J. P. - Teresina-PI
A CATEGORIA MAIS-PODER
O argentino Moreno defende que devemos
escrever um o Capital da política. Para ele, assim como a obra de Marx é a
lógica do objeto estudado, devemos fazer a lógica da política. Faz algum
sentido, mas há exagero. Seu marxismo e sua corrente, da qual faço parte de
modo crítico, foca nas relações de produção e na superestrutura, na sociologia,
sabendo pouco da necessária base econômica. É o marxismo parcial e
relacionalista, sociológico (aliás, Moreno focou seus estudos em sociologia).
Se tal tarefa, que superaria o legado de Maquiavel, for possível, a categoria
de “mais-poder” seria a chave conceitual real de tal empreitada, ponto de
partida inevitável. Neste breve ensaio, exponho alguns de seus aspectos, longo
de esgotá-los, mas com a profundidade suficiente e necessária.
FÁBRICA E DITADURA
Marx expõe em O capital I o despotismo
fabril, além de nas minas etc., a ditadura do patrão e do acionista. No
escravismo grego, a elogiada democracia dos homens livres acompanhava e tinha
por base a ditadura nos campos de trabalho escravo e nos lares contra as
mulheres. Ditadura e democracia podem conviver juntas, aquela sustentando esta.
Mais: a necessidade de implementar um ditadura de Estado capitalista vem tantas
vezes pela necessidade de manter em pé, contra a rebeldia operária, a ditadura
nas empresas. A democracia das reuniões de acionistas na cúpula executiva da
empresa está baseada na mão de ferro contra seus funcionários. Ou a democracia
externa à porta da fábrica existe para manter intacta a ditadura do capital
sobre o trabalho, dentro da empresa. Assim, unimos base econômica-social e
superestrutura objetiva.
O MAIS-PODER
Temos a mais-valia, o mais-capital, o
mais-trabalho, o mais-produto e o hipotético mais-de-gozar. Penso, eis a tese,
que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se
desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor,
menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero: um perde na proporção em
que o outro ganha. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos
mercadológicos que buscam um conceito novo a cada instante, artificial e
exótico, para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim
abstrato. Tal luta também é pessoal.
ACRÉSCIMO DE PODER
Nem tudo pode ser quantificado, por
exemplo, o valor artístico, que deriva de seu trabalho útil, não cabe em
números nem em seu preço. No entanto, torna-se possível perceber que o poder
aumenta de modo geral. Ao desenvolver a técnica e a sociedade, o homem aumentou
cada vez mais seu poder sobre a natureza (e, assim, sobre o próprio homem até
aqui). Tal poder, até agora, ainda exclui sua má distribuição entre os homens,
tratamo-lo como geral e abstrato.
O poder deriva também, por isso, de
ferramentas e como elas estão distribuídas. O arranjo do capitalismo, como tudo
está organizado, torna-se base do poder do capitalista, ou melhor, do capital.
Hoje, para haver poder socialista, basta o rearranjo social – o que exige um
Estado paralelo.
Assim, o poder na história não permanece
o que é, ou seja, estático ou permanente. Sua grandeza, se podemos dizer de tal
modo, acresce ou reduz. Existir poder é condição de mais-poder; de modo
relativo, este surge apenas quando aquele atinge certo valor acumulado.
MAIS-PODER E DEMOCRACIA
A democracia não é um acordo, ponto
livremente aceito, mas algo imposto. É uma concessão forçada pelas
circunstâncias. É, portanto, algo inerentemente instável e parte de uma luta
permanente. Para haver qualquer tipo de democracia deve haver, também, todas as
condições para ela. Dito isso, não havia democracia nos Estados “socialistas”
do século XX porque não havia condições tanto para o socialismo quanto para sua
democracia direta. A internet, por exemplo, exige e possibilita, enfim, a
democracia socialista real.
A democracia grega foi forçada a surgir
por causa da forte classe dos comerciantes, da urbanização, da quantidade
enorme de homens livres urbanos etc. Fui fruto da matéria, não da ideia. Embora
muitos quisessem uma ditadura, em especial na época de decadência do escravismo
grego, a configuração da realidade obrigava a diluir um tanto o mais-poder,
baseado na falta de poder do escravo, na sua coisificação não desejante
aparente.
Quando o Brasil deixou a ditadura na
década de 1980, o poder antes muito concentrado teve de ser diluído um tanto,
fragmentado (num bom sentido). O povo passou a eleger seu presidente. Isso
aconteceu para evitar uma guerra civil, teve-se de ceder ao poder real dos pés
nas praças e ruas. A democracia é uma forma de os pobres não matarem os ricos –
logo, uma falsa democracia que visa uma paz social artificial. Diante de uma
realidade instável, uma nação pobre e com muita luta de classes parcial, o
presidencialismo, concentrar o poder no chefe executivo, tornou-se uma
necessidade. O parlamentarismo é para países urbanos mais estáveis, ou seja,
mais ricos. Já nos países rurais é comum o bonapartismo, ou seja, ditaduras do
executivo em geral militar que até permite a existência de 2 ou mais partidos.
