[Este artigo é parte do livro inédito "A crise sistêmica".]
Resumo do artigo:
Tese 7: Trotsky descobriu que o capitalismo
tem curvas de desenvolvimento histórico: décadas de crescimento grande com
crises frágeis – ascenso; em seguida, décadas de crises mais duras ainda entre crescimentos
– transição; enfim, décadas de crises longas e/ou profundas com crescimento fracos
e/ou curtos – declínio da curva. No capitalismo recente, tivemos a primeira fase de 1945 à 1973; a
segunda, de 1973 à 2008; a terceira, a partir de 2008.
Tese 8: Trotsky considerava que as curvas de
desenvolvimento não tinham regularidade temporal em tendência como as crises
cíclicas (de 10 em 10 anos). Mas se observamos as três curvas históricas do
capitalismo desde as fases de transição, percebemos que duram, em média, 100
anos – o que também coloca a crise final da humanidade nas próximas décadas.
Tese 9: Marx, Engels, Lenin e Trotsky erraram
ao pensar que suas épocas caminhavam para os limites absolutos do capitalismo.
Tal limitação sistêmica começa seus passos apenas na década de 1970.
Tese 10: As nações industrializadas,
urbanizadas e de grande produção no campo esgotaram as possibilidades de
desenvolvimento do capitalismo, por isso crescem pouco. Países muito atrasados
têm ainda capitalismo a desenvolver, por isso crescem mais.
A CURVA DO DESENOLVIMENTO CAPITALISTA PÓS-II GUERRA E AS ERAS DO CAPITAL
O tema da
longa duração anima diferentes posições teóricas da história. Nesse sentido, Trotsky
deu-nos uma grande contribuição esquecida entre seus seguidores. Tomemos nota de
uma citação:
Mas o capitalismo não se caracteriza só pela periódica recorrência dos
ciclos, de outra maneira a história seria uma repetição completa e não um
desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e industriais são de diferente
caráter em diferentes períodos. A principal diferença entre eles que está
determinada pelas inter-relações quantitativas entre o período de crise e o de
auge de cada ciclo considerado. Se o auge restaura com um excedente a
destruição ou a austeridade do período precedente, então o desenvolvimento
capitalista está em ascenso. Se a crise, que significa destruição, ou em todo
caso contração das forças produtivas, sobrepassa em intensidade o auge
correspondente, então obtemos como resultado uma contração da economia.
Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em magnitude, obtemos um
equilíbrio temporário – um estancamento – da economia. Este é o esquema no
fundamental. Observamos na história que os ciclos homogéneos estão agrupados em
séries. Épocas inteiras de desenvolvimento capitalista existem quando um certo
número de ciclos estão caracterizados por auges agudamente delineados e crises
débeis e de curta vida. Como resultado, obtemos um agudo movimento ascendente
da curva básica do desenvolvimento capitalista. Obtemos épocas de estancamento
quando esta curva, ainda que passando através de parciais oscilações cíclicas,
permanece aproximadamente no mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante
certos períodos históricos, a curva básica, ainda que passando como sempre
através de oscilações cíclicas, se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando
a declinação das forças produtivas. (Trotsky, A Curva do
Desenvolvimento Capitalista - Leon Trotsky, 2012)
A curva de
desenvolvimento capitalista deixou de ser tratada no pós-guerra. Se observarmos
o consenso histórico de diferentes vertentes da economia, da marxista à
liberal, da década de 1940, com o fim da II-Guerra, até a de 1970 tivemos
crescimentos longos e crises fracas, renomeadas recessão. Da década de 1970 até
2008 vivemos um período de crises mais duras alternadas com crescimento. O peso
da crise de 2008 e suas consequências duradouras apontam décadas de crises
duras e crescimentos fracos. A ascensão possibilitou e correspondeu à prática
keynesiana; a transição da curva necessitou da prática neoliberal; o declínio
da curva encontra o esgotamento da política econômica burguesa e possibilita um
programa de transição ao socialismo.
