quinta-feira, 26 de março de 2020

Como tornar efetivos e vitoriosos os panelaços


Como tornar efetivos e vitoriosos os panelaços

Neste blog, insistimos que a proposta central para o Brasil era a redução da jornada, com o mesmo salário, na proporção que produza pleno emprego. Mas a política deve mudar em 24 horas se a situação muda em 24 horas. A questão da pandemia, portanto, deve ser central por enquanto.

Nesta conjuntura, os panelaços ganharam certa audiência nacional e são um método válido diante do isolamento necessário. O problema que destacamos neste texto é que em nenhum momento eles ocorreram em torno de propostas práticas, de exigências.

É preciso uma dose de psicologia de massas sobre o tema. Se os protestos são fins em si próprios, se deixam de ter certa meta, se nada avançam, então o caminho é o esvaziamento deles, o aborto de um método de luta e sua banalização.

O primeiro foi “contra Bolsonaro” e um dos mais recentes, “em defesa do SUS”. Contra, mas como? Em defesa, mas de que modo? Qual a exigência prática? Ora, se assim continuarmos, boa parte dos trabalhadores em desespero concordarão com o presidente contra a quarentena, pois é necessário pagar as contas, sobreviver.

Se vamos puxar protestos com panelas, exijamos soluções, sejamos alternativa, popularizemos nossas propostas:

1)   Um salário mínimo para famílias de desempregados e autônomos por 3 meses;
2)    Proibição de demissões por medida provisória;
3)    Cancelar o pagamento da dívida pública por um ano para investir em saúde.

Em geral, devemos focar em duas ou três propostas centrais, mas a situação pede exigir todo um programa. É fato. Também há a possibilidade do setor majoritário da burguesia apostar na primeira elaboração; diante disso, exigiremos ainda mais dos governos, pois toda medida preventiva é pouco diante do risco de milhões de mortes.

Se conseguirmos parar por um pequeno tempo o pagamento da dívida, isso levará naturalmente ao debate sobre o fim da agiotagem; a renda mínima temporária também levantará o debate por um auxílio permanente. O ideal, é claro, seria o mais radical, mas a realização das propostas parciais e urgentes produzirão condições para futuras exigências, quando a crise sanitária passar.

Entra necessariamente em debate se é válido o “fora Bolsonaro”. As pesquisas de opinião deram a ele ainda uma boa margem de apoio social, o que impede a palavra de ordem. O melhor caminho para derrubá-lo é o desmoralizando, fazendo exigências claras, impondo-o uma derrota. Ele tem um programa, voltar à rotina, e poderá parecer correto às massas, na medida em que a crise econômica se aprofunda, se nós não popularizarmos nossas propostas. Pense em um ambulante que vive sempre correndo atrás do dinheiro pouco; é alguém que precisa de caminhos para já. Mesmo se o “fora” estivesse correto, o que não parece ser o caso, há no momento pautas emergenciais que tratam da vida humana. Na revolução russa, os bolcheviques retiraram todas as propostas para derrotar o golpe de Kornilov, com o “todos contra Kornilov!”. Este é o método: focar no problema mais sentido e imediato. Assim cavaremos a cova do miliciano.







segunda-feira, 16 de março de 2020

A teoria dos macrociclos do capital – a crise sistêmica


[Este artigo é parte do livro inédito "A crise sistêmica".] 

Resumo do artigo:


Tese 7: Trotsky descobriu que o capitalismo tem curvas de desenvolvimento histórico: décadas de crescimento grande com crises frágeis – ascenso; em seguida, décadas de crises mais duras ainda entre crescimentos – transição; enfim, décadas de crises longas e/ou profundas com crescimento fracos e/ou curtos – declínio da curva. No capitalismo recente, tivemos a primeira fase de 1945 à 1973; a segunda, de 1973 à 2008; a terceira, a partir de 2008.