A urbanidade é a casa da democracia:
nela, as ideias circulam ao lado dos protestos. Torna-se mais difícil
concentrar o poder e, logo, o mais-poder. Por isso, o fascismo ocorre em países
mais urbanos, diferente do bonapartismo, pois tem de impor uma derrota
fortíssima sobre o movimento operário e popular concentrado usando de métodos
de guerra civil.
A ditadura concentra poder, logo um
tanto mais de mais-poder em poucas mãos; a democracia, dá algum poder maior,
liberdade, aos trabalhadores. Mas não vale a pena iludir-se com tal conquista
parcial, embora positiva. O poder nunca flutua no ar de modo estável e
uniforme.
O mais-poder, enfim, nunca é apenas
estatal, pois é um poder de classe, de uma classe social – os ricos de todas as
épocas – contra outra.
Poder é garantir que tudo funciona de
tal ou qual modo. Com a crise mundial de 2008, mais a precarização do trabalho
(fim da classe média), o governo Obama nos EUA tentou tirar do povo o direito
de ter armas sob a farsa de justificativas humanitárias. A razão de fundo é uma
tentativa de antecipação da burguesia: destruir a possibilidade dos
trabalhadores tomarem o poder, manter o poder estatal burguês, derrotar uma
revolta futura de maneira antecipada. Assim, por causa de luta de classes, o
governo tentou aumentar o mais-poder dos ricos e de seu Estado. As ditaduras
“socialistas” também tiveram como base separar o povo das armas pesadas e
formar um corpo especial de homens armados.
O MAIS-PODER E O MAIS-VALOR
O leitor marxista logo associa a questão
do mais-poder com o mais-valor ou mais-valia. Claro: acumulação de valor na
forma de dinheiro dá ao capitalista – e ao capital! – mais-poder em toda a
sociedade. Somos jugados pelo que temos nos nossos bolsos.
Mas a coisa é mais sofisticada… O poder
do valor também se faz sobre os burgueses, pois o que há de fato é a alienação.
Há um poder do mundo das coisas sobre o mundo dos homens – o mais-poder, hoje,
do capital. Porque a humanidade está dividida, porque lutamos uns contra os
outros, surgem leis coisais que não foram decididas por ninguém, que surgem da
desorganização da espécie humana. A legalidade apresenta-se, em nosso tempo,
como dinheiro em busca de mais dinheiro um processo que não encontra limite,
freio, bom-senso etc. – valor que se autovaloriza, valor como
sujeito-substância. O valor torna-se a alma tarada das coisas.
MAIS-PODER E BUROCRACIA
O burocrata “vermelho” precisava impedir
a democracia socialista, operária, para manter seu cargo, ou seja, seu emprego,
ou seja, seu estilo de vida destacado. Trotsky dizia que, na falta de comida na
guerra, alguém deveria organizar a fila dos alimentos; tal organizador comia
primeiro e comia melhor. O burocrata, apesar disso, morria de medo dos operários,
por isso fazia-lhes concessões diante de uma leve greve. É o preço a se pagar,
o que desestabilizava aquela sociedade.
O irmão menor deles são os burocratas
sindicais no capitalismo: fazem do sindicato o meio por onde engordam; até
fazem assembleias para a greve, mas só enquanto sabem que será aprovado aquilo
que já esperam ser aprovado. Eles precisam justificar à categoria seu cargo,
que merecem estar na direção sindical. Quanto mais-poder tem o dirigente,
menos-poder tem os representados.
No Brasil, a burguesia bruta e
escravocrata pedia a Getúlio Vargas, o ditado, que destruísse o movimento
sindical. Mas ele era um gênio: preferiu torar os sindicatos um meio de
corrupção dos líderes, sindicatos burgueses da classe operária. Assim, o número
de dirigentes de um sindicato é limitado, apenas de haver uma base de
representados enorme, o que concentra poder, mais-poder, na mão de poucos
sindicalistas. Assim, o líder sindical pode tomar certas decisões sem consultar
sua base.
MAIS-PODER E MORAL
Com sua inocência, inevitável em sua
época, Rousseau afirma que nenhum homem deve ser tão pobre a ponto de ter que
se vender, nenhum homem deve ser tão rico a ponto de poder comprar outros
homens. O mais-poder é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade da
abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso
abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder
concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da
inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos
temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para
o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.
