domingo, 15 de março de 2020

Uma teoria sobre a queda do "socialismo real"


Resumo do texto:

Tese 1: A dificuldade de, diferente dos EUA, transferir as conquistar técnicas do aparato militar-espacial para a produção revela-se muito mais que um erro tático, define-se como limitação objetiva da casta burocrática.

A restauração do capitalismo foi feita pela burocracia soviética quando chegou a hora de implementar uma tecnologia própria ao socialismo. Ocorreu contradição entre as necessidades novas das forças produtivas com as relações de produção e superestruturais existentes. O conflito foi resolvido de modo negativo, pela restauração.

Tese 2: As revoluções socialistas na verdade foram duplas revoluções, operárias e burguesas. Para cumprir tarefas burguesas, foram necessárias ferramentas socialistas.



A FUNÇÃO HISTÓRICA DOS EX-ESTADOS “SOCIALISTAS”
“Estamos no socialismo, mas os dirigentes já estão no comunismo.”
Anedota popular soviética

“Contudo é preciso lembrar que uma economia planejada ainda não é socialismo. Uma economia planejada pode ser acompanhada por uma escravização completa do indivíduo. A realização do socialismo requer a solução de alguns problemas sociopolíticos extremamente difíceis: como é possível, em face da centralização abrangente do poder político e econômico, impedir que a burocracia se torne todo-poderosa e prepotente? Como se podem proteger os direitos do indivíduo e garantir com isso um contrapeso democrático ao poder da burocracia?”
(Einstein, 2007)

A luta pelo socialismo marcou o século XX. Polêmicas, lutas sociais, revoluções e contrarrevoluções, II Grande Guerra, guerra fria, etc. comunicam-se todos com o fato de um terço da humanidade ter vivido sob regimes não capitalistas. Após a queda do estalinismo, do muro de Berlim e da planificação burocrática, podemo-nos perguntar: qual era, afinal, o caráter daquelas sociedades?

Para iniciar o leitor ao argumento, comecemos com um trecho de A Revolução Traída de Trotsky, que nos servirá de pista. Na obra, encontramos uma profunda análise da URSS e uma caracterização marxista dessa sociedade. Vejamos:


Lenin […] acrescenta: ‘o direito burguês, em matéria de repartição dos artigos de consumo, supõe naturalmente o Estado Burguês, pois o direito não é nada sem um aparelho de coação que impõe suas normas. Surge-nos assim o direito burguês a subsistir durante um certo tempo no seio do comunismo, e até mesmo o Estado burguês a subsistir sem burguesia!’
Esta significativa conclusão, absolutamente ignorada pelos teóricos oficiais de hoje, tem uma importância decisiva para a inteligência da natureza do Estado soviético de hoje ou, mais exatamente, para uma primeira aproximação nesse sentido. O Estado que toma por tarefa a transformação socialista da sociedade, sendo obrigado a defender pela coação a desigualdade, isto é, os privilégios da minoria, torna-se, em certa medida, um Estado “burguês”, embora sem burguesia. Estas palavras não implicam louvor nem censura, chamam simplesmente as coisas pelo seu nome.
As normas de repartição, quando incitam o crescimento da força material, podem servir a fins socialistas. Mas o Estado adquire imediatamente um duplo caráter: socialista, na medida em que defende a propriedade coletiva dos meios de produção; burguês, na medida em que a repartição de bens tem lugar segundo padrões de valor capitalistas, com todas as consequências que decorrem desse fato. [...]
A fisionomia definitiva do Estado operário deve definir-se pela modificação da relação entre as suas tendências burguesas e socialistas. A vitória das últimas deve significar a supressão irrevogável da polícia, o que significa a reabsorção do Estado em uma sociedade que se administra a si própria. Isto basta para fazer ressaltar a enorme importância do problema da burocracia soviética, fato e sintoma. (Trotsky, A revolução traída, 1980, p. 41, grifos nossos)

O marxismo cindiu-se em duas posições opostas sobre os assim nomeados Estados Operários. Uma posição reitera o caráter socialista de suas revoluções, ainda que o regime político fosse criticado com dureza, por exemplo, pelos trotskistas; a outra vertente considera que havia capitalismo de Estado, domínio do valor (Kurz, 1992) ou a “destruição do capitalismo, mas não do capital” (Mészáros, Para além do capital, 2011).

