REFLEXÕES SOBRE O
CAPITAL
O marxismo
oficial dos partidos são, em geral, presos ao imediato, ao empírico, são
avessos, na prática, à abstração da filosofia. Tal defeito deve-se, em parte,
por baixa formação teórica, por incompreensão da natureza do marxismo em sua
raiz. Muitos autores de nossa corrente, portanto, giram em torno do mesmo eixo,
repetem fórmulas batidas, olham sem ver, reafirmam posições “consolidadas” como
um devoto deve rezar a mesma reza de sua igreja.
Sem máxima
ousadia responsável, sem ver e ser a vanguarda do pensamento, o marxismo terá
dificuldades de se renovar por dentro da ortodoxia. O que os marxistas têm a
dizer, por exemplo, do fato de robôs militares tenderem a ser colocados em
prática no futuro próximo? É uma questão militar, política, filosófica e
científica ao mesmo tempo. Nós chegamos ao futuro, embora ele esteja
desigualmente distribuído. Há uma diferença enorme entre os séculos 19 e 21,
embora sua internalidade, sua lógica, esteja, no geral, preservada.
Um
intelectual marxista nunca deve levar sua pesquisa por meros desejos pessoais,
embora eles sejam importantes e motores subjetivos. Deve-se escolher temas e
projetos difíceis porque são aquelas lacunas ainda não resolvidas, esboços
ainda não desenvolvidos, problemas urgentes da teoria e da prática. Por
exemplo: inexiste uma Ética marxista na nossa filosofia, para além daquilo
feito por Trotsky, também por Lukács ter morrido antes de concluir tal projeto
de obra. Na falta de gênios entre nós, resta-nos o trabalho coletivo, mesmo que
indireto, por meio de elaborações ativas, ainda que possam estar, em boa parte,
erradas; precisa-se tentar ao menos, colocar sob crítica e, se necessário,
produzir novas sínteses. A covardia acadêmica de modo algum nos interessa.
Sobre o tema
deste capítulo, tais parecem ser as obras e autores que oferecem o essencial
sobre o Capital de Marx, sua maior compreensão: “Tempo, trabalho e dominação
social: Uma reinterpretação da teoria crítica de Marx” – Moishe Postone; “Gênese
e estrutura de O Capital” – Roman Rosdolsky; “Marx e o Fetiche da Mercadoria:
Contribuição à Crítica da Metafísica” – Jadir Antunes; “A teoria do dinheiro em
Marx” e “Teoria marxista do valor” – Isaak Illich Rubin; “Crise do valor de
troca” – Kurz; “Sentido da dialética – Marx: lógica e política”, tomos I, II e
III – Ruy Fausto (por acréscimo, indico ainda os artigos de Reinaldo Cacanholo
e Eleutério Prado). De qualquer modo, nada substitui a leitura direta,
repetitiva e atenta da obra em si. A seguir, temos observações que servem para
aprofundar o sentido deste livro.
As reflexões
sobre “o capital”, aqui, têm duplo sentido: sobre a obra de Marx e sobre o
objeto de estudo. A “Crítica da economia política” de Marx, subtítulo de sua
grande obra, não é apenas uma crítica gnosiológica, das teorias, mas também da
economia política real, factual, ontológica, ou seja, crítica do valor, do capital
e do capitalismo
VALOR E NADA
Por muito
tempo, a categoria valor foi confundida com a categoria preço. Apenas teóricos
posteriores absorveram a noção de valor como algo qualitativo, além do mais,
que não é o preço, embora também o seja… Um raciocínio que, vale observar,
causa espanto entre aqueles fora da tradição e do pensamento dialéticos.
Desnecessário
citar diretamente aqui a famosa passagem do Livro I d’O Capital onde Marx
afirma: pode-se virar e desvirar a mercadoria, mas não será encontrado nem um
átomo de valor dentro de si. No entanto, ele existe sem ser empírico:
O valor do ferro, do linho, do trigo etc., Apesar
de invisível, existe nessas próprias coisas... (Marx, O capital I, 2013, p.
170)
O valor para
Marx poderia ser subjetivo ou metáfora, uma ficção útil? Vejamos em outra
ciência. Ainda hoje, os físicos insistem que o conceito energia é apenas para
uso prático, que ela, a energia, não existe no mundo real… Os críticos de Marx
que o acusaram de fazer metafísica na economia entenderam mais do que se trata
o valor que gerações quase inteiras de marxistas.
Se o valor
existe, mas é empiricamente invisível, o que, de fato, é ele? Além de
substância social, podemos conformar mais uma resposta. A mercadoria ou o
capital é o ser – enquanto o valor é o nada. O nada está dentro do ser, o ser
põe o nada, são unidade e diferença em devir, em vir a ser, em movimento. O
processo de valor que se autovaloriza, ou seja, capital, encontra-se como outro
aspecto:
O devir dentro da essência, seu movimento
reflexionante, é, por conseguinte, o movimento do nada para o nada e, através
disso, de retorno a si mesmo. (…) O ser é apenas como o movimento do nada para
o nada, assim ele é a essência… (…) Essa pura e absoluta reflexão, que é o
movimento do nada para o nada, determina ulteriormente a si mesma. (Hegel,
2017, p. 43)
O nada é
esta essência do capitalismo, da mercadoria e do capital – como essência, é
nada. Quando um crítico diz que o valor não é nada ao afirmar sua inexistência,
de certa forma tem razão ao mesmo tempo em que erra completamente. O valor é
nada que, no entanto, em nossa sociedade, é tudo – logo também é o seu oposto,
o ser.
Capital é a
forma de ser do valor, do nada. Neste sentido, Marx destina uma seção inteira a
um único capítulo chamado “A transformação do dinheiro em capital”, que, visto
pela essência, é transformação do valor em capital, em valor-capital.
Que exista
mercadoria sem valor (terra virgem etc.) e capital fictício, também sem valor,
apenas mostra que a substância ou o nada impera, domando a natureza do ser como
mercadoria ou como capital – o que faz uma contradição entre “massa e energia”
da qual falaremos em outro capítulo.
O princípio
é o princípio. Hegel começa sua Lógica com o começo da filosofia, da lógica e
do próprio mundo – a relação ser, nada, devir. Da mesma forma, avança Marx em
sua obra. E o começo tem de ser o vazio, o sem qualidade como sua qualidade.
Destacamos
que a citação de Hegel anterior é presente na Doutrina da Essência, livro II da
trilogia em Ciência da Lógica. Porém o ser-nada inicia a primeira obra, A
Doutrina do Ser. Por que fazemos tal observação? Ora, o nada é deduzido do puro
ser, do ser sem determinações, oco por assim dizer. Como, por outro lado, é
extraído o valor do valor de uso? O leitor já deve imaginar: pela exclusão de
todas as características, determinações, das mercadorias:
Abstraindo do valor de uso dos corpos-mercadorias,
resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho. Mas mesmo o
produto do trabalho já se transformou em nossas mãos. Se abstrairmos de seu
valor de uso, abstraímos também dos componentes e formas corpóreas que fazem
dele valor de uso. O produto não é mais uma mesa, uma casa, um fio ou qualquer
coisa útil. Todas as qualidades sensíveis foram apagadas. E também já não é
mais o produto do carpinteiro, do pedreiro, do fiandeiro ou de qualquer outro
trabalho produtivo determinado. Com o caráter útil dos produtos do trabalho
desaparece o caráter útil dos trabalhos nele representados e, portanto, também
as diferentes formas concretas desses trabalhos, que não mais se distinguem uns
dos outros, sendo todos reduzidos a trabalho humano igual, a trabalho humano
abstrato. (Marx, O capital I, 2013, p. 116)(Marx, 2013, 116.)
O fato de o
produto “não ser mais uma mesa, uma casa…”, está perdendo seu caráter de ente
enquanto expressão de um Ser, está caindo no nada. E Mais:
Consideremos agora o resíduo dos produtos do
trabalho. Não restou deles a não ser a mesma objetividade fantasmagórica, uma
simples gelatina de trabalho humano indiferenciado, isto é, do dispêndio de
força de trabalho humano, sem consideração pela forma como foi despendida. O
que essas coisas ainda representam é apenas que em sua produção foi despendida
força de trabalho humano, foi acumulado trabalho humano. Como cristalizações
dessa substância social comum a todas elas, são elas valores — valores
mercantis. (Idem, 116.)
De agora em
diante, o ser e o nada estão em comunhão com o valor e o capital. Não por
acaso, valor e valor de uso (mercadoria) iniciam O Capital assim como ser e
nada iniciam a Ciência da Lógica. É uma ironia, típica da história, que valor
seja igual a nada.
O valor
econômico, enquanto nada social, difere-se do nada natural. Neste, o ser tem o
nada em si como definhamento, perecer, decomposição. No valor social, ao
contrário, o valor definha se o objeto em que ele está definha; se a máquina
desgasta-se, perde valor; se a mercadoria é destruída pelo consumo, seu valor é
destruído.
Um filósofo
ao modo grego, sem limites e critérios criativos para especulação, simpático à
loucura, poderá afirmar: o valor – para além de substância enquanto relação
social – pertence a uma quarta dimensão espacial, dimensão esta responsável
pelo infinito, a energia e, manifestando-se, pelo tempo. Porém a ciência e a
filosofia negam, hoje, tais absurdos, com clara razão.
Enfim, Marx
afirma, reforçando nosso argumento, que o valor é real enquanto o preço,
manifestação inconstante daquela, é ideal.
Reforcemos
nossa pista dedutiva. Marx trata no capitulo 1 da substância, da magnitude
(grandeza) e da forma do valor. Pois bem; ele toma estes aspectos dos antigos
atomistas, que diziam que o átomo, o fundamental da realidade, tinha três
características, exatos a substância, a magnitude e a forma. Mas o pulo do gato
é ainda outro: para os atomistas, havia apenas o átomo e o vazio, sendo que o
vazio faria o átomo. A mercadoria é, portanto, o átomo; o valor, o vazio ou o nada
– a energia.
TEORIA DO
FETICHE
Quando
falamos em fetiche da mercadoria, muitos imaginam uma crítica ao consumismo, à
adoração dos produtos, ou algo semelhante. Essa forma sugestiva de interpretar
está de todo errada. O fetiche ou feitiço é uma teoria sofisticada de Marx, por
isso devemos ir-nos aproximando dela, passo a passo.
Em resumo, o
fetiche ocorre na sociedade quando relações sociais aparecem como relações de
coisas, entre coisas, como propriedade das coisas. Chamamos coisificação ou
reificação. Marx usa a palavra fetiche da nossa língua portuguesa, pois ela
significa dar poder sobrenatural a um objeto, como os tribais venerando uma
criação sua, o totem (uma escultura de madeira).
Fetiche da
mercadoria: troca-se trabalho por trabalho, mas parece ser troca de coisa por
coisa, mercadoria por mercadoria. Parece que se está comparando e igualando
coisas, não trabalhos. Uma casaco = 3 quilo sde uva.
Antes de Marx
expor o dinheiro, mostra que as trocas anteriores eram casuais, raras, ao
acaso, e aconteciam pela trocabilidade de certa mercadoria por quantidade de
outra. Por exemplo: 1 braça de linho = 2 casacos. Veja-se que o valor do linho
(que, lembramos, deriva do trabalho) é expresso no valor de uso de outra
mercadoria, 2 casacos. Pois bem; parece
uma propriedade natural do casaco ser expressão do valor do linho, parece
ser de sua natureza material, natural, não social. Isso ficará mais claro
demonstrando outras formas de fetiche.
A mercadoria
tem valor, mas parece ser uma
propriedade natural da mercadoria ter seu valor, como se não fosse
determinado socialmente. O valor tem como sua substância o trabalho abstrato
(indiferenciado, igual, controlado pelo tempo) e sua grandeza no tempo de
trabalho socialmente necessário – mas isso nunca fica claro no mercado, na
troca. Foi preciso milênios de trabalho científico para, enfim, Karl Marx
tornar evidente a propriedade social desse objeto, o valor. O que é uma relação social aparece como coisa,
propriedade da coisa, ou relação entre coisas. O que é uma propriedade
social da mercadoria, seu valor, aparece como natural dela mesma.
Marx fala de
um investidor que leva máquinas, ouro e matéria-prima para a Austrália na intenção
de lucrar em novo ambiente. Porém tudo deu errado, pois era-lhe difícil
disciplinar os trabalhadores – isto é, era preciso condições sociais de
trabalhadores desprovidos de tudo, que necessitassem de um emprego, para o
capitalismo prosperar. O patrão pensou – e isso é típico do fetiche – que o
capital é maquinário, matéria-prima, dinheiro, ou seja, coisas, que as coisas
lhe dão poder e riqueza. Na verdade, o
capital é uma relação social entre pessoas que é coisificada, intermediada
por coisas. A propriedade social parece
coisal.
Para que
fique mais clara a teoria do fetiche, pensemos no poder do ouro. Parece uma
propriedade natural do ouro, assim que é extraído do fundo da terra, sua
capacidade de ser a riqueza por excelência. Parece uma força que vem do objeto em si, natural. A verdade é que
para extrair esse metal é necessário muito trabalho humano, logo muito valor,
por isso parte de sua importância; além do mais, passou a ter função útil para
o mercado porque era muito uniforme e poderia ser dividido ou fundido com
facilidade, o que ajudava a expressar o valor das demais mercadorias (já um
casaco nunca poderá ser cortado e remendado à vontade). O que é uma dádiva social, o valor, aparece, no entanto, como algo
natural do objeto. Aí entra o fetiche ou feitiço do dinheiro como se ele
tivesse valor em si mesmo, como se fosse ele que desse valor às mercadorias,
não as mercadorias dessem ao dinheiro seu papel, ou seja, como se o dinheiro e
seu valor nunca fosse uma derivação do trabalho.
Vejamos
outro caso. A riqueza social capitalista vem do trabalho e, mais exatamente, do
mais-trabalho, do mais-valor, do trabalho não pago ao trabalhador, portanto,
trabalho gratuito – roubado. Porém, no capital produtor de juros, tudo aparece
assim: D-D’, dinheiro que gera mais-dinheiro.
E pronto. Parece que uma coisa, o
dinheiro, reproduz a si mesma sem mediação social do trabalho, a verdadeira
fonte de toda riqueza (junto com a natureza, a “terra”). No D-D’ dos bancos, há
o máximo fetiche e coisificação (reificação). Nessa fórmula, D-D’, apaga-se toda ideia de relação social
realmente existente e inicia uma relação entre coisas. Chega-se ao absurdo
de acontecer campanhas de propaganda oferecendo a multiplicação do seu dinheiro
misteriosamente do nada se se investe no mercado financeiro.
Os
economistas vulgares falavam de fórmula triática: o capital, máquina ou
dinheiro, gera o lucro ou juros; o trabalhador e o trabalho geram o salário; a
terra gera a renda da terra. Mas coisas não geram valor, não geram lucro – apenas o trabalho produz mais-valor, lucro,
renda da terra e salário.
Enfim, a
teoria do fetiche deriva da teoria da alienação, que tratamos em outro
capítulo. Os homens e suas relações são coisificados e as coisas são
humanizadas, ocorre uma relação social como se, sendo, relação social entre
coisas.
Reforçamos:
a ciência, em geral, cai em erros opostos: a teoria fetichista e a teoria
relacionalista. O espaço seria relacional; tudo, construção social; o valor,
fruto da troca etc.
Para
pesquisa especializada, há que ver se há fetiche, ou outro tipo de fetiche,
análogo, em outros modos de produção. No escravismo, o escravo é considerado
ferramenta, embora falante, coisa, como se capital fixo (reificação). No
feudalismo, uma dependência social entre senhor feudal e servo aparece como se
o servo fosse ligado diretamente à terra, à coisa, ao natural, não numa relação
de homens, embora fosse uma relação mais direta e transparente do que o confuso
capitalismo. O servo não poderia abandonar a terra, como se em cordão umbilical
com ela, como se fosse algo natural estar ali; mas logo passou a ser expulso de
modo traiçoeiro por excomungação jurídica da Igreja, em nome oculto da classe
dominante.
CONTRADIÇÃO
VALOR-CAPITAL
Em outra
oportunidade, afirmei que há uma contradição essencial na realidade
capitalista, implícita na obra de Marx: a contradição entre valor e capital.
Por comum, os marxistas consideram eles como somente mesmos, ou pensam o valor
como apenas preço e quantitativo, ou ficam totalmente na categoria real capital
deixando de lado a centralidade do valor. Diz-se que uma grande obra exige
interpretações por parte dos especialistas, mas devemos nos ater ao dito pelo
autor e, se necessário, atualizar sua contribuição.
A
contradição entre valor e capital cresce na medida em que este se torna aquele,
em que o nada se torna o ser em devir, em que a energia se torna massa. A forma
evidente no Livro I d’O capital é a tendência dupla, mas oposta de: 1) o
capital tentar ao máximo elevar a extensão da jornada de trabalho, embora os
limites humanos, o que faz produzir ainda mais valor e mais-valor; 2) de outro,
com novas máquinas, diminuir a quantidade de operários na produção, logo
atuando para reduzir a massa de valor e mais-valor na empresa e na sociedade.
Colocar um capital novo, como ferramentas modernas, entra em contradição com a
produção de valor, que somente pode surgir do trabalho manual humano abstrato.
Como esse trabalho definha com o evolver do capital, eis a contradição de
essência no sistema.
A produção
automática ou robotizada de nossa época é a visão da tendência do futuro: o
quase fim do trabalho manual, produtor de valor. Ao definhar o valor, o capital
já não deseja ser capital – é, portanto, capital fictício, fora das relações
diretas de valor, suga valor de modo parasita, sem oferecer mais-valor à
sociedade do dinheiro.
A
contradição valor-capital é muito mais ampla. O aumento do preço da renda da
terra, que não tem valor porque não tem trabalho, logo capital fictício,
transfere, por diferentes mediações, valor da produção para este capital
parasitário. As causas disso, da inflação de tal fato, são: 1) a queda da taxa
de lucro derruba a taxa de juros, o que faz aumentar o preço do arrendamento;
2) consolidou-se a grande propriedade rural capitalista, limitando a terra; 3)
a urbanização altíssima de nosso tempo encarece, por demanda, o preço do
aluguel do solo; 4) a inflação fictícia, artificial, da moeda fiduciária de
nosso tempo, por “impressão” de dinheiro, faz valer a pena investir na terra,
que sem maiores investimentos logo dará algum lucro.
Outro
exemplo da contradição valor-capital é o setor de serviços, outro capital
fictício quando para lucro. Uma igreja, por exemplo, não produz valor desde a
oratória do pastor. Ao contrário: esse serviço, essa franquia, suga uma parte
do valor global para si de modo parasita. A inflação dos serviços em nosso
tempo produziu uma forma de crise do capital, como crise do valor – os serviços
são um capital, quando para fins de lucro, produtor de lucro, não de valor
(penso que o leitor sabe que lucro e mais-valor ou mais-valia não são a mesma
coisa, pois o lucro é apenas uma parte do mais-valor).
A
contradição valor-capital se expressa em parte como contradição entre preço e
valor.
VALOR E
TEMPO
Além de
confundir com o preço, o marxismo vulgar, intelectuais de grande prestígio,
afirma com toda certeza que “valor é tempo de trabalho”. Isso é, neste nível,
erro completo: o tempo é MEDIDA do valor – apenas e de modo inexato,
imperfeito. Se, no mesmo tempo de antes, trabalha-se com o dobro de intensidade
em relação ao dia anterior, logo o trabalhador produz o dobro de valor no mesmo
tempo. O valor vem da energia de trabalho humano manual – e é uma forma
singular, social, de energia. Pois bem; em nossa ontologia e metafísica, energia
é igual à tempo, logo, de modo tortuoso, o equívoco de confundir tempo com
valor tem grande fundo de verdade. Para Marx, tempo é algo que artificial, a
medida humana do movimento – seu estatuto real, ontológico, como aspecto do
espaço, é algo recentíssimo. O pensamento popular diz que “tempo é dinheiro”,
com algum acerto nesta sabedoria.
ERRO DE MARX
SOBRE O SALÁRIO POR PEÇA
Neste
ensaio, debatemos a defesa de Marx sobre a prioridade capitalista do salário
por peça. Como sabemos, o diagnóstico está errado, pois o salário por tempo,
não por peça, predomina no capitalismo consolidado, principalmente na produção.
Com o trabalho por aplicativo, o salário por peça ganha algum destaque, porém
permanece marginal na indústria de conjunto. Aqui, usaremos a própria letra de
Marx para apontar o motivo de seu erro. Comecemos por sua afirmação:
Da exposição precedente resulta que o salário por
peça é a forma de salário mais adequada ao modo de produção capitalista. (Idem,
p. 627.)
Está clara
aí a posição do velho alemão. Vejamos elementos da “exposição precedente” que
parecem sustentar suas afirmações:
Como a qualidade e a intensidade do trabalhado são,
aqui, controladas pela própria forma-salário, esta torna supérflua grande parte
da supervisão do trabalho. (Idem, p. 624.)
Porém, a
supervisão do trabalho – capatazes, etc. – é um custo improdutivo pequeno em
si, mesmo na indústria moderna. O salário por tempo não causa um desperdício de
recursos especial.
Ele
continua:
Dado o salário por peça, é natural que o interesse
pessoal do trabalhador seja o de empregar sua força de trabalho o mais
intensamente possível, o que facilita ao capitalista a elevação do grau normal
de intensidade. (Idem, p. 624.)
Um ponto
para o salário por peça! Há mais:
É igualmente do interesse pessoal do trabalhador
prolongar a jornada de trabalho, pois assim aumenta seu salário diário ou
semanal. (Idem, p. 625.)
Se possível,
o salário por tempo também estimula ampliar a jornada de trabalho. Mas o
argumento anterior a este, a citação antecedente, ainda não foi refutado por
nós. Vejamos o elogio e a ambiguidade de Marx:
Mas o maior espaço de ação que o salário por peça
proporciona à individualidade tende a desenvolver, por um lado, tal
individualidade e, com ela, o sentimento de liberdade, a independência e o
autocontrole dos trabalhadores; por outro lado, sua concorrência uns contra os
outros. O salário por peça tem, assim, uma tendência a aumentar os salários
individuais acima do nível médio e, ao mesmo tempo, a baixar esse nível. Mas
onde um determinado salário por peça já se encontra a muito tempo consolidado
de maneira tradicional – o que cria enormes dificuldades para sua rebaixa –, os
patrões também recorreram, EXCEPCIONALMENTE, ao procedimento de transformar forçadamente o salário por
peça em salário por tempo. (Idem, p. 626, destaque nosso.)
Onde Marx
coloca a palavra “excepcionalmente”, aconteceu como nada sutil regra… O salário
por tempo se impôs. Qual, então, o motivo? Eis, conclui-se: a luta de classes
estimulada pela citada “tradição”!
Marx diz que
o salário por peça é o método para explorar mais (idem, p 627). Mas quase diz
que isso valeu somente durante a manufatura, mas nada garantia que seria o
mesmo na grande indústria, no sistema de maquinaria.
Mostremos
mais uma citação do próprio Marx, no mesmo capítulo, onde fica cristalina a
luta de classes gerada pelo salário por peça:
Essa variação do salário por peça, ainda que
puramente nominal, provoca lutas constantes entre o capitalista e os
trabalhadores. Ou porque o capitalista aproveita o pretexto para reduzir
efetivamente o preço do trabalho, ou porque o incremento da força produtiva do
trabalho é acompanhado de uma maior intensidade deste último. Ou, então, porque
o trabalhador leva a sério a APARÊNCIA DO SALÁRIO POR PEÇA, COMO SE LHE FOSSE
PAGO SEU PRODUTO, e não sua força de trabalho, e se rebela, portanto, contra o
rebaixamento do salário, que não corresponde ao rebaixamento do preço de venda
da mercadoria. (Idem, p. 629, destaque nosso.)
Concluímos
pela comparação das citações que o salário por tempo é melhor ao capitalismo
porque melhor produz uma aparência que esconde o real estado das coisas. O
salário por tempo gera menos problemas classistas, menos luta de classes
aberta. Marx conclui o capítulo sobre o salário por peça de modo, no mínimo,
esclarecedor:
os trabalhadores vigiam cuidadosamente o preço da
matéria-prima e dos bens fabricados e são, assim, capazes de calcular com
precisão os lucros de seus patrões.
O capital, com razão, descarta tal sentença como um
erro crasso acerca da natureza do trabalho assalariado. Ele roga contra a
pretensão de impor obstáculos ao progresso da indústria e declara rotundamente
que a produtividade do trabalhador é algo que não concerne de modo algum ao
trabalhador. (Idem, p. 629.)
É preciso,
portanto, uma forma de salário que menos estimule desconcertantes vigilâncias
por parte do operariado… Por fim, Marx quase ofereceu o fato de que o salário
por tempo tem prioridade em relação ao salário por peça nesta citação com a
qual concluímos este esboço:
O salário por peça, portanto, não é mais do que uma
forma modificada do salário por tempo. (Idem, p. 623.)
Até gênios
erram. Enquanto o trabalho manual perdurar, o salário por peça é mais
apropriada ao socialismo, muito mais. (Levemos em conta que o dinheiro, com o
tempo, deixará de existir, logo também a forma-salário.) Os motivos são claros
na própria letra de Marx: 1) estimula a produtividade intensiva e
extensivamente; 2) reduz o custo improdutivo com, por exemplo, vigilância, o trabalhador
se autovigia; 3) desenvolve mais a individualidade do operário; 4) faz ele,
quase de imediato, ter atenção com o lado administrativo da empresa, agora
controlada por meio de assembleias dos funcionários. Isso cabe muito bem no
fato de que, na primeira fase do socialismo, o trabalhador ganhará segundo seu
trabalho, não segundo sua necessidade.
Em resumo: a
máquina, ao ser um produtor de desemprego sob o capital, já garante intensidade
e extensividade – sem que seja necessário salário por peça. No mais, a
burguesia exige regras gerais, incluso em lei, de exploração, uma base comum
de, mais fácil de medir e determinar via tempo, não via peça.
O salário
por tempo expressa e é resultado do trabalho abstrato e do valor sobre o
trabalho concreto e o valor de uso. Daí o lado secundário do salário por peça,
por coisa concreta. A obra de Marx trata de oposições, desde a oposição básica
e nuclear entre valor e vaor de uso, o que tem desdobramento lógico e histórico
na opositividade, também, entre salário por peça (valor de uso) e salário por
tempo (valor), a medida do movimento disciplinado.
LADROAGEM E
MAIS-VALOR
Para tirar o
peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num
aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da
qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado.
No Brasil,
imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a
possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões
pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da
rotina bárbara de seus avós ou país. Por isso, aqui é um bom cenário para dizer
de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra
civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana.
Quando um
assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor
produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso.
Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando
uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe.
A luta de
classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o
ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado épura inocência de
ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do
trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível
que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se
e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A
falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não
tenha, hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno
ao detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à organização
das forças de segurança e assim por diante.
Há algo
ainda a ser dito.
A ladroagem
é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características
da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim
da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe,
também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e
oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este
mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a
bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro;
os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda.
Nas favelas
dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários
tornam-se unidades econômicas, “feudos” capitalistas. Cumprem função de Estado,
como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram
economicamente a comunidade.
No Brasil,
como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem.
MEIO DE
PAGAMENTO NO SOCIALISMO
Na URSS, o
pagamento dos apartamentos populares era dado por meio de pequenas, quase
simbólicas, prestações mensais. Como pagar no socialismo pelos produtos, não
mais mercadorias, que exigem muito, caros? Mas o cidadão já paga o necessário
com seus serviços para a sociedade ou por seu estudo, logo o Estado deve
garantir tudo o necessário – casa ou apartamento, móveis etc. – tão logo alguém
chegue à idade adulta. O custo estatal será, no longo prazo, pequeno, pois os
produtos serão resistentes e de alta qualidade. O meio de pagamento no
socialismo e no capitalismo tem a mesma forma, mas conteúdo real oposto e
diverso, pois na sociedade socializada o dinheiro deixa de existir, os dados do
cartão não circulam ou se acumulam.
OS TRÊS
LIVROS, ESTRUTURA FUNDAMENTAL
Em minha
pesquisa, percebi que a dialética tem três categorias centrais:
1. Totalidade;
2. Contradição;
3. Movimento.
Por
coincidência, cheguei à conclusão de que esta é a organização dos três livros
de O Capital. Em O Capital, o livro I, O processo de produção do capital,
prioriza – logo não exclui os demais em si – na tríade a contradição, como com
a luta de classes, com a chamada acumulação primitiva, com as contradições imanentes
ao capital-valor, com as oposição entre extensividade e intensividade da
jornada de trabalho, e assim por diante (lembremos, porém, que contradição
dialética não é igual a conflito, como pensa-se vulgarmente, embora possa
também sê-lo em muitos casos).
