APÊNDICE VII
PROBLEMAS DO PROGRAMA
Os textos abaixo ferem o senso comum da
esquerda e dos falsos revolucionários. Gerará enorme resistência e
mal-entendidos cínicos. Mas há muito tempo aprendi a querer mudar o mundo, não
receber aplausos. Muitas vezes, ou um ou outro.
Várias verdades “óbvias” devem sofrer
resistência. Se não combatermos certos preconceitos e limites, difícil
avançarmos.
São tabus, assuntos intocáveis. No
entanto, a verdade deve ser dita, mesmo se gere desmoralização momentânea –
apostamos nos ganhos futuros diante das perdas presentes.
ESTATAL OU PRIVADO? O TERCEIRO EXCLUÍDO
Com a queda da taxa de lucro, o capital
vê na privatização uma nova forma de rendimento. A esquerda, mesmo a radical,
luta pela estatização ou pela não privatização. Ou seja, luta por fortalecer e
preservar o aparelho burguês.
Entre o estatal e o privado, há a
propriedade coletiva. No lugar de ficar contente com a propriedade “pública”,
ou seja, o Estado como patrão, deve-se lutar pela gestão operária da empresa em
questão. Isso ainda não é socialismo, mas já é muito. No lugar de empresas para
acionistas privados, um poderio operário.
Pode-se argumentar que tal proposta,
por ser radical, deve ser levantada apenas nas crises, à beira da revolução.
Ora, não só. O governo as empresas estatais grandes elefantes mancos para
ganhar a opinião pública na tarefa de privatizar. O único modo de evitar isso é
a gestão operária da empresa.
A burguesia é bastante pragmática. Se
precisa comprar produtos de uma fábrica ocupada, ela comprará sem mais – a
experiência já o demonstrou.
Alguns serviços, claro, deverão ser
gratuitos, mesmo se sob gestão similar à operária, como prisões e hospitais –
que deverão ser ainda estatais.
Mas sequer na crise chama-se a gestão
operária, apenas a estatização. É o “socialismo” do servidor público – que vê,
no fundo, sem perceber, o Estado burguês como fonte potencial de racionalidade.
Em alguns casos, a gestão deverá ficar
sob controle da comunidade local por meio de eleições e assembleias regulares
obrigatórias (não de presença ou voto, mas no sentido de o evento ocorrer).
Se a gestão operária ocorrer perante um
crescimento econômico, que seja! Tentaremos ter o melhor e mais barato produto,
já que o lucro cai por terra, além das melhores condições de trabalho, ao
aproveitar a onda ascendente.
Se o Estado tenta provar ao mundo que
ele mesmo é ineficiente, então gestão operária, com controle popular, da empresa!
Mesmo em pequenas fábricas isso é
possível, à vezes, mais fácil. Servirá de exemplo, educação, maturação etc. Os
revolucionários devem aprender a gerir de modo completamente diferente. O
capital político adicionado é enorme quanto e enquanto há tal modo de lidar com
a produção.
O LIMITE DO “FORA GOVERNO”
Nahuel Moreno tomou para si uma
proposta que soou nas ruas: o fora governo, o fora presidente. Mas uma das
defesas do capitalismo é afirmar que a culpa toda é do indivíduo, não do
sistema.
Quantos presidentes devem cair até cair
o modo de ser do mundo? É um ciclo infinito, um loop, uma armadilha.
O central é defender o que a burguesia,
no momento, evita em nome da estabilidade – eleições gerais! Ao menos no
presidencialismo, isso é uma força enorme. Colocamos o povo na jogada, pois a
populações, via de regra, nunca aprovará via voto o programa que a burguesia
quer impor pelo golpe ou pela manutenção do governo.
Se a burguesia quer a queda do governo,
de novo, eleições gerais! Forçamos os limites inerentes da democracia burguesa.
Milhões nas ruas por voto direto tem consequências muito maiores no chão da
fábrica.
Já o “fora ministros burgueses” deve
ser chamado apenas em situações muito especiais. Claro, aquele secretário de
educação pode ser alvo de uma campanha por sua demissão.