Embora
desconheça a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo, Pikett a
confirma em seu livro nos limites do empírico:
A Europa continental — e a França em particular — vive, em grande
medida, numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta
anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o
crescimento foi excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe qual foi o espírito
malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o
início dos anos 1980. Ainda agora, no início dos anos 2010, imagina-se com
frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os “Trinta Desafortunados”
(que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta anos), vai desaparecer, que o
pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como antes. (Pikett,
2014, p. 120)
Da
teorização exposta, o erro de Trotsky é concluir, à luz do fim da I guerra
mundial, que a produtividade recuaria quando a tendência é de crescimento
desacelerado. De sua elaboração econômica, a fenomenologia manteve-se: uma
curva de desenvolvimento que vai de crises leves com grandes crescimentos até
crises duras com baixo crescimento entremeados por uma fase de transição entre
um extremo e outro. A produtividade dos EUA, principal exemplo, teve tendência
de alta em meio às crises cíclicas cada vez mais duras (representadas nas
faixas cinzas do gráfico abaixo):
Fonte: (Redação, 2018)
Cabe-nos
uma tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as
obrigações políticas o impediam de fazer uma atividade científica total. Assim,
enquanto criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev, ele próprio
apresentou o movimento geral percebido e suas manifestações, não esgotando o
trabalho teórico; enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade de uma
duríssima pesquisa em torno do tema. Tentaremos concluir os aspectos gerais de
tal objetivo, o que tem nos obrigado a atualizar e discordar em parte do
teórico russo. Esta conclusão nos leva às eras do capital e percepção de que as
curvas históricas tomam a forma de ondas.
Vejamos
elementos em movimento:
a) A
revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade
do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, ou seja, eleva a
quantidade e o nível das contradições inerentes;
b) A III revolução
industrial – para nos aproximarmos de nossa realidade – faz falir
empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção;
c) Por
demitir assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por
desemprego maior comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda
tende a cair;
d) Maior
escala de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre
disponíveis na escala necessária – ou produz superoferta de meios de produção;
e) Maior
produtividade, este salto interno de qualidade, aumenta a possibilidade de
elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias ficarem presas, de
pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de
superprodução;
f) O
capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima a ser adiantado é
maior, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser pago com
o lucro futuro;
g) As
possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de produção (custo
de produção mais mais-valor gerado) são mais presentes;
h) Maiores
desigualdades de composição orgânica do capital entre os setores I, produção
dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo;
i) Os
transtornos da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele,
também aparecem com maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre
a resistência inicial.
A conclusão
de que as revoluções produtivas estimulam contradições e crises cíclicas foi
observada por Schumpeter (1988), mas a este faltou descobrir ligação com os macrociclos
do capital, de longa duração, com a curva de desenvolvimento capitalista
descoberta por Trotsky ou, como complementamos, com o que chamamos de eras.
As crises
encaminham-se de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de 1944
à década de 1970, para um período transitório com crises mais duras cujas
sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do que
trovões fortes antes da tormenta, entre meados dos anos 1970 até 2008. Agora
temos um salto: declínio da curva do desenvolvimento capitalista – crises
longas e/ou profundas e crescimentos débeis e/ou curtos. Mais do que os
crescimentos, as crises cíclicas são formas de manifestação de processos
profundos e essenciais do sistema. Através delas podemos medir o que ocorre e
calibrar a percepção.
Mantendo
esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de
generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, contradições
estas que devem ser resolvidas após aprofundadas, partamos para o fator
externo.
Cada
revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo
capitalista de produzir – salto interno. Por isso essas mudanças, ao elevarem a
produtividade, entram em contradição com as formações sociais e
superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução Industrial gera
contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar de
ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos
povos, de 1848 à 1850. Antes, deu força às revoluções burguesas como na França.
Após tais
tensões, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo ascenso da
curva ou nova curva, de 1850 à 1873. Já a partir da década de 1870 surge a II
Revolução Industrial e também entra em relativa contradição com a formação
sócio-superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico.
Aqui se explica, por exemplo, a insistência “humanitária” britânica pelo fim da
escravidão no Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em
potencial de suas mercadorias.
Do mesmo
modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares de
absolutas: crise em 1914 na forma de guerra mundial, ou seja, início do declínio
da curva histórica até 1945, fim da II Guerra.
Tratemos da
atual curva. Ascenso entre 19445 até a década de 1970 com a II Revolução
Industrial de acordo, em confluência não contraditória, com a formação social
vigente. Logo depois: III Revolução Industrial gera nova contradição relativa
da década de 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e o declínio da curva
histórica.
Esse é o
processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples e
cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a
grande indústria, I revolução técnica; deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2)
mudança na produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição
e, por consequência, 3) de 1820 à 1850 ocorre período de duras crises e fracos
crescimentos. No período da primeira era, mercantil, inexistindo crises
cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais
fatores agregados na avaliação, quer sejam, a situação das classes e o
desenvolvimento técnico.
As
elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma
realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se. Assim, toda
revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e crise
com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução
entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade social entra
em contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.
O capital
precisa rotar-se em nova velocidade, mas as “externalidades” impedem seu pleno
movimento e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na
produção quanto na circulação. Descobrimos crises cíclicas e tensões cada vez
mais intensas. Isso torna necessário romper tal contradição com as mudanças nas
eras do capital, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do
capital etc.