O livro II, O processo de circulação do
capital, prioriza o movimento como sua categoria base primeira. Já no início
deste, Marx afirma:
O capital, como valor que acresce, implica relações
de classe, determinado caráter social que se baseia na existência do trabalho
assalariado. Mas, além disso, é movimento, processo com diferentes estádios, o
qual abrange três formas diferentes do processo cíclico. Só pode ser apreendido
como movimento, e não como algo estático. Aqueles que acham que atribuir ao
valor existência independente é mera abstração esquecem que o movimento do
capital industrial é essa abstração como realidade operante (in actu). (Marx, O
Capital - livro 2, 2014, pp. 119, 120)
Sobre, vale
um parêntese. A citação acima relaciona-se com a seguinte equação qualitativa,
categorial: o abstrato é o concreto em movimento – o valor é o capital em
processo.
O livro III,
O processo global de produção capitalista, prioriza a totalidade, logo a
totalidade que inclui, juntos, contradição e movimento de modo pleno, total. O
título de cada tomo já induz a tal conclusão, como vemos.
A seção VII,
O processo de acumulação do capital, última do tomo, do Livro I, marca a
transição para o Livro II ao aumentar o relevo da categoria movimento (e, em
certa medida, a totalidade). Já no livro II, a seção III, A reprodução e a
circulação de todo o capital social, também última do tomo, marca a entrada da
totalidade como transição para o livro III.
No mais, o
livro I demonstra o nascer e desenvolver da produção capitalista. O livro II
mostra o capital industrial em sua fase robusta, como um “adulto”. O Livro III
toma a produção como rumo ao seu fim sistêmico, como com as crises sendo
tratadas de modo explícito e a queda da taxa de lucro. Isso é, ou deveria ser,
mais evidente – se se evita cair na oposição antidialética entre exposição
lógica ou histórica; este pode estar dentro daquele.
A síntese da
obra apresenta-se assim: a polêmica sobre se a obra O Capital é “uma crítica ao
capitalismo do ponto de vista do trabalho” (Marxismo clássico) ou “uma crítica
ao caráter historicamente determinado do trabalho no capitalismo” (Postone,
2014, p. 62) é resolvida com a afirmação de que é uma “crítica do (ponto de
vista do) trabalho ao trabalho no capitalismo”. A tese e a antítese, a visão
sindicalista e a visão intelectualista, uma por dentro e outra por fora, são
resolvidas pela síntese unificadora.
CAPITALISMO
COMO TRANSIÇÃO
Tal como o
primitivismo, o escravismo, o feudalismo; o capitalismo é, de fato, toda uma
época histórica, um modo de vida completo em si mesmo. Mas, ao mesmo tempo,
trata-se de uma transição, quase mera transição, entre as sociedades de classe
anteriores e o futuro socialista.
Isso já se
montra em O Capital quando Marx afirma que a mesma máquina que produz, de um
lado, trabalho excessivo e, de outro, desemprego, também é ferramenta útil por
excelência para reduzir a uma mínimo a jornada de trabalho. Com certo exagero
relativo à robótica-automação hoje, o teórico pensou o conteúdo material como
tanto com forma social capitalista, como capital, quanto com forma socialista.
Nisso acertou e errou, pois a terceira revolução industrial é que na prática
coloca o valor em crise; mas aí, na sua elaboração, já está implícito o caráter
transicional do capitalismo.
De um lado,
o capitalismo é uma quase constante onda periódica de quebras econômicas, de
crise em crise. Isso já é sinal de seu caráter de transição e seu querer passar
de algo para outro. Mas o inverso prova ainda mais. Para o capital, pleno
emprego não é o inverso da crise, sequer seu sinal, mas é a própria crise
mesma, enquanto a “crise propriamente dita” é, na verdade, uma solução
temporária. Com o emprego pleno está posto na realidade, temos um sinal
sintomático da tendência ao socialismo: os lucros caem, os trabalhadores fazem
mais greve e têm aumento salarial, a produção está a todo vapor – isso é o
terror para a burguesia, que precisa resolver tal estado de coisas negando o
futuro, derrubando a economia contra sua tendência ao socialismo (nas greves, na
queda do lucro ,etc.).
O mais
curioso ocorre na ciência. Os ricos precisam da religião para que os pobres não
os matem, precisa da religiosidade e da ignorância científica e cultural da
massa; porém precisam, mesmo que parcialmente, não na profundidade possível, da
cientificidade para lucrar mais, para fragilizar o valor de uso, para
manipular. Temos, então, a infelicidade e o fanatismo na era do conhecimento
subatômico, quântico. É a contradição expressada por Carl Sagan sobre uma
sociedade que depende dos frutos da ciência, mas que a ignora. Aí vemos como o
capitalismo é preso ao passado classista, mas, deformado por isso, tem de
desenvolver, mesmo que parcialmente, a ciência.
É como se o
capitalismo fosse socialismo de cabeça para baixo, precisando ser desvirado
para livrar-se do afogamento.
O comércio,
incluso comércio de dinheiro, marcou o processo fim de outros sistemas; agora,
está como processo de fim do mundo de sistemas classistas. Quando Carl Polani
diz que o dinheiro, o trabalho e a natureza degeneram se transformados em
mercadorias, na verdade, acaba por dizer que esta é uma sociedade de transição,
que degenera a si mesma, porque, não sabe ele, o dinheiro, a força de trabalho
e a natureza são sempre mercadorias neste modo de vida. Tal caráter destrutivo
e autodestrutivo é típica dessa transição histórica.
O fato de a
humanidade poder se extinguir de várias maneiras avisa sobre qual estado
estamos. Este é ponto nodal para um salto aos céus ou ao abismo.
Vale a pena
destacar que as classes dominantes focavam suas forças armadas entre homens do
“povo”, livres. Quando profissionalizaram seus exércitos, tivemos a decadência.
O capitalismo tem disso: de um lado, profissionalizam-se as forças armadas em
toda a hierarquia e, de outro, sempre teve que colocar os escravos assalariados
como parte vital de seu corpo de membros armados.
Quando
realiza-se como totalidade, o sistema entra em seu ocaso – em sua máxima
contradição, quando tenta impedir o automovimento.
Enfim, a
democracia burguesa, com todas demais as formas de despotismo esclarecido
burguês, bem demonstra, por falsificação, a tendência a uma futura liberdade
real, uma democracia de base e participativa, também dentro das empresas.
CAUSALIDADE
MARXISTA
A
causalidade comum, mecânica, não é negada pela dialética, mas ela é apenas
insuficiente. Já é conhecido no meio marxista a afirmação de Marx:
Vimos que o desenvolvimento do modo de produção
capitalista e da força produtiva do trabalho – simultaneamente causa e efeito
da acumulação… (Marx, O capital I, 2013, p. 711)
Neste ponto,
vemos como a dialética hegeliana ajudou o pensamento marxista com sua
causalidade recíproca, onde causa torna-se efeito e efeito, causa. Mas, ao que
parece, Marx dá mais uma contribuição, embora implícita, à lógica por meio da
lógica do capital: a mesma causa produz efeitos diferentes, mesmo opostos, ao
mesmo tempo ou quase simultâneos.
É o caso da
queda da taxa de lucro. Um ramo industrial de algodão colocar uma máquina mais
produtiva, que empregue menos trabalhadores, tende a sofrer queda da taxa de
lucro – mas o algodão individual mais barato diminui os custos com
matéria-prima, capital constante circulante, na indústria de linho, de tecido,
de roupa fazendo subir em outro ramo, portanto, a taxa de lucro (porque o custo
com capital constante reduziu em relação ao lucro). A mesma causa produziu
efeitos opostos, aqui e ali, dentro da mesma totalidade.
A elevação
do câmbio, a desvalorização da moeda nacional freta ao dólar tem efeitos
opostos, simultâneos neste caso, de estímulo e, ao mesmo tempo, desestímulo à
indústria. O câmbio desvalorizado, o dólar caro, faz compensar comprar e
produzir pela indústria nacional, no lugar dos caros importados. Por outro
lado, aquelas indústrias do país que precisam comprar matéria-prima ou máquinas
do exterior têm seus custos de produção sensivelmente aumentados, o que
desestimula a produção, e eventualmente fecham as portas. Vele notar: sozinha,
a desvalorização cambial, mesmo que os efeitos opostos não existam na mesma
proporção, torna-se insuficiente para estimular a indústria, embora possa ser
um dos seus fatores.
Para que
isso fique claro, vamos para um exemplo em si extraeconômico. A alta urbanidade
de nossa época produziu isolamento social relativo, e isso teve efeitos opostos
simultâneos, pois, de um lado, ofereceu mais liberdade aos perfis sociais do
indivíduo, sem controle direto dos demais, mas, por outro, ao mesmo tempo, fez
com que muitos adotassem um “falso-eu” para serem incluídos em grupos, para
evitar a solidão.
Muitos marxistas
destacam a relação de tendência e contratendência, com a tendência produzindo,
em geral, a própria contratendência relativa. Isso está em parte correto e
errado: a causalidade com efeitos opostos está intimamente ligada a esta outra
relação dialética de categorias. De qualquer forma, a relação tendencial é superior,
embora falha se isolada, pois melhor aponta o futuro.
A
causalidade, deste modo, tem dois caminhos gerais: 1) uma causa produz um
efeito que, por sua vez, produz um efeito oposto, depois, dentro da mesma
realidade em movimento; 2) a causa produz efeitos opostos simultâneos ou quase.
Isso pertence à Doutrina do Desenvolvimento.
UMA
CONCEITUAÇÃO DIALÉTICA DAS CLASSES SOCIAIS
Como é
sabido, Marx encerra seus escritos d’O Capital exato quando, finalmente, iria
oferecer sua conclusão sobre as classes sociais. O manuscrito é, então,
interrompido. A questão ficou suspensa no ar, flutuando, a alimentar os moinhos
de vento das mais variadas interpretações próprias dentro do marxismo.
Segundo consta,
nosso teórico alemão afirmou existir três grandes classes: os assalariados, os
capitalistas e os proprietários de terra. Eis a tríade maldita. Porém teóricos
como Trotsky afirmaram haver, em verdade, três outras classes principais: o
proletariado, a classe média (ou pequena burguesia) e a classe capitalista. A
letra literal de Marx, claro, tem mais peso, mais “valor”, tendo preferência
entre os marxistas “ortodoxos”. É compreensível. De qualquer modo, resta
elaborar com método dialético sobre o tema, tentando adivinhar qual seria o
texto final do fundador do socialismo científico. Lembremos que nem sequer
Engels ousou terminar o capítulo 52 do livro III, As classes.
Após o
necessário rodeio introdutório, este ensaio visa oferecer uma interpretação própria
baseada na dialética, seu método científico e sua lógica (mas não, é evidente,
em seu modo próprio de exposição das ideias, pois exigiria trabalho mais
amplo).
Em primeiro
lugar, deixemos cristalino que por proletariado ou por operariado, nomes diferentes
do mesmo objeto, da mesma classe, incluímos, aqui, todos os produtores de valor
e de mais-valor, além de também somente, por outro ângulo, produtores de
valores de uso alienáveis, com produção escalável e medível pelo tempo, ou
seja: assalariados das fábricas, das minas, dos campos, dos transportes e da
construção civil, além de trabalhadores mais “artesanais” como os padeiros.
Todos eles adicionam valor às mercadorias.
A maioria
dos assalariados não operários bem cabe no conceito de assalariados médios,
parte da classe média. A forma-salário é, por isso mesmo, uma forma: faz
parecer que todos os setores são iguais porque recebem um salário, escondendo a
diferença de conteúdo que está para além da superfície da sociedade – que
algumas atividades sociais produzem valor e outras não o produzem.
Feito tais
esclarecimentos, entremos mais diretamente na intenção deste texto.
Na Ciência
da Lógica, Doutrina do Conceito, Hegel faz exposição dialética das categorias
universal (ou geral), particular e singular (ou individual). Como dialético,
afirmou que as categorias não estão isoladas e fixadas no entendimento; na
verdade, na razão, elas estão misturadas, em contato, onde uma é expressão da
outra e na outra, e vice-versa. No Livro I d’O capital, ao tratar da divisão do
trabalho na sociedade, Marx recupera tal formulação, deixando claro que as
reivindica (diferente de sua crítica parcial ao conceito de particular feita
durante sua juventude). Pois bem; penso que a questão das classes expressa,
também, a mesma relação. Vejamos, no capitalismo:
Classe no universal, no geral: proletariado, classe média, burguesia,
proprietários de terra, lupemproletariado.
Classe no particular: a classe metalúrgica, a classe gráfica, a classe
tecelã, a classe de padeiros, a classe vidreira, a classe petroleira, etc. –
expressão particular do geral, do proletariado; jornalistas, advogados,
professores, economistas, médicos, pequenos empresários, pequenos donos de
terra, etc. – expressão do geral no particular entre a classe média;
banqueiros, industriais, patronal comercial, burguesia da metalurgia, burguesia
do setor automobilístico, etc. – expressão do geral, o capitalista, no
particular; etc.; etc.;
Classe no singular: aquele operário metalúrgico, aquele operário
gráfico; aquele professor assalariado, aquele médico assalariado; Aquele
burguês dono de empresa de cosmético; aquele proprietário fundiário de bosques;
aquela prostituta (lupemproletariado), etc.
É uma visão
nova de fato. Até onde sei, nenhum outro marxista tomou a questão das classes
desde o universal, o particular e o singular. Aí, a dialética cumpre seu papel.
De qualquer modo, o pensamento ainda flutua. Tal observação corresponde ao
pretendido por Marx? A resposta a esta indagação deve ser oferecida com outra
pergunta: a elaboração acima está em si e, centralmente, na realidade correta
ou errada? Justificando este esboço, penso que é a resposta justa ao tema, sim,
corresponde ao real.
Porém, o
momento de virada: nem tudo é classe social. Os políticos, os dirigentes sindicais,
os profissionais de partidos, os gerentes e os executivos das empresas – são o
quê? São também apenas assalariados? Penso que devemos colocá-los na posição de
burocracia, são os burocratas das diferentes classes da sociedade. É o ponto
fora da curva ou a curva fora do ponto, que seja. Reforçamos: nem tudo é classe
social. Há camadas de homens e mulheres que são desclassados, que são
destacados pela própria necessidade de funcionamento social.
Por fim,
outra variação. O conceito nunca se cabe completamente dentro de si próprio.
Com o atual nível de queda da taxa de lucratividade, um burguês industrial pode
bem investir parte de seu lucro em dívidas públicas, transitando entre dois
tipos da classe dominante, o que torna até sua mentalidade duplicada, com um pé
em cada setor. Um operário pode, em nossa época, ter um pequeno comércio em sua
casa para complementar a renda, ou ter um sítio pequeno, ou algumas ações
raquíticas na empresa onde trabalha; assim também duplicando sua “visão de
mundo”, um pé no proletariado e outro na classe média. Em tempos de desemprego
crônico, diz Trotsky, o grande número dos sem emprego e sem esperança de
contrato de trabalho – o exército industrial de reserva – quase forma uma nova
classe em nossa época, uma subclasse dos desempregados. Essas são expressões
deformadas, dentro dos limites categoriais do capitalismo, da tendência ao fim
das classes sociais.
POSITIVO,
NEGATIVO: CLASSES
Parte do
marxismo considera o “trabalho intelectual” uma categoria sem fundamento,
apenas para fins práticos. O nome da coisa não determina o que é
verdadeiramente a coisa[1],
portanto devemos ver o conceito real, na realidade, na prática.
O trabalho
do homem primitivo era um só corpo e um só espírito, um verbo que se faz carne,
uma ideia que se faz matéria. Assim também era o trabalho do artesão na fase
final da Idade Média, do feudalismo: ele agia e pensava, pensava e agia. Ele
planejava como seria a mercadoria, como produziria, como estocaria, como
venderia – e produzia, e colocava em prática. Era algo manual-intelectual.
Por bem; o
nem positivo nem negativo, proponho como dialética, avança a si mesmo para o
positivo e negativo, que, em luta, por ação do negativo, passa para um novo nem
positivo nem negativo. É o caso do capitalismo nas classes: o artesão, nem
positivo nem negativo, passa para o patrão, positivo, que se afirma na
realidade, o trabalho intelectual, e operário, o negativo, o trabalho manual
repetitivo e simples, o que se nega na realidade. Dessa oposição, tende a vir o
socialismo, um novo nem positivo nem negativo, com o fim da divisão de classes,
com a automação-robótica, com o quase fim do trabalho manual.
O trabalho
intelectual é improdutivo porque improdutivo de valor. Alguém que faz desenho
para novos produtos faz um trabalho intelectual importante para a empresa,
idealmente criativo, mas não produz a riqueza capitalista propriamente dita. O
homem primitivo ou o artesão são a pré-história desse funcionário de criação,
que coloca o proletariado para pôr em prática aquilo que ele pensou, teorizou.
Foi disso
que Marx tratou no livro I, avançando desde o artesanato simples, via
manufatura simples e complexa, até a maquinaria, a grande indústria. O trabalho
alienou-se de si mesmo, separou-se. Em geral, a classe dominante cuida do
trabalho intelectual; com a automação, no socialismo, todo o povo será a
“classe” dominante focada nos afazeres intelectuais. Que as máquinas peguem no
pesado por nós!
PREÇO DE
MONOPÓLIO: TENDÊNCIAS E CONTRATENDÊNCIAS
Lenin e
Trotsky, tal como outros, perceberam a crise sistêmica rumo ao seu fim enquanto
falhas e desvios na legalidade, nas leis, do modo de produção capitalista. São,
então, sintomas ou manifestações. Nisso, há que levar em conta, primeiro, que o
monopólio real, especialmente privado, trata-se de algo raro ou transitório no
capitalismo, frequentemente substituído pela concorrência de oligopólios
internacionais gigantescos. Por isso, trataremos do assunto aqui com alguma
pureza e abstração.
Muitos
marxistas perceberam o preço de monopólio enquanto desregulação do centro de
gravidade do valor e do preço de produção sobre os preços reais, de mercado.
Nisto há certo consenso. Mas, logo: o que regula os preços de monopólio? O
valor, ainda que de modo mais indireto. Talvez caiba aos marxistas a tarefa
longa e difícil de serem detalhistas nos fatores estudados, elencando as
interinfluências, tal qual Marx fez sobre alguns temas.
A questão
fica mais simples se observarmos do seguinte modo: o monopólio tende, em si, a
elevar indefinidamente o preço de mercado de suas mercadorias – inflação
constante, crescente (tal premissa não é arbitrária, está na própria
realidade); por isso, temos de ver, tomando a teoria do valor por base teórica,
quais fatores impedem e constrangem tal medida. Quais as contratendências em
geral causadas pela própria tendência? Como a causalidade tem efeitos opostos?
Façamos um
esforço. Para isso, abstraiamos os resultados do capitalismo concorrencial
ainda presente e tratemos a legalidade monopólio-preço de monopólio. Tanto quanto
possível, o trato mais direto, puro e abstrato serve de recurso metodológico
para interligar, em seguida, com o conjunto das leis fenomenológicas, no nível
aperencial ou da circulação de mercadorias (não confundamos com circulação do
capital).
Partamos aos
próximos parágrafos, listemos.
1) Há
concorrência de monopólio – entre oligopólios – impedindo a elevação excessiva
de preços. Por si, isto impede a elevação, e pode mesmo reduzir. Se uma empresa
controla o mercado de um país e eleva demasiadamente seu preço, isto gera
problemas econômicos e políticos tendendo a rupturas, ou seja, a facilitar
abertura do mercado à concorrência externa.
2) Um preço
demasiado elevado gera luta de classes e, isto incluso, luta de classes dentro
da burguesia. Certa matéria-prima sob monopólio não pode aumentar seu preço ao
ponto de destruir a galinha dos ovos de ouro, as empresas compradoras do
produto para transformá-lo. Só pode fazê-lo relativamente, o que reduz a
própria demanda – pressão para queda dos preços. Quando isto é feito
parcialmente ocorre luta de classes interssetorial, porque há transferência de
mais-valor em forma de lucro de um setor para outro, e entre classes
antagônicas (a burguesia pode tentar transferir o custo acrescido com capital
constante com redução de salários ou a matéria-prima em questão afeta o poder
de compra real dos salários, etc.). O aumento artificial do preço da gasolina
no Brasil, seguindo paridade com os preços internacionais, tem gerado duras
lutas, ainda que atrasadas (aqui, vale destacar, a esquerda radical é de tal
forma débil que sequer chamou ou chama por uma redução do preço do combustível,
como de 6,20 reais o litro para 3,50).
3) Por maior
que de fato seja, nenhum monopólio planifica a totalidade da economia, algo
puramente socialista, estando, pois, dependente das variações conjunturais do
capitalismo, afetando oferta e demanda. Isto força alterações no preço de
monopólio, para baixo e para cima.
4) A
monopolização, ao planificar produção e preço, pode supor preços diferenciados
para ambientes de comércio diferenciados. Por exemplo: a empresa Coca-Cola
oferece um preço de, supomos, 1,50 reais para seu produto num mercadinho e 3,00
reais para o mesmo produto num bar ao lado, pois percebe possibilidades de
demanda diferentes. Este cálculo, em parte arbitrário, toma a experiência
prática e pode regular-se de modo inexato por ela. Isto também pode acontecer
na venda em diferentes países.
5) O preço
de monopólio elevado eleva as tensões gerais da concorrência entre diferentes
setores, afetando a geopolítica, gerando manobras enquanto tentativas de
superar o constrangimento do preço elevado. Um exemplo particular do processo
geral: certa nação pode bloquear o monopólio de outro país por meio de altas
tarifas de importação ao mesmo tempo em que o Estado financia o surgimento de
uma empresa monopolista de seu próprio país já que os preços altos estimulam
investimento.
6) Se há
concorrência entre monopólio e empresas menores, o monopólio pode reduzir seu
preço, mesmo afetando enormemente seus lucros, para forçar fusões e falências.
Porém, se a empresa, em circunstâncias parecidas, opera a preços visivelmente
abusivos e constrangedores, estimula a formação de outras empresas ou
crescimento delas, pois a demanda se transfere para estas caso ponham preços
compensadores. Isto, porém, exigiria grande erro de medida da parte da empresa
dominante.
Por isso,
supomos um planejamento às avessas, um planejamento de lucro, um plano central
pelo mais-valor extra. Há inúmeros constrangimentos a um preço em demasia
elevado; por mais que a orbitação dos preços em relação aos valores seja de
fato parcialmente desregulado, ela ocorre enquanto sintoma de um sistema
tendendo a ser superado.
7) A empresa
a exercer o monopólio consegue, dentro dos limites postos, limitar sua
produção; mas sua oferta máxima não pode acompanhar, de imediato, a demanda
ainda mais elevada. Eis uma vantagem, a elevar os preços de mercado, que também
pode transformar-se em desvantagem. Agreguemos o fator cultural: a empresa
alemã Wolksvagem pôde instalar-se nos EUA porque a demanda por carros não
poderia ser atendia em médio prazo pela Ford; e nisto pesa o perfil daquela
população, onde seria natural o trabalhador ter um automóvel. O monopólio, ao
desestimular investimento, cria uma armadilha para si.
8) Há uma
percepção mais abstrata. O preço elevado de monopólio tende a impedir a
demanda, reduzindo-a; mas este preço elevado continua, pois mais que compensa a
perda parcial de demanda. Há um ponto, porém, ao continuar a elevação dos
preços, em que a demanda começa a se reduzir continuamente, afetando o lucro,
(ou estimulando os fatores acima expostos, mas estamos abstraindo deles); neste
caso, encontrou-se um preço limite, um tanto abaixo daquele a gerar crise.
Porém, este não é estável nem natural, estando subordinado à totalidade dos
fatores.
9) A
mercadoria do monopólio pode ser parcialmente ou totalmente substituída por
semelhantes, por renovações, por cópias ou por falsificações. Exemplo da
Microsoft, pois seus preços elevadíssimos produziram a cópia ilegal, além do
programa alternativo e gratuito Linux (como o Ubuntu).
10) O
monopólio privado, nosso foco, tem poder imenso sobre o Estado, mas, este, sob
certas circunstâncias, pode se ver forçado a limitar a precificação do
monopólio. Ademais, o monopólio estatal pode reduzir seus preços, até mesmo com
prejuízos, para estimular o lucro de outras empresas. O setor estatal de
energia elétrica pode oferecer seu produto barato para estimular a
industrialização.
11) Há a
concorrência potencial, que surgiria em caso de elevação excessiva dos preços.
Logo o monopólio evita inflação para evitar o surgimento de adversários
12) Além de
vender, o monopólio compra em grande escala – isso pressiona o custo de
produção para baixo e, logo, o preço de produção, pois a compra, e a venda, em
grande quantidade tende por si a baratear o produto.
A questão
está em perceber o “preço de monopólio” enquanto também não estático e não
determinado em absoluto pela empresa monopolista. Nas análises concretas,
observamos os fatores que permitem ou impedem a elevação e a queda. Exemplo: o
preço da gasolina no Brasil subiu sob justificativa de que a demanda mundial
estava elevada e, logo, deveria existir correção dos preços; mas a queda do
preço do barril de petróleo abaixo do preço de produção no mercado mundial faz
o preço da gasolina… subir. Não só pela privatização da Petrobrás, exigindo
funcionar ainda mais sob a lógica do lucro, a elevação dos preços internos
permite não falir a empresa diante da crise global no setor. Isto, por outro
lado, constrangeu os demais setores internos e tendeu à elevação dos preços
finais (custos de transporte, etc.). Se há menor inflação no Brasil ou
deflação, dar-se por queda do consumo, da produção, elevadíssimo desemprego,
etc. constrangendo os preços.
Extraímos
duas questões metodológicas: não avaliamos a questão desde a megaempresa
individual mas pela totalidade e consideramos fatores extraeconômicos. A
economia “pura” de nada nos serve.
Ao expor a
diferença da composição orgânica dos capitais concorrentes, Marx demonstrou,
Livro III, a formação do preço de produção desde a taxa média de lucro
afastando este do valor produzido em separado nas empresas, acima ou abaixo
deste valor; desta variação, pôde demonstrar o valor de mercado enquanto um
valor médio, não estável, em torno do qual as condições de oferta e demanda
fazem o preços de mercado, preços reais, orbitarem. A relação entre central e
orbitante, semelhante em comparação a uma estrela orbitada por planetas com
suas luas, passa do valor orbitado para o preço de produção, por sua vez
orbitado pelo valor de mercado e, em seguida, preço de mercado.
O preço de
monopólio faz parecer que a tendência real é elevação monopolística constante
dos preços de mercado gerando as próprias contratendências. Isto está certo,
embora também errado, dentro dos limites do sistema. Porém, o monopólio aponta,
em essência, o fim do preço no planejamento geral socialista, preparado pela
atual fase do sistema. É uma resistência, um modo inverso, ao fim da
manifestação empírica do valor, o valor de troca preço – o monopólio social e
socialista sobre as empresas, da sociedade sobre a própria sociedade.
CUSTOS DE
MONOPÓLIO
O monopólio
é uma vantagem em si, uma consequência natural da concorrência ao gerar
vencedores e um sinal do socialismo futuro. Dito isso, há dois custos
contraintuitivos desse estágio. Há os custos abstratos: controlar preços para
evitar concorrência (ou destuir a nova), conviver com falsificações etc. Há os
custos concretos: comprar empresas inovadoras, promissoras, poteciais
concorrentes.
URBANIZAÇÃO
E MIGRAÇÃO
É popular a
concepção de que uma solução comum para a crise da humanidade é a redução da
quantidade de humanos no planeta. Essa teoria foi defendida por Malthus, ganhou
fama, mas não tem base alguma na realidade. Hoje, dadas as revoluções
tecnológicas, somos capazes de satisfazer as necessidades mais básicas de toda
a humanidade e ainda fazer sobrar recursos para novos investimentos. Assim,
existe somente uma superpopulação artificial, como o grande número de
desempregados produzido pelo uso de máquinas mais modernas sob o capitalismo.
Há três
tipos principais de superpopulação relativa: flutuante, latente e estagnada. A
seguir, debateremos cada uma.
A superpopulação relativa flutuante é formada
por trabalhadores que ora estão empregados e ora estão desempregados. Em geral,
a dureza do trabalho esgota muito cedo a energia desses operários, tornando
difícil arranjar ou manter o emprego com o avançar da idade.
A
superpopulação relativa latente é formada por aqueles que são substituídos por
máquinas modernas no campo. Sem possuir terra e desempregados, mudam-se para as
cidades ou para as grandes obras onde são necessários muito braços.
