Como evitar o fascismo latente no Brasil – uma política marxista
Qualquer
importante fato político deve ser explicado pela sua base material. Até 2014, a
esquerda radical crescia com o impulso das lutas sociais, as muitas greves em
especial. Havia uma combinação de pleno empego, o que dava certa confiança aos
trabalhadores, e crescimento fraco da economia. Naquela conjuntura – de
transição para uma situação pré-revolucionária ou reacionária –, conseguia-se
inúmeras vitórias parciais nas lutas também parciais. O ponto alto foi junho de
2013, que levou sua onda nada conservadora ao ano seguinte.
A
conjuntura mudou para situação reacionária com a quebra do principal motor das
lutas, a soma de alto nível de emprego com condições precarizadas de trabalho. O
desemprego desmoralizou a classe trabalhadora e é, hoje, o principal problema
imediato a merecer foco dos comunistas. Ou deveria.
Ao
quebrar a possibilidade de luta por alguns anos, o desemprego produz nos trabalhadores
esperanças numa saída eleitoral. No primeiro momento, o voto aparece como o
caminho, como forma de luta de classes. A atomização dos indivíduos, o
isolamento e a ressaca da depressão, faz com que procurem saídas em perfis “subversivos”.
Bolsonaro encarnou tal ansiedade. Mas, na medida em que as tensões sociais não
encontram solução, surge a tendência ao autoritarismo.
Sobre a
ameaça fascista, o físico Einstein comenta:
Estou convencido de que só
medidas eficazes contra o desemprego e a insegurança económica do indivíduo
poderão realmente afastar o perigo fascista. Por certo é necessário contrariar
a propaganda fascista levada a cabo do exterior. Mas é preciso abandonar a
ideia errónea e perigosa de que alcançaremos o fim do perigo fascista através
de medidas puramente políticas. […]
Mas, se um dentre eles consegue
mesmo assim encontrar um emprego, após um período mais ou menos longo de
desemprego, ele não é mesmo assim um homem livre, porque é inevitável que
receie encontrar-se, em breve, de novo no desemprego. Esse estado de tensão bem
real dos que têm um emprego, junto ao desemprego bem real daqueles que perderam
o seu, torna as pessoas amargas. Na busca de uma saída, eles concedem sem
discernimento a sua confiança ao primeiro que chegue a prometer-lhes uma
melhoria da sua situação. É aí que reside o perigo político do desemprego. O perigo
de ver o desemprego ameaçar a democracia é particularmente elevado quando são
jovens aqueles que devem suportar essas amargas decepções; eles preferem não
importa que combate à resignação e a sua falta de experiência torna-os cegos
aos perigos e aos riscos que comporta uma acção irreflectida.[1]
Toda a
questão resume-se a uma pergunta: qual a política econômica marxista diante do
desespero social? Se queremos derrotar a ameaça fascista, devemos derrubar as
bases sobre as quais se ergue. Por sorte, temos uma tradição programática que
pode ser reabilitada pelos lutadores; chama-se programa de transição. Em seu
trato sobre as situações de desemprego crônico, chegamos à seguinte política:
repartir todo o trabalho disponível para toda mão de obra disponível. É a
escala móvel de tempo de trabalho, isto é, em linguagem mais simples, redução
da jornada de trabalho na proporção que produza desemprego zero, o pleno
emprego.
Se temos
tantos quadros militantes experimentados e estudiosos, por que até agora as
correntes marxistas evitaram o tema e a palavra de ordem? A pergunta fica para
a reflexão do leitor, pois basta-nos levantar a observação neste pequeno
artigo. O nível de desemprego, subemprego e "trabalho autônomo" é maior do que o
número de empregados formais! É um dado escandaloso e inescapável.
No
governo Bolsonaro, a presença de militares nos principais cargos tem caráter de
transição para um regime fascista. Mas o papel das forças armadas aí é, antes,
fruto de uma realidade plena de tensões. O regime de Estado precisa fechar para
melhor aprovar os planos neoliberais e evitar as resistências por meio de
mobilizações de rua e de greves.
