BALANÇO
DESDE JUNHO DE 2013
10 ANOS DE
LUTA
APRESENTAÇÃO
Após 10 anos
da rebelião de junho de 2013, fato que ainda não acabou, pois é processo ainda
vivo, muitos balanços surgiram sobre a data e o que houve depois. Porém, todos
são balanços parciais, angulares e, em principal, externos; por isso na senti
necessidade de escrever uma obra tão clara e completa possível sobre os últimos
dez anos, desde aquele dia. O formato é de ensaio, mas o centro é científico e
político. Todos os dados e fatos são conhecidos e reconhecidos, mas não ou mal
interpretados.
Quase todas
as pessoas, hoje, diz-se de esquerda ou de direta, familiares dividem-se e
brigam, humor contra a exploração laboral tornou-se popular na internet. Tudo
isso começou em 2013. Em especial, entre os jovens. Muitos deles dizem algo do
tipo: “se você me conheceu antes de 2013, peço desculpas.” Ou seja, eles
mudaram desde aquela data.
Já aviso que
minha visão é comunista e otimista em relação aos fatos: uma onda de greve
surgiu após as manifestações, ou seja, as classes trabalhadoras
esquerdizaram-se. Mas ninguém sabe muito bem a causa disso, o que pretendo
explicar.
Como
observamos, ninguém saiu imune. Partidos entraram em crise, o Estado balançou,
a direita e a alta classe média reagiram, a burguesia planejou reação etc. As
mudanças na base da sociedade, na economia e nas classes, operam mudanças no
resto do tecido social, nas assim chamadas superestruturas – mentalidades,
moral, instituições etc.
A figura do
militante, mesmo se tratada de modo debochado, parece ter chegado para ficar.
Cada local de trabalho, cada sala de aula tem aquele membro mais ativo, mais
politizado. As conversas de bar rechearam-se com tempos específicos para
conversar sobre política, às vezes com o sangue fervendo diante de polêmicas
entre os membros à mesa.
Está claro
que mudou. Também está cristalino que algo estar por se resolver, parece que
estamos em suspensão e uma névoa paira no ar. É a sensação de que algo deve ser
resolvido de vez, de fato. Parece que o país não se encaixa nele mesmo. Isso
tem implicações socialistas, como debateremos. Ou a ditadura do capital ou o
socialismo, a democracia direta e de base socialista, a ditadura do proletariado,
vencerão. O tempo do meio-termo está definhando.
SITUAÇÃO
MUNDIAL
Uma crise
econômica inicia-se antes da crise propriamente dita, antes de sua fase
destrutiva. Isso ficará mais fácil em outro capítulo; por agora, isso deve
ficar claro: ondas de luta, via de regra, surgem antes de uma quebra da
economia. A crise brasileira começou em 2008, nos EUA e na Europa. Aquela crise
quase levou ao colapso do sistema, mesmo. As bolsas de valores foçaram feriados
para impedir a quebradeira. Depois, surgiram ineditismos: empresas
imperialistas foram parcialmente estatizadas, uma onda de dinheiro foi lançada
sobre a economia mundial. Isso salvou o capitalismo e o movimento socialista,
pois este último estava de todo despreparado para o que poderia vir e quase veio.
A onda de
falências e demissões nos centros mundiais, reduziu o consumo das famílias e
das empresas. Logo, a demanda por produtos chineses cairia. Logo, a demanda
chinesa por matéria-prima vinda do Brasil cairia. Crise geral. Porém, a China
reagiu forçando o pleno emprego com onda de investimentos públicos. Assim,
demandou ainda mais produtos brasileiros como ferro e outros produtos
primários. Lula e o PT respiraram aliviados. A ação do poderoso Estado chinês
permitiu exportar muito, o que baixou o dólar (entrou dólar, mais oferta da
moeda derruba seu preço em relação ao real), que caiu para abaixo de 2 reais! A
alegria reformista imperou, o consumismo tomou conta dos espíritos.
Lula disse
que a crise no Brasil seria “marolinha”, não tsunami. A esquerda radical
criticou tal posição, mas ele acertou – e errou, pois tal crise foi apenas
adiada para 2015. Vendo o problema econômico mundial, e ao acreditar ser algo
conjuntural, não estrutural, o governo do PT, guiado pelo de fato reformista
honesto Mantega, tomou uma série de medidas para aquecer a economia: Minha casa
Minha vida, aumento real do salário mínimo (acima da inflação), imposto
sindical (falaremos dele novamente), grandes obras públicas cujo setor gera
mais emprego, redução dos juros da dívida etc.
Merece
destaque a redução dos juros. De um lado, os especuladores trouxeram dólar para
o Brasil, a fim de comprar títulos da dívida estatal, porque o mundo
desenvolvido estava em crise – isso valorizou nossa moeda relativo ao dólar.
