre isso auda a suportar a condição.

A jornada de 12 horas também aprisionava o patrão que poderia contar, mesmo, apenas com os moradores mais próximos. Com menor jornada, com transportes coletivos etc. Ele pôde contar com a mão de obra de toda a cidade ou mais – para chantagear o operário com a ameaça de sua demissão, de seu caráter descartável. A intensidade da jornada e a produtividade fizeram, então, suas obras. Depois, tornou-se difícil aumentar a jornada dada a tradição trabalhista.

 

CRISE CATEGORIAL DO MAIS-VALOR

Marx diz da lei de que o aumento da produtividade equivale à diminuição do valor, relação inversa. A categoria de mais-valor permanece existente, mas muito enferrujada rumo à categoria de “indenização de capital” (Marx). Este último conceito era aplicável quase que apenas aos transportes já que havia muito capital constante (máquinas etc.) relativo ao variável (trabalhador manual direto). Com a automação, a robótica e grande psso do capital constante – o lucro e a mais-valia em geral tendem a cambalear para a chamada indenização de capital. Mas a conceituação mais precisa, por seu contexto hoje, seria “renda de capital”. É apenas uma expressão correta nas palavras da crise concreta daquilo que as palavras expressam.

 

CAPITAIS E CRISE DE ABSTRAÇÃO

Um lado da crise de abstração dos capitais é a concentração e centralização altíssimas, monopólios e oligopólios, unidade de capital produtivo e financeiro (e comercial). Mas há uma abstração toda especial, entre outras que podem ser destacadas (como abstração da mercadoria, perda de materialidade, e por fusão de valores de uso); trata-se da abstrações dos capitais; os bancos são mais digitais, assim como o dinheiro, o que reduz a necessidade de exitência com tantos suportes físicos, funcionários etc.; o comércio virtual precisa de depósitos, mas reduzem a necessidade de lojas físicas. Claro que isso reduz custos e aumenta os lucros, mas é sinal oculto e subterrâneo da abstração total de tais capitais, de seus fins, da substituição pela economia central, democrática e planejada. É sintoma. De certo modo, condição – uma das.

 

AS OBRAS O CAPITAL E CIÊNCIA DA LÓGICA (DE HEGEL)

Como dissemos, como Hegel começa com ser e nada em devir, Marx começa com valor de uso e valor. Mais: em Hegel, o ser passa para ser aí, com algo e outro – em Marx, a mercadorias passam para mercadoria e dinheiro. Em Hegel, então, o para outro e o para si – em Marx, mercadoria e dinheiro (este se torna para si). E assim vamos. Começa a (má) pulsão infinita do capital, em buca de mais-valor – como o mau infinito regeliano logo em seguida, em sequência. Em Hegel, da relação um-muitos, o um que se fragementa em muitos e depois retorna, temos a relação de extensão e intesividade – em Marx, da cooperação que vai para a fragmentada mafutarura e depois reúne-se de novo na grande indústria, temos a relação de jornada de trabalho extensiva e intensiva. O livro 3 da Lógica trata da lógica subjetiva, a lógica dos conceitos – o livro 3 d’O Capital trata de conceitos subjetivos (lucro, taxa de lucro, preço etc.). A correspondência pode não ser perfeita, mas há ainda, sim, uma correpodência nas dua obras por inspiração, incluso sequencial.

 

CONTRADIÇÃO INTERNO-EXTERNO

No Livro 3 d’O Capital, Marx diz, ao tratar das diferentes formas de capital, de suas autonomias externas, até independência externa, junto, dentro, da unidade interna que são, apenas um. Isso é uma contradição movente, isso produz contradição. Por exemplo, a desproporção de desenvolvimento entre o departamento I da economia, produção de meios de produção e de matérias-primas, e o departamento II, produção de meios de consumo, gerando crise.

 

Apesar do caráter autônomo que possui, o movimento do capital mercantil nada mais é que o movimento do capital industrial na esfera da circulação. Mas em virtude dessa autonomia, o capital mercantil move-se até certo ponto sem depender dos limites do processo de reprodução e por isso leva este a transpor seus limites. A dependência interna e a autonomia externa fazem o capital mercantil chegar a um ponto em que surge uma crise para restaurar a coesão anterior. (Marx, O capital 3, 2008, p. 407)

 

 

A tarefa é resolver tal limite de modo que a unidade interna dos capitais torne-se tão também externa tanto quanto possível. Isso é encaminhado pela concentração e centralização de capitais, pelo monopólio moderno, pela fusão dos capitais financeiros, industriais e comerciais, pela aglutinação de valores de uso, pela crise que destrói o capital em excesso etc. O auge, solução, é a economia como uma única grande empresa unificada e centralmente-democraticamente planejada do socialismo. A integração das coisas, como com a internet, mesmo que fragmente os homens, tornar-se condição para a plena integração dos mesmos homens e das mesmas coisas.

 

IDENTIDADE

Marx afirma, em manuscrito não publicado (lembremos), que produção, distribuição, troca e consumo são unitários, unidade na diversidade, mas não idênticos. Todos os conceitos citados, determinações, são de todos os sistemas econômicos, menos, grosso modo, a troca, por isso vamos abstraí-lo. Produção é, sim, consumo, consumo produtivo, além de ter distribuição (de matéria-prima etc.) interno; consumo é, sim, produção, pois produz a força de trabalho e o trabalhor; distribuição é, sim, consumo e produção, pois, de um lado, transporte é produção, oferece mais valor ao produto (O Capital livro II), além de consumir o trem etc., e tem valor mercantil final apenas no fim, na prateleira prestes ao consumo final. Há unidade na diversidade – mas há, também, identidade na diversidade. Claro que cada determinação tem sua particularidade e ganha mais riqueza própria. Se A = B, se A = C; logo, B = C. A, B  e C são iguais, ainda diferentes. O conceito de troca, parece, fora do lugar, ajudou Marx a fazer uma afirmação correta, mas parcial. Tudo é produção; e este divide-se em produção e não-produção.

 

FORÇAS PRODUTIVAS

Pensa-se força produtiva apenas como técnica, até como apenas maquinário (isso tem razão de ser, expressa uma verdade temporal, como veremos logo em seguida). Há, grosso modo, três forças de produção: 1) natureza, 2) técnica e 3) homem. No longo primitivismo, quase toda a história da humanidade, a natureza foi a força produtiva central na prática com seu poder constrangedor e com suas possibilidades. Nas sociedades de classes, cujo auge de tal aspecto é o capitalismo, a técnica foi alçada ao centro. No socialismo, a força produtiva central será a força produtiva central – o homem. A economia e, em especial, a técnica será, enfim, escrava da humanidade, não mais o inverso, talvez mesmo da natureza por mediações.

 

CONQUISTA DO COSMOS

Moreno, ao constatar o esgotamento dos recursos naturais e energéticos do nosso planeta, lança o desafio da conquista do espaço sideral. Ora, tal vitória exigirá fruto de um altíssimo desenvolvimento das forças produtivas, logo necessariamente a superação do capitalismo, a fundação do socialismo. Apenas torna-se ou consolida-se uma civilização do tipo 1 se avança para a liberdade igualitária. O desenvolvimento das forças produtivas, ou sua necessidade, impõe tal tarefa superior. Assim, se houvessem outras humanidades em outros planetas, também deveriam avançar para uma civilidade real, substantiva, tal como nós deveremos em pouco tempo, logo ali na escala histórica. Se se quer a conquista de fato, organizada e otimizada, do cosmos, tem-se que construir o socialismo. Assim, impossível, ao contrário do que pensam alguns, haver civilizações interplanetárias, mas bárbaras (dividida em classes, dominação do homem sobre o homem etc.) – claro, se houvessem os improváveis outros seres conscientes e avançados em outros mundos. Romper a atmosfera exige romper com a propriedade privada, com a existência de classes sociais, o Estado e a família monogâmica.

