quarta-feira, 26 de julho de 2023

Balanço marxista de Junho de 2013 - e dos seus 10 anos após

 

BALANÇO DESDE JUNHO DE 2013

10 ANOS DE LUTA

 

 J. P. 

APRESENTAÇÃO

Após 10 anos da rebelião de junho de 2013, fato que ainda não acabou, pois é processo ainda vivo, muitos balanços surgiram sobre a data e o que houve depois. Porém, todos são balanços parciais, angulares e, em principal, externos; por isso na senti necessidade de escrever uma obra tão clara e completa possível sobre os últimos dez anos, desde aquele dia. O formato é de ensaio, mas o centro é científico e político. Todos os dados e fatos são conhecidos e reconhecidos, mas não ou mal interpretados.

Quase todas as pessoas, hoje, diz-se de esquerda ou de direta, familiares dividem-se e brigam, humor contra a exploração laboral tornou-se popular na internet. Tudo isso começou em 2013. Em especial, entre os jovens. Muitos deles dizem algo do tipo: “se você me conheceu antes de 2013, peço desculpas.” Ou seja, eles mudaram desde aquela data.

Já aviso que minha visão é comunista e otimista em relação aos fatos: uma onda de greve surgiu após as manifestações, ou seja, as classes trabalhadoras esquerdizaram-se. Mas ninguém sabe muito bem a causa disso, o que pretendo explicar.

Como observamos, ninguém saiu imune. Partidos entraram em crise, o Estado balançou, a direita e a alta classe média reagiram, a burguesia planejou reação etc. As mudanças na base da sociedade, na economia e nas classes, operam mudanças no resto do tecido social, nas assim chamadas superestruturas – mentalidades, moral, instituições etc.

A figura do militante, mesmo se tratada de modo debochado, parece ter chegado para ficar. Cada local de trabalho, cada sala de aula tem aquele membro mais ativo, mais politizado. As conversas de bar rechearam-se com tempos específicos para conversar sobre política, às vezes com o sangue fervendo diante de polêmicas entre os membros à mesa.

Está claro que mudou. Também está cristalino que algo estar por se resolver, parece que estamos em suspensão e uma névoa paira no ar. É a sensação de que algo deve ser resolvido de vez, de fato. Parece que o país não se encaixa nele mesmo. Isso tem implicações socialistas, como debateremos. Ou a ditadura do capital ou o socialismo, a democracia direta e de base socialista, a ditadura do proletariado, vencerão. O tempo do meio-termo está definhando.

 

SITUAÇÃO MUNDIAL

Uma crise econômica inicia-se antes da crise propriamente dita, antes de sua fase destrutiva. Isso ficará mais fácil em outro capítulo; por agora, isso deve ficar claro: ondas de luta, via de regra, surgem antes de uma quebra da economia. A crise brasileira começou em 2008, nos EUA e na Europa. Aquela crise quase levou ao colapso do sistema, mesmo. As bolsas de valores foçaram feriados para impedir a quebradeira. Depois, surgiram ineditismos: empresas imperialistas foram parcialmente estatizadas, uma onda de dinheiro foi lançada sobre a economia mundial. Isso salvou o capitalismo e o movimento socialista, pois este último estava de todo despreparado para o que poderia vir e quase veio.

A onda de falências e demissões nos centros mundiais, reduziu o consumo das famílias e das empresas. Logo, a demanda por produtos chineses cairia. Logo, a demanda chinesa por matéria-prima vinda do Brasil cairia. Crise geral. Porém, a China reagiu forçando o pleno emprego com onda de investimentos públicos. Assim, demandou ainda mais produtos brasileiros como ferro e outros produtos primários. Lula e o PT respiraram aliviados. A ação do poderoso Estado chinês permitiu exportar muito, o que baixou o dólar (entrou dólar, mais oferta da moeda derruba seu preço em relação ao real), que caiu para abaixo de 2 reais! A alegria reformista imperou, o consumismo tomou conta dos espíritos.

Lula disse que a crise no Brasil seria “marolinha”, não tsunami. A esquerda radical criticou tal posição, mas ele acertou – e errou, pois tal crise foi apenas adiada para 2015. Vendo o problema econômico mundial, e ao acreditar ser algo conjuntural, não estrutural, o governo do PT, guiado pelo de fato reformista honesto Mantega, tomou uma série de medidas para aquecer a economia: Minha casa Minha vida, aumento real do salário mínimo (acima da inflação), imposto sindical (falaremos dele novamente), grandes obras públicas cujo setor gera mais emprego, redução dos juros da dívida etc.