Por isso, e apenas por isso, o governo viu oportunidade de manter os juros
baixos, de reduzi-los após anos mantendo-os altos. Uniu a fome com a vontade de
comer. Ao “apenas por isso” devemos acrescentar, claro: o câmbio tendeu a cair,
repetimos, porque aumentou muito a demanda chinesa por nosso produtos brutos, o
que facilitou e permitiu reduzir juros.
Do ponto de
vista da luta de classes, a Europa fez jus a sua tradição com duras lutas e
protestos de rua. Os EUA estavam aprendendo a organizar suas guerras de classe.
E no mundo árabe revoluções aconteciam. Todos são respostas, iniciais e
desproporcionais, à crise. A situação começou a ficar favorável para partidos
revolucionários.
ANTECEDENTES
Junho de
2013 nada tem de raio em céu azul. Se quisermos dar um começo, diremos que foi
2011 no Piauí, região do autor. Aqui, uma repressão policial contra um ato de
vanguarda gerou revolta de rua. A luta contra o aumento do preço da passagem de
ônibus colocou 30 mil nas ruas em seu auge, o que é muito para a cidade de
Teresina, a capital. Vitória tamanha que os governos municipais seguintes
evitavam aumentar o preço da passagem para estudantes (e a prefeitura deu 32%
de aumento salarial, muito acima da inflação, após forte greve). Em todo o
país, greves vitoriosas e radicalizadas aconteciam, em especial na construção
civil; motins de policiais multiplicavam-se. Havia um aumento das lutas, com um
detalhe: pequenas vitórias aconteciam, o que temperava os ânimos. Com o
crescimento econômico, mesmo se fraco, migalhas poderiam ser cedidos pelos
governos e pelos patrões.
Um dos
pontos auges foi a destruição, em 2012, do já consolidado bairro Pinheirinho,
liderado pelo PSTU. Quando o governo estadual decidiu destruir tal avançadíssima
experiência, Canudos moderno, que inclua democracia direta, surgiu algo
inusitado: uma situação revolucionária em apenas um bairro! Grupos de combate e
autodefesa surgiram na ocupação, prontos para enfrentar a tropa de choque. A
intenção de fundo era política: quebrar a base social de tal partido, pois uma
comuna numa das regiões mais industrializadas da América Latina era
inaceitável.
OS ATOS
Qual a causa
dos protestos de Junho de 2013? O pleno emprego. Quando o desemprego fica baixo
por anos, os trabalhadores mais grevam, mais ousados ficam, mais lutas há.
Isso, que evoluiu passo a passo, precisou de um salto – os grandes protestos no
meio daquele ano. Os jovens, mais afeitos ao risco, até tinham emprego; mas
usavam mais o transporte público ruim para ir até à faculdade e ao
trabalho. Até tinham trabalho, mas
ganhavam mal. O estresse aumentava dia a dia, acumulava-se.
A luta por
educação, saúde, transporte e segurança estava em alta. Por serviços públicos
gratuitos e de qualidade. Problema: durantes os protesto, ninguém da esquerda
transformou tais pautas gerais em pautas diretas, como por 10% do PIB para a
educação. O PSTU, aliás, com sua mania impressionista, chamou a ditadura do
proletariado (!) na forma de “Nem direita nem PT: trabalhadores no poder!”
Exigência sem chão na realidade e totalmente marginal. Pois não era uma
situação revolucionária: a economia crescia e vinha de um crescimento, ainda
que fraco, e o emprego era pleno.
O desemprego
baixo, mais precarização da vida, era a causa oculta da grande luta. Nenhum
teórico percebeu isso. Mesmo naquela data, aos comunistas de classe média soava
incompreensível tal jornada de massas. Qual a causa daquilo tudo? Sobre devo
dizer algo inesperado: havia, sim, aspectos de cartase coletiva como certo
“delírio” coletivo – por exemplo, ia-se ao protesto porque outros iam, como a
retroalimentação positiva. A causa consciente expressava um inconsciente
social, pois as condições eram melhores para lutar.
Por décadas
de ultraesquerdismo, a esquerda radical foi confundida com os demais partidos
da ordem. Assim, apanharam nas ruas. Eu mesmo tive que lutar em protesto em
minha cidade. Os dirigentes, que engordaram com o tempo e com as
circunstâncias, na verdade nada entendiam da nova realidade, do país.
Anos depois,
o PT e o PCdoB caluniaram a luta e o povo dizendo que se tratou de “guerra
híbrida” ou ação do imperialismo contra a esquerda. O cálculo oportunista do
petismo é claro: lutou durante ou contra o governo, logo é algo, no mínimo,
ruim. O PCdoB, em alguns Estados, proibiu a militância de ir aos protestos, o
que lhe gerou crise; eles dirigem até hoje a UNE, que ficou, de propósito,
paralisada.
