POR UM BALANÇO DO PSTU
“Não podemos aprender a resolver
os problemas de hoje pelos novos métodos se a experiência de ontem não nos
abriu os olhos para ver onde foi que estavam errados os antigos métodos.”
Lenin.
Aqui,
queremos evitar a postura rancorosa e apenas negativa comum a ex-militantes; por
outro lado, faz falta balanços claros sobre as razões das rupturas com o PSTU,
sejam elas mais progressivas ou, ao contrário, mais reformistas. A crítica
pública entre os nossos é necessária para a evolução das organizações. O esboço
abaixo – e, por ser esboço, tem linguagem direta – tenta ajudar em tal tarefa,
baseando-se de maneira referencial em “Esquerdismo: Doença Infantil do
Comunismo” de Lenin. O leitor afeito à obra reconhecerá pontos de contato entre
os textos. O fato de que nenhuma organização tenha algum trabalho do tipo
leva-nos a crer que podem cair nos mesmos erros na medida em que falta
percebê-los.
POLÍTICAS IMPRESSIONISTAS
Para
melhor localizar-se sindicalmente, o PSTU passou a elaborar políticas para
impressionar a vanguarda, que tende a se aproximar das posições mais radicais.
Assim, a elaboração deixou de ser um meio para atuar politicamente sobre as
massas e tornou-se meio de autopropaganda. Antes meio, ganhar os ativistas
tornou-se um fim.
A busca
por diferenciação constante em relação às demais correntes levou o partido a um
perfil político duplo. Agita propostas mais radicais do que a realidade pede
enquanto partido e, por outro lado, age dentro dos limites realistas do
trabalho sindical enquanto organismo sindicalista. Isso é de tal forma que o
jornal partidário não é um “militante e organizador coletivo”, pois suas
matérias defendem os aspectos mais radicais do programa de modo artificial no
lugar de serem um “guia de ação” segundo a conjuntura.
Vamos aos
exemplos. Diante do mensalão, sendo contra o Impeachment de Lula, levantou a
proposta “Fora todos!”, que não tinha peso na realidade, na medida em que não
era uma situação revolucionária. Nos protestos de 2013 por educação, saúde e
transporte, a organização teve a chance de levantar propostas democrática que
teriam força transicional como “10% do PIB pra educação!” – mas radicalizou de
modo artificial com “Nem direita nem PT: trabalhadores no poder!” No dia a dia,
o partido agita palavras de ordem as mais radicais, a exemplo da defesa de
estatizações, à revelia da conjuntura – mesmo em situações não revolucionárias,
etc. E já no começo do governo Bolsonaro, este ainda gozando de grande
popularidade, chamou o “Fora Bolsonaro!”. Assim, ganha simpatia da vanguarda
por meio de uma política mais radical do que a possível no momento.
A postura
ultraesquerdista na verdade é um resultado de seu centrismo. Para manter o
trabalho partidário nos sindicatos, precisa atrair jovens, que tendem a
simpatizar com políticas vanguardistas, deslocadas da conjuntura. É o exemplo
da ruptura com a UNE, que gerou uma oposição artificial, um destaque ao
partido, mas a partir de uma política errada, como se provou com os abortos de
duas tentativas de fazer novas entidades estudantis nacionais – a Conlute e,
depois, a ANEL (esta última “fundada” sem o menor balanço do motivo daquela ter
desandado).