O “Fora todos”, por outro lado, de nada
ajuda. Ele significa, também, “fora revolucionários, qualquer partido!” Uma
organização pequena levantar isso não mudará o fato de ainda ser um alvo,
confundido com as demais organizações. É uma palavra de ordem da classe média,
como se governo ao menos das coisas não fosse necessário… Não é porque as
massas assalariadas levantam uma forte e popular palavra de ordem que ela está
correta. Ela é negativa, nenhum poder real necessário aponta.
No Brasil, o fora Dilma passou para o
fora todos, que passou para o fora temer, que passou para fora Bolsonaro… De
pouco adiantou. Além disso, um grave erro: apenas chamamos o fora governo se,
se chamamos algo do tipo, o governo perde apoio popular significativo pelo
menos em algum setor social importante. Mas chamou-se o “fora” quando o governo
ainda surfava em popularidade. Amadorismo puro.
Quando as condições da revolução estão
maduras, clamar pelo ”Fora” não é errado como trata-se de uma proposta
contrarrevolucionária. Nesses casos, devemos levantar algo positivo como todo
poder às assembleias de base etc.
O erro do “Fora” tal como é usado tem
como fonte de fundo a ideia de racionalidade do Estado burguês. O “socialismo”
do servidor público alegra-se ao poder mudar de gerente, de patrão. Foca mais
no Estado que no poder da fábrica, da qual estão longe demais.
O PROBLEMA DA REFORMA AGRÁRIA
No Brasil, neste grande celeiro do
mundo, opõe-se agronegócio à reforma agrária. Mas o país nunca teve propriedade
feudal para destruir e distribuir terras – e aqui terras não faltam. Nossa
produção no campo, mesmo a escravista, foi voltada para o comércio mundial.
Os dirigentes do MST já disseram, por
exemplo, que dá para fazer a reforma agrária completa apenas distribuindo as
terras hoje improdutivas, mas privadas. Eis aí: o socialismo fará uma reforma
agrária, mas secundária, não central – por quê?
O agronegócio é uma indústria como
qualquer outra. Quando temos a grande propriedade privada capitalista, devemos,
então, estatizá-la, ou melhor, colocar a empresa sob controle e gestão de seus
funcionários. A questão toda, porém, é que a agroindústria emprega pouquíssimo
e tende à automação.
Se déssemos todas as grandes propriedades
produtivas ao sem-terras, com suas pequenas propriedades privadas, a
produtividade cairia de modo imenso, pesado. Inflação e fome tomariam conta do
brasil e do mundo.
Do mesmo modo, deixaríamos de exportar
em larga escala. Com isso, deixaríamos de ter dólares – preço de tal moeda, por
menor oferta, dispararia. De novo, inflação e hiperinflação dos tantos e
necessários importados.
Isso é o ABC que não se observa por
questões conservadoras e ideológicas.
A defesa da reforma agrária, contra a
estatização om gestão operária, é uma pauta pequeno-burguesa, ou seja, o desejo
da pequena propriedade privada.
Mesmo para defender o meio ambiente,
torna-se necessário unificar todas as grandes propriedades privadas numa única
e planejada propriedade comum.
Abaixo todas as cercas!
No refluxo pesado dos anos 1990, o MST
foi nossa grande reserva moral ativa, ofensiva. Hoje, sua direção preocupa-se
mais em preservar a governabilidade do petismo. Isso tem várias razões de ser.
Os sem-terra foram para a cidade e para a construção civil, houve esvaziamento.
Além disso, a direção pequeno-burguesa, incluso no princípio da pequena
propriedade, quer ainda preservar o Estado, como se ele fosse mais ou menos
neutro, em disputa.
O destino da grande propriedade privada
é sua socialização, não sua fragmentação.
MEIO AMBIENTE E TOTALIDADE
O tema ambiental tem oferecido um
grande argumento dos revolucionários contra a barbárie capitalista. Em muitos
países, a direta nega-se a reconhecer a verdade científica. Em outros, viu-se
obrigada a abarcar a pauta, de modo formal, para ter apoio.
Mas quando a pauta ambiental é vista de
modo único, sem o contexto e sem a totalidade, perde-se a mão e um pouco mais.