A posição destinada a este capítulo chama-os dupla revolução. Trotsky demonstrou que, na era imperialista, a revolução democrático-burguesa era viável apenas por meio de uma revolução socialista, uma revolução em permanência. Assim, as tarefas da revolução capitalista – industrialização, unidade nacional, educação universal, reforma agrária, etc. – são cumpridas pelo Estado socialista. Daí que os trotskistas tenham considerado o lado burguês de tais revoluções apenas na medida em que são superados pela revolução social, portanto deixam de considerar um dos lados daqueles processos.

Na medida em que as forças produtivas em desenvolvimento nos países revolucionados eram baseadas no trabalho manual, isto é, na produção pertencente à fase histórica do capital, o caráter duplo dessas sociedades se formava. De um lado, foi necessário dois passos à frente para dar outro atrás, foi necessário um salto histórico, quer seja, adotar a economia planejada, ainda que de modo burocrático, a grande propriedade estatal e o controle do comércio exterior. De outro, a técnica na produção ainda não era a socialista, baseada na III revolução industrial. Na citação acima, Trotsky tratava do uso, mesmo que parcial, do dinheiro; porém o decisivo do destino da sociedade está na produção, que ainda se baseava no trabalho abstrato. Para clarear a situação, vejamos que, ao lado da produção com maquinaria, o setor produtivo na URSS tinha de lidar com o taylorismo, ou seja, com a produção cooperada pré-I revolução industrial.

RESTAURAÇÃO E BUROCRACIA

Em outro capítulo observamos a importância da automação-robótica para a economia socialista. A restauração do capitalismo veio exato quando chegou a hora de os países revolucionados implementarem uma infraestrutura avançada, útil e sua por natureza. Se a burocracia estatal implementasse tal revolução industrial, destruiria as bases de sua própria dominação, de sua razão de ser. Tal atitude, se houvesse, mudaria todo o tecido social e a superestrutura: a casta governante não duraria mais um dia porque seria dispensável. A dificuldade de, diferente dos EUA, transferir as conquistar técnicas do aparato militar-espacial para a produção revela-se muito mais que um erro tático, define-se como limitação objetiva da casta burocrática. Por temor do tempo livre para todos, da abundância geral, da facilidade de planejamento econômico e do consequente impulso à revolução mundial, boicotaram a “reforma revolucionária” em nome de um prazer humano anormal e pouco acessível. Em síntese: as forças produtivas, a partir de certo ponto, poderiam desenvolver-se por apenas dois caminhos, ou socialismo e democracia socialista ou capital.

Em entrevista, Guennádi Krasnikov, presidente do conselho de diretores da Mikron, empresa russa líder na produção de semicondutores, e integrante da Academia de Ciências da Rússia, descreve a limitação técnica da extinta URSS:


Revista Itogi: O senhor acha que a microeletrônica soviética era mesma tão pobre e digna de ser objeto de piadas?
Guennádi Krasnikov: Claro que não. Na União Soviética, a microeletrônica era nosso orgulho e símbolo da nossa liderança no mundo. Naquela época, estávamos no grupo dos três líderes mundiais em microeletrônica, que incluía os EUA e o Japão, e mantínhamos a frente incondicional em todos os indicadores, desde volume de produção e nível tecnológico até a política do governo para o setor.”

R.I.: Os soviéticos não estavam cientes disso?
G.K: Cerca de 99% dos produtos da microeletrônica soviética eram destinados à indústria bélica, enquanto 0,5% era voltado para a fabricação de eletrodomésticos. Portanto, as pessoas comuns só podiam julgar o desenvolvimento da indústria eletrônica nacional pela presença de equipamentos eletrônicos no mercado de bens de consumo. Como essa não era uma prioridade das empresas, os eletrodomésticos de qualidade escasseavam no mercado interno. Cada empresa de microeletrônica tinha a obrigação de ter em sua gama de produtos um determinado percentual de artigos como relógios, calculadoras, brinquedos etc.
Mas como os esses produtos não estavam entre as prioridades, seu desgin e qualidade deixavam a desejar. Essa atitude dificilmente pode ser considerada correta, mas tem uma explicação.

