domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 11 - CHINA: IMPERIALISMO SUI GENERIS

 

CHINA: IMPERIALISMO SUI GENERIS

 

“Perseguir o protecionismo é como trancar a si mesmo em um quarto escuro. Embora o vento e a chuva sejam mantidos lá fora, também o serão a luz e o ar.“

Xi Jinping, presidente da China, em defesa do livre mercado.

 

O deslocamento da China no cenário mundial tem despertado interesses e produzido polêmicas. A questão permanece quase enigmática quando observamos os fatos sem seus fundamentos. Neste capítulo, portanto, começaremos com conclusões teóricas gerais para oferecer uma resposta que se pretende definitiva sobre o caráter geral do desenvolvimento chinês.

Como o título deste capítulo antecipa, a oposição teórica sobre se a China é semicolônia privilegiada ou imperialismo (típico) solucionamos com a resposta de que é um caso Sui Generis de nação imperialista.

 

OS DESLOCAMENNTOS DA PRODUÇÃO E O CAPITAL INTERNACIONAL

As nações ricas passam por processo de desindustrialização. A produção desloca-se, em parte, para países atrasados, em especial a China, porque os custos de produção neles são menores – menos direitos trabalhistas, menor tradição de luta dos sindicatos, reduzida exigência de proteção ambiental, etc. – e há grande mercado real ou latente.

Por razões semelhantes – menor custo com a terra, menor custo de deslocamentos, menor tradição de luta de classes urbana, menos necessidades pressionando salários, etc. –, tal deslocamento também ocorre das grandes cidades para as pequenas e para o interior Exemplo brasileiro: as cidades do interior de São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Bahia são onde está grande parte da produção de metalurgia, roupas, alimentos etc. Por evidente, a construção civil tem vida nas capitais e maiores centros urbanos, mas em todos os Estados da federação ver-se a interiorização do setor produtivo. A exceção até o momento parece ser a China, permitindo controle centralizado e ditatorial de sua classe operária, o que se configura como vantagem e estimula a adoção de regimes autoritários em outros países; mas mesmo aí as chamadas TVE’s, a produção em vilas e no campo, conheceram algum importante auge por alguns anos.

A localização espacial da produção tem a ver com a luta de classes, é um resultado de tal luta. Surgem, então, países e grandes cidades consumidores, permitidos pelo avanço dos transportes e das comunicações. Tal realidade afirma-se como tendência.

O deslocamento de empresas, principalmente as baseadas no trabalho manual, para países em “desenvolvimento” é uma das expressões da contradição entre a necessidade nova de desenvolvimento das forças produtivas e as relações sociais e jurídicas da atual sociedade, que devem ser superadas, isto é, na medida em que tal direito de propriedade permite deslocamentos territoriais e posterior recebimento dos lucros à revelia dos territórios. O desenvolvimento geral, internacional, das forças de produção é, assim, atrasado, contratendenciado dentro de si, evitando a substituição de trabalhadores por máquinas, enquanto o capital mina os conceitos de nação e fronteira.

Precisamos extrair uma primeira conclusão geral do deslocamento do capital; destas observações, descobrimos que o capital cada vez menos tem pátria (abstração, crise de abstração). Tal conclusão, que poderia ser relativizada em outras épocas, revelou-se plena com o presidente norte-americano Trump, pois este – representando a ala menos internacionalizada da burguesia daquele país – produziu medidas de Estado para atrair o capital produtivo ao território estadunidense. A partir do balanço sobre o papel da China no processo de desindustrialização nos EUA e no mundo, como no Brasil, inicia uma guerra entre estados nacionais. A burguesia sabe que qualquer um dos regimes e governos lhe serve e cada vez menos tem fidelidades nacionais, seguindo a tendência de seu próprio capital; vive na “América”, em Dubai ou é “cidadão do mundo”, mas sua pátria real é o dinheiro. Vejamos uma expressão disso em artigo sobre a restauração do capitalismo na Coreia do Norte:

 

(…) existe uma ferrenha disputa em curso pelo domínio de seu mercado entre as burguesias da China e da Coreia do Sul. Como em ambos os países as empresas norte-americanas têm papel destacado, esta disputa está sendo aproveitada por elas, apesar do embargo norte-americano após 2006. A China não participa do embargo e as duas Coreias são consideradas, do ponto de vista comercial, um único país. (redação, 2017)

 

Desfiando a citação: 1) o Estado norte-americano aprova embargos contra a Coreia do Norte; 2) as empresas dos EUA estão instaladas na China e Coreia do Sul; 3) estas empresas operam, em nome da lei do lucro, por fora das medidas do Estado de onde se originaram. Este é um exemplo do processo de desnacionalização do capital.

A base desta despatrialização tem relação direta com o altíssimo desenvolvimento dos transportes e das comunicações, a produção em um determinado país ser exportada para as demais nações sem perder competitividade.

 

 

OS CENTROS DE GRAVIDADE NAS ERAS DO CAPITAL

A China deseja ser a fábrica do mundo e começa a entrar em conflito com os EUA, que ainda dominam. Dito isso, se está correta nossa afirmação de que entramos na era da revolução social desde a década de 1970, que abre o período de decadência da fase imperialista, concluímos que chegamos ao fim da época “país de domínio relativamente estável” (com decadência arrasta dos EUA), como foi a Holanda na era do capital mercantil, a Inglaterra na era do capital industrial e o EUA na era do capital financeiro.