 

O NÃO CRESCIMENTO DA ECONOMIA

Intelectuais limitados como David Harvey e bons economistas como Eleutério Prado dizem da necessidade de não crescimento da indústria ou do PIB como saída social e ambiental. O socialismo resolve isso diminuindo a quantidade de empresas por aglutinação de produtos num só suporte, altíssima resistência dos produtos, reciclagem e reutilização de quase tudo que hoje é descartado, obrigação de custos ambientais nas empresas, transporte público autônomo e de qualidade, novas formas de captação de energia. Ademais, a sociedade socialista diminui muito a demanda por remédios etc. ao, por exemplo, elevar a saúde mental e corporal. A redução relativa do número de fábricas, contra o produtivismo, estará acompanhada de elevação da qualidade de vida.

 

A ESFERA COISAL

Lukács afirmou que nem a psicologia nem o lado coisal seriam esferas ontológicas próprias. Em acordo com ele, penso que a o mundo das coisas é, ao menos, um colateral, uma falsa modalidade de ser – um é que, ao mesmo tempo, não é. Quando Marx diz em sua grande obra que uma relação entre homens mostra-se como uma relação entre coisas, não trata de apenas um engano; na verdade, as coisas impõe uma lógica de si, uma relação entre elas mesmas tendo o homem como o suporte.

O máximo desenvolvimento do ser inorgânico levou ao ser orgânico, ao biológico; o máximo desenvolvimento deste último levou ao ser social, o homem humano; o auge do desenvolvimento deste, o capitalismo, levou ao ser coisal. O anterior é sempre base e suporte do próximo, como na relação homem-coisa em nosso atual modo de vida.

A esfera coisal, seu poder, inclui coisificar o homem. Como diz Marx, há humanização das coisas e, em relação direta, coisificação dos homens; a máquina é o sujeito enquanto o homem é um objeto, uma ferramenta de carne daquela. Assim como o homem, em seu desenvolvimento, humaniza a natureza, que veio antes e de onde veio, a coisa, em seu desenvolvimento, coisifica o homem, que veio antes e de onde veio.

O ser coisal consolida-se com a imitação de movimentos humanos na produção, substituindo braços e cérebros. Mas não para aí: a robótica visa imitar a sensibilidade do homem, até mesmo superá-la. Em nosso tempo, temos vírus de computador que se multiplica, como um ser vivo, e recentemente criamos robôs com a pulsão, a programação, de multiplicar-se a si próprios. A concorrência capitalista, que é uma lei cega imposta pelas coisas tal como estão, leva a que surjam várias tentativas de produzir a melhor inteligência artificial – poderá surgir uma inteligência similar à humana, mas sem emoção?

A integração das coisas tem vindo acompanhada do isolamento dos homens. Tal integração é condição da integração humana no socialismo, mas não condição absoluta – é, hoje, uma aposta social.

O dinheiro é a coisa central, a Coisa das coisas; o valor é a alma objetiva delas, um verbo que se quer fazer carne. Segundo Carcanholo, o valor era apenas um adjetivo da coisa, do objeto, do produto como mercadoria; para ele, tornou-se, como capital, um adjetivo substantivado[3]. Complementamos: tornou-se, depois, substantivo concreto, com a maquinaria e suas consequências humana e coisais, para tender a ir ao substantivo abstrato e, por outro lado, ao mesmo tempo, verbo que se faz carne (isto se relaciona com as quatro eras do capital: a era do capital mercantil, a era do capital industrial, a era do capital financeiro e a era do capital fictício). Com o devido jogo de palavras, o valor é um sujeito oculto, que exige teoria por detrás do preço, e um sujeito indeterminado, sem determinações. Como o espaço-matéria e energia-massa; o valor é um sujeito simples que se torna sujeito composto, valor e capital, valor-capital, que podem, como vimos, entrar em contradição.

A esfera coisal tem sua grande história já no início do ser social, como ferramenta e produto. Marx diz que temos a coisa, o objeto, mas, por outro lado, a coisa nos tem – isto é ontológico. Relacionamo-nos pessoalmente com as coisas, nós as afetamos assim como elas nos afetam. Hoje, elas ganham poesia, estética, enquanto nosso mundo perde arte. O mundo das coisas, embora misturado conosco, opõe-se ao mundo dos homens. O valor, o capital, o coisal faz de nós um meio, encarnações e representantes deles.

A relação homem-objeto, hoje, apresenta-se assim:

 

1)      Humanização das coisas na proporção da coisificação dos homens;

2)      Valorização das coisas na proporção da desvalorização dos homens;

3)      Integração das coisas na proporção da fragmentação dos homens;

4)      Ganho de características das coisas na proporção da unilateralização dos homens;

5)      Ganho de cognição das coisas na proporção da perda cognitiva dos homens (exemplo: a tecnologia que pode facilitar o ganho de cultura está tornando desnecessário ao capital o trabalho qualificado e especializado com consequências como o menor investimento em educação real);

6)      Ganho de ativação das coisas na proporção da passivação dos homens;

7)      Harmonização entre as coisas na propoção do aumento de contradição entre os homens;

8)      Poetização, estetização, das coisas na proporção da brutalização dos homens.

 

Apenas o último é relativo, pois o desenvolvimento da sociedade exige, em parte, um ser humana mais rico, mais complexo. Veja-se que os homens usavam roupas iguais e repetitivas, mas agora lidam com a moda.

Quase exceção do próprio Marx (Capital I, como falsificação de charutos e pães, e Capital II) e de Mèszáros (taxa de utilização decrescente do valor de uso por causa da unidade contraditória com o valor), os marxistas deixaram nas mãos dos economistas vulgares o tema do valor de uso, do objeto. Usam a seguinte frase de Marx, num de seus textos preparatórios: a economia política centra-se no valor, não no valor de uso. Ora, Marx faz tanto uma economia política nova, no sentido positivo, quanto uma crítica da economia política, no sentido negativo. Por isso, abarca o valor e o valor de uso. A verdade está na totalidade, no todo. Vejamos o que ele diz pouco antes de morrer: “…que, portanto, para mim, o valor de uso exerce um papel importante e completamente diverso daquele exercido na economia até agora.” (Marx, Últimos escritos econômicos, 2020, p. 60) E: “Com isso, o valor de uso – como valor de uso “mercadoria” – possui, por si mesmo, um caráter histórico-específico.” (Idem, p. 61) Bela passagem contra quem considera o valor de uso como apenas natural e ahistórico. Nesta obra, vimos que as mudanças no valor de uso afetam não só o valor, assim como aquele é afeado por este, como também afetam até a psique dos homens e mulheres neste modo de vida.

Os objetos não são neutros. O dinheiro é típico do capital e do capitalismo, incompatível com o socialismo. O mero microfone, usado por líderes autoritários, é condição para a vida socialista com suas assembleias de bairros e fábricas. Ademais, temos a concepção correta da lei geral da história humana “produtividade crescente”, mas ela é apenas quantitativa. Temos ainda a produtividade qualitativa. Quando o socialismo cumprir, em poucos anos ou décadas, todas as necessidades humanas em quantidade, com a ajuda de mudanças qualitativas, terá ainda mais condições de garantir maior qualidade aos objetos.

A alienação, em resumo, apresenta-se assim:

 

O sujeito é o objeto

O objeto é o sujeito

 

De tal modo: o sujeito é o sujeito por seus predicados – o objeto é o objeto por seus predicados.

O objeto é predicado do sujeito – o sujeito é predicado do objeto.

A verdadeira unidade-identidade de sujeito e objeto, sem alienação, estará posta como tarefa socialista.

 

HÁ UMA TEORIA DA HISTÓRIA EM MARX?

