domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 23 - PARA OS FUNDAMENTOS DE UMA FILOSOFIA MARXISTA DO DIREITO

 

PARA OS FUNDAMENTOS DE UMA FILOSOFIA MARXISTA DO DIREITO

 

O marxismo é um sistema de pensamento aberto, semiaberto, em potência. Mas apenas muito depois de Marx tentou-se uma ontologia, uma teoria do direito, uma (nova) metafísica, uma ética etc. É tarefa hercúlea de atualização. Porém, nenhuma parte do sistema pode ser de fato compreendida sem entender o todo – e este mesmo todo sem as partes nada é. Eis o desafio. Aqui, tentaremos a base, mas somente ela, de uma filosofia marxista do direito.

 

PREMISSAS FINAIS

Podemos ter, de início, tais acordos já óbvios, mas que são, no fundo, conclusões de pesquisa, sequer hipóteses:

 

1.      A economia determina, em última instância apenas, o direito (Marx)

2.      O direito é, também, resultado da luta de classes, da correlação de forças (Marx)

3.      O direito expressa os valores já presentes no povo, na consciência comum (Hegel)

4.      O Estado é sempre ferramenta para dominação de uma classe social sobre outra

5.      O direito, por interação (dialética), também influencia a economia, as classes e as mentalidades – mas sua força é fraca

6.       O direito é um dos filhos e expressões da moral – a lei (abstrato) é a moral (concreto) em ação, em formalização (processo)

7.      O direito, por ser uma superestrutura, muda, mas em atraso relativo ao resto da realidade. Pode haver, portanto, contradição relativa entre direito e mundo social.

 

Ou seja, devemos valorizar as conquistas teóricas até aqui.

 

 

DIREITO E NATUREZA HUMANA

Dissemos que a natureza humana tem três eixos, que são um:

 

1.      Integração (geral)

2.      Mutualismo (particular)

3.      Ser ativo, ativismo (singular)

 

Pois bem; a punição liga-se, de modo inconsciente social, aos elementos. Prender é separar a parte do todo, da integração (ou o exílio, ostracismo, na Grécia antiga entre os cidadãos). Colocar na solitária temporária ou permanente é corte do mutualismo (ou forçar mutualismo por indenização). Matar ou indenizar (diminuir recursos) é cortar seu lado ativo, produtor, trabalhador. Sem saber que faz, a punição pune a essência do homem dentro dele.

Grosso modo, as leis tratam da (incluso com coisas e natureza) integração, relações e comportamento do indivíduo ou (por si) individual.

 

LIBERDADE OBJETIVA

Nós fazemos o que já vamos fazer entre as opções. Mas a punição regula o punido e a sociedade – serve de exemplo, ou seja, regula as ações de modo determinista, tendencialmente. A causalidade da punição influencia a causalidade do cérebro – sendo que a causalidade do corpo do indivíduo entra em relação ou confronto com a casualidade externa, pois o cérebro é, também, produtivo.

 

CONHECER A LEI

Desconhecer a lei não impede a punição do crime – mas por quê? Porque a lei deriva de um senso comum, de um acordo natural entre os homens em dada forma social.

 

LEI EXCESSIVA

Por querer liberdade, excesso de lei aumenta progressiva e tendencialmente a rebeldia.

 

DIREITO E SOCIALISMO

Diz-se que o comunismo, socialismo avançado, não terá Estado, nem política – nem direito. Regularemos as coisas, não os homens. Mas teremos normas, sim, por duas questões: 1) uma tradição milenar permanece (com quantos quilos de medo se faz uma tradição?), 2) haverá um senso comum erudito sobre o que fazer que gerará regras comuns, comunais – como guia, não como lei imperativa.

 

DIREITO E DETERMINISMO

Com o avançar da humanidade, da produção, somos mais livres, individuais, com mais opções. As leis rígidas são relativizadas. E as leis naturais, de tal origem, passam ou passam para leis cada vez mais sociais. São sinais dos tempos.

 

DIREITO E REVOLUÇÃO

O povo afastou-se muito mais do poder quando os revolucionários franceses passaram a mandar acima da coletividade. Na Rússia, tal cinismo justo surgiu porque os revolucionários burlaram a democracia soviética (por exemplo, impediram uma eleição geral dos soviets porque sabiam que iriam perder, antes do poder estalinista e como sua preparação inconsciente). A população vê que sua palavra nada vale, que a coisa toda tornou-se um teatro, então, vai para causa cuidar da vida. A democracia deve ser, antes, uma necessidade social, um imposição inconsciente do estado de coisas; não uma concessão dos dirigentes. Na II guerra mundial, stalingrado cercada pelos nazistas, a burocracia viu-se obrigada a recuperar a democracia dos conselhos operários para conseguir gerir a situação – algo “resolvido” depois do conflito.

