domingo, 28 de janeiro de 2024

A crise sistêmica - cap. 24. - SYRIZA, PODEMOS, PSOL: O QUE É UM PARTIDO ANTICAPITALISTA

 

SYRIZA, PODEMOS, PSOL: O QUE É UM PARTIDO ANTICAPITALISTA

 

A esperança vinda da Grécia (2015) tem levado a esquerda a imensos debates e diferentes interpretações; pela primeira vez, um partido da “esquerda renovada” chega ao poder de Estado. Qual o significado disso? Neste capítulo, apresentaremos algumas teses sobre a natureza dos chamados partidos anticapitalistas, que têm gerado esperanças entre ativistas e trabalhadores.

 

AS BASES MATERIAIS

Toda organização política é uma superestrutura gerada pelas relações da sociedade. Devemos, portanto, buscar na dinâmica social a ordem, a base e as influências que permitem a existência de novas superestruturas. Enumeraremos o que, a nosso ver, consideradas as conclusões expostas neste livro, serviu e ainda serve de combustível para os organismos que estamos estudando – três elementos são centrais:

 

1. A queda do muro de Berlim e dos ex-Estados operários proporcionou um enorme recuo nas ideologias socialistas, na consciência das massas e da vanguarda militante;

 

2. A enorme urbanização consolidou a urbanidade em nível planetário. É um fator determinante para o surgimento de uma imensa massa assalariada não-operária, de uma sub-classe de desempregados, de uma numérica classe média empobrecida[1]. Por outro lado, por automação e fragmentação do processo produtivo e diminuição nos países centrais, além de afastamento das fábricas dos principais ambientes urbanos, a classe dos produtores – os operários – foi, em inúmeros países, reduzida e/ou fragilizada;

 

3. A principal tática do imperialismo para perpetuar sua ordem tem sido o – e a ideologia do – valor universal do voto e da democracia representativa. Chamamos reação democrática, ou seja: apostar primeiramente em eleições, em plebiscitos, em constituintes ao invés da repressão, do golpe ou da invasão.

 

São os principais elementos da origem dos anticapitalistas. Neles há a fonte da utópica proposta "radicalização da democracia". É a mesma antiga relação da vantagem instintiva do campesinato, quer seja, o número. Os setores oprimidos não-operários são uma enorme massa urbana e sua força viria, portanto, pela quantidade e não pela qualidade enquanto classe. Um partido que expresse este desejo inevitavelmente surge (somos 99%, gritavam os protestos).

As organizações desse tipo são, então, pequeno-burguesas, urbanas e tendem a ser a expressão também do “precariado” não-operário. A escassez de verdadeiros proletários em todas as suas instâncias internas tem por fonte as relações acima colocadas mais uma: construir-se nas fábricas é difícil e exige enfrentar sindicatos muito fortes e conservadores, burocratizados. O peso militante no movimento e, em geral, nos organismos tradicionais de luta é baixo[2].

Por este ponto de vista, na orientação organizativa, justificamos a valorização da liberdade individual e formal dos militantes, as tendências por dissolver em outros os agrupamentos internos, o fracionamento em permanência[3], a propaganda de uma esquerda renovada e sem recorte de classe muito definido.

A valorização da atuação enquanto partido político tem este norte claro: mostrar-se como uma saída eleitoral progressista em um mundo decadente. Por outro lado, vemos com clareza um foco especial entre os anticapitalistas nas – importantes – palavras de ordem democráticas. Há quatro razões fundamentais: 

 

 

1.              Vivemos uma fase histórica onde o capitalismo não pode promover estáveis e profundas reformas. Por isso, Syriza boicotou o resultado do plebiscito (2015) – “Não” contra a chantagem da UE – que ele próprio ganhou (!)[4]

 

2.             O ideal democratizante é uma alternativa às ideias socializantes desde o enfraquecimento das ideologias igualitaristas na década de 1990; 

 

3.             Muitas reformas democráticas são viáveis e até positivas ao capital. Legalizar a maconha, por exemplo, pode ser uma nova fonte de lucro e impostos;

 

4.             Uma parte da classe média e dos militantes de esquerda desta classe necessitam, para si, mais de direitos democratizantes já que possuem alguma estabilidade social e econômica. Defendem, por isso, o tipo de direito – na aparência – "individual", do indivíduo: ao aborto, ao uso da maconha, a mais mecanismos de voto, etc.

