segunda-feira, 27 de junho de 2016

Em entrevista, Lenin comenta a situação do Brasil em 2016

EM ENTREVISTA, LENIN COMENTA A SITUAÇÃO DO BRASIL EM 2016



O blog Canhoto conseguiu uma entrevista “inclusiva” com o principal líder da revolução russa. Como se sabe, não é tarefa fácil; reservado e direto, Lenin nos recebeu guiado pela preocupação com o projeto socialista. Na conversa disponibilizada na íntegra, fala sobre conjuntura, regime partidário, seus erros, o futuro, questões de método; além de guiar o próprio jornalista quantos aos rumos do diálogo.

Do nosso ponto de vista, a esquerda parece confusa ou limitada sobre a explicação mais geral da situação brasileira. Como o senhor, referencia entre os comunistas, vê este momento de nosso país?

Lenin: Do ponto de vista marxista, precisaríamos começar com outra pergunta: como está o capitalismo mundial? Seu país não se explica por si próprio. Qualquer análise séria deve considerar, em primeiro, que esta crise é pior que a orgânica de minha épca, que teve sua mais intensa manifestação em 1929. Em segundo, que o imperialismo norte-americano está em decadência e sob os primeiros sinais de contestação, o que aponta a possibilidade de uma III grande Guerra. Em terceiro, se percebi que o fim do século XIX foi o início da fase imperialista, podemos perceber que este sistema imperialista – superior e de decadência – começa a definhar-se. Em quarto, toda a relação dinheiro em busca de dinheiro (D-D´), que se expressa no setor bancário e no capital fictício, é uma bomba-relógio da crise.

E como isso se expressa em nós? Não é autoevidente a causalidade.

Lenin: Quem possui os juros mais altos do mundo? Quem possui a dívida pública em proporções astronômicas? O Brasil é um paraíso dos bancos. O capital especulativo/financeiro deseja isto: drenar a riqueza de seu país para amortecer a próxima etapa da crise, tentando dar retorno lucrativo ao capital fictício e parasitário. É fácil demostrar: os bancos centrais de todo o mundo impõe juros negativos para evitar os efeitos da crise. O que o Banco Central brasileiro, diante do mesmo problema, faz no mesmo período? Aumenta os juros (!), exato o contrário do receituário burguês. Não é obra do acaso, de modo algum: há uma drenagem do capital-dinheiro que está acelerando a crise nacional, que também é produtiva, para salvar o sistema capitalista. Isto é uma articulação do imperialismo americano…

Como assim?

Lenin: Quem foram os principais articuladores da derrubada de Dilma (por quem, óbvio, não tenho mínima simpatia)? José Serra e Temer, dois informantes da CIA e da NSA. Sabe-se que o presidente do golpe chegou a reunir-se com a embaixada americana no país; o silêncio de Obama sobre o assunto também é mais que sintomático. Agora, vejamos os resultados: Temer está articulando o orçamento para drená-lo cada vez mais rumo ao buraco da dívida, anuncia a entrega do petróleo, busca a revogação imediata de diretos; José Serra procura dissolver o protagonismo brasileiro no Mercosul, tenciona as relações diplomáticas com a Venezuela, quer derrubar Maduro e quebra o trabalho tupiniquim nos Brics. Obra do acaso?

Mas tuas caracterizações, com todo o respeito, deixam várias lacunas, por exemplo: o governo Dilma não servia ao imperialismo? Ou era anti-imperialista como Rússia e China?

Lenin: nem uma, nem outra. Como governo burguês anormal, de frente-popular, com protagonismo de um partido de esquerda, as gestões do PT só eram admissíveis por uma razão: controlar o movimento de massas. Se não controla (e a gestão não tinha apoio sequer de 10% da população), o governo cai – isso foi a regra durante o século XX. Ou seja, o fim do apoio entre os assalariados é importante causa, mas isso por si só não explica a queda.
O imperialismo sente o cheiro de seu próprio corpo, e o odor indica apodrecimento de seus órgãos internos; já percebeu que Rússia, Índia, China, próximos também por questões geográficas, querem um maior pedaço do bolo da exploração de nossa classe, possuem projetos imperialistas. A ação norte-americana visa manter o Brasil em um lado da trincheira; não fosse isso, pra quê duas novas bases militares na Argentina?  Na visão marxista, não há anti-imperialismos e sim pró-novos imperialismos. Neste cenário, a política externa do PT foi a mesma de Vargas: flertar com os dois lados e ganhar algo com o jogo de afagos e chantagens, mas em momento de crise estrutural do capital tal postura sofreria retaliação. Porém, ao mesmo tempo, temos que diferenciar golpes contrarrevolucionários, como os militares ou fascistas, dos reacionários, como este palaciano. É preciso medir.
Por outro lado, como crise das categorias, a crise da fase imperialista leva a uma dificuldade de achar conceitos que expressem o momento, suas particularidades. Chamar Rússia, por exemplo, de semicolônia ou imperialista é quase que uma tarefa positivista. Assim, Dilma e PT representam a burguesia e são pró-norteamericanos, mas nem tanto assim: caíram por falta de apoio tanto do trabalho quanto do capital…