Uma
ditadura militar no Brasil seria incapaz de governar. Por isso rapidamente o
bonapartismo de um governo do tipo degeneraria em poder junto às milícias e aos
líderes das religiões neopentecostais. Apenas assim se manteria estável por
alguns anos. Aproximamo-nos, então, de regimes semelhantes ao do Oriente Médio, onde
religião e máfias andam de mãos dadas e firmes.
As “reformas”
feitas pelo governo federal quebram, assim, as bases da democracia burguesa. A
democratização na década de 1980 teve como suporte certas conquistas que
serviram de sustento à nova república. Quando a reforma da previdência foi
aprovada, por exemplo, um dos pilares do atual regime caiu por terra. Uma
democracia, mesmo sendo a democracia dos ricos, nunca resiste muito tempo se é,
perante os olhos dos trabalhadores, um meio de reduzir a qualidade de vida da
maioria dos eleitores. As contrarreformas trabalhista, administrativa, previdenciária
não dão votos e afastam a possibilidade de poder de quem as defende; mas é
imperial à burguesia tais projeto de precarização.
Temos
três problemas mais imediatos nesta conjuntura: 1) desemprego crônico; 2) alto nível
endividamento dos trabalhadores e da classe média; 3) esquerda na defensiva. Logo
devemos elaborar políticas econômicas para os problemas mais sentidos; são
elas:
1. Programa desemprego zero! Redução
da jornada de trabalho na proporção que empregue a todos!
2. Cancelamento geral e irrestrito
das dívidas do trabalhadores e dos pequeno empresários!
3. Frente única de esquerda!
Tais
propostas devem ser agitadas nas principais empresas e bairros do país de
maneira constante. Com certeza, haverá certa resistência inicial, mas, se a
situação continuar crítica – como parece ser o caso e nossa caracterização –, será
abraçada pela maioria da classe trabalhadora.
É preciso
afirmar também que as milícias atuais são organizações fascistas no sentido
preciso do conceito. Com a derrota histórica de Hitler, o nazifascismo precisou
reorganizar-se em seu ressurgir; os milicianos nacionais possuem empresas,
controlam bairros, elegem seus políticos, fazem acordos com maus pastores. Não chamar a coisa por seu nome é uma péssima forma de ilusão.
Caso a
esquerda radical falhe na política, ou seja, se deixa de apresentar solução
para os problemas materiais dos trabalhadores; quando a tensão atingir níveis
máximos, muito provavelmente necessitaremos de uma frente única, que incluirá o
PT, para formar grupos de combate antifascistas. Se chegarmos a tal ponto,
significará que o risco de derrota estratégica será imediato.
A
conjuntura atual é o fechar de um ciclo histórico. A queda da ditadura abriu
uma etapa revolucionária no país que já dura mais de 30 anos. Nessa etapa,
tivemos situações pré-revolucionárias (principalmente no abrir do regime até o
Fora Collor), situações reacionárias (hoje e no governo do FHC na década de 1900),
situações não revolucionárias (maior parte do governo Lula). Agora estamos caminhando
para uma transição decisiva: situação contrarrevolucionária ou revolucionária.
Das decisões da esquerda marxista dependerá parte dos nossos destinos. A
próxima etapa poderá significar transição ao socialismo ou, ao contrário, um
regime fascista. No último caso, passaremos por pelo menos uma década de recuo
na luta de classes.
Se a
atual democracia burguesa cair, cairão também as mediações sociais que
controlam os conflitos sociais. Isso leva-nos à conclusão de que a
degeneração do aparelho de Estado no fascismo obrigará a revolução social como
única mediação histórica possível… ou a barbárie será instalada progressivamente.
Não
podemos arriscar ou aceitar sucumbir junto com o capitalismo. A militância tem de
ter clareza de que, na essência, a decadência brasileira pede uma mudança
socialista do país. Por mais que pareça, à primeira vista, pouco óbvia tal
conclusão, ela é a única que oferece uma resposta positiva ao atual período do
capital, que será marcado por crises longas e profundas, por desastres sociais
e econômicos. O Brasil é tão maduro quanto pode ser para o comunismo.
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