 

Partidos como o Syriza e o Podemos, com dirigentes profissionais liberais e pequeno-burgueses, dos setores aristocráticos das classes médias (advogados, professores universitários, economistas, etc.), expressam, em larga medida, a origem popular, entre o burguês e o operário, de sua vanguarda e de seus militantes. Inclui o seguinte: um setor social mais letrado do que as gerações passadas, não-proletária (operariado), mais instável socialmente e uma parcela mais jovem.

Base social do reformismo e do centrismo, os servidores públicos, também muito presentes entre os anticapitalistas, são classe média assalariada precária ou aristocrática a depender da qualidade de vida. Explorados e oprimidos, mas não produzem valor, não possuem um trabalho necessariamente coletivo nem manual. Inconscientemente, o interesse de classe dos trabalhadores do Estado é fortalecer o Estado Burguês como forma de também fortalecer suas condições de trabalho e de vida[5]. O interesse estratégico dos operários é tomar as fábricas (não as destruir) – para isso, precisam destruir o Estado. Ao contrário, esse não é por si mesmo um interesse estratégico dos servidores públicos, por isso também pertencem à classe média.

Nas últimas décadas, tivemos um fenômeno novo: altíssima urbanização. Isso obriga o Estado a criar um corpo muito maior de assalariados ao seu dispor com o mínimo recurso possível destinado aos salários e demais direitos; diferente da Rússia de 1917, com suas únicas duas grandes cidades, uma massa enorme de precários surge. Como setor intermediário, esses assalariados têm duplo caráter, comum aos setores da classe média[6]: de um lado, são mal pagos, subordinados, humilhados e sofrem alto stress; de outro, seus trabalhos ajudam na administração e manutenção da ordem, livram-se do trabalho fabril. Um exemplo: a função estratégica do professor é implantar a ideologia, o método, a visão e a disciplina burguesa na mente e nos hábitos do alunado – e isso ele faz sem o saber, sem o desejar. O professor cumpre uma tarefa de dominação burguesa e ideológica, de adestramento e repressão mentais. No fundo, nada muito diferente de um policial, embora a educação seja importantíssima. No capitalismo, a educação será sempre ou quase sempre burguesa, a serviço da burguesia. De imediato, apenas a classe operária e seu partido podem ganhá-los para outro caminho, para outro Estado.

No campo estratégico e teórico-prático, por generalização, podemos expressar a questão do Estado nas diferentes classes:

1.      Concepção burguesa: o Estado é uma ferramenta da e para toda a sociedade, contanto e sempre que respeite e promova a propriedade privada;

2.      Concepção da pequena burguesia proprietária e aristocrática:

 

A pequena burguesia resiste contra qualquer intervenção do Estado, registo e controlo tanto capitalista de Estado como socialista de Estado. Isso é um facto da realidade absolutamente indiscutível, em cuja incompreensão reside a raiz de toda uma série de erros econômicos. (Lenin, 2012)

 

Contra qualquer intervenção estatal – impostos, direitos trabalhistas, empresas, etc. –, pois atrapalham a livre iniciativa e a propriedade privada.

3.      Concepção da classe média: o Estado pode ser pressionado e gerido para este ou aquele rumo, sua função deve ser gerar e manter um equilíbrio das classes ao gerar qualidade de vida, por meio de governos e decisões progressivos, pois é uma ferramenta mais ou menos neutra, a ser disputada;

4.      Concepção proletária: o Estado é uma ferramenta de dominação de uma classe sobre outra, sua essência são as forças armadas, para isso procura manobrar por meio da dominação, antes de tudo, ideológica a fim de servir ao seu caráter de classe inerente. Deve, portanto, ser destruído.

 

Pode haver, aqui e ali, concepções intermediárias e intermediadas no entremundos ou de influência de uma classe sobre outra[7]. Mas estas são as concepções gerais a guiar todos os pensamentos particulares e partidos, ou seja, tem materialista origem de classe.

 

 

 

PARTIDOS FRENTE-POPULISTAS

Um partido revolucionário pode, via classe operária, ser o representante fiel dos precários não-operários e urbanos. Como ocorria com o antigo setor popular, o campesinato, são uma massa fluida e disputável.

Por este eixo, queremos apresentar três categorias de partidos de esquerda, sem anular outras categorizações:

 

1.

Partidos frente-populistas.

