domingo, 16 de fevereiro de 2020

Como evitar o fascismo latente no Brasil – uma política marxista


Como evitar o fascismo latente no Brasil – uma política marxista

Qualquer importante fato político deve ser explicado pela sua base material. Até 2014, a esquerda radical crescia com o impulso das lutas sociais, as muitas greves em especial. Havia uma combinação de pleno empego, o que dava certa confiança aos trabalhadores, e crescimento fraco da economia. Naquela conjuntura – de transição para uma situação pré-revolucionária ou reacionária –, conseguia-se inúmeras vitórias parciais nas lutas também parciais. O ponto alto foi junho de 2013, que levou sua onda nada conservadora ao ano seguinte.

A conjuntura mudou para situação reacionária com a quebra do principal motor das lutas, a soma de alto nível de emprego com condições precarizadas de trabalho. O desemprego desmoralizou a classe trabalhadora e é, hoje, o principal problema imediato a merecer foco dos comunistas. Ou deveria.

Ao quebrar a possibilidade de luta por alguns anos, o desemprego produz nos trabalhadores esperanças numa saída eleitoral. No primeiro momento, o voto aparece como o caminho, como forma de luta de classes. A atomização dos indivíduos, o isolamento e a ressaca da depressão, faz com que procurem saídas em perfis “subversivos”. Bolsonaro encarnou tal ansiedade. Mas, na medida em que as tensões sociais não encontram solução, surge a tendência ao autoritarismo.

Sobre a ameaça fascista, o físico Einstein comenta:


Estou convencido de que só medidas eficazes contra o desemprego e a insegurança económica do indivíduo poderão realmente afastar o perigo fascista. Por certo é necessário contrariar a propaganda fascista levada a cabo do exterior. Mas é preciso abandonar a ideia errónea e perigosa de que alcançaremos o fim do perigo fascista através de medidas puramente políticas. […]
Mas, se um dentre eles consegue mesmo assim encontrar um emprego, após um período mais ou menos longo de desemprego, ele não é mesmo assim um homem livre, porque é inevitável que receie encontrar-se, em breve, de novo no desemprego. Esse estado de tensão bem real dos que têm um emprego, junto ao desemprego bem real daqueles que perderam o seu, torna as pessoas amargas. Na busca de uma saída, eles concedem sem discernimento a sua confiança ao primeiro que chegue a prometer-lhes uma melhoria da sua situação. É aí que reside o perigo político do desemprego. O perigo de ver o desemprego ameaçar a democracia é particularmente elevado quando são jovens aqueles que devem suportar essas amargas decepções; eles preferem não importa que combate à resignação e a sua falta de experiência torna-os cegos aos perigos e aos riscos que comporta uma acção irreflectida.[1]


Toda a questão resume-se a uma pergunta: qual a política econômica marxista diante do desespero social? Se queremos derrotar a ameaça fascista, devemos derrubar as bases sobre as quais se ergue. Por sorte, temos uma tradição programática que pode ser reabilitada pelos lutadores; chama-se programa de transição. Em seu trato sobre as situações de desemprego crônico, chegamos à seguinte política: repartir todo o trabalho disponível para toda mão de obra disponível. É a escala móvel de tempo de trabalho, isto é, em linguagem mais simples, redução da jornada de trabalho na proporção que produza desemprego zero, o pleno emprego.

Se temos tantos quadros militantes experimentados e estudiosos, por que até agora as correntes marxistas evitaram o tema e a palavra de ordem? A pergunta fica para a reflexão do leitor, pois basta-nos levantar a observação neste pequeno artigo. O nível de desemprego, subemprego e "trabalho autônomo" é maior do que o número de empregados formais! É um dado escandaloso e inescapável.

No governo Bolsonaro, a presença de militares nos principais cargos tem caráter de transição para um regime fascista. Mas o papel das forças armadas aí é, antes, fruto de uma realidade plena de tensões. O regime de Estado precisa fechar para melhor aprovar os planos neoliberais e evitar as resistências por meio de mobilizações de rua e de greves.