Embora faltasse teorizar, Marx percebeu o movimento de substituição de centro de gravidade em cada era do capital:

 

A Holanda, primeiro país a desenvolver plenamente o sistema colonial, encontrava-se já em 1648 no ápice de sua grandeza comercial. Encontrava-se “de posse quase exclusiva do comércio com as Índias Orientais e do tráfico entre o sudoeste e o nordeste europeu. Sua pesca, frotas e manufaturas sobrepujavam as de qualquer outro país. Os capitais da República eram talvez mais consideráveis que os de todo o resto da Europa somados”.

Com as dívidas públicas surgiu um sistema internacional de crédito, que frequentemente encobria uma das fontes da acumulação primitiva neste ou naquele povo. Desse modo, as perversidades do sistema veneziano de rapina constituíam um desses fundamentos ocultos da riqueza de capitais da Holanda, à qual a decadente Veneza emprestou grandes somas em dinheiro. O mesmo se deu entre a Holanda e a Inglaterra. Já no começo do século XVIII, as manufaturas holandesas estavam amplamente ultrapassadas, e o país deixara de ser a nação comercial e industrial dominante. Um de seus negócios principais, entre 1701 e 1776, foi o empréstimo de enormes somas de capital, especialmente à sua poderosa concorrente, a Inglaterra. Algo semelhante ocorre hoje entre Inglaterra e Estados Unidos. Uma grande parte dos capitais que atualmente ingressam nos Estados Unidos, sem certidão de nascimento, é sangue de crianças que acabou de ser capitalizado na Inglaterra. (Marx, O capital I, 2013, p. 1001, versão digital)

 

A mudança de países centrais – Holanda, Inglaterra e EUA – se dá pelas características particulares e históricas do país mais o impulso de seu atraso relativo, a contradição como motor. Caso dos EUA: a dificuldade de obter mão de obra barata, dada a quantidade de terras disponíveis para o cultivo, forçou a burguesia estadunidense a investir em capital fixo, maquinário, rumo à segunda revolução industrial. A Inglaterra supera a potência comercial holandesa por sua produção, por tomar as terras comunais dos camponeses, que não eram a avançada e decadente propriedade feudal, de modo a gerar propriedade privada do solo para fins de lucro e uma massa enorme de desempregados prontos para o trabalho em troca de um salário baixo. O atraso relativo da China cumpre papel semelhante na crise sistêmica. O mais provável é que os próximos Estados Operários reproduzam tal movimento. Se um país das proporções do Brasil – que não é como as avançadas nações imperialistas, tem grau relativo de atraso – inicia a transição ao socialismo, tornando-se gatilho da revolução mundial, teremos efeito análogo e de curta duração histórica já que o novo sistema geral dissolve tais desigualdades, respeitando as características e potencialidades de cada região. O atraso relativo gera a necessidade de avanço por saltos, como demonstra a lei dialética do desenvolvimento desigual e combinado descoberta por Trotsky.

     O processo de financeirização das economias decadentes, demonstrado por Marx (e Arrigh) no último parágrafo da citação anterior, também se generaliza na medida em que a economia global entra em decadência (ocorre também no Brasil). Naquelas nações que passavam o bastião, o rendimento deixava de compensar, direcionando a riqueza móvel, o dinheiro, às atividades de maior retorno, financeiras e de apoio aos investimentos noutros países. O investimento americano e de outros países desloca recursos, desta vez, para a China.

 

ALGUMAS OBSERVAÇÕES

Observemos que há um caminho inverso entre o PIB dos EUA e o Chinês em relação ao mundo:

 

 

GRÁFICO 17

Fonte: ( Quandl, 2016)

 

 

Observemos a quantidade de empresas entre as 500 maiores do mundo desde a relação entre China e EUA:

GRÁFICO 18

Fonte: (History of the Global 500, 2020)

 

Em seguida, destaquemos dois grandes projetos chineses para a circulação de mercadorias, para a rotação do capital – o que induz a certo perfil de divisão internacional do trabalho:

 

 

FIGURA 1

Fonte: (Folha de S. Paulo apud Lissardy, 2015)

 

 

FIGURA 2

FONTE: (Ninio, 2015)

 

Em complemento, os países dominantes no sistema internacional de Estados são aqueles destacados em pesquisa e inovação. É o caso chinês:

GRÁFICO 19

FONTE: (McCarthy, 2020)

Elias Jabbour observa que “A China já é o segundo maior país em número de patentes registradas – atrás apenas dos EUA. (…) o registro de patentes no mundo cresceu 4,5% entre 2013 e 2014. No mesmo período, o crescimento chinês foi de 12,5%” (Jabbour, 2020, p. 191). Lembramos o fato de que o Estado alemão proibiu novas compras de empresas nacionais pelo capital chinês, pois isso significaria entregar conteúdo tecnológico de ponta.

O investimento científico uma vez aplicado à técnica permitirá ao governo chinês manter o país na posição de destaque apesar da pressão da luta de classes por melhores salários e mais direitos. Por outro lado, tende a baixar a taxa de lucro. A taxa de lucratividade é a melhor forma de termos as tendências daquela sociedade.

 

GRÁFICO 20

FONTE: (Roberts M. , A China na década de 2020 - Após a pandemia, 2020)

 

Percebemos que o limite sistêmico aproxima-se na China, apesar das contratendências, mas é importante também explicar a base de seu sucesso ou, dito de outra maneira, como usa – e esgota – suas possibilidades. A contradição entre economia planejada e burocracia, a necessidade de solucionar o duplo caráter da revolução e daquele país, como debatemos no capítulo anterior, fez o governo restaurar plenamente o capitalismo, resolvendo negativamente o problema histórico, o que levou ao desenvolvimento tanto quanto possível das forças produtivas, ou seja, a base para nova revolução socialista.