R.I.: Muitas empresas de microeletrônica soviéticas sobreviveram?
G.K.: De jeito nenhum! A URSS tinha uma indústria microeletrônica  desenvolvida, que empregava mais de um milhão de trabalhadores e englobava uma infraestrutura colossal. Apenas algumas delas sobreviveram. E o processo de extinção não terminou: muitas das sobreviventes se mantém vivas, mas não se modernizaram. (Pokataeva, 2012, grifo nosso)


Percebemos uma limitação ao desenvolvimento das forças produtivas e dos produtos.

Em outro capítulo, caracterizamos políticos, administradores de empresas e cargos afins burocracia burguesa. Os burocratas “vermelhos” revelavam em si seu duplo caráter na medida em que impediam a existência da democracia operária e o avanço das forças produtivas socialistas por excelência. Havia, portanto, contradição entre a necessidade de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção e superestruturais.

Vejamos outro exemplo, a internet:

A história é relativamente desconhecida - mas foi investigada pelo historiador e professor da Universidade de Tulsa, nos EUA, Benjamin Peters. Ele é autor do livro “How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet” (“Como não conectar uma nação: a complicada história da internet soviética”, em tradução livre), ainda sem edição em português.
O Ogas foi conduzido pelo cientista soviético Viktor M. Glushkov, que era diretor do Instituto de Cibernética de Kiev, na Ucrânia, nos anos 1950 e 1960, e era considerado por colegas cientistas “a frente de seu tempo”.
“A proposta era construir uma rede descentralizada, hierarquizada e em tempo real de gerenciamento de informação - algo semelhante ao que hoje chamamos de “computação na nuvem”.”
“O objetivo era facilitar o controle do Estado soviético sobre fábricas e empresas do regime e integrar economicamente todos os Estados da URSS.”
“Na União Soviética, uma rede centralizada de computadores significaria, portanto, um aumento das possibilidades e do apelo do controle do Estado sobre a economia: seria dar um largo passo à frente na demonstração de que o comunismo era um regime superior e inclusive com viabilidade administrativa.”
“A URSS tinha, à época, além dos motivos, os conhecimentos tecnológicos necessários e infraestrutura para fazer com que um projeto desse acontecesse. Além disso, o regime era conhecido pelas ambições e projetos megalomaníacos na área tecnológica.” (Freitas, 2016)


Mas:


De acordo com a pesquisa de Peters, a falha do projeto aconteceu por divergências administrativas, falta de consenso, burocracia, corrupção e falta de pragmatismo entre os dirigentes da URSS e aqueles que conduziam o projeto.
Documentos importantes se perdiam, reuniões eram adiadas, manda-chuvas discordavam constantemente sobre os detalhes da rede, seus propósitos e sobre quem e como ela deveria, de fato, beneficiar quando fosse implantada.”
“O resultado da série de entraves que impediram o projeto Ogas de ganhar vida foi que, nos anos 1980, ele acabou implementado com um caráter completamente diferente da proposta em sua concepção: servidores desconectados entre si, sem interoperabilidade, em centros locais de controle de fábricas da URSS - bem diferente da ideia da internet.
Apesar das discussões mais recentes sobre como a internet se dividiu em pequenas redes constituídas de bolhas sociais e sobre o controle de órgãos governamentais e empresas privadas sobre a informação, a internet foi concebida de forma técnica pelos EUA como uma rede cujo conceito não concebia hierarquias entre computadores.
É uma rede descentralizada e que cresceu por meio de cultura colaborativa de consumo e alimentação de informações. E esse é um conceito oposto àquele empregado ideologicamente pelo regime soviético: censura, hierarquias de comando e uma cultura de controle em todas as esferas.
Para o autor do livro, uma internet criada pela URSS teria valores muito diferentes daqueles que a nossa internet possui - talvez sequer tivesse se transformado na internet comercial como a conhecemos. (Idem)


O autor do livro intui:


“Os valores que concebemos, introduzimos e definimos para a tecnologia - que, por exemplo, ferramentas digitais são de certa forma democráticas porque permitem ações participativas, representativas e deliberadas - são tão temporários quanto as sociedades que sustentam esses valores.” Benjamin Peters Historiador e autor de “How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet”, em entrevista ao site do MIT. (Idem)

A partir do Livro II d’O Capital, observamos a importância do sistema de comunicação e transporte para organização, diminuir o tempo de rotação do capital, diminuir desigualdades entre setores produtivos, integração internacional etc. Ao negar e relegar ao capitalismo tal meio superior; a burocracia impôs sua contradição com as necessidades produtivas e distributivas, elevando as contradições gerais, rumo a esta ou aquela solução – capital ou democracia socialista. A internet permitiria – tal como permitirá caso o socialismo vença –, enfim, o planejamento econômico, a organização centralizada da produção e da distribuição; ademais, oferece as condições materiais para a democracia socialista, para a democracia participativa.

Vejamos terceira observação, também sintomática, de Moreno em entrevista:

[Entrevistador:] ¿Pueden existir alternativas intermedias? Digo esto porque casualmente acabo de leer que una empresa italiana que fabrica jeans con la sugestiva marca “Jesús” instalo hace poco una planta en la URSS. Va a producir jeans a una cantidad por hora/hombre inimaginable. Todo el proceso, desde el corte de la tela hasta el envasado final, va a ser altamente computadorizado, o sea que va a emplear poca mano de obra. Entonces, aparentemente, lo que ha importado la URSS es altísima tecnología italiana. ¿Esto puede interpretarse como una introducción de elementos capitalistas en el modo de producción socialista?
[Moreno:] No conozco los términos del acuerdo. Si el burgués italiano, dueño de la empresa, controla la fábrica, la respuesta es sí. Ahora, si es un acuerdo para entregar una fábrica llave en mano, es decir, totalmente montada y lista para entrar en funcionamiento, como se hizo con la Fíat, esto no afecta a la economía socialista para nada. Si les dan, como en China, la concesión de montar la fábrica, explotar mano de obra rusa y llevarse las ganancias, en un elemento capitalista importante. (Moreno, 1986)

A produção automatizada, a internet, a microeletrônica dariam um impulso gigantesco à reorganização das nações sob dupla revolução. A redução da jornada de trabalho seria enorme, por exemplo, e tiraria as bases da necessidade de uma casta dirigente mais ou menos autônoma de sua base social. Em um Estado operário com democracia socialista seria interesse majoritário direcionar forças para superar o trabalho manual e garantir altíssima produtividade.


A REVOLUÇÃO PERMANENTE

Uma pergunta faz-se inevitável: A restauração do capitalismo era o caminho natural? Não, segundo a Teoria da Revolução Permanente. Se a revolução socialista fosse vitoriosa na Alemanha em 1918, se a II Guerra Mundial tornasse a Europa ocidental um grande continente vermelho, se revoluções políticas impusessem a democracia operária naqueles países sob o stalinismo… Poderia existir outro caminho, mas ao "destruir o capitalismo, mas não o capital" (Mészaros) internacional[1], a revolução ficou bloqueada no terreno nacional.

Segundo Trotsky:


Os diferentes países chegarão ao socialismo com ritmos diferentes. Em determinadas circunstâncias, certos países atrasados podem chegar à ditadura do proletariado antes dos países avançados, mas só depois destes chegarão ao socialismo. (Trotsky, A revolução permanente, 2007, p. 208)


Pois:


A revolução socialista não pode se realizar nos quadros nacionais. Uma das principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de as forças produtivas por ela engendradas tenderem a ultrapassar os limites do Estado nacional. […] A revolução socialista começa no terreno nacional, desenvolve-se na arena internacional e termina na arena mundial. Por isso mesmo, a revolução socialista se converte em revolução permanente, no sentido novo e mais amplo do termo: só termina com o triunfo definitivo da nova sociedade em todo o nosso planeta. (Idem)


O rio da história poderia desaguar em duas diferentes águas: ou revolução socialista por meio da revolução democrático-burguesa ou revolução-democrático-burguesa por meio da revolução socialista. Estes são os casos de Rússia e China por suas proporções, colocando outros países – um terço da humanidade – em suas órbitas, como “efeitos colaterais”. A fórmula de Lênin acabou por ser invertida: dois passos à frente para, em seguida, um passo para trás.