Merece destaque a redução dos juros. De um lado, os especuladores trouxeram dólar para o Brasil, a fim de comprar títulos da dívida estatal, porque o mundo desenvolvido estava em crise – isso valorizou nossa moeda relativo ao dólar. Por isso, e apenas por isso, o governo viu oportunidade de manter os juros baixos, de reduzi-los após anos mantendo-os altos. Uniu a fome com a vontade de comer. Ao “apenas por isso” devemos acrescentar, claro: o câmbio tendeu a cair, repetimos, porque aumentou muito a demanda chinesa por nosso produtos brutos, o que facilitou e permitiu reduzir juros.

Do ponto de vista da luta de classes, a Europa fez jus a sua tradição com duras lutas e protestos de rua. Os EUA estavam aprendendo a organizar suas guerras de classe. E no mundo árabe revoluções aconteciam. Todos são respostas, iniciais e desproporcionais, à crise. A situação começou a ficar favorável para partidos revolucionários.

 

ANTECEDENTES

Junho de 2013 nada tem de raio em céu azul. Se quisermos dar um começo, diremos que foi 2011 no Piauí, região do autor. Aqui, uma repressão policial contra um ato de vanguarda gerou revolta de rua. A luta contra o aumento do preço da passagem de ônibus colocou 30 mil nas ruas em seu auge, o que é muito para a cidade de Teresina, a capital. Vitória tamanha que os governos municipais seguintes evitavam aumentar o preço da passagem para estudantes (e a prefeitura deu 32% de aumento salarial, muito acima da inflação, após forte greve). Em todo o país, greves vitoriosas e radicalizadas aconteciam, em especial na construção civil; motins de policiais multiplicavam-se. Havia um aumento das lutas, com um detalhe: pequenas vitórias aconteciam, o que temperava os ânimos. Com o crescimento econômico, mesmo se fraco, migalhas poderiam ser cedidos pelos governos e pelos patrões.

Um dos pontos auges foi a destruição, em 2012, do já consolidado bairro Pinheirinho, liderado pelo PSTU. Quando o governo estadual decidiu destruir tal avançadíssima experiência, Canudos moderno, que inclua democracia direta, surgiu algo inusitado: uma situação revolucionária em apenas um bairro! Grupos de combate e autodefesa surgiram na ocupação, prontos para enfrentar a tropa de choque. A intenção de fundo era política: quebrar a base social de tal partido, pois uma comuna numa das regiões mais industrializadas da América Latina era inaceitável.

 

OS ATOS

Qual a causa dos protestos de Junho de 2013? O pleno emprego. Quando o desemprego fica baixo por anos, os trabalhadores mais grevam, mais ousados ficam, mais lutas há. Isso, que evoluiu passo a passo, precisou de um salto – os grandes protestos no meio daquele ano. Os jovens, mais afeitos ao risco, até tinham emprego; mas usavam mais o transporte público ruim para ir até à faculdade e ao trabalho.  Até tinham trabalho, mas ganhavam mal. O estresse aumentava dia a dia, acumulava-se.

A luta por educação, saúde, transporte e segurança estava em alta. Por serviços públicos gratuitos e de qualidade. Problema: durantes os protesto, ninguém da esquerda transformou tais pautas gerais em pautas diretas, como por 10% do PIB para a educação. O PSTU, aliás, com sua mania impressionista, chamou a ditadura do proletariado (!) na forma de “Nem direita nem PT: trabalhadores no poder!” Exigência sem chão na realidade e totalmente marginal. Pois não era uma situação revolucionária: a economia crescia e vinha de um crescimento, ainda que fraco, e o emprego era pleno.

O desemprego baixo, mais precarização da vida, era a causa oculta da grande luta. Nenhum teórico percebeu isso. Mesmo naquela data, aos comunistas de classe média soava incompreensível tal jornada de massas. Qual a causa daquilo tudo? Sobre devo dizer algo inesperado: havia, sim, aspectos de cartase coletiva como certo “delírio” coletivo – por exemplo, ia-se ao protesto porque outros iam, como a retroalimentação positiva. A causa consciente expressava um inconsciente social, pois as condições eram melhores para lutar.

Por décadas de ultraesquerdismo, a esquerda radical foi confundida com os demais partidos da ordem. Assim, apanharam nas ruas. Eu mesmo tive que lutar em protesto em minha cidade. Os dirigentes, que engordaram com o tempo e com as circunstâncias, na verdade nada entendiam da nova realidade, do país.