Há, sim. Para muitos marxistas, a famosa introdução de Marx sobre a contradição entre forças produtivas e relações de produção é insuficiente para explicar que há, ou deriva-se, uma teoria da história marxista. A comparação de nossa crise sistêmica com as anteriores demonstra que há, de fato, lei gerais da história, junto com as leis particulares de cada sistema. Os marxistas acadêmicos têm a mania de reduzir Marx, diminuir seu papel, que é geral, como na negação da dialética e de sua visão de mundo. Assim, tratam suas ideias como se dele fosse. Deixemos o barbudo falar por si:

 

É supérfluo acrescentar que os homens não são livres para escolher suas forças produtivas – que são a base de toda a sua história – pois toda força produtiva é uma força adquirida, o produto de uma atividade anterior. As forças produtivas são, portanto, o resultado da energia humana prática; mas essa energia é, em si, condicionada pelas circunstâncias nas quais os homens se encontram, pelas forças produtivas já conquistadas, pela forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é produto da geração anterior. Devido a este fato simples, de que cada geração sucessiva se vê na posse de forças produtivas conquistadas pela geração anterior, que lhe servem de matéria-prima para a nova produção, surge uma INTERCONEXÃO na história humana, do homem, e portanto suas relações sociais, são ampliadas. Daí decorre, necessariamente: a história social dos homens é sempre apenas a história do seu desenvolvimento individual, estejam eles conscientes disso ou não. Suas relações materiais são a base de todas as suas relações. Essas relações materiais são apenas a forma necessária na qual sua atividade material e individual é realizada. (Marx apud Mészàros, Teoria da alienação em Marx, Boitempo, p. 226; destaque meu)

 

Lukács resumiu as tendências, leis, gerais da humanidade: 1) tendência ao afastamento das barreiras naturais; 2) tendência ao aumento da produtividade e 3) tendência à unificação global como espécie. Isso está correto, logo deve ser aceito como tal.

Nenhum outro animal tem tais características, apenas o ser de fato social, sequer se combinados.

Isso tem consequências. O homem é cada vez mais social, mais individual e com mais alternativas reais – tende a ser cada vez mais livre. O império absoluto do coletivo não é marxismo, pois a individualidade – como a intimidade – é uma poderosa conquista da civilização.

Por que Marx não fez uma obra sobre? Ele era um pesquisador responsável, não pesquisava o que queria, mas o necessário. A obra O Capital exigiu quase tudo de si. Cabe, portanto, aos marxistas desenvolverem o marxismo como temas sobre moral e essência humana.

Há que destacar: a história vai do primitivismo para escravismo, para feudalismo, para capitalismo, para socialismo. Isso no todo, não nas partes. O todo pode fazer uma parte saltar do modo de produção asiático para, sem passar pelo feudalismo, o capitalismo, por exemplo. Além disso, a forma como o capitalismo se desenvolverá, tomando o típico de Marx, tem um “o que” acontecerá, ir ao capital, mas “o como” pode ocorrer de várias formas e maneiras.

O fato de, por exemplo, Marx não ter criado uma psicologia não significa que não pode existir psicologia marxista.

 

REDUÇÃO DE MARX

Tenta-se colocar Marx numa caixa, em especial na reformista e na acadêmica. Assim, Marx não teria uma teoria da história, mesmo se por derivação, pois não escreveu de modo direto sobre. Não teria uma cosmologia, mesmo o universo tendo e sendo história, pois seu foco era o mundo social. Não haveria metafísica e ontologia, pois o trabalho está em crise. Não haveria dialética marxista, pois não há tratado dele sobre. Não haveria filosofia, pois devemos focar no Marx maduro, supostamente apenas científico. Não haveria economia marxista, pois Max teria feito apenas crítica negativa da ciência particular. Então, livro III de O Capital seria evitado, pois tem a ideia perigosa de que as crises são inevitáveis, pois tem a ideia ainda mais perigosa de que a queda da taxa de lucro aponta o fim inevitável do sistema capitalista, pois seria um manuscrito, pois teria intervenções de Engels. Depois, bastaria ler o livro I, da mais-valia e da luta de classes, contra o maçante e frio livro II. Reduzir, reduzir, reduzir… Assim, evita-se a revolução completa do pensamento iniciado pelo mouro. Há um antes e depois de Marx.

 

O MARXISMO EXTERNO

Imagninemos se Marx tivesse morrido logo após lançar o manisfesto; portanto, sua tradição existiria. Mas imaginemos que ninguém descobrisse a teoria do mais-valor, pois algo difícil e para poucos. Pois bem: mesmo assim, saberíamos, de modo externo, da crise do sistema – pela lógica material, não do valor. Preceberíamos, nas últimas décadas, a tendência da queda da taxa de lucro até zero por cento em nossos tempo. Veríamos a substituição, até o extremo, de trabalhadores por máquinas – a conta não fecha, pois derruba o consumo e aumenta a oferta. Veríamos a desmedida do dinheiro fácil de criar. Enfim, o produto necessário do trabalhor individual seria regular, mas o produto total à classe necessário seria reduzido; depois o produto geral para aspectos físicos e objetivos da produção cresceria no conjunto; e o mais-produto, que esconde o mais-trbalho e o mais-valor, cresceria de modo anormal. A quantidade enome crônica de valores de uso levaratria à noção de superprodução crônica de produtos e meios. Por fim, a desmaterialização das mercadorias, a fragilização etc. Sequer tocamos na matéria essencial: o meio ambiente e sua crise.

 

O TEMPO DOS MODOS DE PRODUÇÃO

Incluindo o socialismo e exceto o comunismo avançado, cada modo de produção e de vida tende a durar menos do que o anterior e os anteriores. Por quê? Porque é mais avançado, desenvolve melhor as forças produtivas, chegando com maior velocidade ao limite, ao ponto nodal, quando precisa passar para o próximo modo. Além disso, mantém o passado no seu presente.

Um reformista declarado ou envergonhado justifica a manutenção atual do capitalismo pela duração longa, e absoluta, dos sistemas anteriores; faz uma falsa analogia. Assim, deixa de ver a atual crise sistêmica. Além de ser também uma transição, o capitalismo como organismo sistemático em evolver tende a ser mais curto em seu tempo de existência, esgota com alta velocidade seu desenvolvimento.

 

FÁBRICA E DITADURA

Marx expõe em O capital I o despotismo fabril, além de nas minas etc., a ditadura do patrão e do acionista. No escravismo grego, a elogiada democracia dos homens livres acompanhava e tinha por base a ditadura nos campos de trabalho escravo e nos lares contra as mulheres. Ditadura e democracia podem conviver juntas, aquela sustentando esta. Mais: a necessidade de implementar uma ditadura de Estado capitalista vem tantas vezes pela necessidade de manter em pé, contra a rebeldia operária, a ditadura nas empresas. A democracia das reuniões de acionistas na cúpula executiva da empresa está baseada na mão de ferro contra seus funcionários. Ou a democracia externa à porta da fábrica existe para manter intacta a ditadura do capital sobre o trabalho, dentro da empresa. Assim, unimos base econômica-social e superestrutura objetiva.

 

 

 

O MAIS-PODER

Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal.

 

SOCIALISMO E TENDÊNCIAS

Já expomos que o capitalismo, além de ser de fato um modo de produção, torna-se transição, quase mera, entre o passo classista e o futuro possível. Já dissemos, também, que a existência de classes dominantes é um sintoma, expressão alienada, da teleologia não subjetiva, social, de serem expressões deformadas da qualidade de vida no futuro socialista, onde toda a humanidade será classe dominante, sobre as coisas (máquinas automáticas, robôs etc.). Feito isso, o socialismo destrói certas tendências do capitalismo, como a miséria crescente, base para o revolucionamento total. Muitas tendências “coisais” serão reafirmadas contra as contratendências típicas de uma sociedade transicional: a substituição do homem pela máquina será acelerada e sem resistência, a concentração e centralização do grande capital será total (sem resistências como a repartição de grandes heranças), a deflação ocorrerá como deve rumo ao o fim da precificação, o dinheiro ainda existente será virtualizado etc. Nesse sentido, o socialismo afasta as causas opostas e as contradendências, como as contratendências à queda da taxa de lucro (queda do salário em principal). A produção social será, por exemplo, social, não mais de apropriação individual ou de acionistas.

