quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Modo de produção? O capitalismo como TRANSIÇÃO!


O CAPITALISMO COMO TRANSIÇÃO

J. P. 

O CAPITALISMO COMO TRANSIÇÃO

 

Proudhon pensou a tese e a antítese, sem chegar ao menos na síntese, como se tudo tivesse dois lados, o bom e o mau; Marx refuta tal método pobre (Marx, Miséria da Filosofia - Método, 2013) com o exemplo da escravidão, que nada tem de positivo (mas, destacamos para nosso argumento, a escravatura é típica de um sistema anterior). Algo mais sofisticado fez Della Volpe ao afirmar que as contradições são resolvidas tirando o negativo (no sentido de qualidade) e livrando o positivo; por exemplo: há contradição entre produção social e apropriação privada – o que fazer?: Manter o primeiro e encerrar o segundo – uma vez que seriam apenas externos um ao outro. Moreno critica este último autor por não ver que toda contradição está em uma unidade necessária, relação e totalidade (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007, pp. 46, 47, 48). O instinto de Proudhon e a elaboração parcial de Della Volpe ocorrem porque, como dissemos acima, o capitalismo é rebaixado à condição de mera transição entre as sociedades classistas e a sociedade socialista. O atual modo de vida, dessa forma, tem em si aspectos do futuro, embora preso ao passado. Assim: a internacionalização das forças produtivas entram em contradição com os limites nacionais, sendo estes últimos superados; a contradição entre proletariado e burguesia resolve-se suprimindo esta enquanto aquela gradualmente deixa de ser classe; as forças produtivas são preservadas e desenvolvidas com a supressão das antigas relações de produção; sem supor o grau de automação hoje, Marx afirma em O Capital que a mesma maquinaria que serve ao domínio capitalista e produz o “necessário” exército industrial de reserva também serve por excelência para acabar com o desemprego reduzindo a jornada de trabalho no socialismo (neste sentido, não há desemprego tecnológico propriamente); o capitalismo precisa desenvolver a ciência ao mesmo tempo em que busca limitar a erudição das massas e ligá-las à religião; o sistema capitalista maduro produz momentos de pleno emprego como sintoma de possibilidade socialista, mas precisa da crise posterior para “normalizar” o sistema, para mantê-lo; afirmar que o comunismo já existe, ao menos em modo larval, no movimento operário é uma forma de demonstrar isso etc. Os países atrasados que quase foram rumo ao socialismo no século XX, de fato quase foram porque o capitalismo é uma transição, o que permitiu ocorrer tais fenômenos, tais acidentes, mas mesmo o transicional precisa de um tempo e uma maturação para pôr o novo, daí o recuo posterior do socialismo “real”.

Para que evitemos confusão com as categorias, destacamos que a dialética hegeliana e marxista parte do “nem positivo nem negativo” que avança a si mesmo para uma relação de positivo (não no sentido de qualidade, mas no sentido de afirmar-se na realidade) e negativo; logo depois essa oposição é superada em um novo ”nem positivo nem negativo”, pois também o próprio negativo, que está em “desvantagem”, é superado. Por exemplo: do artesão, nem positivo nem negativo, avançou-se para o positivo, burguesia, e o negativo, proletariado, e o socialismo superará tanto o positivo quanto o negativo, o fim da existência de classes sociais.

 

TRANSIÇÃO E CRISE

Os marxistas enchem a boca, com razão, ao afirmarem que o capitalismo teve mais anos de crise, não de crescimento. Mas deixam de perceber que a crise é necessária para recuperar taxas de lucro rebaixadas pelo superaquecimento da economia. Quando a economia cresce, surgem sintomas do futuro e do socialismo, como o pleno emprego e maior atividade política das massas trabalhadoras. Porque é uma forma transitória de sociedade, o capitalismo vai-se, sem eu avanço, de crise em crise.

A crise capitalista, pro ser um fenômenos social, não natural, avisa que a sociedade está ainda incompleta e desorganizada.

 

TRANSIÇÃO E “SOCIALISMO REAL”

Por o capitalismo ser uma transição, sociedades atrasadas puderam antecipar, de modo apressado, aspectos do futuro, do socialismo. Por que, então deram errado? Entre outros fatores: ser transitório é diferente, em muitos casos, de ser efêmero – a transição precisa de seu próprio tempo, de sua maturação, antes de ir ao consolidado, ao socialismo. É duro dizer, mas aqueles países revolucionados e, em principal, o mundo, ainda eram imaturos para tentativas socialistas.