Anos depois, o PT e o PCdoB caluniaram a luta e o povo dizendo que se tratou de “guerra híbrida” ou ação do imperialismo contra a esquerda. O cálculo oportunista do petismo é claro: lutou durante ou contra o governo, logo é algo, no mínimo, ruim. O PCdoB, em alguns Estados, proibiu a militância de ir aos protestos, o que lhe gerou crise; eles dirigem até hoje a UNE, que ficou, de propósito, paralisada.

Desde esses dias, o país se dividiu – finalmente e ainda bem. Estamos próximos, muito mais, daquele momento em que ou o país se resolve ou nada muda. A classe média passou a protestar e ser ativa, em geral, pela direita. As empregadas domésticas estavam muito rebeldes, os pobres invadiam os aeroportos.

O petismo diz que Junho de 2013 foi raiz de todos os males. É um erro: ele foi sinal e consequência de algo que ocorria e ocorre no subterrâneo, ou seja, a crise do capitalismo. A causa da queda do governo Dilma foi suas medidas de governo logo após a reeleição: estouro do câmbio, estouro da taxa de juros, aumento dos preços controlados pelo governo, corte de investimentos e serviços etc.

 

IMPOSTO SINDICAL

Mantega fez sua parte com sua tradição ao impor aos trabalhadores um imposto, um desconto nos salários de maio para financiar seus sindicatos. A burocracia sindical adorou, a extrema-esquerda colocou-se contra. Mas o melhor estava por vir. Ao irritar os trabalhadores com tal desconto salarial, estes passaram a exigir mais da instituição, a cobrar e prestar atenção nas eleições sindicais. Criou-se um laço forçado entre a base e os dirigentes sindicais. As greves anuais de rotina, campanhas salariais em central, tornaram-se mais obrigatórias para os oportunistas dos sindicatos. Junto com a onda de greves, uma onda de novos sindicatos surgiu. A burguesia viu o erro, então passou a preparar o fim do imposto anos depois, como fez, para quebrar tal dinâmica.

 

A IMPORTÂNCIA DO ÓDIO POLÍTICO

A união de esquerda pequeno burguesa com ofensiva de direita levou ao amor ao amor… Mas o ódio tem razão de existir: devemos odiar os ricos, os manipuladores, os corruptos. Luta de classes é razão e emoção. O ódio de classe importa. A classe média quer a conciliação quando não é a hora, ou possível, ou mesmo bom.

Pensa-se o ódio como algo apenas subjetivo e, assim, artificial. Ele é necessário. Porque há luta de classes, há luta subjetiva. A causa é crise econômica, que gera crise social, que gera crise política, que gera luta de classes. Que bom que estamos divididos de modo claro, não mais de modo oculto. Então, o ódio classista não veio do nada – ele só se revolve resolvendo a crise econômica, ou seja, o socialismo. É a crise econômica que está dividindo a sociedade: ou vencemos ou vencem eles, os grandes patrões.

 

ALGUNS DADOS

Observemos os dados a partir de 2013. A quantidade de greves explodiu:



 

Fonte: (Dieese, 2020)

 

O número de horas paradas também – desde 2009:

 


 

 

Fonte: (Dieese, 2020)

 

Aqui, temos de retomar a dialética. A realidade total nunca é como certa máquina ou relógio ou computador com sua causalidade mecânica; o real é um sistema orgânico, um organismo, por isso a causa, o (quase) pleno emprego em nosso caso, apenas de modo atrasado tem efeito nas mobilizações dos trabalhadores; pela mesma lógica da materialidade, o processo de fim do emprego pleno atrasadamente passa a reduzir a onda de paralizações. Como razão, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:

 


 

Fonte: (IBGE, 2020)

 


 

 

Fonte: (idem, 2021)

 

Veja-se que o governo petista adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com ações anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração, que começa a ser revertido apenas com a entrada de vez do desemprego, com o processo de fim do pleno emprego:



Fonte: (IBGE, 2020)

 

 

Todos esses dados são impressionantes. Apesar dessa empiria, os intelectuais marxistas falaram em “onda conservadora”. Depois, fingiram que não criaram e defenderam tal absurdo, saiu de moda. Muitos desses revolucionários da USP hoje apoiam o governo Lula.

 

SITUAÇÃO PRÉ-REVOLUCIONÁRIA?