 

DESRESPEITAR AS LEIS POR OBRIGAÇÃO

Vários notáveis, desde Roma, indicam desrespeitar leis que são injustas, algo até obrigatório para um são cidadão. Contra si mesma, a legalidade deve ter mecanismos que facilitam tais resistências – mecanismos legais ou armas (direito à revolução) etc. Com a crise mundial, boa parte da burguesia e dos políticos estadunidenses quiseram, sob justificativa humanitária, proibir armas à população; pois temem futura revolta contra seus oportunismos.

 

ESTADO E LAÇO

É necessidade da sociedade, da espécie e da psique do indivíduo o laço – mas ele é negado de muitas formas, como classes etc. Assim: o Estado e o direito servem de laço artificial e externo dos homens.

O direito grego era parte dos mecanismos para evitar a fuga do escravo – forçar sua unidade sem unidade com o senhor. O Estado ajudou a unir os separados senhor e escravo.

Separação aqui também é contradição e alienação. No capitalismo, o direto tem seu auge porque estamos atomizados.

Evgeni Pachukanis afirma que o direito nada faz de unidade (sequer artificial). Para isso usa o jovem Marx contra outros autores e Kant. Ele afirma, então, que a regra, a punição, a norma, etc. existem no real. Caso, usado por ele, do credor e do devedor. Ora, assim o estado, a lei, o direito e a punição seriam desnecessários! A questão é que Estado é economia – o outro de si da economia. Sem economia, o estado não é – mas sem estado, a economia também não é. Além de interação, externa, interdependência, interna. O ainda vem do marxismo da II Internacional e de vícios do bom marxismo de sua época, que não dominava tanto, por exemplo, a dialética e a metafísica materialista.

 

 

 

DIREITO E DIALÉTICA

O abstrato é o concreto em processo – a contradição é a totalidade em movimento. Para haver direito, é preciso totalidade, agrupamento de grupos reais e plurais (partes) em interação. Para haver direito, é preciso luta e contradição – real ou potencial. Para haver direito, é preciso movimento. O direito tenta ajudar a manter a totalidade integrada; tenta resolver ou mediar contradições (não consegue, em geral, resolvê-las de fato); tenta negar o movimento ou pô-lo dentro de uma regularidade repetitiva sem mudança real.

 

LEI E CAOS

O caos deve forçar a legalidade: a falta do Estado nos morros cariocas forçou a lei da máfia, que proibiu confusão (roubo etc.) no território. Por outro lado, a má lei pode gerar caos, mesmo se em efeito retardado.

A lei também é reação à contradição – e ela, a legalidade, é reação à mudança, o querer da permanência.

 

LEI E FETICHE

O homem é base das leis e sua medida – mas elas aparecem como externa a ele mesmo, como um poder estranho e desmedido; que se volta de fato contra ele. Porque produz na fábrica, porque faz greve, porque tem certa moral, porque liga-se ou desliga-se dos demais etc. Mas ele não sabe que faz, fazendo. Um sem mundo de mediações, um sistema, objetivista até, turvam a visão mental. Parece formalidade, e coisal, e frio – o que é relação humana.

 

LEI: RAZÃO E EMOÇÃO

A lei não busca medir e mediar apenas a razão, a medida fria, mas também a medida quente, a emoção – como o tema do aborto te afeta? Tenta-se racionalizar, medir, incluso, o emocional.

 

LEI E LEI: LEI CONCRETA E LEI ABSTRATA

A lei formal existe porque a realidade já tem lei, tem legalidade (social, mas também, em outro sentido, natural). Há formalização, portanto.

 

LEI, SISTEMA, CONTRADIÇÃO

Usa-se a moral comum como se fosse base total da lei, embora exista verdade de fundo. A função é esconder o caráter de classe do Estado. De todo modo, a moral deriva, sim, superestruturas como a legalidade – nem que seja a moral dominante da classe dominante. Segundo ponto. Três contradições são evitadas ou resolvidas: 1) entre as leis, 2) entre as leis e a realidade, 3) harmonia legal para disfarçar ou negar a contradição real – pela constituição, tudo parece ser bem resolvido. Se a constiuiução brasileira fosse colocada em prática de fato, talvez tivéssemos socialismo no país; o seu princípio da propriedade privada, posta apenas após sua formulação inicial, cairia e desmoronaria. Enfim, se um setor das leis, como a penal etc., cair sozinha diante do mundo real e prático, como ao se desmoralizar, todo o sistema de lei entra em crise e colapso. O sistema legal em si não precisa ser destruído de todo (vota-se a partir de certa idade, voto opcional aos mais jovens, voto proibido às crianças etc.), mas superado, ou melhor, suprassumido. Diante da maior democracia da história, a soviética, democracia operária e direta, Lenin, mordaz dialético, afirmou que aquilo era um Etado burguês (embora) sem burguesia porque sustentava ainda certa comércio etc. e isso forçava legalidade burguesa. Às vezes, o esforço intelectual é incapaz de substituir gênios e genialidades.