Desde esses
dias, o país se dividiu – finalmente e ainda bem. Estamos próximos, muito mais,
daquele momento em que ou o país se resolve ou nada muda. A classe média passou
a protestar e ser ativa, em geral, pela direita. As empregadas domésticas
estavam muito rebeldes, os pobres invadiam os aeroportos.
O petismo
diz que Junho de 2013 foi raiz de todos os males. É um erro: ele foi sinal e
consequência de algo que ocorria e ocorre no subterrâneo, ou seja, a crise do
capitalismo. A causa da queda do governo Dilma foi suas medidas de governo logo
após a reeleição: estouro do câmbio, estouro da taxa de juros, aumento dos
preços controlados pelo governo, corte de investimentos e serviços etc.
IMPOSTO
SINDICAL
Mantega fez
sua parte com sua tradição ao impor aos trabalhadores um imposto, um desconto
nos salários de maio para financiar seus sindicatos. A burocracia sindical
adorou, a extrema-esquerda colocou-se contra. Mas o melhor estava por vir. Ao
irritar os trabalhadores com tal desconto salarial, estes passaram a exigir
mais da instituição, a cobrar e prestar atenção nas eleições sindicais.
Criou-se um laço forçado entre a base e os dirigentes sindicais. As greves
anuais de rotina, campanhas salariais em central, tornaram-se mais obrigatórias
para os oportunistas dos sindicatos. Junto com a onda de greves, uma onda de
novos sindicatos surgiu. A burguesia viu o erro, então passou a preparar o fim
do imposto anos depois, como fez, para quebrar tal dinâmica.
A
IMPORTÂNCIA DO ÓDIO POLÍTICO
A união de
esquerda pequeno burguesa com ofensiva de direita levou ao amor ao amor… Mas o
ódio tem razão de existir: devemos odiar os ricos, os manipuladores, os
corruptos. Luta de classes é razão e emoção. O ódio de classe importa. A classe
média quer a conciliação quando não é a hora, ou possível, ou mesmo bom.
Pensa-se o
ódio como algo apenas subjetivo e, assim, artificial. Ele é necessário. Porque
há luta de classes, há luta subjetiva. A causa é crise econômica, que gera
crise social, que gera crise política, que gera luta de classes. Que bom que
estamos divididos de modo claro, não mais de modo oculto. Então, o ódio
classista não veio do nada – ele só se revolve resolvendo a crise econômica, ou
seja, o socialismo. É a crise econômica que está dividindo a sociedade: ou
vencemos ou vencem eles, os grandes patrões.
ALGUNS DADOS
Observemos
os dados a partir de 2013. A quantidade de greves explodiu:
Fonte:
(Dieese, 2020)
O número de
horas paradas também – desde 2009:
Fonte:
(Dieese, 2020)
Aqui, temos
de retomar a dialética. A realidade total nunca é como certa máquina ou relógio
ou computador com sua causalidade mecânica; o real é um sistema orgânico, um
organismo, por isso a causa, o (quase) pleno emprego em nosso caso, apenas de
modo atrasado tem efeito nas mobilizações dos trabalhadores; pela mesma lógica
da materialidade, o processo de fim do emprego pleno atrasadamente passa a
reduzir a onda de paralizações. Como razão, o baixo desemprego correspondeu ao
aumento das lutas:
Fonte:
(IBGE, 2020)
Fonte:
(idem, 2021)
Veja-se que
o governo petista adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com
ações anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração,
que começa a ser revertido apenas com a entrada de vez do desemprego, com o
processo de fim do pleno emprego:
Fonte:
(IBGE, 2020)
Todos esses
dados são impressionantes. Apesar dessa empiria, os intelectuais marxistas
falaram em “onda conservadora”. Depois, fingiram que não criaram e defenderam
tal absurdo, saiu de moda. Muitos desses revolucionários da USP hoje apoiam o
governo Lula.
SITUAÇÃO
PRÉ-REVOLUCIONÁRIA?
Em seu
congresso de 2014, o PSTU defendeu que situação era pré-revolucionária, dado
junho de 2013 e as novas greves. Fiz um documento para o congresso contrariando
a caracterização, afirmando ser impressionista. Isso me rendeu certos
desconfortos e perseguições partidárias. Ora, crescimento econômico pode ser
igual às lutas ativas. De novo, baixo desemprego estimula muito lutas sociais.
