segunda-feira, 2 de março de 2020

Por que o trotskysmo do Brasil abandonou o programa de transição?

Por que o trotskysmo do Brasil abandonou o programa de transição?

Vivemos a mais profunda crise da história brasileira. As contradições econômicas e sociais ora postas tiveram sua origem no fim do “milagre econômico” nos últimos anos da ditadura; desde então, o país vive sob estagnação do PIB per capita, desindustrialização, crescimentos anêmicos e crises cada vez mais duras. Agora, o regime de Estado ameaça fechar-se neste período como forma de impor com facilidade ataques aos direitos dos trabalhadores; a ditadura torna-se cada vez mais uma possibilidade.

Um programa de transição é a única ferramenta para salvar nossa classe. A situação reacionária em que se encontra a principal nação latino-americana desde 2015 só pode ser superada por um programa tão radical quanto sua situação. O caos social, fruto da anarquia capitalista, exige medidas socialistas.

Embora exija uma análise interdisciplinar e certa criatividade, a elaboração política não é uma habilidade sempre muito difícil. Muitas vezes, basta-nos focar nos efeitos imediatos da economia e ter conhecimento das palavras de ordens acumuladas pelo movimento comunista. Pensemos juntos. Quais as dores mais sentidas pela classe trabalhadora no atual momento?  Quais problemas adquirem caráter crônico? A primeira resposta é o desemprego e a informalidade. Para a sorte dos comunistas, não precisamos reinventar a roda, pois Trotsky formalizou a proposta escala móvel de tempo de trabalho, que podemos adaptar para “Programa desemprego zero! Redução da jornada, com o mesmo salário, na proporção que empregue a todos!” Um cálculo pode ser feito para afirmar quanto deve ser tal jornada de trabalho.

No fundo da questão, está o fato de que nossos líderes marxistas – e muitos militantes – negam que há a possibilidade de uma revolução socialista no Brasil no próximo período. Fazem lutas, organizam pressões, combatem a burocracia sindical; mas deixam de ver a anormalidade histórica da atual crise. Desde 2008, entramos numa época de crescimentos fracos, curtos e artificiais alternados por crises longas e/ou profundas. Mesmo quando com alguma elevação da economia, as contradições sociais estarão acumuladas e à beira de explodirem. Isso significa que vivemos mais do que uma simples crise cíclica, mais do que a forma de manifestação.

A realidade está cada vez mais madura para o socialismo. Do ponto de vista imediato, do apenas empírico, é difícil alcançar tal conclusão; faz-se preciso a teoria para ver a essência do mundo para além de sua aparência. A industrialização alta acompanhada por um processo de decadência industrial desde 1980, a grande propriedade rural moderna, a urbanização máxima já alcançada, etc. são exemplos da maturidade socioeconômica, nos limites de uma semicolônia, alcançada no Brasil.

Mas o fascismo também é uma opção. A revolução socialista pode ser atrasada até por décadas se uma ditadura for posta no Estado burguês. Parte do caminho para evitar esta sombria alternativa é a apresentação de um programa econômico transicional, socialista.

Quais são os problemas postos de imediato?

A esquerda está na defensiva, logo propomos a frente única de esquerda em torno de pautas práticas.

O desemprego é crônico, logo propomos “redução da jornada, com mesmo salário, para produzir desemprego zero”.

O endividamento dos trabalhadores atingiu níveis alarmantes, logo exigimos “cancelamento total das dívidas dos trabalhadores e pequenos empresários!”.

Há a ameaça de uma reforma administrativa, por isso pomo-nos “contra a reforma administrativa!”.

Como se vê, são entre 2 a 4 palavras de ordem centrais, focados nos problemas mais sentidos e mais intensos desde o começo da crise. Porém, os trotskystas usam o programa de transição apenas como “receita de bolo” no fim de seus documentos políticos congressuais. Deveriam, no lugar disso, fazer conferências partidárias para debater quais propostas são centrais e de que tipo na conjuntura atual (as democráticas, as mínimas ou as transicionais?). Há, portanto, separação entre teoria e prática. O programa de transição foi, como a defesa do socialismo, colocado para “datas especiais”.

Se queremos construir organizações marxistas com influência de massas, devemos apresentar nossas próprias propostas, devemos aparecer como alternativa aos trabalhadores. Ir aos principais bairros e fábricas com panfletos, cartazes e pichações deve ser o objetivo das correntes trotskystas. Popularizar as propostas deve ser uma fixação. O trostskysmo precisa se unir em torno das pautas transicionais, aumentando suas forças, por meio de um “encontro nacional pelo pleno emprego” a ocorrer simultaneamente em todos os estados da federação.    

A situação reacionária atual é transitória, temporária. Ainda temos condições de ter uma vitória estratégica nos próximos anos e evitar a derrota total. Se ocorrer, por exemplo, uma luta de massas nacional desorganizada e espontaneísta, a falta de um partido vermelho levará à derrota. Por isso temos de nos apresentar desde já como uma minoria firme, com propostas práticas e próprias, com presença constante em meio à parte da classe trabalhadora. Os partidos revolucionários devem voltar a pensar grande, com ousadia.



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