ABC: como os marxistas elaboram política durante crises
Em certo
texto polemista de Trotsky, lemos:
“Em contrapartida, e em
determinadas condições, é totalmente progressivo e justo exigir o controle
operário sobre os trustes, mesmo que seja duvidoso que se possa chegar a isso
no marco do Estado burguês. O fato de que tal reivindicação não seja satisfeita
enquanto a burguesia domina deve impulsionar os operários à derrubada
revolucionária da burguesia. Dessa forma, a impossibilidade de levar a cabo uma
palavra de ordem pode ser mais frutífera que a possibilidade relativa de
realizá-la.”[1]
A citação
acima está em torno do método do programa de transição, que será nossa base
reflexiva. Comecemos, no entanto, por exemplos mais cotidianos e diretos para
então debatermos situações de alta contradição. Nosso objetivo é convencer o
leitor de determinada forma de fazer política.
Durante
certa estabilidade social – como a maior parte do governo lula, p. ex. – a
situação geral exige palavras de ordem correspondentes, do tipo: Todos às
greves por aumento de salário! Unidade das lutas grevistas! Percebe-se que as
propostas são, digamos, leves já que a situação impede propostas mais radicais
como “Fora todos!”, “Greve Geral”, “Estatização dos bancos!”, etc. Apenas
seitas, que falam apenas para seus pares, focam em tais propostas deslocadas da
conjuntura.
E se,
caso mais intenso e oposto, ocorre hiperlinflação do tipo da Venezuela hoje ou
do Brasil na década de 1980? Toda luta por aumento de salário é corroído pelos
preços no mês seguinte e toda greve torna-se limitada enquanto multiplicam-se as lutas parciais por salário. Neste caso, exigimos “Gatilho salarial – aumento
mensal automático dos salários com o aumento da inflação!” e tentamos unificar
as muitas paralizações em uma “Greve geral!”. Percebemos que o exemplo do parágrafo
anterior é mais óbvio e o deste, por outro lado, exige mais atenção, estudo ou
profundidade. São situações muito diferentes. Dito de outro modo: basta uma percepção sindicalista da realidade no primeiro quando é necessário
algo socialista no segundo.
Pousemos
em nossa conjuntura. A crise brasileira desde 2015 – mesmo com o crescimento
raquítico do último ano – exige propostas mais profundas. Em situação de
desemprego, os comunistas podem elaborar “que o Estado faça um plano de obras
públicas para gerar empregos!”. Ocorre que a situação do país é de desemprego
crônico e, pior, sem perspectiva de mudança nos próximos anos. É uma tragédia
social. Então qual solução apontamos? A forma socialista é exigir a redução da
jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego
zero, isto é, todo trabalho disponível repartido para todos os trabalhadores
disponíveis.
Três
propostas parecem-nos necessárias no atual cenário:
1) Desemprego Zero! Redução da
jornada, com mesmo salários, de modo a empregar a todos!
2) Cancelamento total e irrestrito
das dívidas dos trabalhadores e pequenos empresários!
3) Frente única de esquerda!
É mais
fácil o capitalismo cair do que as duas primeiras propostas serem implementadas?
Sim. A escolha de palavras de ordem corretas segundo a conjuntura dá as bases
para que correntes quase marginais ganhem peso social. Eis o caráter do
programa de transição: apresentar como se reformas fossem propostas capazes de
colocar em cheque o poder do Estado burguês caso se tornem aceitas pela maioria
da classe trabalhadora.
É comum o
erro de elaborar palavras de ordem para atrair a militância, sentir-se revolucionário
e melhor localizar-se. É um método errado, pois a vanguarda desmoraliza-se
quando chegam as derrotas ou é incapaz de ligar-se às massas. Os militantes –
que tendem naturalmente ao radicalismo – podem ter carinho por certas propostas
que em geral não são elaboradas de modo científico, por meio do método marxista.
É o exemplo de “Fora Bolsonaro!” que, tendo apelo entre ativistas, desconsidera
o peso de massas do governo, incluso entre os trabalhadores. Quando chegar a
hora de derrubá-lo – e impedir uma de suas reformas por meio da luta abrirá o
caminho – talvez tenhamos de chamar “Eleições gerais!” porque o “Fora!”, após
dois anos de governo, tenderá a pôr o vice na direção do Estado…
Nesta
introdução, faz-se necessário indicar algumas obras sobre elaboração política.
Indico três livros que foram importantes em minha formação e foram pensados
para o desenvolvimento de dirigentes comunistas; são eles: “O Partido e a
Revolução” de Moreno; “O Programa de Transição” de Trotsky; “Esquerdismo:
Doença Infantil do Comunismo” de Lenin. São textos obrigatórios àqueles que
possuem cargos políticos nos partidos ou pretendem desenvolverem-se como
quadros.
Por
último, uma conclusão. A luta pelo pleno emprego tem caráter antifascista ao
dar esperanças aos trabalhadores e ligar as correntes de esquerda radical às
massas. Mas a derrota completa, uma ditadura fascista, poderá prosperar se nada
fizermos nesse sentido. E não haverá chamado por “milícias operárias” ou “greve
geral contra o golpe” ouvido e praticado diante de nosso futuro isolamento, em
parte autoimposto. O congresso nacional poderá ser fechado por uma revolução
socialista, que funda a democracia operária, ou por meio de um golpe fascista. A
variante ainda falta ser decidida. E estamos atrasados.
[1]
Trotsky, Leon. Stalin, o grande organizador de derrotas. Editora Sundermann.
São Paulo, 2010, p. 306.
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