A
superpopulação relativa estagnada é formada por trabalhadores que trabalham de
forma irregular e, por isso, têm uma qualidade de vida abaixo da média.
Porém, Marx
nem tratou propriamente da urbanização nem expôs alguma tendência especial da
população. Hoje, é claríssima, por grande propriedade rural capitalista e as
atrações da cidade, a lei da urbanização crescente relativa e absoluta (com contratendências
como fato de se fazer menos filhos na cidade e mais no campo). A alta
urbanidade de nosso tempo, ao concentrar os oprimidos, dá forçar revolucionária
a estes, além de ser uma base para a democracia direta, operária, do
socialismo. País camponês rima com ditadura, com bonapartismo.
Em nível
nacional, há o quase fim da superpopulação relativa latente. Isso, com outros
fatores, como a queda da natalidade, empurra para o fim deste modo de vida como
com a necessidade de criar massa de desempregados por meio de máquinas mais
modernas.
Mas Marx
cometeu o erro, percebido hoje por muitos, de focar na economia nacional como
totalidade. Faz sentido porque apenas a Inglaterra, onde ele morava, conhecia o
desenvolvimento pleno e clássico do capital; enquanto a atual crítica tem como
fator o quase fim das fronteiras nacionais como quase fim do capitalismo.
De imediato,
basta aplicar as mesmas leis, as mesmas formas categoriais de superpopulação
para o mundo inteiro. Mas isso é parcial, embora avance. Deve-se inclui o
nacional no internacional ainda. Dentro da fronteira, a migração é o quarto
fator da superpopulação – hoje bem mais evidente.
Como
observamos em alguns destes ensaios, as incompletudes e falhas de Marx e Engels
devem-se, em bora parte, ao fato de suporem que o capitalismo de sua época
estava à beira de seu fim, portanto em sua consolidação final. Daí que a
correta descrição tenha de passar, ulteriormente, por meio de outros teóricos,
para a dinâmica evolutiva, o evolver. Apenas hoje temos uma crise total, de
totalidade sistêmica e a da natureza.
O DINHEIRO
É conhecido
o dizer de Marx: lixo pode ser dinheiro, embora dinheiro não seja lixo. Pois
bem; por outro lado, ele e Engels consideraram a matéria ouro como insuperável
para o sistema, embora reconhecessem certa pulsão, para eles irrealizável, de
superar tal material. Isso gerou uma confusão completa no meio marxista até
hoje, entre ecléticos e dogmáticos, que seria resolvido pelo próprio movimento
da coisa, seu autodesenvolvimento.
Marx diz que
a história do dinheiro segue o oposto do dito pelos poetas. Os poetas antigos
disseram: Idade do Ouro, a Idade da Prata, a Idade do Bronze, a Idade dos
Heróis e o presente (até Hesíodo) Era do aço. Ora, para o mouro, foi o inverso:
…bronze, prata, ouro… O que me parece é que ambos têm razão: o dinheiro, a
forma, têm diferentes matérias, materiais – vai-se, porque assim vai o mundo do
mercado, da cada vez maior materialização, até o ouro, para, daí, ir até cada
vez mais desmaterialização; hoje é o virtual, eletrônico, o bit, o simples
elétron. É a dialética de que algo deve materializar-se para, em seguida,
desmaterializar-se.
O dinheiro
tende ao seu fim como fim do capitalismo, tende a ser um nada real. O dinheiro
artificial revela o sistema do dinheiro artificial, mantido pelo Estado. Aqui,
entra necessariamente o tema da perecibilidade. Na vida, surgiram animais cada
vez mais materiais até surgir os gigantes (como dinossauros e outros seres),
então começou a desmaterialização, a diminuição do tamanho das novas espécies.
A quantidade maior de trocas e de dinheiro está ligada à desmaterialização
deste; o menor tamanho de certos animais está ligado à possibilidade de maior
quantidade deles. A maior materialização, nos dois exemplos, diminui a
perecibilidade, aumenta o tempo de vida. A maior desmaterialização, em oposto,
leva ao ganho de perecibilidade. Assim, temos na forma social do dinheiro,
desde sua matéria, um sinal do apocalipse do capital.
Segundo Ruy
Fausto, Marx atualiza a dialética (da Doutrina do Conceito de Hegel) com a
seguinte formulação: o sujeito passa para diferentes predicados, sem se
confundir com eles. A mercadoria do capitalista têm o valor; ao vendê-la, tem o
valor na forma de dinheiro; este valor em dinheiro é substituído por máquinas, matéria-prima
e força de trabalho… O Valor passa de uma forma para outra, de uma matéria para
outra.
Valor é – dinheiro
mercadoria
capital produtivo
…
Portanto,
dizer
Dinheiro é ouro
Sujeito é predicado
É um engano.
Assim, deve-se dizer
Dinheiro é – bronze
Prata
Ouro
Cobre
Papel
Bits
Ele passa de
certa matéria para outra, mesmo que por mediação do lastro.
Na China do
século XII, ocorreu uma crise de desmedida do dinheiro porque a desmaterialização,
o “papel” sendo moeda, facilitava muito, naquela época, a falsificação
monetária. Hoje, basta alguns comandos simples de computador para gerar
dinheiro do “nada”, levando à desmedida na vã tentativa do Estado de salvar seu
sistema, o sistema do Deus-demônio dinheiro, do valor.
O dinheiro é
endógeno, criado dentro da economia (bancos, minas etc.), mas tendem a ser cada
vez mais exógino, criado pelo Estado, além de cada vez mais artificial. É, em
A, x indo para… não-x de modo relativo, como tendência, se formos para a lógica
da nova dialética.
No
socialismo consolidado, será natural, como um simples ato administrativo, o fim
do dinheiro como mediação da maior parte da circulação ou toda ela. Em outro
momento, dissemos que a inflação absurda do endividamento, do meio de
pagamento, anuncia o fim da mediação futura do dinheiro na sua não mediação
imediata hoje, desde a necessidade de escoar mercadorias perante a
superprodução crônica latente. Pois bem; lógica e historicamente, como na obra
O Capital, o dinheiro começa como meio de circulação, padrão de preços e medida
dos valores apenas; logo depois, meio de entesouramento; logo depois, meio de
pagamento. Tal sequência, temporal e sistemática, anuncia o futuro possível,
embora não inevitável.
O dinheiro é
lastreado no trabalho abstrato, antes de no trabalho concreto, antes mais do
que no ouro. O velho acerto ao focar nas formas, no erro de quase alcançar o
conteúdo: o dinheiro nunca foi lastreado em si no ouro – mas no trabalho. Ouro,
sendo raro, exigia muito trabalho social.
Em sua
desmaterialização, o dinheiro é um qualitativo cada vez menos qualitativo e
mais quantitativo (A = A e… NãoA). O dinheiro atual é ouro, mas de tolo. Ele
segue nossa dialética diacrônica: o qualitativo tente a ser apenas
quantitativo.
Na
dialética, o mediador, a mediação, não tem conteúdo próprio, um nada em si; seu
conteúdo é o conteúdo apenas dos opostos dos quais ele é a mediação. Dito isso,
o dinheiro é incapaz de romper com sua fução primordial de mediação, entre duas
mercadorias. Daí seu lastro nos opostos (mercadorias diversas) por ele
conectatos e mediados que têm, eles sim, hoje, o verdadeiro e material
conteúdo-valor dentro de si.
Lembramos que
o lastro indireto no conjunto das mercadorias aparece como lastro, também
indireto, no petróleo. Ora, desta substância, surgem uma quantidade enorme de
materiais hoje vitais em toda a indústria (valor-matéria). Pois bem; desde o
pós-guerra, as crises tendem a aparecer como parte de um ciclo do petróleo,
desta moeda informal, até como crise do petróleo, como resultado do aumento
bruto, dada a limitação de produção na renda da terra, ou queda bruta de seu
preço. Como matéria-prima e transporte são partes essenciais dos custos que
geram crise ao aumentarem de preço, temos um lastro crítico. Mas isso é
externo; no interno, permanecem as conclusões gerais de Marx.
O ouro e o
petróleo têm pontos em comuns: 1) são a mercadoria por excelência em suas épocas,
2) são ricos em prorpriedades úteis, ou seja, valor-matéria, 3) são guiados
pela renda da terra, ou seja, por exemplo, a oferta é limitada – pertencem ao
setor I da produção; 4) são fetiche porque parecem ter valor por si mesmas,
independente do trabalho.
A crise do
valor aparece, assim, como, tem de aparecer assim, também aparece como, crise
da medida, ou seja, crise da criação de dinheiro, hoje fácil, com a inflação
fina e constante desde os anos 1950. Eis aspecto da crise geral do valor, dos
valores, como crise de medição.
Duas ideias
devem ser expostas ainda para avaliação. Na abertura de sua Lógica, ao tratar
de Ser e Nada, nos cometário, Hegel diz que para Kant 100 táleres (ou reais, ou
dólares etc.) valem isso mesmo, 100 táleres. Ora, ele diz, tal quantida de
dinheiro não é Ser, mas ser aí, determinado, algo em realção a outro; o
dinheiro vale numa relação com outros objetos; veja-se, então, complementamos e
deduzimos, que a desvalorização do dinheiro de modo absurdo no capitalismo
tardio, a grande inflação agora existente, os 100 táleres valendo o que antes
era apenas 50 táleres (ou seja, 100 táleres não é 100 táleres no tempo, muda o
conteúdo), tata-se do dinheiro indo do ser para o nada… Mais a abstração no
modo de desmareialização da moeda. Isso, em parte, afirma e contraria Marx.
Para ficar claro o marxismo hegeliano, digamos: o valor abstrato e forma-valor
tem forma, grandeza e substância; mas, em minha teoria do valor-matéria, o
valor de uso funda o valor, como algo de si próprio, assim:
Substância –
materialidade
Forma –
propriedades formadas
Grandeza –
contexto (oferta-demanda, quantidade total absoluta e relativa às demais
mercadorias etc.)
O dinheiro é
dinheiro porque seu contexto, sem escolha arbitrária, pede para algo assim
surgir; sua relação com outros valores de uso, sendo puro valor de uso (revela
o valor-matéria). Sua perda de substância, sua desmaterialização, alerta para
sua perda de valor correspondente – e sua criação desenfreada. Enfim, fica-lhe
suas propriedades enquanto meio-termo necessário. De início, a substância (ouro
etc.) tinha mais peso e importância; depois, pela mediação das propreidades,
num e noutro, no entanto, foi-se cada vez mais à valorização do contexto
(social etc.), o que demonstra maior grau de artificialidade da forma-dinheiro
em nosso tempo.
Como prova
do valor-matéria, o dinheiro tornar-se, revela-se, puro valor de uso. Anuncia,
também, o socialismo do valor de uso logo ali. O dinheiro é o valor de uso por
excelência, pois dá acesso, hoje, aos demais valores de uso.
O capital
financeiro, no sentido comum, em busca de mais capital financeiro (sua
abstração, crise, da base real) nada mais é que outra expressão do dinheiro em
busca de mais dinheiro, pois tais papéis são garantias legais, são expressão de
valores, são promessas do fruto do trabalho, ou seja, são dinheiro – e podem
atuar como a qualquer momento, em potência. São produto em busca de mais
produto, ainda que de modo indireto, cada vez mais indireto.
Como meio de
pagagmento, receber o produto antes e pagar (o seu valor) apenas depois ou
parcelado, o dinheiro é superado dentro dos limites do próprio dinheiro – o
valor dentro dos limites do valor. Entre as melhores descobertas deste livro.
Porque há superprodução quase-crônica, expressa-se o reino futuro da abundância
de modo invertido, forçando a consumo, adiando o pagamento, ao criar dívida. Ainda
assim, recebe-se o valor de uso sem realizar seu valor mercantil – e pode haver
o justo calote… Não por acaso, por razões lógico-históricas, Marx coloca o meio
de pagamento como uma das últimas determinações do dinheiro na fase de avanço,
diacrônico e sincrônico, da circulação.
CRISE DE
HEGEMONIA
Giovani Arrigh afirma que a decadência da
Holanda, da Inglaterra etc. dar-se porque os burgueses práticos acumulam tanto
dinheiro que passam a preferir o mundo financeiro – daí a decadência nacional.
Não está errado, mas não está certo. Na verdade, o país em vantagem consome
suas vantagens; por exemplo, a China tem um poderoso mundo rural, mas que, ao
se urbanizar com rapidez, deixa a vida camponesa como vantagem, como fonte de
nova força de trbalhao e como fonte de novo mercado consumidor. O país consome
suas capacidades singulares, logo, a vantagem torna-se desvantagem; por
exemplo, o poder comercial holandês, sem igual no mundo, fez o país priorizar
importação barata no lugar de produzir por si, causa de sua derrota futura para
a inglaterra. Além disso, quem tem enorme poder econômico, sem concorrente,
tendem a degenerar, porque a concorrência é um motor vital do capitalismo; por
estar muito acima dos demais, para, por exemplo, de investir em novas
tecnologias como deve.
Arrigh
também confunde ascensão e queda de um império, de apenas dduas fases, com as
fases do sistema capitalista. Já demonstramos que há transição, declínio e
ascenso – no geral. Também demonstramos que que há 4 fases: comercial,
industrial, financeiro e fictício. Grosso modo, a vantagem comercial da Holanda,
ao facilitar importação, impediu seu pleno desenvolvimetno industrial; então, a
Inglaterra desenvolve a indútria, incluso reprimindo o capital financeiro; os
EUA também reprimiram o mundo financeiro, mas apenas os bancos, pois precisavam
de muito capital para financiar sua indústria muito mecanizada, daí as ações
etc.; a financeirização final dá, hoje, espaço para a China.
TRABALHO E
ONTOLOGIA
Lukács resgatou
a e formulou uma ontologia. Bem observado, sua base ontológica e seu resgate
metodológico devem-se à releitura de Dialética da Natureza, de Engels. Pois
bem; uma terceira leitura, levaria-lhe a perceber que trabalho não é uma
categoria, fundante, apenas do ser social, mas de todo o Ser, do Ser em si
mesmo, nas três modalidades. Associado à energia, vemos que o trabalho,
capacidade de trabalho, já faz parte do inorgânico, como Engels afirmou. Uma
abelha e qualquer animal trabalham; mais, a abelha, sabe-se hoje, aprende e usa
ferramentas (usam fezes para colocar na entrada da comeia, assim afastando as
vespas). Descobriu-se uma espécie de peixe que cultiva seu próprio alimento,
além de permitir que outro peixe entre em sua “fazenda” porque ajuda no
processo produtivo. Sabemos que macacos usam ferramentas para quebrar coco,
aprendem entre si a lavar uma fruta, usam insetos na ferida de parceiros. Corvos
fazem ferramentas e projetam. A célula, dentro de si, produz mais-energia do
que aquela exigida para sua produção, trabalho. A própria fundação da vida,
assim, foi um ato de trabalho. O trabalho humano é natural – socialmente
modificado. Marx já falava em necessidade natural do trabalho, faltando-lhe um
pouco de ousadia. A tarefa de humanização da humanidade, afastamento das
barreiras naturais, inclui afastamento, redução, do trabalho, ao menos o manual.
O comunismo, com a robótica e a automação, juntos à informática, quase colocarão
fim no trabalho manual, além de reduzir muito o intelectual, como a mera coleta
de dados (estimulando a reflexão sobre eles). Que as máquinas trabalhem em nosso lugar! A diferença
do homem para as outras espécies complexas é de grau, quantitativo, mas a
mudança quantitativa fez um salto, uma mudança qualitativa, incluso pelo fato
de, como em nenhuma outra forma de vida, modificamos muito o ambiente e este,
então, nos modifica. Os lukacsianos, empolgados e fixos em suas descobertas,
consideram o trabalho de todo e irritam-se com a ideia de crise do trabalho; os
kurzianos, empolgados e fixos em suas descobertas, veem a tendência ao fim do
trabalho e irritam-se com o papel do trabalho na formação da sociedade; no
socialismo, o setor de serviços, como governar e educar, formas sociais puras,
quando nos tornamos mais puramente sociais, será menos robotizado por sua
própria natureza prática, precisando ainda da alguma ação humana – além do
mais, o trabalho dividiu-se em manual e intelectual, logo este último será mais
presente na sociedade. De fato, o ser social é fundado pelo trabalho, mas
porque o ser biológico realiza-se em altíssimo nível na espécie humana. Por
causa do trabalho, na energia em busca de mais energia, incluso a falha em tal
meta, funda-se o ser social porque ele faz parte da legalidade de todo o Ser.
Ser, e a verdade, é o todo contraditório em desenvolvimento, em evolver. Ser é
trabalho. Ser é energia em busca de mais de si. Ser é espaço-matéria.
PREÇO E
JUROS COMERCIAIS
Leiamos a
seguinte passagem do capítulo “Capital-dinheiro e capital real – III
(Conclusão)”:
No crédito comercial, o juro, a diferença entre o
preço a crédito e o preço à vista, só entra no preço da mercadoria quando as
letras têm prazo superior ao costumeiro. Se não têm, isso não acontece. E a
explicação está em que cada um toma esse crédito com uma das mãos e o dá com a
outra [isto não se ajusta à minha experiência. - F.E.]. Entretanto, quando o desconto
surge aí nessa forma, regula-o não o crédito comercial, e sim o mercado
financeiro. (Marx, O capital 3, 2008, p. 683, grifo meu)
Pensemos uma
resposta à questão.
As
circunstâncias em que o crédito comercial, “não” financeiro, ganha dinâmica
ocorrem antes da elevação dinâmica do crédito financeiro (isto Marx havia
percebido). Em geral, ocorrem após crises, quando a demanda começa a elevar-se.
Se a demanda eleva-se para algumas mercadorias relativo à oferta (porque a
crise diminui a concorrência, porque o nível de assalariamento está voltando a
elevar-se, etc.), então o preço mais que compensa em relação às condições
normais e, logo, o crédito comercial transforma-se em modo de extrair
mais-valor extra na circulação de mercadorias. Em conclusão, no preço final há
sim, entre os demais fatores, o fator juros comercial enquanto possibilidade de
extrair mais-valor extraordinário, de outros setores. Por isso a observação de
Engels de que a experiência concreta não confirma esta anulação do fator
crédito comercial por razão dos intercréditos.
Talvez a
oculta preocupação de Karl Marx em sua apressada afirmação fosse reforçar que o
valor não surge da circulação mas da produção. Com o conceito “mais-valor
extra” encontramos na produção capitalista a base do fenômeno acima citado.
Ao pormos o
parágrafo d’O Capital em macrocontexto, sua dinâmica, podemos resolvê-lo.
O crédito
comercial permite acelerar a circulação, pois desprovido da troca imediata de
mercadoria por dinheiro (este nem sempre disponível na proporção desejada).
Quando oferece o crédito comercial, o burguês comerciante A oferece ao B uma
massa de mercadorias após supor que estas serão vendidas e vendidas a um preço
capaz de retornar as parcelas com acréscimo de juros. Se este cálculo
demonstrar-se errado, ocorre porque faz parte dos riscos de uma economia não
planejada.
Se
observamos, do ponto histórico da época de Marx, a autonomia externa e relativa
dos três capitais, ainda assim percebemos pontos de contato, um no outro, a
exemplo do crédito comercial.
Relação de
juros no setor comercial ocorre porque ambos pertencem o reino da circulação:
comércio de mercadorias e mercadoria dinheiro. Neste nível, a relação social
toma forma reificada, fetichista, ao supor a ilusão de que o valor surge na
circulação e inerente às coisas. Vejamos o caso do capitalista industrial: ele
cuida, de imediato, da produção, apenas da produção, não da circulação – mas,
assim que tem algo já produzido, ele age como esperto comerciante de suas
mercadorias, comerciante de fato mesmo que venda, é claro, para o comerciante
propriamente dito, para um intermediário especializado na revenda. Por isso,
não há uma parede total separando as diferentes formas de capital; o
comerciante pode, portanto, ser também um usuário, um quase banqueiro, digamos
assim.
Evidente,
portanto, que esta relação do juros comercial se reproduza “naturalmente”
quando o banqueiro empresta ao capitalista comercial.
SALÁRIO E
PREÇO
A economia
vulgar condena o aumento dos salários argumentando que isso gera inflação, que
aumenta de novo os salários, que gera mais inflação – e assim por diante, numa
espiral perigosa. Nada mais falso.
Primeiro,
diz Marx, os salários aumentam depois, porque os preços aumentaram; não, via de
regra, o oposto.
Segundo: o
aumento do salário não costuma ser geral e sincrônico ou na mesma proporção.
Terceiro: se
há inflação, logo o trabalho que comprava, digamos, 20 produtos, passa a
comprar apenas 15; logo, os 5 restantes perdem demanda, empurrando para a queda
dos preços. A inflação produz seu oposto, deflação.
Quarto: o
aumento dos salários tira dinheiro do lucro real, logo o burguês consome menos
luxo – os produtos luxuosos tendem a diminuir seus preços. Inflação dos salários
gera, assim, deflação nas mercadorias.
Quinto: o
aumento da produção se dá por saltos, não pouco a pouco. Se o consumo está
aquecido da parte dos trabalhadores, pode gerar breve, no tempo e no espaço (na
medida), inflação, mas isso empurra para mais investimentos e mais
concorrência. Uma fazenda, por exemplo, passa a produzir arroz por salto, não
um pequeno lote acrescentado, por grandes extensões de terra, aumentando muito
a oferta. Certa fábrica que funciona os três turnos geralmente exige nova
fábrica se a demanda está alta (leva um tempo para nova planta, mas o crédito
acelera o processo). Ainda assim, mesmo que de modo anárquico, em parte
significativa dos casos e momentos, há certo turno ou parte da empresa ainda
não utilizada, pronta para movimentar-se caso a demanda aumente muito.
Sexto: O
aumento dos salários, logo antes da crise, costuma ter junto de si o pleno
emprego, ou seja, um grande número de empresas concorrentes, o que derruba o
lucro (o consumo burguês) e aumenta a oferta.
Sétimo: com a
queda dos preços, incluso relativo ao preço do produto comum, de produtos
luxuosos, o investimento desloca-se para produtos comuns para onde se destinam
os salários maiores dos trabalhadores. Isso Marx já observa no livro II de O
Capital.
Oitavo: se
sobra alguma renda extra, muitos trabalhadores iniciarão nova forma de consumo,
acessarão novos tipos de mercadorias ou serviços, o que dilui o dinheiro, a
demanda. A maior parte da demanda comum dos trabalhadores não é elástica, não
comprarão mais sal e gasolina porque aumentaram a renda.
Nono: no
médio e no longo prazos, o aumento dos salários, além da busca por um lucro
extra com mais-valor extraordinário, exige renovação tecnológica para
substituir mão de obra “cara” por maquinário, o que costuma ser acompanhado por
aumento da oferta, ou seja, queda do preço individual do produto, além de queda
de salários por desemprego e menor custo de vida.
Décimo: com
alguma frequência, há casos em que o comerciante ou a oferta de serviços não
consegue aumentar o preço da mercadoria, até reduzindo em casos limites, mesmo
com o aumento da demanda, mesmo com aumento dos salários, por causa da
concorrência e da concentração-centralização de capital menor relativo ao mundo
bancário e industrial. E o aumento dos preços, se ocorre por salários altos, ao
aumentar o lucro comercial, aumenta o número de comércios, relativamente fáceis
de fundar, logo maior concorrência contra aumentos de preços. Vale notar que
aumentos dos salários ocorrem normalmente com a economia aquecida, com mais
concorrentes.
Décimo
primeiro: com a produção ativa em três turnos, a burguesia aposta no aumento da
intensidade do trabalho da produção, o que aumenta a quantidade de mercadorias,
o que faz o produto ter preço abaixo do seu valor.
Décimo
segundo: muito dependente da cultura nacional, os trabalhadores poupam parte,
pequena e a mais, da renda quanto esta cresce, adia o consumo.
Décimo
terceiro: com maior demanda por dinheiro e por mais empréstimos, os juros
sobem, o que desestimula o consumo e o aumento dos preços consequente.
Por fim: o
maior ou menor consumo de importados é, antes, muito mais consequência do que
causa da alteração do câmbio – além deste muito sensível ao preço e à
quantidade das exportações. Mesmo se afetasse duramente o câmbio para
desvalorização da moeda nacional, um preço maior da moeda mundial estimula em
demasia a produção dentro do próprio país, aumentando a oferta mundial e
nacional, o que derruba os preços. (Uma desvalorização da moeda brasileira no
câmbio produz industrialização, pois compensa comprar dentro do país no lugar
de importar, mas também produz, ao mesmo tempo, o oposto, desindustrialização,
pois algumas indústrias nacionais necessitam importar insumos e máquinas do
exterior.) Por outro lado, se os preços nacionais sobem muito porque cresceram
os salários, isso estimula a importação capaz de concorrer dentro do mercado
interno, caem-se os preços.
Em caso de
monopólio real ou oligopólio, o aumento dos salários pode ser repassado para os
preços, seja porque os operários da empresa ganham mais seja porque a demanda
pela mercadoria monopolizada aumenta – mas, mesmo hoje, no auge do
imperialismo, não é a regra dominante ou exclusiva.
CONCORRÊNCIA
E TAXA DE LUCRO
Marx afirma
que a crise é a causa do aumento da taxa de juros, não o inverso. Mas, vale
notar, a causalidade pode ser recíproca; uma vez aumentada, a taxa de juros
realimenta a crise. A mesma lógica cabe à questão da taxa de lucro. Marx afirma
que a queda da taxa faz a concorrência, não o contrário. Ora, claro é que a
concorrência, ao exigir, por exemplo, novo maquinário, também empurra à queda
da lucratividade. Causa torna-se efeito e efeito, causa.
Como causa
oposta gerando o mesmo efeito, a alta taxa de lucro num setor também estimula
aumento do investimento, da concorrência – mas seu efeito tão ou mais
importante é a “mera” transferência de investimento em setores de baixa taxa de
lucro para outro com alta (mesmo assim, o capital aonde a taxa é baixa pode
“resistir” até a situação melhorar, como mostra a experiência comum, baseada no
passado). Assim, Michael Roberts erra quando afirma que a queda da taxa de
lucro é a causa, sem mais e isolada, da queda do investimento.
TAXA DE
JUROS MUNDIAL
O economista
e marxista José Martins afirma que a taxa de juros dos EUA é a taxa de juros
mundial, planetária. Aqui, vamos desenvolver seu bom instinto. O mundo está
altamente interligado de modo que os ciclos industriais e econômicos de uma
país está sincronizado, tanto quanto pode, com as demais nações – como sabem os
marxistas, os ciclos da economia, fazem grosso modo, os ciclos da variação da
taxa de juros (as crises são cada vez mais globais, não apenas locais). Isso
também é base para uma taxa de lucro mundial, como tendência, que limita a
margem de manobra da taxa de juros corrente. Além disso, os EUA produzem e
consomem como nenhum outro país do mundo, até agora (China aproxima-se),
dando-lhe centralidade, o que repercute em possuir a dinheiro mundial. Quando o
FED, banco central daquela nação, aumenta a taxa de juros com a qual paga seus
títulos de dívida pública de curto prazo, atrai o dólar para si, o que tira tal
moeda de outros países. Para compensar, as demais nações são pressionadas, até
de modo inconsciente (por meio da inflação causada pela desvalorização da moeda
nacional no câmbio, já que tem menos dólares em mãos), a também aumentar a taxa
de juros para tornarem-se mais atraentes ao capital especulativo fluido em
tempos de internet. Isso não é consciente ou dito pelos economistas do sistema:
que a taxa de juros nacional depende também da taxa de juros no maior império,
há um lastro.
CRISE
SITÊMICA E CRISE
Schumpeter
afirmou que as crises ocorrem nos novos setores da economia, novos tipos de
produtos etc., pois neles há empresas novas, menores e em larga concorrência, o
que diminuiria o lucro, ou seja, crise; para ele, nos velhos e consolidados
setores não haveria crise por menor concorrência, tradição etc. Sua tese tem
valor mais que singular, particular, mas não geral. A crise ocorre porque
custos com salário, matéria-prima, dinheiro sobem no aquecer desigual da
indústria; além da concorrência. Pois bem; mesmo sua teoria tende a ser
superada em sua verdade. As redes sociais de internet e os canais de tv também
por internet, sendo setores novíssimos, devem ser a fonte “natural” da crise
seguinte diante da larga concorrência nova dos novos seotores; mas há um
diferença hoje porque tais empresas surgem ligadas a empresas tradicionais e já
consolidadas (Amazon, Apple, Disney etc.) e – é-se dono de várias empresas
“concorrentes” de convívio virtual. A teoria tem valor ainda, mas está ainda
mais relativizada.
