TODOS OS PARTIDOS REVOLUCIONÁRIOS TÊM PRAZO DE VALIDADE
Por que todas as organizações bolcheviques, ao longo de um século, cedo ou tarde, degeneraram? Esta é uma pergunta cuja resposta apenas pode ser descoberta por fora do dogmatismo ou da fé cega; sobre este tema nos debruçaremos.
Uma avaliação objetiva revela o padrão. Mesmo o mais revolucionário dos partidos da história, dirigente da mais incrível revolução social, degenerou dez anos após seu próprio heroísmo. Assim também, a organização diretamente instruída por Engels, o poderoso Partido Social-democrata Alemão, tornou-se o maior símbolo reformista de todo o mundo. Para abarcarmos um terceiro exemplo, entre centenas, o SWP norte-americano, educado com imensa atenção por Leon Trotsky e Cannon, degenerou-se quando da renovação dos quadros. O que faz de partidos realmente revolucionários caricaturas de si, centristas e reformistas?
O materialismo histórico ensina-nos: as superestruturas – como uma organização política – são uma substância gerada pelas relações econômicas e sociais em uma realidade dada. Claro que, uma vez existente, a “forma” também influencia o “conteúdo” e é um elemento essencial, importante; porém: em primeira e última instância, as organizações humanas têm sua natureza determinada pela base sobre a qual se erguem e que as geram.
Vamos para a linguagem prática; um “centro comunista” pode ter três caminhos:
1. Dirigir sua classe em uma revolução mundial, e assim fazer surgir uma sociedade onde partidos são descartáveis, definham;
2. Ser absorvido pela sociedade capitalista , adaptando-se: de um vírus torna-se “mero” parasita mutualista;
3. Ser destruído.
Percebemos o fim do conteúdo-forma como algo inevitável; a questão, portanto, centra-se em como isso irá acontecer – de modo nobre ou mesquinho?
Aí está a questão. Uma organização centralista e democrática tem um período de vida – de sua essência – mais ou menos longo a depender da realidade concreta e de suas decisões; significa a possibilidade de adiar por muito tempo o fim de sua natureza-essência revolucionária, mas não de modo indefinido:
a) O Partido Social democrata-Alemão, e a maioria da II Internacional, degenerou-se com a mudança da realidade – era inevitável. Com o fim do período progressivo, reformista, do capital e o início de uma nova etapa e época, essas formas de luta mudaram-se;
b) Tão logo entramos em uma etapa contrarrevolucionária – derrota da segunda revolução alemã, fascismo na Itália, isolamento da URSS, etc. –, o stalinismo degenera todos os partidos revolucionários surgidos na etapa revolucionária anterior;
c) Pós-II Guerra, o Estado de bem-estar social na Europa, a prosperidade hegemônica nos EUA, as ditaduras estalinistas nos países de base camponesa (China, etc.) fecharam a situação revolucionária aberta com a derrota do nazi-fascismo. Salvo heroicas exceções, o leninismo-trotskismo acomodou-se, degenerou-se – também.
Percebemos, assim (e este é um importante foco do texto), que as mudanças de situação, etapa e época – ou seja, em principal da base social-econômica da superestrutura – mudam, sempre e em alguma pesada medida, os organismos políticos operários; ao mesmo tempo, são medições variáveis: muito mais fácil resistirem a uma mudança de situação a uma de etapa ou época – em real, imensamente mais fácil.
Reconhecer este limite ajuda-nos. De qualquer maneira, a formação de partidos com democracia e centralismo, de quadros, de operários e precarizados, da periferia urbana, de gente amante da teoria e da prática, pode fazer o projeto alcançar seu fundante objetivo.
Quando o programa de um partido torna-se atrasado e obsoleto, muda-se o eixo e degenera-se. Tudo o que é sólido desmancha-se no ar; reivindicar uma forma-organização não supõe seu fetiche, sua cristalização ideal – ao contrário, exige alerta. Toda e qualquer organização revolucionária tem prazo de validade, definha. E resolvemos o problema assim, sem atalhos: adiar esta possibilidade tanto quanto possível, precaver-se; reorganizar-se, ruptura, sempre quando necessário; e que este definhamento ocorra apenas, esperamos, por sua inutilidade quando no socialismo avançado.
Por último, dois dedos sobre um debate necessário. Estamos diante de uma crise sistêmica, a mais importante da história do capitalismo. Marx acreditava que a crise orgânica no final do século XIX, mercantilização total do mundo e superprodução global, geraria a superação do sistema – e errou. Nunca como agora o capital tornou-se tão autodestrutivo, mas precisamos, ainda assim, de uma organização bolchevique internacional; a crise estrutural do valor somente facilita o caminho, as possibilidades de superação. Chegaremos ao socialismo? Não sabemos. Rosa Luxemburgo percebeu a possibilidade da barbárie; Nahuel Moreno, a do holocausto ou extinção humana. Fato é que caminhamos para o colapso do modo de produção atual; e todo colapso histórico é não um susto, mas um processo em si. Se é verdade que as condições para o socialismo estavam maduras no início do século passado; hoje, com a urbanização elevada no mundo, industrialização dos principais países atrasados e maior interconexão/ inter-relação entre as nações, a revolução permanente tornou-se uma possibilidade muito mais intensa – relativizou-se as desigualdades internas entre os diferentes territórios. O século XXI é o soar do sino da revolução, que voltou a bater: socialismo ou fim da humanidade! O século XX, esse momento intenso, foi nosso “ensaio geral”.
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João Paulo da Síria
NOTAS DE FIM:
Mesmo indiretamente como no caso do PC da URSS.
Situação: define-se a partir da conjuntura econômica somada dialeticamente com os estados da luta de classes, das variadas instituições e da superestrutura subjetiva (moral, instrução, filosofias, etc.);
Etapa: define-se pela capacidade e natureza organizativas reais ou latentes das diferentes classes antagônicas;
Época: divide-se em duas – 1) progressista, reformista, quando um sistema está saudável, em pleno desenvolvimento das forças produtivas; 2) revolucionária quando o desenvolvimento das forças de produção exige uma nova sociedade, uma nova superestrutura, um novo sistema socioeconômico.
Reformistas agradam-se com a tese “o capital, depois da crise, dará um jeito de se manter”; no mesmo sentido, agarram-se à ideia “crises cíclicas” como se fossem estas os únicos tipos de crise, pois após a queda – mentem eles aos trabalhadores – “tudo (supostamente) irá melhorar”. Infelizmente, revolucionários de sangue ativo compram essas ideias, uma ou outra ou ambas. A destruição do valor-capital pode gerar a destruição da própria humanidade? O fim da nossa espécie é uma hipótese muito provável, todos nós sabemos. A ciência às vezes é pouco intuitiva: se uma tese prova-se correta, só podemos lamentar daqueles que as negam porque “isso é um absurdo”, porque a realidade é absurda; não temamos o futuro. Como já apontava Nahuel Moreno, uma nova Teoria da Revolução é necessária para que possamos mudar o mundo.
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