Confesso que não estou totalmente convencido desta caracterização.

Lenin: Rússia e Cuba apressaram-se em dizer que não reconhecem o governo. Mas talvez tenhamos de voltar para questão da economia, que, aliás, é um estudo abandonado pelos “marxistas” (sob o medo do tal “determinismo econômico” típico de um pseudo-marxismo). A crise econômica brasileira não é ainda, não exatamente, de superprodução, embora ela exista. A China desacelerou; e se começar naquele país uma recessão? As exportações brasileiras são destinadas para lá; isso gerará um duplo mergulho na crise que, por sua vez, exigirá uma solução no campo das classes.

Revolução?

Lenin: Sim, mas pode ser contrarrevolução também. Porém, há outro caminho que, infelizmente, desprezam. Os bonapartistas da China, Rússia, Cuba, Irã estão morrendo de medo de perderem o aparelho de Estado por ação das massas e, pior!, por de uma revolução socialista. Como quererão evitar? Eis o conflito internacional, o nacionalismo, o inimigo externo, o militarismo, o medo e outros recursos para travar ou retardar a revolução mundial. Achar que esta crise se resolverá sem poderosos terremotos é, no mínimo, uma burrice. Do ponto de vista tanto econômico quanto social a formação de blocos mundiais é uma tendência inevitável.

Se não for um problema, peço agora que foquemos no Brasil. Conectado com o mundo, qual a solução?

Lenin: Um partido mundial da revolução…

E os anticapitalistas, o que pensa sobre eles? Da Grécia, O Siriza empolgou o ativismo mundial.

Lenin: São mais reformistas que a antiga social-democracia, na medida em que sequer propõe alguma reforma duradoura; mas também são menos, na medida em que sequer fazem a defesa apenas verbal do socialismo. O fato de serem “anti” e não “pró”socialistas é um bom símbolo pós-moderno: não entendem que só se pode destruir construindo. Ou melhor, entendem, mas querem gerir o Estado burguês contra os trabalhadores, pela arte do engano. Nesse sentido, qualquer comunista consciente disso que vende ilusões nestes partidos é um traidor.

Nem voto crítico?

Lenin: Digamos aos trabalhadores, “votem neles, já que têm esperanças, façam a experiência; na urna, faremos os mesmos votos, mas eles trairão a nossa classe”. Até participar por um breve período dessas organizações pode ser bom, contanto que exista uma ruptura pré-programada.

No entanto, nenhum partido leninista ganhou real destaque em algum país desde 2008… Isso se deve, como dizem, à estrutura rígida do modelo proposto pelo senhor?