 

O DETERMINISMO ECONÔMICO

Dizer que Marx é determinista na economia é um erro primário, pois a dialética marxista substitui a causalidade unilateral pela interação, como o Estado também influenciando a economia, por exemplo. Mészàros tem uma resposta genial: (o erro do determinismo econômico ocorre, e é parcialmente correta, porque) a economia capitalista tem uma pulsão de ser determinista sobre toda a sociedade. Dito isso, há o erro oposto, o outro extremo: considerar que a superestrutura determina ou tem autonomia. Assim, o valor seria subjetivo e dado pela utilidade; o valor, preço, “extra”, à mais, seria dado subjetivamente pela mente do patrão, pelo seu cálculo subjetivo, não pelas mãos do trabalho manual; o contrato entre patrão e o operário seria uma escolha subjetiva, livre, relacional, sem imposição do estômago… No externo, há liberdade, interação, entre os iguais burguês e proletário; no fundo, no interno, há a substância (valor!) e a necessidade. A ilusão de que nossa subjetividade, personalidade e decisão são de todo livres é uma aparência necessária, um fato embora tenha algo de falso (diz-se que a mera adoção da teoria de que temos escolha ajuda nosso cérebro a fazer escolhas, a ter alternativas). Até a liberdade é determinística. Com a redução qualitativa e quantitativa da jornada de trabalho, junto com a abundância aclassista, erguer-se-á o reino da interação, do acaso, da liberdade, da escolha etc. O socialismo é a revolução contra o determinismo impessoal econômico, o homem decidindo guiar o próprio homem.

Até aqui, todas as áreas – pessoas, educação, Estado etc. – estão subordinados à economia, ou a servem. No socialismo, ao contrário, a economia será subordinada às demais áreas, no geral, à meta superior da elevação humana do homem. Eis um dos significados centrais de domínio do mundo dos homens sobre o mundo das coisas. É uma história para que o centro  do homem seja o próprio homem. É preciso, pois, um alto desenvolvimento-auge-crise desses fatores "externos" (ciência etc.) para ocorrer a inversão correta.

De modo geral, no interno, a força produtiva central é o homem. Mas no primitivismo era, no externo, a dura e absoluta natureza. Nas socedades de classes, também no externo, a técnica (por isso tantos confundem forças produtivas com técnica). No socialismo, interno e externo, o homem.

 

O ABSTRATO É O CONCRETO EM PROCESSO

Com o estudo das ciências naturais (massa é energia em forma de movimento etc.), pude perceber também com O Capital de Marx esta fórmula qualitativa: o abstrato é o concreto em processo. Assim, o valor é capital em processo – ou melhor, o capital, que não é coisa, portanto abstrato, é o valor, material e concreto, que se autovaloriza (processo). Assim, na produção, o trabalho abstrato é o trabalho concreto no tempo, ou, o que é o mesmo, no gasto de energia. Assim, na circulação, o valor e a mercadoria (abstratos) são o produto (concreto) na troca (processo). Assim, o trabalho manufatureiro, fragmentado, abstrato, é o trabalho comum, concreto, em processo. Uso os vários sentidos de abstrato, de concreto e de processo.

Mas duas observações precisam ser feitas. Primeiro, para Hegel, a verdade é o todo, logo uma fórmula do tipo “isto é aquilo”, torna-se algo limitado, verdadeiro e falso.  Mas, aqui, ainda respeitando o limite hegeliano, dizemos “isto é aquilo no processo”, de maneira superior. Por isso, ainda assim, não usamos a equação qualitativa como chave fácil para todos os detalhes da grande obra marxista. Segundo, ainda para Hegel, uma equação particular, como a da gravitação, não pode ser elevada à teoria de tudo, à teoria geral, universal – exato por ser particular, estar ao lado de outras leis, equações etc. Mas as categorias que usamos – abstrato, “é”, concreto, processo – têm tendências gerais.

 

ATUALIZAÇÕES D’O CAPITAL

Após Marx, ocorreram inúmeras corretas atualizações parciais e não sistemáticas da economia política por marxistas e não marxistas. As contribuições sistemáticas que resistiram ao tempo são “Imperialismo” de Lenin (inspirado em e corrigindo “O capital financeiro” de Hilferding), as duas obras “Laws of Chaos” de Farjoun e Machover e “How Labor Power the global economy” também de ambos com Zachariah – usando a matemática moderna e a probabilidade. A terceira contribuição ampla e organizada é esta obra que o leitor tem em mãos, além deste capítulo; além de teoria unificada do marxismo, teoria de tudo (mais adiante aprofundada) e análise estrutural da última era do capital pode ser definida também assim, como atualização. De modo pouco indireto, a obra “O programa de transição” de Trotsky, inspirada n’O Capital, pode ser incluída como leitura obrigatória para O Capital do século XX e XXI. No mais, bem possível haver no futuro próximo uma ou mais atualizações, parciais e sistemáticas, da grande obra marxiana.

Temos três obras de exposição teórica de tipo dialético na história do marxismo: O Capital, de Marx; A história da revolução russa, de Trotsky; e esta obra. Se tivesse concluído toda sua obra de Estética, ao menos na forma de grossos manuscritos, talvez Lukács fosse um caso dos casos.

 

FALSO FETICHE

Já dissemos que consideramos o valor-trabalho como válido de todo; mais, pois ele é a base de todos os valores – moral, arte, machismo etc. Mas, se A = A e não-A, um produto-mercadoria é igual a si própria e à sua diferença, ao outro do algo, ou seja, apenas na igualdade é igual, isto é, torna-se de fato mercadoria. Assim, 3 quilos de uva = 1 casaco. Mesmo, sim. Veja-se que isso é fetiche segundo Marx, pois é irracional igualar dois objetos em completo diferentes; ele seriam iguais apenas por possuírem a mesma quantidade de trabalho humano em suas origens. Está certo, mas é mais sofisticado. A igualação das coisas é inconsciente – faz, mas não se sabe o motivo disso. Se a matéria (em central, átomos), as propriedade e o contexto são levados em consideração, então, uma coisa é igual, de fato, à outra coisa. Mas olhar apenas a matéria ou apenas a pripriedade, erra-se. Substância é a matéria; a forma, propriedades; a grandeza, contexto e totalidade. Por alienação, e relação de mercado é alienação em alto grau, acontece real igualação de coisas – sequestro da liberdade, igualdade e fraternidade humana na relação coisal. Ao duplicar o mundo em mundo da forma-valor e mundo da matéria, Marx trata a igualdade como engodo, como fetiche. Minha teoria é, nesse sentido, fetichista. Com tal crítica, ele blinda os marxistas de uma consideração diferente do problema. O valor incial da moeda ser expressa no seu peso, uma libra etc., revelava algo melhor – o afastamentro do valor nominal de seu valor real demonstra contexto e processos como mudança de forma material e de lastro.

 

PARADIGMA, VALOR-MATÉRIA E PROBLEMAS DO MARXISMO

Um paradigma real ou ideal começa a ter problemas na aparência insolúveis, maus enigmas, antes da sua crise (finge-se, até, que são falsos problemas…) – então, salta-se para um paradigma ontologiamcente melhor, que responde o irrespondível antes. As polêmicas insolúveis do marxismo são:

 

1.       O problema da transformação dos valores em preços de produção – se há, no todo, igualdade de ambos.

2.      Se assalariados, em geral, são parte do proletariado como o operariado.

3.      Se serviços são produtivos.

4.      Se há trabalho material e imaterial.

5.      Se mantém o caráter do dinheiro com o fim do padrão ouro.

6.      Se serviços produzem valor e mais-valor ou apenas lucro.

7.      Sobre o que é trabalho produtivo e improdutivo.

8.      Se, complemtamos, capital como a terra possui valor ou apenas preço.

9.      Se trabalho é eterno ou está à beira do fim.[4]

10.  Se o valor existe de modo independente, se é “algo” invisível, ou se é relação.

 

Ao consideramos o valor-matéria – e matéria, propriedades e contexto – a polêmica inteira desmancha-se, dissolve-se como se nada fosse. Tudo volta a ser simples e cristalino. O valor econômico – e todo tipo de valor e valoração – não é outra coisa que a sua materialidade. A matéria é a medida de todas as coisas. Sobre isso, veremos com toda clareza ao longo da parte chamada “Metafísica marxista”, logo em seguida nesta obra. Aqui, apontamos a solução em geral. No entato, realizamos o marxismo, não rompemos com ele, incluso, geleralizamos para todo tipo de valor e valoração o valor-trabalho. O trabalho é, também, a medida de todas as coisas – apenas outro ângulo do mesmo, unido. Mas no princípio era a matéria. Flectere si nequeo superos, acheronta movebo!

