PSIQUE
Para
a crítica da psicologia
Por
uma psicologia marxista
J. P.
Temos, aqui, uma pesquisa completa, sistemática, mas ainda
inconclusa. Alcancei uma série de conclusões sobre o tema cuja exposição não
precisa ser adiada. A obra completa terá três partes: psique, ética e estética
– marxistas. Tais terrenos precisam das sementes de nossa tradição, ainda. A
psicologia marxista é uma das grandes tarefas intelectuais da humanidade. Como
veremos, nem sempre o indivíduo será o foco, embora ele importe muito. Mudamos
o ângulo e o foco desta ciência incompleta, que nunca poderá se sustentar por
seus próprios pés sem mais.
Uma das ideias vulgarizadas do marxismo é esta: o modo como
vivemos determina o modo como pensamos. As ideias e sentimento nunca serão um
raio em céu azul. No mais, elas são materiais e forças materiais. Nossa cabeça é
concreta. Por muito tempo, por um materialismo vulgar e unicausal, os marxismo
consideraram a idealidade como determinada mecanicamente pela economia; logo, havia
uma desestímulo à pesquisa desse mundo, dessa esfera, desse complexo. Mas as
partes de uma totalidade influenciam reciprocamente umas às outras, além de
possuírem uma autonomia relativa. A onda de depressão e suicídio em nosso tempo
exige uma psicologia dialética para ontem e para o amanhã. A ideia de que somos
determinados pelo meio tem altíssima validade, porém nada explica por si, sem
pesquisa.
A existência de várias psicologias, várias escolas, demonstra
uma incompletude de tal ciência – teses e ângulos parciais surgem. A hora é de
ao fundo, ao fundamento. Temos prédios frágeis por bases frágeis. Trata-se,
portanto, de fundar uma teoria unificada da psique. O pluralismo teórico e
metodológico pouco ajuda; apesar disso, devemos ouvir as diferentes vertentes,
pois todas têm um lado da verdade, que é o todo. Sem dialética, impossível uma
ciência da psicologia.
Nosso objetivo, o objetivo da psicologia e do marxismo, nada
mais é que tornar a vida humana, além da natureza, mais feliz, mais realizada –
a humanização da humanidade. Por isso, separar o estudo da mente das questões
gerais do destino humano é um erro enorme.
A vida deve ser vivida, não apenas sobrevivida. A felicidade relativa
deve ser para agora, não para outro mundo. Se todos exigirmos uma vida que vale
a pena, o sistema cai. Eis a verdade oculta.
A psicologia verdadeira é necessariamente anticapitalista.
GLOSSÁRIO
Parte
1
Aspectos
de base
Natureza humana
Materialismo ou idealismo?
Subjetivação da objetividade
Parte
2
Psicologia
e economia
Fixações históricas
Os movimentos da subjetividade
na objetividade em crise
Curvas de desenvolvimento e
superestrutura subjetiva
Dialética do inconsciente ao
consciente
Declínio geral da psique
Apontamentos sobre psicologia
n’o capital
Parte
3
Psicologia
e estrutura
Classes e psicologia
Dialética do senhor e do
escravo
Cinismo: teatro social
O mais-poder
Lei da população
Parte
4
Psicologia
e superestrutura
A liberdade objetiva ou
dialética
Desenvolvimento intelectivo
A arte
Propostas estéticas –
dialeticismo
Vontade e razão
A informação
Líder e perfil organizativo
Crise, alma e posição social
do cientista
A consciência socialista
Pós-modernismo de esquerda
Etapas da suprerestrutura
subjetiva (ciência)
Tda
Linguagem
Ideologia
Conciência
O marxismo bárbaro
O ódio político
Método empírico-dedutivo
Luta política, luta de classes
Aspectos do maxismo
Marxismos
Fé e razão
Semideuses modernos
Sentimento de guerra
Psicologia da guerra
Sentimento de decadênica de
sua espécie
Essência ou existência?