São organizações que, de uma forma ou outra, clara ou disfarçadamente, dizem aos trabalhadores que a mudança vem pelo voto ou outro meio que não seja a destruição violenta do Estado burguês. Os "anticapitalistas" são um exemplo; podemos agregar os reformistas, os centristas (costumam ser as alas minoritárias no fenômeno que aqui descrevemos[8]), os neo-estalinistas, os chavistas etc.

 

2.

Os revolucionários.

Aqueles que veem a derrubada do Estado por meio de uma revolução como saída.

 

3.

As seitas.

Organizações ultra-esquerdistas, sectárias, auto-proclamatórias, anarquistas pós-modernos; que desprezam a política como mediação, como caminho, entre o real e o ideal, etc.

 

SÍNTESE

 

Podemos resumir o fenômeno dos partidos anticapitalistas assim:

 

1. Partidos frente-populistas;

2. Filhos da consolidação da atual sociedade capitalista surgida na década de 1970;

3. Representam as numerosas classes médias urbanas com maiores tendências, por razão da decadência capitalista, à esquerdização[9];

4. Representam os anseios dos setores populares urbanos pelo instinto do número, pelo voto;

5. Apoiam-se na ideologia capitalista do sufrágio universal;

6. Possuem baixo peso operário;

7. Frágil relação orgânica com os movimentos e os organismos de mobilização (sindicatos, etc.);

8. Reúnem em si certas características "de luta", "de combate" por causa da decadência social, pela fluidez das camadas médias que representam e para canalizar a indignação em direção ao voto;

9. Privilegiam algumas pautas democráticas – do direito do "indivíduo" – para representar sua base, sua ideologia e por o capitalismo não permitir reformas de outro tipo.

 

A extrema-esquerda eleitoral, os anticapitalistas, é a expressão oposta – do ponto de vista reformista e parlamentarista – da chamada extrema-direita eleitoral. Esta última, burguesa, procura aglutinar as camadas médias urbanas mais favorecidas, enriquecidas e, através delas, influenciar as camadas mais pobres, precarizadas e até o voto proletário. Assim como os revolucionários podem participar de partidos frente-populistas por um curto tempo, organizações fascistas podem compor partidos de direita ou de extrema-direita eleitoral por um período mais ou menos longo.

Os partidos anticapitalistas são, assim, uma versão nova do reformismo clássico.

 



[1]             Ruy Braga, um dos defensores do termo “precariado” – uma tautologia na medida em que ser do proletariado é, em geral, ser precarizado, mesmo incluindo os assalariados não operários neste conceito – afirma: “Tendo em vista a composição social do movimento, não é estranho que suas lideranças sejam cientistas sociais da Universidade Complutense de Madri, tais como Pablo Iglesias, recém-eleito deputado europeu, e Íñigo Errejón, coordenador-geral da campanha do partido para o parlamento europeu. Da crise de financiamento das universidades às condições degradantes do mercado de trabalho, uma geração de estudantes que trabalham e trabalhadores que estudam tem estimulado o diálogo das ciências sociais com públicos extra-acadêmicos.” (Braga, 2014)

[2] Syriza, com influência eleitoral de massas e principal organização anticapitalista, fica muito atrás do PC grego quanto ao peso sindical que, por sua vez, não é majoritário: “Na Grécia, o partido comunista se destaca por sua dinâmica suis generis. Ao contrário da grande maioria dos PCs europeus, que ao longo dos anos 1990 se alinharam à socialdemocracia moderada, o KKE fez um caminho de sentido inverso. Ao mesmo tempo, manteve importante peso político e social em seu país. Nas eleições de 2015, conquistaram 5.5% dos votos, um resultado dentro da média do partido ao longo dos últimos 15 anos. De longe a maior corrente da extrema esquerda no movimento sindical, o KKE tem localização privilegiada até mesmo no setor privado. Organizou a principal greve metalúrgica ocorrida em Atenas nos últimos anos, que em 2012 parou o setor por nove meses. Ele também é muito maior que o Syriza entre os estudantes. (LOUNTOS, 2015)” […] “Apesar de possuírem 10 dos 45 assentos da direção da confederação sindical nacional, o KKE não é a maior força do movimento sindical no país. Os dois partidos tradicionais do regime democrático, o PASOK e o Nova Democracia, são historicamente as organizações majoritárias, não só do sindicalismo, mas da vida social grega.” (Sauda, 2015)