Por outro lado, a revolução chinesa adiou, ao afastar as empresas imperialista, para a partir de fins de 1978 aquilo que poderia acontecer bem antes, como no Brasil, altas taxas de crescimento com o investimento estrangeiro.

Diferente do que foi a formação atrasada, pelo atraso da unificação nacional, do imperialismo na Alemanha, que tentou a via militar para ter acesso aos recursos naturais de outros países, possíveis colônias alemãs; a China é a maior produtora de parte significativa dos elementos da tabela periódica:

 

FIGURA 3

Fonte: (Países com as maiores reservas minerais (e os maiores produtores))

 

 

Tal vantagem foi a razão de desvantagens, de subordinação imperial, de desgraça, em inúmero países, limitados à produção de matéria-prima, à submissão no mercado mundial, à sanha militarista de outras nações. O império chinês, diante da geopolítica mundial, é incapaz de uma dominação direta sobre outros povos para obter, por exemplo, matéria-prima ou mercados, podendo gerar, em nossa época, mecanismos para crescer sua influência política e econômica de maneira mais mediada, pois lhe faltam força e conjuntura para algo ainda mais ousado. Ademais, a China tem menos pressão interna para dominar diretamente outros países, pois que ela mesma é produtora rica, além de outras matérias-primas, daquelas chamadas terras-raras:

 

FIGURA 4

Fonte: idem.

 

O caso da China demonstra a tendência relativa em nossa época de a indústria, a produção dos meios de consumo em destaque, aproximar-se, como processo de integração das coisas, da produção de matéria-prima. Neste sentido, o alto desenvolvimento dos transportes e comunicações, em especial, produz tanto tendência como contratendência, enquanto causa com efeitos opostos simultâneos, ao, por um lado, facilitar a implementação de empresas em outros países com exportação de mercadorias às nações consumidoras, e, por outro, oferecer maior facilidade de obter insumos de modo rápido, barato e em grande quantidade.

Enfim, o governo chino força a marcha de crescimento (em parte, fictício – como com recuo industrial) do PIB acima de 6%, contra os sinais de limite, com um processo estrutural de endividamento, em relação ao PIB, do Estado:

GRÁFICO 21

Fonte: (DÍVIDA PÚBLICA % PIB - LISTA DE PAÍSES)

Ao longo deste subcapítulo, fizemos uma derivação com a exposição de dados. Como dissemos em outro momento, a China estava na fase de ascensão da chamada curva de desenvolvimento; agora está indo-se para a estagnação, que significa naquele país, crescimento em torno de 6% do PIB – muito abaixo disso, ainda crescendo, é crise. Para manter-se, deve impulsionar o desenvolvimento intensivo da produção, maior aplicação tecnológica fabril, entrando em maior conflito com outras nações por mercado.

A China acelera a decadência do capitalismo, não por estimular socialismo em outras nações, mas por 1) acelerar a decadência de países maduros em si para o socialismo, com o com a desindustrialização destes; e 2) acelerar o desenvolvimento, a maturidade para o socialismo dentro dos limites internacionais, de países muito atrasados no Oriente e na África ao investir neles seu capital. Se surgir, por isso, uma nação socialista nova, tal país concorrerá duramente contra os chineses por mercado – o que pode levar o exército chinês a ser uma enorme arma contrarrevolucionária em todo o mundo, por sua infantaria imensa em especial, ainda que abaixo dos EUA.

Agora vejamos este gráfico, comparando com o aumento da dívida pública:

 

GRÁFICO 22

Fonte: (FED apud Martin, 2021)

 

Como vemos, a produção industrial desabou na china desde 2010 (incluso com fábricas transferindo-se para países mais pobres, com custo de força de trabalho menor). O PIB é uma medida comum internacional, mas inexata. O marxismo a usa pela sua extensão, mas seu eixo é focar na produção industrial, se sobe ou desce; há crise se a produção cai, independentemente de um PIB positivo. Veja-se que o governo chinês, com estímulos monetários e investimentos em obras, disfarça uma crise subterrânea, necessária. Ele pode fazer isso, tem maior margem de manobra, apenas enquanto os limites sistêmicos nacionais não amadurecem de todo. A produção industrial caiu exato quando começou todo o frenesi, preso à aparência, em apoio ao “modelo” daquele país.

 

O imperialismo chinês, por seu caráter sui generis, aterroriza os teóricos da esquerda. Tenta-se caracterizar aquele país por meio do método dedutivo, ou seja, se cabe ou não numa lista prévia e fixa de critérios do que seria um imperialismo. Esse não é o método marxista. Primeiro, devemos analisar o objeto de estudo em si para, só aí, explicá-lo; isso pode exigir atualizações categoriais no lugar de encaixes prévios neste ou naquele conceito.

 

UMA VISÃO HISTÓRICA

A história deve ser avaliada em seus traços específicos, como afirma Trotsky. Façamos comparações, semelhanças e diferenças, entre histórias nacionais e países para tornar visualizável e distante de mistificações, ainda que impressionante, o destino da China.