Por exemplo: certo ou errado construir
a hidrelétrica de Belo Monte no Pará? Quem é a favor na esquerda, logo se
desmoraliza e cai em ostracismo. Mas aí vem a pergunta: de onde virá a energia
necessária – e na escala necessária – para as novas necessidades sociais? Do
nada? Do vazio? Sem uma contraproposta, ficamos à deriva.
Podemos ser contra a forma como ela
será construída, não contra sua construção em si. O projeto deve ser adaptado
às exigências sociais e ambientais.
Nós temos uma dívida impagável com os índios.
Mas nada impede que o movimento indígena tenha oportunismo, desvios etc. Nãos
os infantilizemos. Certos Líderes mentem para afirmar que suas tribos estão
logo em regiões chaves para haver indenização etc. Isso é um tabu na sociedade
e nos movimentos sociais.
É impossível o homem não agredir a
natureza – a questão é como, quanto e com quais compensações.
É do interesse de potências
estrangeiras que deixemos de construir hidrelétricas, poços de petróleo,
energia nuclear, agronegócio. Para isso, usam certos movimentos coais para
barrar tal desenvolvimento nacional. Usa-se de modo oportunista uma pauta vital
para a sobrevivência de nossa espécie nas próximas décadas, o meio ambiente.
Devemos abandonar a moda de ser apenas
feminista, apenas ambientalista, apenas sindicalista etc. Devemos ver a unidade
inevitável do todo – e seu devir. Qual nosso projeto de país e de mundo? Sem um
programa e um plano geral, nada avança.
A esquerda radical foi de todo contra a
transposição do rio São Francisco, uma reforma. Deveria ser contra apenas aos
limites e formas de sua execução. Deveria exigir mais em defesa do nordeste e
da natureza, arrancar o possível do Estado inimigo.
Quer-se que o Estado cuide de modo
artificial de tudo, cada pauta em seu caixa particular.
OPRESSÃO E ESTADO
Segundo Hegel, o Estado é a
racionalidade encarnada, a solução e amortecimento do conflito inerente. Como
um rei filósofo, o Estado pairaria por cima das classes e da realidade mesma.
Segundo Marx, o Estado serve a uma
classe, a classe dominante, e seu principal setor são as forças armadas. O
Estado serve para sustentar uma irracionalidade social.
As feministas, lutadores LGBTs etc.
Ficam, de um lado, com Hegel: querem que o Estado, de maneira artificial, adote
a razão suprema, porque sim, e permita seus direitos. Eles e elas não tentam
ganhar o apoio ou a tolerância da maioria da sociedade. Nunca observei um
coletivo pela legalização da maconha fazer campanhas de conscientização em
bairros vitais. Ao contrário, fazem apenas atos anuais de vanguarda para si
mesmos, algo pouco útil.
Por outro lado, estão aquém de Hegel.
Este afirmou que a lei apernas expressa os valores que a sociedade civil já
adota, já aceita. Ou seja: temos de ganhar corações e mentes.
A maioria das mulheres, em principal da
classe trabalhadora, rejeitam o feminismo. Porque o pior feminismo, o de classe
média, fica em chocar e chamar atenção no lugar de conscientizar.
O feminismo da classe trabalhadora
deseja creche, escolas, lavanderias e restaurantes públicos, gratuitos e de
qualidade nos bairros. A feminista pequeno burguesa já pode pagar por tudo isso,
logo foca em “pronome neutro”, em “batom vermelho” etc. São mundos diferentes
que produzem feminismos completamente diferentes.
Nós lutamos contra o Estado, os
patrões, as patroas, os governos e governadoras para arrancar de todos eles
mais direitos e qualidade de vida. O Estado é inimigo do feminismo classista e
socialista.
O poder burguês é inevitavelmente
machista, mesmo se gerido por uma mulher.
Nas eleições, partidos radicais
chamaram a votar em “bancadas feministas” ou “candidatura feminista coletiva”
que, veja só!, é feito para pessoas e por pessoas! Ou seja, candidaturas que
fizerem questão de esconder a pauta classista no feminismo etc. Quer-se o voto
de todas as classes, claro…
Vejamos um a caso polêmico. Sem armas,
as mulheres nuca serão de todo livres, mesmo. Por isso, o alistamento militar
obrigatório regular também deverá valer ara elas. Isso ajuda a libertá-las. Mas
nem todos estão prontos para tal conversa…
VIOLÊNCIA URBANA
O conjunto da população é radicalizada
na pauta da violência urbana. Mas a esquerda radical clama por bom-senso… Nessa
pauta, parece inexistir meio-termo possível.