Ocorre que
certas empresas, por seus perfis e valores de uso, só podem surgir por grande
capital e recursos, que apenas são obtidos nas empresas consolidadas. Ou, mesmo
surgindo, sucumbem às maiores. Eis aí nossa segunda observação: neste tempo de
decadência do capitalismo, de poderosas empresas incluso com suporte virtual,
cada vez mais difícil e desestimulante é ter uma pequena empresa, um pequeno
negócio – mesmo médio ou apenas nacional. A crise, hoje, mais do que antes,
varre a pequena empresa em nome das dominantes, que beiram o oligopólio e o
monopólio.
Nossa última
observação. Ditas as bases de tais fenômenos, conclui-se que é muito difícil a
existência de empresas apenas nacionais hoje. Ou declaram falência, ou são
internacionalizadas, ou são compradas por gigantes internacionais. A Coreia do
Sul, por exemplo, diante da baixa demanda interna, logo teve que ver no Estado
um incentivo para espalhar suas empresas centrais pelo mundo, capazes de
concorrer em tal cenário geral. A tara do empresários brasileiros é criar uma
boa e promissora indústria para, enfim,
vendê-la aos poderosos estrangeiros.
AOS
"ESQUERDISTAS" QUE NÃO SABEM ECONOMIA
O Banco
Central manteve a taxa de juros em 2023, em seu início, acima de 13 por cento.
Mas fez algo mais: criticou o governo… Isso fez Lula, afastando a
responsabilidade de si, a colocar na conta da direção bancária todos os males
do país. O ataque, a reação, foi fortíssima. Infelizmente, a esquerda radical
costuma trazer para si todas as narrativas do oportunismo petista,
social-liberal (vide a “tese” da onda conservadora). Nesse frenesi político,
tomei uma posição minoritária e, veja, só, científica da questão. Eis as
afirmações:
1. Taxa de
juros não é a medida de todas as coisas. Se o governo fizesse um plano de obras
públicas agressivo, geraria mais emprego. Há várias ações não ligadas a juros
que reativam a economia e são até mais importantes.
2. A taxa de
juros só pode cair lentamente, para não ter fuga de Capital (especulativo) – o
que levaria câmbio para mais de 6 reais com a falta de dólares – logo, inflação
pesada, mesmo. (Quero ver reclamarem depois da carestia...)
3. Mesmo
assim, a taxa só poderia ser reduzida para algo como 11% – e, de novo,
lentamente, gradual.
4. A taxa de
juros americana e europeia tende a ficar elevada este ano inteiro – isso
pressiona uma concorrência por dólares, por investimento, que força outros
países a manter, também, taxas altas para premiar especuladores. A vida é dura.
5. Há uma
crise mundial surgindo. Isso empurra, no primeiro momento, juros altos em todo
o mundo.
6. Haddad,
sendo um idiota, quer provar aos ricos que é capaz de ser o sucessor de Lula no
futuro. Por isso não milita por menor juros como deveria.
7. Juros
altos aumentam o risco de inadimplência geral – mas, repito, isso só permite,
pressionar por, reduzir um pouco a taxa e de modo lento.
8. A
economia vulgar pensa que o aumento dos juros causa crise. Isso só ocorre por exceção.
A elevação dos juros é um sinal de que já há uma crise em gestação no
subterrâneo da sociedade.
9. Foi um
acerto do banco central reduzir a taxa para 2%, em 2020, diante do risco de
deflação. Mas foi um erro grave manter tal taxa por muito tempo, o que afastou
capital, ou seja, dólar, o que estourou o câmbio para acima de 6 reais, ou
seja, gerou inflação em cadeia. Pagamos o preço agora. Mas a esquerda inculta
pensa que a regra é sempre taxa de juros baixíssima, o que é um erro básico.
Era necessário certo aumento da taxa para evitar que o câmbio afetasse os
preços.
10. Se Lula
quisesse emprego e baixa inflação, acabaria com a atual política artificial e
oportunista de preço do petróleo. Já disse que a vida é dura?
11. Nos
próximos anos, de crises após estas crises, teremos o risco de uma revolta
social no Brasil (desemprego mais inflação – ambos grandes e longos). Talvez
uma revolução. Não precisamos esperar décadas para o socialismo no país.
12. No
Brasil, apenas 5 bancos controlam quase todas as operações. Nos EUA, 5 mil
bancos... Isso significa que aumento ou queda de taxa Selic, de juros, não tem
o mesmo afeito aqui, onde há um oligopólio, em relação à lá, onde isso – quase
monopólios – nem de longe acontece.
Uma redução
gradual de juros para algo como 11% pode fazer sentido, mas nem de longe
resolve os problemas do país. O programa deve ser imensamente mais profundo. Os
movimentos sociais petistas fizeram protestos pela queda dos juros que não
mobilizou ninguém… Nem poderá mobilizar. O caminho não é esse, de modo algum.
CONCEITO
REAL ABSTRATO
A realidade
é a luta entre opostos, capital e trabalho. O capital, ao desprender-se do
valor, produto do trabalho manual, torna-se puro conceito, capital abstrato,
capital produtivo, realização do conceito de capital – então, sua crise. O
trabalho torna-se, cada vez mais, puro trabalho, não apenas trabalho concreto,
trabalho abstrato, trabalho geral, trabalho em geral – então, sua crise. O
dinheiro, que une ambos os anteriores, torna-se, hoje, puro dinheiro, cada vez
mais, dinheiro fictício, realiza-se, universaliza-se – então, sua crise. O
socialismo realizará o conceito de homem e o indivíduo será, de fato, indivíduo
– enfim, crise da “sociedade” e do “homem” tal como conhecemos. O socialismo é
o conceito de “Bem” para onde tende a vida humana.
CONTRADIÇÃO
ENTRE CAPITAL FIXO E CIRCULANTE
Marx
demonstra a contradição de opostos, capital constante (expresso nos elementos
físicos) e capital variável (expresso no trabalhador), contradição entre
máquina e operário. No entanto, isso deixa de ser claro no livro 2 d’O Capital.
Direto ao assunto, ocorre que o capital circulante, representado na
matéria-prima e no trabalhador, tem limites que limitam o capital fixo,
expresso na máquina ou no edifício etc., desejoso de ser mais circulante
(capital fixo é circulante, embora não seja). A matéria-prima e o operário, em
condições normais, impedem a aceleração maior da máquina (o fio quebra, o
trabalhador greva contra a intensividade da jornada). Tal contradição é
movente, como deveria ser: novos materiais são criados, antigos são
substituídos, novas técnicas de trabalho são desenvolvidos. Assim, com
dificuldades, o capital tende a reduzir o tempo de produção, que inclui a
secagem da mercadoria por exemplo, ao tempo de trabalho. O tempo de circulação
tem dificuldades de ser reduzido na produção. As duas contradições citadas
estão lastreadas na contradição inicial, entre valor e valor de uso, são o
desdobramento dela. Mas o valor-matéria apresenta isso como a luta de valor de
uso (fixo) contra valor de uso (circulante), matéria contra matéria, conceito
contra conceito.
SISTEMA DE
MEDIAÇÕES
De modo
grosseiro, de modo geral, em espcial no capitalismo; surge e desenvolve-se um
sistema de mediações. Entre o trabalhador e a matéria-prima, surge. O antigo
produtor era, também, vendedor; mas, depois, cria-se a mediação de ele vender
sua mercadoria ao comerciante intermediário – isso estendeu-se até os níveis
atuais. Tenta-se , hoje, suprimir algumas mediações entre produtor e consumidor
final, que parcela a mais-valia. A relação direta entre patrão e trabalhador
torna-se cada vez mais indireta, por mediações de pessoas, coisas e processos –
o trabalhador sequer sabe quem é seu patrão e o burguês torna-se acionista
longe da administração prática.
PROPRIEDADE
PRIVADA
Não há
propriedade privada sem propriedade pública, são opostos necessários e irmãos.
O controle da instituição Igreja medieval sobre feudos nada tinha de
igualitarismo. No mais, o Estado é um burguês impessoal. O contrário de
propriedade privada, portanto, na verdade, trata-se da propriedade social, não
estatal, pois pressupõe controle dos operários sobre o seu Estado e sobre as suas
empresas, a ditadura do proletariado, isto é, democracia direta socialista.
Nos países
que esgotaram o capitalismo interno, incluso por restrições externas, a
propriedade privada devora para si a propriedade estatal, pública.
Privatiza-se. Nesses casos, a luta pela estatização tem uma força que nunca
teve antes na história do capitalismo, mesmo nas crises anteriores duríssimas.
À época de Lenin e Trotsky, a propriedade estatal burguesa desenvolvia-se,
ampliava-se, consolidava-se, demonstrava todo o vigor. Hoje é diferente. O
reformismo, de esquerda ou de direita, não tem mais chão, não tem mais saída
por dentro do sistema. Com isso, não nos confundimos com a esquerda centrista
do funcionalismo público, que não toma a posição operária, incluso de seus
desempregados, mas quer o passado keynesiano, quer o Estado burguês forte,
estatista, ainda que não reconheça isso sequer para si mesma.
ALIENAÇÃO
N’O CAPITAL
Tenta-se,
com certa constância, entre acadêmicos, reduzir Marx, diminui-lo. Assim, ele
não chegou a uma economia política dos trabalhadores, positiva, mas apenas a
uma crítica negativa, uma crítica da economia política burguesa, sem mais.
Assim, evita-se o duro trabalho intelectual de ter uma estética, uma ontologia
ou uma ética marxistas. O marxismo é uma concepção, científico-filosófica, total
de mundo. Não cabe, portanto, em caixas apertadas.
Neste norte
que é sul, nesta bússola desregulada, afirma-se que Marx abandonou toda
filosofia em sua maturidade; diz-se que ele, em especial, deixou de lado toda
relação para com sua original teoria da alienação. Tal teoria conclui, entre
outras, que o mundo das coisas domina o mundo dos homens, que o homem
coisifica-se, que a criatura domina o criador (como Deus, criação do homem,
domina o próprio homem). É este o caso, nega-se tal contribuição filosófica?
Mèszáros refutou tal concepção negativa na sua obra “Teoria da alienação em
Marx”, porém não focou especialmente em O Capital. Abaixo, veremos as citações
claras na letra de nosso velho:
Tais formas, em cuja testa está escrito que elas
pertencem a uma formação social em que o processo de produção domina os homens,
e não os homens o processo de produção, são consideradas por sua consciência
burguesa como uma necessidade natural tão evidente quanto o próprio trabalho
produtivo. (Marx, O capital I, 2013, pp. 155, 156)
Vejamos
mais:
A antítese, imanente à mercadoria, entre valor de
uso e valor, na forma do trabalho privado que ao mesmo tempo tem de se
expressar como trabalho imediatamente social, do trabalho particular e concreto
que ao mesmo tempo é tomado apenas como trabalho geral abstrato, da
personificação das coisas e coisificação das pessoas. (Idem, p. 187)
Já está
claro, mas temos outros:
O capital é trabalho morto, que, como um vampiro,
vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho
vivo suga. (Idem, p. 307)
Na manufatura e no artesanato, o trabalhador se
serve da ferramenta; na fábrica, ele serve à máquina. Lá, o movimento do meio
de trabalho parte dele; aqui, ao contrário, é ele quem tem de acompanhar o
movimento. Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo
vivo. Na fábrica, tem-se um mecanismo morto, independente deles e ao qual são
incorporados como apêndices vivos. (Idem, p. 494)
[…] em que o trabalhador existe para o processo de
produção, e não o processo de produção para o trabalhador (Idem, p. 560)
A condição
alienada da classe trabalhadora está de tal modo:
E não poderia ser diferente, num modo de produção
em que o trabalhador serve às necessidades de valorização de valores existentes,
em vez de a riqueza objetiva servir às necessidades de desenvolvimento do
trabalhador. (Idem, p. 697)
Podemos
dar-nos por satisfeitos. No entanto, se se quer um trecho extremamente direto,
temos este:
Assim como na religião o homem é dominado pelo produto
de sua própria cabeça, na produção capitalista ele o é pelo produto de suas
próprias mãos. (Idem, p. 697)
São trechos,
sequer todos, de uma leitura não guiada que demonstram a teoria da alienação de
Marx, isto é, a continuidade, acima da descontinuidade, no desenvolvimento
teórico entre o jovem e o velho Mouro. O método dialético, que é muito mais
além de um jogo de palavras fácil, exige fazer, juntas, ciência e filosofia –
fazer ciência é fazer filosofia; fazer filosofia, ciência. Isto, se se quer ir para
além, ou melhor, para debaixo do mero empirismo e da mera descrição.
Lukács
afirmou que o socialismo não é a superação da alienação, mas o pôr de novas
formas de. Assim, ele quis justificar a alienação nas sociedades “socialistas”
ditatoriais que ele defendia sem crítica até as últimas consequências. Na
verdade, a sociedade socialista, se não destrói toda alienação social com o seu
progresso, ao menos supera a maior parte dela e reduz o que ainda há de.
VALOR E
VALORES
Aquilo que
há, no fundamento, é apenas um único valor econômico, o valor global. Ele se
externaliza e, portanto, se relaciona consigo mesmo. E faz isso por meio de sua
interiorização nas coisas, dentro delas e por meio ou através delas.
O valor
passa, externamente, para diferentes valores, como cada valor individual em
cada mercadoria. Assim, ele age e reage sobre si mesmo como se sobre e com o
outro de si, seu outro.
Duas
empresas concorrentes são, essencialmente, dois valores em disputa. Mas eles
são, no fundo, o mesmo, que concorre apenas contra si como com o outro. Logo o
valor é sujeito e substância, que põe a si próprio, que se automovimenta, em
sua autoconfrontação externa, nas coisas diferentes.
Ao
externalizar-se em vários valores, o valor não aparece como valor social
global, mas apenas na diferença entre eles.
A massa de
valor quer crescer, mas tende, no longo prazo, a diminuir, pois o capital
suplanta a fonte de valor, o trabalho humano. É a já comentada contradição
entre valor e capital.
O capital
fictício, por sua vez, é um capital oco, sem valor, que suga valor para si de
modo parasita. Este é, por exemplo, o caso da renda da terra, que surge pelo
simples fato de alguém ter um pedaço do planeta terra para si.
Em sua
externação, o valor cai de volta no valor global, e este lado externo revela-se
parcial e sem fundamento dentro de si mesmo. Mas ele, este lado, não é mero
engano ou aparência. De fato, o valor confronta-se contra si próprio ao ser a
alma das coisas e dos homens coisificados.
O lado
externo do valor promove a atração e a repulsão no seu evolver. As mercadorias
concorrem umas contra as outras para realizar seus valores, que são apenas um;
os capitais se fundem para enfrentar a concorrência.
O valor tem
preferência, é claro, por estar por dentro do dinheiro, por onde a atração
domina, por onde ele é dinheiro em busca de mais dinheiro, valor em busca de
autovaloração.
Além de ser
que é nada, além de essência da aparência preço; o valor é, também, força ou,
se formos ousados, energia.
A força de
trabalho[2],
no ato de trabalhar, é fonte do valor econômico, fonte da riqueza abstrata
capitalista, junto com a natureza. A força-valor social deriva unicamente da
força de trabalho, mas o capital tende a superar ou quase superar o trabalho
manual abstrato. Assim, apenas forças naturais não humanas serão o ativo na
produção material, encerrando o império do valor, desta força.
A totalidade
do capital, e do capitalismo, seria uma totalidade artificial, em que as partes
têm ligação apenas externa, um mero amontoado, um mero junto, um mero agregado.
Mas há o nexo interno, que faz da totalidade uma verdadeira totalidade e da
parte de fato parte, em relação com as outras partes essencialmente. O que dá
unidade real ao todo é o valor.
Diferente de
Hegel em sua Lógica, onde a força apenas mantém a unidade da totalidade, algo
sincrônico, adoto a dialética de que a força (na verdade, energia) é, também,
em sua concentração, a base da formação diacrônica da própria totalidade, como
da parte ao todo, seu impulso de ampliação e formação. O valor cumpre tal papel
no evolver em totalidade capitalista.
CAPITAL É
CRISE
A crise
costuma ser vista como uma doença econômica ou fruto de certos acasos. Na
verdade, o capital é crise – sua exigência consolidada produz mais crises do
que estabilidades. O fato de haver quebras econômicas é parte de sua regra, de
sua normalidade doentia; isso, em parte, por ser, também, uma transição entre
as sociedades de classes anteriores e o socialismo de amanhã, entre o passado e
o futuro dentro de si, como debatemos em outro lugar.
O pleno
emprego não é o inverso da crise, nem sequer sinal da crise posterior –
trata-se da própria crise, ela mesma. Pleno emprego, para o capital, é crise.
Na essência, o capitalismo promove, para si, uma constante fuga, mas para
frente; o crescimento é a contratendência relativa da tendência à crise. Isso
significa que a crise é, bem visto, uma solução temporária.
Dentro da
relação dialética de tendência com, muitas vezes produzida por esta própria,
sua contratendência relativa, percebemos a causa produzir efeitos opostos.
Fatores da crise produzem a própria saída apenas relativa da crise, seu
adiamento:
1. Baixa do preço;
Com as
falências e com o desemprego, o consumo geral cai – a demanda cai em relação à
oferta de mercadorias. As empresas que resistem à quebradeira, normalmente as
maiores, podem comprar matéria-prima, máquinas, etc. por um preço mais
vantajoso.
2. Redução dos salários;
Na crise, o
desemprego aumenta, por isso as greves param de ter força, o medo da miséria
volta. O patrão consegue novamente impor baixos salários, maior jornada de
trabalho e mais intensidade do trabalho. Além do mais, como a crise é
superprodução e há queda da demanda por desemprego, as mercadorias que o
operário compra com seu salário ficam mais baratas.
3. Falências;
A falência
de muitas empresas, especialmente as menores, faz com que a concorrência reduza
e, então, menor quantidade de capitalistas embolsa o lucro total da sociedade.
4. Novas mercadorias.
Finalmente,
as mercadorias acumuladas nos mercados são vendidas ou perdem validade. Então
demanda-se nova produção.
Percebemos
que a face destrutiva da crise, a quebra econômica, tem seus fatores: excesso
de capital, falências, queda do emprego, queda do salário, não escoamento das
mercadorias, queda da demanda. Tais fatores que conformam a crise são, por
outro lado, oposto, meios para sair dela própria temporariamente, na fuga para
frente mesmo quando recua. A crise não é negada ou superada, mas, neste ponto,
propriamente adiada. Assim amadurece as condições para socialismo.
Se vemos
apenas a causalidade com efeitos opostos, falta-nos ver por inteiro. Tudo fica
mais claro quando pensamos, junto, que a tendência é a tendência de crise, rumo
à crise final, contratendênciada dentro de si, contratendência esta criada, em
geral, por ela mesma, pela tendência.
Em geral, a
razão de fundo é a queda da taxa de lucro causada por fatores como, por
exemplo, baixo desemprego, porque a economia cresce, aumentando salários,
retirando da massa de lucro. Mas há ainda a desproporção entre setores da
economia, entre a produção de meios de produção e produção de meios de consumo,
além de crises outras como as crises inflacionárias.
O
capitalismo é preenchido por crises de vários tipos, e além das econômicas,
pois ele as estimula, as promove. Nisso está, por exemplo, como no escravismo,
a necessidade de duras guerras, da crise de guerra, para obter lucros e boa
posição geopolítica. É seu lado inteiro, seu lado destrutivo.
A solução
parcial e temporária da crise, seu adiamento, tem o efeito dialético de
produzir mais crise, mais profunda, no futuro. A superprodução de capital
mostrou-se como superprodução de mercadorias nos anos 2000. Solução para
estimular o consumo? Facilitar o endividamento da população. Depois vem a crise
do alto endividamento das famílias e da inadimplência. Na crise seguinte,
viu-se uma poderosa financerização, o capital fictício das ações inflou-se ao
nível absurdo. Solução? O Estado comprou os títulos podres. Depois, além do
endividamento alto geral, os especuladores sentiram-se à vontade para jogar no
cassino das bolsas de valores, de criar uma bolha financeira ainda maior, pois,
se tudo der errado, os governos os salvará. Vamos de crise em crise, mediando a
tendência ao fim sistêmico, que apontam o fim do capital. Assim, uma crise não
está apenas separada da outra por um tempo ou parede intransponível, mas a
quebradeira seguinte está internamente ligada à anterior por um mesmo processo.
Trotsky, ao
pensar a curva de desenvolvimento do capitalismo, começa sua construção com a
fase de equilíbrio, quando há grandes crescimentos e fracas crises. É um erro.
Como transição e como crise em si, o capital começa-se consolidado como crise,
não como crescimento, por isso corrijo sua formulação iniciando o macrociclo
coma fase de transição, entre a fase de crise e a fase de crescimento.
O capital,
além de formar um sistema de fato, é de fato uma fase transitória, como
dissemos, quase mera transição, entre os sistemas classistas do passado e o
socialismo do futuro.
A CAUSA
CENTRAL DAS CRISES PERIÓDICAS
Existe larga
literatura sobre a origem das crises, dentro e fora do marxismo. No meio marxiano,
as polêmicas são muitas. As causas apresentadas, em geral, são:
1.
Queda da
taxa de lucro;
2.
Desproporção
dos setores da economia;
3.
Por sua
natureza, o setor de produtos agrícolas não conseguirem aumentar a tempo sua
produção segundo a demanda aquecida;
4.
Superprodução
de mercadorias;
5.
Subconsumo;
6.
Aumento dos
juros.
Nahuel Moreno,
que pouco focou na economia, foi quem encontrou uma resposta geral: a causa das
crises é o desenvolvimento desigual das partes constituintes – 7) como a
população não crescer na mesma proporção do aumento da demanda por trabalho,
fazendo crescer os salários, tirando dos lucros. É uma resposta lógica. Outro
caminho, comum, é este: todas as causas são válidas, pois a crise regular é
multicausal. Mas, eis mais uma contribuição nossa à lógica, as múltiplas causas costumam ter uma causa
única comum. Todas as causas acima, em geral simultâneas, têm mesma origem ou fundamento, a produtividade, se a
produção cresce ou-e deixa de crescer.
A única
exceção é o subconsumo. Tal explicação não pode ser útil porque sempre se pode
imaginar um consumo maior do que aquele em vigor, logo ele nada explica, não
baseia as variações de auge e crise. Além disso, o consumo cresce imediatamente
antes da forma destruidora da crise.
David Harvey
e Michael Roberts fizeram uma polêmica interminável sobre a causa da crise.
Eles deveriam ouvir os marxistas brasileiros, que, por razão da característica
nacional, puderam dizer isto: a ambos falta compreensão da dialética, um
defeito típico dos falantes da língua inglesa no mundo desenvolvido. O primeiro diz que a origem da crise é multicausal;
o segundo, que é a queda da taxa de lucro. Ora, claro que é a queda da taxa –
mas tal declínio não deriva, por exemplo, da desproporção dos setores da
economia, como o aumento dos preços da matéria-prima, o capital constante
circulante? Ou do aumento dos salários? Se tivessem estudado dialética,
saberiam que o fundamento real, entre tantas opções de fundamento, tem, ele
mesmo, um fundamento, o fundamento completo. Assim, encontra-se nos problemas
de produtividade, com suas consequências, a origem primeira das crises
cíclicas.
CRISE:
SUBPRODUÇÃO OU SUPERPRODUÇÃO?
Antes da
maquinaria, as crises eram por falta, por escassez. Por razões naturais e
ambientais, tinha-se má colheita ou os
animais adoeciam, então, crise geral. No capitalismo, ao contrário, a crise
costuma ser dor excesso, por abundância. Podem ocorrer crises de subprodução,
mas a superprodução é a regra regular (de 10 em 10 anos, mais ou menos).
Veja-se melhor: a crise é de superprodução de capitais, capitais em demais, não
grandes quantidades de mercadorias acumuladas na circulação e no mercado; a
superprodução de mercadorias é consequência da superprodução de capitais.
Para o
marxismo, trata-se de um ótimo argumento afirmar que o sistema capitalista é
irracional porque causa fome e desemprego por meio da própria abundância. No
entanto, sendo mais rigorosos, o processo ainda é mais complicado e dinâmico. A
crise de superproduçãode capitais, como entre capitais que produzem o produto
final, não matéria-prima etc., atua junto ou como causa de uma crise de
subprodução, não superprodução. Assim, a produção de matéria-prima, pela
própria natureza do valor de uso (cerais etc.), não consegue crescer a
contento, à tempo, logo há inflação de tal custo para muitas das empresas. A
produção de novos trabalhadores, a reprodução humana, também está muito abaixo
da necessidade do capital em superprodução – os salários sobem por isso. Enfim,
a produção e a circulação de dinheiro encontram limites, logo há elevação dos
juros. Eis três modos de corroer o lucro de ao menos parte da burguesia, o que
produz crise. A produção também produz crise, sua própria quebra.
Assim, a
crise de superprodução é, também, uma crise subprodução – via de regra. Unidade
dos opostos. Mesmo em tempos de superprodução geral e crônica, isso se afirma
como lei capitalista relativa.
OFERTA E
DEMANDA
Marx
considerou fundamental a lei da oferta e da demanda para determinar os preços
de mercado, mas não o valor real das mercadorias. Se oferta e demanda se
igualam, se anulam, então deixam de explicar a origem do valor, que deriva, na
verdade, do trabalho abstrato.
Podemos
afirmar que a fase mercantil do capitalismo tendia a uma demanda acima da
oferta. Tal estado de coisas, fez um impulso à oferta mesma. A principal forma
de demanda muito acima da oferta era a oferta baixa de força de trabalho, que
permitia ao trabalhador impor melhores condições de trabalho na manufatura. Isso
foi finalmente resolvido com a introdução inédita da maquinaria, derrotando o
trabalhador. Desde então, a oferta tende a ficar acima da demanda vigente. Isso
aponta para o planejamento socialista, quando oferta e procura entrarão em
equilíbrio dinâmico.
A oferta
produz a demanda ou, ao contrário, a demanda produz a oferta? O problema
circular esquece, primeiro, que um pode fazer o outro, e vice-versa – embora
não proporcionalmente. Se a demanda permite bons preços, em cenário de
concorrência, pode-se abrir um turno de trabalho novo na fábrica, o que aumenta
tanto a oferta e a demanda, embora não na mesma proporção, porque emprega-se
novos trabalhadores, a demanda produz demanda. Maior oferta de mercadoria
matéria-prima para outras fábricas, logo por preços menores, produz nova oferta
maior também na outra ponta, a oferta produz oferta; neste caso, por exemplo, a
oferta maior pode vir com queda da demanda como com máquinas novas substituindo
trabalhadores.
O problema
da teoria burguesa, mesmo as mais sérias, é limitar-se às formas e à aparência.
Por isso a polêmica circular.
Se, dada a
demanda, a oferta de uma mercadoria se eleva (por mudanças na produção), logo o
preço de mercado cai, o que aumenta, um tanto, a depender da elasticidade do
produto, as possibilidades de venda, de demanda. Se, dada a oferta, a demanda
se eleva, então aumentar-se-á o investimento na produção daquela mercadoria, a
oferta. Há aí um tempo relativo em que demora a ação da causa sobre a
consequência, ação e reação. As duas variantes burguesas estão erradas e
certas, ou seja, há determinação recíproca.
Assim, uma
dentre as limitações dos teóricos da burguesia está em colocar o valor de uso
acima do valor: se aumenta a oferta relativo à demanda, os preços caem – há
novo equilíbrio entre oferta e demanda? Os preços rebaixados podem não
compensar as vendas, os investimentos, ou seja, a produção daquele valor de
uso, por isso queda acentuada do lucro; conjunturalmente, oferta diminuindo
oferta e demanda. Demanda muito alta de alguma mercadoria essencial (ou
monopólios reduzindo a oferta) pode gerar altos preços, diminuindo a
possibilidade de os consumidores terem dinheiro para adquirir outras
mercadorias, de outros setores; conjunturalmente, demanda diminuindo demanda e
oferta.
Tem-se de ver
o todo, pois se o foco é oferta e demanda, nenhuma solução sai daí. O problema
das crises cíclicas de superprodução de capitais, aparentemente superprodução
de mercadorias, é que a taxa de lucro, depois a massa de lucro, cai, caindo
também o investimento, logo caindo a produção de meios de produção também,
porque há muitos concorrentes frutos da euforia anterior, porque há limitada
força de trabalho produzindo pelo emprego rumo a salários e condições de
trabalho melhores corroendo o lucro, porque há inflação aqui com deflação ali
como fatores de corrosão da lucratividade na desproporção anárquica dos setores
da economia.
TRANSFORMAÇÃO
DOS VALORES EM PREÇOS DE PRODUÇÃO
I.