Constitui-se uma lei da fase imperialista do capitalismo o fato de que países atrasados, e até mesmo muitos avançados, com bases materiais para desenvolvimento capitalista tenham de usar o Estado enquanto mediador necessário[1][2]. O caso chinês deveria ser considerado familiar aos estudiosos da história brasileira. A partir da ditadura semifascista de Vargas, o Estado brasileiro reduziu e substituiu importações por exportações ao construir um poderoso parque industrial fundamentado na propriedade do Estado, além do sistema bancário estatal (bancos nacionais e regionais), e desenvolveu política econômica de prioridade à produção nacional; planos nacionais de desenvolvimento foram postos em prática; o crescimento médio anual permaneceu alto por décadas; os regimes de Estado fechados, adotando o semifascismo, caso da ditadura Vargas e do governo militar a partir de 1968, permitiram maior autonomia relativa do aparato governamental relativo às classes sociais, incluso àquela ao qual representa, a burguesia – o que também impulsionou os direitos trabalhistas e a legalização dos sindicatos como resposta às lutas dos trabalhadores; entre os países mais populosos do mundo, uma aceleradíssima urbanização proveu a sociedade com ampla mão de obra e inédito mercado consumidor. Assim o país pôde alcançar um grau intermediário entre o atraso e o avanço. O desenvolvimento dessa base econômica permitiu, logo em seguida e durante tal processo, a entrada do capital internacional; o Brasil tornou-se, assim, o principal destino dos capitais internacionais, com crescimento anual do PIB a taxas chinesas até a década de 1980[3], tendo atingido o pico de 13,9%. em 1973 (média anual de 7,4% entre 1947 e 1980). Ao mesmo tempo, o capitalismo em geral depende mais do Estado para alguns investimentos; hidrelétricas, por exemplo, exigem enorme capital adiantado e lucro satisfatório apenas após algumas décadas. No caso da China, as circunstâncias históricas deram a forma particular; o passado deste e as condições em que opera diferenciam-se dos daquele, permitindo uma forma nova de imperialismo. A grande nação latino-americana deu, durante a década de 1980, seu espaço histórico à gigante asiática de modo que a desindustrialização de um é a industrialização do outro[4]. Nos dois casos, o aparelho estatal pôde fazer grandes ações quando o atraso relativo o permitiu, a saber, quando havia capitalismo a amadurecer em seu território. O exemplo brasileiro, desconhecido dentro do próprio país, algo que desmistifica por semelhança boa parte do caso chinês, mas ainda não o explica em totalidade.

O argumento posto aqui é que as condições materiais deram a possibilidade de “genialidade” da burocracia burguesa na China. O keynesianismo é feito para aquelas nações que possuem capitalismo a desenvolver, a exemplo da urbanização[5]. Das particularidades chinesas, são: abundantes população, matéria-prima, território, indústria de base formada antes da restauração do capitalismo, regime semifascista, não-ameaça imediata nas fronteiras, relações trabalhistas análogos ao do século XIX – que deprimem o salário mundial  – e a tradicional cultura de obediência[6]; podemos incluir fatores como a alimentação ampla, pouco rigorosa, dos proletários daquele país, o que tende a reduzir os custos com o capital variável[7]. As dimensões colossais da China fazem parte da base dos seus avanços também colossais.

O gigantesco mercado consumidor real e potencial, características singulares da China, mesmo em relação a países como o Brasil, permite exigir que multinacionais transfiram tecnologia para a nação e aceitem que parte das ações da empresa sejam estatais se querem instalar-se naquele país, se querem vencer a concorrência. Eis, a olhos vistos, um imperialismo em formação: ao atrair capital internacional, surgem condições para fomentar o capital nacional dentro e fora de suas fronteiras, isto é, exporta capital, além de mercadorias, como para a África, e compra grandes empresas, a exemplo de hidrelétricas brasileiras, o que também lhe dá domínio a tecnologias oriundas de outros países. A China “tornando-se – também – grande exportador de capitais como IED’s, passando US$ 0,8 bilhão em 1990 para US$ 140 bilhões em 2014. Como receptor, os IED’s saíram de US$ 1,4 bilhão em 1984 para US$ 11,6 bilhões em 2014.” (Jabbour, 2020, p. 107)

Pode-se argumentar que o planejamento é destacado na realidade chinesa. Mas de modo algum novo sob o capital. Se empresas estatais e órgãos públicos unem-se para fazer a lógica capitalista melhor desenvolver-se, o ciclo da fórmula D-M-D’, dinheiro em busca de mais dinheiro, se é voltado ao mercado, então o planejamento é capitalista, além de parcial. Exemplo: hidrelétricas podem vender seu produto a quase o preço de custo (ou com prejuízo em determinadas situações) para as demais empresas e assim diminuir os custos de produção destas com matéria-prima; empresas estatais podem agir com taxa de lucro quase nula, já que o Estado é o burguês oficial, para quebrar a concorrência e dominar aquele mercado.

 

Quando Keynes propôs socializar parcialmente o investimento, estava expressando um fato histórico que o Marxismo tinha explicado muito antes dele: desenvolvimento capitalista significa uma crescente socialização das forças produtivas. Contudo, embora necessário, o envolvimento direto do Estado na produção cria um problema para o capitalismo. Seja porque administre empresas fortes, subtraindo lucros dos capitalistas privados, seja porque administre empresas em quebra, mediante impostos para mantê-las em funcionamento. Em ambos os casos, os capitalistas não estão felizes. Esta é a contradição básica do Keynesianismo enquanto política industrial. Na época dourada do pós-guerra, isto não era muito importante por diversas razões. Os lucros eram bons e os capitalistas necessitavam do estado para reconstruir suas indústrias. Em terceiro lugar, o estado foi usado para administrar setores que não eram rentáveis em si mas que rendiam lucros para outros. Nesse momento, a burguesia podia aceitar o óbvio argumento teórico de que as indústrias que são monopólios naturais devem ser de propriedade estatal, uma vez que a concorrência não é possível em tais casos. Esta intervenção direta de longo prazo por parte do estado criou uma espécie de planificação capitalista com agências estatais, planos multianuais e assim por diante. Esta foi a era da “planificação indicativa”, como a chamavam os franceses. Nos países desenvolvidos[8], a planificação foi até mais importante, uma vez que tiveram de construir a indústria a partir do zero. (Lombardi, 2014)

 

            Veja-se que a Coreia do Sul, por exemplo, país indubitavelmente capitalista, há décadas pratica planos quinquenais (além de ter nacionalizado o sistema financeiro, ter produzido uma base de fortes estatais, etc.).