 

LEI E REALIDADE

A lei também produz a realidade, apesar de pouca. Na acumulação primitiva, no começo do mundo do capital, a lei forçava (com artificialidade) o trabalho e um salário máximo – isso estimulava um sistema ainda formal, ainda artificial (o escravismo de conjunto era ainda mais artificial).

 

 

DIREITO E DIALÉTICA

O direito, via de regra, nega a dialética – mesmo com o sucesso relativo de Hegel entre alguns juristas. Foca na forma sobre o conteúdo, o geral sobre o singular, o extensivo sobre o intensivo, a aparência sobre a essência, a quantidade sobre a qualidade. Pode-se argumentar que o tribunal é confronto dialético, mas é na verdade sofístico no pior sentido. O direito brasileiro é positivista no sentido de prova direta (além de lei descritiva etc.); o inglês-americano aceita provas indiretas, mas já guiadas por uma hipótese prévia, um suspeito etc. – métodos não dialéticos. Hegel por si acusou muitos por pensarem de maneira abstrata, não concreta, ou seja, sem o contexto e a história; cita, aliás, o exemplo típico de um criminoso. Com a liberdade maior, ainda que bastante falsa e relativa, aproximou-se um tanto do hegelianismo, mas de modo capenga e distante. O direito de classe é antidialético por natureza. Lei fixa, tradição etc. Certos julgamento populares, no entanto, podem ter aqui e ali mais eixo dialético pelo perfil dos jurados (a mulher perdoada por matar o marido de modo bruto, mas após todo tipo de humilhação e ameaça dele sobre ela). No Brasil, alguns juízes burlam e deformam a lei para manter psicopatas do pior tipo ainda presos mesmo após cumprir as suas sentenças – agem de modo dialético. Lei imóvel (dentro de limites fixos) e causalidade, no lugar de interação; eis o direito classista, que solta prematuramente o rico que tem todo um futuro pela frente… Mas a dialética concreta baterá à porta dos juristas de rotina.

 

DIREITO E MODO DE TRANSIÇÃO

Em outro momento, afirmamos que o capitalismo é, antes, um modo de transição – entre o passado classista e o futuro sem classes. Pois bem; o capitalismo tem a legalidade por excelência para se afirmar, também, como modo de produção, como algo estável, natural e eterno. Faz, mas não sabe. Dito isso, valem observações. Porque é transitório, por avisar o futuro, ele antecipa a igualdade real do socialismo por meio da apenas igualdade jurídica. Como aquela ainda não poderia ser realizada, cria-se uma antecipação formal como se realização fosse. É um aviso inconsciente, inconsciente social. A liberdade formal, nega e antecipa a liberdade real. A fraternidade formal, nega e antecipa a fraternidade real. Individualidade formal, nega e antecipa a individualidade real. O que é forma e aparência sob o capitalismo, tornar-se-á conteúdo e essência no comunismo. Hoje, algo apenas externo por ser um período de transição, modo.

 

DIREITO E POPULAÇÃO

Façamos um resumo preliminar como pistas. Para haver escravismo, era preciso, antes, que o primitivismo tenha espalhado uma considerável população. Os estados capturavam povos e tribos para trabalho escravista. Havia uma população destacável, mas curta ainda. Com a crise desse sistema, começou a faltar mão de obra real e potencial – que, então, se valorizou. O escravo torna-se agora servo, um tanto mais livre. Com a produtividade crescendo, surgiu mercado e homens soltos, livres. A população maior (incluso demanda maior, incluso acessar mais povos) permitiu o trabalhador facilmente substituível, o trabalho assalariado. É uma abstração. Logo, lei geral: maior população é maior demanda por objetos, por mercadoria – e por direito. No particular: mudanças de população influenciam mudança da lei.

 

DIREITO E CONSOLIDAÇÃO DE LEIS

De modo leve, a lei produz o mundo. Ele, incluso, produz ciclos virtuosos e viciosos – há retroalimentação. Veja-se. No socialismo, a sua constituição legal deve ser bem medida, clara etc. para evitar vícios (legais e na realidade concreta) que depois serão difíceis de romper.