Hábito democrático no
socialismo
A decadência da democracia dos
ricos
A psicologia do fascismo
Teses para uma ética marxista
Teleologia objetiva
Identidade e unidade de
sujeito e objeto
Relação
Desejos opostos
Afetividade: intensivo e
extensivo
Angústia
Fenômenos comuns
Parte
5
Esboço
para a crítica das categorias da psicanálise
Sonhos, empirismo e dialética
Pulsões de vida e de morte
Complexo de cronos
Energia – princípios do prazer
e da realidade
Personalidade: defeitos e
qualidades
O inconsciente organizado
Personalidade e perfil físico
Teoria do sincronismo
Nomes e personalidade
Pecados e personalidades
Inconsciente e mente
A tríade de perfis
psicológicos
Falar-pensar –
agir-comportar-se
Transtorno opositor
persistente
Repressão familiar
A teoria unificada do
desenvolvimento
Clínica – social e pessoal
Complexo de caim – leis e
essência humana
Assimilação por afastamento
O lugar destas ideias
Psicologia marxista
Parte
6
Dinâmicas
Crise da família monogâmica
Sobre a prática da educação
Teoria marxista da alienação
PARTE 1
ASPECTOS DE BASE
NATUREZA HUMANA
“Aqui, a liberdade não pode ser mais do
que o fato de que o homem socializado, os produtores associados, regulem
racionalmente esse seu metabolismo com a natureza, submetendo-o a seu controle
coletivo, em vez de serem dominados por ele como por um poder cego; que o façam
com o mínimo emprego de forças possíveis e sob as condições mais dignas e em
conformidade com sua natureza humana.”
Em O Capital I, Marx toma nota:
Aplicado ao homem, isso significa que,
se quiséssemos julgar segundo o princípio da utilidade todas as ações,
movimentos, relações etc. do homem, teríamos de nos ocupar primeiramente da
natureza humana em geral e, em seguida, da natureza humana historicamente
modificada em cada época. Bentham não tem tempo para essas inutilidades.
O mouro faz uma crítica e aponta o
procedimento metodológico. No entanto, os marxistas
1) Confundem
natureza humana com personalidade;
2) Confundem
natureza humana com moral;
3) Enfim,
confundem “natureza humana em geral” com “natureza humana historicamente
modificada em cada época”.
O primeiro passo para avançarmos dar-se
por meio da teoria marxista da alienação. Em resumo, alienação é
1) Fragmentação
do homem, seu afastamento de relações plenas com a comunidade;
2) Domínio
do homem sobre o homem, a coisificação do semelhante (machismo, classes
sociais, homofobia, xenofobia etc.);
3) Exclusão
do homem de sua criatividade, capacidade singular da espécie, de imaginar e
colocar em prática de modo ativo.
Ou seja:
1) Separação
do homem da sociedade a qual integra;
2) Separação
do homem dos iguais, dos outros homens;
3) Separação
do homem de si próprio.[1]
Em duas sentenças de Marx: a
valorização do mundo das coisas em proporção à desvalorização do mundo dos
homens; humanização das coisas e coisificação dos homens.
Dada a base, basta-nos rastrear a
equação: se há alienação, há algo negado – algo alienado. Invertamos,
deduzamos: seria qual a solução da alienação, o inverso?
1) Integração
dos homens;
2) Relações
mutualistas;
3) Ser
ativo.
Estamos diante da essência biossocial.
E esta descoberta tem implicações sobre todas as ciências humanas, além da
psicologia.
Qual, portanto, a origem da natureza
humana? Dos primatas que desceram das árvores nas savanas[2]
até o homo sapiens sapiens ocorreu um longuíssimo período de formação da nossa
espécie por meio da seleção dos mais aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil
facilitava a prática do que hoje é essência humana adquiriam probabilidade
maior de sobrevivência, perpetuavam-se[3].
Por isso, por história da humanidade devemos considerar, também, a história da
formação da nossa própria espécie, isto é, a importância da biologia na
formação do pensamento marxista. Resolvemos, então, a oposição sobre se a
essência é histórica ou natural. Assim, superamos o falso “historicismo” e a
tese pós-moderna de que tudo é – limita-se à – construção social[4].
É a formação do homem como formação do próprio homem, do orgânico ao social[5].
Em elaboração geral, a alienação ocorre
quando o mundo gerado pelo homem ganha autonomia frente a este e volta-se
contra ele – a criatura passa a dominar o criador. É preciso, pois, ver a
alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo, assim como a
natureza humana – interno e externo ao indivíduo. Tem sua existência na
totalidade social e na psique. Destacamos aqui a psicologia por ser esta a
questão que esta ciência faltou resolver, a natureza humana, seja por ideologia
ou por pouco interesse pela filosofia marxista na ciência oficial.
No entanto, curioso o espanto causado
por esta exposição entre marxistas. Ficamos diante das observações: se a
natureza é apenas histórica no sentido dos modos de produção, o homem é de fato
adaptável – logo a alienação social não explicaria a onda de depressão e
suicídio? Se explica, há algo de fato negado. Se o homem é, em essência, apenas
o determinado pelo modo de produção, adaptar-se-ia às condições dadas sem maiores
prejuízos, senão físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma resposta própria
do marxismo percebe contradição entre natureza humana historicamente modificada
em cada época e natureza humana em geral. Entre as tarefas dos homens e
mulheres no e rumo ao socialismo será resolver este problema objetivo.[6]
Mário Bunge, o menos limitado dos
filósofos oficiais da atualidade, socialista utópico que nada compreendeu do
método de Marx, assim expressa, de modo correto:
Estamos vivendo a década do cérebro.
Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais
são as partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir
que dar traz muito mais prazer que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que
sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se também, que a desigualdade é
muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por sua
vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o
cérebro. Nos países mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os
costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que os norte-americanos. Ganham
muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são mais
igualitários.
Complementamos que, socialmente, o
altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter na outra ponta
da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação. Por isso mais correto é o
estabelecimento do mutualismo, que supera os opostos, como expressão categorial
da essência humana[7].
Vejamos o que diz Mèszáros:
Termos como malevolência, egoísmo,
maldade etc. Não podem existir sozinhos, ou seja, sem a contrapartida positiva.
Mas isso também se aplica aos termos positivos
desses pares opostos. Desse modo, não importa qual o lado adotado por um
determinado filósofo moral em sua definição de natureza humana como
inerentemente egoísta ou maldosa, ou altruísta e bondosa: ele acabará
necessariamente com um sistema totalmente dualista de filosofia. Não se pode
evitar isso sem negar que ambos os lados desses opostos são inerentes à própria
natureza humana. (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 151)
Ele Critica o kantismo, porém continua
preso à dialética kantista. Deve-se ver a unidade superante dos opostos, além
do desenvolver lógico e histórico das categorias. O nem positivo nem negativo
passa para o positivo e negativo, que são superados em um novo nem negativo nem
positivo. Assim, a negação prática da natureza humana levou a formar uma
oposição entre egoísmo e altruísmo, superada – suprassumida – pelo mutualismo.
Se o caráter comunitário, por exemplo,
é natural entre nossos primos evolutivos, ele salta de natural para social na
espécie humana. Tal mudança qualitativa de natureza é incompreendida. O aspecto
natural da espécie não é destruída mas suprassumida numa nova natureza, a
natureza humana[8]. É mais
do que o comunitário natural, sendo elevado, mais dinâmico e complexo, ao
social por meio do trabalho.
Se abstraímos as origens físicas, parte
significativa das doenças mentais possui origem na alienação, ou melhor, na não
satisfação da natureza humana. A solidão excessiva, por exemplo, degenera e
pode acarretar problemas como a paranoia, que expressa a necessidade de
interação. Essa observação simples demonstra a inerência de certas
características. Viver agrupado é mais do que uma vantagem evolutiva externa,
pois está instalada no aparelho psíquico como necessidade, como exigência a ser
satisfeita. O trabalho alienado, repetitivo e vazio de sentido, negação do
caráter ativo do homem, é outro exemplo de insatisfação, que estressa o
trabalhador.
A teoria unificada da psicologia é uma
tarefa por se fazer, no entanto muitos marxistas recuam. Não contradição na
relação entre as naturezas humanas geral e histórica é o que se pode concluir
de modo equivocado. É tarefa socialista desenvolver, na medida em que sua base
material amadurece, uma nova relação, ainda dinâmica, entre natureza humana e
sociedade e entre natureza humana e a superestrutura subjetiva (moral,
concepções, etc.)
À concepção neoliberal de natureza
humana – individualista, concorrencial e otimizador de bens – opomos outra,
esta sim assentada na mais avançada apreensão científica de nossa época,
corroborada pelas descobertas da ciência[9].
A concepção burguesa, sempre requentada, corresponde à imposição do mundo das
coisas sobre a psique, tem caráter empírico mas naturalizado, não histórico,
incorrespondente, também, com a história da formação de nossa espécie. Trata-se
de diferenciar o conjuntural do estrutural e de expor a contradição que daí
deriva.
Por seu lado, o falso “historicismo”
foi uma forma incompleta mas muito eficiente ao afirmar o homem, o caráter
social da espécie. O enfrentamento contra o darwinismo social puxou a balança
para o lado oposto. Agora devemos limpar caminho contra o determinismo genético
por outro meio: considerando o natural, o social e o “um no outro” entre os
humanos. As condições históricas, científicas e ideológicas permitem o avanço. Supera-se
a unilateralidade da observação focada exclusivamente num ou noutro polo, sendo
o polo determinante o social.