            Ademais, “Interessante destacar que o setor público na China detinha o controle de 77% das forças produtivas no país em 1978 e hoje diminuiu para 30%” (Jabbour, 2020, p. 31). Tal tendência ao incremento da grande propriedade privada – além de estatais voltadas à lógica do lucro – é dos maiores motivos da restauração do capitalismo naquele país[9].

Comparemos com outro país de fatores históricos e estruturais semelhantes. Por que a Rússia, que também passou pela restauração do capitalismo, além de ter várias semelhanças (grandes populações e territórios, matéria-prima abundante, etc.), não vive o mesmo boom chinês? No caso russo, foram consolidadas todas as condições para uma transição ao socialismo – industrialização, urbanização e grande propriedade rural. Na China foi diferente, pois o retorno ao capitalismo aí encontrou uma nação com grandes possibilidades ainda latentes. Por isso, um caiu no neoliberalismo – forma de aumentar o lucro privado diante dos limites históricos do capital – e o outro, no keynesianismo. O Estado russo atua para transformar sua influência geopolítica em poderio econômico, mas é ainda um projeto[10] enquanto o Estado chinês avança a passos largos.

Resta ainda comparação evidente com a Índia. Este país também conhece crescimento acima de 6% do PIB por décadas, tem sido destino duradouro do capital internacionalizado, aproveita as circunstâncias para gerar grandes empresas próprias, estimula o desenvolvimento científico nacional. O que há em comum são as proporções das duas nações, suas localizações geográficas e o atraso relativo; o que há de diferente é o fato de a China – que tem assumido muito mais protagonismo – ter passado por uma dupla revolução, socialista e capitalista, parcial, o que deixou de herança um regime estatal muito centralizado, herdando certo grau de planificação e grande propriedade estatal.

Em última instância, os limites do capitalismo na China são os limites gerais do capital. Se o mundo passar por quebras porque o capitalismo cumpriu todas as suas tarefas históricas, o milagre chinês terá seu fim acelerado, já que dependem tanto de fatores em si nacionais – veja-se que já passa dos 60% o nível de urbanização daquele país – quanto internacionais. O proletariado chinês, um dos mais poderosos do mundo, terá por missão, com certa ironia histórica, derrotar o partido comunista para impor de vez a transição ao socialismo.

 

TEORIA MARXISTA DA DEPENDÊNCIA

A Teoria Marxista da Dependência afirma que o mundo está dividido entre os dominantes imperialistas e os dominados. Por meio de suas empresas imperiais, os países fortes aceleram o desenvolvimento das nações subordinadas instalando-se nestas – mas é um desenvolvimento apenas do subdesenvolvimento, como semicolônias. Pois bem; este não é rigorosamente o caso da China. Por quê? Os teóricos da TMD afirmam que apenas uma revolução socialista daria autonomia às nações dominadas – este é o caso da China, embora apenas grosseiramente, por ter sido uma revolução abortada após seu retorno pleno ao capitalismo. A TMD afirma, também, que as nações dominadas precisam da imposição burguesa nacional de salários baixos e superexprolação da força de trabalho, logo sem mercado consumidor interno forte para pensar um projeto próprio – este é caso chinês quanto à miséria de seu assalariado, atraindo capital estrangeiro, mas, por outro lado, saindo da norma, tem um mercado consumidor absoluto, real e potencial, imenso, único. Tais elementos é o que faz com que tal teoria não consiga aplicar-se em pureza àquele país. No mundo de imperialismos consolidados, a China tenta brechas para entrar no clube sombrio.

 

A GUERRA MUNDIAL E OS COMUNISTAS

A possibilidade de uma guerra mundial ou o caráter imperialista da China era difícil de observar de imediato. Mas o governo Trump deixou tudo muito mais claro. Há disputa entre Estados quanto qual país será destino do capital internacionalizado. A negação absoluta dos problemas ambientais, por exemplo, por parte do governo reacionário norte-americano demonstrou a luta por reduzir os custos de produção no centro do mundo tal qual fazem os chineses. O aparelho estatal, a burguesia nacional (construção civil, etc.) e parte da burocracia burguesa fortalecem-se ou definham a depender do destino dos investimentos.

A existência das bombas atômica e de hidrogênio parece proibir guerras militares diretas entre as potências centrais, arrastando a decadência. Mas apenas atrasa e medeia o conflito, pois deve ser considerada a irracionalidade do sistema em seu ocaso. De imediato, a guerra é terceirazada, com apoio direto ou indireto a lados dos conflitos militares. Indo além; se os EUA “forçam”, por exemplo, um conflito entre Índia e China, isso tem por objetivo desarticular ou atrasar este país na concorrência mundial, porém as consequências disso podem ser bem maiores do que o inicialmente previsto, alastrando a guerra. Se a China dá impulso extra à sua moeda como reserva de valor internacional, os EUA serão forçados a ações mais agressivas, mais diretas. A faísca do fogo pode surgir por inúmeros acasos, mas surge por uma base que permite tal incêndio.