 

LEI E SENSO

Para uma lei mais progressista é preciso senso mais progressista no meio ambiental social. Em suas lutas corretas, muitas feministas, antirracistas etc. querem que o Estado – seu inimigo inevitável, mesmo que oculto – seja a razão encarnada e, então, melhore as leis, contra os preconceitos comuns. É preciso – antes, durante e depois – construir um novo senso, quando as bases materiais permitem. E a luta é já sinal de tal base necessária amadurecendo.

 

 LEI E RAZÃO

Apenas de modo lateral e fraco a razão guia a legalidade. Ela vem, de fato, da relação de forças (nas classes, nas mentalidades etc.). A legalização ou proibição de um partido nazista ou comunista não deriva de uma boa reflexão, em primeiro lugar, mas de uma rede de pressão e contrapressão. A razão abstrata apenas, grosso modo, embora se pesou existir, justifica a razão concreta, o real como o racional. O real é o racional.

 

JUSNATURALISMO

O que é lei social disfarça-se de lei natural para parecer eterna. É o caso do direito dito natural à propriedade. Forma-se, então, o engodo. Em parte, o problema é a generalização forçada, pois, bem observado, leis naturais podem derivar leis sociais, sim. A proibição de filhos e pais terem relacionamento sexual é algo, hoje, socialmente condenado; mas também condenado biologicamente (deformações da cria etc.); algo natural, lei, socialmente adaptado. O jusnaturalismo não tem mais razão de ser; porém, se a lei passa a respeitar, por exemplo, a natureza humana natural (ser integrado, mutualista e ativo), mais do que a social, até passar desta, então o mundo dos homens deverá ser outro. Por exemplo: todos por todos. E isso é, será, socialismo. Eis que a próxima sociedade algo que colocará o social em harmonia relativa com o natural. O direito será mais natural porque mais social, menos antissocial, não mais anti-humana em seu sentido pleno.

A democracia, muito mais a democracia verdadeira socialista, direta, trata-se da forma mais em conformidade com a natureza humana natural-social. Melhor expressa o ser integrado, mutualista e ativo. Questões histórias, porém, podem negar tal confluência entre regime de governo e regime de essência humana.

 

CATEGORIAS DO DIREITO

Evgeni Pachukanis afirma que as categorias do direito formam um sistema. Não entende, portanto, que existem categorias de aparência (para uso prático etc.) e categoria de essência, reais. Erro compreensível: o marxismo de seu tempo confundia, assim, valor com calor de troca, valor com preço (incluso, o teórico do direito comete tal erro no capítulo sobre as categorias). O valor é algo mais profundo, essencial, da metafísica marxista e materialista. O que podemos antecipar é isto: as categorias do direito são reflexos ideais ou formais das categorias reais e das existências reais, incluso suas divisões. Temos direito privado e direito público porque tal divisão externa entre público e privado é efetiva. O direito não possui um sistema próprio.

 

DIREITO E ESTADO

Evgeni Pachukanis afirma que o Estado, diferente do erro de Engels, não está separado, abstraído e acima das classes. Eis seu raciocínio pouco afinado pela dialética. O Estado é uma parte de um todo, de uma totalidade; mas uma das contradições da parte e do todo é que aquela quer ser um todo também, um todo por si – isolar-se, afirmar-se, abstrair-se. Uma vez criado pela luta de classes, mais do que criado apenas pela classe dominante; o aparelho ganha autonomia relativa até relativo à classe a qual representa. Além de exército etc., a própria rede de leis é tanto causa quanto consequência de sua autonomia maior, de seu pairar acima. Há autonomia relativa da parte, Estado, e até sua busca de maior autonomia, contra a integração maior. Um empresário corromper um homem de Estado com dinheiro revela tanto a autonomia externa quanto a dependência interna da classe dominante e de sua economia. O direito algo que se duplica entre os valores externo e formais do mercado e os valores internos e conteudístico da empresa; mas o autor citado vê apenas a fase do mercado. E vê apenas, de modo mecânico, que o Estado é sempre de classe e dependente da economia – isso é de fundo e estrutural, uma unidade inevitável; acerta um bom tiro, portanto; mas erra ao não saber lidar coma dinâmica da realidade, confundo um princípio com toda a teoria (como se confunde princípio e elaboração tática nos partidos de ultraesquerda). Chamo essa construção de maior autonomia, abstração, do Estado de positivismo prático. Um Estado burguês enorme, com recursos e ditadura muito fechada ganha ainda mais autonomia e até reprime a burguesia se o caso for. De todo modo, o aparelho ajuda a fazer a realidade, embora antes e primeiro dependente dela, como formar novas empresas e uma nova classe burguesa. A revolução socialista visa, também, acabar com a abstração do Estado, sua autonomia crescente, ao o dissolver na sociedade, na comunidade, por meio de assembleias de bairro e de empresa, por votações via internet, trabalhadores armados, democracia direta etc. Estado: eis o gigante a ser derrotado. A abstração do Estado – passar de cidadãos livres armados para exército regular pago etc. – costuma ser um sinal vital, e causa externa, da crise sistêmica de um modo de vida. É o caso, grosso modo, do estado buguês.