[Trecho de
minha Metafísica Marxista]
A questão
segunda é que, no cálculo, o valor geral deve estar de acordo, no quantitativo,
com o preço de produção geral – iguais. Mas o cálculo não bate (apenas acerta
no modo simplificado como Marx tratou, ou seja, com o capital constante, as
coisas produtivas, valendo pelo seu valor, não pelo preço de produção guiado
pela taxa média de lucro). O assunto é difícil de explicar e detalhado, mas o
leitor terá noção – não desista. Com a dificuldade, matemática, filosofia e
ciência foram ampliados para tentar explicar o paradoxo, resolver o problema do
problema; mas tiveram algo de manobra, de jogo; não por menos, já que os
economistas burgueses fizeram de tal dificuldade matemática a acusação de que a
teoria marxista estava errada no todo e nas partes.
Piero Sraffa
inclui no cálculo a quantidade de coisas, capital constante, na produção, na
medida do preço de produção – o que indica nossa teoria do valor-matéria. Além
do mais, o setor I da economia, que inclui produzir matéria-prima, tira da
natureza o que não tem em si valor (renda da terra, preço sem valor), então,
mais uma vez o valor-matéria entra em questão no cálculo.
Mas há ainda
uma resposta. Marx usou uma taxa geral de lucro para calcular, mas apenas o
aplicou no setor II, produção de meios de consumo. Ora, o aumento de lucro no
setor I, em geral vem com aumento do preço, da taxa de lucro, e até mesmo
possivelmente do (mais-) valor – e exato isso gera uma tensão no setor II, que
compra dele, ou seja, máquinas e matérias-primas mais caras geram tensões, redução
da produção, falências e crises no setor I! Assim, o setor II reduz o consumo,
por exemplo, a compra de mercadorias do setor I. Assim, empresários do setor II
passam a investir no setor I, mais lucrativo (ou o empresário de máquinas passa
a investir em matérias-primas, e vice-versa). Assim, enfim!,o setor II, mais
dinâmico, mais afastado da natureza, regula a taxa de lucro do setor I – para
que a taxa de lucro do setor II continue normal, na sua média, fazendo os
preços de produção seus estarem de acordo com os valores ao final de todo o
processo produtivo global – e até se tornem igual aos seus valores. A taxa de
lucro de um, setor II, regula a taxa de lucro do outro, setor I (embora haja
certa reciprocidade externa). Isso é ver a coisa em movimento, para além de
tabelas estáticas. O paradoxo teórico é um paradoxo real, na concretude, que se
movimenta e se revolve só para depois se reestabelecer como contradição
movente. Lógica concreta: eis a unidade interna lutando para ser externa na
diversidade externa.
Já pensei
que o lucro extra da diferença entre lucro e mais-valia seria destinado a
outros setores da economia, outros investimentos, como pelo fato de o
comerciante receber a mercadoria abaixo de seu valor real (portanto,
possivelmente também abaixo de seu preço de produção), mas isso ainda tem
traços bastante subjetivos.
A resposta
fraca pode ser, então, esta: a teoria do valor é uma teoria monetária do valor
e, logo, a quantidade de dinheiro, em sua oferta relativa às mercadorias,
expressa o valor total; assim, o conjunto dos preços expressam o conjunto dos
valores, pois os valores e preços se expressam no dinheiro total; se a
mercadoria específica torna-se mais cara, e vende-se, por isso, outra será
forçada a ser mais barata para poder vender-se – e o valor total permanece
equivalente; seu preço de produção pode estar anormalmente alto por seus
custos, mas vende-se apenas por um preço médio que realiza, no todo, o valor
como igual aos preços de produção juntos. Podemos considerar a quantidade de dinheiro
uma constante, mas nem isso é obrigatório, pois os preços relativos permanecem,
grosso modo, os mesmos. Por outro lado, a tabela marxista considera que se os
preços ficam maiores, haverá dinheiro extra – porém não precisa ser a regra e
aconsideração real. O dinheiro expressa, na totalidade, o valor total, então,
os preços de produção devem caber na sua ordem e medida. Em Marx, porém, o
dinheiro, um valor-matéria, aparece fora do contexto, como algo externo. A
solução fraca apenas expressa a solução forte anterior.
Fizemos a
resposta dentro dos limites estreitos do valor-trabalho, mas o problerma
simplemente dissolve-se como valor-matéria.
II.
A polêmica
do “problema da transformação” foi resolvida pela mesma resposta – ou seja, falsa
polêmica – por diferentes caminhos:
1. A passagem dos valores para os preços de
produção é uma passagem ontológica, não temporal.
2. Valor é uma
categoria da totalidade, diferente dos preços de produção;
3 Há igualdade na diferença, ou desigualdade,
entre valores e preços de produção (Carcanholo);
4. A passagem dos valores para os preços de
produção é lógica, não matemática (Kurz);
5. Os
elementos ou fatores da produção já são, antes, comprados por seus preços, não
por seus valores (Grespan).
Estas e
outras respostas são, no geral, uma unidade, encontram-se juntas. Mas há algo
ainda a dizer sobre.
Lembremos
que no livro III d’O Capital, de onde surge a polêmica, Marx volta para a
aparência enriquecido pela essência, isto é, consegue ver o acerto e o erro
naquele grau de percepção propriamente burguês. Preço é uma categoria de
aparência, burguês. Mais. O preço é ideal, no cotidiano ou na teoria, enquanto
o valor é, ao contrário, real. Para fortalecer o argumento e nossa conclusão,
citemos em direto o livro I d’O Capital, trechos do capítulo 2
1.
A mercadoria é realmente valor de uso; seu valor se
manifesta apenas idealmente no seu preço…
2.
Desse modo, a realização do preço ou da forma de
valor apenas ideal da mercadoria…
3.
Seu valor se manifesta apenas idealmente no preço,
que reporta ao ouro…
4.
No preço, a mercadoria pode possuir, ao lado de sua
forma real – ferro etc. –, uma figura de valor ideal…
5.
Os preços, ou as quantidades de ouro em que os
valores das mercadorias foram idealmente convertidos…
Há ainda
outras citações, mas vamos poupar o leitor.
Vale a pena
lembrar ainda que, como com o preço, o livro III aproxima-se das mentalidades:
Assim, as configurações do capital desenvolvidas
neste livro abeiram-se gradualmente da forma em que aparecem na superfície da
sociedade, na interação dos diversos capitais, na concorrência e ainda na
consciência normal dos próprios agentes da produção.
O capital é,
também, como projeto original de Engels, uma crítica das categorias da economia
política, incluso a categoria preço. No livro III, Marx abandona
progressivamente a abstração dos livros anteriores em que, para fins teóricos,
o preço foi considerado como equivalente ao valor. Dito isso; é chegado o momento de
apresentarmos nossa conclusão, enfim. A passagem dos valores para os preços de
produção é, portanto, a passagem do real para o ideal, do valor real para o
preço ideal. No pensamento comum e no economista vulgar, no entanto, algo como
valor é pura ideia, ficção, um ideal enquanto o preço é real e concreto.
PROLETARIADO
E VALOR
Existe
polêmica sobre se setores não operários, não produtivos, são, também, parte do
proletariado ou se são setores médios. A resposta é esta: não importa. O nome é
apenas um nome, nada diz de modo direto sobre a natureza da coisa nomeada. O
que interessa é ter clara a centralidade do operariado (em espacial, o fabril) nas
revoluções por suas características. No mais, os assalariados populares e
urbanos não operários ganharam, de fato, enorme importância para as revoluções
presentes, logo podendo mesmo existir revoluções sem protagonismo do
operariado.
O argumento
central para dizer que o setor de serviços é proletariado e produz valor é esta
citação d’O capital:
Se nos for permitido escolher um
exemplo fora da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um
trabalhador produtivo se não se limita a trabalhar a cabeça das crianças, mas
exige trabalho de si mesmo até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão.
Somos
obrigados a ensinar nossos adversários a ler. Vejamos.
“Se” – se!
Reforço o pensador alemão – “nos for permitido escolher um exemplo fora” –
fora! – “da esfera da produção material, diremos que um mestre-escola é um
trabalhador produtivo se” – se! – “não
se limita a trabalhar a cabeça das crianças” – ou seja, o que todo professor
faz! –, “mas exige trabalho de si mesmo” – dele próprio, sem ser controlado
pelo maquinário! – “até o esgotamento, a fim de enriquecer o patrão.”
O setor de
serviços, o professor, pode ser produtivo de lucro ou não produtivo de lucro, se
trabalha para o governo ou na rede privada, mas não produz valor (já uma
fábrica ou operário improdutivo é uma anomalia teórica e prática, ainda que
real nestes tempos anormais). Confundir valor com salário e mais-valor com
lucro é um erro primário comum – tal como confundir mais-trabalho com
mais-valor, forma e conteúdo. Ouçamos, em extenso, Marx:
As dimensões que o comércio assume nas mãos dos
capitalistas não podem, evidentemente, transformar em fonte de valor esse trabalho, que não cria valor, mas
apenas possibilita mudança de forma do valor. O milagre dessa transubstanciação
não poderia, tampouco, operar-se por meio de uma transposição, isto é, se os
capitalistas industriais, em vez de efetuarem diretamente aquele "trabalho
de combustão", tornassem-no tarefa exclusiva de terceiras pessoas por eles
pagas. Não será pelos belos olhos dos capitalistas que essas terceiras pessoas
porão sua força de trabalho à disposição deles. Ao coletor de rendas de um latifundiário não importa que seu trabalho
em nada aumente a magnitude do valor das rendas, nem, ao bancário, que fique o
mesmo o valor das peças de ouro trasladadas para outro banco.
Para o capitalista, que faz outros trabalharem para
ele, compra e venda constituem função fundamental. Apropriando-se do produto de
muitos em ampla escala social, tem de vender na mesma escala e, em seguida,
reconverter o dinheiro nos elementos da produção. Como sempre, o tempo empregado na compra e venda não cria valor. O
funcionamento do capital mercantil dá origem a uma ilusão. Mas, sem entrar
em pormenores, fica desde já evidente: se uma função, em si mesma improdutiva,
embora necessária à reprodução, se transforma, com a divisão do trabalho, de uma tarefa acessória de muitos em tarefa
exclusiva, especializada, de poucos, não muda ela, com isso, de caráter. Um
comerciante apenas (considerado aqui mero agente da conversão formal das
mercadorias, somente comprador e vendedor) pode, com suas operações, encurtar o
tempo de compra e o de venda de muitos produtores. É como se fosse uma máquina
que reduz emprego inútil de energia ou ajuda a aumentar o tempo que se pode
destinar à produção.
Para simplificar o problema (uma vez que só mais
tarde estudaremos o comerciante como capitalista e o capital mercantil), vamos
supor que esse agente de compra e venda seja um indivíduo que vende seu
trabalho. Gasta sua força de trabalho e
seu tempo de trabalho nas operações M-D e D-M. Vive disso como outros que vivem
de fiar ou de fazer pílulas. Realiza função necessária, pois o processo de
reprodução também abrange funções improdutivas. Trabalha como qualquer outra
pessoa, mas o conteúdo de seu trabalho não cria valor nem produto. Figura
entre os custos improdutivos mas necessários da produção. Sua utilidade não
consiste em transformar em produtiva função improdutiva, em produtivo trabalho
improdutivo. Seria um milagre que se pudesse efetuar semelhante transformação
mediante simples transferência de função. Sua utilidade, ao contrário, consiste
em que se compromete parte menor da força de trabalho e do tempo de trabalho da
sociedade nessa função improdutiva. E mais. Suponhamos que esse agente comercial seja um assalariado mais bem pago
que os outros. Como assalariado, qualquer que seja seu pagamento, trabalha
gratuitamente parte do tempo. Recebe por dia, digamos, o valor que corresponde
a um produto de oito horas de trabalho e funciona durante dez. As duas horas de
trabalho excedente que ele executa não produzem valor, nem tampouco as oito
horas de trabalho necessário, embora, em virtude destas, a ele se transfira uma
parte do produto social. Nas dez horas dessa função de mera circulação, se
gasta sempre, do ponto de vista social, uma força de trabalho. Ela não pode ser
aplicada em outra tarefa, em trabalho produtivo. Além disso, a sociedade não
paga essas duas horas de trabalho excedente, embora tenham sido gastas pelo
indivíduo que o executa. Mas, com isso, não se apropria a sociedade de produto
excedente nem de valor. Mas os custos de circulação representados pelo
agente comercial reduzem-se de um quinto, de dez para oito horas. A sociedade
não paga equivalente por um quinto do trabalho do tempo de circulação. Se é o
capitalista quem paga ao agente, diminuem, por não serem pagas as duas horas,
os custos de circulação de seu capital, os quais constituem redução de sua
receita. Para ele é um ganho positivo, pois decresce um elemento negativo para
a valorização de seu capital. Quando pequenos produtores autônomos de
mercadorias despendem parte de seu próprio tempo em compra e venda, esse
dispêndio só poderá ser ou tempo gasto nos intervalos de sua função produtiva
ou interrupção de seu tempo de produção. (Idem, p. 148, 149, 150, grifo nosso.)
Apenas nas
fábricas, minas, transportes, campos e construção civil se produz valor, além
de casos especiais como nas padarias. Apenas neles, portanto, há proletariado;
um professor ou um pastor de igreja não
tem escala crescente de produtividade, caso de algum modo falamos de
produtividade em tais setores, o que é uma poderosa medida.
O problema
de muitos marxistas, sociológicos em especial, é terem lido, quando de fato
leram, apenas o livro I d’O Capital. Se tivessem lido o livro II, veriam que há
trabalho improdutivo de valor na fábrica, e mais, se é improdutivo antes, logo
é improdutivo depois, dirá Marx, mesmo gerando lucro. “A divisão do trabalho,
ao tornar autônoma uma função, não faz dela criadora de produto e de valor, se
já não o era antes de tornar-se independente.”
Marx faz uma
observação que nos é sugestiva:
Alterando-se sua concepção da natureza do
mais-valor, altera-se, por conseguinte, sua concepção de trabalho produtivo.
Razão pela qual os fisiocratas declaram que somente o trabalho agrícola é
produtivo, pois só ele forneceria mais-valor. Mas, para os fisiocratas, o
mais-valor existe exclusivamente na forma da renda fundiária.
Por
analogia, torna-se claro o motivo de os defensores enfáticos do “precariado”,
do proletariado como igual a (quase) todo assalariado, da produção do
mais-valor sempre que há mais-trabalho, ou aqueles que dispensam a
centralidade, mesmo que relativa, do operariado-proletariado tenderem ao
reformismo e ao centrismo, além de relativizarem o papel do partido de tipo
leninista em nome dos partidos “anticapitalistas” como Syriza e Podemos. A
concepção teórica, como sobre qual trabalho produz valor, corresponde, em
muitos casos, à concepção política.
TEMPOS DE
TRABALHO E DE PRODUÇÃO
No livro 2
d´O capital, Marx afirma: 1) o tempo de produção é maior que o tempo de
trabalho (pois, por exemplo, a mercadoria deve secar, ir à secagem); 2) a
tendência é reduzir o tempo de produção ao tempo de trabalho. Dito isso, nosso
complemento é este: 3) na incapacidade relativa de diminuir o tempo de
produção, de reduzi-lo ao tempo de trabalho, surge uma pressão a mais para
reduzir o número de trabalhadores na produção afim de reduzir custos.
O ESTADO
Embora sem obra
específica sobre o Estado, Marx trata de tal ferramenta em vários pontos de sua
grande contribuição literária. O poder despótico dentro da fábrica tem seu
complemento e sua unidade necessária com o poder estatal. Destacamos que o
capital iria a uma rápida autodestruição, levando junto consigo a humanidade,
caso não fosse a ação da sociedade e do seu Estado como com a implementação de
uma jornada normal limite de trabalho e um salário mínimo. Assim, por fora o
capital foi parcialmente controlado na sua real e inevitável
incontrolabilidade. Mas isso é metade do caminho, da reflexão: o capital ou o capitalismo
impediu a rápida barbárie não como um outro, o Estado enquanto externo, mas
limitou a si mesmo como se fosse por meio de um outro. Fato é, como dissemos em
outra oportunidade, que o capital é transição entre as sociedades de classes e
a possível sociedade não classista do futuro, logo as medidas que impediam a
rápida deteriorização social apenas aumentaram o tempo necessário de transição.
Quando o mercado devora a si mesmo, não mais apenas todo o resto, usa o ente
geral abstato, o estado, para se regular e se mediar. Quando pode fazer tal
movimento.
Ainda como
dissemos, o Estado hoje mantém artificialmente a sociedade do capital. Isso se
expressa na seguinte mudança: antes, a luta era pela vigência da livre
iniciativa, sem controle estatal, que deveria cuidar apenas do básico; agora,
já desde o passado keynesiano, tornou-se natural o Estado ou o governo ter um
plano econômico, um projeto de desenvolvimento etc. Tal necessidade de
intervenção, mesmo se negativa, demonstra, em parte, a artificialidade do
sistema e a necessidade de sua superação por uma economia planejada.
RELAÇÕES E
FORÇAS DE PRODUÇÃO
Quem
determina quem? As mudanças nas relações de produção são a causa das mudanças
nas forças produtivas ou, ao contrário, estes, em seu desenvolvimento, mudam
aqueles? Ora, isso é: 1) uma noção mecânica de causalidade, mas a dialética é
causalidade recíproca, ou melhor, interação, influência mútua ao mesmo tempo; e
2) isso é querer regras que dispensem a pesquisa empírica. Pode ser um ou
outro, depende das circunstâncias e da época histórica. Devemos evitar tanto o
relacionalismo quanto o substancialismo. Neste caso, evitar tanto Lukács quanto
Bukárin. No mais, o desenvolvimento das forças produtivas podem mudar apenas em
parte as relações de produção antes da mudança total; podem não avançar dadas
as relações de produção vigentes; podem avançar por causa das ou das novas
relações de produção; podem torna-se forças de destruição, forças destrutivas,
dadas as realçoes de produção em vigor.
APONTAMENTOS
SOBRE PSICOLOGIA N’O CAPITAL
A grande
obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua
totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário,
ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados.
Já no começo
de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser
tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem.
Logo mais,
Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação
central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo,
social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo
como natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem
ter que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e
por meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e
subjetivo.
Ao tratar da
cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal
social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O
simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade.
Em outro
ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita
por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua
origem.
Outro fator
está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da
população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais
filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio
se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais
verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde
produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e
nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu
autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como
cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o
estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole.
Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante
desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí
fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10
meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu
naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a
quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer
tipo de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em
geral, inconsciente.
Marx
demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por
exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no
trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido,
tal origem está apagada.
Também
notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam
a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o
valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece
para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de
trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a
pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d’O Capital, mas, ao
avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de “sentir” as conclusões da
obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado
na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e
centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na
aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai
mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do
comércio.
No livro
três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores
sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas,
comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc.
Como
personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do
capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do
capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é
imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o
investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou
pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade.
Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados
no dinheiro, no valor como capital.
Enfim, Marx
deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não
longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia,
que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato
profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau
de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como
a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes
socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças –
por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.
RACIONALIZAÇÃO
DOS ECONOMISTAS
O
capitalismo tem suas leis, mas ele, rumo ao fim, torna-se mais artificial.
Assim, o aquecimento da economia aumenta a demanda por dinheiro, o que eleva os
juros; porém, em nosso tempo, o banco central controla a taxa geral de juros. E
agora? Sem a teoria marxista, criam-se falsas teorias que justificam seguir a
legalidade do real. Por isso, altos salários geraria uma inflação constante que
retroalimenta-se – deve-se, então, aumentar os juros para gerar desemprego,
derrubar os salários. Por isso, também segundo os ideólogos, baixo desemprego
gera sempre inflação (importante) – deve-se aumentar o juros. Por isso,
inflação alta seria sempre excesso de moeda na praça, logo, deve-se aumentar os
juros etc. Ou seja: justificam como podem suas medidas e os fenômenos, longe da
essência real. Antes, o rei tentava substituir o ouro pela prata como bem
queria e dava tudo errado, sem saber o motivo disso, então aceitava-se as
coisas como devem ser sem maiores explicações. Eis exemplo de insconsciente
social.
KEINESIANISMO
E NACIONALISMO
Assim como o
capitalismo leva a focar no mercado, não na produção, também eleva a focar na
nação, não no mundo. Assim, a política keinesiana de esquerda foca nos talentos
nacionais, nos próprios trabalhadores e empresários contra o resto do mundo.
Ora, se os governos de todo o mundo acordam certo dia iluminados e adotam a
política de Keynes, e da MMT, logo, no limite, elas se anulam mutualmente,
deixam de ter efeito, pois prosperam na desgraça alheia, na precarização da
classe trabalhadora de outro país. Embora seu vigor internacionalista
constante, Marx teve algo de nacional na sua grande obra, feita na ímpar
Inglaterra. Aos marxistas, bastaram extrapolar ao mundo suas conclusões e
atualizar sob suas bases.
CONTRA O
IDEALISMO
Marx
contrapõe um fato contra outro fato, não, em primeiro, uma ideia contra outra
ideia. Aqui e ali, uma ideia contra os fatos. O primeiro movimento materialista
ou anti-idealista está ao demonstrar que o valor deriva do trabalho abstrato,
não da subjetividade, por convenção social, na comparação etc. O valor vem da
mão, não do cérebro separado. A ilusão ocorre porque o preço pode estar acima
ou abaixo do seu real valor, sensível até ao humor do comerciante. Logo em
seguida, Marx revela que o valor, mais-valor, a mais-valia, o valor extra
derivam das mãos operárias, não do cálculo mental de um burguês qualquer; na
prática, na empiria, o patrão calcula, tentando adivinhar em certa medida,
quanto “a mais” deverá colocar de preço acima dos custos de produção – mas isso
é aparência, não a verdade de essência. O mais-valor e o lucro surgem das mãos,
não do cérebro administrador. Avancemos: o burguês investe aonde a taxa de
lucro é maior, independente de seus talentos, vocações, inclinações, formação
etc. No mais, o valor extra do comerciante faz parecer que o burguês comercial
coloca um dado preço extra na mercadoria comprada para revendê-la; mas, na
verdade, o industrial lhe passou a mercadoria abaixo de seu valor real. O
padrão ouro impôs-se independente da vontade do rei, do governante – e o
dinheiro impôs-se de modo inconsciente à sociedade, não foi uma criação
artificial. A economia vulgar do MMT diz que o governo tem liberdade de impor
qualquer taxa de juros do tipo curta; o engano se dá porque de fato o governo
tem margem de manobra, mas não vê a essência, que certo caminho para os juros
domina, inconscientemente, a mentalidade do banco central, inescapável; os
juros são, assim, endógenos, impostos pelos ciclos industriais e econômicos. A
assim chamada, pelos burgueses, acumulação primitiva foi afirmada de modo
mitológico com alguns espertos poupando e enriquecendo enquanto outros gastavam
e festejavam, o que teria gerado a desigualdade humana no capitalismo… Marx
demonstra a crueza materialista da acumulação inicial, ou seja, o capital se
impôs com genocídio, escravidão, roubo de terras, perseguição etc. Não pelo
perfil diferente dos homens, uns sábios e acumuladores e outros gastadores.
MODO DE
PRODUÇÃO, MODO DE PENSAR
O modo de
produção e o modo de vida determinam, em última instância, o modo de pensar,
modo de pensamento. Não é uma determinação determinística, mas é quase. O modo
de produção mental (ciência etc.) desenvolve-se e altera-se com alguma
autonomia dentro de certos limites do meio ambiente social. Ou pode vir algo
tão novo ou diferente que se torna marginal ou deixa de existir. Grosso modo, a
mudança real gera a mudança ideal – embora esta também faça aquela, um
materialismo com traços materialistas ideias. Por modo de pensar incluímos o
modo de sentir, moral, valores etc. No início do capitalismo, antes da primeira
grande revolução industrial, Marx afirma, era considerado imoral um empresário
gastar muito dinheiro, não ser um economizador nato, pois isso feria a
necessidade insconciente (social) do capital por mais acumulação, mais-capital;
depois, a moral foi oposta já que esbanjar riqueza abria portas no mundo dos
negócios.
LIMITE DO
SALÁRIO
Por algum
tempo, o Estado impôs salário máximo antes de vigorar o salário mínimo, ou
seja, condições iguais de concorrência entre os capitalistas – até o vale-tudo
tem regras. Mas o salário apenas pode ser tão alto ao ponto de o trabalhador
real não ganhar autonomia, independência, novo destino, abrir seu próprio
negócio etc. Pode-se não aumentar salário, mas ganhar funcionários por meio de
estabilidade no emprego, plano de saúde ou outras saídas criativas. Há um
salário máximo oculto e informal entre os trabalhadores comuns.
VALOR E
VALOR ARTÍSTICO
Como se
sabe, o preço é manifestação incerta do valor, e este é fruto do trabalho
manual humano abstrato voltado à produção de mercadorias. A mercadoria que tem
em si mais trabalho, para sua produção, tem, assim, também, mais valor
econômico em si – se segue, pelo menos, a média social do tempo de sua criação.
Mas o que dizer do valor artístico?
De minha
pesquisa, percebi que o valor artístico, embora não empírico, depende de dois
fatores: 1) trabalho, esforço de criação (incluso a formação do próprio
artista); 2) criatividade – esforço criativo subconsciente. É uma interessante
descoberta perceber que os dois valores, o econômico e da arte, vem, ambos, do
trabalho. No caso do valor da arte o 3) a quanto tempo foi criado e 4) o
material usado também influenciam, mesmo que indiretamente, sua valorização. Um
quadro todo pintado de preto tem um valor artístico nulo ou quase nulo, um, por
assim dizer, zero positivo, enquanto a Mona Lisa de Da Vice tem enorme valor de
arte por seu esforço, direto e indireto, condensado na obra, além do tempo de
existência. Não é possível quantificar isso, o valor artístico, nem sequer é
necessário quantificar tudo, mas de imediato percebemos as diferenças, embora
sem saber traduzir, já que sem teoria, em palavras.
O erro dos
economistas vulgares é pensar que o valor econômico vem da oferta e demanda: se
a demanda está alta, por exemplo, os preços sobem; se a demanda está baixa,
relativo à oferta, os preços caem. Isso é apenas como a realidade deforma a
realidade essencial: se demanda e oferta se igualam, se anulam, o que
explicaria, então, o valor das mercadorias? Ora, o valor, que é e não é preço,
deriva do trabalho. Por analogia, o pensamento vulgar pensa que o valor da arte
vem da necessidade do artista e do público – de fato, a necessidade é
importante como importa a necessidade de uma mercadoria qualquer satisfazer o
homem, um desejo. Mas uma obra de arte tem valor em si, dentro de si, na sua
formação, não por julgamento de público, não pela bilheteria. A necessidade de
uma arte é apenas demanda ou oferta; seu valor artístico deriva,
principalmente, do esforço humano criativo, inspiração e transpiração.
O valor
artístico, como o valor econômico, também pode se expressar no preço – mas
porcamente. Uma péssima obra de arte, que sequer arte deve ser, pode ter um
preço elevadíssimo enquanto o verdadeiro artista morre de fome. A falsa arte –
que tem nenhum ou pouco esforço real – produz, assim, uma forma de capital
fictício, além de servir frequentemente para lavar dinheiro…
Não
queremos, com isso, dizer que todo valor ou toda valoração, como a moral, são
frutos do esforço humano, do trabalho – isso teria de ser provado, demonstrado.
O central aqui, o bom susto, foi perceber a irmandade entre valor e valor da
arte.
A força das
teorias estéticas de Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács etc. é que foram
produzidas por gênios; mas suas fraquezas são o fato de que eles não faziam
arte, não eram artistas, às vezes nem sequer artísticos. Em geral, costuma-se
romantizar o fazer artístico por algo como explosão imaginativa, puríssima
iluminação. Há exagero aí. Escrever, fazer, um poema é difícil, exige
dedicação. A inspiração é matéria-prima, para ser ou estar trabalhada – ou não.
Temo, então,
o valor artístico, fruto do trabalho de fundar o conteúdo pela fusão de forma e
matéria. Temos, ademais, o valor artístico médio, que inclui o tempo da obra,
os materiais usados etc. E o valor como preço, uma deformação necessárias no
aspecto mercantil.
Quanto aos
demais valores, boa parte deles vem não do trabalho exigido, mas também do
trabalho que economizam (pois o Ser é energia em busca de mais energia). Mesmo
assim, exigirá um trabalho específico para tratar dos valores para além dos
valores econômicos.
DEPARTAMENTOS
DE PRODUÇÃO
No livro II,
Marx conclui com os dois departamentos, no movimento global: o I, produção de
meios de produção (máquinas, matérias-primas etc.); o 2, produção de meios de
consumo. Rosa inclui o 3, produção de meios de destruição (armas, bombas etc.).