 

As terras raras (o conjunto de 17 materiais) não são raras pela quantidade em que ocorrem, apenas pelas necessidades mundiais e concentração em poucos países. São aplicadas nos ímanes das eólicas, painéis solares, lâmpadas de baixo consumo, baterias dos carros elétricos, catalisadores, lasers, mísseis, óculos de visão noturna, indústria aeronáutica, aparelhos médicos de diagnóstico, submarinos. Sem eles não há “transição energética”. As reservas mundiais estimam-se em 124 milhões de toneladas, das quais 44 milhões estão na China, 22 milhões no Vietname, 22 milhões no Brasil, 12 milhões na Rússia e 6 milhões na Índia. Recordo que destes cinco países, quatro abstiveram-se de condenar a invasão russa [à Ucrânia], só o Brasil votou a favor. A China detém não só as maiores reservas, como produz atualmente 90% das terras raras do mundo. (Varela, 2022)

 

Política é economia concentrada – a guerra é a continuação da política por outros meios. Para os comunistas a questão se apresenta assim: dadas as diferenças teórico-programáticas impedindo uma organização internacional unificada, surgirá uma frente única revolucionária mundial contra a crise e a guerra? Se a decomposição do capital não desemborcar em socialismo, surgirá a última transição histórica para a barbárie ou nossa extinção.

***

Na II Guerra, a Alemanha, a Itália e o Japão estavam unidos não somente no nível militar, mas também no nível histórico. Chegaram atrasados, na disputa por colônia etc., na modernidade e torraram-se nações sob um Estado burguês de modo “pacífico”, pelo alto. Por estar numa posição avançada, mas em desvantagem, o regime precisou fechar-se em forma de fortes ditaduras, ou seja, para controlar com mais força a luta de classes, mais intensa, que não conseguia meios democráticos de mediação por falta de recursos. Algo semelhante ocorre hoje. Países “no meio do caminho” têm e tiveram poucos recursos, logo adotaram regimes fechadíssimos no conjunto do oriente e fora dele. Porque adotam ditaduras, seus governos têm mais autonomia de ação e reação em relação ao imperialismo, alguns por isso com próprios projetos imperiais (China, Rússia etc.).

Os conspiracionistas de plantão dizem que todo protesto em tais nações são “revoluções coloridas” ou agentes da CIA etc. Na verdade, tais nações são mais frágeis, pois possuem economia limitada, base das ditaduras, e sem mediação ilusória da democracia burguesa. É fato que serviços de inteligência imperialistas tentarão ganhar a liderança de tais protestos das mais variadas formas, mas a base das manifestações é os problemas do capital, em especial em nações ainda não dominantes.

Entre dois projetos imperiais, o novo e o de manutenção, escolheremos o boicote à guerra mundial, fazer uma guerra revolucionária de classe, dos trabalhadores contra os ricos de todo o mundo. Mas os centristas e reformistas defenderão seu país ou o “anti-imperialismo” dos candidatos a novos imperadores contra outras nações.

A base comum, não em exato causa, da democracia no imperialismo atual dominante é a possibilidade de oferecer certa qualidade de vida, que amortece a luta de classes interna, com o roubo das nações dominadas, mais, por mediação, a alta urbanização. As nações inimigas com alto potencial são ditaduras porque ocorrem atrasadas no compasso histórico, e tal atraso produziu uma vantagem relativa pela forma de regime, pela superexploração etc. Daí, o imperialismo dirá que é uma luta do mundo democrático contra o mundo da ditadura; como no argumento oposto, de que é uma luta contra o império, há alguma verdade nisso, mas é uma falsidade. A luta é de classes que tem diante de si uma luta de candidatos a conjunto imperial dominante.

O imperialismo ora dominante pode argumentar que o lado de lá atacará primeiro. Isso pode de fato acontecer, pois a luta de classes interna em países mais frágeis, certa dificuldade de crescer e os limites atuais, como sansões, podem forçar o lado oposto a ir para cima, como o Japão fez com os EUA após este limitar o recebimento de produtos por aquele.

Quando os EUA e a URSS venceram a grande última guerra, viram-se forçados a oferecer vantagens aos perdedores para evitar a revolução mundial nessas nações. Conformou-se um sistema imperialista com Japão e Alemanha possuindo papel central “inevitável”, ainda que subordinado pacientemente aos EUA. Agora, China está contra o Japão, Rússia está contra a Alemanha, muitos contra os EUA. O anti-imperialismo vulgar se coloca apenas contra os norte-americanos, mas a luta contra o imperialismo é contra seu sistema total de funcionamento. Ser anti-americano nunca é critério sem mais para ser aliado dos verdadeiros comunistas.

Há, portanto, dois erros opostos iguais, de aparência: 1) afirmar que é uma luta de democratas contra ditadores, 2) afirmar que uma luta de imperialistas contra anti-imperialistas. Olhando a história comum dos dois blocos capitalistas, percebemos que são um dragão de duas cabeças a ser derrubado e que suas diferenças e atrações entre si têm uma origem comum.