A revolução mundial faltou. Pode-se dizer que ocorreu em parte a exigência histórica de apoio internacional, pois aconteceram revoluções sociais em países atrasados. A revolução permanente em parte se impôs, mas não em nações avançadas. Pelo contrário, os países imperialistas conheceram grande e inesperado desenvolvimento, o que afastou por décadas a possibilidade de revoluções sociais onde as forças produtivas eram mais avançadas. Lenin e Trotsky erraram ao suporem que o capital havia cumprido todas as suas possibilidades históricas. Vejamos como o fundador do Exército Vermelho dá as bases dessa explicação, embora apenas desconfie:


Ahora es necesario dedicar algunas palabras para evaluar la situación económica de la URSS. Por cierto, nosotros tenemos una influencia mínima en el mercado mundial, y estamos todavía activos en él sólo em una medida muy modesta. Sin embargo, seremos de decisiva importância para una Europa socialista. Una Europa socialista unida a nosotros sería invencible frente a EEUU. Si fuéramos el enemigo en la retaguardia, el proletariado europeo no tendría ninguna chance contra los EEUU capitalistas.
Pero con una retaguardia tan poderosa como nuestro país, de su lado, el proletariado europeo que formará una Federación Socialista o EEUU Socialistas, junto con nosotros constituiría una gran fuerza magnética para el Asia. Si hoy en día hubiera un bloque compuesto por nosotros y los EEUU de Europa, y vendiéramos mercancías al Asia a um precio justo, Asia se alinearía detrás nuestro, y el camino de una Europa Socialista hacia el Asia pasaría por la URSS. Entonces EEUU no podría hacer a un lado a Europa. Los EEUU de Europa contra Norteamérica – esta perspectiva es completamente realista, y se pueden hacer prognósticos en este sentido.
Si el mundo capitalista pudiera ahora generar un nuevo ascenso orgánico, y si encontrara un nuevo equilibrio como base para un desarrollo ulterior de las fuerzas económicas, nosotros, como Estado socialista, colapsaríamos. Se puede ilustrar esto en forma teórica y práctica em dos palabras. Teóricamente, porque un ascenso del capitalismo en Europa crearía una tecnología colosal para la burguesía, y cambiaría la psicologia del proletariado. Si el proletariado ve que el capitalismo puede levantar la economía nacional, esto se reflejará inevitablemente sobre la clase obrera que trató de hacer una revolución, fue aplastada, y experimento un desengaño. Si el capitalismo lleva la economía hacia arriba, habrá conquistado al proletariado por segunda vez, arrastrando a las masas tras él. Desde el punto de vista teórico, vemos que el socialismo tiene derecho a existir precisamente porque el capitalismo no es capaz de desarrollar las fuerzas productivas. Nuestra revolución creció sobre bases económicas, y antes de la revolución éramos parte integrante de la economía mundial. Si el capitalismo es capaz de desarrollar las fuerzas productivas, tendríamos que llegar a la conclusión de que nos equivocamos de raíz en nuestro pronóstico – el capitalismo es una fuerza progresiva, desarrolla sus fuerzas más rápido que nosotros; el bolchevismo llegó al poder demasiado pronto, y la historia castiga muy rudamente a los nacimientos prematuros. Esto sería así si el pronóstico optimista para el capitalismo tuviera alguna base. ¿Pero tiene alguna base? Es difícil de demostrar. Pero por el momento la burguesía no ha podido probarlo, y no puede hacerlo. En Europa no hay ningún desarrollo de las fuerzas productivas. Lo que están sucediendo son crisis y una fractura de las fuerzas productivas disponibles –este es el hecho básico. Por lo tanto debemos decir que el socialismo tiene derecho a existir, a desarrollarse y a todas las esperanzas de victoria. (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 203, 204)

Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso? (Idem, p.234)


A citação deixa claro uma previsão na forma de uma aposta histórica. E ela estava errada. Uma das condições da teoria da revolução permanente, o capital encontrar seus limites internos absolutos, apenas consolidou-se muito depois da revolução de 1917.