Tese 8: Trotsky considerava que as curvas de desenvolvimento não tinham regularidade temporal em tendência como as crises cíclicas (de 10 em 10 anos). Mas se observamos as três curvas históricas do capitalismo desde as fases de transição, percebemos que duram, em média, 100 anos – o que também coloca a crise final da humanidade nas próximas décadas.

Tese 9: Marx, Engels, Lenin e Trotsky erraram ao pensar que suas épocas caminhavam para os limites absolutos do capitalismo. Tal limitação sistêmica começa seus passos apenas na década de 1970.

Tese 10: As nações industrializadas, urbanizadas e de grande produção no campo esgotaram as possibilidades de desenvolvimento do capitalismo, por isso crescem pouco. Países muito atrasados têm ainda capitalismo a desenvolver, por isso crescem mais.





A CURVA DO DESENOLVIMENTO CAPITALISTA PÓS-II GUERRA E AS ERAS DO CAPITAL


O tema da longa duração anima diferentes posições teóricas da história. Nesse sentido, Trotsky deu-nos uma grande contribuição esquecida entre seus seguidores. Tomemos nota de uma citação:

Mas o capitalismo não se caracteriza só pela periódica recorrência dos ciclos, de outra maneira a história seria uma repetição completa e não um desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e industriais são de diferente caráter em diferentes períodos. A principal diferença entre eles que está determinada pelas inter-relações quantitativas entre o período de crise e o de auge de cada ciclo considerado. Se o auge restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do período precedente, então o desenvolvimento capitalista está em ascenso. Se a crise, que significa destruição, ou em todo caso contração das forças produtivas, sobrepassa em intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração da economia. Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em magnitude, obtemos um equilíbrio temporário – um estancamento – da economia. Este é o esquema no fundamental. Observamos na história que os ciclos homogéneos estão agrupados em séries. Épocas inteiras de desenvolvimento capitalista existem quando um certo número de ciclos estão caracterizados por auges agudamente delineados e crises débeis e de curta vida. Como resultado, obtemos um agudo movimento ascendente da curva básica do desenvolvimento capitalista. Obtemos épocas de estancamento quando esta curva, ainda que passando através de parciais oscilações cíclicas, permanece aproximadamente no mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante certos períodos históricos, a curva básica, ainda que passando como sempre através de oscilações cíclicas, se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando a declinação das forças produtivas. (Trotsky, A Curva do Desenvolvimento Capitalista - Leon Trotsky, 2012)

A curva de desenvolvimento capitalista deixou de ser tratada no pós-guerra. Se observarmos o consenso histórico de diferentes vertentes da economia, da marxista à liberal, da década de 1940, com o fim da II-Guerra, até a de 1970 tivemos crescimentos longos e crises fracas, renomeadas recessão. Da década de 1970 até 2008 vivemos um período de crises mais duras alternadas com crescimento. O peso da crise de 2008 e suas consequências duradouras apontam décadas de crises duras e crescimentos fracos. A ascensão possibilitou e correspondeu à prática keynesiana; a transição da curva necessitou da prática neoliberal; o declínio da curva encontra o esgotamento da política econômica burguesa e possibilita um programa de transição ao socialismo.

Embora desconheça a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo, Pikett a confirma em seu livro nos limites do empírico:

A Europa continental — e a França em particular — vive, em grande medida, numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ainda agora, no início dos anos 2010, imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os “Trinta Desafortunados” (que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta anos), vai desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como antes. (Pikett, 2014, p. 120)

Da teorização exposta, o erro de Trotsky é concluir, à luz do fim da I guerra mundial, que a produtividade recuaria quando a tendência é de crescimento desacelerado. De sua elaboração econômica, a fenomenologia manteve-se: uma curva de desenvolvimento que vai de crises leves com grandes crescimentos até crises duras com baixo crescimento entremeados por uma fase de transição entre um extremo e outro. A produtividade dos EUA, principal exemplo, teve tendência de alta em meio às crises cíclicas cada vez mais duras (representadas nas faixas cinzas do gráfico abaixo)[1]:




Fonte: (Redação, 2018)

Cabe-nos uma tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as obrigações políticas o impediam de fazer uma atividade científica total. Assim, enquanto criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev, ele próprio apresentou o movimento geral percebido e suas manifestações, não esgotando o trabalho teórico; enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade de uma duríssima pesquisa em torno do tema. Tentaremos concluir os aspectos gerais de tal objetivo, o que tem nos obrigado a atualizar e discordar em parte do teórico russo. Esta conclusão nos leva às eras do capital e percepção de que as curvas históricas tomam a forma de ondas.

Vejamos elementos em movimento:

a) A revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, ou seja, eleva a quantidade e o nível das contradições inerentes;
b) A III revolução industrial – para nos aproximarmos de nossa realidade – faz falir empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção;
c) Por demitir assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por desemprego maior comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda tende a cair;
d) Maior escala de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre disponíveis na escala necessária – ou produz superoferta de meios de produção;
e) Maior produtividade, este salto interno de qualidade, aumenta a possibilidade de elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias ficarem presas, de pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de superprodução;
f) O capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima a ser adiantado é maior, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser pago com o lucro futuro;
g) As possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de produção (custo de produção mais mais-valor gerado) são mais presentes;
h) Maiores desigualdades de composição orgânica do capital entre os setores I, produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo;
i) Os transtornos da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele, também aparecem com maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre a resistência inicial.

A conclusão de que as revoluções produtivas estimulam contradições e crises cíclicas foi observada por Schumpeter (1988), mas a este faltou descobrir ligação com os macrociclos do capital, de longa duração, com a curva de desenvolvimento capitalista descoberta por Trotsky ou, como complementamos, com o que chamamos de eras.

As crises encaminham-se de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de 1944 à década de 1970, para um período transitório com crises mais duras cujas sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do que trovões fortes antes da tormenta, entre meados dos anos 1970 até 2008. Agora temos um salto: declínio da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou profundas e crescimentos débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as crises cíclicas são formas de manifestação de processos profundos e essenciais do sistema. Através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção.

Mantendo esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, contradições estas que devem ser resolvidas após aprofundadas, partamos para o fator externo.

Cada revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo capitalista de produzir – salto interno. Por isso essas mudanças, ao elevarem a produtividade, entram em contradição com as formações sociais e superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução Industrial gera contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar de ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos povos, de 1848 à 1850. Antes, deu força às revoluções burguesas como na França.

Após tais tensões, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo ascenso da curva ou nova curva, de 1850 à 1873. Já a partir da década de 1870 surge a II Revolução Industrial e também entra em relativa contradição com a formação sócio-superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico. Aqui se explica, por exemplo, a insistência “humanitária” britânica pelo fim da escravidão no Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em potencial de suas mercadorias.

Do mesmo modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares de absolutas: crise em 1914 na forma de guerra mundial, ou seja, início do declínio da curva histórica até 1945, fim da II Guerra.

Tratemos da atual curva. Ascenso entre 19445 até a década de 1970 com a II Revolução Industrial de acordo, em confluência não contraditória, com a formação social vigente. Logo depois: III Revolução Industrial gera nova contradição relativa da década de 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e o declínio da curva histórica.

Esse é o processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples e cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a grande indústria, I revolução técnica; deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2) mudança na produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição e, por consequência, 3) de 1820 à 1850 ocorre período de duras crises e fracos crescimentos. No período da primeira era, mercantil, inexistindo crises cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais fatores agregados na avaliação, quer sejam, a situação das classes e o desenvolvimento técnico.

As elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se. Assim, toda revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e crise com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade social entra em contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.

O capital precisa rotar-se em nova velocidade, mas as “externalidades” impedem seu pleno movimento e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na produção quanto na circulação. Descobrimos crises cíclicas e tensões cada vez mais intensas. Isso torna necessário romper tal contradição com as mudanças nas eras do capital, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do capital etc.