Basta ver o caso, hoje, 2022 e 2023, dos EUA, onda de greves, desemprego
voluntário por melhor salário e… sinais de próxima crise. As grandes lutas são,
então, nesses casos, sinais de crise, transições dentro de um situação
não-revolucionária. Por acertos e erros políticos, poderia surgir, grosso modo,
dois caminhos: ou um situação reacionária ou uma situação, agora sim, pré-revolucionária
– após a transição. Isso exige o conceito “momento”, pois dentro de uma
situação, por exemplo, não revolucionária pode haver momento de recuo, avanço
de uma contrarreforma etc., ou avanço, grandes greves por baixo desemprego etc.
No nosso caso, surgiu uma situação reacionária, e momento defensivo, entre 2016
e 2017. Veja-se que a causa da situação reacionária não é, não é em si ou não
apenas o golpe de Estado contra o governo – pois a totalidade deve ser para
caracterizar, fomos para defensiva, para derrotas etc.
A TENDÊNCIA
A FECHAR O REGIME
O regime
tende a fechar – mas por qual motivo? Porque a burguesia necessita derrotar o
movimento operário e popular, impor uma derrota histórica; acabar com os
serviços públicos, as greves, as ocupações e os diretos trabalhistas. A crise
do capital obriga a isso se se quer manter altas taxas de lucro, se quer
sobreviver à industrialização da China e, depois, da Índia. Sua tática burguesa
está errada, mas é o que ela sabe fazer.
O regime
começou a fechar com medida do governo Dilma: a lei antiterrotista. Uma
legalidade genérica que pode e será usada contra os movimentos sociais. Depois,
veio o golpe de Estado formalmente contra o governo do PT. Depois, as eleições
mudaram: menor tempo de campanha, restrições contra partidos menores, incluso
os de extrema-esquerda. Depois, Temer colocou militares no governo. Depois,
Bolsonaro ampliou muito a presença de militares no executivo. São fatos
separado que mostram, juntos, a tendência ao regime fechar. Parece casual e
contingente que Bolsonaro tenha sido eleito com militares – mas o acaso e o não
necessário expressam o necessário oculto.
No futuro
próximo, o parlamento pode fechar de duas formas: democracia direta e de base
socialista (ditadura do proletariado) ou ditadura fascista. A decadência
econômica do mundo e do Brasil obrigam duas saídas, apenas um lado sendo saída
real ao país.
Desde junho
de 2013, o povo passou a votar com os pés – contra tal voto reage a burguesia.
QUEDA DO
GOVERNO DILMA II
Dilma foi
eleita verbalizando contra a precarização, contra altos juros, em defesa dos
direitos etc. Ela adiou medidas impopulares no fim do primeiro mandato para
conseguir se reeleger. Uma vez reeleita, jogou a bomba: aumentou os juros com
muita força, atacou o orçamento etc. Veja bem; a culpa não é de todo do
governo: o capitalismo é inevitavelmente crise, precisa da crise. Nenhum
governo pode evitar, nem o chinês: após o PCC estimular a economia de modo
artificial, o processo esgotou-se. O minério de ferro que o Brasil vendia para
a china saiu da hiperinflação para um preço pífio, o petróleo bruto que o
Brasil exportava caiu de 140 dólares o barril para 30 – 30! Isso pesou no
câmbio, que estourou, pois parou de entrar dólares no país. A reação do governo
seria aceitar a crise, do ponto de vista burguês, e suplicar por mais dólares,
por capital especulativo, aumentando os juros, o preço pago pelos papéis de
dívida do governo.
Em dois
anos, 2015 e 2016, o governo Dilma criou uma terra arrasada. Diminuiu-se a
concorrência por onda de quebras, o comércio recuou, o desemprego ressurgiu.
O governo
perdeu todo apoio das classes não burguesas. Quando surgiu os primeiros rumores
de queda do governo, logo após sua reeleição, surgiram notas dos sindicatos
patronais em defesa da governabilidade. Nesse momento, quando toda a esquerda
considerou histeria absurda falar em impedimento de Dilma, fiz uma nota
afirmando que, por razões econômicas, o governo iria cair – o problema seria
como. Mas eu mesmo não sentia o sabor ou o clima para isso, apesar de publicar
a previsão. Pouco tempo depois, tudo mudou: o golpe ou queda estava em jogo.
A coisa
tinha que ter algo legalista, pois a farsa deve parecer seu oposto. Com a ajuda
oculta dos EUA, um acordo ilegal de promotores e o juiz Sérgio Moro procurava
preparar o terreno para direita assumir o governo. Passou a perseguir os
grandes políticos para forçá-los ao impedimento de Dilma, para o PMDB e, se
possível, o PSDB assumirem o executivo. Prendeu-se Lula para evitar que ele
assumisse a próxima gestão federal. Veja-se: o PT reina na corrupção, de fato,
mas o jogo é entre oportunistas – quebrou-se a legalidade para forçar um
arranjo de governo. Mesmo que exista, e existe, corrupção no petismo, não foi o
centro real do problema, mas sua cortina de ferro.