 

LEI E MAIS-PODER

Temos capítulo específico para o mais-poder. Porque há mais-poder, mais-trabalho, mais-produto e mais-valor – há o direito, forçar a normalização etc.

 

DIREITO E CRISE GERAL

Quando a população rompe a lei, invade o supermercado e saqueia tal propriedade privada – a lei falha porque o sistema falha. A tendência ao fim do dinheiro expressa-se aí, ruptura coma mediação; com o desemprego e com a hiperinflação, a lógica do dinheiro deixa de se justificar; a lei do monopólio estatal da moeda começa a fraquejar. A falha do sistema, de suas leis, leva à falha de suas leis estatais.

 

DIREITO E CAPITAL FICTÍCIO

A lei zero, mas oculta, do direito capitalista é esta: tudo deve ser mercadoria. Está, porque no real, acima da constituição. Principio oculto material, não ideal, não puro princípio. É assim, portanto, que o jurídico garante o capital fictício. Surge a “ação”, um papel ou contrato que garante uma porcentagem da propriedade ou do lucro dela, promessa de ganho futuro; o capital, então, como se se duplica em real e fictício, meu papel de garantia pode ser vendido e comprado no mercado de ações, com preços arbitrários, até maiores do que o lucro real que ele pode oferecer; graças ao jurídico. A terra se torna capital fictício, sem trabalho em si, por garantia em direito. Como tudo o possível, os serviços são mercantilizados. Uma fábrica automatizada não é em si capital, mas o é nas atuais relações jurídicas e, também, de classes. A lei garante ao Estado produzir dinheiro, até de modo fictício, e facilita ao aparelho produzir títulos de dívida, esta que é rolada com mais dívida, ou seja, capital fictício. O direito facilita o surgir, impulsiona e se torna base do desenvolvimento dos capitais fictícios, das formas sem conteúdo.

 

DIREITO E ARTIFICIALIDADE DO SISTEMA

Com o uso da força como ferramenta, o direito mantém tradição, norma, lógica etc. – como pode. O sistema capitalista tornou-se artificial; mas mantém, por exemplo, o dinheiro artificial com a ajuda de meios legais, de seus artifícios (e, claro, algo mais que isso). É a contradição entre forças produtivas e superestrutura, o que gera tais tipos de bizarrices.

 

DIREITO E CRISE SISTÊMICA

A quebra interna das leis econômicas, a nova fase da legalidade social (não jurídica) em decadência etc. faz tentar um compensador, isto é, mudança e aumento das leis, mais lei abstrata contra o caos concreto, reação aos limites da legalidade da sociedade prática – em vão. A economia continua a ser o centro e dela deve partir as mudanças vitais, desde as relações antagônicas de classe.

 

LÓGICA E DIREITO

 

A sociedade aparece como grande coleção de indivíduos. O indivíduo é, portanto, nosso ponto de partida.

O indivíduo tem duplo caráter: de um lado, trata-se de um singular e concreto – de outro, ele é parte do gênero humano, geral, um exemplar de um universal abstrato. Pode haver, então, contradição entre tais dois aspectos presentes nele. Assim, também: filho de uma família concreta, mas filho de uma sociedade. No mais, ele parece nada enquanto meio social é tudo – mas ele é parte do geral, logo é tudo encarnado, o social encarnado; de todo mundo, apenas na ação, no devir, ele se torna algo, ser aí, ou melhor, alguém.

Na forma aparencial do mundo social, um indivíduo = outro indivíduo. Ver-se nas propriedades físicas do outro que ele é igual a mim, tem a mesma e minha substância. Por meio dele, relaciono-me com o conjunto dos indivíduos, com muitos, ou seja, uma relação social por meio da relação pessoal. Logo, capitalisticamente (socialisticamente na essência), sou igual aos demais. Se diferencio por pele, nação, sexo etc. – uma falha de interação.

Mas eis que tenho afinidade especial por alguns – uns são mais iguais que os outros[1]. Aqui, temos, incluso, preferência classista (quero os meus). Eis a base da divisão de classes: por isso, uma luta se inicia. Precisamos, assim, de direitos trabalhistas contra a sanha do burguês – mas o patrão nem é mercadoria nem precisa de tais direitos, logo, somos diferentes, opostos, contraditórios.