A desproporção dos setores leva, no externo, às crises. Dito isso, vejamos
possíveis contribuições.
O
departamento 2, produção de meios de consumo, divide-se na produção de
mercadorias comuns e produção de luxo. Pois bem; primeira conclusão, produtos
de luxo costumam caminhar para tornarem-se produtos de consumo popular, com
maior mercado. Os temperos que hoje desperdiçamos foram antes a causa de
guerras e consumo entre os ricos, os celulares em todas as mãos já foram
produtos de luxo.
No
departamento 2, no consumo comum, podemos dividir a produção e as mercadorias
em tipo 1, de primeira necessidade, e tipo 2, de segunda necessidade, estes
últimos comumente mais tecnológicos e menos vitais, mais culturais até. Os de
tipo 2 deixam de ser consumidos assim que há crise e desemprego ou importante
inflação – logo, são mais sujeitos às quebras econômicas, e costumam ser a
ponta de lança, além de tecnologia de ponta, nas fases de recuos.
No
departamento 1, tempos o tipo 1, produção de matéria-prima, e tipo 2, produção de
máquinas. Este segundo tende a quebrar antes nas crises econômicas, um dos
sinais de crise é a recuo da compra de máquinas, muito mais do que de insumos.
Também em caso de inflação, das matérias-primas, tende-se a reduzir a consumo
das mercadorias de tipo 2 do departamento 1.
A divisão
apresentada foca no valor, não no – e sobre o – valor de uso do tipo “duráveis
e não duráveis”, que esconde parte da dinâmica. Por outro lado, a economia real
mais geral pode ser dividida, em sua unidade em movimento (transportes),
energia, tempo (máquinas, redutoras de tempo etc.), espaço (renda da terra,
construção etc.) e matéria (massa). Há incluso, luta de classes por tais
elementos, como por espaço, energia, matéria-água etc.
CAOS E
ORDEM, CAPITALISMO E SOCIALISMO
Em nossa
dialética, o caos não tem lei alguma, mas tem a lei de passar para a ordem.
Assim, o capitalismo é irracional, mas suas leis de desenvolvimento são suas
leis de passagem para o socialismo. A tendência de queda da taxa de lucro, a
acumulação, a concentração e centralização de capitais, a redução tendencial do
número de operários etc. são o caminho do caos para a ordem, a lei do sem lei.
Entre outras determinações, a obra O capital é uma exposição de como o
capitalismo tende a ser socialismo, do caos relativo para a ordem relativa.
Quando dizemos que o capitalismo é irracional, dizemos porque suas leis geram
caos (crise, desordem etc.) e seu caos, falta de planejamento central etrc.,
gera leis cegas.
RELACIONALISMO
E SUBSTANCIALISMO N’O CAPITAL
Em outros
momentos desta obra, explicamos como o bom marxismo supera a oposição entre
relacionalismo e substancialismo, ambos unilaterais. Lógico que há relações,
que não são coisa, e que há substância, mas é comum uma “terceira resposta” nos
objetos de estudo mais complexos.
Nesse
sentido, vejamos um erro imenso de Rubin. Para ele, o trabalho abstrato não é
trabalho, substancial, mas relação feita na troca, algo sociológico. Assim, o
trabalho só se torna abstrato no comércio, pois é aí que os trabalhos concretos
são igualados, possuem valor (ver-se outra oposição do tipo; ora, o valor surge
apenas na produção, mas se revela e só se realiza apenas na circulação, ambos
baseiam o valor).
Como se
fosse nada, Rubin se vê forçado a citar trechos onde Marx associa trabalho
abstrato com atividade de trabalho:
“Se prescindirmos do caráter concreto da atividade
produtiva, e portanto da utilidade do trabalho, o que permanece dele em pé? Permanece
simplesmente, o ser um dispêndio de força de trabalho humana. O trabalho do alfaiate
e do tecelão, ainda que representem atividades produtivas qualitativamente
distintas, tem em comum o ser um dispêndio produtivo de cérebro humano, de
músculos, nervos, braços etc.., portanto, neste sentido, são ambos trabalho humano”
(C., I p. 11). (…) “Todo trabalho é, de um lado, dispêndio de força de trabalho
humana sob uma forma especial e voltada a uma finalidade e, como tal, como
trabalho concreto e útil, produz valores de uso” (C., I, pp. 13-14). (Marx apud Rubin, 1987, p. 150)
Mas, no
lugar de ir para frente, aceitar as palavras de Marx, Rubin vai para o lado
como um caranguejo. Ele não vê que o uso da força de trabalho, que é natural,
ainda que socialmente modificada ou desenvolvida, faz, com o trabalho, a
mediação do social e do natural. Ele coloca uma parede entre o social e o
natural neste aspecto:
De duas coisas, uma é possível: se o trabalho
abstrato é um dispêndio de energia humana em forma fisiológica, então o valor
possui também um caráter material reificado; ou então, o valor é um fenômeno
social, e o trabalho abstrato deve ser entendido também como um fenômeno
social, relacionado a uma determinada
forma social de produção. (Idem, p. 151)
Então, cai
na oposição não dialética ou-ou, ou isto ou aquilo, como se não houvesse um
“terceiro excluído” a incluir. Ele salta do natural ao social, sem mediação.
É curioso
como Rubin se vê forçado a citar Marx contra ele mesmo, mas ainda insiste no
relacionalismo puro. Diz o fundador do marxismo, afirmando que o trabalho abstrato
existiu por eras, mas a diferença atual é que se consolidou, contra o argumento
“historicista”, como algo apenas de nosso tempo:
“(… )Assim,
a abstração mais simples, que a Economia moderna situa em primeiro lugar e que
exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só
aparece, no entanto, nesta abstração praticamente verdadeira como categoria da
sociedade moderna” (Marx apud. idem p. 161)
Rubin finge
que não vê, diz que não foi nada – e leva mais socos. Vamos agora à demonstração
de que Marx, de modo implícito, não explícito, ainda que com passos tortos,
evita cair no relacionalismo ou no substancialismo, neste caso abarcando ambos.
Vejamos a nota de rodapé produzida pelo autor criticado:
Na primeira edição alemã de O Capital, Marx resumiu
a diferença entre o trabalho concreto e o abstrato da seguinte maneira “segue-se
do que dissemos que uma mercadoria não possui duas formas diferentes de
trabalho, mas um único e mesmo trabalho é definido de maneiras diferentes e
mesmo opostas, conforme esteja relacionado ao valor de uso das mercadorias como
seu produto, ou ao valor mercantil como sua expressão material” (Kapital, I,
1867, p. 13; grifos de Marx). O valor não é produto do trabalho, mas uma
expressão material, fetiche, da atividade laboriosa das pessoas. Infelizmente,
na segunda edição Marx substituiu este resumo que destaca o caráter social do
trabalho social pela bem conhecida sentença conclusiva da Parte 2 do Capítulo
I, que deu a muitos comentadores uma base para compreender o trabalho abstrato
num sentido fisiológico: “todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força
humana de trabalho no sentido fisiológico” (C., I, p. 13). Parece que o próprio
Marx percebeu a inexatidão da caracterização preliminar de trabalho abstrato
que dera na segunda edição de O Capital. Prova notável disso é o fato de que na
edição francesa do Livro I de O Capital (1875), Marx achou necessário completar
essa caracterização: aqui, na página 18, Marx deu simultaneamente ambas
definições de trabalho abstrato…” (Idem,
p. 163)
Assim, ele
quase percebe o que está diante de seu nariz, mas recua – nem relacionalismo
nem substancialismo. Rubin diz que até o valor é relacional, algo da troca. Não
uniu produção (substância) e mercado (relação), tornou-se unilateral. Além
disso, o trabalho social é trabalho também individual como necessidade natural
do homem, algo desconsiderado por Rubin.
Não é
suficiente ter olhos para ver – aceitar dói mais. Toda a genialidade de Rubin
sucumbe ao adotar premissas, como a sociológica e a relacionalista, no lugar de
criticar-se desde o objeto.
O abstrato é
o concreto em processo – o trabalho abstrato é o trabalho concreto em processo,
ou seja, no tempo (processo) e como gasto de energia de trabalho (processo).
Hegel afirma
na sua Lógica: aquilo que está na causa continua-se, transfere-se, na
consequência. Ele cita a água da chuva que passa para o chão agora molhado,
ambos com água. Assim, o trabalho abstrato, a energia de trabalho, passa para a
mercadoria como valor. O trabalho abstrato, como gasto e transferência de
energia humana (abstrato), é causa do valor. Rubin conclui suas observações
citando Marx, quando este afirma que se todas as empresas aumentassem a
intensidade do trabalho ao mesmo tempo e da mesma forma, nada mudaria, o valor
expresso em dinheiro nas mercadorias seria o mesmo, nem mais nem menos. Ora,
isso não acontece, pois a regra e a realidade é alguma empresa ou setor
aumentando a intensidade por si, de modo desigual em relação a outras empresas
e setores. O tempo de trabalho socialmente necessário como medida do valor é impreciso,
imperfeito, inexato; pois o valor não vem do tempo, vem da energia, incluso
cerebral, do homem. Assim, Marx afirma na sua grande obra algo do tipo: 12
horas de trabalho produz X valor, mas se aumentamos a intensidade do trabalho,
no mesmo tempo, a quantidade de mercadorias produzidas será maior e a
quantidade de valor também será maior, não alterando o preço individual do
produto nesse nível de abstração. Se o operário leva 2 minutos para produzir
dada mercadoria, mas, por maior velocidade da mesma máquina, produzir em apenas
1 minuto o mesmo produto, logo a quantidade de valor é igual, antes e depois,
pois antes, em 2 minutos, e agora, em 1 minuto, são gastos a mesma quantidade de
energia humana.
Os trabalhos
privados de fato se igualam no comércio, na circulação, mas porque, ao mesmo
tempo, se igualam como trabalho abstrato, gasto de energia, de fato na
produção. A superação do substancionalismo e relacionalismo puros pede passagem.
Dizer que a
igualação é algo do mercado é cair no erro de Aristóteles, criticado por Marx jpa
no início de sua grande obra, de considerar que não há igualdade real, apenas
existe o artifício de igualação para fins práticos. Marxismo não é
relacionalismo! Hegel, fundador da moderna dialética, inspirou Marx ao dizer
que, primeiro, há, no fundo, a substância e, segundo, ela – esta substância –
expressa a si mesma nos seus “acidentes”, que estão, no externo, em interação
livre, solta, (o mercado!) como se não houvesse o lado de “dentro”, digamos
assim, o substancial. Assim, Hegel funde, na diferença, substância e relação,
substancialismo e relacionalismo. Eis uma das bases “literárias” dos primeiros
capítulos d’O Capital, em especial o primeiro. A verdade está em um terceiro, o
excluído incluído.
DEFLAÇÃO DA
CONCORRÊNCIA
Até as
primeiras fases da mecanização da produção, as mercadorias eram muito
parecidas. Hoje, se diferenciam na sua igualdade. Vejamos um exemplo banal:
mesmo com concorrência, sem prévio acordo, as diferentes padarias aumentam o
preço de seus produtos, parecidos, e de modo parecido diante do insistente
aumento dos custos. Por quê? Porque a demanda é estável, fidelizam consumidores
etc. Um amaciante melhor mantém seu preço maior relativo ao mesmo produto
concorrente mais barato de menor qualidade – cada um com seu público. Claro,
nas crises a concorrência entre eles aumenta, como com a queda geral da
qualidade do produto; nos crescimentos estáveis, antes do boom, cada um cuida
como se do seu espaço.
MICRO E
MACRO - CONTRADIÇÃO
Há apenas
macroeconomia como há apenas macrobiologia. Mas, no externo, existem
contradição e diferença entre micro e macro. Por exemplo, uma onda geral de
demissão pode ser feita para reduzir custos microeconômico – mas isso derruba a
demanda geral, crise. Tal contradição assim é, inescapável neste sistema, mas
reunificado sob o socialismo planehado. Há planejamento local, por exempresa,
ainda não geral.
REALIZAÇÃO
DO VALOR DE USO
Pelo
valor-matéria, a crise é de superprodução de capital e, depois, de mercadoria.
Ou seja, excesso de valor de uso e não realização do valor de uso, do produto.
Nesse sentido, sem a necessidade de pensar o valor metafísico (sendo ele também
material, ainda que em outra dimensão). O valor de uso apodresse nas fábricas e
nos estoques e prateleiras. Além disso, o valor de uso trabalho não se realiza.
E o dinheiro é guardado para melhor momento, como diz Keynes, embora não seja a
causa da crise de modo algum, mas sua consequência natural.
DUPLA
INTENSIVIDADE
Marx diz que
o capitalismo tenta ter mais valor e mais-valor aumentando a jornada de
trabalho, extensividade, ou acelerando o trabalho, intensividade. Lembramos que
há duas intensividades: a concreta e a abstrata. A primeira é a exigência de
mais velocidade ou mais intensividade do trabalhador; já a segunda ocorre quando implementa-se certa
máquina por onde o trabablador, por exemplo, dobra sua produção com a mesma
intensidade aparente, fisiológica e concreta. Este última é um grande artifício
do capital por onde esconde o aumento da exploração. Daí porque o salário por
tempo ganha maior dimensão frente ao salário por peça hoje, no capitalismo
maduro ou no tardio. O contínuo produz mais do discreto – dialética.
A PULSÃO DE
CRESCIMENTO DO SOCIALISMO
Na busca por
lucro, o capital teve pulsão incontrolável e inconsciente, não decidida por
ninguém, como lei cega, de expandir-se cada vez mais, de superar todas as
fronteiras até que o mundo, por ser redondo, fosse todo preenchido consigo.
Isso se mostrou como luta entre concorrentes, entre capitalistas, e busca do
dinheiro por mais dinheiro.
Ora, se o
socialismo não for, no futuro próximo, algo contingente, ele teria de,
necessariamente, tender – não deterministicamente – a expandir-se, tender a ser
total, à superação do capitalismo em todo o globo terrestre. Do contrário, ele
seria muito mais ideia no geral irrealizável do que matéria pronta para surgir
no real.
Em primeiro
lugar, o socialismo é uma decisão consciente, a afirmação da racionalidade
humana. Por isso, de modo algum virá naturalmente e precisa no mínimo um
partido com projeto de poder de fato livre e igualitário.
Em segundo,
a própria revolução em um país, de imediato, serve de exemplo para outros
povos. O exemplo é sempre contagiante, vitória estimula vitória.
Em terceiro,
as revoluções exigem, infelizmente, guerra civil, e isso significa destruição,
além disso, quebra das relações comerciais internacionais. A revolução é,
então, uma forma de crise econômica se ela acontece em algum país central.
Em quarto,
mas de modo algum abaixo na hierarquia, o socialismo somente pode vir se o
capitalismo torna-se incapaz de oferecer reformas, de melhorar a qualidade de
vida da maioria. Ou ele cumpre uma função civilizacional, mesmo se contraditória,
ou merecerá cair, ser superado. A revolução impõe uma nova era de reformas.
Em quinto, o
socialismo, com seu planejamento democrático e central, com a concentração de
recursos no Estado operário, poderá, por saltos, elevar a produtividade,
respeitando o meio ambiente, o que o fará vencer a concorrência internacional,
além de oferecer produtos de alta qualidade (resistência etc.), fazendo
definhar a economia capitalista de outras nações. Os primeiros estados
socialistas, além de seguir seus talentos e tradições, terão de estar na e
buscar sempre a ponta tecnológica.
Em sexto,
empresas internacionais, se o socialismo vence num país imperialista, serão
estatizadas e colocadas sob gestão de democracia direta, operária, tanto dentro
do país revolucionado quanto nas filiais da empresa em outras nações.
Em sétimo,
um Estado operário atua para colocar a classe trabalhadora na ofensiva.
A pulsão do
capital de expandir-se encarnou-se na personagem do patrão, do capitalista, que
tomou a vontade do valor em busca de valorização como vontade sua, como pulsão
sua como alguém possuído por um demônio, Mamón. Assim, por outro lado, a classe
trabalhadora encarnará, vencendo ou não, se ganhar consciência disso, a pulsão
do capital de deixar de ser capital, de haver condições maduras e a necessidade
do socialismo. Dirá Hegel: liberdade é, também, reconhecer a necessidade.
O
primitivismo, o comunismo da miséria ou da escassez, impulsionava tal modo de
vida por meio da reprodução da tribo-família, que se dividia em dois novos grupos
quando crescia a si mesma até um ponto limite. O escravismo ampliava-se porque
a guerra contra outros povos além das suas fronteiras era necessária para ter
novos escravos, mais escravizados e mais terras para exploração rumo ao
enriquecimento maior. Possivelmente o mais fraco em autoexpansão por seu
ruralismo fixo, o feudalismo tinha por hábito passar a coroa ou o feudo para o
filho primogênito, levando os demais filhos a, entre outros caminhos, ampliar o
domínio feudalista sobre novos territórios sob justificativa da ampliação do
domínio da Igreja.
O PONTO DE
IRREVERSIBILIDADE DO SOCIALISMO EM CAPITALISMO
Lukács, em
sua obra de Ontologia, afirma a irreversibilidade dos processos, como o
feudalismo dando o lugar ao capitalismo na França sem ponto de retorno, ou da
URSS não retornar ao capital. A história parece refutá-lo desde a queda do muro
de Berlim. Podemos dizer, então que a parte muda de fato apenas se o todo
também e necessariamente estiver maduro como deve, como o mercado mundial no
final do século XVIII. Uma cadeira, uma parte ou coisa, pode sair do lugar e
depois reverter ao análogo ao passado, retornar para mesma posição, enquanto a
tempo humano simplesmente passou para frente, irreversível.
Em primeiro
lugar, o Estado radicalmente democrático do socialismo impede medidas de
retorno pleno ao capital, boicota e reprime tais medidas. Assim foi o começo do
capitalismo, a dominação formal era, por exemplo, até o século XVIII, obrigar
toda a “ralé” a trabalhar de modo humilhante; em seguida, diz Marx, uma lei
como se natural regulava o trabalho, uma dominação real, mais que formal ou
externa, que disciplina o trabalhador com medo do chicote invisível da ameaça
de fome e desemprego.
Mas temos,
aqui, de abstrair o Estado, pois o sistema socialista deve se sustentar sob
seus próprios pés, ao menos após alguns anos ou décadas. Um curioso leigo
pergunta se ele terá liberdade de criar uma grande empresa no socialismo se ele
bem quiser; respondemos que hoje é impossível criar feudos medievais por conta
realidade que impede de todo. Como, portanto, o socialismo impede
“naturalmente” a grande propriedade privada?
Em segundo
lugar, a jornada de trabalho será baixíssima já no começo do novo sistema,
reduzida ao mínimo. Assim, um operário não aceitará trabalhar para um
empresário se ganhará mal e trabalhará mais do que deve. No socialismo,
desemprego é proibido. Um dos defeitos do “socialismo real”, uma das causas
centrais do ponto de retorno ao capital, era que o trabalho não se tornava
quantitativamente e qualitativamente diferente do trabalho sob o capitalismo.
Em terceiro,
impossível concorrer com um Estado, ou seja, com uma sociedade que controla o
Estado, e se este se organiza como uma enorme empresa unificada e planejada,
tendo em suas mãos, com democracia operária dentro das fábricas, o grosso dos
meios econômicos.
Em quarto, o
dinheiro, a partir de certo ponto, deixará de existir.
Em quinto,
as fábricas e os produtos modernos exigem hoje e cada vez mais enorme
investimento em todos os aspectos, como pesquisa e sua fundação. O custo de
construir colossais meios dá ao Estado – repetimos, gerido pelos cidadãos – uma
vantagem larga.
Em sexto, a
revolução opera mudanças culturais como uma visão correta e crítica do passado.
Parece-me
que o segundo aspecto é o mais importante e vital, intimamente ligado à,
sétimo, automação-robotização-digitalização generalizada no socialismo
avançado, imponto tempo livre, abundância e novas relações de produção-sociais.
Além disso, a revolução mundial, ao mudar a totalidade, ao menos os países
centrais, porá o ponto de não retorno, junto com a necessária democracia real
do socialismo (há que lembrar que um regime Estado existe por uma composição
social que exige tal regime, além de certa inércia, logo a democracia
socialista não existirá por mera decisão e acordo, mas por uma base real que a
exige, como desemprego inexistente e jornada de trabalho baixíssima). Em nossa
época, nos primeiros anos, um país de transição socialismo pode mesmo retornar
ao capitalismo ou ir à barbárie, embora improváveis.
Na URSS, em
especial, vale destacar que se desenvolvia um conteúdo material capitalista,
fábricas com certa tecnologia, certo nível técnico próprio ao capital, e
tentava-se, em contradição, impor uma forma socialista, ainda que parcial. Uma
contradição conteúdo-forma – e todo contraditório tem de se revolver,
avançando, senão definha.
DESTINO DO
CAPITAL
O capital
acumula-se mais na região aonde há melhores condições. Mas capital atrai mais
capital, mesmo sem boas condições melhores, de tal maneira que uma parte ínfima
do mundo (um pedaço dos EUA, Japão, litoral da China, pequeníssimo ponto da
Europa etc.) concentra metade da indústria mundial. Há, portanto, acumulação
territorial, desigualdade combinada. Uma fábrica cresce no singular; no
particular, uma fábrica exisge novas fábricas auxiliares, matéria-prima etc.;
no geral, o capital vai aonde há mais capital, mais-valor, mais-capital, mais
dinheiro. Eis uma desigualdade inevitável sob o atual modo de produção. Daí a
atração de mão de obra de todo o mundo, o que pressiona contra os salários por
mais oferta de trabalhadores. O processo, então, retroalimenta-se de vários
modos.
JORNADA DE
TRABALHO REAL
Diz-se que a
jornada de trabalho no Brasil é oito horas. Mentira: desde quando escovamos os
dentes, fazemos tudo em torno rumo a ir à empresa. No almoço, comemos para ter
forças e nervos para trabalhar – esse tempo está preso ao trabalho. Depois,
mais horas no transporte. Ainda dedicamos 12 horas por dia ao trabalho, mas uma
parte de outro modo. Além disso, o trabalho hoje é mais intensivo do que no
século 19, ou seja, tempo – antes extensivo – condensado. Depois, cuidamos dos
filhos para gerar mais trbalahdores. Aos domingos, ajeitamos a casa o
diainteiro para deixá-lo em condições de permitir o trabalho normal… Pensar
pouco sobre isso auda a suportar a condição.
A jornada de
12 horas também aprisionava o patrão que poderia contar, mesmo, apenas com os
moradores mais próximos. Com menor jornada, com transportes coletivos etc. Ele
pôde contar com a mão de obra de toda a cidade ou mais – para chantagear o
operário com a ameaça de sua demissão, de seu caráter descartável. A
intensidade da jornada e a produtividade fizeram, então, suas obras. Depois,
tornou-se difícil aumentar a jornada dada a tradição trabalhista.
CRISE CATEGORIAL
DO MAIS-VALOR
Marx diz da
lei de que o aumento da produtividade equivale à diminuição do valor, relação
inversa. A categoria de mais-valor permanece existente, mas muito enferrujada
rumo à categoria de “indenização de capital” (Marx). Este último conceito era
aplicável quase que apenas aos transportes já que havia muito capital constante
(máquinas etc.) relativo ao variável (trabalhador manual direto). Com a
automação, a robótica e grande psso do capital constante – o lucro e a
mais-valia em geral tendem a cambalear para a chamada indenização de capital.
Mas a conceituação mais precisa, por seu contexto hoje, seria “renda de
capital”. É apenas uma expressão correta nas palavras da crise concreta daquilo
que as palavras expressam.
CAPITAIS E
CRISE DE ABSTRAÇÃO
Um lado da
crise de abstração dos capitais é a concentração e centralização altíssimas,
monopólios e oligopólios, unidade de capital produtivo e financeiro (e
comercial). Mas há uma abstração toda especial, entre outras que podem ser
destacadas (como abstração da mercadoria, perda de materialidade, e por fusão
de valores de uso); trata-se da abstrações dos capitais; os bancos são mais
digitais, assim como o dinheiro, o que reduz a necessidade de exitência com
tantos suportes físicos, funcionários etc.; o comércio virtual precisa de
depósitos, mas reduzem a necessidade de lojas físicas. Claro que isso reduz
custos e aumenta os lucros, mas é sinal oculto e subterrâneo da abstração total
de tais capitais, de seus fins, da substituição pela economia central,
democrática e planejada. É sintoma. De certo modo, condição – uma das.
AS OBRAS O
CAPITAL E CIÊNCIA DA LÓGICA (DE HEGEL)
Como
dissemos, como Hegel começa com ser e nada em devir, Marx começa com valor de
uso e valor. Mais: em Hegel, o ser passa para ser aí, com algo e outro – em
Marx, a mercadorias passam para mercadoria e dinheiro. Em Hegel, então, o para
outro e o para si – em Marx, mercadoria e dinheiro (este se torna para si). E
assim vamos. Começa a (má) pulsão infinita do capital, em buca de mais-valor –
como o mau infinito regeliano logo em seguida, em sequência. Em Hegel, da
relação um-muitos, o um que se fragementa em muitos e depois retorna, temos a
relação de extensão e intesividade – em Marx, da cooperação que vai para a
fragmentada mafutarura e depois reúne-se de novo na grande indústria, temos a
relação de jornada de trabalho extensiva e intensiva. O livro 3 da Lógica trata
da lógica subjetiva, a lógica dos conceitos – o livro 3 d’O Capital trata de
conceitos subjetivos (lucro, taxa de lucro, preço etc.). A correspondência pode
não ser perfeita, mas há ainda, sim, uma correpodência nas dua obras por
inspiração, incluso sequencial.
CONTRADIÇÃO
INTERNO-EXTERNO
No Livro 3
d’O Capital, Marx diz, ao tratar das diferentes formas de capital, de suas
autonomias externas, até independência externa, junto, dentro, da unidade
interna que são, apenas um. Isso é uma contradição movente, isso produz
contradição. Por exemplo, a desproporção de desenvolvimento entre o
departamento I da economia, produção de meios de produção e de matérias-primas,
e o departamento II, produção de meios de consumo, gerando crise.
Apesar do caráter autônomo que possui, o movimento
do capital mercantil nada mais é que o movimento do capital industrial na
esfera da circulação. Mas em virtude dessa autonomia, o capital mercantil
move-se até certo ponto sem depender dos limites do processo de reprodução e
por isso leva este a transpor seus limites. A dependência interna e a autonomia
externa fazem o capital mercantil chegar a um ponto em que surge uma crise para
restaurar a coesão anterior.
A tarefa é
resolver tal limite de modo que a unidade interna dos capitais torne-se tão
também externa tanto quanto possível. Isso é encaminhado pela concentração e
centralização de capitais, pelo monopólio moderno, pela fusão dos capitais
financeiros, industriais e comerciais, pela aglutinação de valores de uso, pela
crise que destrói o capital em excesso etc. O auge, solução, é a economia como
uma única grande empresa unificada e centralmente-democraticamente planejada do
socialismo. A integração das coisas, como com a internet, mesmo que fragmente
os homens, tornar-se condição para a plena integração dos mesmos homens e das
mesmas coisas.
IDENTIDADE
Marx afirma,
em manuscrito não publicado (lembremos), que produção, distribuição, troca e
consumo são unitários, unidade na diversidade, mas não idênticos. Todos os
conceitos citados, determinações, são de todos os sistemas econômicos, menos,
grosso modo, a troca, por isso vamos abstraí-lo. Produção é, sim, consumo,
consumo produtivo, além de ter distribuição (de matéria-prima etc.) interno;
consumo é, sim, produção, pois produz a força de trabalho e o trabalhor;
distribuição é, sim, consumo e produção, pois, de um lado, transporte é
produção, oferece mais valor ao produto (O Capital livro II), além de consumir
o trem etc., e tem valor mercantil final apenas no fim, na prateleira prestes
ao consumo final. Há unidade na diversidade – mas há, também, identidade na
diversidade. Claro que cada determinação tem sua particularidade e ganha mais
riqueza própria. Se A = B, se A = C; logo, B = C. A, B e C são iguais, ainda diferentes. O conceito
de troca, parece, fora do lugar, ajudou Marx a fazer uma afirmação correta, mas
parcial. Tudo é produção; e este divide-se em produção e não-produção.
FORÇAS
PRODUTIVAS
Pensa-se
força produtiva apenas como técnica, até como apenas maquinário (isso tem razão
de ser, expressa uma verdade temporal, como veremos logo em seguida). Há,
grosso modo, três forças de produção: 1) natureza, 2) técnica e 3) homem. No
longo primitivismo, quase toda a história da humanidade, a natureza foi a força
produtiva central na prática com seu poder constrangedor e com suas
possibilidades. Nas sociedades de classes, cujo auge de tal aspecto é o
capitalismo, a técnica foi alçada ao centro. No socialismo, a força produtiva
central será a força produtiva central – o homem. A economia e, em especial, a
técnica será, enfim, escrava da humanidade, não mais o inverso, talvez mesmo da
natureza por mediações.