[3]                    A existência permanente de grupos expressa a heterogeneidade das classes médias politicamente, indiretamente, representadas dentro das correntes internas. Do mesmo modo, a busca por líderes políticos ligados à pequena burguesia – economistas, intelectuais, etc. – para a formação de governos frente-populistas é análogo à formação de frentes populares em torno de líderes operários, ou seja, a ideia de que sua base social tem um governo “seu” e expressa, ao mesmo tempo, o desejo de elevar-se socialmente por parte dos setores médios. Uma forma de expressão de “crescer e mudar por meio da educação”. Estas organizações podem também, com o aprofundamento da crise, sob certas circunstâncias, elevar líderes do proletariado ao posto de principal figura pública caso isto facilite a via eleitoral.

[4]             Isto é ainda mais intenso se considerarmos que palavras de ordem mais profundas como “Sair do Euro” e “Sair da União Europeia” são, em si, democráticas e apenas potencialmente – sob certas circunstâncias – transicionais (se, mais provável, agregadas a outras propostas classistas e transicionais).

[5]             Base material para uma esquerda keynesiana. Em específico sobre estatismo, Engels comenta: “E digo que tem de tomar a seu cargo, pois a nacionalização só representará um progresso econômico, um passo adiante para a conquista pela sociedade de todas as forças produtivas, embora essa medida seja levada a cabo pelo Estado atual, quando os meios de produção ou de transporte superarem já efetivamente os marcos diretores de urna sociedade anônima, quando, portanto, a medida da nacionalização já for economicamente inevitável. Contudo, recentemente, desde que Bismarck empreendeu o caminho da nacionalização, surgiu uma espécie de falso socialismo, que degenera de quando em vez num tipo especial de socialismo, submisso e servil, que em todo ato de nacionalização, mesmo nos adotados por Bismarck, vê uma medida socialista. Se a nacionalização da indústria do fumo fosse socialismo, seria necessário incluir, Napoleão e Metternich entre os fundadores do socialismo. Quando o Estado belga, por motivos políticos e financeiros perfeitamente vulgares decidiu construir por sua conta as principais linhas térreas do pais, eu quando Bismarck, sem que nenhuma necessidade econômica o levasse a isso, nacionalizou as linhas mais importantes da rede ferroviária da Prússia, pura e simplesmente para assim poder manejá-las e aproveitá-las melhor em caso de guerra, para converter o pessoal das ferrovias em gado eleitoral submisso ao Governo e, sobretudo, para encontrar uma nova fonte de rendas isenta de fiscalização pelo Parlamento, todas essas medidas não tinham, nem direta nem Indiretamente, nem consciente nem inconscientemente, nada de socialistas. De outro modo, seria necessário também classificar entre as instituições socialistas a Real Companhia de Comércio Marítimo, a Real Manufatura de Porcelanas e até os alfaiates do exército, sem esquecer a nacionalização dos prostíbulos, proposta muito seriamente, ai por volta do ano 34, sob Frederico Guilherme III, por um homem muito esperto.” (Engels, Do Socialismo Utópico ao Socialismo Cientifico, 2003) A propriedade pública é progressiva em relação à privada, pois desmistifica a “intocabilidade” desta última, mas nada tem de socialismo ou “administração operária e democrática da empresa”. Sob relações capitalista, a propriedade estatal é capitalista e tanto a é mais quanto mais busca o D-M-D’, o lucro.

[6]             Os marxismos sociológico (portanto, amputado e parcial) e sindicalista consideram quase todos os assalariados proletários ou operários. Mais importante que definir um objeto é compreendê-lo; de qualquer modo, localizá-los como um setor diferente do da produção é a mínima precisão conceitual aceitável, tolerável; porque senão transforma-se num debate de conceitos, lógico-formal, de dicionário, de definição pura.

[7]             O centrismo é um exemplo ao, sendo reformista, adotar aspectos do bolchevismo. No mais, a tendência centrista tende a ser um fenômeno mais presente com a crise mundial, radicalizando correntes políticas e formando novas, entre a concepção do reformismo e a revolucionária.

                Outro exemplo é a concepção do lupemproletariado em defesa da liberdade individual total, prazer imediato, não organização, não critérios etc. Jovens e parte da pequena burguesia podem ter mais simpatia por tais concepções – base de parte do anarquismo.