Pedir o “Fim da PM”, por exemplo, exige
a pergunta: de que modo? Se a dissolvemos, logo haverá motins militares,
formação maior de milícias, formação de mercenários, tentativas de golpe de
Estado…
A desmilitarização da PM, embora
positivo, nada muda em qualidade. Mesmo a Polícia Civil, mais difícil de
corromper por suas tarefas, é corrupta em altíssimo grau.
É da natureza da polícia corromper-se.
Um grupo destacado armado e assalariado irá, de maneira inevitável, cair em
oportunismos de todo tipo.
Podemos ter várias pautas positivistas.
Por exemplo: prisão perpétua para assassinato consciente, mas não prisão em
caso de crimes leves (roube de celular etc.) para evitar a escola do crime nos
presídios. Não é difícil elaborar boas propostas, mas é impossível revolver sob
o capital o problema.
A violência urbana ou se revolve de
todo ou não se revolve. Ou seja: só mudaremos isso de modo positivo e de vez
coma revolução social.
Devemos defender que todas as famílias,
homens e mulheres, tenham armas leves e pesadas, além de treinamento básico.
A sociedade justa é aquela em que seus
cidadãos são os soldados, sem um grupo artificial destacado com monopólio da
força. Um cidadão que não sabe atirar é um irresponsável, merece ser escravo.
Logo, devemos defender a dissolução das forças de segurança na sociedade, nos
bairros e locais de trabalho.
A impossibilidade de reformar as forças
de segurança no capitalismo é um fato. Não nos impede, porém, de tentar estas
ou aquelas melhorias. A violência urbana é uma demonstração dos limites
sistêmicos do capitalismo, que a era da revolução começou, que a era das
reformas acabou e reformismo são vitualmente impossíveis.
No Brasil, a esquerda radical evita o tema da
violência, elaborar um programa, por vários motivos: 1) foi torturada na
ditadura, 2) está atrasada programaticamente, 3) a pauta é dificílima, 4) os
dirigentes vivem nos castelos estáveis dos condomínios etc.
A bandidagem, incluso policial, é
inimiga de classe da classe trabalhadora. Não são anarquistas incompreendidos
ou potenciais, ou coitados.
Quanto às prisões, elas devem ser
punição real, logo devem ser um inferno maior do que o inferno que é o mundo
fora de seus muros. Apenas um mundo com qualidade de vida encerrará isso.
Mais uma vez, aqui, a esquerda
servidora pública, incluso dentro dos sindicatos, quer um Esdtado racional
buguês que resolva isso… Ainda que tal esperança vã seja inconsciente.
IMIGRAÇÃO E XENOFOBIA
Para susto de marxistas formais, a
classe operária está contra os imigrantes, os refugiados. Ora, não seria os
valores dominantes os valores da classe dominante?
Isto é fato: a entrada de estrangeiros
empurra para diminuir os salários e precarizar o trabalho. Sem falar nas
questões culturais. Porque, sim, uma cultura, por exemplo, que preza a higiene
é, neste aspecto específico, superior – não em raça, mas em hábito.
No Brasil, quase que total e
simplesmente não existe xenofobia. Nós gostamos de receber os de outros países.
Bem, até agora. Isso aponta que há modo de mudar tal ideologia.
O que fazer?
Em primeiro, deve surgir uma vantagem
em receber pessoas de outros países – para os trabalhadores, não para os ricos.
Devemos obrigar os Estados reduzir a
jornada de trabalho sempre que entrar uma onda de novos trabalhadores no país.
Mais: reduzir a jornada ao ponto de trabalho para todos. Nem mais nem menos. Aí
surgiria um grande acordo!
Vamos mais ao fundo. O parlamento europeu
planeja fazer um exército da Europa – contrarrevolucionário! – que deve ser
boicotado. Brinquemos com seu cinismo: para agora e ontem, uma legislação
trabalhista da extrema-esquerda que dê aos trabalhadores de toda a União
Europeia os melhores direitos de cada país, unificado!