Podemos
representar as curvas visualmente:
Fonte: Própria (2020)
O ascenso equivale
a crises curtas e/ou anêmica; a transição apresenta crises mais duras ando com
algum crescimento, com um certo “equilíbrio” entre os opostos; por último, o
declínio aparece como crises longas e/ou profundas. Vejamos as três curvas ou
ondas:
Fonte:
idem.
Fonte:
idem.
Fonte: Idem.
Em resumo,
as três curvas históricas:
1. Século
XVI-1760 | 1760 – 1820 | 1820-1850
2. 1850-1873[2]
| 1873-1913 | 1913-1945
3. 1945-1973
| 1973-2008 | 2008...
Do ponto de
vista das eras do capital, o ponto de partida não é o ascenso, a baixa
contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções
industriais, que iniciam a fase de estagnação, entre o ascenso e o declínio. Todas
as revoluções produtivas foram o ponto de partida da fase de transição, de
estagnação, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e
gerando contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as
superestruturas, entre produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base
econômica e as relações sociais de produção e organizacionais etc.
Desse ponto
de vista:
Primeiro
ciclo, comercial: 1500 - 1760
Segundo
ciclo, industrial: 1760 - 1873
Terceiro
ciclo, financeiro: 1873 - 1973
Quarto
ciclo, fictício: 1973...
No
primeiro, a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços
de mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em
cooperação simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial
vence a força constrangedora do trabalho, o nível de autonomia do artesão, fator
que o limitava e também o estimulava a superar esta contradição. No terceiro, a
nova escala de produção exige um tal adiantamento de capital que o capital
produtor de juros se torna mecanismo mais necessário para os saltos produtivos.
Na última era, desde a década de 1970, a expressão monetária do capital
necessita ainda mais que antes do capital produtor de juros, que passa a
tornar-se fictício; a financeirização ganha importância como reação à
impossibilidade de investimentos e à necessidade de permitir o montante de
capital-dinheiro que urge ao setor produtivo, na atual composição orgânica do
capital.
Vejamos a
curva de desenvolvimento desde as três revoluções industriais ou, o que é outra
expressão do mesmo, o início da fase intermediária entre ascenso e declínio, a
transição:
Fonte:
idem.
Fonte: Idem.
Fonte:
Idem.
Fonte:
Idem.
Por
evidente, as datas são aproximativas dos processos.
Em sua
elaboração original, o começo era a ascenção da curva. O que para Trótski era
ponto de partida – por exemplo, o crescimento de 1944 à 1973 –, é, em nossa
análise, a resolução de uma contradição na totalidade macroeconômica e
macrossocial. Se prosperar, a transição ao socialismo será a resolução das contradições
atuais iniciadas na década de 1970, desta era-curva, em uma nova ascensão, que
tem por base superar os elementos existentes do sistema anterior, isto é,
superar a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as
relações de produção existentes e suas superestruturas.
Desde uma
observação cuidadosa, percebemos que cada revolução industrial dura em média
100 anos. Por quê? As crises cíclicas ocorrem mais ou menos de 10 em 10 anos, em
média tendencial, no processo circular crescimento, estagnação, crise e
recuperação. Este mal é parte necessária da própria saúde doentia do
capitalismo. E gera as bases para as revoluções produtivas seguintes. As
alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade
total; se a ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial, permite
também o início de um autolimite que necessita ser resolvido. De 1944 a 1973,
nada melhor que a II Revolução industrial e sua expressão na política
keynesiana como sinal de saúde do sistema e, por igual, base da autossuperação.
O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão – durarem, cada
um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio, oferece
o tom de secularidade a cada revolução industrial. A razão para a tendência secular das curvas
de desenvolvimento histórico do capitalismo –
uma vez observadas desde a estagnação, não a partir do equilíbrio
dinâmico – é idêntica em outra escala, superior, ao auge-estagnação-crise dos
ciclos mais ou menos decenais da economia capitalista: a superprodução revelada
empiricamente na contradição entre produção e circulação, cuja dinâmica é
mediada por ações extraeconômicas, o Estado, etc.
Se
abstraímos os fatores sociais, que ditam o ritmo, e observamos de modo “puro” a
atual curva de desenvolvimento, os limites internos do sistema será em meados
do século XXI, concordando com o debate no capítulo anterior sobre a queda da
taxa de lucro e também com os limites da crise ambiental. Entre as décadas de
2050 e 2070 ocorrerá, visto desse modo, o domínio da III revolução industrial
via transição ao socialismo ou, ao contrário, um cenário de fim da civilização.