Podemos representar as curvas visualmente:



            Fonte: Própria (2020)

O ascenso equivale a crises curtas e/ou anêmica; a transição apresenta crises mais duras ando com algum crescimento, com um certo “equilíbrio” entre os opostos; por último, o declínio aparece como crises longas e/ou profundas. Vejamos as três curvas ou ondas:





Fonte: idem.



Fonte: idem.



Fonte: Idem.

Em resumo, as três curvas históricas:

1. Século XVI-1760 | 1760 – 1820 | 1820-1850
2. 1850-1873[2] | 1873-1913 | 1913-1945
3. 1945-1973 | 1973-2008 | 2008...

Do ponto de vista das eras do capital, o ponto de partida não é o ascenso, a baixa contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais, que iniciam a fase de estagnação, entre o ascenso e o declínio. Todas as revoluções produtivas foram o ponto de partida da fase de transição, de estagnação, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e gerando contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações sociais de produção e organizacionais etc.

Desse ponto de vista:

Primeiro ciclo, comercial: 1500 - 1760
Segundo ciclo, industrial: 1760 - 1873
Terceiro ciclo, financeiro: 1873 - 1973
Quarto ciclo, fictício: 1973...

No primeiro, a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços de mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em cooperação simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial vence a força constrangedora do trabalho, o nível de autonomia do artesão, fator que o limitava e também o estimulava a superar esta contradição. No terceiro, a nova escala de produção exige um tal adiantamento de capital que o capital produtor de juros se torna mecanismo mais necessário para os saltos produtivos. Na última era, desde a década de 1970, a expressão monetária do capital necessita ainda mais que antes do capital produtor de juros, que passa a tornar-se fictício; a financeirização ganha importância como reação à impossibilidade de investimentos e à necessidade de permitir o montante de capital-dinheiro que urge ao setor produtivo, na atual composição orgânica do capital.

Vejamos a curva de desenvolvimento desde as três revoluções industriais ou, o que é outra expressão do mesmo, o início da fase intermediária entre ascenso e declínio, a transição:


Fonte: idem.


Fonte: Idem.


Fonte: Idem.


Fonte: Idem.

Por evidente, as datas são aproximativas dos processos.

Em sua elaboração original, o começo era a ascenção da curva. O que para Trótski era ponto de partida – por exemplo, o crescimento de 1944 à 1973 –, é, em nossa análise, a resolução de uma contradição na totalidade macroeconômica e macrossocial. Se prosperar, a transição ao socialismo será a resolução das contradições​ atuais iniciadas na década de 1970, desta era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os elementos existentes do sistema anterior, isto é, superar a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes e suas superestruturas.

Desde uma observação cuidadosa, percebemos que cada revolução industrial dura em média 100 anos. Por quê? As crises cíclicas ocorrem mais ou menos de 10 em 10 anos, em média tendencial, no processo circular crescimento, estagnação, crise e recuperação. Este mal é parte necessária da própria saúde doentia do capitalismo. E gera as bases para as revoluções produtivas seguintes. As alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade total; se a ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial, permite também o início de um autolimite que necessita ser resolvido. De 1944 a 1973, nada melhor que a II Revolução industrial e sua expressão na política keynesiana como sinal de saúde do sistema e, por igual, base da autossuperação. O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão – durarem, cada um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio, oferece o tom de secularidade a cada revolução industrial.  A razão para a tendência secular das curvas de desenvolvimento histórico do capitalismo –  uma vez observadas desde a estagnação, não a partir do equilíbrio dinâmico – é idêntica em outra escala, superior, ao auge-estagnação-crise dos ciclos mais ou menos decenais da economia capitalista: a superprodução revelada empiricamente na contradição entre produção e circulação, cuja dinâmica é mediada por ações extraeconômicas, o Estado, etc.