CONQUISTA DO
COSMOS
Moreno, ao
constatar o esgotamento dos recursos naturais e energéticos do nosso planeta,
lança o desafio da conquista do espaço sideral. Ora, tal vitória exigirá fruto
de um altíssimo desenvolvimento das forças produtivas, logo necessariamente a
superação do capitalismo, a fundação do socialismo. Apenas torna-se ou
consolida-se uma civilização do tipo 1 se avança para a liberdade igualitária.
O desenvolvimento das forças produtivas, ou sua necessidade, impõe tal tarefa
superior. Assim, se houvessem outras humanidades em outros planetas, também
deveriam avançar para uma civilidade real, substantiva, tal como nós deveremos
em pouco tempo, logo ali na escala histórica. Se se quer a conquista de fato,
organizada e otimizada, do cosmos, tem-se que construir o socialismo. Assim,
impossível, ao contrário do que pensam alguns, haver civilizações
interplanetárias, mas bárbaras (dividida em classes, dominação do homem sobre o
homem etc.) – claro, se houvessem os improváveis outros seres conscientes e
avançados em outros mundos. Romper a atmosfera exige romper com a propriedade
privada, com a existência de classes sociais, o Estado e a família monogâmica.
O NÃO CRESCIMENTO
DA ECONOMIA
Intelectuais
limitados como David Harvey e bons economistas como Eleutério Prado dizem da
necessidade de não crescimento da indústria ou do PIB como saída social e
ambiental. O socialismo resolve isso diminuindo a quantidade de empresas por
aglutinação de produtos num só suporte, altíssima resistência dos produtos, reciclagem
e reutilização de quase tudo que hoje é descartado, obrigação de custos
ambientais nas empresas, transporte público autônomo e de qualidade, novas
formas de captação de energia. Ademais, a sociedade socialista diminui muito a
demanda por remédios etc. ao, por exemplo, elevar a saúde mental e corporal. A
redução relativa do número de fábricas, contra o produtivismo, estará
acompanhada de elevação da qualidade de vida.
A ESFERA COISAL
Lukács
afirmou que nem a psicologia nem o lado coisal seriam esferas ontológicas
próprias. Em acordo com ele, penso que a o mundo das coisas é, ao menos, um
colateral, uma falsa modalidade de ser – um é que, ao mesmo tempo, não é.
Quando Marx diz em sua grande obra que uma relação entre homens mostra-se como
uma relação entre coisas, não trata de apenas um engano; na verdade, as coisas
impõe uma lógica de si, uma relação entre elas mesmas tendo o homem como o
suporte.
O máximo
desenvolvimento do ser inorgânico levou ao ser orgânico, ao biológico; o máximo
desenvolvimento deste último levou ao ser social, o homem humano; o auge do
desenvolvimento deste, o capitalismo, levou ao ser coisal. O anterior é sempre
base e suporte do próximo, como na relação homem-coisa em nosso atual modo de
vida.
A esfera
coisal, seu poder, inclui coisificar o homem. Como diz Marx, há humanização das
coisas e, em relação direta, coisificação dos homens; a máquina é o sujeito
enquanto o homem é um objeto, uma ferramenta de carne daquela. Assim como o
homem, em seu desenvolvimento, humaniza a natureza, que veio antes e de onde
veio, a coisa, em seu desenvolvimento, coisifica o homem, que veio antes e de
onde veio.
O ser coisal
consolida-se com a imitação de movimentos humanos na produção, substituindo
braços e cérebros. Mas não para aí: a robótica visa imitar a sensibilidade do
homem, até mesmo superá-la. Em nosso tempo, temos vírus de computador que se
multiplica, como um ser vivo, e recentemente criamos robôs com a pulsão, a
programação, de multiplicar-se a si próprios. A concorrência capitalista, que é
uma lei cega imposta pelas coisas tal como estão, leva a que surjam várias
tentativas de produzir a melhor inteligência artificial – poderá surgir uma
inteligência similar à humana, mas sem emoção?
A integração
das coisas tem vindo acompanhada do isolamento dos homens. Tal integração é
condição da integração humana no socialismo, mas não condição absoluta – é,
hoje, uma aposta social.
O dinheiro é
a coisa central, a Coisa das coisas; o valor é a alma objetiva delas, um verbo
que se quer fazer carne. Segundo Carcanholo, o valor era apenas um adjetivo da
coisa, do objeto, do produto como mercadoria; para ele, tornou-se, como
capital, um adjetivo substantivado[3].
Complementamos: tornou-se, depois, substantivo concreto, com a maquinaria e
suas consequências humana e coisais, para tender a ir ao substantivo abstrato
e, por outro lado, ao mesmo tempo, verbo que se faz carne (isto se relaciona
com as quatro eras do capital: a era do capital mercantil, a era do capital
industrial, a era do capital financeiro e a era do capital fictício). Com o
devido jogo de palavras, o valor é um sujeito oculto, que exige teoria por
detrás do preço, e um sujeito indeterminado, sem determinações. Como o
espaço-matéria e energia-massa; o valor é um sujeito simples que se torna
sujeito composto, valor e capital, valor-capital, que podem, como vimos, entrar
em contradição.
A esfera
coisal tem sua grande história já no início do ser social, como ferramenta e
produto. Marx diz que temos a coisa, o objeto, mas, por outro lado, a coisa nos
tem – isto é ontológico. Relacionamo-nos pessoalmente com as coisas, nós as
afetamos assim como elas nos afetam. Hoje, elas ganham poesia, estética,
enquanto nosso mundo perde arte. O mundo das coisas, embora misturado conosco,
opõe-se ao mundo dos homens. O valor, o capital, o coisal faz de nós um meio,
encarnações e representantes deles.
A relação
homem-objeto, hoje, apresenta-se assim:
1)
Humanização
das coisas na proporção da coisificação dos homens;
2)
Valorização
das coisas na proporção da desvalorização dos homens;
3)
Integração
das coisas na proporção da fragmentação dos homens;
4)
Ganho de
características das coisas na proporção da unilateralização dos homens;
5)
Ganho de
cognição das coisas na proporção da perda cognitiva dos homens (exemplo: a
tecnologia que pode facilitar o ganho de cultura está tornando desnecessário ao
capital o trabalho qualificado e especializado com consequências como o menor
investimento em educação real);
6)
Ganho de
ativação das coisas na proporção da passivação dos homens;
7)
Harmonização
entre as coisas na propoção do aumento de contradição entre os homens;
8)
Poetização,
estetização, das coisas na proporção da brutalização dos homens.
Apenas o
último é relativo, pois o desenvolvimento da sociedade exige, em parte, um ser
humana mais rico, mais complexo. Veja-se que os homens usavam roupas iguais e
repetitivas, mas agora lidam com a moda.
Quase
exceção do próprio Marx (Capital I, como falsificação de charutos e pães, e
Capital II) e de Mèszáros (taxa de utilização decrescente do valor de uso por
causa da unidade contraditória com o valor), os marxistas deixaram nas mãos dos
economistas vulgares o tema do valor de uso, do objeto. Usam a seguinte frase
de Marx, num de seus textos preparatórios: a economia política centra-se no
valor, não no valor de uso. Ora, Marx faz tanto uma economia política nova, no
sentido positivo, quanto uma crítica da economia política, no sentido negativo.
Por isso, abarca o valor e o valor de uso. A verdade está na totalidade, no
todo. Vejamos o que ele diz pouco antes de morrer: “…que, portanto, para mim, o
valor de uso exerce um papel importante e completamente diverso daquele
exercido na economia até agora.”
Os objetos
não são neutros. O dinheiro é típico do capital e do capitalismo, incompatível
com o socialismo. O mero microfone, usado por líderes autoritários, é condição
para a vida socialista com suas assembleias de bairros e fábricas. Ademais,
temos a concepção correta da lei geral da história humana “produtividade
crescente”, mas ela é apenas quantitativa. Temos ainda a produtividade
qualitativa. Quando o socialismo cumprir, em poucos anos ou décadas, todas as
necessidades humanas em quantidade, com a ajuda de mudanças qualitativas, terá
ainda mais condições de garantir maior qualidade aos objetos.
A alienação,
em resumo, apresenta-se assim:
O sujeito é
o objeto
O objeto é o
sujeito
De tal modo:
o sujeito é o sujeito por seus predicados – o objeto é o objeto por seus
predicados.
O objeto é
predicado do sujeito – o sujeito é predicado do objeto.
A verdadeira
unidade-identidade de sujeito e objeto, sem alienação, estará posta como tarefa
socialista.
HÁ UMA
TEORIA DA HISTÓRIA EM MARX?
Há, sim. Para
muitos marxistas, a famosa introdução de Marx sobre a contradição entre forças
produtivas e relações de produção é insuficiente para explicar que há, ou
deriva-se, uma teoria da história marxista. A comparação de nossa crise
sistêmica com as anteriores demonstra que há, de fato, lei gerais da história,
junto com as leis particulares de cada sistema. Os marxistas acadêmicos têm a
mania de reduzir Marx, diminuir seu papel, que é geral, como na negação da
dialética e de sua visão de mundo. Assim, tratam suas ideias como se dele
fosse. Deixemos o barbudo falar por si:
É supérfluo acrescentar que os homens não são
livres para escolher suas forças produtivas – que são a base de toda a sua
história – pois toda força produtiva é uma força adquirida, o produto de uma
atividade anterior. As forças produtivas são, portanto, o resultado da energia
humana prática; mas essa energia é, em si, condicionada pelas circunstâncias
nas quais os homens se encontram, pelas forças produtivas já conquistadas, pela
forma social que existe antes deles, que eles não criam, que é produto da
geração anterior. Devido a este fato simples, de que cada geração sucessiva se
vê na posse de forças produtivas conquistadas pela geração anterior, que lhe
servem de matéria-prima para a nova produção, surge uma INTERCONEXÃO na
história humana, do homem, e portanto suas relações sociais, são ampliadas. Daí
decorre, necessariamente: a história social dos homens é sempre apenas a
história do seu desenvolvimento individual, estejam eles conscientes disso ou
não. Suas relações materiais são a base de todas as suas relações. Essas
relações materiais são apenas a forma necessária na qual sua atividade material
e individual é realizada. (Marx apud Mészàros, Teoria da alienação em Marx,
Boitempo, p. 226; destaque meu)
Lukács
resumiu as tendências, leis, gerais da humanidade: 1) tendência ao afastamento
das barreiras naturais; 2) tendência ao aumento da produtividade e 3) tendência
à unificação global como espécie. Isso está correto, logo deve ser aceito como
tal.
Nenhum outro
animal tem tais características, apenas o ser de fato social, sequer se
combinados.
Isso tem
consequências. O homem é cada vez mais social, mais individual e com mais
alternativas reais – tende a ser cada vez mais livre. O império absoluto do
coletivo não é marxismo, pois a individualidade – como a intimidade – é uma
poderosa conquista da civilização.
Por que Marx
não fez uma obra sobre? Ele era um pesquisador responsável, não pesquisava o
que queria, mas o necessário. A obra O Capital exigiu quase tudo de si. Cabe,
portanto, aos marxistas desenvolverem o marxismo como temas sobre moral e
essência humana.
Há que
destacar: a história vai do primitivismo para escravismo, para feudalismo, para
capitalismo, para socialismo. Isso no todo, não nas partes. O todo pode fazer
uma parte saltar do modo de produção asiático para, sem passar pelo feudalismo,
o capitalismo, por exemplo. Além disso, a forma como o capitalismo se
desenvolverá, tomando o típico de Marx, tem um “o que” acontecerá, ir ao
capital, mas “o como” pode ocorrer de várias formas e maneiras.
O fato de,
por exemplo, Marx não ter criado uma psicologia não significa que não pode
existir psicologia marxista.
REDUÇÃO DE
MARX
Tenta-se
colocar Marx numa caixa, em especial na reformista e na acadêmica. Assim, Marx
não teria uma teoria da história, mesmo se por derivação, pois não escreveu de
modo direto sobre. Não teria uma cosmologia, mesmo o universo tendo e sendo
história, pois seu foco era o mundo social. Não haveria metafísica e ontologia,
pois o trabalho está em crise. Não haveria dialética marxista, pois não há
tratado dele sobre. Não haveria filosofia, pois devemos focar no Marx maduro,
supostamente apenas científico. Não haveria economia marxista, pois Max teria
feito apenas crítica negativa da ciência particular. Então, livro III de O
Capital seria evitado, pois tem a ideia perigosa de que as crises são
inevitáveis, pois tem a ideia ainda mais perigosa de que a queda da taxa de
lucro aponta o fim inevitável do sistema capitalista, pois seria um manuscrito,
pois teria intervenções de Engels. Depois, bastaria ler o livro I, da
mais-valia e da luta de classes, contra o maçante e frio livro II. Reduzir,
reduzir, reduzir… Assim, evita-se a revolução completa do pensamento iniciado
pelo mouro. Há um antes e depois de Marx.
O MARXISMO
EXTERNO
Imagninemos
se Marx tivesse morrido logo após lançar o manisfesto; portanto, sua tradição
existiria. Mas imaginemos que ninguém descobrisse a teoria do mais-valor, pois
algo difícil e para poucos. Pois bem: mesmo assim, saberíamos, de modo externo,
da crise do sistema – pela lógica material, não do valor. Preceberíamos, nas
últimas décadas, a tendência da queda da taxa de lucro até zero por cento em
nossos tempo. Veríamos a substituição, até o extremo, de trabalhadores por
máquinas – a conta não fecha, pois derruba o consumo e aumenta a oferta.
Veríamos a desmedida do dinheiro fácil de criar. Enfim, o produto necessário do
trabalhor individual seria regular, mas o produto total à classe necessário
seria reduzido; depois o produto geral para aspectos físicos e objetivos da
produção cresceria no conjunto; e o mais-produto, que esconde o mais-trbalho e
o mais-valor, cresceria de modo anormal. A quantidade enome crônica de valores
de uso levaratria à noção de superprodução crônica de produtos e meios. Por
fim, a desmaterialização das mercadorias, a fragilização etc. Sequer tocamos na
matéria essencial: o meio ambiente e sua crise.
O TEMPO DOS
MODOS DE PRODUÇÃO
Incluindo o
socialismo e exceto o comunismo avançado, cada modo de produção e de vida tende
a durar menos do que o anterior e os anteriores. Por quê? Porque é mais
avançado, desenvolve melhor as forças produtivas, chegando com maior velocidade
ao limite, ao ponto nodal, quando precisa passar para o próximo modo. Além
disso, mantém o passado no seu presente.
Um
reformista declarado ou envergonhado justifica a manutenção atual do
capitalismo pela duração longa, e absoluta, dos sistemas anteriores; faz uma
falsa analogia. Assim, deixa de ver a atual crise sistêmica. Além de ser também
uma transição, o capitalismo como organismo sistemático em evolver tende a ser
mais curto em seu tempo de existência, esgota com alta velocidade seu
desenvolvimento.
FÁBRICA E
DITADURA
Marx expõe
em O capital I o despotismo fabril, além de nas minas etc., a ditadura do
patrão e do acionista. No escravismo grego, a elogiada democracia dos homens
livres acompanhava e tinha por base a ditadura nos campos de trabalho escravo e
nos lares contra as mulheres. Ditadura e democracia podem conviver juntas,
aquela sustentando esta. Mais: a necessidade de implementar uma ditadura de
Estado capitalista vem tantas vezes pela necessidade de manter em pé, contra a
rebeldia operária, a ditadura nas empresas. A democracia das reuniões de
acionistas na cúpula executiva da empresa está baseada na mão de ferro contra
seus funcionários. Ou a democracia externa à porta da fábrica existe para
manter intacta a ditadura do capital sobre o trabalho, dentro da empresa.
Assim, unimos base econômica-social e superestrutura objetiva.
O MAIS-PODER
Temos a mais-valia,
o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético mais-gozar.
Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido,
torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder
menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No entanto, de
modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que buscam um
conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço acadêmico. No
mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal.
SOCIALISMO E
TENDÊNCIAS
Já expomos
que o capitalismo, além de ser de fato um modo de produção, torna-se transição,
quase mera, entre o passo classista e o futuro possível. Já dissemos, também,
que a existência de classes dominantes é um sintoma, expressão alienada, da
teleologia não subjetiva, social, de serem expressões deformadas da qualidade
de vida no futuro socialista, onde toda a humanidade será classe dominante,
sobre as coisas (máquinas automáticas, robôs etc.). Feito isso, o socialismo
destrói certas tendências do capitalismo, como a miséria crescente, base para o
revolucionamento total. Muitas tendências “coisais” serão reafirmadas contra as
contratendências típicas de uma sociedade transicional: a substituição do homem
pela máquina será acelerada e sem resistência, a concentração e centralização
do grande capital será total (sem resistências como a repartição de grandes
heranças), a deflação ocorrerá como deve rumo ao o fim da precificação, o
dinheiro ainda existente será virtualizado etc. Nesse sentido, o socialismo
afasta as causas opostas e as contradendências, como as contratendências à
queda da taxa de lucro (queda do salário em principal). A produção social será,
por exemplo, social, não mais de apropriação individual ou de acionistas.
O
DETERMINISMO ECONÔMICO
Dizer que
Marx é determinista na economia é um erro primário, pois a dialética marxista
substitui a causalidade unilateral pela interação, como o Estado também
influenciando a economia, por exemplo. Mészàros tem uma resposta genial: (o
erro do determinismo econômico ocorre, e é parcialmente correta, porque) a
economia capitalista tem uma pulsão de ser determinista sobre toda a sociedade.
Dito isso, há o erro oposto, o outro extremo: considerar que a superestrutura
determina ou tem autonomia. Assim, o valor seria subjetivo e dado pela
utilidade; o valor, preço, “extra”, à mais, seria dado subjetivamente pela
mente do patrão, pelo seu cálculo subjetivo, não pelas mãos do trabalho manual;
o contrato entre patrão e o operário seria uma escolha subjetiva, livre,
relacional, sem imposição do estômago… No externo, há liberdade, interação,
entre os iguais burguês e proletário; no fundo, no interno, há a substância
(valor!) e a necessidade. A ilusão de que nossa subjetividade, personalidade e
decisão são de todo livres é uma aparência necessária, um fato embora tenha
algo de falso (diz-se que a mera adoção da teoria de que temos escolha ajuda
nosso cérebro a fazer escolhas, a ter alternativas). Até a liberdade é
determinística. Com a redução qualitativa e quantitativa da jornada de
trabalho, junto com a abundância aclassista, erguer-se-á o reino da interação,
do acaso, da liberdade, da escolha etc. O socialismo é a revolução contra o
determinismo impessoal econômico, o homem decidindo guiar o próprio homem.
Até aqui,
todas as áreas – pessoas, educação, Estado etc. – estão subordinados à
economia, ou a servem. No socialismo, ao contrário, a economia será subordinada
às demais áreas, no geral, à meta superior da elevação humana do homem. Eis um
dos significados centrais de domínio do mundo dos homens sobre o mundo das
coisas. É uma história para que o centro
do homem seja o próprio homem. É preciso, pois, um alto
desenvolvimento-auge-crise desses fatores "externos" (ciência etc.) para
ocorrer a inversão correta.
De modo
geral, no interno, a força produtiva central é o homem. Mas no primitivismo
era, no externo, a dura e absoluta natureza. Nas socedades de classes, também
no externo, a técnica (por isso tantos confundem forças produtivas com
técnica). No socialismo, interno e externo, o homem.
O ABSTRATO É
O CONCRETO EM PROCESSO
Com o estudo
das ciências naturais (massa é energia em forma de movimento etc.), pude
perceber também com O Capital de Marx esta fórmula qualitativa: o abstrato é o
concreto em processo. Assim, o valor é capital em processo – ou melhor, o
capital, que não é coisa, portanto abstrato, é o valor, material e concreto, que
se autovaloriza (processo). Assim, na produção, o trabalho abstrato é o
trabalho concreto no tempo, ou, o que é o mesmo, no gasto de energia. Assim, na
circulação, o valor e a mercadoria (abstratos) são o produto (concreto) na
troca (processo). Assim, o trabalho manufatureiro, fragmentado, abstrato, é o
trabalho comum, concreto, em processo. Uso os vários sentidos de abstrato, de
concreto e de processo.
Mas duas
observações precisam ser feitas. Primeiro, para Hegel, a verdade é o todo, logo
uma fórmula do tipo “isto é aquilo”, torna-se algo limitado, verdadeiro e
falso. Mas, aqui, ainda respeitando o
limite hegeliano, dizemos “isto é aquilo no processo”, de maneira superior. Por
isso, ainda assim, não usamos a equação qualitativa como chave fácil para todos
os detalhes da grande obra marxista. Segundo, ainda para Hegel, uma equação
particular, como a da gravitação, não pode ser elevada à teoria de tudo, à
teoria geral, universal – exato por ser particular, estar ao lado de outras
leis, equações etc. Mas as categorias que usamos – abstrato, “é”, concreto,
processo – têm tendências gerais.
ATUALIZAÇÕES
D’O CAPITAL
Após Marx,
ocorreram inúmeras corretas atualizações parciais e não sistemáticas da economia
política por marxistas e não marxistas. As contribuições sistemáticas que
resistiram ao tempo são “Imperialismo” de Lenin (inspirado em e corrigindo “O
capital financeiro” de Hilferding), as duas obras “Laws of Chaos” de Farjoun e
Machover e “How Labor Power the global economy” também de ambos com Zachariah –
usando a matemática moderna e a probabilidade. A terceira contribuição ampla e
organizada é esta obra que o leitor tem em mãos, além deste capítulo; além de
teoria unificada do marxismo, teoria de tudo (mais adiante aprofundada) e
análise estrutural da última era do capital pode ser definida também assim,
como atualização. De modo pouco indireto, a obra “O programa de transição” de
Trotsky, inspirada n’O Capital, pode ser incluída como leitura obrigatória para
O Capital do século XX e XXI. No mais, bem possível haver no futuro próximo uma
ou mais atualizações, parciais e sistemáticas, da grande obra marxiana.
Temos três
obras de exposição teórica de tipo dialético na história do marxismo: O Capital,
de Marx; A história da revolução russa, de Trotsky; e esta obra. Se tivesse
concluído toda sua obra de Estética, ao menos na forma de grossos manuscritos,
talvez Lukács fosse um caso dos casos.
FALSO
FETICHE
Já dissemos
que consideramos o valor-trabalho como válido de todo; mais, pois ele é a base
de todos os valores – moral, arte, machismo etc. Mas, se A = A e não-A, um
produto-mercadoria é igual a si própria e à sua diferença, ao outro do algo, ou
seja, apenas na igualdade é igual, isto é, torna-se de fato mercadoria. Assim,
3 quilos de uva = 1 casaco. Mesmo, sim. Veja-se que isso é fetiche segundo
Marx, pois é irracional igualar dois objetos em completo diferentes; ele seriam
iguais apenas por possuírem a mesma quantidade de trabalho humano em suas
origens. Está certo, mas é mais sofisticado. A igualação das coisas é
inconsciente – faz, mas não se sabe o motivo disso. Se a matéria (em central,
átomos), as propriedade e o contexto são levados em consideração, então, uma
coisa é igual, de fato, à outra coisa. Mas olhar apenas a matéria ou apenas a
pripriedade, erra-se. Substância é a matéria; a forma, propriedades; a
grandeza, contexto e totalidade. Por alienação, e relação de mercado é
alienação em alto grau, acontece real igualação de coisas – sequestro da
liberdade, igualdade e fraternidade humana na relação coisal. Ao duplicar o
mundo em mundo da forma-valor e mundo da matéria, Marx trata a igualdade como
engodo, como fetiche. Minha teoria é, nesse sentido, fetichista. Com tal
crítica, ele blinda os marxistas de uma consideração diferente do problema. O
valor incial da moeda ser expressa no seu peso, uma libra etc., revelava algo
melhor – o afastamentro do valor nominal de seu valor real demonstra contexto e
processos como mudança de forma material e de lastro.
PARADIGMA,
VALOR-MATÉRIA E PROBLEMAS DO MARXISMO
Um paradigma
real ou ideal começa a ter problemas na aparência insolúveis, maus enigmas,
antes da sua crise (finge-se, até, que são falsos problemas…) – então, salta-se
para um paradigma ontologiamcente melhor, que responde o irrespondível antes.
As polêmicas insolúveis do marxismo são:
1.
O problema da transformação dos valores em
preços de produção – se há, no todo, igualdade de ambos.
2.
Se
assalariados, em geral, são parte do proletariado como o operariado.
3.
Se serviços
são produtivos.
4.
Se há
trabalho material e imaterial.
5.
Se mantém o
caráter do dinheiro com o fim do padrão ouro.
6.
Se serviços
produzem valor e mais-valor ou apenas lucro.
7.
Sobre o que
é trabalho produtivo e improdutivo.
8.
Se, complemtamos,
capital como a terra possui valor ou apenas preço.
9.
Se trabalho
é eterno ou está à beira do fim.[4]
10.
Se o valor
existe de modo independente, se é “algo” invisível, ou se é relação.
Ao
consideramos o valor-matéria – e matéria, propriedades e contexto – a polêmica
inteira desmancha-se, dissolve-se como se nada fosse. Tudo volta a ser simples
e cristalino. O valor econômico – e todo tipo de valor e valoração – não é
outra coisa que a sua materialidade. A matéria é a medida de todas as coisas.
Sobre isso, veremos com toda clareza ao longo da parte chamada “Metafísica
marxista”, logo em seguida nesta obra. Aqui, apontamos a solução em geral. No
entato, realizamos o marxismo, não rompemos com ele, incluso, geleralizamos para
todo tipo de valor e valoração o valor-trabalho. O trabalho é, também, a medida
de todas as coisas – apenas outro ângulo do mesmo, unido. Mas no princípio era
a matéria. Flectere si nequeo superos,
acheronta movebo!
SOBRE O FIM
O marxismo
estuda o passado e o presente também para saber o futuro, os futuros possíveis.
Vemos, escapando da mera empiria externa, a tendência geral da realidade. É uma
historiografia do amanhã, também
marxista. Isso é possível quando se evita o detalhismo.
Sob o
capital, voltaremos às condições gerais análogas aos do sistema entre os
séculos 16 e 19, tal como descritas por Marx n’O Capital. Caminharemos para
frente como se para trás, mas com maior base tecnológica para a distopia. É uma
forma de má negação da negação. Como reforçaremos a seguir, a decadência chegará
a um ponto de não retorno, onde, se não acontecer antes, o socialismo passará a
ser impossível. Por isso, socialismo ou extinção! Antes deste último, teremos
uma forma de decadência da sociabilidade. Com sorte, alguns membros de nossa
espécie sobrarão.
Em diante,
ponho a disposição um resumo de outro livro sobre as possibilidades opostas,
ambas amadurecendo no real, logo de modo algum imaginativas do tipo artificial
ou sem critérios.
ECONOMIA
POSITIVA
A economia
planeja democrática e centralmente superará a anarquia da produção capitalista,
que produz duríssimas crises periódicas. Com o auxílio de inteligência
artificial e da informática, como a internet, a sociedade saberá como, quando e
quanto produzir de modo a oferecer igualdade entre oferta e procura, nem
desperdício nem carência. Todas as empresas estarão sob controle dos cidadãos,
em especial dos seus funcionários.
Com o tempo,
as máquinas trabalharão por nós, em nosso lugar, em todos os serviços possíveis
– todas as fábricas, nos transportes públicos etc. A verdade: o trabalho é para
as máquinas. Os cidadãos focarão no importante, isto é, educação dos jovens,
arte, filosofia, administração do Estado etc.
Com o tempo,
com a robotização e automação das empresas, o dinheiro deixará de existir. Isso
mesmo – o fim da precificação dos produtos. Todos os membros da comunidade
tirarão dos depósitos sociais públicos e gratuitos, que apenas de longe lembram
os atuais supermercados em cada bairro, os objetos necessários à sua
sobrevivência e vivência com plena saúde física e social. Para isso, um cartão
eletrônico ou um aplicativo de celular, dirá que o indivíduo foi, de alguma
forma, útil à sociedade, trabalhando ou estudando; depois, em estágio mais
avançado, nem tal comprovante será necessário, nenhum controle direto será
feito ao consumo.
ECONOMIA
NEGATIVA
A automação
e a robótica produzirão, sob tais condições, desemprego crônico, grande massa
de miseráveis sem nenhuma perspectiva de, algum dia, ter um emprego, que dirá
se digno. A indústria terá baixíssimo investimento em pesquisa e inovação.
