EM ENTREVISTA, LENIN
COMENTA A SITUAÇÃO DO BRASIL EM 2016
O blog Canhoto
conseguiu uma entrevista “inclusiva” com o principal líder da revolução russa.
Como se sabe, não é tarefa fácil; reservado e direto, Lenin nos recebeu guiado
pela preocupação com o projeto socialista. Na conversa disponibilizada na
íntegra, fala sobre conjuntura, regime partidário, seus erros, o futuro, questões
de método; além de guiar o próprio jornalista quantos aos rumos do diálogo.
Do
nosso ponto de vista, a esquerda parece confusa ou limitada sobre a explicação
mais geral da situação brasileira. Como o senhor, referencia entre os
comunistas, vê este momento de nosso país?
Lenin: Do ponto de
vista marxista, precisaríamos começar com outra pergunta: como está o
capitalismo mundial? Seu país não se explica por si próprio. Qualquer análise
séria deve considerar, em primeiro, que esta crise é pior que a orgânica de
minha épca, que teve sua mais intensa manifestação em 1929. Em segundo, que o
imperialismo norte-americano está em decadência e sob os primeiros sinais de
contestação, o que aponta a possibilidade de uma III grande Guerra. Em
terceiro, se percebi que o fim do século XIX foi o início da fase imperialista,
podemos perceber que este sistema imperialista – superior e de decadência –
começa a definhar-se. Em quarto, toda a relação dinheiro em busca de dinheiro
(D-D´), que se expressa no setor bancário e no capital fictício, é uma
bomba-relógio da crise.
E
como isso se expressa em nós? Não é autoevidente a causalidade.
Lenin: Quem possui os
juros mais altos do mundo? Quem possui a dívida pública em proporções
astronômicas? O Brasil é um paraíso dos bancos. O capital
especulativo/financeiro deseja isto: drenar a riqueza de seu país para
amortecer a próxima etapa da crise, tentando dar retorno lucrativo ao capital
fictício e parasitário. É fácil demostrar: os bancos centrais de todo o mundo
impõe juros negativos para evitar os efeitos da crise. O que o Banco Central
brasileiro, diante do mesmo problema, faz no mesmo período? Aumenta os juros
(!), exato o contrário do receituário burguês. Não é obra do acaso, de modo
algum: há uma drenagem do capital-dinheiro que está acelerando a crise
nacional, que também é produtiva, para salvar o sistema capitalista. Isto é uma
articulação do imperialismo americano…
Como
assim?
Lenin: Quem foram os
principais articuladores da derrubada de Dilma (por quem, óbvio, não tenho
mínima simpatia)? José Serra e Temer, dois informantes da CIA e da NSA. Sabe-se
que o presidente do golpe chegou a reunir-se com a embaixada americana no país;
o silêncio de Obama sobre o assunto também é mais que sintomático. Agora,
vejamos os resultados: Temer está articulando o orçamento para drená-lo cada
vez mais rumo ao buraco da dívida, anuncia a entrega do petróleo, busca a
revogação imediata de diretos; José Serra procura dissolver o protagonismo
brasileiro no Mercosul, tenciona as relações diplomáticas com a Venezuela, quer
derrubar Maduro e quebra o trabalho tupiniquim nos Brics. Obra do acaso?
Mas
tuas caracterizações, com todo o respeito, deixam várias lacunas, por exemplo:
o governo Dilma não servia ao imperialismo? Ou era anti-imperialista como
Rússia e China?
Lenin: nem uma, nem
outra. Como governo burguês anormal, de frente-popular, com protagonismo de um
partido de esquerda, as gestões do PT só eram admissíveis por uma razão:
controlar o movimento de massas. Se não controla (e a gestão não tinha apoio
sequer de 10% da população), o governo cai – isso foi a regra durante o século
XX. Ou seja, o fim do apoio entre os assalariados é importante causa, mas isso
por si só não explica a queda.
O imperialismo sente o
cheiro de seu próprio corpo, e o odor indica apodrecimento de seus órgãos internos;
já percebeu que Rússia, Índia, China, próximos também por questões geográficas,
querem um maior pedaço do bolo da exploração de nossa classe, possuem projetos
imperialistas. A ação norte-americana visa manter o Brasil em um lado da
trincheira; não fosse isso, pra quê duas novas bases militares na
Argentina? Na visão marxista, não há
anti-imperialismos e sim pró-novos imperialismos. Neste cenário, a política
externa do PT foi a mesma de Vargas: flertar com os dois lados e ganhar algo
com o jogo de afagos e chantagens, mas em momento de crise estrutural do
capital tal postura sofreria retaliação. Porém, ao mesmo tempo, temos que
diferenciar golpes contrarrevolucionários, como os militares ou fascistas, dos
reacionários, como este palaciano. É preciso medir.
