quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

ABC: como os marxistas elaboram política durante crises


ABC: como os marxistas elaboram política durante crises


Em certo texto polemista de Trotsky, lemos:

“Em contrapartida, e em determinadas condições, é totalmente progressivo e justo exigir o controle operário sobre os trustes, mesmo que seja duvidoso que se possa chegar a isso no marco do Estado burguês. O fato de que tal reivindicação não seja satisfeita enquanto a burguesia domina deve impulsionar os operários à derrubada revolucionária da burguesia. Dessa forma, a impossibilidade de levar a cabo uma palavra de ordem pode ser mais frutífera que a possibilidade relativa de realizá-la.”[1]

A citação acima está em torno do método do programa de transição, que será nossa base reflexiva. Comecemos, no entanto, por exemplos mais cotidianos e diretos para então debatermos situações de alta contradição. Nosso objetivo é convencer o leitor de determinada forma de fazer política.

Durante certa estabilidade social – como a maior parte do governo lula, p. ex. – a situação geral exige palavras de ordem correspondentes, do tipo: Todos às greves por aumento de salário! Unidade das lutas grevistas! Percebe-se que as propostas são, digamos, leves já que a situação impede propostas mais radicais como “Fora todos!”, “Greve Geral”, “Estatização dos bancos!”, etc. Apenas seitas, que falam apenas para seus pares, focam em tais propostas deslocadas da conjuntura.

E se, caso mais intenso e oposto, ocorre hiperlinflação do tipo da Venezuela hoje ou do Brasil na década de 1980? Toda luta por aumento de salário é corroído pelos preços no mês seguinte e toda greve torna-se limitada enquanto multiplicam-se as lutas parciais por salário. Neste caso, exigimos “Gatilho salarial – aumento mensal automático dos salários com o aumento da inflação!” e tentamos unificar as muitas paralizações em uma “Greve geral!”. Percebemos que o exemplo do parágrafo anterior é mais óbvio e o deste, por outro lado, exige mais atenção, estudo ou profundidade. São situações muito diferentes. Dito de outro modo: basta uma percepção sindicalista da realidade no primeiro quando é necessário algo socialista no segundo.

Pousemos em nossa conjuntura. A crise brasileira desde 2015 – mesmo com o crescimento raquítico do último ano – exige propostas mais profundas. Em situação de desemprego, os comunistas podem elaborar “que o Estado faça um plano de obras públicas para gerar empregos!”. Ocorre que a situação do país é de desemprego crônico e, pior, sem perspectiva de mudança nos próximos anos. É uma tragédia social. Então qual solução apontamos? A forma socialista é exigir a redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego zero, isto é, todo trabalho disponível repartido para todos os trabalhadores disponíveis.

Três propostas parecem-nos necessárias no atual cenário:

1)      Desemprego Zero! Redução da jornada, com mesmo salários, de modo a empregar a todos!
2)      Cancelamento total e irrestrito das dívidas dos trabalhadores e pequenos empresários!
3)      Frente única de esquerda!

É mais fácil o capitalismo cair do que as duas primeiras propostas serem implementadas? Sim. A escolha de palavras de ordem corretas segundo a conjuntura dá as bases para que correntes quase marginais ganhem peso social. Eis o caráter do programa de transição: apresentar como se reformas fossem propostas capazes de colocar em cheque o poder do Estado burguês caso se tornem aceitas pela maioria da classe trabalhadora.

É comum o erro de elaborar palavras de ordem para atrair a militância, sentir-se revolucionário e melhor localizar-se. É um método errado, pois a vanguarda desmoraliza-se quando chegam as derrotas ou é incapaz de ligar-se às massas. Os militantes – que tendem naturalmente ao radicalismo – podem ter carinho por certas propostas que em geral não são elaboradas de modo científico, por meio do método marxista. É o exemplo de “Fora Bolsonaro!” que, tendo apelo entre ativistas, desconsidera o peso de massas do governo, incluso entre os trabalhadores. Quando chegar a hora de derrubá-lo – e impedir uma de suas reformas por meio da luta abrirá o caminho – talvez tenhamos de chamar “Eleições gerais!” porque o “Fora!”, após dois anos de governo, tenderá a pôr o vice na direção do Estado…

Nesta introdução, faz-se necessário indicar algumas obras sobre elaboração política. Indico três livros que foram importantes em minha formação e foram pensados para o desenvolvimento de dirigentes comunistas; são eles: “O Partido e a Revolução” de Moreno; “O Programa de Transição” de Trotsky; “Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo” de Lenin. São textos obrigatórios àqueles que possuem cargos políticos nos partidos ou pretendem desenvolverem-se como quadros.

Por último, uma conclusão. A luta pelo pleno emprego tem caráter antifascista ao dar esperanças aos trabalhadores e ligar as correntes de esquerda radical às massas. Mas a derrota completa, uma ditadura fascista, poderá prosperar se nada fizermos nesse sentido. E não haverá chamado por “milícias operárias” ou “greve geral contra o golpe” ouvido e praticado diante de nosso futuro isolamento, em parte autoimposto. O congresso nacional poderá ser fechado por uma revolução socialista, que funda a democracia operária, ou por meio de um golpe fascista. A variante ainda falta ser decidida. E estamos atrasados.







[1] Trotsky, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas. Editora Sundermann. São Paulo, 2010, p. 306.

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