Monopólios privados serão a regra por grandes regiões do planeta; com isso,
preços elevados. A crise econômica será permanente, sem grandes crescimentos,
pois o cenário de debilidade será bom para muitos negócios, como o baixíssimo
preço da força de trabalho ainda não escravizada.
A jornada de
trabalho será de, no mínimo, 12 horas diárias em todo mundo, algo mais em casos
de escravidão aberta e legalizada. Direitos trabalhistas serão proibidos;
haverá salário máximo a ser recebido, por lei, não mais salário mínimo como
garantia.
Os
supermercados serão hipervigiados pela tecnologia moderna da informação e da
vigilância para evitar, com bastante sucesso, roubos e invasões populares
contra a fome. Tais espaços privados terão até armas automáticas com
inteligência artificial precisa para controlar os consumidores.
Haverá uma
escassez artificial garantida pelo Estado, contra a possibilidade de
abundância. Neste cenário, em certos lugares, quem mendigar será condenado à
morte instantânea por lei que a proíbe em certos bairros.
Tudo será
privado, privatizado – tudo. Tudo custará, terá um preço. Como o Estado anulará
os impostos dos ricos e pagará pesada dívida constante aos agiotas oficiais,
liberar-se-á das despesas que em outras épocas seriam mesmo obrigatórias; não
haverá, em exato, serviços públicos.
Campos de
concentração hipertecnológicos serão também campos de trabalho escravo. Neles,
estarão desde comunistas até meros adversários oportunistas derrotados, como
pastores de outras religiões.
RELAÇÕES
SOCIAIS POSITIVAS
Com o tempo,
as classes sociais deixarão de existir. Assim como é absurdo o racismo, o
machismo; será considerado parte de um passado bárbaro a humanidade dividida em
ricos e pobres, em castas, em dominantes e dominados. Todos serão parte da
“classe dominante”, pois todos terão tempo livre para dedicar-se ao trabalho
intelectual, e ao manual de modo lúdico. Haverá apenas indivíduos em
comunidade, juntos em sua individualidade completa. A afirmação do individual,
o pleno desenvolvimento do indivíduo, será, ao mesmo tempo, o pleno
desenvolvimento da sociedade, ambos evoluindo unidos. Como será uma sociedade
da abundância organizada, a inveja será muito menor e, quando houver, terá, em
geral, forma construtiva, de ir para frente, de ser como aquele outro – não
destrutiva.
O desemprego
será proibido por uma escala móvel de tempo de trabalho – jornada curta, menor
ou maior, como de 2 a 4 horas por dia de segunda à sexta, de modo que todo o
trabalho disponível será dividido por todos os postos de trabalho disponíveis;
pleno emprego constante; trabalhar menos, trabalhar todos.
RELAÇÕES
SOCIAIS NEGATIVAS
Os humanos
serão divididos em castas fixas, imóveis. Como veremos, sequer terão contatos
visuais entre eles, os diversos e opostos. A parte dominante será, de todo,
parasita, sem contato pessoal real com as empresas e investimentos; e, vale
dizer logo, não pagarão impostos enquanto a maioria, ao contrário, pagará
impostos pesadíssimos. Um sistema pesado de dívida estatal, que drenará a
receita, garantirá a renda parasitária. O cinismo e a guerra de todos contra
todos, em meio à miséria, será normalidade, parte do cotidiano. Ter escravos
sequer será uma questão social importante, pois é melhor estar desumanizado,
coisificado, a morrer de fome. O desemprego crônico será regra, não exceção, a
maioria.
A CIDADE
POSITIVA
Os muros
serão algo do passado, uma relíquia da quase barbárie. Em cada bairro, haverá
um centro – neste, haverá creche, lavanderia e restaurante públicos e
gratuitos; haverá o cinema, o palco para shows, o clube, o posto de saúde e
demais serviços públicos, a área dos mais variados esportes e exercícios, o
jardim, a área de artes etc. Ao redor de tal centro público, as belas casas ou,
muito provável, os prédios existirão. No caso de morada em apartamentos, estes
serão espaçosos, com varanda, paredes grossas, belos, com mobília completa –
semelhante e melhor ao que hoje é o luxo do luxo.
O transporte
será automático e gratuito, além de rápido.
A CIDADE
NEGATIVA
Muros altos,
grossos, vigiados e perigosos por toda parte. A cidade é dividida em muitas
camadas por tais muralhas, às vezes segundo a casta, como o inferno de Dante. A
maioria morará nas ruas, em casas abandonadas distantes, em improvisos de lar,
dentro de carros velhos etc. A casta dominante terá área de golfe no quintal de
casa… A tecnologia vigiará cada canto 24 horas por dia com inteligência
artificial programada para controlar os cidadãos, lendo até seus pensamentos e
emoções.
O transporte
avançará pouco, além de caro e ruim, pois pouco interessará mudança radical aos
monopólios e governos. Ruas e estradas também serão privadas, cobrando taxas de
travessia.
MEIO
AMBIENTE POSITIVO
As espécies
que sobreviverão ao capitalismo serão multiplicadas com a ajuda da moderna
genética; e mais, novas espécies ressurgirão e surgirão com a ajuda da
tecnologia. Desde a economia planejada, também o homem encontrará novo
equilíbrio com a natureza: produtos tóxicos proibidos, obrigatoriedade de
grande gasto com o custo ambiental nas empresas, energia de fusão nuclear
abundante em total gratuita e limpa, reciclagem e reuso de materiais quase 100%
evitando extrair matéria-prima da natureza, reflorestamento rápido de início
por meio dos corredores ecológicos, administração avançada do clima a do tempo,
colheitas com aproveitamento máximo possível, abelhas salvas e abundantes.
MEIO
AMBIENTE NEGATIVO
Extinção em
massa dos animais de médio e grande porte, caça de todo liberada, epidemias e
pandemias com alta regularidade, fim de florestas, desertificação, maior
desregulamentação do clima com chuvas em falta ou em demasia, desastres
causados por negligência de empresas – por anarquia social, por luta de todos
contra todos da concorrência entre monopólios, porque a busca por mais dinheiro
não tem limites. Escassez artificial de energia, para dar lucro, e escassez de
produtos alimentícios como fonte de maior lucratividade, demanda sobre a
oferta.
ESTADO
POSITIVO
O Estado
será gerido diretamente pelos trabalhadores e setores populares. Substituindo a
corrupta democracia dos ricos, tudo central será decidido nos bairros e locais
de trabalho por meio de assembleias de base abertas. Após decidir o importante,
cada reunião geral elegerá os responsáveis pela gestão, pela implementação dos
projetos aprovados, para cuidar da rotina do comitê de fábrica ou bairro. Para
evitar corrupção, tais representantes terão: 1) salários limitados, evitando
dependência pelo cargo e 2) mandatos perdíveis a qualquer momento se assim a
próxima assembleia obrigatória regular decidir. Além disso, muitas votações
serão por internet. Será parte da rotina social os debates gerais, onde todas
as correntes políticas emitirão suas posições e opiniões por meio da internet e
TV etc. Os representantes nacionais e
internacionais serão eleitos por voto direto dos representados, também com
mandatos perdíveis e renda limitada, ademais de tempo máximo num cargo e tempo
mínimo fora do mesmo de representantes gerais.
Na segunda
fase, mais avançada, partidos deixarão de existir porque a humanidade já
superará a divisão dos homens em classes sociais, em grupos diversos com
interesses particulares. Um parlamento científico, ao lado de uma gestão de
todo técnica, ajudará a gerir a sociedade de modo correto, ainda com
inevitáveis polêmicas.
ESTADO
NEGATIVO
Uma ditadura
religiosa teocrática privatizará o Estado. O governo usará a tecnologia para
impedir qualquer tipo, mesmo se moderado, de oposição. Ainda assim, elegerá
gente “sem partido”, como representantes supostamente populares, logo
corrompidos e controlados pelo poder oficial. Os serviços públicos serão
escassos, quase inexistentes e nulos. O poder policial e militar será privado,
com milícias bem ou mal servindo à família e à casta dirigente. Dados
estatísticos serão proibidos ou, se necessários, secretos.
PODER
POSITIVO
De início,
todo o povo terá direito à formação com armas leves e pesadas, além de haver
milícias operárias e populares nos bairros e locais de trabalho subordinados às
assembleias populares – o exército será dissolvido no povo armado,
auto-organizado e pacífico por razão da qualidade de vida e do autogoverno.
Mesmo assim, no começo, um exército regular será necessário para vigiar
fronteiras e evitar invasões; depois, o mundo unido e socialista dispensará de
todo exércitos. O uso de armas entrará, pouco a pouco, em desuso, pois serão
desnecessárias, usadas aqui e ali, vez ou outra, cada vez menos, para caça
legal e limitada ou em disputas esportivas.
PODER
NEGATIVO
Proibido qualquer
armamento popular. Milícias privadas antidemocráticas dominarão bairros e
favelas, cobrando um “imposto de segurança”. Servirão ao Estado teocrático e
militar. Guerras serão travadas por lucro e para reduzir o número de
desempregados incomodando, além de mobilizar mercenários ociosos e perigosos.
Robôs de guerra avançados, na forma semelhante a humanos e animais quadrúpedes,
serão a nova infantaria – sem compaixão, sem humanidade, por meio de
inteligência artificial. Satélites de guerra com alta capacidade destrutiva
serão usados antes do fim da civilização.
EDUCAÇÃO
POSITIVA
Com a ajuda
da internet, a educação será fonte de prazer e impulso. Haverá esforço máximo
da sociedade para o aprendizado ativo, qualitativo e rápido. A autonomia do
indivíduo será estimulada, e sua capacidade de cuidar de si próprio, e seus
interesses e talentos inatos. O respeito à autoridade será ensinada, mas de modo
crítico e respeitoso aos mais velhos e aos sábios, nunca uma subordinação ou
desestímulo ao pensamento próprio. A maior parte da humanidade será erudita,
muitos cientistas, haverá partidos de teorias químicas ou de teses sobre o
mundo quântico; e todos terão, pelo menos, uma formação filosófica, científica,
artística, prática e humana séria, básica. A constituição mundial do futuro
dirá: Todo cidadão tem o direito e o dever de conhecer as conquistas
científicas, racionais e emocionais da história de sua espécie.
EDUCAÇÃO
NEGATIVA
As escolas
militares serão regra, dominarão. A educação terá por base decorar, repetir,
tornar a alma dos jovens como certa máquina. Trabalho qualificado será
desnecessário. Proibido história, geografia, filosofia e sociologia reais, tal
como devem ou deveriam ser. As poucas escolas serão particulares, para poucos,
da casta dominante – a absoluta maioria será analfabeta ou semi. Como dito,
será proibido mera menção a Einstein, Darwin, Freud, Marx, Engels, Hegel,
Lenin, Trotsky, além de tantos outros. E a ciência ainda existente será quase
de todo aplicada, nunca de base (ou seja, conhecer o como, nunca o motivo
interno dos fenômenos). Apenas a arte religiosa será permitida.
PSICOLOGIA
POSITIVA
Como o
trabalho duro será de pouco tempo, quando for inevitável; como o tempo livre
para a criatividade e para o ócio será alto; como a qualidade de vida e o
acesso aos produtos serão plenos; como a vida em grupo será comum e natural;
como os tabus e preconceitos serão superados, como a relação com a sexualidade;
a essência humana será realizada, a vida psicológica será de boa qualidade,
apesar de ainda imperfeita.
PSICOLOGIA
NEGATIVA
Onda de
suicídio por miséria material e espiritual; uso desregulado, não apenas
recreativo, de drogas; alta solidão; luta de todos contra todos, desconfiança e
paranoia constantes; banalização do absurdo; epidemia de estupros e
assassinatos; terrorismo desprovido de objetivo, por pura revolta sem projeto.
CORPOREIDADE
POSITIVA
Os corpos
humanos serão belos e proporcionais. Do nosso ponto de vista, serão como os
elfos da mitologia de Tolkien. Serão fortes, mas não de músculos inchados de
modo desproporcional. A estrutura óssea será grande e larga, e as pessoas serão
muito altas. Algo raro encontrar alguém feio, pois a pobreza é, muitas vezes, a
mãe da feiura. O envelhecimento será saudável, adiado por muito tempo, e digno;
porque, entre outros motivos, haverá demora para envelhecer. Mudanças genéticas
responsáveis e não racistas ajudarão no desenvolvimento admirável e saudável
dos cidadãos. Talvez, remédios simples para obter imortalidade prática serão
possíveis. O cérebro será cada vez maior e mais complexo.
CORPOREIDADE
NEGATIVA
Será comum
gente com membros amputados por razão de acidentes de trabalho, além de
cicatrizes das torturas na escravidão. Os corpos serão ainda mais
desproporcionais do que já hoje são. A obesidade sem nutrientes de uns
acompanhará a magreza excessiva de muitos. Assim, desagradável olhar um ser
humano se poderemos falar em tal espécie ainda. Além das doenças comuns nos
órgãos internos, doenças de pele serão fartas. Por fome e trabalho duro desde a
infância, o tamanho médio dos “cidadãos” cairá geração após geração. O tempo de
vida médio também será reduzido com o passar dos anos. O cérebro será, em
geral, cada vez menor e frágil em sua complexidade.
A tendência
ao negativo empurrará para a possibilidade da revolução vitoriosa, que forçará
o positivo; a partir de certo ponto, porém, se o negativo consolidar suas
bases, será impossível o revolucionamento total da sociedade. Ao que parece,
temos poucas décadas para decidir nosso futuro. Olhando assim, a escolha é
óbvia e clara – porém exige esforço.
Socialismo
ou extinção!
Poder
operário, camponês e popular!
Organize a
tua revolta!
Trabalhadores
de todos os países, uni-vos!
A CRISE
SISTÊMICA – RESUMO
A crise
sistêmica é, em outras palavras, aquilo que Marx diz quando o desenvolvimento
de um modo de vida chega a um ponto em que as forças produtivas (técnica,
homem, natureza etc.) entram em contradição vital para com as relações de
produção (classes etc.) e, também com suas superestruturas (Estado etc.). É a
segunda época, de declínio, de todo sistema econômico-social.
O comunismo
é o fim
1) Da propriedade privada,
2) Das classes,
3) Do Estado,
4) Da família monogâmica.
O trabalho
hercúleo da humanidade de superar tais elementos de sua pré-história é
facilitado, se podemos falar em facilidade, pelas suas crises estruturais, uma
crise sistêmica.
A
propriedade privada burguesa entra em sua fase final com a redução da massa
global de valor, com a queda da taxa de lucro em seus limites históricos até
meados deste século.
As classes
principais sociedade, a burguesia e o proletariado, afastam-se da produção, o
que gera uma burguesia parasitária, classe social fictícia em certo sentido, e
massa enorme de desempregados com dificuldade de realizar-se enquanto classe.
O Estado é
corroído pela própria lógica de lucro, e enquanto este se torna mais difícil,
por meio da dívida pública crescente, da urbanização, da indústria bélica, etc.
Por outro lado, as condições para o Estado socialista fenecer estão imensamente
maduras.
A família
monogâmica entra em crise com o desenvolvimento tecnológico (anticoncepcional,
etc.), com a urbanização, etc.
Como
observamos, a mesma base material – o motor são as mudanças na produção, o
aumento da produtividade centralmente – motiva os diferentes aspectos da crise
sistêmica, que podem ser abstraídos e tratados separadamente apenas pelo
pensamento. Dentro da realidade, amadurecem juntos e combinados, ainda que em
ritmo desigual. Estamos, portanto, no ponto crítico de nossa espécie, do ser
social. O cálculo histórico bifurca-se em duas possibilidades latentes e
opostas: ou libertamos a humanidade e a natureza ou abriremos a transição para
o fim civilizacional e, talvez, de nossa própria existência biológica.
Hegel diz
isto: “Se todas as condições de uma Coisa estão presentes, então ela entra na
existência.” (Hegel, 2017, p. 130) É o nosso caso? Todas as condições para a
transformação do capitalismo, por dentro de si mesmo, em socialismo estão aí?
Coloquemos de outro modo: todos os aspectos vitais da totalidade capitalista
amadureceram ao seu máximo? Hegel também diz:
O quantum, uma vez que é tomado como um limite
indiferente, é o lado no qual um ser aí é agredido insuspeitadamente e é
direcionado para seu sucumbir. É a astúcia do conceito de capturar um ser aí
nesse lado, onde a qualidade do ser aí não parece entrar no jogo, - e, com
efeito, de tal modo que o aumento de um Estado, de um patrimônio etc., aumento
que provoca o azar do Estado, do proprietário, até aparece, inicialmente, como
sua sorte. (Hegel G. W., 2016, p. 360)
Seguimos tal
linha do máximo desenvolvimento. Agora, faremos um esforço de resumir teses
fundamentadas em outra oportunidade:
1. O comércio atingiu seu máximo extensiva e
intensivamente no mundo.
2. A produção atingiu seu máximo ao fundamentar
uma superprodução crônica latente.
3. As finanças atingiram o ápice com o grande
domínio do mercado financeiro – uma poderosa bolha de capital fictício
formou-se.
4. A produção automatizada e robotizada encerram
o trabalho manual direto sobre a matéria-prima.
5. A taxa de lucro real tende a quase zero até
meados deste século.
6. O investimento tende a cair pela contradição
entre forças produtivas e as relações de produção.
7. Passamos de crises leves com largo crescimento
(de 1945 até 1974) para quase estagnação, transição, com crises mais duras
(década de 1970 até 2008) para, então, chegar à fase das crises longas e/ou
duras com crescimentos fracos e/ou breves (desde 2008).
8. O dinheiro perdeu a sua medida e é criada
artificialmente pelo Estado.
9. A urbanização atingiu seu quase máximo – o
máximo é relativo – em países e regiões centrais, além de a população urbana
ter superado a população rural pela primeira vez na história da humanidade.
10. A concentração
de operários e setores populares na urbanidade impulsiona as revoltas sociais.
11. Tanto a burguesia quanto o
operariado afastam-se da produção, e demais setores, por financeirização e
desemprego, como sinal do fim das classes.
12. As fronteiras nacionais são
desgastadas porque o capital impõe a internacionalização.
13. Na luta anárquica por lucro, o meio
ambiente entra em severa crise.
14. Surgem diferentes formas potenciais
de epidemias e pandemias – como a combinação de urbanidade e grande fluxo
humano com desigualdade social, a má distribuição de futuro na sociedade.
15. A atual alienação degenera a psique
humana, como os enormes casos de depressão no mundo.
16. A arte entra em crise relativa
porque o cinema, a TV, os jogos de videogame, as séries e outras distrações
novas marginalizam as demais artes.
17. A família monogâmica entra em crise
com os anticoncepcionais, a urbanidade, mercadorias que facilitam o trabalho
doméstico etc.
18. Surge o despotismo esclarecido
burguês, como os governos de esquerda para diminui a pressão das classes
trabalhadoras sobre a sociedade.
19. O Estado entra em crise ao manter
artificialmente o sistema, ao prolongar sua decadência: dívidas públicas como
se estivesse numa guerra, privatizações, urbanidade alta exigindo mais gastos e
mais pressão dos trabalhadores etc.
20. A essência das forças armadas são
os infantes, a infantaria – mas a disputa entre Estados obriga investimento na
parte material, pesada, das forças, o que os coloca sob riscos diante de exércitos
subversivos ou de países atrasados (armas semicaseiras podem inutilizar um caro
tanque de guerra).
21. A
ciência encontra limitações sob o capital em decadência, além de esgotar seus
atuais paradigmas; o grau de desenvolvimento científico altíssimo permite um
conhecimento profundo da natureza e da história dos seres inorgânico, biológico
e social. Eis as bases para uma nova revolução científica.
Reforçamos
que, em geral, o aumento da produtividade está como causa central da crise
sistêmica em seus diferentes setores. Ademais, os limites absolutos são, eles
mesmos, além de aproximativos, relativos, ou melhor, relativamente relativos.
Kurz
percebeu a crise da produção de valor, esta a riqueza na forma capitalista,
porém a exagerou com seu típico impressionismo, evitando perceber a mediação, a
contratendência da tendência ao (quase) fim do trabalho manual. Mèszaros
percebeu uma superprodução crônica no ocaso do capital, focando na riqueza
geral de toda forma de sociedade, o valor de uso (e sua necessária e
contraditória relação para com o valor – enquanto Kurz passa, a inverso, do
valor para o valor de uso); porém também caiu em impressionismo teórico, com
sua crise permanente, estrutural, com sua reprodução apenas destrutiva; o que
temos, na verdade, é superprodução crônica, mas latente, crises cíclicas cada
vez mais duras, cada vez mais intensas (além de outras formas de crise da crise
sistêmica). A verdade de ambos, a fusão, está no aumento da produtividade, com
as forças produtivas em contradição com as relações de produção e suas superestruturas
(tal contradição, lembramos, em momento algum foi premissa, mas conclusão da
pesquisa). Cada um observou de modo unilateral um dos lados da verdade. Enfim,
Roberts, limitado à fenomenologia, percebeu uma grande depressão com a queda
significativa da taxa de lucro – que tende a próximo de zero, portanto ao
limite absoluto, até meados deste século.
Isso leva ao
caráter deste livro. Um jovem autor marxista tem a obrigação da humildade, mas
é duas vezes mais obrigatório dizer as coisas tal como são, na sua medida
precisa. O marxismo passou por 5 grandes revoluções ortodoxas; entre elas,
ocorreram importantes reformas teóricas, mas parciais. A primeira revolução foi
a fundação e consolidação do marxismo por Marx e Engels. A segunda ocorreu por
meio de Lenin – teoria do imperialismo, teoria do reflexo, teoria do partido. A
terceira, por Trotsky – teoria da revolução permanente, lei do desenvolvimento
desigual e combinado, teoria da curva de desenvolvimento capitalista, teoria da
burocratização, programa de transição, a estética, a moral etc. (ele foi
inferior a Lenin na política, mas superior na amplitude de suas contribuições).
A quarta, por Lukács – estética, crítica do irracionalismo filosófico, resgate (e
atualização) do método dialético (causa e acaso), reificação e ontologia. Entre
Trotsky e Lukács ocorreram grandes reformas teóricas, embora dificultadas pelo
estalinismo, e despois deste último teórico – em principal: resgate de Gramsci,
Lefebvre, Moreno, Mandel, Kurz, Mèszáros e os teóricos da dependência; além
deles, houve avanços significativos na psicologia, quase revoluções. Mèszários
e Kurz fizeram contribuições, reformas pré-revolucionárias, preparando o
caminho. Este livro que o leitor tem em mãos é a quinta (terceira, como
veremos) revolução por dentro do marxismo. Inexiste nas últimas décadas
contribuição semelhante em quantidade e qualidade, em profundidade. Quase todos
os aspectos e temas do marxismo foram atualizados e corrigidos. Mas isso tem
seu risco, pois a originalidade, ainda mais se correta, costuma ser acompanhada
da marginalização. Um novo marxismo, ainda ortodoxo, que preserva as
contribuições e conquistas do passado, está surgindo.
Cada curva
de desenvolvimento do capitalismo, quando começa a transição e o declínio,
inicia revoluções no marxismo ortodoxo: a primeira curva produz, por assim
dizer, não apenas de modo metafórico, Marx e Engels; A segunda, Lenin, Trotsky e
Lukács (além de Gramsci etc.); a terceira, Mészáros, Kurz e, enfim, esta obra.
Nesse sentido, temos três revoluções, cada uma correspondente a uma das três
etapas do capital, cada revolução industrial etc. Embora pareça improvável,
dada a profundidade intensiva e extensiva dente livro por exemplo, talvez as
próximas revoluções socialistas ou a continuidade do aprofundamento da
precarização na vida comum aprofundem a última revolução interna marxiana.
Marx e
Engels apenas poderiam surgir na Alemanha (superestrutura) – com sua ânsia
modernizadora, combinação e contradição de avanço e atraso, tradição filosófica
etc. – desenvolver-se na França (estrutura, classes e relações de) e
consolidar-se na avançada Inglaterra (infraestrutura, economia). Trotsky e
Lenin apenas poderiam produzir desde a Rússia com seu desenvolvimento desigual
e combinado, com altíssimas contradições, com dura ditadura czarista, com sua
combinação de oriente e ocidente etc. A preparação da terceira revolução
marxista só poderia surgir na Europa da terceira revolução industrial, mas
teria muito mais oportunidade e facilidade de desenvolvimento num país como
Brasil, com forte classe operária, tradição de grandes lutas, democracia
burguesa, decadência e desenvolvimento máximo de seu capitalismo não
imperialista, diversidade, vocação internacionalista, país muito dialético (na
realidade e no pensamento), dura presença da pobreza, pluralidade de marxismos
etc.
As
revoluções dos anos 1820 a 1848, de base econômica, formaram Marx e Engels. A
revolução russa alçou Lenin, Trotsky e Lukács (além de outros menores, mas de
forte produção). A crise sistêmica enfim iniciada deu origem a Kurz, Mèszaros e
esta obra – a próxima grande revolução estimulará tal movimento.
Os textos a
seguir visam dar um passo decisivo na consolidação do marxismo ortodoxo como
visão de mundo definitiva.
TESES SOBRE
A CRISE DE ABSTRAÇÃO
1.
Os
diferentes capitais e suas formas tendem à unificação parcial e total.
2.
O capital
fictício rompe sua medida, ainda que de modo relativo, hiperflaciona-se, ganha
autonomia artificial.
3.
O
trabalhador é afastado ou alienado de seu trabalho alienado por robotização,
automação. Há crise por redução do valor, do trabalho abstrato.
4.
O dinheiro
desloca-se de sua relação direta com sua base material, perde sua medida.
5.
Pela dívida,
o consumo imediato abstrai-se da realização imediata do valor da mercadoria.
6.
A união
urbana agrega os antes separados, mas isolada o indivíduo.
7.
Os estados
nacionais mal resistem à tendência de integração.
8.
O homem
rompe com a natureza.
9.
O isolamento
do homem da comunidade, dos oturos e de si o adoece.
10.
O estado
abstrai-se de sua sociedade como com a profissionalização das forças militares.
11.
A arte deixa
de ter matéria-forma-conteúdo – torna-se arte abstrata, falsa arte.
12.
A moral
torna-se abstrata, abstrai-se.
13.
A mercadoria
abstrai-se, perde materialidade, perde conteúdo, há fusão concreta de valores
de uso exigindo menos valor e trabalho.
14.
A burguesia
afasta-se do capital a partir do qual tem lucro
Não são
todos os casos nem todos os tratados nesta obra – mas servem de referência e
aproximação.
[1]
Isso não inteiramente verdadeiro para nomes de pessoas. O nome próprio
sugestivo pode influenciar a personalidade de um indivíduo porque: 1) a criança
tem uma lógica rígida, confundindo o significado e o significante (se me chamo
flor, logo uma flor sou); 2) somos todos sugestionáveis em algum nível, tanto o
portador do nome quanto as pessoas em volta; 3) o nome pessoal ajuda a formar o
eu, a perceber-se como um outro em relação ao meio. São muitos os casos
“isolados” ou “coincidências” quando o nome próprio influencia o destino de
alguém, servindo para chegar à mesma tese por indução, não apenas por dedução.
[2] A
expressão conceitual “força de trabalho”, usada por Marx, deve ser substituída
por “energia de trabalho”. Entre outras tantas definições corretas, energia é
“capacidade de trabalho”. A categoria força entra em crise categorial.
[3]
Como o adjetivo “plástico” realizou, no grande desenvolvimento das coisas, sua
substantivação por meio do material chamado “plástico”, com variadas
possibilidades de uso, derivado do petróleo.
[4]
Isso merece uma consideração extra, um adiantamento ao leitor. Porque o trabalho
é natural, até necessidade natural, não
se deve deduzir por isso e sem mais que é eterno em si. Mas se um robô
humanoide produz um valor de uso industrial, ele trabalha… Sim. trabalho
objetivo (em contraposição ao subjetivo, ou humano, ou manual) subordinado,
grosso modo, ao trabalho intelectual subjetivo e criativo. O trabalho tem fim e
não tem fim ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. A crítica do valor, fim do
trabalho, e a ontologia marxista de Lukács, eterno trabalho, estão ao mesmo
tempo certos e errados, nem certos nem errados. Se o trabalho é natural em
vários aspectos, o socialismo é uma ruptura (com reunião, claro) com a
natureza, ser mais social, menos natural, ou seja, mais afastado do trabalho
como condição de sua natureza. O trabalho duro, repetitivo e alienante é para
as máquinas – mas é trabalho ainda, de novo tipo, ou seja, socialista, ou seja,
o domínio dos homens sobre o mundo das coisas, nunca mais o inverso.
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