Lenin: Isso é campanha caluniosa. A possibilidade de formar frações sempre existiu no partido. Darei alguns exemplos: durante a guerra civil, quando uma dúzia de exércitos imperialistas invadiu a URSS – uma situação difícil, portanto –, havia frações e grupos no seio da organização bolchevique. Em alguns casos limites, porque a existência física do partido e de seus membros estava em jogo, as lutas fracionais eram encerradas, mas com garantias naturais de seu retorno em um momento próximo. Eu mesmo rompi a disciplina partidária por mais de uma vez. Em 1917, em Abril, militei publicamente contra a política do partido de “apoio crítico ao governo provisório” e de “reunificação do partido com os mencheviques”. Assumi o risco na certeza de que se estivesse certo minha ação seria compreendida, cedo ou tarde. Pouco antes de morrer, escrevi uma carta secreta ao CC do PC da Ucrânia chamando a uma luta contra Stalin. Porém, há critérios: nunca fracionar secretamente, apoio informal nunca poderá transformar-se em articulação por fora dos organismos, toda luta fracional tem de ser aberta nem que seja também ao público não-partidário; em caso de impossibilidade de luta aberta, formar um novo partido, por isso eu disse durante a preparação de Outubro que estava disposto a romper com o partido se necessário fosse. Dizer que o centralismo democrático é igual ao centralismo burocrático é uma mentira: o partido deve representar um sintoma de socialismo, deve permitir lutas respeitosas de ideias.
Quando à sua provocação. O partido era frágil, desconhecido e pequeno até a revolução de Fevereiro, e só conseguimos ser majoritários a partir de agosto. O comum é os revolucionários serem uma pequena minoria por anos a fio ou décadas; apenas situações pré ou revolucionárias abrem a possibilidade de crescermos.
O problema de vocês são outros, funcionam tal qual uma empresa. Imaginemos um empresa de call center: o gerente contrata jovens para trabalhar na empresa até eles adoecerem; trabalham seis meses, um ano, até o momento em que os substitui por novos operadores. O gerente fica ali, preservando-se no cargo, dominando o conhecimento da gestão, não deixando os subordinados “ficarem sabidos demais”. O mesmo ocorre nos partidos centralistas “democráticos”: os dirigentes captam centenas de jovens, impõe-se grandes metas "viáveis", os envolve em um praticismo revolucionário até cansarem, estes saem por inúmeros motivos aparenciais, são substituídos por uma nova leva-de-militante e, assim, os comitês de direção se perpetuam, controlam o aparato, criam uma dependência da base em elação às habilidades da direção (eles odeiam socializar conhecimento militante com a base) e perpetuam-se na direção com seus cabelos brancos. A restruturação produtiva adentrou nos partidos de esquerda, ocorreu neles também.

Então, como organizar um partido desse tipo diante da onda conservadora?

A começar que não existe “onda conservadora”, isso é uma tese dos pelegos do PT. Toda situação pré-revolucionária o é porque é uma situação de desespero da nossa classe. Simples assim. Porque sente desespero, porque vê a degeneração social bater sua porta, o operário médio, que odeia grevar, vai à luta. Senão, como explicar as milhares de escolas ocupadas, as greves gerais de servidores nos estados, as ocupações de fábrica, a escalada ascendente de greves ano a ano, a desmoralização do petismo? Ora, os burocratas queriam o quê? Toda crise social é uma situação de conflito, onde a classe operária é atacada e não, no começo, atacante. Isso revela o ódio dos pequenos burgueses ao conflito: sentem “dó” dos precários, mas os querem passivos, sem stress social. A crise econômica, as lutas, a politização das classes médias, as divisões interburguesas, a crise do regime, a crise do PT (com a CUT, principal trava ao movimento de massa) revelam uma situação pré-revolucionária; “onda conservadora” é uma elaboração idealista, antimarxista. E mais, Gramsci era um revolucionário, mas seus seguidores invertem o método: no lugar de partirem da economia para observar a luta de classes, que é o motor real da história, e daí irem às superestruturas (Estado, consciência, etc.), fazem o contrário, começam a análise pela superestrutura! Isso tem uma razão de classe oculta: são servidores do Estado mais ou menos bem pagos e/ou burocratas de sindicatos, ou seja, amantes da superestrutura, que os sustenta.
Dito isso, um pequeno e firme partido de quadros é tarefa imediata. Um partido comunista não pode ter soldados, todos devem querer ser generais qualificados; por isso, é preciso um crescimento intensivo – captação e formação de quadros – antes do crescimento extensivo. Com o tempo, estruturado e com políticas corretas, abrir-se-á a possibilidade de ganhar milhares de milhares de ativistas honestos e talentosos, mas ligados a grupos centristas e reformistas. O tempo é limitado.

Quanto ao tempo, há um grande debate sobre a necessidade, ou não, de uma frente de esquerda. Qual a tua posição?

Lenin: Mais uma vez, não é complicado, embora as pessoas não gostem de saber que certas coisas são simples. PSTU, PSOL, PCB e outros partidos da oposição de esquerda ao PT são muito minoritários, quase marginais. Não podem formar, por exemplo, uma greve geral. O que fazer? Uma frente onde lutarão por pautas consensuais, em comum: 1) eleições gerais; 2) contra os efeitos da crise; 3) preparar três dias de luta nacional com pautas concretas; 4) impulsionar associações por emprego. “Frente” é uma unidade de ação prolongada, porém com prazo de validade: cada organização deve produzir seus próprios materiais, os partidos mantêm suas autonomias, a crítica interorgnizações deve ser livre.
Isso me obriga a comentar a questão das palavras de ordem. Não temos condição de fazer uma greve geral porque a burocracia domina quase a totalidade dos sindicatos, mas pode prepara-la exigindo três dias de paralizações por todo o país; é impossível, agora, formar organismo de poder, mas podemos impulsionar lutas e preparar as sementes, que são estas: “comitês de base dos trabalhadores contra a crise” que se devem formar nos bairros, com ajuda dos desempregados, e nos locais de trabalho. Serão organismos de luta, independentes dos sindicatos, proporão a abertura das contas das empresas, apresentarão propostas práticas, impulsionarão as greves, etc. Se está correta a tese de que a recessão chinesa gerará um duplo mergulho brasileiro na crise, então a formação desses comitês de luta, paralelo aos sindicatos, estará na ordem do dia.