 

SOBRE O FIM

O marxismo estuda o passado e o presente também para saber o futuro, os futuros possíveis. Vemos, escapando da mera empiria externa, a tendência geral da realidade. É uma historiografia do amanhã, também marxista. Isso é possível quando se evita o detalhismo.

Sob o capital, voltaremos às condições gerais análogas aos do sistema entre os séculos 16 e 19, tal como descritas por Marx n’O Capital. Caminharemos para frente como se para trás, mas com maior base tecnológica para a distopia. É uma forma de má negação da negação. Como reforçaremos a seguir, a decadência chegará a um ponto de não retorno, onde, se não acontecer antes, o socialismo passará a ser impossível. Por isso, socialismo ou extinção! Antes deste último, teremos uma forma de decadência da sociabilidade. Com sorte, alguns membros de nossa espécie sobrarão.

Em diante, ponho a disposição um resumo de outro livro sobre as possibilidades opostas, ambas amadurecendo no real, logo de modo algum imaginativas do tipo artificial ou sem critérios.

 

ECONOMIA POSITIVA

A economia planeja democrática e centralmente superará a anarquia da produção capitalista, que produz duríssimas crises periódicas. Com o auxílio de inteligência artificial e da informática, como a internet, a sociedade saberá como, quando e quanto produzir de modo a oferecer igualdade entre oferta e procura, nem desperdício nem carência. Todas as empresas estarão sob controle dos cidadãos, em especial dos seus funcionários.

Com o tempo, as máquinas trabalharão por nós, em nosso lugar, em todos os serviços possíveis – todas as fábricas, nos transportes públicos etc. A verdade: o trabalho é para as máquinas. Os cidadãos focarão no importante, isto é, educação dos jovens, arte, filosofia, administração do Estado etc.

Com o tempo, com a robotização e automação das empresas, o dinheiro deixará de existir. Isso mesmo – o fim da precificação dos produtos. Todos os membros da comunidade tirarão dos depósitos sociais públicos e gratuitos, que apenas de longe lembram os atuais supermercados em cada bairro, os objetos necessários à sua sobrevivência e vivência com plena saúde física e social. Para isso, um cartão eletrônico ou um aplicativo de celular, dirá que o indivíduo foi, de alguma forma, útil à sociedade, trabalhando ou estudando; depois, em estágio mais avançado, nem tal comprovante será necessário, nenhum controle direto será feito ao consumo.

 

ECONOMIA NEGATIVA

A automação e a robótica produzirão, sob tais condições, desemprego crônico, grande massa de miseráveis sem nenhuma perspectiva de, algum dia, ter um emprego, que dirá se digno. A indústria terá baixíssimo investimento em pesquisa e inovação. Monopólios privados serão a regra por grandes regiões do planeta; com isso, preços elevados. A crise econômica será permanente, sem grandes crescimentos, pois o cenário de debilidade será bom para muitos negócios, como o baixíssimo preço da força de trabalho ainda não escravizada.

A jornada de trabalho será de, no mínimo, 12 horas diárias em todo mundo, algo mais em casos de escravidão aberta e legalizada. Direitos trabalhistas serão proibidos; haverá salário máximo a ser recebido, por lei, não mais salário mínimo como garantia.

Os supermercados serão hipervigiados pela tecnologia moderna da informação e da vigilância para evitar, com bastante sucesso, roubos e invasões populares contra a fome. Tais espaços privados terão até armas automáticas com inteligência artificial precisa para controlar os consumidores.

Haverá uma escassez artificial garantida pelo Estado, contra a possibilidade de abundância. Neste cenário, em certos lugares, quem mendigar será condenado à morte instantânea por lei que a proíbe em certos bairros.

Tudo será privado, privatizado – tudo. Tudo custará, terá um preço. Como o Estado anulará os impostos dos ricos e pagará pesada dívida constante aos agiotas oficiais, liberar-se-á das despesas que em outras épocas seriam mesmo obrigatórias; não haverá, em exato, serviços públicos.

Campos de concentração hipertecnológicos serão também campos de trabalho escravo. Neles, estarão desde comunistas até meros adversários oportunistas derrotados, como pastores de outras religiões.

 

RELAÇÕES SOCIAIS POSITIVAS

Com o tempo, as classes sociais deixarão de existir. Assim como é absurdo o racismo, o machismo; será considerado parte de um passado bárbaro a humanidade dividida em ricos e pobres, em castas, em dominantes e dominados. Todos serão parte da “classe dominante”, pois todos terão tempo livre para dedicar-se ao trabalho intelectual, e ao manual de modo lúdico. Haverá apenas indivíduos em comunidade, juntos em sua individualidade completa. A afirmação do individual, o pleno desenvolvimento do indivíduo, será, ao mesmo tempo, o pleno desenvolvimento da sociedade, ambos evoluindo unidos. Como será uma sociedade da abundância organizada, a inveja será muito menor e, quando houver, terá, em geral, forma construtiva, de ir para frente, de ser como aquele outro – não destrutiva.

O desemprego será proibido por uma escala móvel de tempo de trabalho – jornada curta, menor ou maior, como de 2 a 4 horas por dia de segunda à sexta, de modo que todo o trabalho disponível será dividido por todos os postos de trabalho disponíveis; pleno emprego constante; trabalhar menos, trabalhar todos.

 

RELAÇÕES SOCIAIS NEGATIVAS

Os humanos serão divididos em castas fixas, imóveis. Como veremos, sequer terão contatos visuais entre eles, os diversos e opostos. A parte dominante será, de todo, parasita, sem contato pessoal real com as empresas e investimentos; e, vale dizer logo, não pagarão impostos enquanto a maioria, ao contrário, pagará impostos pesadíssimos. Um sistema pesado de dívida estatal, que drenará a receita, garantirá a renda parasitária. O cinismo e a guerra de todos contra todos, em meio à miséria, será normalidade, parte do cotidiano. Ter escravos sequer será uma questão social importante, pois é melhor estar desumanizado, coisificado, a morrer de fome. O desemprego crônico será regra, não exceção, a maioria.

 

A CIDADE POSITIVA

Os muros serão algo do passado, uma relíquia da quase barbárie. Em cada bairro, haverá um centro – neste, haverá creche, lavanderia e restaurante públicos e gratuitos; haverá o cinema, o palco para shows, o clube, o posto de saúde e demais serviços públicos, a área dos mais variados esportes e exercícios, o jardim, a área de artes etc. Ao redor de tal centro público, as belas casas ou, muito provável, os prédios existirão. No caso de morada em apartamentos, estes serão espaçosos, com varanda, paredes grossas, belos, com mobília completa – semelhante e melhor ao que hoje é o luxo do luxo.

O transporte será automático e gratuito, além de rápido.

 

A CIDADE NEGATIVA

Muros altos, grossos, vigiados e perigosos por toda parte. A cidade é dividida em muitas camadas por tais muralhas, às vezes segundo a casta, como o inferno de Dante. A maioria morará nas ruas, em casas abandonadas distantes, em improvisos de lar, dentro de carros velhos etc. A casta dominante terá área de golfe no quintal de casa… A tecnologia vigiará cada canto 24 horas por dia com inteligência artificial programada para controlar os cidadãos, lendo até seus pensamentos e emoções.