Formalmente,
o golpe foi contra Dilma, sem o PT querer resistir de fato, mas foi na verdade
contra os trabalhadores. O PSTU diz que não foi golpe, portanto defendia o
artificial e fora do lugar FORA TODOS. Ora, se golpe ou não, o certo seria
forçar o regime, ou seja, pedir eleições gerais antecipadas e já. O fato é que
Dilma, por perder apoio popular, tornou-se incapaz de implementar mais medidas
contra a classe trabalhadora. Tal limite, que soou à burguesia como limite de
classe, como partido popular, foi a causa oculta da queda, do golpe.
Os EUA, por
seu lado, queria quebrar a construção civil brasileira, que havia se
internacionalizado com a ajuda do BNDS, e ter chances de acessar nosso novo
petróleo, do novo pré-sal. O jornalista William Waack, conhecido agente antes
secreto dos EUA, chegou a rir em seu
jornal da pretensão do governo de ser grande produtora de energia.
Dilma sabe e
sabia que a culpa de sua queda devia-se muito aos erros do governo, mas nunca
os petistas fizeram a autocrítica. Eles sabiam que Temer e Eduardo Cunha eram
oportunistas, a nata da bandidagem, até o talo, mas preferiu andar com eles.
Temer empogou-se: seria presidente do país, aprofundando o programa da
burguesia. Para garantir que ele fizesse tudo que a classe dominante queria, o
judiciário decidiu que ele estaria proibido de se reeleger. O objetivo era
fazer com que não tomasse medias populares para reeleição como fez Dilma. Sim:
há um poder que planeja tais coisas. No jornal, porém, tudo aprece apenas como
fato, apenas como juridicamente impedir de reeleger, mas a causa disso está
oculta ao povo.
Em 2017,
quando a situação de um giro, veio a greve geral contra a reforma da
previdência e a reforma trabalhista. A primeira paralização teve alguma força.
Em protesto nacional em Brasília, o PSTU, que estava internamente desmoralizado
e em crise, após ruptura, tentou ganhar moral entre os seus forçando um ato de
vanguarda irresponsável que avançou sobre prédios e locais públicos,
enfrentando a polícia. Para nada. O ultraesquerdismo, que alegrou tanto os
militantes, não era necessário naquele momento. O ato, melhor, sua forma foi
revolucionária, mas a intenção era oportunista – ainda que a organização não o
seja. O fato era que situação do país havia mudado, um giro negativo para nós
surgiu.
Antes da
queda de Dilma, golpes já ocorriam na América Latina: Paraguai, Honduras. Quem
tivesse olhar internacionalista, logo perceberia a tendência a partir da crise
de 2008. Após o golpe no Brasil, a porta do inferno foi aberta, como a tentativa
na Bolívia ou na Venezuela. Eles têm um padrão comum: são golpes reacionários,
não contrarrevolucionários, ou seja, querem derrubar o governo, não fechar, de
todo, o regime. Além disso, tentam dar justificativas, como legais, ao
golpismo. Por fim, são contra governos de esquerda burgueses. Um governo de
esquerda, chamado frente popular, costuma ser a antessala de um golpe. Isso é
uma lei relativa: governos de esquerda geram golpes, não porque são de
esquerda, mas porque são incapazes de melhorar a vida da maioria dentro do
capitalismo.
No caso de
Dilma II, mesmo abandonando o apoio do governo, as classes trabalhadoras
desconfiavam do processo de golpe como algo feito para os ricos, contra a
maioria.
A LUTA DA
BURGUESIA CONTRA O PLENO EMPREGO
Como dissemos,
o pleno emprego foi a causa oculta de junho de 2013 – era sinal invertido de
uma crise em gestação. Pleno emprego é, para a burguesia, crise. Ela precisava
de uma quebradeira econômica para mais lucrar e mais dominar.
O desemprego
baixo deixa o trabalhador mais ousado, mais desobediente – as greves
multiplicam-se, os salários sobem, os gerentes ficam à flor da pele.
A burguesia
identificou o pleno emprego como ação do Estado. O aparelho investiu, reduziu
juros, estimulou a economia real e artificialmente. Por isso, para ela, era
necessário aumentar os juros, cortar investimento etc. A coisa tomou forma
séria e original: após quebradeira de Dilma, que seguiu a cartilha, Temer e, em
2023, Lula (!) garantiram um teto de gastos, ou seja, um impedimento de o
Estado investir, gastar, ampliar serviços. A burguesia rebela-se contra seu
próprio Estado, cerca-o e limita-o.