As nações que passaram pela dupla revolução, socialista e capitalista, eram todas atrasadas e necessitaram de um salto histórico, um esforço de avanço imenso, para evitar o colapso de suas sociedades, para modernizar-se.

A história tem seus mecanismos, mas falta-lhe bom senso: inexiste caminho mecânico, desprovido de tropeços. Os grandes acontecimentos históricos ocorrem primeiro como ensaios gerais e depois como processo maduro. O século XX foi nosso teste inicial, quando o tempo da revolução burguesa havia passado e o tempo da revolução socialista ainda não havia surgido.

***


Em sua crítica-atualização da teoria da revolução permanente, Moreno lida com própria lei do desenvolvimento desigual e combinado para demonstrar que revolução socialista pode ser igual à base camponesa, não operária, tal como Trótski havia usado a descoberta para dizer revolução democrático-burguesa é igual à protagonismo Operário, não burguês. Assim, o argentino atualizou a teoria.

Podemos dar novo passo.

As Revoluções em países atrasados tiveram duplo caráter: democrático-burguesas e socialistas. Percebendo a mesma lei material, vemos que o caráter dessas revoluções abriam a possibilidade de liderança sob base camponesa por outra razão além da percebida por Moreno: o campesinato é base social histórica das revoluções burguesas. A imaturidade desses países os fez necessitarem de uma revolução onde o proletariado ainda era pouco capaz de um papel ativo ou estava derrotado.

Tendo as revoluções sociais do século XX duplo caráter, socialista e democrático-burguesa, abriam a possibilidade de substituir o sujeito revolucionário do operariado por camponeses, pois estes últimos são a base social das revoluções burguesas clássicas. Assim ocorreu no pós-II Guerra. A lei do desenvolvimento desigual e combinado já aponta a substituição do sujeito social, de uma classe cumprir as tarefas de outra – uma lei que prova toda sua validade em nível mais intenso.

A burocracia estatal apoiou-se na pequena burguesia rural precária, falida e sem terra (aspira a uma pequena propriedade privada) usando as bases do Estado operário mais, em contradição, regime de Estado bonapartista. Foi preciso saltar etapas históricas: antes de forças produtivas maduras foi preciso base socialista para amadurecer as forças de produção. Quando Lenin afirmou “o socialismo é o poder dos sovietes mais a eletrificação do país”, em outras palavras disse: o Estado Operário, sob isolamento, está obrigado a cumprir tarefas burguesas, sustentar um desenvolvimento ainda burguês das forças produtivas.

Vejamos a particularidade russa, a mais proletária das revoluções socialistas do século XX. Os problemas econômicos da I Guerra, a guerra civil revolucionária contra 14 exércitos e as dificuldade advindas junto ao isolamento econômico tiveram como efeito imediato: 1) desarticulação da indústria interna; 2) morte de parte dos operários mais avançados; 3) esvaziamento das duas grandes cidades, com deslocamento humano para o campo na intenção de evitar a fome e dispor da reforma agrária então implementada. Esses três fatores foram base do regime Bonapartista inaugurado por Stálin e fortalecimento do polo burguês do Estado.

Pela mesma razão, o duplo caráter das revoluções, tornou-se menor a necessidade de um partido revolucionário nestes processos, pois 1) as contradições eram elevadíssimas; 2) as tarefas poderiam ser geridas por organizações pequeno-burguesas; 3) os países tinham formações sociais que dificultavam a construção de verdadeiros partidos comunistas. Por isso, Moreno percebe que todas as revoluções vitoriosas, após a II Guerra Mundial, foram de base camponesa e não operária, em países atrasados e dirigidos por partidos centralistas burocráticos com liderança pequeno-burguesa. Passaram por fora das formulações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Observado desde a macro-história, reforçamos, os saltos revolucionários expressavam em seus duplos caracteres o tempo da revolução burguesa encerrando e o tempo da revolução socialista ainda nascente.