Qual país tem a menor jornada, por
exemplo? Ela será a jornada geral, portanto. Mais: vamos exigir escala móvel de
tempo de trabalho europeu – pleno emprego permanente já!
Uma legislação trabalhista unificada já
deve ser exigida com propostas ousadas e muito claras, bem postas para evitar
desvios.
Será que a União Europeia do capital
durará despois disso?
Mais uma vez, aqui, demonstramos a
ilusão esquerdista de esperar por um Estado que tudo resolve, sem luta real e
sem revolução. O Estado é, antes, parte do problema.
ESQUERDA E TAXA DE JUROS
Em ciclos pouco explicados pela
economia comum, a taxa de juros de curto prazo, que dão o preço dos títulos do
Estado, sobem para depois descerem, para depois subirem – e assim por diante.
O aumento da taxa de juros obriga o
governo tirar dinheiro de outros setores (educação, investimento etc.) para
entregar aos bancos e donos da dívida. Isso desestimula a economia por o Estado
lançar menos dinheiro no país real – Talvez menos inflação.
O aumento da taxa faz os bancos
internos investirem na dívida, no lugar de emprestar. Então, emprestam sob
preço, juro, mais altos, mais caros. O dinheiro tona-se caro. Com menos
empréstimos, menos investimento, menos consumo, menos inflação – supostamente.
O aumento da taxa de juros força a
indústria e o comércio a dedicarem mais do que seria lucro para os bancos, o
que tira dinheiro da economia real – pressão por menos inflação.
O aumento da taxa de juros, ou seja,
dar mais lucros a quem investe na dívida pública, atrai investidores
(especuladores) internacionais, donos de dólares. Eles dão seus dólares ao
Banco Central do país, logo, sobra mais de tal moeda no mercado, ou seja, a
oferta de moeda mundial é maior do que sua procura. Resultado? O câmbio se valoriza:
se 1 real valia 5 dólares, agora 1 real vale 3 dólares. Resultado? Os
importados tornam-se mais baratos, muito mais – menos inflação. Além disso, com
a entrada da concorrência de mercadorias mundiais no país, empresas instaladas
na nação quebram, o que gera desemprego, o que gera menor consumo, o que
diminui a procura, o que derruba os preços por menor procura dos consumidores e
das empresas por produtos.
Veja-se: a taxa de juros mais alta não
é a causa da crise – não a causa primeira ao menos. Porque a crise já dá seus
sinais no subsolo (inflação, desemprego baixíssimo, queda da taxa de lucro por
grande concorrência interna, aumento do preço das matérias-primas, maior
demanda por dinheiro, greves por todo lado etc.) – torna-se obrigatório o Banco
Central aumentar a taxa de juros (às vezes, faz, mas não sabe que faz ou o
motivo real).
Os falsos marxistas, porém, pensam que
é revolucionário exigir juros baixos sempre, sempre. Isso, na verdade é
política burguesa industrial, nada comunista. Há uma luta entre bancos e
industriais pela taxa de juros – que não é luta nossa de modo direto. Cabe-se
apenas entender o que ocorre e ferir as consequências. Veja-se: se forçamos
baixa taxa de juros o tempo todo, logo, haverá hiperinflação porque o câmbio, o
preço da moeda, irá estourar – os necessários importados serão caríssimos por
muito tempo. Logo vemos que muitos marxistas nada entendem de economia de fato,
e reptem mantras sem pensar.
Marx nomeia a luta por baixa taxa de
juros “falso socialismo” (Salário, preço e lucro). Ou seja, não é por aí… Mais
uma vez, cai-se na ilusão de esperar por um Estado racional hegeliano, uma
utopia tola. Boas ideias, gente preparada, não muda a realidade se a realidade
mesma não quer – e não pode – mudar e nada permite.
OS VALORES DO OCIDENTE
Zizek sofreu certo ostracismo por
defender a assim chamada civilização ocidental. A ultradireita fala em defender
os “valores cristãos do ocidente”. Ora, primeiro, o melhor que temos veio
apesar da religião, contra sua resistência.