A onda
semi-keynesiana, semiestatista, chegou ao fim por decreto. A causa de fundo e
oculta das greves e lutas foi o emprego pleno – a causa da quebra das lutas,
desde 2017, foi a volta do desemprego. Em 2017, passamos para uma situação
reacionária. Não tanto pela queda do governo via golpe, mais porque vieram
grandes derrotas e o nosso lado recuou, enquanto a direita e a classe média
foram para a ofensiva.
No final de
2016, o empresário das lojas Riachuelo, disse: “O mito do Estado Robin Hood
acabou!” Eis aqueles que têm a escravidão como herança. A empresa, os donos, já
foi condenada na justiça por praticar escravidão, mesmo. Tal é instinto: a meta
dos patrões é impor condições chinesas de exploração do trabalho.
CRISE DO
PSTU
O momento de
crescimento mais lutas, até 2013, gerou esquerdização da vanguarda. O PSTU
crescia muito, o PSOL ia-se de crise em crise, grupos entravam naquele
primeiro, o PCB estagnava. Mas cresceu na classe média, estagnado na classe
operária. Isso gerou uma diferença que caiu na diversidade, na oposição e na
contradição. Após 2 décadas de recuo e quase estabilidade, o partido acumulou
vícios, muitos. Então, após 2013, a luta de classe levou à luta partidária: no
geral, duas frações de classe média surgiram na organização. Isso expressava a
realidade fraturada. Dentro de várias ações imorais dos dois lados, decidiram
por elevar o debate e esquecer a sujeita prática. A crise econômica social em
gestação afetou o partido, o que seria inevitável dada a composição social:
questões quase pessoais eram expressões ocultas de problemas da realidade
total.
A
organização quebrou-se em duas, surgiu o MAS, depois renomeada Resistência,
dentro do PSOL. Seu perfil centrista, hoje apoia o governo Lula, deriva de sua
composição social: muitos intelectuais, professores, operários aristocráticos
(petroleiros) e estudantes de alta classe média. Foram incapazes de fundar uma
reorganização revolucionária hoje necessária.
O PSTU é,
hoje, um partido sindical. Seu trabalho nos sindicatos, além de gerar
burocratização relativa dos dirigentes, gera empregados do partido no aparelho:
advogados, jornalistas, vigias etc. Há uma crise estrutural do partido, que de
algum modo se resolverá. Apresenta-se como centrismo ultraesquerdista. Sua
crítica foi feita por mim em outro momento.
O PSOL
cresceu após 2016 por dois motivos combinados: crise mais redução das lutas. O
recuo das lutas leva a ter esperanças no voto, não nas ruas. Têm-se esperanças
mais reformistas. O PCB também cresceu, muito; em parte, por causa de acertos
táticos e boa propaganda. O PSTU, mais consequente do que os dois citados,
estagnou; no fundo, como no PCB, parte dos dirigentes não quer o crescimento da
organização, pois isso lhes tiraria o poder partidário.
O ERRO DOS
REVOLUCIONÁRIOS APÓS O GOLPE
Já dissemos
que o certo seria chamar por eleições gerais diante do golpe. Mas nenhuma
corrente relevante, à época, lançou o chamado. Com a crise, surgiu desemprego
crônico, mais gente desempregada, se incluirmos os informais, relativos aos com
carteira assinada. Qual foi, então, a política da esquerda radical contra tal
nova situação? Nenhuma, nenhuma. O PSTU, por exemplo, está povoado de
servidores públicos estáveis, classe média e sindicalistas que pensam apenas
nos contratados, na luta sindical direta. Por isso, incapaz de ver a tempo a
política correta, qual seja, chamar pela escala móvel de tempo de trabalho, ou
redução da jornada para 30 horas semanais sem redução dos salários – desemprego
zero! Tal política exigiria, primeiro, grande agitação nas bases, depois, uma
frente única por tal pauta, depois, um encontro nacional para amplificar a
luta. Mas nada foi feito. Se fizéssemos, poderíamos gerar uma situação
pré-revolucionária e reverter o momento geral.
Outro
problema foi que o PT incentivou o consumo popular via dívida. Quando a crise
veio, trazendo consigo o desemprego, ficamos inadimplentes, ou seja,
endividados – mais de 70% das famílias. De novo: qual a política da esquerda
radical para um problema tão gritante? Nenhuma… O certo seria chamar a anulação
total e irrestrita da dívida dos trabalhadores e pequenos empresários.
Veja-se que
um jovem marxista do Piauí está fazendo um balanço de política que quadros de
comitê central partidário foram incapazes de fazer… Isso é um absurdo, uma
distorção, mas explicação há.