[8]             “Quando se oscila à esquerda e afasta as massas do reformismo, o centrismo cumpre uma função progressiva; não falta dizer que isso não nos impedirá, chegado o caso, de continuar denunciando a hipocrisia do centrismo, já que a galinha progressiva acabará abandonada, cedo ou tarde, nas margens do lago. Quando, por outra parte, o centrismo trata de distanciar os operários dos objetivos comunistas para facilitar – sob a máscara da autonomia – sua evolução ao reformismo, cumpre uma tarefa que já não é progressiva e sim reacionária. Esse é, na atualidade, o papel que desempenha o Comitê pela Independência Sindical.”

                "Mas, essas são quase as mesmas palavras empregadas pelos estalinistas", repetirá Chambelland; já o escreveu. Seria inútil perguntar quem desenvolve uma luta mais séria e implacável contra a política mentirosa dos estalinistas: o grupo de Chambelland ou a Oposição Internacional de Esquerda comunista. Todavia, um fato é certo: a orientação de nossa luta é diametralmente oposta à da "luta" dos "autonomistas", porque nós seguimos a trilha marxista, enquanto que Chambelland e seus amigos seguem a trilha reformista. Com certeza não o fazem conscientemente: jamais! Porém, por regra geral, o centrismo nunca segue uma política consciente. Acaso uma galinha consciente se sentaria para chocar ovos de pato? Claro que não.”

                “Em tal caso – poder-se-ia perguntar –, como se pode acusar de centrismo a dois antípodas como Chambelland e Monmousseau? Entretanto, isso somente pode parecer paradoxo a quem não compreende a natureza paradoxal do centrismo: nunca é igual a si mesmo e nem se reconhece no espelho, ainda que bata o nariz contra o mesmo.” (Trotsky, O que é Centrismo?, 2005)

                "Lembremo-nos quantas vezes os marxistas foram acusados de atribuir os fenômenos multiformes e contraditórios à pequena burguesia. E efetivamente, sob a categoria de "pequena burguesia", é preciso que se inscrevam fatos, idéias e tendências que, à primeira vista, são incompatíveis. Possuem um caráter pequeno-burguês o movimento camponês e o movimento radical na reforma comunal; os jacobinos pequeno-burgueses franceses e populistas (narodniki) russos; os proudhobianos pequeno- burgueses; os anarossindicalistas franceses, o "Exército da Salvação", o movimento de Gandhi na Índia etc. Um quadro ainda mais variado se apresenta se passarmos para o domínio da filosofia e da arte. Isto quer dizer que o marxismo brinque com a terminologia? Não, isso quer dizer apenas que a pequena burguesia é caracterizada por uma heterogeneidade em sua natureza social. Embaixo ela se confunde com o proletariado e passa para o lupem-proletariado; no alto, ela se estende à burguesia capitalista. Pode apoiar-se nas antigas formas produtivas, mas pode depressa desenvolver-se também na base da indústria mais moderna (novas classes médias). Não é de se admirar que se enfeite ideologicamente com todas as cores do arco-íris. O centrismo no meio do movimento operário representa, num certo sentido, o mesmo papel que a ideologia pequeno-burguesa de qualquer espécie representa em relação à sociedade burguesa em geral. O centrismo reflete os processos de evolução do proletariado, o seu desenvolvimento político, assim como sua decadência revolucionária, ligada à pressão exercida sobre o proletariado por todas as outras classes da sociedade. Não é de se admirar que a querela do centrismo se distinga por tal variedade de cores! (...) é indispensável descobrir, por meio da análise social histórica concreta, a natureza real do centrismo da espécie em questão." (Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha, 2011)

[9]             A “classe média assalariada e precária” não estava clara e perceptível para Trotsky, sendo ele quem melhor expôs o que é a moderna classe média: "Os principais efetivos do fascismo continuam a ser constituídos pela pequena-burguesia e pela nova classe média que se formou: pequenos artesãos e empregados do comércio nas cidades, funcionários, empregados técnicos, intelectuais, camponeses arruinados [...] mil operários de uma grande empresa representam uma força maior do que a de um milhar de funcionários, de escrivães, contando com suas esposas e sogras". (Trotsky, Revolução e contrarrevolução na Alemanha, 2011, pp. 45, 46) "[A burguesia] conseguiu submeter, nos quadros da democracia formal, não só a antiga pequena burguesia, mas também, em medida considerável, o proletariado. Para isso, se serviu da nova pequena-burguesia – a burocracia operária". (Idem, p. 284)

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