Porque as mercadorias concorrem umas contra as outra por atenção e consumo, concorremos uns contra os outros. O meu igual passa a ser meu desigual e meu inimigo. A sociedade ameaça desfazer-se, não fosse a mediação do Leviatã obrigado a agir, a fingir consenso e neutralidade (como se acima das classes etc.); a inevitável guerra civil é, assim, apenas adiada – adiada!

Enquanto a grande luta não vem, há acumulação de riquezas, materiais, ou seja, de mais-poder. O poder abstrato, como se por detrás do poder concreto, distribui-se desigualmente, assim como, seguindo a, riqueza.

Na década de 1950, poderia-se votar em x ou y, ou no alternativo z!, contanto que os dois ou três tivessem o mesmo programa em geral, no caso, keynesianismo. Na década de 2000, podia-se votar em y ou x, quem sabe em z!, contanto que a política de ambos seja a neoliberal. Ou isso, ou aviões caem, envenenamentos acontecem, golpes de estado tentam vingar etc. Há alternativas porque não há alternativas – via Estado.

Quando o parlamento ou o executivo trava-se, o comumente não eleito pela maioria tribunal geral logo ver-se obrigado a agir por si, diminuir a tensão, atualizar a lei segundo os novos valores dominantes ou em ascensão. De costume, um poder da tríade cumprir funções dos outros (ou conspirando contra) costuma ser sinal de crise econômica balançando o Estado, o regime, o parlamento e o governo – e/ou crise política.

Como dissemos, democracia e ditadura andam juntas, complementares, até ao mesmo tempo – a democracia grega tinha escravos, a israelita tem campo de concentração aberto palestino, a democracia burguesa tem ditadura nas fábricas. A democracia sustenta a ditadura, e vice-versa. A democracia parcial e formal será democracia total e real no socialismo.

 

Evgeni Pachukanis e este capítulo

Evgeni Pachukanis, gênio bolchevique morto pelo estalinismo, não produziu, o que seus discípulos ignoram, uma teoria geral do direito – ele ofereceu, seu objetivo, propostas das bases de uma tal teoria. Disse que a teoria geral deveria trata dos sistemas de categorias da superestrutura em questão (direitos subjetivo e objetivo, privado e público etc.), porém nada desenvolveu de tal sistemática. Afirmou que o sujeito é o átomo fundamental da teoria geral – mas, diferente de mim acima, parou completamente aí, no começo do começo, apenas indicou para, então, criticar seus críticos nos aspectos mais literários (deixou de ver, veja-se, que tanto o concreto quanto o abstrato estão no próprio sujeito, além de seu lastro). Percebeu que o direito é capitalista e mercadológico por excelência, no entanto, mal aproximou-se das verdadeiras causas internas. Sua função era tentar apontar o caminho, não o trilhar, mesmo que em aspectos gerais como fizemos aqui, inspirados por ele. Ora, ainda que quisesse, era improvável que conseguisse fazer o chão teórico; pois o marxismo de sua época, logo o seu, era limitado, bastante empiricista, sem a teoria da alienação, sem doses de metafísica materialista, com muito economismo, baixa dialética (nexo apenas externo etc.) etc. Sem a crise sistêmica e o tecido que ela revela. Como dissemos, sem um compreensão profunda, ainda mais, da totalidade, a parte – o complexo do direito – não poderia ser entendido. Até a questão da natureza humana teve de ser, antes, desvelada na psicologia para melhor saber de tal objeto, saindo da obviedade, do senso comum e do preconceito sem justificativa profunda de que “o meio determina”[2], “a matéria faz a ideia”, “a essência humana é histórica” etc. Que o capitalismo é, por exemplo, um modo de transição, não só de produção, algo útil a este capítulo, sequer ensaiava ser claro na cabeça dos comunistas daquele tempo. Era preciso, portanto, uma visão geral e inicial atualizada. Pachukanis pensava que o auge da ética era Kant, não o marxismo… Não a dialética… Mesmo assim, apenas nesta obra surgiu uma obra de moral desde a visão total marxista. Direito e ética poderia fazer até “frente única”, porém nenhuma desconfiança da moral como categoria central das superestruturas e o direito como sua derivação mais ou menos autônoma. Para ele, a medida e a proporção do delito e da punição era algo artificial e arbitrário; mas nossa teoria geral do valor, valor-trabalho e valor-matéria, provam o contrário, embora se expresse de modo inexato e deformado, algo que lhe era inacessível à época. Temos, enfim, fonte primária para desenvolvimento e derivação teórica na teoria do direito de base marxista.