Em seu congresso de 2014, o PSTU defendeu que situação era pré-revolucionária, dado junho de 2013 e as novas greves. Fiz um documento para o congresso contrariando a caracterização, afirmando ser impressionista. Isso me rendeu certos desconfortos e perseguições partidárias. Ora, crescimento econômico pode ser igual às lutas ativas. De novo, baixo desemprego estimula muito lutas sociais. Basta ver o caso, hoje, 2022 e 2023, dos EUA, onda de greves, desemprego voluntário por melhor salário e… sinais de próxima crise. As grandes lutas são, então, nesses casos, sinais de crise, transições dentro de um situação não-revolucionária. Por acertos e erros políticos, poderia surgir, grosso modo, dois caminhos: ou um situação reacionária ou uma situação, agora sim, pré-revolucionária – após a transição. Isso exige o conceito “momento”, pois dentro de uma situação, por exemplo, não revolucionária pode haver momento de recuo, avanço de uma contrarreforma etc., ou avanço, grandes greves por baixo desemprego etc. No nosso caso, surgiu uma situação reacionária, e momento defensivo, entre 2016 e 2017. Veja-se que a causa da situação reacionária não é, não é em si ou não apenas o golpe de Estado contra o governo – pois a totalidade deve ser para caracterizar, fomos para defensiva, para derrotas etc.

 

A TENDÊNCIA A FECHAR O REGIME

O regime tende a fechar – mas por qual motivo? Porque a burguesia necessita derrotar o movimento operário e popular, impor uma derrota histórica; acabar com os serviços públicos, as greves, as ocupações e os diretos trabalhistas. A crise do capital obriga a isso se se quer manter altas taxas de lucro, se quer sobreviver à industrialização da China e, depois, da Índia. Sua tática burguesa está errada, mas é o que ela sabe fazer.

O regime começou a fechar com medida do governo Dilma: a lei antiterrotista. Uma legalidade genérica que pode e será usada contra os movimentos sociais. Depois, veio o golpe de Estado formalmente contra o governo do PT. Depois, as eleições mudaram: menor tempo de campanha, restrições contra partidos menores, incluso os de extrema-esquerda. Depois, Temer colocou militares no governo. Depois, Bolsonaro ampliou muito a presença de militares no executivo. São fatos separado que mostram, juntos, a tendência ao regime fechar. Parece casual e contingente que Bolsonaro tenha sido eleito com militares – mas o acaso e o não necessário expressam o necessário oculto.

No futuro próximo, o parlamento pode fechar de duas formas: democracia direta e de base socialista (ditadura do proletariado) ou ditadura fascista. A decadência econômica do mundo e do Brasil obrigam duas saídas, apenas um lado sendo saída real ao país.

Desde junho de 2013, o povo passou a votar com os pés – contra tal voto reage a burguesia.

 

QUEDA DO GOVERNO DILMA II

Dilma foi eleita verbalizando contra a precarização, contra altos juros, em defesa dos direitos etc. Ela adiou medidas impopulares no fim do primeiro mandato para conseguir se reeleger. Uma vez reeleita, jogou a bomba: aumentou os juros com muita força, atacou o orçamento etc. Veja bem; a culpa não é de todo do governo: o capitalismo é inevitavelmente crise, precisa da crise. Nenhum governo pode evitar, nem o chinês: após o PCC estimular a economia de modo artificial, o processo esgotou-se. O minério de ferro que o Brasil vendia para a china saiu da hiperinflação para um preço pífio, o petróleo bruto que o Brasil exportava caiu de 140 dólares o barril para 30 – 30! Isso pesou no câmbio, que estourou, pois parou de entrar dólares no país. A reação do governo seria aceitar a crise, do ponto de vista burguês, e suplicar por mais dólares, por capital especulativo, aumentando os juros, o preço pago pelos papéis de dívida do governo.

Em dois anos, 2015 e 2016, o governo Dilma criou uma terra arrasada. Diminuiu-se a concorrência por onda de quebras, o comércio recuou, o desemprego ressurgiu.

O governo perdeu todo apoio das classes não burguesas. Quando surgiu os primeiros rumores de queda do governo, logo após sua reeleição, surgiram notas dos sindicatos patronais em defesa da governabilidade. Nesse momento, quando toda a esquerda considerou histeria absurda falar em impedimento de Dilma, fiz uma nota afirmando que, por razões econômicas, o governo iria cair – o problema seria como. Mas eu mesmo não sentia o sabor ou o clima para isso, apesar de publicar a previsão. Pouco tempo depois, tudo mudou: o golpe ou queda estava em jogo.

A coisa tinha que ter algo legalista, pois a farsa deve parecer seu oposto. Com a ajuda oculta dos EUA, um acordo ilegal de promotores e o juiz Sérgio Moro procurava preparar o terreno para direita assumir o governo. Passou a perseguir os grandes políticos para forçá-los ao impedimento de Dilma, para o PMDB e, se possível, o PSDB assumirem o executivo. Prendeu-se Lula para evitar que ele assumisse a próxima gestão federal. Veja-se: o PT reina na corrupção, de fato, mas o jogo é entre oportunistas – quebrou-se a legalidade para forçar um arranjo de governo. Mesmo que exista, e existe, corrupção no petismo, não foi o centro real do problema, mas sua cortina de ferro.