No mais, devemos destacar: a contradição, que tende ao conflito, está, também, mas de modo algum apenas, na diferença, na desigualdade, entre o peso geopolítico e o peso econômico das nações (partes) e as inter-relações que daí surgem. Em muitos e vitais sentidos, a China já é a maior economia, mas os EUA têm um exército mundial e a moeda global. A Rússia tem o peso econômico abaixo de seu peso geopolítico e militar, por isso tenta fazer aquele acomodar-se no nível deste, algo ainda mais tentado pela dependência europeia por suas fontes de energia. A Coréia do Norte é uma nação paupérrima, mas tem bombas atômicas capazes de chegarem ao Japão. Tal descompasso entre peso econômico e peso geopolítico pede por ser resolvido, com explosões e implosões.

 

PERÍODO DE DECADÊNCIA DA FASE IMPERIALISTA

 Relembramos que o imperialismo é um sistema econômico, uma fase da economia do capital, antes de ser algo político. Vemos nesta obra que tal fase cumpriu suas tarefas, suas metas. Tivemos o período de ascenção do imperialismo, da década de 1870 até 1970, e, agora, desde 1970, temos o período de declínio do imperialismo, que também é seu auge, quando esgotou o sistema de valor. É um nível de abstração. Por isso, por ser o ocaso, os objetivos imperialistas da China e da Rússia não têm futuro longo com o qual gostariam de contar. Há, portanto, na verdade mais precisa, no seu auge, crise do imperialismo, de outro modo, crise do conceito, da categoria de, imperialismo. Isso se expressa na ousadia russa e chinesa, no caráter sui generis, do Vietnã ao Afeganistão, na despatriação avançada do capital etc

 

 

 

A CHINA É SOCIALISTA?

Em geral, teóricos e partidos reformistas disfarçados de comunistas consideram a China socialista, tratam os avanços daquele país, feito com sangue, como dádiva do marxismo, como conquistas nossas. Vejamos dois grandes argumentos.

 

1.      É uma economia de grandes empresas estatais

Isso não muda nada, pois uma economia socialista não visa o lucro, mas a otimização da produção para o consumo. A economia socialista não é propriamente estatal ou púbica, mas de propriedade social, socializada – sem lucro imediato ou futuro enquanto meta. Vamos para o mais profundo. Neste livro, levantarei a tese de que há uma nova corrente “socialista” estatista, baseada na classe média funcionária pública. Veja-se que um professor de universidade púbica  chamado Elias Jabbour ficou famoso defendendo que a China é socialista porque tem grande peso estatal. Engels, além de Lenin, diria o oposto:

 

E digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso econômico, um passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja levada a cabo pelo Estado atual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já efetivamente os marcos diretores de urna sociedade anônima, quando, portanto, a medida da nacionalização já for economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie de falso socialismo, que degenera de quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo ato de nacionalização, mesmo nos adotados por Bismarck, vê uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo fosse socialismo, seria necessário incluir, Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo. Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por sua conta as principais linhas térreas do pais, ou quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade econômica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem direta nem Indiretamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo, a Real Manufatura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos prostíbulos, proposta muito seriamente, ai por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um homem muito esperto.” (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico, 2003)

 

Mas Elias Jabbour, apesar de ser do degenerado PCdoB, não é oportunista em sua colocação – ele sofre do inferno do pesquisador: ser incapaz de compreender seu objeto de estudo. Isso se deve por ser professor público aristocrático, além de profissional liberal, e partir de premissas erradas (ou seja, partir de premissas já é errado; ele põe a china como socialista e ponto final, toda a pesquisa deve se adaptar a tal “conclusão” já de início). Estatismo não é socialismo.

Mas também há dose de cinismo em suas posições. A China quer dominar militarmente Taiwan para dominar também sua produção de chips modernos. Com as sanções dos EUA, a China passou a ter dificuldades de acessar a matéria-prima para os produtos modernos que deseja produzir, pois não os produz no tamanho e na escala necessárias. O governo quer resolver isso, então pensa em invadir a ilha. Jabbour, no lugar de ver a geopolítica desde a economia, sendo geógrafo de formação, apela para o sentimento da humilhação pela qual passou a China desde o século XIX

Socialismo com mercado só pode existir de maneira transitória ou marginal. O objetivo socialista é destruir o sistema de mercado, típico do capitalismo. Ao buscar lucro ou a tentar destruir a concorrência internacional operando sem lucro imediato, como fazem as estatais chinesas, o objetivo aí é valorização do valor, capital. Não muda o caráter imperialista se empresas estatais são os monopólios que querem internacionalizar-se.

No mais, argumento de que a URSS fez a NEP, cedeu ao capital, não leva em conta que, como contrapressão, havia o poder democrático dos trabalhadores, não uma ditadura como a de Stalin.

 

2.             O partido comunista dirige o Estado

Outra falsificação, presa à aparência. Se um partido no governo e nas empresas tem privilégios sociais e não é diretamente controlado pelos trabalhadores, é, como diz Moreno, oportunista, oportunista, oportunista – burocrata, burocrata, burocrata. De comunista o PCC tem apenas o nome e o passado. Isso se vê quando governo obriga a que gente de alto escalão tenha cargos no executivo de empresas, enriquecendo-os e aburguesando-os.  A incapacidade de medir de Jabbour se revela quando ele, em palestra registrada em um dos seus livros, afirma que o PT brasileiro seria parte do projeto socialista…

O “socialismo do funcionalismo público” alegra-se com o caso Chinês, evita chamar a ditadura pelo seu nome, desconsidera a restauração do capitalismo, relativiza a superexploração de sua classe operária. Elias Jabbour chegou a afirmar que os trabalhadores não governam empresas porque veem do interior e são incapazes culturalmente disso hoje… É típica visão gerencial da classe média.

