Taxa de juros negativa no Brasil é uma
tendência “secular” macro-histórica
[Este texto é o esboço de um futuro artigo
sobre os limites sistêmicos do Brasil.]
Proponho
ao leitor um debate sobre as tendências históricas, pois certos caminhos são
forças objetivas, até mesmo objetivistas, na ação humana. Comecemos com um
exemplo histórico: após a morte de Lenin na URSS, a recém-consolidada
burocracia estatal apostou na proposta “Camponeses, enriquecei-vos!” como
caminho para o crescimento da nova nação enquanto a minoritária oposição de
esquerda, com Trotsky à frente, defendia planos quinquenais e estímulo à
produção coletiva no campo; pois bem, quando os camponeses mais enriquecidos
tentaram uma revolta, a direção do Estado, assustada, adotou o programa de quem
perseguia – coletivizou o campo, mas de modo forçado e repressivo, e adotou a
planificação, mas de modo burocrático. Recentemente, para entrarmos na
conjuntura brasileira, Ciro Gomes, representante do projeto de burguesia
industrial, defendeu a queda dos juros e o aumento do preço do dólar (para
fortalecer exportadores, desestimular importação e, embora o ex-candidato a
presidente não tenha dito, corroer os salários reais); tal política econômica,
porém, foi imposta pela própria realidade dentro de um governo neoliberal e
aliado da ala financeira da burguesia.
Vamos
aos dados sobre a taxa Selic. O que pretendo demonstrar aqui, primeiro como lei
tendencial, é o caminho rumo à taxa de juros reais negativas e nominais a 0%. É possível visualizar empiricamente? Sim. Tomemos
por ponto de partida o ano de 1994, marco da fundação da moeda Real, quando a
taxa de juros foi de 68,91% (!). Desçamos,
então, a página deste blog, percebendo ano a ano a tendência flutuante de queda:
1994
68,91
1995
53,38
1996
27,46
1997
25,02
1998
28,99
1999
25,85
2000
17,44
2001
17,34
2002
19,19
2003
25,50
2004
16,50
2005
18,25
2006
18,00
2007
13,00
2008
11,25
2009
11,25
2010
8,75
2011
11,25
2012
10,50
2013
7,25
2014
11,00
2015
12,75
2016
14,25
2017
13,75
2018
7,00
2019
6,50
2020
4,25
(Fonte:
http://www.ipeadata.gov.br )
Quanta
diferença do começo da série em relação aos 4,25% de janeiro de 2020!
Expor
a fenomenologia, aquilo que ocorre como lei, é importante e difícil, mas ainda
é limitado. A pergunta mais profunda e correta é “por que a regularidade do
movimento?” Também aqui se exige perspectiva histórica. Após o longo milagre
econômico, da década de 1930 à 1980, o Brasil consolidou todas as suas
tendências capitalistas (limite sempre relativo) como país semicolonial, em
destaque: industrialização altíssima, urbanização quase total, moderna grande propriedade
rural no campo. O desenvolvimento nacional como desenvolvimento capitalista atingiu
o limite histórico. Antes do Plano Real, isso se apresentava principalmente
como hiperinflação – capacidade produtiva 100% utilizada, mas, mesmo assim,
produtividade abaixo da demanda –, e isso gerava uma tendência
pré-revolucionária no país, que derrubou a ditadura, pois produzia longas e
duras greves, esquerdizava as classes médias, fomentava uma fortíssima
vanguarda militante de esquerda (foram fundados os então radicais PT, CUT e MST).
Como isso foi resolvido pelos representantes da burguesia? A crise social do
país foi arrastada, prolongada e mediada por um choque de oferta de produtos
importados, que quebrava a indústria nacional e produzia largo desemprego (queda
da demanda e quebra das greves, que se baseavam no pleno emprego); e, para pagar
tal conta, o preço do dólar a 1 real, os juros da dívida pública foram para a
estratosfera (68,91% em 1994) na intensão de atrair o dinheiro mundial (Costa, 2014) . O colapso do
capitalismo brasileiro pela luta de classes foi adiado, assim, por décadas. Porém
tal limite social continuou a atuar no subterrâneo…
A
tendência à morte da taxa de juros no mundo é sinal da tendência à morte da
taxa de lucro, fonte do rendimento no setor financeiro. O capitalismo global
entra em sua última fase e isso também é expresso no Brasil por meio da queda tendencial
da taxa Selic quando analisado em longa duração. A tese que defendo – ao
considerar a história, incluso o futuro histórico – é a que se segue: caberá ao
socialismo brasileiro a estatização do sistema bancário e a consolidação da
taxa de juros zero na nova economia, na transição ao socialismo. A concordância
do leitor depende, é claro, do grau de sua esperança no futuro socialista da
humanidade. Os juros negativos praticados em outros países devem ser vistos com
preocupação, na medida em que são sinais de duros problemas econômicos, mas
também com a devida perspectiva histórica.
A
queda “secular” da taxa Selic – diferente das quedas de curta duração, que é reação
a questões imediatas – é uma das manifestações fenomênicas da tendência à
revolução socialista no país, ao limite estrutural do capitalismo no Brasil. Na
atual conjuntura, a endividamento geral das famílias e empresas, o desemprego
crônico, a dificuldade de elevar o consumo, a baixa inflação e possível
deflação etc. levarão a sociedade a adotar uma política econômica antiliberal e
antikeynesiana, uma política econômica socialista, baseada no programa de transição. Tal mudança pode vir ou não, é verdade, mas as crises cada vez mais duras
e longas porão no horizonte a saída vermelha. O tempo da revolução socialista possível
está chegando.
Obras
Citadas
Costa,
E. (26 de 08 de 2014). Os 20 anos do Plano Real: Uma herança terrível para
os trabalhadores brasileiros. Acesso em 11 de 03 de 2020, disponível em
GGN:
https://jornalggn.com.br/noticia/plano-real-20-anos-uma-heranca-terrivel-para-os-trabalhadores-brasileiros/
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