quarta-feira, 11 de março de 2020

Taxa de juros negativa no Brasil é uma tendência “secular” macro-histórica


Taxa de juros negativa no Brasil é uma tendência “secular” macro-histórica

[Este texto é o esboço de um futuro artigo sobre os limites sistêmicos do Brasil.]

Proponho ao leitor um debate sobre as tendências históricas, pois certos caminhos são forças objetivas, até mesmo objetivistas, na ação humana. Comecemos com um exemplo histórico: após a morte de Lenin na URSS, a recém-consolidada burocracia estatal apostou na proposta “Camponeses, enriquecei-vos!” como caminho para o crescimento da nova nação enquanto a minoritária oposição de esquerda, com Trotsky à frente, defendia planos quinquenais e estímulo à produção coletiva no campo; pois bem, quando os camponeses mais enriquecidos tentaram uma revolta, a direção do Estado, assustada, adotou o programa de quem perseguia – coletivizou o campo, mas de modo forçado e repressivo, e adotou a planificação, mas de modo burocrático. Recentemente, para entrarmos na conjuntura brasileira, Ciro Gomes, representante do projeto de burguesia industrial, defendeu a queda dos juros e o aumento do preço do dólar (para fortalecer exportadores, desestimular importação e, embora o ex-candidato a presidente não tenha dito, corroer os salários reais); tal política econômica, porém, foi imposta pela própria realidade dentro de um governo neoliberal e aliado da ala financeira da burguesia.

Vamos aos dados sobre a taxa Selic. O que pretendo demonstrar aqui, primeiro como lei tendencial, é o caminho rumo à taxa de juros reais negativas e nominais a 0%.  É possível visualizar empiricamente? Sim. Tomemos por ponto de partida o ano de 1994, marco da fundação da moeda Real, quando a taxa de juros foi de 68,91% (!).  Desçamos, então, a página deste blog, percebendo ano a ano a tendência flutuante de queda:

1994      68,91
1995      53,38
1996      27,46
1997      25,02
1998      28,99
1999      25,85
2000      17,44
2001      17,34
2002      19,19
2003      25,50
2004      16,50
2005      18,25
2006      18,00
2007      13,00
2008      11,25
2009      11,25
2010      8,75
2011      11,25
2012      10,50
2013      7,25
2014      11,00
2015      12,75
2016      14,25
2017      13,75
2018      7,00
2019      6,50
2020      4,25
(Fonte: http://www.ipeadata.gov.br )

Quanta diferença do começo da série em relação aos 4,25% de janeiro de 2020!

Expor a fenomenologia, aquilo que ocorre como lei, é importante e difícil, mas ainda é limitado. A pergunta mais profunda e correta é “por que a regularidade do movimento?” Também aqui se exige perspectiva histórica. Após o longo milagre econômico, da década de 1930 à 1980, o Brasil consolidou todas as suas tendências capitalistas (limite sempre relativo) como país semicolonial, em destaque: industrialização altíssima, urbanização quase total, moderna grande propriedade rural no campo. O desenvolvimento nacional como desenvolvimento capitalista atingiu o limite histórico. Antes do Plano Real, isso se apresentava principalmente como hiperinflação – capacidade produtiva 100% utilizada, mas, mesmo assim, produtividade abaixo da demanda –, e isso gerava uma tendência pré-revolucionária no país, que derrubou a ditadura, pois produzia longas e duras greves, esquerdizava as classes médias, fomentava uma fortíssima vanguarda militante de esquerda (foram fundados os então radicais PT, CUT e MST). Como isso foi resolvido pelos representantes da burguesia? A crise social do país foi arrastada, prolongada e mediada por um choque de oferta de produtos importados, que quebrava a indústria nacional e produzia largo desemprego (queda da demanda e quebra das greves, que se baseavam no pleno emprego); e, para pagar tal conta, o preço do dólar a 1 real, os juros da dívida pública foram para a estratosfera (68,91% em 1994) na intensão de atrair o dinheiro mundial (Costa, 2014). O colapso do capitalismo brasileiro pela luta de classes foi adiado, assim, por décadas. Porém tal limite social continuou a atuar no subterrâneo…

A tendência à morte da taxa de juros no mundo é sinal da tendência à morte da taxa de lucro, fonte do rendimento no setor financeiro. O capitalismo global entra em sua última fase e isso também é expresso no Brasil por meio da queda tendencial da taxa Selic quando analisado em longa duração. A tese que defendo – ao considerar a história, incluso o futuro histórico – é a que se segue: caberá ao socialismo brasileiro a estatização do sistema bancário e a consolidação da taxa de juros zero na nova economia, na transição ao socialismo. A concordância do leitor depende, é claro, do grau de sua esperança no futuro socialista da humanidade. Os juros negativos praticados em outros países devem ser vistos com preocupação, na medida em que são sinais de duros problemas econômicos, mas também com a devida perspectiva histórica.

A queda “secular” da taxa Selic – diferente das quedas de curta duração, que é reação a questões imediatas – é uma das manifestações fenomênicas da tendência à revolução socialista no país, ao limite estrutural do capitalismo no Brasil. Na atual conjuntura, a endividamento geral das famílias e empresas, o desemprego crônico, a dificuldade de elevar o consumo, a baixa inflação e possível deflação etc. levarão a sociedade a adotar uma política econômica antiliberal e antikeynesiana, uma política econômica socialista, baseada no programa de transição. Tal mudança pode vir ou não, é verdade, mas as crises cada vez mais duras e longas porão no horizonte a saída vermelha. O tempo da revolução socialista possível está chegando.

Obras Citadas

Costa, E. (26 de 08 de 2014). Os 20 anos do Plano Real: Uma herança terrível para os trabalhadores brasileiros. Acesso em 11 de 03 de 2020, disponível em GGN: https://jornalggn.com.br/noticia/plano-real-20-anos-uma-heranca-terrivel-para-os-trabalhadores-brasileiros/








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