O transporte avançará pouco, além de caro e ruim, pois pouco interessará mudança radical aos monopólios e governos. Ruas e estradas também serão privadas, cobrando taxas de travessia.

 

MEIO AMBIENTE POSITIVO

As espécies que sobreviverão ao capitalismo serão multiplicadas com a ajuda da moderna genética; e mais, novas espécies ressurgirão e surgirão com a ajuda da tecnologia. Desde a economia planejada, também o homem encontrará novo equilíbrio com a natureza: produtos tóxicos proibidos, obrigatoriedade de grande gasto com o custo ambiental nas empresas, energia de fusão nuclear abundante em total gratuita e limpa, reciclagem e reuso de materiais quase 100% evitando extrair matéria-prima da natureza, reflorestamento rápido de início por meio dos corredores ecológicos, administração avançada do clima a do tempo, colheitas com aproveitamento máximo possível, abelhas salvas e abundantes.

 

MEIO AMBIENTE NEGATIVO

Extinção em massa dos animais de médio e grande porte, caça de todo liberada, epidemias e pandemias com alta regularidade, fim de florestas, desertificação, maior desregulamentação do clima com chuvas em falta ou em demasia, desastres causados por negligência de empresas – por anarquia social, por luta de todos contra todos da concorrência entre monopólios, porque a busca por mais dinheiro não tem limites. Escassez artificial de energia, para dar lucro, e escassez de produtos alimentícios como fonte de maior lucratividade, demanda sobre a oferta.

 

ESTADO POSITIVO

O Estado será gerido diretamente pelos trabalhadores e setores populares. Substituindo a corrupta democracia dos ricos, tudo central será decidido nos bairros e locais de trabalho por meio de assembleias de base abertas. Após decidir o importante, cada reunião geral elegerá os responsáveis pela gestão, pela implementação dos projetos aprovados, para cuidar da rotina do comitê de fábrica ou bairro. Para evitar corrupção, tais representantes terão: 1) salários limitados, evitando dependência pelo cargo e 2) mandatos perdíveis a qualquer momento se assim a próxima assembleia obrigatória regular decidir. Além disso, muitas votações serão por internet. Será parte da rotina social os debates gerais, onde todas as correntes políticas emitirão suas posições e opiniões por meio da internet e TV etc.  Os representantes nacionais e internacionais serão eleitos por voto direto dos representados, também com mandatos perdíveis e renda limitada, ademais de tempo máximo num cargo e tempo mínimo fora do mesmo de representantes gerais.

Na segunda fase, mais avançada, partidos deixarão de existir porque a humanidade já superará a divisão dos homens em classes sociais, em grupos diversos com interesses particulares. Um parlamento científico, ao lado de uma gestão de todo técnica, ajudará a gerir a sociedade de modo correto, ainda com inevitáveis polêmicas.

 

ESTADO NEGATIVO

Uma ditadura religiosa teocrática privatizará o Estado. O governo usará a tecnologia para impedir qualquer tipo, mesmo se moderado, de oposição. Ainda assim, elegerá gente “sem partido”, como representantes supostamente populares, logo corrompidos e controlados pelo poder oficial. Os serviços públicos serão escassos, quase inexistentes e nulos. O poder policial e militar será privado, com milícias bem ou mal servindo à família e à casta dirigente. Dados estatísticos serão proibidos ou, se necessários, secretos.

 

PODER POSITIVO

De início, todo o povo terá direito à formação com armas leves e pesadas, além de haver milícias operárias e populares nos bairros e locais de trabalho subordinados às assembleias populares – o exército será dissolvido no povo armado, auto-organizado e pacífico por razão da qualidade de vida e do autogoverno. Mesmo assim, no começo, um exército regular será necessário para vigiar fronteiras e evitar invasões; depois, o mundo unido e socialista dispensará de todo exércitos. O uso de armas entrará, pouco a pouco, em desuso, pois serão desnecessárias, usadas aqui e ali, vez ou outra, cada vez menos, para caça legal e limitada ou em disputas esportivas.

 

PODER NEGATIVO

Proibido qualquer armamento popular. Milícias privadas antidemocráticas dominarão bairros e favelas, cobrando um “imposto de segurança”. Servirão ao Estado teocrático e militar. Guerras serão travadas por lucro e para reduzir o número de desempregados incomodando, além de mobilizar mercenários ociosos e perigosos. Robôs de guerra avançados, na forma semelhante a humanos e animais quadrúpedes, serão a nova infantaria – sem compaixão, sem humanidade, por meio de inteligência artificial. Satélites de guerra com alta capacidade destrutiva serão usados antes do fim da civilização.

 

EDUCAÇÃO POSITIVA

Com a ajuda da internet, a educação será fonte de prazer e impulso. Haverá esforço máximo da sociedade para o aprendizado ativo, qualitativo e rápido. A autonomia do indivíduo será estimulada, e sua capacidade de cuidar de si próprio, e seus interesses e talentos inatos. O respeito à autoridade será ensinada, mas de modo crítico e respeitoso aos mais velhos e aos sábios, nunca uma subordinação ou desestímulo ao pensamento próprio. A maior parte da humanidade será erudita, muitos cientistas, haverá partidos de teorias químicas ou de teses sobre o mundo quântico; e todos terão, pelo menos, uma formação filosófica, científica, artística, prática e humana séria, básica. A constituição mundial do futuro dirá: Todo cidadão tem o direito e o dever de conhecer as conquistas científicas, racionais e emocionais da história de sua espécie.

 

EDUCAÇÃO NEGATIVA

As escolas militares serão regra, dominarão. A educação terá por base decorar, repetir, tornar a alma dos jovens como certa máquina. Trabalho qualificado será desnecessário. Proibido história, geografia, filosofia e sociologia reais, tal como devem ou deveriam ser. As poucas escolas serão particulares, para poucos, da casta dominante – a absoluta maioria será analfabeta ou semi. Como dito, será proibido mera menção a Einstein, Darwin, Freud, Marx, Engels, Hegel, Lenin, Trotsky, além de tantos outros. E a ciência ainda existente será quase de todo aplicada, nunca de base (ou seja, conhecer o como, nunca o motivo interno dos fenômenos). Apenas a arte religiosa será permitida.

 

PSICOLOGIA POSITIVA

Como o trabalho duro será de pouco tempo, quando for inevitável; como o tempo livre para a criatividade e para o ócio será alto; como a qualidade de vida e o acesso aos produtos serão plenos; como a vida em grupo será comum e natural; como os tabus e preconceitos serão superados, como a relação com a sexualidade; a essência humana será realizada, a vida psicológica será de boa qualidade, apesar de ainda imperfeita.

 

 

PSICOLOGIA NEGATIVA

Onda de suicídio por miséria material e espiritual; uso desregulado, não apenas recreativo, de drogas; alta solidão; luta de todos contra todos, desconfiança e paranoia constantes; banalização do absurdo; epidemia de estupros e assassinatos; terrorismo desprovido de objetivo, por pura revolta sem projeto.

    

CORPOREIDADE POSITIVA

Os corpos humanos serão belos e proporcionais. Do nosso ponto de vista, serão como os elfos da mitologia de Tolkien. Serão fortes, mas não de músculos inchados de modo desproporcional. A estrutura óssea será grande e larga, e as pessoas serão muito altas. Algo raro encontrar alguém feio, pois a pobreza é, muitas vezes, a mãe da feiura. O envelhecimento será saudável, adiado por muito tempo, e digno; porque, entre outros motivos, haverá demora para envelhecer. Mudanças genéticas responsáveis e não racistas ajudarão no desenvolvimento admirável e saudável dos cidadãos. Talvez, remédios simples para obter imortalidade prática serão possíveis. O cérebro será cada vez maior e mais complexo.