Formalmente, o golpe foi contra Dilma, sem o PT querer resistir de fato, mas foi na verdade contra os trabalhadores. O PSTU diz que não foi golpe, portanto defendia o artificial e fora do lugar FORA TODOS. Ora, se golpe ou não, o certo seria forçar o regime, ou seja, pedir eleições gerais antecipadas e já. O fato é que Dilma, por perder apoio popular, tornou-se incapaz de implementar mais medidas contra a classe trabalhadora. Tal limite, que soou à burguesia como limite de classe, como partido popular, foi a causa oculta da queda, do golpe.

Os EUA, por seu lado, queria quebrar a construção civil brasileira, que havia se internacionalizado com a ajuda do BNDS, e ter chances de acessar nosso novo petróleo, do novo pré-sal. O jornalista William Waack, conhecido agente antes secreto dos EUA,  chegou a rir em seu jornal da pretensão do governo de ser grande produtora de energia.

Dilma sabe e sabia que a culpa de sua queda devia-se muito aos erros do governo, mas nunca os petistas fizeram a autocrítica. Eles sabiam que Temer e Eduardo Cunha eram oportunistas, a nata da bandidagem, até o talo, mas preferiu andar com eles. Temer empogou-se: seria presidente do país, aprofundando o programa da burguesia. Para garantir que ele fizesse tudo que a classe dominante queria, o judiciário decidiu que ele estaria proibido de se reeleger. O objetivo era fazer com que não tomasse medias populares para reeleição como fez Dilma. Sim: há um poder que planeja tais coisas. No jornal, porém, tudo aprece apenas como fato, apenas como juridicamente impedir de reeleger, mas a causa disso está oculta ao povo.

Em 2017, quando a situação de um giro, veio a greve geral contra a reforma da previdência e a reforma trabalhista. A primeira paralização teve alguma força. Em protesto nacional em Brasília, o PSTU, que estava internamente desmoralizado e em crise, após ruptura, tentou ganhar moral entre os seus forçando um ato de vanguarda irresponsável que avançou sobre prédios e locais públicos, enfrentando a polícia. Para nada. O ultraesquerdismo, que alegrou tanto os militantes, não era necessário naquele momento. O ato, melhor, sua forma foi revolucionária, mas a intenção era oportunista – ainda que a organização não o seja. O fato era que situação do país havia mudado, um giro negativo para nós surgiu.

Antes da queda de Dilma, golpes já ocorriam na América Latina: Paraguai, Honduras. Quem tivesse olhar internacionalista, logo perceberia a tendência a partir da crise de 2008. Após o golpe no Brasil, a porta do inferno foi aberta, como a tentativa na Bolívia ou na Venezuela. Eles têm um padrão comum: são golpes reacionários, não contrarrevolucionários, ou seja, querem derrubar o governo, não fechar, de todo, o regime. Além disso, tentam dar justificativas, como legais, ao golpismo. Por fim, são contra governos de esquerda burgueses. Um governo de esquerda, chamado frente popular, costuma ser a antessala de um golpe. Isso é uma lei relativa: governos de esquerda geram golpes, não porque são de esquerda, mas porque são incapazes de melhorar a vida da maioria dentro do capitalismo.

No caso de Dilma II, mesmo abandonando o apoio do governo, as classes trabalhadoras desconfiavam do processo de golpe como algo feito para os ricos, contra a maioria.

 

A LUTA DA BURGUESIA CONTRA O PLENO EMPREGO

Como dissemos, o pleno emprego foi a causa oculta de junho de 2013 – era sinal invertido de uma crise em gestação. Pleno emprego é, para a burguesia, crise. Ela precisava de uma quebradeira econômica para mais lucrar e mais dominar.

O desemprego baixo deixa o trabalhador mais ousado, mais desobediente – as greves multiplicam-se, os salários sobem, os gerentes ficam à flor da pele.

A burguesia identificou o pleno emprego como ação do Estado. O aparelho investiu, reduziu juros, estimulou a economia real e artificialmente. Por isso, para ela, era necessário aumentar os juros, cortar investimento etc. A coisa tomou forma séria e original: após quebradeira de Dilma, que seguiu a cartilha, Temer e, em 2023, Lula (!) garantiram um teto de gastos, ou seja, um impedimento de o Estado investir, gastar, ampliar serviços. A burguesia rebela-se contra seu próprio Estado, cerca-o e limita-o.