 

TRANSIÇÃO E REGIME DE ESTADO

O capitalismo não tem um regime político seu ou uma sequência clara de épocas com seus regimes estatais. Ele é, em geral, instável nesse sentido – também. Para evitar o socialismo, o futuro latente, ora parte para a ditadura militar, ora para a democracia burguesa, ora para o fascismo.

 

TRANSIÇÃO E CLASSES

Em seu comentário n’O Capital III, Engels diz do novo fenômeno de sociedade anônima e por ações: trata-se da superação da propriedade privada por dentro do próprio sistema, dentro de seus limites. O burguês individual dá lugar ao burguês coletivo.

O capitalismo produz como sinal negativo o seu oposto positivo. Por exemplo: o desemprego crônico e “tecnológico” é sinal imediato e invertido do imenso tempo livre no socialismo. Ademais, o sistema produz a classe que irá destruir ele mesmo: o proletariado moderno, os operários. Antes, os escravos no escravismo e os servos no feudalismo não era a classe imediata e direta do revolucionamento de seus sistemas de opressão. Só uma sociedade de transição pode isso.

 

TRANSIÇÃO E MUNDIALIDADE

O capitalismo unifica o mundo e cria uma interdependência tal que lhe torna bastante sensível às crises aparentemente locais.

 

TRANSIÇÃO E SINDICATOS

Nem escravos nem servos poderiam ter instituições de luta. Por mais que os burgueses tentassem destruir as associações operárias, o caráter conjunto e urbano de tal classe obrigava a criar organizações, mesmo que clandestinas e ilegais. Mesmo que hoje estatizados, os sindicatos são sintomas do caráter transicional do capitalismo.

 

TRANSIÇÃO E PARTIDOS

Como se por força da natureza, partidos operários ou de esquerda tiveram de surgir. Com eles, ideias mais ou menos difusas de socialismo ganharam força. Como o capitalismo surgiu de modo revolucionário, a revolução é algo bem visto na cultura popular, no cinema etc. Desde seu surgimento, os governos franceses aditam e mutilam o hino da França para que soe menos subversivo.

 

TRANSIÇÃO E SOCIALISMO

A tendência inconsciente ao socialismo expressou-se de modo consciente, sem aparente lastro, nos movimentos operários utópicos, no socialismo utópico não científico. As ideias de outro futuro possível surgiam por instinto aqui e ali.

Ninguém é perseguido por seguir Platão, mas pode morrer por defender Marx. De qualquer modo, a filosofia científica materialista marxista provou seu direito histórico e circula por todo o mundo, mesmo se com dificuldade sob ditaduras.

 

TRANSIÇÃO E CULTURA

O apresso medieval pela rotina e pela tradição caiu por terra. Hoje, queremos o novo, o moderno, a novidade, o avançado e o revolucionário. Tudo que era sólido desmanchou-se no ar. Nunca acumulamos tantos exemplos de estética, de arte. Assim, os mais velhos e arcaicos sentem-se desencaixados no mundo renovado, deixam de compreender a realidade.

 

TRANSIÇÃO E CRISE SISTÊMICA

É incomparável a crise total do capitalismo coma crise total de sistemas anteriores. Pela primeira vez, podemos ser extintos. A crise ambiental, por exemplo, muito mais que parcial e limitado.

 

TRANSIÇÃO E CIÊNCIA

O capitalismo faz o possível para reduzi a ciência ao empírico (necessário), aos padrões externos, ao matematizável e à técnica. Assim, as ciências humanas devem defender o capitalismo, nada crítico. Mas ele se vê obrigado a tolerar a crítica e a ciência essencial, de base. Sem isso, sem avanço. Porém, precisa manter a maioria ignorante, semiletrada, apenas capaz de trabalhar como caixa de supermercado e ler manuais. Os EUA, no lugar de criar um povo erudito, preferiu importar cérebros de todo o mundo. Por isso, gênios como Carl Sagan, este de clara inspiração socialista, tiverem a iniciativa de ir além, de tentar criar ao menos a simpatia popular pelo científico.

De qualquer modo, dentro de certos limites, a cultura e a sensibilidade populares tiveram de se elevarem.