Outro
aspecto do impressionismo são as teses de impacto. O partido elabora teses que
visam manter ativas a esperança e a disciplina militantes. O primeiro exemplo
foram as nomeadas teses de 90, que afirmavam “a hora imediata do trotskysmo” e
a abertura de “uma nova etapa revolucionária”. Recentemente, a tese da “reorganização”
é a ideologia movente da militância. No lugar de considerar como algo comum e
relativamente constante a renovação dos quadros, cria-se a tese de que há um
processo – pouco explicado, aliás, como a tese da “onda conservadora” – de
renovação política e sindical. Todo dado empírico nesse sentido é posto como
prova de tal novismo, ainda que seja algo de modo algum incomum. É claro, por
exemplo, que a burocratização de uma geração leva a que a próxima surja tendo
de enfrentar aos novos burocratas, especialmente em tempos de crise. É
apresentado como grande tese, pincelado com fortes cores, algo que já é
esperado. Ao mesmo tempo, tem-se a associar reorganização apenas com ruptura;
daí o erro do partido de romper com federações e sindicatos antes da hora – é
claro que a formação de nova vanguarda também se dá por meio de oposições,
ganhar sindicatos, eleger-se para a CIPA, etc.
A AÇÃO ELEITORAL
O
ensinamento geral no partido afirma que as eleições são táticas, mas costuma-se
esquecer de que o trabalho sindical também o é. Ambos são meios e serão
limitados quando chegar a hora da revolução social.
A posição
sindicalista e a necessidade de uma postura ultraesquerdista para atrair
ativistas levou a que a propaganda eleitoral da organização fosse uma antipropaganda
na prática: aparecia como organização lunática perante as massas porque
apresentava-se com linguagem militante, com propostas deslocadas da conjuntura,
desleixo com a qualidade do material. Tornou-se um partido folclórico, apenas
abaixo, nesse sentido, do PCO e do PRONA de Enéias. A função da participação
nas eleições é ganhar espaço, simpatia, boa audiência – não foi, com raras exceções,
o caso.
O PSTU melhora
a estética de suas propagandas de modo incrível a partir de 2010. No entanto, a
apresentação melhor de propostas mais radicais que a conjuntura não muda a
essência do problema.
Em 1998,
a organização é criticada pela LIT por ter enfrentado nas eleições a direita,
que então estava no poder, mas não ter destacado críticas ao PT. Em seguida, em 2002, caiu-se no erro oposto:
focar a crítica ao petismo e ao lulismo. Naquele momento, de enorme esperança
na frente popular, a melhor tática era pedir votos ao Lula ainda no primeiro
turno por pelo menos dois motivos: 1) acessar os trabalhadores nas eleições; 2)
acelerar a experiência dos assalariados com o partido reformista por meio de um
governo. A política errada isolou o PSTU.
Com a
formação do PSOL surgiu novo erro. Apresentou-se como princípio a tática
eleitoral de frente de esquerda ou chapa pura; qualquer variante diferente
punha os militantes em crise, pois eram educados – dentro da política de
diferenciação a qualquer custo – a considerar revolucionário apenas um corpo
tático limitado. Dessa forma, quando há uma frente no Pará coma presença do
PCdoB, que pelo menos é um partido de esquerda, a militância entrou em crise. A
solução foi a pior possível: após eleger o vereador Cleber Rabelo pela frente,
o PSTU rompeu com ela de modo denuncista para recuperar a moral perante a
vanguarda e sua própria base.
O GOVERNO DO PT – A GRANDE PROVA
O PSTU
evitou o desvio oportunista típico das organizações de esquerda durante os
governos de frente popular. Mas desaguou-se no erro oposto, quer seja, o
sectarismo.
O
reformismo e suas frentes populares são uma armadilha ilusória não somente
porque passam a ideia falsa de um governo dos trabalhadores; também é um risco
pois, na medida dos limites do capital, faz algumas reformas, ainda que
limitadas.
O REUNI,
por exemplo, ampliou as vagas e colocou no ensino superior filhos dos trabalhadores.
O que seria correto fazer? Denunciar os limites do programa e exigir mais
verbas; era preciso dizer “isso é bom, mas ainda é pouco”. Essa forma de fazer
política, diante de uma reforma exigir sempre mais, é o que Marx nomeou revolução
permanente.