Isso é realmente possível?

Lenin: Sim, e o país tem duas vantagens: entre 2010 e 2014, transição de uma situação não-revolucionária para uma pré-revolucionária, o movimento de massas lutou muito e obteve, em geral, inúmeras vitórias. Isso foi educativo, preparador. A segunda, a maioria dos sindicatos getulhistas são burocráticos demais para seguir a base.
Permita-me dar um exemplo. Em agosto de 1917 as condições para uma revolução socialista estavam maduras “em si”, porém o partido atrasou este fato até outubro; por quê? Precisamos adiar a tomada do poder porque o partido ainda estava despreparado, porque precisávamos espalhar os sovietes no campo, porque precisávamos crescer mais. Em outro momento, precisamos adotar a NEP, elementos capitalistas, um passo atrás, para poder fazer avançar a economia planificada. Não adianta dar saltos forçados para frente sem condições de suportar as consequências disso. É momento de preparar o salto, não de saltar.
Lutar em defesa dos salários, contra o corte de direito, por um plano de obras públicas, redução da jornada sem redução de salário e gatilho salarial são consignas “simples”, mas de potencial enorme. Claro, está aberta a possibilidade – e uma luta correta agora certamente abrirá – para a adoção de propostas mais avançadas, incluso a de guerra civil contra os patrões e os partidos burgueses.

Lenin, o senhor é admirado por suas glórias. Para fins históricos, quais os seus maiores erros?

Lenin: erros nem sempre são oportunistas. Cometi muitos, a maioria corrigida assim que os percebi. Permita-me destacar três: 1) fui revolucionário na questão política, mas conservador nas questões de arte, cultura, educação, ciências, etc.; 2) percebi a degeneração da sociedade burguesa por meio da degeneração das reações sexuais, porém não vi o controle do sexo, que é uma necessidade humana, como um dos mecanismos do controle de classe; 3) o mais importante: na fase final da guerra civil quase o capitalismo foi restaurado, então limitamos a luta interna já que o partido poderia quebrar-se em novos pedaços. Preocupados, limitamos o debate interno, mas isto abriu espaço para a burocratização do partido e do Estado. Pois bem; hoje eu faria diferente: que o partido rachasse, que desse racha formasse novos partidos soviéticos, percamos o poder em nome dos princípios, antes capitalismo restaurado que minha classe sem o poder de Estado. Às vezes, precisamos correr o risco de perder tudo, até a vida, em nome dos princípios.

Qual conselho dá aos militantes do século XXI, em especial aos jovens?

Lenin: Parem de ser covardes, passivos, mediadores; arrisquem-se. Com responsabilidade e ciência, mas ousem. Formem partidos dos operários, dos precários, da periferia urbana. A juventude filha da trabalhadora, sem esperanças com o futuro, vive “uma vida emocionante, porém curta” envolvendo-se com o tráfico, com o roubo, com o risco, com o pequeno-grande prestígio, etc. Imagine se dedicasse essa raiva, essa energia, esse fetiche da clandestinidade e do risco para uma boa causa, para a esperança? Precisamos ganhar estes jovens, a geração dos “de baixo” mais inteligente da história humana, para um projeto onde se realizem. Disciplina não é viver só em torno do projeto, isso é clubismo; é possível dedicar-se à revolução e jogar bola nos finais de semana com os amigos do bairro. E estudem, camaradas, estudem muito.
No teu caso específico, camarada João, melhor ir pra casa, viver a vidinha, relaxar, cuidar de si. A gente deve saber a hora de parar, que tua parte foi feita.

Com certeza essa parte não irá para a entrevista…

Lenin: Irá, que conheço o teu tipo. Não me entenda mal, gostei de você, mesmo com este péssimo “espírito bruto dos russos” que carrego. Talentoso, porém incapaz e arrogante.

Nossa…



(Texto editável.)

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