É certo que a datação secular de cada curva uma vez observada pela fase de
transição é insuficiente para a curva atual, pois a época de transição exige
muito do fator subjetivo; por outro lado, serve de guia para pensar o tempo histórico
no qual vivemos desde 2008, um tempo de crises duras exigentes de uma solução
estrutural.
TEORIA DO
COLAPSO
A teoria do
“processo de colapso” é de Marx. Os marxistas sabem de cor a ideia de que um
sistema cai e é substituído apenas quando explora todas as suas possibilidades;
o raciocínio dialético – se levado a sério – impede ilimitada margem de manobra
ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise
geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em
1913... Mas ele não tinha um elemento teórico: a teoria das curvas históricas,
mais importante que as das crises cíclicas. Tal é uma enorme contribuição de
Trótski. Se acrescentamos as eras do capital, percebemos toda a dinâmica e
conseguimos explicar o motivo de Marx, Lênin e Trótski terem errado ao
considerarem que aquela crise era a última quando não a era de fato.
Diz o
general do Exército Vermelho:
e) A Teoria do Colapso
Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as
inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas
dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas
pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução) parecia ter-se
consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era considerada como
uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico de Marx era contrastado com o
prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição melhor
equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de classe e
com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem dotado
dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar gradualmente a
democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a
essência do reformismo. Que resultou dele?
A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises.
Cada crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de salvar-se destas
catástrofes parciais por meio de barreiras alfandegárias, da inflação, do
aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para outras
crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados, matérias-primas
e colônias torna inevitáveis as catástrofes militares. E tudo isso prepara as
catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil concordar com Sombart que o
capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo, sossegado e razoável”.
Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos vestígios de razão.
Seja como for, não há dúvida de que a “teoria do colapso” triunfou sobre a
teoria do desenvolvimento pacífico. (Trotsky, 2009)
Percebemos que o cenário pintado por
Leon Trotsky deixou de existir após a II guerra mundial. As crises tornaram-se
mais leves nos países centrais e muitos países atrasados, como o Brasil,
conheceram grande crescimento.
Pouco antes de falecer (1883), K.
Marx percebeu mudanças no capitalismo, expostas no livro III d’O Capital.
Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais clareza a existência de
novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico estavam presenciando o
início da terceira era do capital, fase de estagnação daquela curva histórica e
a II revolução industrial. Vejamos passagem:
[Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é
notório, novas formas de empresas
industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou à terceira potência.
A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente aumentar a produção em
todos os grandes domínios industriais se depara com a lentidão sempre acrescida
com que se expande o mercado para essa produção ampliada. O que aquela fornece
em meses, leva este anos para absorver. E acresce que cada país industrial,
com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e notadamente da
Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de
produção. As consequências são
superprodução crônica geral, preços deprimidos, lucros em baixa ou mesmo
desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de concorrência, essa
veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela mesma anunciar
sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de se
associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para
constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a
quantidade a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as
encomendas ou pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente
cartéis internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa
forma de associação entre empresas produtoras ainda não era adequada. O choque
de interesses das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e
acabava restabelecendo a concorrência. Assim
se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o permitia, a concentrar
a produção toda do ramo industrial em uma grande sociedade por ações com
direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na América, e na Europa o
maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs nas mãos de uma única
firma toda a produção britânica de álcali. […] O capital todo atinge,
portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que constitui a base de toda a
indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a concorrência e prepara
de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda, pela nação. -
F.E.]
É a negação do modo
capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que
se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova
forma de produção. Esta fase assume assim aspecto
contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a
intervenção do Estado. Reproduz nova
aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores,
fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e
embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e comércio de
ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, pp. 254, 255;
grifos nossos)
O que Marx,
Engels e depois Lenin observaram era o nascer da fase imperialista o que
difere-se de observar, tal qual hoje, a completa consolidação dessa fase.
Ver-se
limite potencialmente absoluto neste momento histórico: de 1873-1913,
estagnação, à 1913-1944, declínio. Então, por que o colapso faltou? Trotsky
oferece, inconscientemente, uma pista; o refutaremos dentro de seu próprio
argumento:
¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN?
Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo
mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo?
¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y
de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una
importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos
de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión
Soviética. Si se demostrara que el
capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer
más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que
nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de
profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para
intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen
social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes.
Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por
encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de
las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha
cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso? (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 234,
235)
Em carta a
Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização global:
Não há como negar que a sociedade burguesa tenha sofrido pela segunda
vez seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua morte, assim como o
primeiro o conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da sociedade burguesa é a
criação do mercado mundial, pelo menos em esboço, e da produção baseada nesse
mercado. (Marx)
Esboço, diz Marx. Percebemos
a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente o desenvolvimento
quase máximo do mercado planetário atual para abrir a possibilidade alta de
superação do sistema. Sigamos:
Uma vez que o mundo
é redondo, a colonização da Califórnia e da Austrália e a abertura da China e
do Japão parecem ter concluído este processo. Para nós,
a questão difícil é esta: no continente, a revolução é iminente e, além disso,
assumirá instantaneamente um caráter socialista. Não será necessariamente esmagado neste pequeno canto da terra, já que
o movimento da sociedade burguesa ainda está, no ascendente, em uma área muito
maior? (Idem, grifos nossos.)
Trotsky,
tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele concluiu que
os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos, que
determinam o ritmo da curva, faziam absolutos estes limites mesmos. Era
verdade, mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se
encontram; os limites da autocontradição do capital encontram-se com os limites
das relações externas à economia. Basta a observação de que o capitalismo já
domina, em diferente da época do teórico, quase todos os poros do mundo.
O
capitalismo tinha ainda mais uma curva de desenvolvimento capitalista, como
ficou provado. Esta curva, atual, põe a III revolução da indústria, que é forma
em si contraditória com o capital e típica do socialismo. A teoria do colapso e
a revolução permanente encontraram ao redor do século XXI o terreno tão
esperado pelos seus autores. Enfim podemos afirmar que o capital está diante de
seus limites históricos; a época de crises profundas retornou, desta vez, de
maneira sistêmica.
CURVA DE
DESENVOLVIMENTO NO MUNDO E NAS NAÇÕES
Em teoria, somos
obrigados a tratar de níveis de abstração. Os países mais decisivos para o
ritmo mundial são os imperialistas e grandes submetrópoles como o Brasil. Eles
denunciam uma curva global de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, há
nações inteiras, como China, que estão em fases nacionais diferentes, de alto
crescimento, das curvas de desenvolvimento. Mesmo considerando que a totalidade
é o vital para as mudanças mundiais, faz-se necessário explicar essa diferença.
Tomemos os dados a
seguir:
Fonte:
(Freeman, 2019)
Fonte: idem
Ambos os gráficos
demonstram queda de crescimento após 1970. O trabalho foi feito por Alan
Freeman no artigo “A sexagenária tendência declinante do crescimento econômico
nos países industrializados do mundo”. No entanto, em que pese o ótimo
trabalho, ele evita explicar as razões do declínio.
Podemos
elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é o capitalismo de uma
nação, menores são as possibilidades de seu crescimento. Por isso, vai ficando
cada vez mais – tendencialmente – lento o crescimento de Japão, EUA, Europa
etc. O capital aí experimentou quase todas as suas possibilidades.
O mesmo é
válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980, pois é tão maduro
sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de
crescimento maiores relativos aos da China atual, destino prioritários dos
capitais internacionais por décadas, gerou demanda interna por urbanização no
século XX; até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito industrializado,
muito urbanizado, com luta de classes urbana, elevados comércio e sistema
bancário etc. A entrada da China no mercado mundial permitiu um ambiente mais
“saudável” para o capital; em diante, o principal país latino-americano
conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje presente –,
desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados,
destruição do patrimônio público por meio da privatização etc.
O contrário
ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa populacional rural,
espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras agricultáveis para
agronegócio etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do
tipo “atrasadas” a taxas não aplicáveis
– na proporção e no tempo – em países mais maduros, com, por assim dizer,
excesso de capitalismo.
Vejamos os
10 países de maior previsão de crescimento – acima da reconhecida China – em
2017 (BBC, 2017): Etiópia, 8,3%;
Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%; Djibouti, 7%;
Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%. O que há em comum? O
alto processo de crescimento tem como causa o baixo desenvolvimento… São países
com base – isto é, seus atrasos – para uso de mecanismos estimulantes dos
talentos capitalistas: endividamento do Estado, vantagens fiscais às empresas
estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização, superexploração
da força de trabalho etc. São países cujas características nacionais ainda
permitem amadurecer em larga escala elementos capitalistas em oposição aos
países que já desenvolveram a industrialização, a urbanização, a grande
propriedade rural, etc. e por isso crescem muito menos, possuem menos
possibilidades latentes.
Os próximos
saltos realmente globais de crescimento são alcançáveis apenas por meio de
outra sociedade. Até esta se impor, o fraco crescimento do capitalismo nas
nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um
desenvolvimento destrutivo. O “excesso de maturidade” demonstrará um divórcio
entre crescimento humano e crescimento econômico de forma cada vez mais
evidente e na medida mesma em que este último encontra autobarreiras sob o
capital.
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