 

 

ANTIMAQUIAVEL: AOS DIRIGENTES SOCIALISTAS

 

Maquiavel tem má fama no senso comum – ser ruim é ser maquiavélico, manipulador etc. –, mas ele era um homem e pensador honesto e sério. Aqui, uma das inspirações. No entanto, seu projeto era a favor de um Estado inimigo e da classe dominante. A dificuldade imensa de unificação estatal da Itália forçou sua mente a tentar pensar soluções, compensar idealmente um limite real, na matéria. Grosso modo, nossa exposição aqui será oposta aos seus pensamentos.

Nossas propostas derivam da revolução mais democrática da história, a russa. Por isso, de certo modo, faltam exemplos e materiais. Mas devemos evitar o conformismo: o pensamento pode generalizar e clarear movimentos iniciais, dispersos e concretos.

 

Tese 1

Maquiavel afirma que as medidas ruins devem ser feitas de uma só vez – as boas, ao contrário, aos poucos. Dizemos exato o inverso: as ruins aos poucos, as boas com pressa. O governo Dilma caiu logo ao aplicar ataques de modo concentrado – sem ter boas medidas para compensar. Para haver boas lembranças, as boas devem aparecer logo, juntas; as ruins devem acontecer de modo gradual para o povo absorver o impacto e a ele se adaptar. Mais: os trabalhadores devem saber com clareza a causa real tanto das boas quanto das más notícias; isso arma-lhe, dá-lhe maior tolerância, faz-lhe esperar. Porque a causa quase sempre é econômica ou contextual, não de um mau dirigente político.

 

Tese 2

A vantagem do exército revolucionário de massas é seu número de homens e mulheres, não sua técnica etc. Seu caráter é, de começo, extensivo. Após a vitória, deve-se investir em melhores armas, mais especialista, mais técnicos etc. O aparelho militar tornar-se mais intensivo, e cada vez menor em número de membros.

Os ex-soldados que são trabalhadores – não pequenos empresários, não aristocráticos etc. – que voltam a ser empregados nas empresas devem manter suas armas consigo, para defenderem a revolução de invasões e para domar o novo Estado.

 

Tese 3

Maquiavel afirma que o líder, o príncipe, deve ser amado, mas, se isso não for possível, deve ser temido. Nossa fórmula é outra: se não pode ser amado, o dirigente deve ser respeitado – ao menos. No sindicato dos metalúrgicos de São José dos Campos, os dirigentes de origem revolucionária no sindicato iriam perder as eleições sindicais após décadas de vitórias grandes, pois estavam burocratizados. O operário dizia: “O Mancha (presidente da entidade) sempre fala mal do Lula, mas não aparece aqui na fábrica!” Veio o desespero, o susto. O que fizerem, então, os comunistas? Balanço crítico, autocrítica, pediram desculpas aos representados (em discursos, em panfletos etc.) e deram propostas de correção de suas práticas. Os operários perceberam a grandeza dos sindicalistas vermelhos e, por isso, deram-lhes outra chance.

 

Tese 4

Lei imperativa; nunca elaborar uma proposta ou tomar decisão importante sem antes consultar sábios, especialistas etc. Conviver com diferentes ideias sobre o mesmo ponto ajuda a evitar a unilateralidade, a visão angular etc. É preciso ouvir sempre.

 

Tese 5

Em caso de impasse, mesmo com vitória pífia na mão, apelar ao povo, colocar os trabalhadores no centro da decisão. Ao fazer isso, cria-se maior consenso pela proposta aprovada, acerta-se mais, disciplina os dissidentes derrotados etc. Via de regra, a população não aprovará propostas em voto que sabe serem contra si.

 

 

Tese 6

A população deve estar sempre bem informada, de modo claro e simples. Sempre deverá saber dos fatos, suas causas e contextos. Assim, evitará enganos. Incluso, deverá saber das diferentes opiniões e interpretações para aprender, com o tempo, a julgar.

 

Tese 7

Há hora de avançar e, ao contrário, de recuar. Os revolucionários russos romperam o pagamento da dívida estatal, mas o retornaram quando precisaram recuar afim de manter o poder em pé, diminuir a resistência burguesa contra ele.

 

Tese 8

Deve-se manter fortes organismos fora do poder. A central sindical, por exemplo, deve ter autofinanciamento independente, um jornal impresso próprio que chegue a todas as famílias, independência do Estado incluso sem cargos diretos nele etc.

 

Tese 9

Ser insubstituível é uma derrota. Basta um infarto ou envenenamento para todo o trabalho desmoronar. Formar gente capaz deve ser uma obsessão.

