segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Por um balanço do PSTU - Esboço


POR UM BALANÇO DO PSTU

“Não podemos aprender a resolver os problemas de hoje pelos novos métodos se a experiência de ontem não nos abriu os olhos para ver onde foi que estavam errados os antigos métodos.”
Lenin.


Aqui, queremos evitar a postura rancorosa e apenas negativa comum a ex-militantes; por outro lado, faz falta balanços claros sobre as razões das rupturas com o PSTU, sejam elas mais progressivas ou, ao contrário, mais reformistas. A crítica pública entre os nossos é necessária para a evolução das organizações. O esboço abaixo – e, por ser esboço, tem linguagem direta – tenta ajudar em tal tarefa, baseando-se de maneira referencial em “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo” de Lenin. O leitor afeito à obra reconhecerá pontos de contato entre os textos. O fato de que nenhuma organização tenha algum trabalho do tipo leva-nos a crer que podem cair nos mesmos erros na medida em que falta percebê-los.


POLÍTICAS IMPRESSIONISTAS

Para melhor localizar-se sindicalmente, o PSTU passou a elaborar políticas para impressionar a vanguarda, que tende a se aproximar das posições mais radicais. Assim, a elaboração deixou de ser um meio para atuar politicamente sobre as massas e tornou-se meio de autopropaganda. Antes meio, ganhar os ativistas tornou-se um fim.

A busca por diferenciação constante em relação às demais correntes levou o partido a um perfil político duplo. Agita propostas mais radicais do que a realidade pede enquanto partido e, por outro lado, age dentro dos limites realistas do trabalho sindical enquanto organismo sindicalista. Isso é de tal forma que o jornal partidário não é um “militante e organizador coletivo”, pois suas matérias defendem os aspectos mais radicais do programa de modo artificial no lugar de serem um “guia de ação” segundo a conjuntura.

Vamos aos exemplos. Diante do mensalão, sendo contra o Impeachment de Lula, levantou a proposta “Fora todos!”, que não tinha peso na realidade, na medida em que não era uma situação revolucionária. Nos protestos de 2013 por educação, saúde e transporte, a organização teve a chance de levantar propostas democrática que teriam força transicional como “10% do PIB pra educação!” – mas radicalizou de modo artificial com “Nem direita nem PT: trabalhadores no poder!” No dia a dia, o partido agita palavras de ordem as mais radicais, a exemplo da defesa de estatizações, à revelia da conjuntura – mesmo em situações não revolucionárias, etc. E já no começo do governo Bolsonaro, este ainda gozando de grande popularidade, chamou o “Fora Bolsonaro!”. Assim, ganha simpatia da vanguarda por meio de uma política mais radical do que a possível no momento.

A postura ultraesquerdista na verdade é um resultado de seu centrismo. Para manter o trabalho partidário nos sindicatos, precisa atrair jovens, que tendem a simpatizar com políticas vanguardistas, deslocadas da conjuntura. É o exemplo da ruptura com a UNE, que gerou uma oposição artificial, um destaque ao partido, mas a partir de uma política errada, como se provou com os abortos de duas tentativas de fazer novas entidades estudantis nacionais – a Conlute e, depois, a ANEL (esta última “fundada” sem o menor balanço do motivo daquela ter desandado).

Outro aspecto do impressionismo são as teses de impacto. O partido elabora teses que visam manter ativas a esperança e a disciplina militantes. O primeiro exemplo foram as nomeadas teses de 90, que afirmavam “a hora imediata do trotskysmo” e a abertura de “uma nova etapa revolucionária”. Recentemente, a tese da “reorganização” é a ideologia movente da militância. No lugar de considerar como algo comum e relativamente constante a renovação dos quadros, cria-se a tese de que há um processo – pouco explicado, aliás, como a tese da “onda conservadora” – de renovação política e sindical. Todo dado empírico nesse sentido é posto como prova de tal novismo, ainda que seja algo de modo algum incomum. É claro, por exemplo, que a burocratização de uma geração leva a que a próxima surja tendo de enfrentar aos novos burocratas, especialmente em tempos de crise. É apresentado como grande tese, pincelado com fortes cores, algo que já é esperado. Ao mesmo tempo, tem-se a associar reorganização apenas com ruptura; daí o erro do partido de romper com federações e sindicatos antes da hora – é claro que a formação de nova vanguarda também se dá por meio de oposições, ganhar sindicatos, eleger-se para a CIPA, etc.

A AÇÃO ELEITORAL

O ensinamento geral no partido afirma que as eleições são táticas, mas costuma-se esquecer de que o trabalho sindical também o é. Ambos são meios e serão limitados quando chegar a hora da revolução social.

A posição sindicalista e a necessidade de uma postura ultraesquerdista para atrair ativistas levou a que a propaganda eleitoral da organização fosse uma antipropaganda na prática: aparecia como organização lunática perante as massas porque apresentava-se com linguagem militante, com propostas deslocadas da conjuntura, desleixo com a qualidade do material. Tornou-se um partido folclórico, apenas abaixo, nesse sentido, do PCO e do PRONA de Enéias. A função da participação nas eleições é ganhar espaço, simpatia, boa audiência – não foi, com raras exceções, o caso.

O PSTU melhora a estética de suas propagandas de modo incrível a partir de 2010. No entanto, a apresentação melhor de propostas mais radicais que a conjuntura não muda a essência do problema.