Por outro lado, como
crise das categorias, a crise da fase imperialista leva a uma dificuldade de
achar conceitos que expressem o momento, suas particularidades. Chamar Rússia,
por exemplo, de semicolônia ou imperialista é quase que uma tarefa positivista.
Assim, Dilma e PT representam a burguesia e são pró-norteamericanos, mas nem
tanto assim: caíram por falta de apoio tanto do trabalho quanto do capital…
Confesso
que não estou totalmente convencido desta caracterização.
Lenin: Rússia e Cuba
apressaram-se em dizer que não reconhecem o governo. Mas talvez tenhamos de
voltar para questão da economia, que, aliás, é um estudo abandonado pelos
“marxistas” (sob o medo do tal “determinismo econômico” típico de um pseudo-marxismo).
A crise econômica brasileira não é ainda, não exatamente, de superprodução, embora
ela exista. A China desacelerou; e se começar naquele país uma recessão? As
exportações brasileiras são destinadas para lá; isso gerará um duplo mergulho
na crise que, por sua vez, exigirá uma solução no campo das classes.
Revolução?
Lenin: Sim, mas pode
ser contrarrevolução também. Porém, há outro caminho que, infelizmente,
desprezam. Os bonapartistas da China, Rússia, Cuba, Irã estão morrendo de medo
de perderem o aparelho de Estado por ação das massas e, pior!, por de uma
revolução socialista. Como quererão evitar? Eis o conflito internacional, o
nacionalismo, o inimigo externo, o militarismo, o medo e outros recursos para
travar ou retardar a revolução mundial. Achar que esta crise se resolverá sem
poderosos terremotos é, no mínimo, uma burrice. Do ponto de vista tanto
econômico quanto social a formação de blocos mundiais é uma tendência
inevitável.
Se
não for um problema, peço agora que foquemos no Brasil. Conectado com o mundo,
qual a solução?
Lenin: Um partido
mundial da revolução…
E
os anticapitalistas, o que pensa sobre eles? Da Grécia, O Siriza empolgou o
ativismo mundial.
Lenin: São mais
reformistas que a antiga social-democracia, na medida em que sequer propõe
alguma reforma duradoura; mas também são menos, na medida em que sequer fazem a
defesa apenas verbal do socialismo. O fato de serem “anti” e não
“pró”socialistas é um bom símbolo pós-moderno: não entendem que só se pode
destruir construindo. Ou melhor, entendem, mas querem gerir o Estado burguês
contra os trabalhadores, pela arte do engano. Nesse sentido, qualquer comunista
consciente disso que vende ilusões nestes partidos é um traidor.
Nem
voto crítico?
Lenin: Digamos aos
trabalhadores, “votem neles, já que têm esperanças, façam a experiência; na
urna, faremos os mesmos votos, mas eles trairão a nossa classe”. Até participar
por um breve período dessas organizações pode ser bom, contanto que exista uma
ruptura pré-programada.
No
entanto, nenhum partido leninista ganhou real destaque em algum país desde
2008… Isso se deve, como dizem, à estrutura rígida do modelo proposto pelo
senhor?
Lenin: Isso é campanha
caluniosa. A possibilidade de formar frações sempre existiu no partido. Darei
alguns exemplos: durante a guerra civil, quando uma dúzia de exércitos imperialistas
invadiu a URSS – uma situação difícil, portanto –, havia frações e grupos no
seio da organização bolchevique. Em alguns casos limites, porque a existência
física do partido e de seus membros estava em jogo, as lutas fracionais eram
encerradas, mas com garantias naturais de seu retorno em um momento próximo. Eu
mesmo rompi a disciplina partidária por mais de uma vez. Em 1917, em Abril, militei
publicamente contra a política do partido de “apoio crítico ao governo provisório”
e de “reunificação do partido com os mencheviques”. Assumi o risco na certeza
de que se estivesse certo minha ação seria compreendida, cedo ou tarde. Pouco
antes de morrer, escrevi uma carta secreta ao CC do PC da Ucrânia chamando a
uma luta contra Stalin. Porém, há critérios: nunca fracionar secretamente,
apoio informal nunca poderá transformar-se em articulação por fora dos organismos,
toda luta fracional tem de ser aberta nem que seja também ao público
não-partidário; em caso de impossibilidade de luta aberta, formar um novo
partido, por isso eu disse durante a preparação de Outubro que estava disposto
a romper com o partido se necessário fosse. Dizer que o centralismo democrático
é igual ao centralismo burocrático é uma mentira: o partido deve representar um
sintoma de socialismo, deve permitir lutas respeitosas de ideias.