Mal
Bolsonaro foi eleito, ou seja, com máximo apoio, PSTU e outros chamaram o
“fora”. Algo irresponsável. Apenas chamamos o fora governo se ele deixa de ter
apoio popular. No mais, nem sempre chamamos, mesmo nessas condições: havia o
risco de o vice militar assumir! Logo, o certo seria desgastar o governo ao
máximo – e chamar o fora, se chamar, apenas no caso do governo perder largo
apoio.
Outro erro,
algumas organizações foram contra formar frentes de esquerda diante da situação
reacionária e o crescimento da extrema-direita. Tal unidade não seria a solução
para todas as questões, mas seria um começo e uma importante ajuda.
REELEIÇÃO DE
LULA E 8 DE JANEIRO
Bolsonaro,
após perder a eleição, foi chamado a organizar o golpe. Mas ele temeu, covarde
que é, e viajou para os EUA no último momento. Então, problemas de organização
surgiram, o ato que daria pretexto ao golpe começou atrasado, depois da hora,
depois de o governo assumir, 8 de janeiro. A minuta “jurídica” do golpe já
estava escrita e impressa.
Os generais
e alta patente são, hoje, parasitas vagabundos; para eles, governar dará muito
trabalho… Mais ou menos, deixaram a chance passar. Mas, onde teve apoio, o
protesto golpista não foi reprimido.
O governo
sabia via inteligência que o ato ocorreria, e deixou ocorrer. Se reprimisse,
perderia moral; se não reprimisse, sairia como vítima.
Com a
derrota eleitoral, com o escândalo da morte de indígenas etc. a direita foi
para a defensiva. Mas tentou reverter a situação, em vão. Agora, enquanto
escrevo, os parlamentares de direita tentam de novo reverter a situação:
avançam, fazem CPI do MST, aprovam leis absurdas, perseguem as parlamentares
mulheres de esquerda, chantageiam o governo etc. Ainda possuem chão.
O governo
dos EUA foi contra o golpe por três razões: 1) fortaleceria a oposição nos EUA,
Trump; 2) as condições para um golpe ainda não estavam mudarias, o que incluiria
uma desmoralização geral do regime democrático; 3) ditaduras têm chances
maiores de, durante a luta interimperialista EUA-China, ganhar autonomia,
mediar dos dois lados e afastar-se.
POR UMA
CONCLUSÃO
Insatisfeita
com a situação desde 2013, as classes médias deram base para uma nova
extrema-direita com seus protestos. Militares e grupos de luta marcial
alinharam-se, grosso modo, ao neofascismo, um pré-grupo de combate. Inúmeros e
nacionais grupos fascistas discretos ou secretos existem hoje, esperando o
melhor momento para expor-se com clareza. É a luta de classes quando há crise
semiconstante do capital, ao tempo de decadência do sistema. Os revolucionários
devem conquistar a classe trabalhadora jovem e, então, por sua força,
conquistar parte da classe média. Por exemplo, nós teríamos maior simpatia se
liderássemos uma campanha por redução drástica do preço dos combustíveis quando
eles atingiram um exagerado auge. De novo, nada fizemos.
Temos risco
de fascismo, sim, mas porque temos risco de socialismo. O fascismo é uma reação
ao movimento operário e seu projeto estratégico. É uma reação desesperada da
pequena burguesia á crise final o capital, embora não saiba. Um ditadura
bonapartista, militar, deve decair em fascismo neopetencostal para manter-se
minimamente estável num país de capitalismo decadente, dominado pelo
imperialismo e urbano.
A esquerda
radical apenas finge que abriu os olhos. Temo que apenas uma ditadura faça a
renovação necessária dos quadros e dos perfis dos partidos vermelhos. Não
poucas vezes, como na crise do PCB em 2023, parece que precisamos de uma
organização nova e limpa, sem os entraves das velhas. Mas espero estar errado,
muito errado. De qualquer modo, acostumados e viciados em voos rasos, nossos
dirigente estão aquém da tarefa, incapazes de governar. E a questão toda é
governar.
Junho de
2013 já dura 10 anos. Aquele mês de lutas não acabou, portanto. Somente anos a
fio de crescimento econômico poderiam diminuir as tensões, ou seja, adiar o
inevitável conflito; um crescimento da economia algo, hoje, improvável.
A crise da
democracia burguesa no Brasil é apenas a manifestação da crise geral do
capitalismo. Para evitar a revolução e a guerra civil, os militares passaram o
poder para os partidos da ordem, a redemocratização na década de 1980. Diante
de greves e rebeliões, a burguesia concedeu o SUS, a educação pública universal,
alguns novos direitos como participação nos lucros e resultados etc. Teve de
ceder. A democracia, para os ricos, custa caro. A questão para eles é esta:
como amortecer a luta de classes? Ceder ou impor uma nova ditadura? Com a queda
da taxa de lucro, com a industrialização da China, com a crise mundial
sistêmica, com a altíssima urbanização – ceder já não podem e, por isso, não
querem. A democracia representativa desmoraliza-se porque se tornou incapaz de
melhorar a vida da maioria. Aproxima-se o colapso. A culpa, claro, não é em si
do regime, pois o capitalismo brasileiro e mundial encontrou uma parede
impossível de ser superada por meios comuns. Por outro lado, apenas outro
regime, a democracia socialista, poderemos fazer o país do futuro no presente.