Se abstraímos os fatores sociais, que ditam o ritmo, e observamos de modo “puro” a atual curva de desenvolvimento, os limites internos do sistema será em meados do século XXI, concordando com o debate no capítulo anterior sobre a queda da taxa de lucro e também com os limites da crise ambiental. Entre as décadas de 2050 e 2070 ocorrerá, visto desse modo, o domínio da III revolução industrial via transição ao socialismo ou, ao contrário, um cenário de fim da civilização. É certo que a datação secular de cada curva uma vez observada pela fase de transição é insuficiente para a curva atual, pois a época de transição exige muito do fator subjetivo; por outro lado, serve de guia para pensar o tempo histórico no qual vivemos desde 2008, um tempo de crises duras exigentes de uma solução estrutural.

TEORIA DO COLAPSO

A teoria do “processo de colapso” é de Marx. Os marxistas sabem de cor a ideia de que um sistema cai e é substituído apenas quando explora todas as suas possibilidades; o raciocínio dialético – se levado a sério – impede ilimitada margem de manobra ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em 1913... Mas ele não tinha um elemento teórico: a teoria das curvas históricas, mais importante que as das crises cíclicas. Tal é uma enorme contribuição de Trótski. Se acrescentamos as eras do capital, percebemos toda a dinâmica e conseguimos explicar o motivo de Marx, Lênin e Trótski terem errado ao considerarem que aquela crise era a última quando não a era de fato.

Diz o general do Exército Vermelho:

e) A Teoria do Colapso
Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução) parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era considerada como uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico de Marx era contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem dotado dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar gradualmente a democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a essência do reformismo. Que resultou dele?
A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises. Cada crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de salvar-se destas catástrofes parciais por meio de barreiras alfandegárias, da inflação, do aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados, matérias-primas e colônias torna inevitáveis as catástrofes militares. E tudo isso prepara as catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil concordar com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo, sossegado e razoável”. Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos vestígios de razão. Seja como for, não há dúvida de que a “teoria do colapso” triunfou sobre a teoria do desenvolvimento pacífico. (Trotsky, 2009)


            Percebemos que o cenário pintado por Leon Trotsky deixou de existir após a II guerra mundial. As crises tornaram-se mais leves nos países centrais e muitos países atrasados, como o Brasil, conheceram grande crescimento.

            Pouco antes de falecer (1883), K. Marx percebeu mudanças no capitalismo, expostas no livro III d’O Capital. Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais clareza a existência de novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico estavam presenciando o início da terceira era do capital, fase de estagnação daquela curva histórica e a II revolução industrial. Vejamos passagem:


[Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é notório, novas formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E acresce que cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos, lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a quantidade a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as encomendas ou pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente cartéis internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa forma de associação entre empresas produtoras ainda não era adequada. O choque de interesses das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e acabava restabelecendo a concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o permitia, a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande sociedade por ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na América, e na Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs nas mãos de uma única firma toda a produção britânica de álcali. […] O capital todo atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que constitui a base de toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a concorrência e prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda, pela nação. - F.E.]
É a negação do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a intervenção do Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, pp. 254, 255; grifos nossos)

O que Marx, Engels e depois Lenin observaram era o nascer da fase imperialista o que difere-se de observar, tal qual hoje, a completa consolidação dessa fase.

Ver-se limite potencialmente absoluto neste momento histórico: de 1873-1913, estagnação, à 1913-1944, declínio. Então, por que o colapso faltou? Trotsky oferece, inconscientemente, uma pista; o refutaremos dentro de seu próprio argumento:


¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN?
Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso?  (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 234, 235)

Em carta a Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização global:

Não há como negar que a sociedade burguesa tenha sofrido pela segunda vez seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua morte, assim como o primeiro o conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em esboço, e da produção baseada nesse mercado. (Marx)

Esboço, diz Marx. Percebemos a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente o desenvolvimento quase máximo do mercado planetário atual para abrir a possibilidade alta de superação do sistema. Sigamos:


Uma vez que o mundo é redondo, a colonização da Califórnia e da Austrália e a abertura da China e do Japão parecem ter concluído este processo. Para nós, a questão difícil é esta: no continente, a revolução é iminente e, além disso, assumirá instantaneamente um caráter socialista. Não será necessariamente esmagado neste pequeno canto da terra, já que o movimento da sociedade burguesa ainda está, no ascendente, em uma área muito maior? (Idem, grifos nossos.)