Quando à sua
provocação. O partido era frágil, desconhecido e pequeno até a revolução de
Fevereiro, e só conseguimos ser majoritários a partir de agosto. O comum é os revolucionários
serem uma pequena minoria por anos a fio ou décadas; apenas situações pré ou
revolucionárias abrem a possibilidade de crescermos.
O problema de vocês são
outros, funcionam tal qual uma empresa. Imaginemos um empresa de call center: o
gerente contrata jovens para trabalhar na empresa até eles adoecerem; trabalham
seis meses, um ano, até o momento em que os substitui por novos operadores. O
gerente fica ali, preservando-se no cargo, dominando o conhecimento da gestão,
não deixando os subordinados “ficarem sabidos demais”. O mesmo ocorre nos
partidos centralistas “democráticos”: os dirigentes captam centenas de jovens, impõe-se grandes metas "viáveis", os
envolve em um praticismo revolucionário até cansarem, estes saem por inúmeros
motivos aparenciais, são substituídos por uma nova leva-de-militante e, assim,
os comitês de direção se perpetuam, controlam o aparato, criam uma dependência
da base em elação às habilidades da direção (eles odeiam socializar conhecimento
militante com a base) e perpetuam-se na direção com seus cabelos brancos. A
restruturação produtiva adentrou nos partidos de esquerda, ocorreu neles também.
Então,
como organizar um partido desse tipo diante da onda conservadora?
A começar que não
existe “onda conservadora”, isso é uma tese dos pelegos do PT. Toda situação
pré-revolucionária o é porque é uma situação de desespero da nossa classe.
Simples assim. Porque sente desespero, porque vê a degeneração social bater sua
porta, o operário médio, que odeia grevar, vai à luta. Senão, como explicar as
milhares de escolas ocupadas, as greves gerais de servidores nos estados, as ocupações
de fábrica, a escalada ascendente de greves ano a ano, a desmoralização do
petismo? Ora, os burocratas queriam o quê? Toda crise social é uma situação de
conflito, onde a classe operária é atacada e não, no começo, atacante. Isso
revela o ódio dos pequenos burgueses ao conflito: sentem “dó” dos precários,
mas os querem passivos, sem stress social. A crise econômica, as lutas, a politização
das classes médias, as divisões interburguesas, a crise do regime, a crise do
PT (com a CUT, principal trava ao movimento de massa) revelam uma situação
pré-revolucionária; “onda conservadora” é uma elaboração idealista, antimarxista.
E mais, Gramsci era um revolucionário, mas seus seguidores invertem o método:
no lugar de partirem da economia para observar a luta de classes, que é o motor
real da história, e daí irem às superestruturas (Estado, consciência, etc.),
fazem o contrário, começam a análise pela superestrutura! Isso tem uma razão de
classe oculta: são servidores do Estado mais ou menos bem pagos e/ou burocratas
de sindicatos, ou seja, amantes da superestrutura, que os sustenta.
Dito isso, um pequeno e
firme partido de quadros é tarefa imediata. Um partido comunista não pode ter
soldados, todos devem querer ser generais qualificados; por isso, é preciso um
crescimento intensivo – captação e formação de quadros – antes do crescimento
extensivo. Com o tempo, estruturado e com políticas corretas, abrir-se-á a
possibilidade de ganhar milhares de milhares de ativistas honestos e talentosos,
mas ligados a grupos centristas e reformistas. O tempo é limitado.
Quanto
ao tempo, há um grande debate sobre a necessidade, ou não, de uma frente de
esquerda. Qual a tua posição?
Lenin: Mais uma vez, não
é complicado, embora as pessoas não gostem de saber que certas coisas são
simples. PSTU, PSOL, PCB e outros partidos da oposição de esquerda ao PT são
muito minoritários, quase marginais. Não podem formar, por exemplo, uma greve
geral. O que fazer? Uma frente onde lutarão por pautas consensuais, em comum:
1) eleições gerais; 2) contra os efeitos da crise; 3) preparar três dias de
luta nacional com pautas concretas; 4) impulsionar associações por emprego. “Frente”
é uma unidade de ação prolongada, porém com prazo de validade: cada organização
deve produzir seus próprios materiais, os partidos mantêm suas autonomias, a
crítica interorgnizações deve ser livre.