O partido
deixou de ver as reformas, em alguns casos chamando-as contrarreformas, e,
logo, deixou de fazer exigência por aprofundamento das melhorias. Por exemplo:
numa posição sindicalista, colocou-se contra o “Mais Médicos”, que melhorava a
vida da classe trabalhadora e era contra a aristocracia dos médicos nacionais.
O correto seria exigir mais verbas, mais SUS, melhores salários aos cubanos,
etc.
Como é
comum, em especial em épocas de crise, a frente popular foi a antessala de um
golpe de Estado. É uma lei histórica que tal tipo anormal de governo produza o
golpismo contra si e contra a classe trabalhadora. No entanto, o PSTU negou-se
a colocar-se contra o golpe, vendo aí até um fenômeno progressivo. O partido,
neste momento histórico, falhou à prova de fogo do frente populismo,
cristalizou-se como seita.
UM PARTIDO DA REVOLUÇÃO?
O
centrismo ultraesquerdista tem a aparência de um partido revolucionário. Sua
natureza vem da presença da classe média – incluso dirigente sindicais – em seus
postos de comando, baixo peso operário e largo peso estudantil.
A
história, no entanto, usa dos meios dispostos diante de si para fazer valer sua
vontade. As revoluções sociais do século XX, exceção da revolução russa, foram
lideradas por organizações centristas, que se viram forçadas objetivamente ao
caminho da economia planejada. Há a hipótese de ser este o caso do PSTU no
futuro próximo, na falta de uma organização revolucionária independente.
É
improvável que o partido corrija seu perfil geral. Sua coluna central de dirigentes
parece ter cristalizado o caráter pequeno burguês de suas ações. Sendo uma
previsão, pode estar errada: se uma reviravolta partidária ocorrer por pressão
da luta de classes e da crise?…
Há pelo
menos dois acertos gerais destacáveis: 1) a formação da CSP-Conlutas; 2) a prática
internacionalista. Tais acertos demonstram que o centrismo difere-se do
reformismo porque aquele tem em si certo hibridismo, entre a reforma e a
revolução. E é incapaz de superar seus limites, que expressam a classe média,
entre o operário e o burguês. Tais acertos também respondem ao passado da
organização, que foi de fato um partido comunista até degenerar-se em centrismo
ultraesquerdista perante a soma de governo de frente popular com algum crescimento
econômico e o recuo da luta de classes nas décadas de 1990 e 2000. Mais ou menos
20 anos de recuos, derrotas, frente populares, quase marginalidade etc. cobram
um pesado preço.
Diante da
defensiva, o PSTU focou por mais de uma década no movimento estudantil e foi
incapaz de proletarizar-se nos últimos anos, especialmente desde 2005. Na
década de 1990 teria acertado se, fazendo um giro temporário, apostasse no
movimento popular urbano por moradia, então nascente. Hoje seria, se estivesse tomado tal caminho, a direção majoritária dos sem-teto.
No
balanço da LIT por seus 30 anos, há um texto sobre o PSTU no PT, em que afirma
que o partido se tornou uma organização dos trabalhadores com o entrismo. Ora,
ao ficar 10 anos dentro do PT os quadros juvenis envelheceram… No mais, a
tática do entrismo em organizações reformistas é para ganhar jovens
radicalizados e depois romper com algo em torno de 2 anos de trabalho, não 10
(sobre, ver Moreno em seu Teses para atualização do programa de transição). A permanência
demasiada em um partido não revolucionário produz pressões e vícios no perfil
da organização “infiltrada”. Já aí, na década de 1980, vemos pressão para tornar centrista a corrente.
O PSTU é
ainda o mais operário dos partidos da esquerda radical. Mas tem peso maior no operariado
aristocrático (petroleiros, etc.), nos funcionários públicos e entre estudantes
de classe média. Em parte, é vítima do destino. A conjuntura reacionária após a
queda de Collor de modo algum ajudou na cristalização do recém-fundado partido
expulso do PT.
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