 

CORPOREIDADE NEGATIVA

Será comum gente com membros amputados por razão de acidentes de trabalho, além de cicatrizes das torturas na escravidão. Os corpos serão ainda mais desproporcionais do que já hoje são. A obesidade sem nutrientes de uns acompanhará a magreza excessiva de muitos. Assim, desagradável olhar um ser humano se poderemos falar em tal espécie ainda. Além das doenças comuns nos órgãos internos, doenças de pele serão fartas. Por fome e trabalho duro desde a infância, o tamanho médio dos “cidadãos” cairá geração após geração. O tempo de vida médio também será reduzido com o passar dos anos. O cérebro será, em geral, cada vez menor e frágil em sua complexidade.

 

A tendência ao negativo empurrará para a possibilidade da revolução vitoriosa, que forçará o positivo; a partir de certo ponto, porém, se o negativo consolidar suas bases, será impossível o revolucionamento total da sociedade. Ao que parece, temos poucas décadas para decidir nosso futuro. Olhando assim, a escolha é óbvia e clara – porém exige esforço.

Socialismo ou extinção!

Poder operário, camponês e popular!

Organize a tua revolta!

Trabalhadores de todos os países, uni-vos!

 

A CRISE SISTÊMICA – RESUMO

A crise sistêmica é, em outras palavras, aquilo que Marx diz quando o desenvolvimento de um modo de vida chega a um ponto em que as forças produtivas (técnica, homem, natureza etc.) entram em contradição vital para com as relações de produção (classes etc.) e, também com suas superestruturas (Estado etc.). É a segunda época, de declínio, de todo sistema econômico-social.

O comunismo é o fim

 

1)  Da propriedade privada,

2)  Das classes,

3)  Do Estado,

4)  Da família monogâmica.

 

O trabalho hercúleo da humanidade de superar tais elementos de sua pré-história é facilitado, se podemos falar em facilidade, pelas suas crises estruturais, uma crise sistêmica.

A propriedade privada burguesa entra em sua fase final com a redução da massa global de valor, com a queda da taxa de lucro em seus limites históricos até meados deste século.

As classes principais sociedade, a burguesia e o proletariado, afastam-se da produção, o que gera uma burguesia parasitária, classe social fictícia em certo sentido, e massa enorme de desempregados com dificuldade de realizar-se enquanto classe.

O Estado é corroído pela própria lógica de lucro, e enquanto este se torna mais difícil, por meio da dívida pública crescente, da urbanização, da indústria bélica, etc. Por outro lado, as condições para o Estado socialista fenecer estão imensamente maduras.

A família monogâmica entra em crise com o desenvolvimento tecnológico (anticoncepcional, etc.), com a urbanização, etc.

Como observamos, a mesma base material – o motor são as mudanças na produção, o aumento da produtividade centralmente – motiva os diferentes aspectos da crise sistêmica, que podem ser abstraídos e tratados separadamente apenas pelo pensamento. Dentro da realidade, amadurecem juntos e combinados, ainda que em ritmo desigual. Estamos, portanto, no ponto crítico de nossa espécie, do ser social. O cálculo histórico bifurca-se em duas possibilidades latentes e opostas: ou libertamos a humanidade e a natureza ou abriremos a transição para o fim civilizacional e, talvez, de nossa própria existência biológica.

Hegel diz isto: “Se todas as condições de uma Coisa estão presentes, então ela entra na existência.” (Hegel, 2017, p. 130) É o nosso caso? Todas as condições para a transformação do capitalismo, por dentro de si mesmo, em socialismo estão aí? Coloquemos de outro modo: todos os aspectos vitais da totalidade capitalista amadureceram ao seu máximo? Hegel também diz:

 

O quantum, uma vez que é tomado como um limite indiferente, é o lado no qual um ser aí é agredido insuspeitadamente e é direcionado para seu sucumbir. É a astúcia do conceito de capturar um ser aí nesse lado, onde a qualidade do ser aí não parece entrar no jogo, - e, com efeito, de tal modo que o aumento de um Estado, de um patrimônio etc., aumento que provoca o azar do Estado, do proprietário, até aparece, inicialmente, como sua sorte. (Hegel G. W., 2016, p. 360)

 

Seguimos tal linha do máximo desenvolvimento. Agora, faremos um esforço de resumir teses fundamentadas em outra oportunidade:

1.  O comércio atingiu seu máximo extensiva e intensivamente no mundo.

2.  A produção atingiu seu máximo ao fundamentar uma superprodução crônica latente.

3.  As finanças atingiram o ápice com o grande domínio do mercado financeiro – uma poderosa bolha de capital fictício formou-se.

4.  A produção automatizada e robotizada encerram o trabalho manual direto sobre a matéria-prima.

5.  A taxa de lucro real tende a quase zero até meados deste século.

6.  O investimento tende a cair pela contradição entre forças produtivas e as relações de produção.

7.  Passamos de crises leves com largo crescimento (de 1945 até 1974) para quase estagnação, transição, com crises mais duras (década de 1970 até 2008) para, então, chegar à fase das crises longas e/ou duras com crescimentos fracos e/ou breves (desde 2008).

8.  O dinheiro perdeu a sua medida e é criada artificialmente pelo Estado.

9.  A urbanização atingiu seu quase máximo – o máximo é relativo – em países e regiões centrais, além de a população urbana ter superado a população rural pela primeira vez na história da humanidade.

10. A concentração de operários e setores populares na urbanidade impulsiona as revoltas sociais.

11.            Tanto a burguesia quanto o operariado afastam-se da produção, e demais setores, por financeirização e desemprego, como sinal do fim das classes.

12.            As fronteiras nacionais são desgastadas porque o capital impõe a internacionalização.

13.            Na luta anárquica por lucro, o meio ambiente entra em severa crise.

14.            Surgem diferentes formas potenciais de epidemias e pandemias – como a combinação de urbanidade e grande fluxo humano com desigualdade social, a má distribuição de futuro na sociedade.

15.            A atual alienação degenera a psique humana, como os enormes casos de depressão no mundo.

16.            A arte entra em crise relativa porque o cinema, a TV, os jogos de videogame, as séries e outras distrações novas marginalizam as demais artes.

17.            A família monogâmica entra em crise com os anticoncepcionais, a urbanidade, mercadorias que facilitam o trabalho doméstico etc.

18.            Surge o despotismo esclarecido burguês, como os governos de esquerda para diminui a pressão das classes trabalhadoras sobre a sociedade.

19.            O Estado entra em crise ao manter artificialmente o sistema, ao prolongar sua decadência: dívidas públicas como se estivesse numa guerra, privatizações, urbanidade alta exigindo mais gastos e mais pressão dos trabalhadores etc.

20.            A essência das forças armadas são os infantes, a infantaria – mas a disputa entre Estados obriga investimento na parte material, pesada, das forças, o que os coloca sob riscos diante de exércitos subversivos ou de países atrasados (armas semicaseiras podem inutilizar um caro tanque de guerra).

21. A ciência encontra limitações sob o capital em decadência, além de esgotar seus atuais paradigmas; o grau de desenvolvimento científico altíssimo permite um conhecimento profundo da natureza e da história dos seres inorgânico, biológico e social. Eis as bases para uma nova revolução científica.

 

Reforçamos que, em geral, o aumento da produtividade está como causa central da crise sistêmica em seus diferentes setores. Ademais, os limites absolutos são, eles mesmos, além de aproximativos, relativos, ou melhor, relativamente relativos.

Kurz percebeu a crise da produção de valor, esta a riqueza na forma capitalista, porém a exagerou com seu típico impressionismo, evitando perceber a mediação, a contratendência da tendência ao (quase) fim do trabalho manual. Mèszaros percebeu uma superprodução crônica no ocaso do capital, focando na riqueza geral de toda forma de sociedade, o valor de uso (e sua necessária e contraditória relação para com o valor – enquanto Kurz passa, a inverso, do valor para o valor de uso); porém também caiu em impressionismo teórico, com sua crise permanente, estrutural, com sua reprodução apenas destrutiva; o que temos, na verdade, é superprodução crônica, mas latente, crises cíclicas cada vez mais duras, cada vez mais intensas (além de outras formas de crise da crise sistêmica). A verdade de ambos, a fusão, está no aumento da produtividade, com as forças produtivas em contradição com as relações de produção e suas superestruturas (tal contradição, lembramos, em momento algum foi premissa, mas conclusão da pesquisa). Cada um observou de modo unilateral um dos lados da verdade. Enfim, Roberts, limitado à fenomenologia, percebeu uma grande depressão com a queda significativa da taxa de lucro – que tende a próximo de zero, portanto ao limite absoluto, até meados deste século.