Isso me obriga a comentar
a questão das palavras de ordem. Não temos condição de fazer uma greve geral
porque a burocracia domina quase a totalidade dos sindicatos, mas pode prepara-la
exigindo três dias de paralizações por todo o país; é impossível, agora, formar
organismo de poder, mas podemos impulsionar lutas e preparar as sementes, que
são estas: “comitês de base dos trabalhadores contra a crise” que se devem
formar nos bairros, com ajuda dos desempregados, e nos locais de trabalho.
Serão organismos de luta, independentes dos sindicatos, proporão a abertura das
contas das empresas, apresentarão propostas práticas, impulsionarão as greves, etc.
Se está correta a tese de que a recessão chinesa gerará um duplo mergulho brasileiro
na crise, então a formação desses comitês de luta, paralelo aos sindicatos,
estará na ordem do dia.
Isso
é realmente possível?
Lenin: Sim, e o país
tem duas vantagens: entre 2010 e 2014, transição de uma situação
não-revolucionária para uma pré-revolucionária, o movimento de massas lutou
muito e obteve, em geral, inúmeras vitórias. Isso foi educativo, preparador. A
segunda, a maioria dos sindicatos getulhistas são burocráticos demais para seguir
a base.
Permita-me dar um
exemplo. Em agosto de 1917 as condições para uma revolução socialista estavam
maduras “em si”, porém o partido atrasou este fato até outubro; por quê?
Precisamos adiar a tomada do poder porque o partido ainda estava despreparado,
porque precisávamos espalhar os sovietes no campo, porque precisávamos crescer
mais. Em outro momento, precisamos adotar a NEP, elementos capitalistas, um
passo atrás, para poder fazer avançar a economia planificada. Não adianta dar
saltos forçados para frente sem condições de suportar as consequências disso. É
momento de preparar o salto, não de saltar.
Lutar em defesa dos
salários, contra o corte de direito, por um plano de obras públicas, redução da
jornada sem redução de salário e gatilho salarial são consignas “simples”, mas de
potencial enorme. Claro, está aberta a possibilidade – e uma luta correta agora
certamente abrirá – para a adoção de propostas mais avançadas, incluso a de
guerra civil contra os patrões e os partidos burgueses.
Lenin,
o senhor é admirado por suas glórias. Para fins históricos, quais os seus
maiores erros?
Lenin: erros nem sempre
são oportunistas. Cometi muitos, a maioria corrigida assim que os percebi. Permita-me
destacar três: 1) fui revolucionário na questão política, mas conservador nas
questões de arte, cultura, educação, ciências, etc.; 2) percebi a degeneração
da sociedade burguesa por meio da degeneração das reações sexuais, porém não vi
o controle do sexo, que é uma necessidade humana, como um dos mecanismos do
controle de classe; 3) o mais importante: na fase final da guerra civil quase o
capitalismo foi restaurado, então limitamos a luta interna já que o partido
poderia quebrar-se em novos pedaços. Preocupados, limitamos o debate interno,
mas isto abriu espaço para a burocratização do partido e do Estado. Pois bem;
hoje eu faria diferente: que o partido rachasse, que desse racha formasse novos
partidos soviéticos, percamos o poder em nome dos princípios, antes capitalismo
restaurado que minha classe sem o poder de Estado. Às vezes, precisamos correr
o risco de perder tudo, até a vida, em nome dos princípios.
Qual
conselho dá aos militantes do século XXI, em especial aos jovens?
Lenin: Parem de ser
covardes, passivos, mediadores; arrisquem-se. Com responsabilidade e ciência,
mas ousem. Formem partidos dos operários, dos precários, da periferia urbana. A
juventude filha da trabalhadora, sem esperanças com o futuro, vive “uma vida
emocionante, porém curta” envolvendo-se com o tráfico, com o roubo, com o
risco, com o pequeno-grande prestígio, etc. Imagine se dedicasse essa raiva, essa
energia, esse fetiche da clandestinidade e do risco para uma boa causa, para a
esperança? Precisamos ganhar estes jovens, a geração dos “de baixo” mais
inteligente da história humana, para um projeto onde se realizem. Disciplina
não é viver só em torno do projeto, isso é clubismo; é possível dedicar-se à revolução
e jogar bola nos finais de semana com os amigos do bairro. E estudem,
camaradas, estudem muito.
No teu caso específico,
camarada João, melhor ir pra casa, viver a vidinha, relaxar, cuidar de si. A
gente deve saber a hora de parar, que tua parte foi feita.
Com
certeza essa parte não irá para a entrevista…
Lenin: Irá, que conheço
o teu tipo. Não me entenda mal, gostei de você, mesmo com este péssimo “espírito
bruto dos russos” que carrego. Talentoso, porém incapaz e arrogante.
Nossa…
(Texto editável.)