A China e a Índia foram, por muito, a
vanguarda em todos os sentidos. Devemos muito ao extremo oriente. Na escura
Idade Média, o Oriente Médio foi a vanguarda da civilização.
Mas, hoje, de fato, o ocidente é a
vanguarda cultural – e isso deve ser defendido. Desde os anos 1970, temos
conquistas ocidentais que devem ser defendidas com fervor.
Aonde mais a mulher é mais respeitada?
Aonde mais há certa liberdade LGBT?
Aonde mais há liberdade de pensamento?
Aonde mais há democracia, mesmo que
artificial?
É verdade que tal civilização ergue-se
em base à barbárie e ao imperialismo – mas ergueu-se e deve ser defendida.
Se o Médio Oriente fosse a vanguarda,
sairíamos em sua defesa cultural completa.
Por isso, estamos contra o relativismo
cultural. É possível medir o nível de civilização. Por exemplo, pelo respeito
ao feminino. Se a mulher é proibida de estudar, logo é uma civilização inferior
na escala histórica.
A medida é o quanto de alienação
existe. De outra maneira, o quanto respeita verdades corretas da ciência.
Afinal, nada diz que a mulher é inferior ao homem, por exemplo.
Então, nas últimas décadas o ocidente
acumulou certas conquistas que devem ser defendidas e estimuladas, além de
aprofundadas para todo o mundo. Neste sentido, deve ser guia ao oriente.
Por ocidente, aqui, incluímos a América
Latina e o Japão. Talvez, enquanto a avança, a África.
Claro que tais valores nunca podem ser
desculpas para imperialismo, golpes, invasões, perseguições, sanções etc.
No ocidente, a ideia de revolução,
contra a obediência, tonou-se um valor cultural comum – algo imensamente
progressivo. Assim, a liberdade é valorizada, ainda que de modo individualista.
A cultura geral oriental tem muito a
ensinar. Mas, em certos campos, em especial nos costumes, ainda é reacionária
e, até, contrarrevolucionária. Um reforma, ou revolução, cultural deve ser
feita.
OS FALSOS REVOLUCIONÁRIOS
A velha guarda militante cansou-se.
Envelheceu sem ver a revolução. Ao contrário, o socialismo real, que tanto os
estimulou, caiu, ruiu, desabou.
O cinismo tomou conta da esquerda
radical. Eles fingem ser revolucionários para manter cargos, pequenos
prestígios, rotinas etc.
Moralmente degenerados, fazem todo tipo
de teatro militante.
São homens de sindicato, não de Estado.
Embora tenham décadas de militância, nada sabem sobre arte militar (a revolução
não exigirá guerra civil?). Muito além disso: são incapazes de governar. Mesmo
se os trabalhadores derem a eles o poder na mão, nada saberão fazer.
Eles não possuem programa de governo. O
que fazer, como fazer, de onde tirar os recursos necessários para tal? Afinal,
nada esperam governar – para quê aprender? Mesmo se contratando especialistas,
isso nunca virá de bandeja aos governantes da extrema-esquerda. É preciso saber
elaborar, propor e governar.
Estão muitíssimo aquém das tarefas
históricas. No fundo, pensam que o socialismo nunca virá ou surgirá daqui a
100, 200 anos…
Muitos dos jovens militantes também são
assim. Estão nos partidos para ter vida social extra, por prestígio, por moda.
Novos e velhos militantes, boicotarão a
revolução quando ela chegar. Uma parte irá “viver a vida” porque as tarefas
serão duras demais. Outra parte, finalmente, será convencida a ir para frente.
São revolucionários, porém não muito
nem tanto. Se precisarmos pegar em armas em outro país, muitos jogarão corpo
fora ou mandarão os jovens para isso…
Assim, são ações teatrais, protestos
teatrais, reuniões teatrais.
A verdade é que, repetimos, nada mais
esperam de uma revolução. Acostumaram a voos baixos, pequenos. Numa tortura, em
caso de ditadura, serão os primeiros a entregar os companheiros ou serão
infiltrados. Não darão conta de ser resistência.
Apenas um “como se”. Os partidos de
extrema-esquerda estão infestados por esse tipo de gente, em principal nas
direções partidárias.