Isso leva ao caráter deste livro. Um jovem autor marxista tem a obrigação da humildade, mas é duas vezes mais obrigatório dizer as coisas tal como são, na sua medida precisa. O marxismo passou por 5 grandes revoluções ortodoxas; entre elas, ocorreram importantes reformas teóricas, mas parciais. A primeira revolução foi a fundação e consolidação do marxismo por Marx e Engels. A segunda ocorreu por meio de Lenin – teoria do imperialismo, teoria do reflexo, teoria do partido. A terceira, por Trotsky – teoria da revolução permanente, lei do desenvolvimento desigual e combinado, teoria da curva de desenvolvimento capitalista, teoria da burocratização, programa de transição, a estética, a moral etc. (ele foi inferior a Lenin na política, mas superior na amplitude de suas contribuições). A quarta, por Lukács – estética, crítica do irracionalismo filosófico, resgate (e atualização) do método dialético (causa e acaso), reificação e ontologia. Entre Trotsky e Lukács ocorreram grandes reformas teóricas, embora dificultadas pelo estalinismo, e despois deste último teórico – em principal: resgate de Gramsci, Lefebvre, Moreno, Mandel, Kurz, Mèszáros e os teóricos da dependência; além deles, houve avanços significativos na psicologia, quase revoluções. Mèszários e Kurz fizeram contribuições, reformas pré-revolucionárias, preparando o caminho. Este livro que o leitor tem em mãos é a quinta (terceira, como veremos) revolução por dentro do marxismo. Inexiste nas últimas décadas contribuição semelhante em quantidade e qualidade, em profundidade. Quase todos os aspectos e temas do marxismo foram atualizados e corrigidos. Mas isso tem seu risco, pois a originalidade, ainda mais se correta, costuma ser acompanhada da marginalização. Um novo marxismo, ainda ortodoxo, que preserva as contribuições e conquistas do passado, está surgindo.

Cada curva de desenvolvimento do capitalismo, quando começa a transição e o declínio, inicia revoluções no marxismo ortodoxo: a primeira curva produz, por assim dizer, não apenas de modo metafórico, Marx e Engels; A segunda, Lenin, Trotsky e Lukács (além de Gramsci etc.); a terceira, Mészáros, Kurz e, enfim, esta obra. Nesse sentido, temos três revoluções, cada uma correspondente a uma das três etapas do capital, cada revolução industrial etc. Embora pareça improvável, dada a profundidade intensiva e extensiva dente livro por exemplo, talvez as próximas revoluções socialistas ou a continuidade do aprofundamento da precarização na vida comum aprofundem a última revolução interna marxiana.

Marx e Engels apenas poderiam surgir na Alemanha (superestrutura) – com sua ânsia modernizadora, combinação e contradição de avanço e atraso, tradição filosófica etc. – desenvolver-se na França (estrutura, classes e relações de) e consolidar-se na avançada Inglaterra (infraestrutura, economia). Trotsky e Lenin apenas poderiam produzir desde a Rússia com seu desenvolvimento desigual e combinado, com altíssimas contradições, com dura ditadura czarista, com sua combinação de oriente e ocidente etc. A preparação da terceira revolução marxista só poderia surgir na Europa da terceira revolução industrial, mas teria muito mais oportunidade e facilidade de desenvolvimento num país como Brasil, com forte classe operária, tradição de grandes lutas, democracia burguesa, decadência e desenvolvimento máximo de seu capitalismo não imperialista, diversidade, vocação internacionalista, país muito dialético (na realidade e no pensamento), dura presença da pobreza, pluralidade de marxismos etc.

As revoluções dos anos 1820 a 1848, de base econômica, formaram Marx e Engels. A revolução russa alçou Lenin, Trotsky e Lukács (além de outros menores, mas de forte produção). A crise sistêmica enfim iniciada deu origem a Kurz, Mèszaros e esta obra – a próxima grande revolução estimulará tal movimento.

Os textos a seguir visam dar um passo decisivo na consolidação do marxismo ortodoxo como visão de mundo definitiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TESES SOBRE A CRISE DE ABSTRAÇÃO

 

1.      Os diferentes capitais e suas formas tendem à unificação  parcial e total.

2.      O capital fictício rompe sua medida, ainda que de modo relativo, hiperflaciona-se, ganha autonomia artificial.

3.      O trabalhador é afastado ou alienado de seu trabalho alienado por robotização, automação. Há crise por redução do valor, do trabalho abstrato.

4.      O dinheiro desloca-se de sua relação direta com sua base material, perde sua medida.

5.      Pela dívida, o consumo imediato abstrai-se da realização imediata do valor da mercadoria.

6.      A união urbana agrega os antes separados, mas isolada o indivíduo.

7.      Os estados nacionais mal resistem à tendência de integração.

8.      O homem rompe com a natureza.

9.      O isolamento do homem da comunidade, dos oturos e de si o adoece.

10.  O estado abstrai-se de sua sociedade como com a profissionalização das forças militares.

11.  A arte deixa de ter matéria-forma-conteúdo – torna-se arte abstrata, falsa arte.

12.  A moral torna-se abstrata, abstrai-se.

13.  A mercadoria abstrai-se, perde materialidade, perde conteúdo, há fusão concreta de valores de uso exigindo menos valor e trabalho.

14.  A burguesia afasta-se do capital a partir do qual tem lucro

 

Não são todos os casos nem todos os tratados nesta obra – mas servem de referência e aproximação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Isso não inteiramente verdadeiro para nomes de pessoas. O nome próprio sugestivo pode influenciar a personalidade de um indivíduo porque: 1) a criança tem uma lógica rígida, confundindo o significado e o significante (se me chamo flor, logo uma flor sou); 2) somos todos sugestionáveis em algum nível, tanto o portador do nome quanto as pessoas em volta; 3) o nome pessoal ajuda a formar o eu, a perceber-se como um outro em relação ao meio. São muitos os casos “isolados” ou “coincidências” quando o nome próprio influencia o destino de alguém, servindo para chegar à mesma tese por indução, não apenas por dedução.

[2] A expressão conceitual “força de trabalho”, usada por Marx, deve ser substituída por “energia de trabalho”. Entre outras tantas definições corretas, energia é “capacidade de trabalho”. A categoria força entra em crise categorial.

[3] Como o adjetivo “plástico” realizou, no grande desenvolvimento das coisas, sua substantivação por meio do material chamado “plástico”, com variadas possibilidades de uso, derivado do petróleo.

[4] Isso merece uma consideração extra, um adiantamento ao leitor. Porque o trabalho é natural, até necessidade natural,  não se deve deduzir por isso e sem mais que é eterno em si. Mas se um robô humanoide produz um valor de uso industrial, ele trabalha… Sim. trabalho objetivo (em contraposição ao subjetivo, ou humano, ou manual) subordinado, grosso modo, ao trabalho intelectual subjetivo e criativo. O trabalho tem fim e não tem fim ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. A crítica do valor, fim do trabalho, e a ontologia marxista de Lukács, eterno trabalho, estão ao mesmo tempo certos e errados, nem certos nem errados. Se o trabalho é natural em vários aspectos, o socialismo é uma ruptura (com reunião, claro) com a natureza, ser mais social, menos natural, ou seja, mais afastado do trabalho como condição de sua natureza. O trabalho duro, repetitivo e alienante é para as máquinas – mas é trabalho ainda, de novo tipo, ou seja, socialista, ou seja, o domínio dos homens sobre o mundo das coisas, nunca mais o inverso. 

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