As ciências que foram “longe demais” – marxismo, darwinismo, einsteinismo-teoria do Big Bang, freudismo – têm de ser atacados, negados. É uma realidade que permite, mas não aceita de todo pensamentos avançados. Algo típico da transição.

 

TRANSIÇÃO E CAPITALISMO

Como em nenhuma outra transição sistêmica, o capitalismo é um socialismo de cabeça para baixo. Por exemplo: em todos os bairros, há um supermercado, que servirá de primeira forma de depósito público, gratuito e de qualidade dos produtos. A internet e a computação permitirá um planejamento geral e científico da economia. A robótica-automação põe fim às classes, permite produção científica, dá base ao fim da exploração etc. Tanto a burguesia quanto o operariado, via desenvolvimento técnico, se afastam da produção.

 

TRANSIÇÃO E ESTADO

Hoje, o Estado investe porque a burguesia não tem condições de arriscar investimento em tão larga escala e em tanto risco. Como burguês impessoal, o Estado tonou-se necessário ao sistema como aviso que o avanço técnico exige grande investimento, logo recursos concentrados, talvez planificados e planejados. Seque a sociedade por ações investiria em hidrelétricas que dão lucro apenas após algumas décadas de funcionamento.

 

TRANSIÇÃO E FORÇAS ARMADAS

Via de regra, as forças armadas dos sistemas anteriores eram formadas por cidadãos livres e ricos, até para reprimir a classe trabalhadora de sua época. Os capitalistas, via Estado, ao contrário, contrata assalariados, ou seja, seus inimigos potenciais. Eia outro sinal de transição. Diante da miséria e da revolta operária o popular, os militares de baixa patente reprimirão os seus? No escravismo e no feudalismo, o contrato e profissionalização do exército era um dos sinais de decadência do modo de produção.

 

TRANSIÇÃO E CONTRATENDÊNCIAS

O capitalismo tende a substituir trabalhador por máquina, mas resiste a isso por meio de baixos salários – o socialismo encerra tal resistência. O capitalismo tende a derrubar a taxa de lucro, mas cria negações disso – o socialismo encerrará tais negações. O capitalismo tende a concentração e centralização do capital, mas promove oposições para a dispersão – o socialismo unificará todo o grande capital como uma só empresa com planejamento central. Esses e outros exemplos avisam que o socialismo afirmará tendências do capitalismo sem suas contratendências, que serão superadas. Isso demonstra muito bem o caráter transicional do capitalismo uma contradição dentro de si mesmo, barreira de si próprio. Ele tende a algo, mas por sua configuração (classes etc.), resiste-se, contradiz-se. Por outro lado, isso gera um tempo de maturação necessário.

 

TRANSIÇÃO E DIALÉTICA: MUNDOS DA APARÊNCIA E DA ESSÊNCIA

O mundo que é claro e evidente desdobra-se, em seu autodesenvolvimento (diversificação etc.), em mundo essencial e mundo aparencial – para depois promover novo mundo unificado transparente. No feudalismo, Idade Média, tudo era claro, cristalino e evidente: não somos iguais, uma parte do trabalho fica com a classe dominante (outra como Estado, outra com a Igreja etc.), o Estado serve aos ricos etc. Com o capitalismo, o mundo duplicou-se: parece que somos iguais, parece que somos pagos pelo nosso trabalho, parece que o Estado é um mediador não classista etc. O socialismo, enfim, encerra tal duplicação, tornando tudo transparente mais uma vez, de novo modo. O que no capitalismo é aparência e farsa objetiva, será, em muitos casos, essência real no socialismo. O capitalismo anuncia o socialismo, mesmo se com trombetas desafinadas. Pesando a mão e desleixando do rigor: o capitalismo é o reino da aparência; o socialismo, da essência.

 

TRANSIÇÃO

No fim dos sistemas anteriores, ou no início de seus fins, alguns efeitos aconteceram, incluso: aumento do comércio e aumento da dívida. Ambos são o próprio capital. Assim, aquilo que foi transicional nos anteriores sistemas é a próprio sistema transicional hoje. Por exemplo: a urbanização alta marcou as crises sistêmicas, e o capitalismo é urbano por excelência e necessariamente.

Repetimos: o capitalismo é, de fato, um modo de produção e de vida, ou seja, toda uma época da humanidade; por outro lado, também, trata-se de uma transição, quase mera transição, entre o passado classista e o futuro sem classes sociais, aclassista.

 

 J. P. 




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