 

Tese 10

Os organismos devem ser plurais no sentido de sexo, cor, posições, perfis – mas homogêneo tanto quanto pode em questão de classe. Diferença ajuda a ter opiniões e pontos de vista diversos, mais riqueza, portanto.

Nos cargos centrais e na maioria, o perfil dos membros deve ser o perfil da revolução. Ao formar o Exército Vermelho, Trotsky convocou, primeiro, operários e fez deles o esqueleto da nova instituição. Estes dirigiam a grande massa amorfa de camponeses pobres.

Até a legalidade deve facilitar a pluralidade, como garantir 20% dos cargos não centrais aos derrotados. Aonde não há diversidade, oposição e contradição – sempre haverá, rotina, burocratização, bajuladores, consenso artificial, mais erros por menos debate. Estabilidade alta é morte.

 

Tese 11

A manobra, mesmo que tenha razão, é sempre um erro. Deve-se aceitar perder uma votação. Mais: deve saber, antes, que perderá no voto e, ainda assim, respeitar tal rito. O meio já é o fim: o fim da alienação também é garantir a democracia operária, maior e real liberdade. É preciso deixar os trabalhadores aprenderem com seus erros.

 

Tese 12

A antiga classe dominante deve ser morta e os menos resistentes devem ser poupado scom alguma ajuda, como um básico salário para morarem numa boa ilha. Assim, no morde e assopra, quebrar suas resistências.

 

Tese 13

A revolução vitoriosa deriva, também, da simpatia internacional – o que faz recuar os ataques imperialistas. Devemos fazer propaganda mundial de nossas conquistas, organizar os comunistas de todo o mundo etc.

 

 

Tese 14

Um estadista socialista deve entender de arte militar, economia e dialética. Sem isso, torna-se limitado e um mau dirigente. Mas não se deve, por exemplo, ser mais general que o general.

 

Tese 15

Com a ajuda de organismos específicos, como um científico parlamento apartidário, deve-se ter planos gerais e locais de 5, 10, 30 anos. Eis uma das vantagens socialistas.

 

Tese 16

A educação, até erudição, da maioria deve ser uma busca apaixonada, quase doentia. Uma fixação diária para termos bons cidadãos (bons votos etc.), um grande número de especialistas, menos manipulação.

 

Tese 17

Apenas trabalhadores comuns não aristocráticos e operários poderão ter armas, incluso de pesado calibre, balas à vontade etc. isso é vital para manter o poder de classe. A política deixa de existir e o exército caminha para seu fim.

 

Tese 18

Aprovar tudo e o máximo possível já no começo do governo, quando há alta moral e a alto apoio popular. Nas revoluções francesa e na russa, os trabalhadores deixavam passar todos os “exageros” dos revolucionários contanto que o central para suas vidas – em geral, pautas econômicas e de paz – fosse resolvido ou encaminhado.

Por outro lado, é aí falta Maquiavel, os revolucionários devem ser graduais e passo a passo após o salto, e o salto ao poder, nas questões centrais, como as grandes econômicas. Em geral, a realidade é que obriga os comunistas a irem muito mais rápido e mais longe do que deveriam, poderiam e esperariam. Estatiza-se, sob gestão operária, as empresas centrais da economia, não todas as muitas existentes (algo difícil de administrar logo). Mas a comoção ou a contrarrevolução armada podem forçar estatização geral – tentamos mediar com empresas não estatais, apenas gestão operária ou cooperativa... há momentos para saltos e há momentos, mais ou menos longos, tão longos quanto possíveis, de evolução gradual antes e preparando novos saltos. Mas o mundo tem pressa.

 

Maquiavel parte de processso de alienação; nós, de emancipação.



[1] Na mercadoria, a afinidade eletiva consolidou-se no dinheiro como ouro e prata (a “afinidade eletiva” vem da química, usada por Hegel na sua medida de comparação-igualação; e, veja só!, ouro e prata são químicos primários). Entre os homens, o rei tinha ouro e prata acima da cabeça na forma de uma coroa. Depois, alguma qualidade, mais abstrata, parece colocar o poderoso no poder.

[2] Aliás, a ideia de que a mente adapta-se ao meio ambiente social, inspirado no darwinismo, esquece o limite de sua biologia correta – pois o sujeito (pessoa, mente, animal etc.) é, também, sujeito, ativo, apto, não só adaptativo, passivo. Até rebelde – como ele selecionar o meio e o meio ser obrigado a tentar se adaptar à espécie etc. Claro: o mundo é maior que o indivíduo, a mente etc. – mais matéria, mais determina, ou seja, valor-matéria.

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