domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 13 - meio ambiente e socialismo

 

MEIO AMBIENTE E SOCIALISMO

 

 

A percepção do colapso em latência encontra estranho consenso quando referido ao meio ambiente. No entanto, todas as tentativas de solução fracassam, todos os avisos faltam à prática, todos os congressos governamentais limitam-se às boas intensões. Por que o capitalismo é incapaz de parar o relógio do fim? Uma resposta foi dada por Mèszáros de quem partimos, em geral, estes aspectos, ou seja, quanto ao fato de a acumulação do capital ser incontrolável e a produção destrutiva em nosso tempo (Mészáros, Para além do capital, 2011):

1) Para manter o processo de circulação do capital, para a reprodução em escala ampliada, para adiar as crises de superprodução; o capitalismo precisou aumentar a escala fragilizando os valores de uso para forçar novas compras, novas substituições, aumentando a quantidade de lixo, extraindo da natureza mais do que ela pode repor de si própria em seu metabolismo.

2) As empresas que negligenciam e burlam normas de segurança ambiental têm mais recursos sobrando para lucro, investimentos, etc.

3) Os países que se desleixam dos custos ambientais tendem a atrair capital internacional, conseguir recursos, formar sua burocracia burguesa numa concorrência de fronteiras.

4) A economia é não planejada, incapaz de suportar certos custos gerais em nome de ganhos de médio e longo prazos para a humanidade.

5) A queda histórica da taxa de lucro pressiona, demonstrado pela financeirização das empresas produtivas, o lucro de curto prazo.

6) A indústria de luxo e a criação de necessidades artificiais , fictícias[1], causam enorme e desnecessário desperdício (Mészáros, Para além do capital, 2011).

7) Os grandes monopólios e oligopólios guardam ou retardam o uso de patentes capazes de melhorar a relação homem-natureza se prejudicam a lucratividade.

Os danos ambientais em um país afetam outros fronteiriços e distantes, logo, conclui-se, a solução pode vir apenas por meio do internacionalismo (Marques & Marques, 2009). É condição da vitória. Uma articulação mundial pode vir por uma associação internacional dos governos socialistas, caso prosperem. Porque o capital deixa de ter pátria, há disputa entre os Estados sobre onde se localizarão as empresas. As legislações ambientais tendem, então, a ser negadas ou revogadas para reduzir os custos empresariais. Neste sentido, o governo anticientífico de Trump serve de exemplo e sintoma. Apenas a associação internacional dos Estados socialistas pode encerrar tal conflito, terminando a lógica do lucro.

São algumas decisões previsíveis ao socialismo:

1) Reaproveitar ao máximo o material ora transformado em lixo;

2) Investimento intensivo e global em fontes de energia limpas e renováveis para que adquiram alto rendimento;

3) Reflorestamento de início ligado aos corredores ecológicos;

4) Toda a humanidade dotada de saneamento básico;

5) Obrigatoriedade do trato dos custos ambientais nos planos econômicos;

6) Autonomia energética a inúmeros produtos (pilhas que se recarregam com poucos balanços de mão, etc.) e nas “localidades”;

7) Aumento qualitativo da resistência dos produtos e a devolução quando obsoletos para reaproveitamento do material (responsabilidade condicionante para receber outros valores de uso);

8) Liberação dos segredos comerciais, mediante pesquisa metódica e publicação ampla, voltados à sabotagem de técnicas que melhoram o trato com o ambiente, mas reduziam lucros;

9) Que a comunidade e o Estado, via centros educacionais, garantam, junto às famílias, a educação pessoal das crianças para nova concepção de rotina, de higiene, de salubridade, etc.

10) Reforma urbana;

11) Construir sistemas autônomos e locais de energia ao lado de um sistema integrado;

12) Aplicar a moderna estatística para a produção corresponder aos níveis médios de demanda social, evitando o desperdício;

13) Transporte público gratuito e de qualidade (Löwy, 1014);

14) Substituição de caminhões por trens (idem, ibidem).

15) Desenvolvimento intensivo, não extensivo, e unificado da produção no campo.

16) Aprimorar intensivamente da tecnologia de captação de carbono.

17) Controle do uso de agrotóxicos para preservar a população de abelhas, necessárias ao ecossistema.

18) Alterar a genética de alguns seres para que resistam ao ambiente (queimadas, etc.), frutifiquem mais cedo, etc.