O despotismo esclarecido burguês, tema de outro capítulo, faz escola na ditadura chinesa.

 

CHINA E MACROSCICLOS OU ONDAS DO CAPITAL

Mantido o atual padrão, a esgotamento relativo do desenvolvimento chinês terá como resultado uma poderosa China.

A restauração capitalista permitiu um crescimento econômico poderoso da China, quando o mundo central passava pela estagnação. Quando os principais países iniciaram o período de depressão, a China entrou na fase de transição, quase estagnação, que aparenta ser curta. A fase de depressão, crescer abaixo de 6%, medida para o país continental, está por vir. Em certo modo, as fases da China influenciaram as fases mundiais, como a retirada da indústria do norte global, a redução de sua demanda por produtos importados etc.

 

Fonte: ttps://pt.tradingeconomics.com/china

 

Com o gráfico acima, unimos a exposição “frequêntista”, baseada na repeticação dos dados, coma bayesina, cujas bases já foram expostas. A tendência de queda do crescimento é evidente, após crescimentos próximos de 15% (!) por anos. A classe operária chinesa terá – e já o tem – um capitalismo plenamente desenvolvido como chão de sua próxima revolução socialista.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1]             O baixo desenvolvimento do capitalismo com sua burguesia limitada, ou seja, limitada financeiramente, faz do Estado o grande burguês, o grande patrão, nas nações com este perfil. Porque arrecada para si recursos via impostos e outros meios e pela facilidade de endividamento em grande escala, a superestrutura governamental pode dar os passos fundamentais para o salto por sobre o nível de atraso. A acumulação do capital, do inicial ou primitivo à moderna configuração das forças de produção, só pode ocorrer por saltos, não gradual, dado o fato de que o capitalismo mundial, na fase imperialista, está muito à frente e exerce domínio; a produtividade interna, por exemplo, deve compensar as tarifas proteciononistas e a relação de preços internacionais e deve oferecer recursos em quantidade necessária para o conjunto da cadeia produtiva. A vantagem relativa do atraso, lei do desenvolvimento desigual, está em poder modernizar-se de modo acelerado, tornar desnecessário um desenvolver evolutivo, camada por camada, etapa por etapa. 

[2]             Desde a origem do atual sistema o Estado foi ferramenta importante: tarifas alfandegárias, endividamento estatal, guerras por mercados, acelerar a acumulação no campo, garantia de monopólios, investimento de comércio e transporte marítimos, etc. O peso qualitativo do investimento econômico mais direto, no entanto, avançou com o avanço-decadência do modo de produção e do atraso de nações com altos potenciais latentes.

[3]             A ideia do Brasil como “país do futuro” apoiava-se em fatos incríveis. Dos “50 anos em 5” ao “milagre econômico” até projetos faraônicos de nova capital federal surgida do nada, gigantescas hidrelétricas, megaempresas do Estado, urbanização explosiva, vanguardas artísticas, etc.

[4] Em outro capítulo, debatemos os fatores internos do limite brasileiro – consolidar fatores como industrialização, urbanização, grande propriedade rural moderna, etc. –, que também é limitado ou impulsionado por fatores externos, como o aparecimento de outro país com muitas melhores condições de extração de mais-valor.

[5] Quando o keynesianismo cumpre todas as tarefas auxiliares, a busca de novos rendimentos ou enfrentar a queda da taxa de lucro encontra limites; então a política de Estado muda, gira-se para o neoliberalismo, para a privatização de estatais, redução dos serviços públicos, etc. Ambos são táticas para dinheiro em busca de mais dinheiro, um dá as condições para o surgir, em um segundo momento, do outro. Daí que países menos “capitalizados” são keynesianos enquanto são neoliberais países onde o capital já cumpriu de modo claro suas tarefas.

[6] Parece contraditório que um povo que fez tantas revoluções seja obediente, conservador. Porém: a contradição é real, não das palavras. O povo francês é menos revolucionário potencialmente que o chinês exatamente por ser mais ousado, por fazer protestos por qualquer mínima ameaça de perder direitos. Propriamente por ser conservador, por respeitar os “mandatos do céu” estatais, etc. o povo chinês acumula tensões até… explodir. Eis a dialética em que algo produz seu inverso.

[7] Vale notar que boa parte da população chinesa tem certa mutação genética que faz com que, diferente de nós, eles não liberem maus odores por meio da pele; por isso, para eles, nenhum sentido faz comprar substâncias químicas para jorrá-los sobre seus corpos – o que reduz o custo com capital variável, com salários.

[8] O autor certamente quis dizer “países subdesenvolvidos”.

[9] “Entre 1998 e 2007, o total de empresas estatais na China caiu de 39,2% do total de empresas para 6,1%; enquanto o setor privado aumentou, no mesmo período, de 6,5% do total para 52,6%.” (Jabbour, 2020, p. 190)

[10] “O vice-ministro da Energia russo, Iúri Sentiúrin, disse durante negociações em La Paz que a Rússia poderá compartilhar tecnologias para extração e utilização de lítio com os bolivianos.”

“’As empresas russas estão prontas a investir centenas de milhões de dólares em projetos de lítio e gás, assim como em programas de cooperação bilateral com a Bolívia’, declarou Sentiúrin”

“’A demanda por matérias-primas está crescendo em todo o mundo. Vários países, entre eles a Bolívia, podem se tornar novos fornecedores’, explica o especialista da consultoria financeira Finam Management, Dmítri Baranov.” (Lossan, 2016)

Nenhum comentário:

Postar um comentário