Como deve ser.
Ser oposição
de esquerda ao governo Lula é a única alternativa moral e política consistente.
Se a crise mundial próxima for muito forte, desmoralizará o lulismo. Se o povo
tiver apenas a direita, ou pior, a extrema-direita como alternativa, teremos a
mais dura derrota sob a democracia.
Lulismo e
petismo são juntos, mas diferentes; o petismo decaiu mais do que lulismo, que
ainda tem certa moral, embora tenha perdido na eleição nos estados centrais. O
lulopetismo é um dos alicerces do regime democrático burguês, mesmo. As novas
gerações já cresceram e crescem tendo o governo petista como parte da ordem e
do poder. São, então, menos iludidos, ainda que o apoiem. No meio militante,
diz-se: filho de petista, PSTU é (caso, por exemplo, do autor). Assim,
aceleramos a experiência com o reformismo coma ajuda da renovação geracional.
As tarefas
burguesas do Brasil foram cumpridas: industrialização, urbanização e moderna
propriedade rural. Podemos acrescentar, por exemplo, que temos muito mais
especialistas e, ademais, capacidade de formar novos. Por enquanto, temos
engenheiros formados a trabalhar como taxista da Uber…
Mesmo
crescimentos fracos depois de 2015 e 2016 foram incapazes de tirar da sociedade
a tensão tênue presente em cada casa e local de trabalho. Tudo é econômico.
Enquanto não resolvermos tal nó, nada resolve – para isso existe o assim
chamado Programa de Transição, a política econômica dos trabalhadores, hoje
esquecido ou mal usado.
A extrema
esquerda tem ido de erro em erro e deve agradecer por ainda resistir à crise
interna das correres e à tendência de isolamento. Não é exagero dizer que erram
muito e em quase todas as questões importantes. Mas não precisava ser assim,
dadas as décadas de militância dos principais quadros. A pergunta de um milhão
é esta: por que erram? Ou melhor: por que necessitam errar?
Não há mais
saída para o capitalismo brasileiro. Dito isso, a tarefa, agora, trata-se de
preparar as condições para dirigir uma revolução ou impedir uma
contrarrevolução. Se os militares tivessem dado um golpe em 2023, seria como
1964, ou seja, sem resistência real. Tal é nossa situação. Os dirigentes de
esquerda iriam se exilar no exterior enquanto os militantes de base iriam para
tortura. No fundo, os velhos quadros perderam a esperança com a revolução,
tornaram-se cínicos. Eles evitam ao máximo confessar isso, mas esta é a
verdade: eles envelheceram e, ainda, não viram o grande momento. Desde a queda
do muro de Berlim, o cinismo e o teatralismo tomou conta: falamos de revolução
e socialismo, mas isso é apenas modo de dizer, algo que, no fundo, não se leva
de fato tão a sério. E a democracia, então, adestrou tais quadros. Há uma crise
dos nossos partidos vermelhos, devemos reconhecê-la.
A conclusão
deste ensaio quer ir junta da conclusão da história, de Junho de 2023. A
realidade tensa e dinâmica pressiona por renovação, por elevação. O dia, além
do tempo, das nossas vidas está mais perto do que longe, pertíssimo. Se nos
prepararmos, ganharemos. Nunca podemos fazer do futuro uma roleta russa.
Sim, o
Brasil tende a uma revolução. Sim, tende à guerra civil. Sim, tende à crise
crônica. Sim, há ameaça de fascismo. A vida é dura, mas bela. Não diga, depois,
que não avisamos. Apenas o socialismo pode erguer a civilização brasileira. É o
momento mais decisivo de nossa história – haverá um antes e um depois. Os
socialistas que consideram isso exagero, perderam a fibra vital do coração e do
pensamento. A verdade grita, está aí. Devemos aparecer ao país como os maus
ousados e, ao mesmo tempo, os mais responsáveis e sérios. A radicalização da
realidade exige contrapor uma outra radicalização, nada de bom-mocismos. Em
todo o mundo e no Brasil, a extrema-direita tem roubado nosso papel de ser
antissistema, anti-Estado, de denúncia da falsa democracia etc. Tenhamos
vergonha e levantemos a bandeira correta e de modo correto. Já sabemos perder –
chegou a hora de aprendermos a vence
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