Em 1998, a organização é criticada pela LIT por ter enfrentado nas eleições a direita, que então estava no poder, mas não ter destacado críticas ao PT.  Em seguida, em 2002, caiu-se no erro oposto: focar a crítica ao petismo e ao lulismo. Naquele momento, de enorme esperança na frente popular, a melhor tática era pedir votos ao Lula ainda no primeiro turno por pelo menos dois motivos: 1) acessar os trabalhadores nas eleições; 2) acelerar a experiência dos assalariados com o partido reformista por meio de um governo. A política errada isolou o PSTU.

Com a formação do PSOL surgiu novo erro. Apresentou-se como princípio a tática eleitoral de frente de esquerda ou chapa pura; qualquer variante diferente punha os militantes em crise, pois eram educados – dentro da política de diferenciação a qualquer custo – a considerar revolucionário apenas um corpo tático limitado. Dessa forma, quando há uma frente no Pará coma presença do PCdoB, que pelo menos é um partido de esquerda, a militância entrou em crise. A solução foi a pior possível: após eleger o vereador Cleber Rabelo pela frente, o PSTU rompeu com ela de modo denuncista para recuperar a moral perante a vanguarda e sua própria base.


O GOVERNO DO PT – A GRANDE PROVA

O PSTU evitou o desvio oportunista típico das organizações de esquerda durante os governos de frente popular. Mas desaguou-se no erro oposto, quer seja, o sectarismo.

O reformismo e suas frentes populares são uma armadilha ilusória não somente porque passam a ideia falsa de um governo dos trabalhadores; também é um risco pois, na medida dos limites do capital, faz algumas reformas, ainda que limitadas.

O REUNI, por exemplo, ampliou as vagas e colocou no ensino superior filhos dos trabalhadores. O que seria correto fazer? Denunciar os limites do programa e exigir mais verbas; era preciso dizer “isso é bom, mas ainda é pouco”. Essa forma de fazer política, diante de uma reforma exigir sempre mais, é o que Marx nomeou revolução permanente.

O partido deixou de ver as reformas, em alguns casos chamando-as contrarreformas, e, logo, deixou de fazer exigência por aprofundamento das melhorias. Por exemplo: numa posição sindicalista, colocou-se contra o “Mais Médicos”, que melhorava a vida da classe trabalhadora e era contra a aristocracia dos médicos nacionais. O correto seria exigir mais verbas, mais SUS, melhores salários aos cubanos, etc.

Como é comum, em especial em épocas de crise, a frente popular foi a antessala de um golpe de Estado. É uma lei histórica que tal tipo anormal de governo produza o golpismo contra si e contra a classe trabalhadora. No entanto, o PSTU negou-se a colocar-se contra o golpe, vendo aí até um fenômeno progressivo. O partido, neste momento histórico, falhou à prova de fogo do frente populismo, cristalizou-se como seita.

UM PARTIDO DA REVOLUÇÃO?

O centrismo ultraesquerdista tem a aparência de um partido revolucionário. Sua natureza vem da presença da classe média – incluso dirigente sindicais – em seus postos de comando, baixo peso operário e largo peso estudantil.

A história, no entanto, usa dos meios dispostos diante de si para fazer valer sua vontade. As revoluções sociais do século XX, exceção da revolução russa, foram lideradas por organizações centristas, que se viram forçadas objetivamente ao caminho da economia planejada. Há a hipótese de ser este o caso do PSTU no futuro próximo, na falta de uma organização revolucionária independente.

É improvável que o partido corrija seu perfil geral. Sua coluna central de dirigentes parece ter cristalizado o caráter pequeno burguês de suas ações. Sendo uma previsão, pode estar errada: se uma reviravolta partidária ocorrer por pressão da luta de classes e da crise?…

Há pelo menos dois acertos gerais destacáveis: 1) a formação da CSP-Conlutas; 2) a prática internacionalista. Tais acertos demonstram que o centrismo difere-se do reformismo porque aquele tem em si certo hibridismo, entre a reforma e a revolução. E é incapaz de superar seus limites, que expressam a classe média, entre o operário e o burguês. Tais acertos também respondem ao passado da organização, que foi de fato um partido comunista até degenerar-se em centrismo ultraesquerdista perante a soma de governo de frente popular com algum crescimento econômico e o recuo da luta de classes nas décadas de 1990 e 2000. Mais ou menos 20 anos de recuos, derrotas, frente populares, quase marginalidade etc. cobram um pesado preço.

Diante da defensiva, o PSTU focou por mais de uma década no movimento estudantil e foi incapaz de proletarizar-se nos últimos anos, especialmente desde 2005. Na década de 1990 teria acertado se, fazendo um giro temporário, apostasse no movimento popular urbano por moradia, então nascente. Hoje seria, se estivesse tomado tal caminho, a direção majoritária dos sem-teto.

No balanço da LIT por seus 30 anos, há um texto sobre o PSTU no PT, em que afirma que o partido se tornou uma organização dos trabalhadores com o entrismo. Ora, ao ficar 10 anos dentro do PT os quadros juvenis envelheceram… No mais, a tática do entrismo em organizações reformistas é para ganhar jovens radicalizados e depois romper com algo em torno de 2 anos de trabalho, não 10 (sobre, ver Moreno em seu Teses para atualização do programa de transição). A permanência demasiada em um partido não revolucionário produz pressões e vícios no perfil da organização “infiltrada”. Já aí, na década de 1980, vemos pressão para tornar centrista a corrente.

O PSTU é ainda o mais operário dos partidos da esquerda radical. Mas tem peso maior no operariado aristocrático (petroleiros, etc.), nos funcionários públicos e entre estudantes de classe média. Em parte, é vítima do destino. A conjuntura reacionária após a queda de Collor de modo algum ajudou na cristalização do recém-fundado partido expulso do PT.


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