A onda semi-keynesiana, semiestatista, chegou ao fim por decreto. A causa de fundo e oculta das greves e lutas foi o emprego pleno – a causa da quebra das lutas, desde 2017, foi a volta do desemprego. Em 2017, passamos para uma situação reacionária. Não tanto pela queda do governo via golpe, mais porque vieram grandes derrotas e o nosso lado recuou, enquanto a direita e a classe média foram para a ofensiva.

No final de 2016, o empresário das lojas Riachuelo, disse: “O mito do Estado Robin Hood acabou!” Eis aqueles que têm a escravidão como herança. A empresa, os donos, já foi condenada na justiça por praticar escravidão, mesmo. Tal é instinto: a meta dos patrões é impor condições chinesas de exploração do trabalho.

 

CRISE DO PSTU

O momento de crescimento mais lutas, até 2013, gerou esquerdização da vanguarda. O PSTU crescia muito, o PSOL ia-se de crise em crise, grupos entravam naquele primeiro, o PCB estagnava. Mas cresceu na classe média, estagnado na classe operária. Isso gerou uma diferença que caiu na diversidade, na oposição e na contradição. Após 2 décadas de recuo e quase estabilidade, o partido acumulou vícios, muitos. Então, após 2013, a luta de classe levou à luta partidária: no geral, duas frações de classe média surgiram na organização. Isso expressava a realidade fraturada. Dentro de várias ações imorais dos dois lados, decidiram por elevar o debate e esquecer a sujeita prática. A crise econômica social em gestação afetou o partido, o que seria inevitável dada a composição social: questões quase pessoais eram expressões ocultas de problemas da realidade total.

A organização quebrou-se em duas, surgiu o MAS, depois renomeada Resistência, dentro do PSOL. Seu perfil centrista, hoje apoia o governo Lula, deriva de sua composição social: muitos intelectuais, professores, operários aristocráticos (petroleiros) e estudantes de alta classe média. Foram incapazes de fundar uma reorganização revolucionária hoje necessária.

O PSTU é, hoje, um partido sindical. Seu trabalho nos sindicatos, além de gerar burocratização relativa dos dirigentes, gera empregados do partido no aparelho: advogados, jornalistas, vigias etc. Há uma crise estrutural do partido, que de algum modo se resolverá. Apresenta-se como centrismo ultraesquerdista. Sua crítica foi feita por mim em outro momento.

O PSOL cresceu após 2016 por dois motivos combinados: crise mais redução das lutas. O recuo das lutas leva a ter esperanças no voto, não nas ruas. Têm-se esperanças mais reformistas. O PCB também cresceu, muito; em parte, por causa de acertos táticos e boa propaganda. O PSTU, mais consequente do que os dois citados, estagnou; no fundo, como no PCB, parte dos dirigentes não quer o crescimento da organização, pois isso lhes tiraria o poder partidário.

 

O ERRO DOS REVOLUCIONÁRIOS APÓS O GOLPE

Já dissemos que o certo seria chamar por eleições gerais diante do golpe. Mas nenhuma corrente relevante, à época, lançou o chamado. Com a crise, surgiu desemprego crônico, mais gente desempregada, se incluirmos os informais, relativos aos com carteira assinada. Qual foi, então, a política da esquerda radical contra tal nova situação? Nenhuma, nenhuma. O PSTU, por exemplo, está povoado de servidores públicos estáveis, classe média e sindicalistas que pensam apenas nos contratados, na luta sindical direta. Por isso, incapaz de ver a tempo a política correta, qual seja, chamar pela escala móvel de tempo de trabalho, ou redução da jornada para 30 horas semanais sem redução dos salários – desemprego zero! Tal política exigiria, primeiro, grande agitação nas bases, depois, uma frente única por tal pauta, depois, um encontro nacional para amplificar a luta. Mas nada foi feito. Se fizéssemos, poderíamos gerar uma situação pré-revolucionária e reverter o momento geral.

Outro problema foi que o PT incentivou o consumo popular via dívida. Quando a crise veio, trazendo consigo o desemprego, ficamos inadimplentes, ou seja, endividados – mais de 70% das famílias. De novo: qual a política da esquerda radical para um problema tão gritante? Nenhuma… O certo seria chamar a anulação total e irrestrita da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários.

Veja-se que um jovem marxista do Piauí está fazendo um balanço de política que quadros de comitê central partidário foram incapazes de fazer… Isso é um absurdo, uma distorção, mas explicação há.