Para manter o sindicato, nada mau
erguer de vez em quando o punho para cantar a Internacional… Contato que o
clubismo permaneça em pé.
Com isso, a moral degenera. Apostam na
manobra, na ação informal, no jogo. Tudo para manter as aparências. De vez em
quando, expulsar quem quebra a brincadeira ou aquele militante que ficou
esperto demais.
O NOVO PROBLEMA DO MACHISMO
Este assunto é dificílimo. Por 5000 mil
anos, a mulher foi escrava do homem – em grande medida, ainda continua em tal
posição. Mas é evidente que, nos países ocidentais, houve alguma relativa
mudança.
Quanto mais as mulheres conquistam
direitos e liberdade, mais condições têm de conseguir mais direitos e
liberdade. Surge um ciclo, efeito em cadeia, positivo, uma tendência ainda com
grandes resistências.
A coisa mudou de rumo. Antes, o homem
matava sua mulher como afirmação de sua independência em relação a ela, e seu
domínio – enquanto ela estava isolada, por exemplo, na cozinha. Hoje, ao
contrário, o homem mata sua parceira por depender emocionalmente dela –
enquanto a mulher afirma maior independência, sem domínio claro. O sinal
inverteu-se: mesmo efeito por causas opostas, com os mesmos elementos em jogo.
Há, de fato, o lado biológico afetando
a reação violenta masculina, mas isso é menor; pois, neste caso, trata-se de
outra razão, o contexto social. Antes, a vida social (clube, política,
sindicato etc.) era algo masculino. Hoje, porém, os homens estão mais isolados
uns dos outros, enquanto as mulheres, por seus perfis, tendem ao grupo, ao
agrupamento.
A nova realidade confirma isso. Exceção
do caso de gravidez possível, muitos empregadores preferem mulheres em tantos
ramos porque grevam menos (são mais “responsáveis”) e são, de fato, mais
responsáveis – enquanto o machismo, além de fatores biológicos, fazem do homem
ousado demais, caindo tantas vezes na irresponsabilidade, no desleixo etc.
Assim, as mulheres vivem mais ciclos sociais como no trabalho mais coletivo,
menos isolado.
Exige-se muito do perfil masculino, mas
o capitalismo hoje o frustra o tempo todo, como com o desmoralizante
desemprego.
A degeneração moral, enfim, afetou o
elo mais resistente, as mulheres (veja-se que as prisões femininas deram um
salto repentino, algo raro antes). Assim, a luta de todos contra todos na fase
de decadência imperialista leva ao oportunismo nas relações familiares e
sexuais. Quer-se o dinheiro, o prazer imediato, a renda, o melhor restaurante
etc. É mais difícil, hoje, encontrar uma boa parceira.
As tecnologias também mudam a situação.
Por exemplo, o famoso aplicativo mundial Tinder é projetado para facilitar todo
o processo para as mulheres e dificultá-lo ao máximo aos homens, para que eles
paguem pelo melhor serviço. Redes sociais, por outro lado, facilitam a poligamia
feminina – ainda bem.
Como crise da família atual, prenúncio
da próxima saudável, além do amor livre, muitos homens são subordinados de modo
alienador às suas mulheres. Muito mais do que antes, tal tipo de inversão
tornou-se mais comum.
Devemos ter isso em conta, a saúde
mental e social dos homens, das novas gerações em especial. Tanto o machismo
quanto, agora, a nova situação os prejudica em modo de alienação.
ESTATIZAÇÃO MORAL
No auge positivo do capitalismo, quando
Keynes reinava na teoria econômica, do fim da II guerra à década de 1970,
surgiu como natural este pensamento: monopólios naturais deveriam ser estatais
– para controle de preços etc. Havia um consenso. Até hoje as tentativas da
França de privatizar o seu regime de águas e energia do país tendem a obrigar
reestatização, algo mais difícil num país não imperialista, dominado pelo
capital imperialista sedento pelo capital estatal.
Feita a introdução, nossa tese: alguns
negócios devem ser considerados imorais para a opinião comum, para o Estado,
para o governo. Hospitais privados lucrarem coma doença alheia é um crime – e
se matarem o paciente que apenas oferece custo? Escândalos do tipo são
conhecidos e tanto outros ocultos. Além disso, tantos outros problemas ocorrem
por lucro em tais serviços. Da mesma maneira, a indústria farmacêutica deve ser
estatal, toda, em todo o mundo.