MAIS-PODER E ARTE MILITAR
As ditaduras tendem a ter um exército
mais burocrático, com os comandantes concentrando tudo o necessário. Os
exércitos oficiais de países democráticos tendem a ter mais facilidade de dar
iniciativa e autonomia aos grupos de base; isso tende a ser até uma necessidade
da guerra, uma vantagem para quem dirige o aparelho. Esperar que o atarefado
comandante do comandante tome uma decisão é impreciso (pois ele está longe),
atrasa a ação etc. No entanto, a democracia não cabe em exércitos, mesmo nos
revolucionários, como demostrou a revolução russa. É preciso seguir o dirigente
que estudou e preparou-se na prática para bem dirigir: na hora do combate, não
cabe debater decisões e votar. No entanto, outros organismos, como assembleias
na cidade, devem eleger ou demitir tais comandantes.
MAIS-PODER E SOCIALISMO
O socialismo acaba com o mais-poder,
pois o povo passa a decidir tudo o que é central em assembleias diretas,
votações por internet etc. Mas o poder em si mesmo será maior, não menor,
embora radicalmente democraticamente distribuído.
Trata-se de destruir o poder estatal e
empresarial burguês por meio de um Estado paralelo, uma democracia superior,
organismo de poder como assembleias, conselhos e comitês de fábrica.
Na revolução surgirá, por meio do poder
na luta social, um poder real ao lado do poder oficial anterior e caduco.
Chamamos tal regime de regime de duplo poder, o operário e o burguês. Ambos são
irreconciliáveis, apenas um vencerá. Quem decide como e quando produzir? A
vitória operária depende, em grande medida, de um racha nas forças armadas,
quando ganhamos a parte mais pobre dela para nossas posições. Apenas o poder
contra o poder. O poder é, então, abstrato, a realidade social em processo.
MAIS-PODER E FAMÍLIA
O mais-poder do homem baseou-se no fato
de ele ter o poder econômico, sustentar a casa. Ou seja, ele tem meios de
repressão e regulação. Quando a mulher começou a trabalhar fora do lar passou,
também, a ruir tal poderio. No entanto, bem antes havia uma luta oculta na
família. A mulher, sempre que podia, operava manobras para fazer valer sua
vontade; às vezes, usando o sexo como ferramenta de barganha.
Com a crise da família monogâmica e
isolados pais carentes, surgiram formas deformadas de disputa pelo poder.
Temos, por exemplo, crianças mimadas, que manipulam os pais. Mas é de notar que
a opressão sobre os filhos, já citada no Manifesto, nunca foi tema sério nos
meios marxistas; afinal, eles são pais… Como os infantes ainda não são homens
completos, deve haver autoridade e aconselhamento, mas a coisa toda nunca
precisa ser despótica. Autoridade nem sempre é autoritarismo.
MAIS-PODER, HOBBES E MAQUIAVEL
No marxismo, refutamos uma teoria
desenvolvendo ela mesmo até o limite, até extrapolá-la pode dentro de si. A
teoria de que o mundo era uma guerra civil animal e o estado vem para organizar
tudo, preservar a vida, reduzindo a negativa liberdade (caos)., está errada –
mas tem alguma verdade. Coma altíssima urbanização brasileira, veio a crise
estrutural do Estado, logo este se demitiu de agir na periferia urbana. A
guerra de gangues aí era permanente, morte sobre morte. Então o tráfico e a
milícia impôs a ordem, proibiu assaltos na região, organizou a comunidade, faz
festas e bailes, gerou empregos, ofereceu serviços e cobrou impostos ou taxas etc.
Claro, tudo por lucro e oportunismo. Mas surgiu um quase-estado não paralelo,
um poder e um mais-poder, em tais regiões.
Sobre o italiano, lembremos que sua
ambição era unificar a fragmentada Itália. Para isso, pesou que um grande e
sábio príncipe, concentrador de poder, mais-poder, deveria cumprir tal tarefa.
Daí, por exemplo, o motivo de estudar a “arte da guerra”, com uma obra sua de
mesmo nome.
MAIS-PODER E MATÉRIA
Mais-poder é concentrar materiais como
dinheiro, armas e humanos ao seu serviço. Ter mais-matéria é, nesse caso, ter mais-poder
se a materialidade está organizada e arranjada de tal ou qual modo.
MAIS-PODER: FORMA E CONTEÚDO
O conteúdo pode ter diferentes formas,
eis a dialética. O mesmo poder abstrato e concreto que está no Estado burguês
pode passar-se para o estado operário. O conteúdo disputado pelas formas, muda
de forma.
Capítulo do livro "A crise sistêmica".