Mal Bolsonaro foi eleito, ou seja, com máximo apoio, PSTU e outros chamaram o “fora”. Algo irresponsável. Apenas chamamos o fora governo se ele deixa de ter apoio popular. No mais, nem sempre chamamos, mesmo nessas condições: havia o risco de o vice militar assumir! Logo, o certo seria desgastar o governo ao máximo – e chamar o fora, se chamar, apenas no caso do governo perder largo apoio.

Outro erro, algumas organizações foram contra formar frentes de esquerda diante da situação reacionária e o crescimento da extrema-direita. Tal unidade não seria a solução para todas as questões, mas seria um começo e uma importante ajuda.

 

REELEIÇÃO DE LULA E 8 DE JANEIRO

Bolsonaro, após perder a eleição, foi chamado a organizar o golpe. Mas ele temeu, covarde que é, e viajou para os EUA no último momento. Então, problemas de organização surgiram, o ato que daria pretexto ao golpe começou atrasado, depois da hora, depois de o governo assumir, 8 de janeiro. A minuta “jurídica” do golpe já estava escrita e impressa.

Os generais e alta patente são, hoje, parasitas vagabundos; para eles, governar dará muito trabalho… Mais ou menos, deixaram a chance passar. Mas, onde teve apoio, o protesto golpista não foi reprimido.

O governo sabia via inteligência que o ato ocorreria, e deixou ocorrer. Se reprimisse, perderia moral; se não reprimisse, sairia como vítima.

Com a derrota eleitoral, com o escândalo da morte de indígenas etc. a direita foi para a defensiva. Mas tentou reverter a situação, em vão. Agora, enquanto escrevo, os parlamentares de direita tentam de novo reverter a situação: avançam, fazem CPI do MST, aprovam leis absurdas, perseguem as parlamentares mulheres de esquerda, chantageiam o governo etc. Ainda possuem chão.

O governo dos EUA foi contra o golpe por três razões: 1) fortaleceria a oposição nos EUA, Trump; 2) as condições para um golpe ainda não estavam mudarias, o que incluiria uma desmoralização geral do regime democrático; 3) ditaduras têm chances maiores de, durante a luta interimperialista EUA-China, ganhar autonomia, mediar dos dois lados e afastar-se.

 

POR UMA CONCLUSÃO

Insatisfeita com a situação desde 2013, as classes médias deram base para uma nova extrema-direita com seus protestos. Militares e grupos de luta marcial alinharam-se, grosso modo, ao neofascismo, um pré-grupo de combate. Inúmeros e nacionais grupos fascistas discretos ou secretos existem hoje, esperando o melhor momento para expor-se com clareza. É a luta de classes quando há crise semiconstante do capital, ao tempo de decadência do sistema. Os revolucionários devem conquistar a classe trabalhadora jovem e, então, por sua força, conquistar parte da classe média. Por exemplo, nós teríamos maior simpatia se liderássemos uma campanha por redução drástica do preço dos combustíveis quando eles atingiram um exagerado auge. De novo, nada fizemos.

Temos risco de fascismo, sim, mas porque temos risco de socialismo. O fascismo é uma reação ao movimento operário e seu projeto estratégico. É uma reação desesperada da pequena burguesia á crise final o capital, embora não saiba. Um ditadura bonapartista, militar, deve decair em fascismo neopetencostal para manter-se minimamente estável num país de capitalismo decadente, dominado pelo imperialismo e urbano.

A esquerda radical apenas finge que abriu os olhos. Temo que apenas uma ditadura faça a renovação necessária dos quadros e dos perfis dos partidos vermelhos. Não poucas vezes, como na crise do PCB em 2023, parece que precisamos de uma organização nova e limpa, sem os entraves das velhas. Mas espero estar errado, muito errado. De qualquer modo, acostumados e viciados em voos rasos, nossos dirigente estão aquém da tarefa, incapazes de governar. E a questão toda é governar.

Junho de 2013 já dura 10 anos. Aquele mês de lutas não acabou, portanto. Somente anos a fio de crescimento econômico poderiam diminuir as tensões, ou seja, adiar o inevitável conflito; um crescimento da economia algo, hoje, improvável.

A crise da democracia burguesa no Brasil é apenas a manifestação da crise geral do capitalismo. Para evitar a revolução e a guerra civil, os militares passaram o poder para os partidos da ordem, a redemocratização na década de 1980. Diante de greves e rebeliões, a burguesia concedeu o SUS, a educação pública universal, alguns novos direitos como participação nos lucros e resultados etc. Teve de ceder. A democracia, para os ricos, custa caro. A questão para eles é esta: como amortecer a luta de classes? Ceder ou impor uma nova ditadura? Com a queda da taxa de lucro, com a industrialização da China, com a crise mundial sistêmica, com a altíssima urbanização – ceder já não podem e, por isso, não querem. A democracia representativa desmoraliza-se porque se tornou incapaz de melhorar a vida da maioria. Aproxima-se o colapso. A culpa, claro, não é em si do regime, pois o capitalismo brasileiro e mundial encontrou uma parede impossível de ser superada por meios comuns. Por outro lado, apenas outro regime, a democracia socialista, poderemos fazer o país do futuro no presente. Como deve ser.