Uma ditadura militar no Brasil seria incapaz de governar. Por isso rapidamente o bonapartismo de um governo do tipo degeneraria em poder junto às milícias e aos líderes das religiões neopentecostais. Apenas assim se manteria estável por alguns anos. Aproximamo-nos, então, de regimes semelhantes ao do Oriente Médio, onde religião e máfias andam de mãos dadas e firmes.

As “reformas” feitas pelo governo federal quebram, assim, as bases da democracia burguesa. A democratização na década de 1980 teve como suporte certas conquistas que serviram de sustento à nova república. Quando a reforma da previdência foi aprovada, por exemplo, um dos pilares do atual regime caiu por terra. Uma democracia, mesmo sendo a democracia dos ricos, nunca resiste muito tempo se é, perante os olhos dos trabalhadores, um meio de reduzir a qualidade de vida da maioria dos eleitores. As contrarreformas trabalhista, administrativa, previdenciária não dão votos e afastam a possibilidade de poder de quem as defende; mas é imperial à burguesia tais projeto de precarização.

Temos três problemas mais imediatos nesta conjuntura: 1) desemprego crônico; 2) alto nível endividamento dos trabalhadores e da classe média; 3) esquerda na defensiva. Logo devemos elaborar políticas econômicas para os problemas mais sentidos; são elas:

1.      Programa desemprego zero! Redução da jornada de trabalho na proporção que empregue a todos!
2.      Cancelamento geral e irrestrito das dívidas do trabalhadores e dos pequeno empresários!
3.      Frente única de esquerda!

Tais propostas devem ser agitadas nas principais empresas e bairros do país de maneira constante. Com certeza, haverá certa resistência inicial, mas, se a situação continuar crítica – como parece ser o caso e nossa caracterização –, será abraçada pela maioria da classe trabalhadora.

É preciso afirmar também que as milícias atuais são organizações fascistas no sentido preciso do conceito. Com a derrota histórica de Hitler, o nazifascismo precisou reorganizar-se em seu ressurgir; os milicianos nacionais possuem empresas, controlam bairros, elegem seus políticos, fazem acordos com maus pastores. Não chamar a coisa por seu nome é uma péssima forma de ilusão.

Caso a esquerda radical falhe na política, ou seja, se deixa de apresentar solução para os problemas materiais dos trabalhadores; quando a tensão atingir níveis máximos, muito provavelmente necessitaremos de uma frente única, que incluirá o PT, para formar grupos de combate antifascistas. Se chegarmos a tal ponto, significará que o risco de derrota estratégica será imediato.

A conjuntura atual é o fechar de um ciclo histórico. A queda da ditadura abriu uma etapa revolucionária no país que já dura mais de 30 anos. Nessa etapa, tivemos situações pré-revolucionárias (principalmente no abrir do regime até o Fora Collor), situações reacionárias (hoje e no governo do FHC na década de 1900), situações não revolucionárias (maior parte do governo Lula). Agora estamos caminhando para uma transição decisiva: situação contrarrevolucionária ou revolucionária. Das decisões da esquerda marxista dependerá parte dos nossos destinos. A próxima etapa poderá significar transição ao socialismo ou, ao contrário, um regime fascista. No último caso, passaremos por pelo menos uma década de recuo na luta de classes.

Se a atual democracia burguesa cair, cairão também as mediações sociais que controlam os conflitos sociais. Isso leva-nos à conclusão de que a degeneração do aparelho de Estado no fascismo obrigará a revolução social como única mediação histórica possível… ou a barbárie será instalada progressivamente.

Não podemos arriscar ou aceitar sucumbir junto com o capitalismo. A militância tem de ter clareza de que, na essência, a decadência brasileira pede uma mudança socialista do país. Por mais que pareça, à primeira vista, pouco óbvia tal conclusão, ela é a única que oferece uma resposta positiva ao atual período do capital, que será marcado por crises longas e profundas, por desastres sociais e econômicos. O Brasil é tão maduro quanto pode ser para o comunismo.




[1] https://www.marxists.org/portugues/einstein/1939/04/30.htm

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