Outras mudanças são e serão pensadas (fim da produção de luxo, etc.), muitas delas concretas para ambientes e situações específicas. O objetivo deste capítulo, que se limita a resumir a questão, é demonstrar a união entre revolução ambiental e revolução socialista não limitada ou presa à afirmação dogmática e propagandística. Exemplos práticos podem ajudar. O socialismo visa diminuir o tempo de trabalho e dar tempo livre e recursos para outros afazeres sociais, por isso precisa do avanço técnico permanente. Se no capitalismo as pilhas são recarregáveis com poucos movimentos, dispensando novas compras, a empresa falirá e haverá demissões. Se as lâmpadas podem durar, por modo de disposição de suas peças, décadas, também ocorrerá problemas no metabolismo do capital. Se fazemos alto reuso e reciclagem de materiais, empresas do Departamento I, produção de meios de produção, insumos para os departamentos I e II (este, II, produção para consumo final), entrarão em crise. Em todos os casos exemplificados, as crises se espalham para outros setores e empresas, pois deixam de comprar insumos e máquinas e os trabalhadores então desempregados reduzem o consumo. Vejamos o petróleo: se é substituído em grande escala via nova fonte, países inteiros entrarão em colapso no Médio Oriente e na América Latina, haverá guerras interfronteiras e guerras civis por causa da precarização da vida naqueles países; passa a ser do interesse de grandes oligopólios, bancos e governos o retardo ao máximo do desenvolvimento de novas fontes energéticas renováveis, limpas e em grande escala (além disso, o investimento ocorre sem cooperação científica internacional, por causa da concorrência, o que atrasa o desenvolvimento geral da tecnologia limpa). Neste caso, apenas uma sociedade planejada com democracia socialista permite realocação de trabalhadores com igual ou maior dignidade no trabalho, apoio entre as nações ainda divididas por fronteiras e pesquisa científica livre e intensiva.

O desenvolvimento do metabolismo social socialista possibilitará a redução em quantidade dos centros produtivos, quando a integração internacional superar a concorrência entre Estados. Retomemos o exemplo da lâmpada: se a sociedade aumenta sua durabilidade de 2 para, digamos, 15 anos, a demanda mundial precisará de uma ou duas grandes fábricas automatizadas para suprir as necessidades dos consumidores[2].

O próprio desenvolvimento do trato com os valores de uso – maior resistência, reuso produtivo daquilo descartado, valores de uso múltiplos na mesma materialidade, etc. – está embrincado com o processo de superação da forma salário durante a construção inicial do socialismo. O salário do trabalhador, abstraindo a tendência a ficar abaixo de seu valor real, é determinado pelo custo médio de sua manutenção (Marx considera fatores culturais, como o hábito do operário inglês de ler jornal); portanto, o acréscimo de durabilidade, os descontos de troca, a recarregabilidade autônoma, etc., ao lado de serviços públicos gratuitos (que, por escala, reduzem o custo social total), atuam para o fim da forma capitalista de distribuição.

Nossas observações concluem que o capitalismo passou de força progressiva e produtiva para força regressiva e destrutiva. O exemplo mais famoso é a modificação genética: no lugar de usar a ciência para preservar a natureza e desenvolvê-la, usam-na para criar sementes que ficam estéreis na segunda germinação, forçando a recompra de nova saca de sementes modificadas. Lucro e natureza tornam-se inimigos mortais. Aqui, lembramos dois gerais consensos científicos: 1) desde a década de 1970, temos extraído, em escala crescente, da natureza mais do que ela pode repor-se no mesmo ano; 2) a humanidade é causa da nova grande extinção da vida sobre a Terra.

Nos movimentos de luta social, temos a exigência por saneamento básico por parte dos movimentos sem-teto e urbanos, redução do agrotóxico no campo, etc. No destaque sindical, a inspeção operária da produção, muitas vezes antecessor da gestão operária, pode ser fermentada pelas CIPAS, pela verificação das exigências ambientais por parte da comissão de fábrica e do sindicato, pela greve por substituição de materiais danosos aos trabalhadores e ao ambiente por outros melhores, exigência por cumprimento das cotas de custos com segurança ambiental, etc. As pautas de segurança e saúde do trabalho encontram-se em inúmeros pontos com a luta ambiental, devendo estar ligadas no todo pela necessidade de mudança de sistema socioeconômico.

À organização comunista caberá, sendo a mais aguerrida, fazer as pautas setoriais ligarem-se a um projeto maior, a uma crítica da origem dos problemas. E pode fazê-la apresentando um projeto de sociedade ao lado de propostas tanto imediatas quanto amplas. Uma luta ambiental contra uma hidrelétrica, por ex., é, se correta, uma crítica apenas negativa enquanto, pensando a totalidade social, deve também saber propor, isto é, responder de onde virá a eletricidade na escala necessária.

Entre os séculos XIV e XV, o mundo medievo viveu uma crise ambiental que produziu inúmeros problemas à sobrevivência, como a baixa colheita. O crescimento do número de terras para a agricultura, a derrubada de florestas, a fundação de novos feudos foram base da alteração climática. No século XXI, mais uma vez passamos por perturbações do tipo, ainda mais intensas, que gerarão problemas econômicos (más colheitas, pragas, secas desproporcionais, etc.) e estresses sociais. A revolução socialista tem entre seus gatilhos as consequências das alterações no meio ambiente. A crise ambiental é uma das demonstrações mais vivas do limite sistêmico do capitalismo.



[1] Mais uma vez, vemos esta categoria, a ficção, aparecer como que naturalmente no desenvolvimento da análise. Para este caso, basta o destaque reforçado por esta nota de rodapé, pois o caso é autoevidente no dia a dia do “consumidor”.

[2] A mudança destacada no parágrafo fará parte do forjar das condições de simplificação do domínio do homem sobre as coisas, condição e consequência. Outro exemplo destacável – também para o meio ambiente – será a aceleração, já existente de modo vacilante sob o capital hoje, da fusão ou aglutinação de valores de uso.

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