Ser oposição de esquerda ao governo Lula é a única alternativa moral e política consistente. Se a crise mundial próxima for muito forte, desmoralizará o lulismo. Se o povo tiver apenas a direita, ou pior, a extrema-direita como alternativa, teremos a mais dura derrota sob a democracia.

Lulismo e petismo são juntos, mas diferentes; o petismo decaiu mais do que lulismo, que ainda tem certa moral, embora tenha perdido na eleição nos estados centrais. O lulopetismo é um dos alicerces do regime democrático burguês, mesmo. As novas gerações já cresceram e crescem tendo o governo petista como parte da ordem e do poder. São, então, menos iludidos, ainda que o apoiem. No meio militante, diz-se: filho de petista, PSTU é (caso, por exemplo, do autor). Assim, aceleramos a experiência com o reformismo coma ajuda da renovação geracional.

As tarefas burguesas do Brasil foram cumpridas: industrialização, urbanização e moderna propriedade rural. Podemos acrescentar, por exemplo, que temos muito mais especialistas e, ademais, capacidade de formar novos. Por enquanto, temos engenheiros formados a trabalhar como taxista da Uber…

Mesmo crescimentos fracos depois de 2015 e 2016 foram incapazes de tirar da sociedade a tensão tênue presente em cada casa e local de trabalho. Tudo é econômico. Enquanto não resolvermos tal nó, nada resolve – para isso existe o assim chamado Programa de Transição, a política econômica dos trabalhadores, hoje esquecido ou mal usado.

A extrema esquerda tem ido de erro em erro e deve agradecer por ainda resistir à crise interna das correres e à tendência de isolamento. Não é exagero dizer que erram muito e em quase todas as questões importantes. Mas não precisava ser assim, dadas as décadas de militância dos principais quadros. A pergunta de um milhão é esta: por que erram? Ou melhor: por que necessitam errar?

Não há mais saída para o capitalismo brasileiro. Dito isso, a tarefa, agora, trata-se de preparar as condições para dirigir uma revolução ou impedir uma contrarrevolução. Se os militares tivessem dado um golpe em 2023, seria como 1964, ou seja, sem resistência real. Tal é nossa situação. Os dirigentes de esquerda iriam se exilar no exterior enquanto os militantes de base iriam para tortura. No fundo, os velhos quadros perderam a esperança com a revolução, tornaram-se cínicos. Eles evitam ao máximo confessar isso, mas esta é a verdade: eles envelheceram e, ainda, não viram o grande momento. Desde a queda do muro de Berlim, o cinismo e o teatralismo tomou conta: falamos de revolução e socialismo, mas isso é apenas modo de dizer, algo que, no fundo, não se leva de fato tão a sério. E a democracia, então, adestrou tais quadros. Há uma crise dos nossos partidos vermelhos, devemos reconhecê-la.

A conclusão deste ensaio quer ir junta da conclusão da história, de Junho de 2023. A realidade tensa e dinâmica pressiona por renovação, por elevação. O dia, além do tempo, das nossas vidas está mais perto do que longe, pertíssimo. Se nos prepararmos, ganharemos. Nunca podemos fazer do futuro uma roleta russa.

Sim, o Brasil tende a uma revolução. Sim, tende à guerra civil. Sim, tende à crise crônica. Sim, há ameaça de fascismo. A vida é dura, mas bela. Não diga, depois, que não avisamos. Apenas o socialismo pode erguer a civilização brasileira. É o momento mais decisivo de nossa história – haverá um antes e um depois. Os socialistas que consideram isso exagero, perderam a fibra vital do coração e do pensamento. A verdade grita, está aí. Devemos aparecer ao país como os maus ousados e, ao mesmo tempo, os mais responsáveis e sérios. A radicalização da realidade exige contrapor uma outra radicalização, nada de bom-mocismos. Em todo o mundo e no Brasil, a extrema-direita tem roubado nosso papel de ser antissistema, anti-Estado, de denúncia da falsa democracia etc. Tenhamos vergonha e levantemos a bandeira correta e de modo correto. Já sabemos perder – chegou a hora de aprendermos a vence

 

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