Trotsky, tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele concluiu que os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos, que determinam o ritmo da curva, faziam absolutos estes limites mesmos. Era verdade, mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se encontram; os limites da autocontradição do capital encontram-se com os limites das relações externas à economia. Basta a observação de que o capitalismo já domina, em diferente da época do teórico, quase todos os poros do mundo.

O capitalismo tinha ainda mais uma curva de desenvolvimento capitalista, como ficou provado. Esta curva, atual, põe a III revolução da indústria, que é forma em si contraditória com o capital e típica do socialismo. A teoria do colapso e a revolução permanente encontraram ao redor do século XXI o terreno tão esperado pelos seus autores. Enfim podemos afirmar que o capital está diante de seus limites históricos; a época de crises profundas retornou, desta vez, de maneira sistêmica.

CURVA DE DESENVOLVIMENTO NO MUNDO E NAS NAÇÕES

Em teoria, somos obrigados a tratar de níveis de abstração. Os países mais decisivos para o ritmo mundial são os imperialistas e grandes submetrópoles como o Brasil. Eles denunciam uma curva global de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, há nações inteiras, como China, que estão em fases nacionais diferentes, de alto crescimento, das curvas de desenvolvimento. Mesmo considerando que a totalidade é o vital para as mudanças mundiais, faz-se necessário explicar essa diferença.
Tomemos os dados a seguir:

            Fonte: (Freeman, 2019)


Fonte: idem

Ambos os gráficos demonstram queda de crescimento após 1970. O trabalho foi feito por Alan Freeman no artigo “A sexagenária tendência declinante do crescimento econômico nos países industrializados do mundo”. No entanto, em que pese o ótimo trabalho, ele evita explicar as razões do declínio.

Podemos elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é o capitalismo de uma nação, menores são as possibilidades de seu crescimento. Por isso, vai ficando cada vez mais – tendencialmente – lento o crescimento de Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase todas as suas possibilidades.

O mesmo é válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980, pois é tão maduro sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de crescimento maiores relativos aos da China atual, destino prioritários dos capitais internacionais por décadas, gerou demanda interna por urbanização no século XX; até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito industrializado, muito urbanizado, com luta de classes urbana, elevados comércio e sistema bancário etc. A entrada da China no mercado mundial permitiu um ambiente mais “saudável” para o capital; em diante, o principal país latino-americano conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje presente –, desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados, destruição do patrimônio público por meio da privatização etc. 

O contrário ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa populacional rural, espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras agricultáveis para agronegócio etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo  “atrasadas” a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais maduros, com, por assim dizer, excesso de capitalismo.

Vejamos os 10 países de maior previsão de crescimento – acima da reconhecida China – em 2017 (BBC, 2017): Etiópia, 8,3%; Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%; Djibouti, 7%; Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%. O que há em comum? O alto processo de crescimento tem como causa o baixo desenvolvimento… São países com base – isto é, seus atrasos – para uso de mecanismos estimulantes dos talentos capitalistas: endividamento do Estado, vantagens fiscais às empresas estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização, superexploração da força de trabalho etc. São países cujas características nacionais ainda permitem amadurecer em larga escala elementos capitalistas em oposição aos países que já desenvolveram a industrialização, a urbanização, a grande propriedade rural, etc. e por isso crescem muito menos, possuem menos possibilidades latentes.