As respostas dadas neste capítulo são das questões que os importantes aportes de Moreno não avançaram, pois, como trotskystas e não trotskystas, consideravam a revolução democrático-burguesa apenas na medida em que ela era superada pela revolução socialista, sem supor que esta primeira estava viva ao seu modo no seio do inimigo. A razão disso era a quase certeza de que o capitalismo estava com os dias contados, dada a enorme quantidade de países não-capitalistas e as revoluções vitoriosas ou em processo. Após o impacto da restauração no leste europeu, Kurz e Mèszàros penderam para a ponta oposta, erro inverso: o caráter burguês daquelas sociedades. De modo geral, todos os pensadores marxistas críticos à casta burocrática aproximaram-se das conclusões aqui expostas, quase as alcançando.

***

Percebendo a bifurcação do destino da URSS – ou revolução política, devolver o poder aos trabalhadores, ou retorno ao capitalismo – Trotsky elaborou possiblidades de restauração, de diferentes formas:
1)      Invasão estrangeira – tentada por Hitler cuja derrota deu fôlego ao regime de Estado do país vitorioso;
2)      A classe trabalhadora soviética ser ganha ao capital pelo prazer do acesso de mercadorias baratas e de qualidade de outros países – a crise inflacionária nos países capitalistas retardou a expressão do avanço técnico na produção de bens de consumo nos preços, mas as crises de subprodução também atuaram internamente para desmoralizar o lado vermelho do mundo;
3)      A burocracia desenvolver-se ao ponto de minar a sociedade para transformar a grande propriedade estatal-planejada em propriedade privada – esta foi a possibilidade realizada, a mais correta. Porém Trotsky supunha daí um processo violento de guerra civil por razão da contrarrevolução burguesa, restauracionista. As lutas aconteceram em todos os países sob ditaduras burocráticas, mas de maneira confusa e em proporção desigual ao tamanho do ataque. A contrarrevolução deus seus golpes finais por meio de “reformas”.


A teoria da revolução permanente fazia previsões cujos resultados poderiam ser positivos ou negativos. Ou a democracia socialista era imposta pelos trabalhadores, dando novo impulso à revolução mundial, ou o capitalismo retornaria. Tal conclusão foi considerada absurda, ridícula, contrarrevolucionária e irrealista quando proposta por Trotsky, porém a história lhe deu razão da pior maneira.

O grande significado histórico é que o capitalismo foi restaurado pela ação das castas burocráticas quando o desenvolvimento das forças produtivas estava tornando-se enfim maduro para o socialismo. Sendo mais preciso, e aqui entra a ironia histórica, a restauração do capitalismo ocorreu porque as forças produtivas estavam tornando-se maduras para a via socialista.


Bibliografia


Einstein, A. (09 de 04 de 2007). Por que o socialismo? Acesso em 06 de 03 de 2020, disponível em Mia - arquivo marxista na internet: https://www.marxists.org/portugues/einstein/1949/05/socialismo.htm
Freitas, A. (06 de 08 de 2016). Por que a União Soviética fracassou na tentativa de criar a Internet. Acesso em 11 de 02 de 2020, disponível em Nexo: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/08/06/Por-que-a-Uni%C3%A3o-Sovi%C3%A9tica-fracassou-na-tentativa-de-criar-a-Internet
Kurz, R. (1992). O colapso da modernização. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Mészáros, I. (2011). Para além do capital. São Paulo: Boitempo.
Moreno, N. (1986). Conversaciones con Nahuel Moreno. Buenos Aires: Ediciones Antídoto.
Trotsky, L. (2007). A revolução permanente. São Paulo: Expressão Popular.
Trotsky, L. (2008). El capitalismo y sus crisis. Buenos Aires: IPS-CEIP.






[1]                                     Sendo um grande entre os nossos, Mészaros obteve respostas inconclusas ao lhe faltar, neste tema, a devida atenção à Revolução Mundial. Afirmamos no início do texto. A ele, como a Lucaks, bastavam outras medidas de Estado, internas, à revelia da revolução internacional, para haver outro rumo. A categoria “pós-capitalismo” revela-se, se correta a formulação geral deste capítulo, uma categoria apenas em parte certa, de aparência.


Fonte: https://www.seudinheiro.com/2019/venezuela/crise-da-venezuela-se-compara-ao-colapso-da-uniao-sovietica/


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