O caso ainda mais absurdo é a indústria
de guerra. Empresas privadas de armas ganham mais em suas ações financeiras
quando há conflito armado (caso, por exemplo, das empresas militares de
Israel). Literalmente, o lucro aumenta com o aumento da morte. De soldados até
produção de balas, tudo deve ser estatal – se possível, evitar lucro por lei.
Isso não resolverá o problema, mas atenuará.
Qualquer acidente fatal contra o meio
ambiente produzida por uma grande empresa privada deve desencadear de imediato
a estatização sem indenização. E boa parte do lucro irá para um fundo de
compensação rigorosa e ampla de danos.
A imprensa não deve ser “democratizada”,
ou seja, com mais concorrência – mas deve ser estatizada, no mínimo como no
modelo da BBC. Notícia é algo muito sério para receber, nos intervalos,
propaganda de bancos.
Por fim, de fato os monopólios naturais
– hidrelétricas etc. – devem ser, pelo menos, monopólios estatais. É óbvio que
isso é racional até para o capitalismo, apesar de sua loucura crescente.
O PROBLEMA DO FUNCIONALISMO PÚBLICO
Com o longo aquecimento da economia
após a segunda grande guerra, o estado disputou quadros capazes contra a
iniciativa privada. Assim, deu direitos extras aos seus funcionários como a
estabilidade no emprego. Desde então, surgiu um falso socialismo do funcionário
estatal – quer-se um Estado forte, ainda que pinte isso com cores vermelhas e
radicais.
Marx fere, no entanto, a intuição
comum:
“Compreende-se de imediato que, num
país como a França, em que o Poder Executivo dispõe de um exército de
funcionários de mais de meio milhão de indivíduos, mantendo constantemente,
portanto, uma enorme massa de interesses e existências na mais absoluta
dependência, em que o Estado enreda, controla, disciplina, vigia e tutela desde
as mais abrangentes manifestações de vida da sociedade civil até os seus
movimentos mais insignificantes, desde os seus modos de existência mais universais
até a existência privada dos indivíduos, em que esse corpo de parasitas
adquire, em virtude da sua extraordinária centralização, um grau de
onipresença, de onisciência, de acelerada capacidade de movimento e de reação
que só tem analogia na impotente falta de autonomia, na disformidade
desordenada do organismo social real, compreende-se que, em um país como esse,
a Assembleia Nacional, perdendo o poder sobre os postos ministeriais, daria por
perdida qualquer influência real, caso não simplificasse simultaneamente a
administração estatal, reduzisse tanto quanto possível o exército de
funcionários e, enfim, permitisse à sociedade civil e à opinião pública criar
os seus próprios órgãos, independentes do poder governamental. Porém, o
interesse material da burguesia francesa está entretecido da maneira mais
íntima possível justamente com a manutenção dessa máquina estatal extensa e
muito capilarizada.”
Marx, 18
Brumário de Luís Bonaparte, Boitempo, p. 76, 77; versão digital.
Ora, isso contraria a extrema-esquerda.
Mas devemos criar formas de o povo, os trabalhadores, controlarem os
funcionários: eleições reais, controles diretos, avaliação de desempenho
(relatos dos usuários do serviçovia inernet após o uso), prêmio por meta e bom
atendimento, os funcionários serem daquela comunidade do hospital ou escola,
abstecer com valores de uso prontos no lugar de verba em dinheiro etc.
Devemos defender e ampliar os direitos
do trabalhador estatal, mas, ao mesmo tempo, desestimular a corrupção, a
manobra, o corpo mole, a malandragem. É preciso controle social, controle
direto, bandeira da Comuna de Paris.
Todos conhecemos casos absurdos de
funcionários mais preguiçosos do que deveriam, mais ligados ao Estado abstrato
do que aos necessitantes de seus serviços. A coisa é feita para dar errado:
evitar, por exemplo, que o desejante por aposentadoria se aposente logo.
Cria-se forte burocracia, no duplo sentido, para atrasar ou impedir direitos.
Controle social – controle social –
controle social!