Os próximos saltos realmente globais de crescimento são alcançáveis apenas por meio de outra sociedade. Até esta se impor, o fraco crescimento do capitalismo nas nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um desenvolvimento destrutivo. O “excesso de maturidade” demonstrará um divórcio entre crescimento humano e crescimento econômico de forma cada vez mais evidente e na medida mesma em que este último encontra autobarreiras sob o capital.

Bibliografia

BBC. (16 de 07 de 2017). As 10 economias que crescem mais rápido em 2017 (e nenhuma delas é a China). Acesso em 12 de 02 de 2020, disponível em BBC: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-40603081
Freeman, A. (11 de 03 de 2019). A sexagenária tendência declinante do crescimento econômico nos países industrializados do mundo. Acesso em 12 de 02 de 2020, disponível em Economia e complexidade: https://eleuterioprado.blog/2019/03/12/em-queda-por-60-anos/
Marx, K. (s.d.). Marx To Engels In Manchester. Acesso em 06 de 02 de 2020, disponível em http://hiaw.org/: http://hiaw.org/defcon6/works/1858/letters/58_10_08.html
Pikett, T. (2014). O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca.
Redação. (26 de 03 de 2018). A Revolucionária Trajetória Da Maior Produção Industrial Nacional Do Planeta. Acesso em 12 de 02 de 2020, disponível em Crítica da economia: https://criticadaeconomia.com/2018/03/a-revolucionaria-trajetoria-da-maior-producao-industrial-nacional-do-planeta/
Trotsky, L. (2008). El capitalismo y sus crisis. Buenos Aires: IPS-CEIP.
Trotsky, L. (18 de 04 de 2009). A URSS e a guerra. Acesso em 11 de 02 de 2020, disponível em Marxists: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/09/25.htm#i15
Trotsky, L. (14 de 04 de 2009). O marxismo em nosso tempo. Acesso em 06 de 02 de 2020, disponível em marxists.org: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/marxismo/cap01.htm
Trotsky, L. (17 de Abril de 2012). A Curva do Desenvolvimento Capitalista - Leon Trotsky. Acesso em 10 de 02 de 2020, disponível em Orientação Marxista: http://orientacaomarxista.blogspot.com/2012/04/curva-do-desenvolvimento-capitalista.html




[1] A estatística condiz com Marx, contra Trotsky: “A estatística das exportações e importações serve para medir a acumulação do capital real – o capital produtivo e o capital-mercadoria. E revela sempre que no período de desenvolvimento da indústria inglesa (1815-1870) marcado por ciclos decenais, o máximo da última fase de prosperidade antes da crise reaparece sempre como mínimo da subsequente fase de prosperidade, para em seguida atingir novo máximo mais elevado.” (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, p. 663)
[2]             “En esa época Marx no podía tomar en cuenta – sólo observó el ascenso en el mercado – que se enfrentaba con una nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las vacilaciones débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la economía a niveles más altos. No previó esto. La revolución no vino en 1859-60. En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de Italia, luego tuvimos la guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes, cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de batallas. Fue a principios de los ‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea de depresión, estancamiento.” (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, p. 190)

Guerras, não crises cíclicas, estimularam revoluções sociais

GUERRAS, NÃO CRISES, ESTIMULARAM REVOLUÇÕES SOCIAIS

Entre marxistas, a percepção mais geral da revolução segue o roteiro seguinte: o capitalismo produz duras crises, tenta-se resolver por lutas parciais e reformismo, o aprofundamento das tensões sociais eleva com atraso as conclusões dos trabalhadores, um partido de tipo novo demonstra ser a melhor organização para impor, via revolução, nova época de reformas. Ricas em particularidades e singularidades, várias revoluções derrotadas seguiram a tendência, exceção da presença de partidos revolucionários. No entanto, as revoluções sociais, ainda que limitadas, do século XIX e XX foram, em geral, frutos das guerras; os conflitos armados precederam as revoluções. Vejamos exemplos:

1)      A guerra franco-prussiana desemborcou na Comuna de Paris;
2)      A I Guerra produziu revoluções na Alemanha, na Itália e uma vitória na Rússia. Neste último, foi levada a cabo a proposta dos socialistas de boicote à guerra, transformando-a em revolução social;
3)      A II Guerra afastou o Leste Europeu, a Coreia do Norte e a Alemanha Oriental de um desenvolvimento capitalista;

A seguinte citação de Trotsky revela o motivo do caminho militar:

“Enquanto escrevo estas linhas, a questão dos territórios ocupados pelo exército vermelho ainda permanece obscura. […] A maior parte dos territórios ocupados serão, sem sombra de dúvidas, parte da URSS. De que forma?”
[…] é mais provável que nos territórios que foram planejados para fazer parte da URSS, o governo de Moscou atue expropriando os grandes proprietários e estatizando os meios de produção. Esta variante é a mais provável, não porque a burocracia continue sendo fiel ao programa socialista, mas porque não deseja e nem é capaz de tomar o poder e os privilégios que comparte com a velha classe dirigente nos territórios ocupados. Aqui, é forçosa uma analogia literal. O primeiro Bonaparte deteve a revolução através de uma ditadura militar. No entanto, quando as tropas francesas invadiram a Polônia, Napoleão assinou um decreto: “A servidão está abolida”. Tal medida foi adotada, não porque Napoleão simpatizasse com os camponeses, e nem por princípios democráticos, mas pelo fato da ditadura bonapartista se basear em relações de propriedade burguesa e não feudais. À medida em que a ditadura bonapartista de Stalin se baseia na propriedade estatal e não na privada, a invasão da Polônia pelo exército vermelho levará, por si só, à abolição da propriedade privada capitalista, da mesma forma que fará com que o regime dos territórios ocupados estejam de acordo com o regime da URSS.
Esta medida, de caráter revolucionário – “a expropriação dos expropriadores” – neste caso é levada a cabo de forma burocrático-militar. O chamado à ação independe das massas nos novos territórios – e sem tal chamado, inclusive formulado com extrema prudência, é impossível constituir um novo regime – seria indubitavelmente esmagado no dia seguinte, por desapiedosas medidas policialescas, visando assegurar a predominância da burocracia sobre as massas revolucionárias vigilantes. (Trotsky, A URSS e a guerra, 2009)

4)      A luta contra o Japão e, depois, contra o Kuomintang forçou Mao Tse-tung a mudar a natureza do Estado;
5)      A guerrilha vanguardista de Fidel agia sob um programa liberal-burguês. Após a vitória militar, o erro do governo dos EUA de pressão e envio de tropas na chamada Batalha da Baía dos Porcos fez o novo poder radicalizar e alinhar-se com a URSS;
6)      O Vietnã teve de enfrentar franceses e, depois, americanos, conseguindo sua independência radicalizando, por meio de uma revolução socialista.  

O título deste capítulo é parcial, pois as guerras têm origem econômica, portanto são expressões das contradições internas do sistema. Os conflitos armados geraram elevadas contradições e exacerbaram as existentes a níveis capazes de forçar revoluções sociais. As guerras fermentaram os trabalhadores, trouxeram problemas sociais (carestia, etc.), formaram novos soldados entre homens do povo e acarretaram problemas ao funcionamento do Estado burguês. A conclusão “a guerra é a parteira da história” adquire significado mais amplo.

É do interesse marxista que uma guerra por lucro não preceda uma revolução social, porém agimos segundo a realidade, nunca temos o privilégio de escolher o cenário. As próximas revoluções sociais seguirão o roteiro dominante? Se houver guerras imperialistas, é provável. Mas estamos diante das últimas décadas do capitalismo, logo as crises econômicas serão mais duras e a possibilidade de uma via socialista mais plena.

Obras Citadas

Trotsky, L. (18 de 04 de 2009). A URSS e a guerra. Acesso em 11 de 02 de 2020, disponível em Marxists: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1939/09/25.htm#i15