Apoiados na categoria trabalho como
categoria fundante do homem, podemos enfim superar a obra de Freud, que tem
resistido bem até aqui às duras críticas e elaborações alternativas. A psicanálise,
por não ter uma concepção própria de natureza humana, acaba cedendo à visão
oficial, o homem enquanto lobo do homem. Todas as versões críticas anteriores
sucumbiram e tomaram posição inferior no trato sobre a psique porque falharam
onde também a concepção freudiana falhou. Não mais se trata de atualizar mas de
ir além, suprassumir o legado psicanalista[10].
***
Na consideração das características
essenciais da psique humana, devemos tomar uma exceção: o psicopata. Desprovido
de estrutura cerebral e mental para a empatia e as emoções, a personalidade
psicopática arranja-se fora da natureza humana.
Seguindo o caminho frio do dinheiro e
da luta de todos contra todos, os tipos psicopáticos tendem a estar em cargos
de destaque: líderes religiosos, políticos, diretores de empresas. É o perfil
que melhor acomoda-se às exigências subjetivas do capital. A luta de classes
torna-se, em certa medida, contanto considerado sua natureza social, uma luta
biológica.
***
A consideração mais sábia sobre a
felicidade humana afirma que ela é impossível, portanto devemos buscar, com
todas as dificuldades inevitáveis, uma vida que valha a pena. Tentar ser feliz,
portanto, aparece como mera ingenuidade.
Neste nível do considerar, separemos
alegria, um estado momentâneo de emoção, da felicidade, uma condição material.
Este último é a palavra mais próxima antônima de alienação. Esta expressão, em
oposição àquela, existe porque é necessário falar de um estado de coisas tão
presente, enquanto falta nome melhor para o seu inverso, já que é escasso.
Ter uma vida feliz é ser feliz em
determinadas condições. O grande tema do marxismo é a felicidade e todos os
meios são pensados, pelo ponto de vista revolucionário, para nos aproximarmos
de tal fim.
O mundo contemporâneo busca ser feliz
por meio da teologia da prosperidade, da autoajuda, do esforço sobre-humano,
etc. Vivemos uma época de coisas ricas e abundantes em si próprias, quase como
se a felicidade pudesse ser e não ser tocada. A possibilidade latente de uma
vida plena, ainda exigente de esforço e disciplina, sentida pela intuição
geral, revela-se de fato como apenas em latência.
Lembremos que a alienação, cujo oposto
combina as palavras felicidade e liberdade, não é, em primeiro, um fenômeno
psicológico. Um burguês é feliz com sua alienação, pois está no polo positivo,
vencedor. Por outro lado, se sua condição de vida deixa de satisfazer a
natureza humana, pode até mesmo viver em depressão e depender de remédios
psiquiátricos.
Podemos determinar neste subcapítulo
uma previsão e uma exigência: a plena integração das coisas ocorrerá a partir,
somente se, da plena integração dos homens – entre eles e consigo próprios[11].
Dito de outro modo, a fusão futura da arte e da vida idealizada por Nietzsche
encontra uma versão realista no socialismo. A humanização do homem, sua
emancipação, sua saída da pré-história, se dá por um longo processo de
desumanização, por meio da alienação, por meio do inverso.
***
Pode-se argumentar que a natureza
humana é dada pelas condições materiais existentes. Ora, o cérebro humano é uma
“condição material existente” e tem suas exigências de satisfação. Muitos
marxistas, ao considerarem apenas a natureza conjuntural, tomam a essência do
homem em uma sociedade como sua própria visão ideológica – no bom e no mau sentido
– que a mesma sociedade tem de si. Assim, a essência humana seria de homem
senhor de escravo no escravismo segundo a posição de seus filósofos, de um
pecador no feudalismo de acordo com os pensadores teólogos e de egoísta no
capitalismo como afirmam seus sérios ideólogos. A essência humana conjuntural
confunde-se com o julgamento que os homens fazem de si. Para alcançar uma
posição superior, uma pequena dose de biologia na produção teórica é necessária
e pode manter-se, como vemos, dentro dos limites do ortodoxismo. O homem é um
ser social, mas ainda um animal; tem em si aspectos sociais, naturais,
sócionaturais e naturais socialmente modificadas[12].
***
A revolução socialista seria a
realização e uma imposição da essência humana? Uma situação revolucionária
surge quando as condições sociais de existência faltam ser atendidas e quando
as necessidades humanas (também socialmente criadas e desenvolvidas) precisam e
carecem de ser satisfeitas. É claro que a contradição entre natureza humana e
os sistemas de dominação classista tem sua importância e são resolvidas pelo
socialismo, mas a realidade material pesa mais e é mais ampla.
***
Para esgotar os argumentos contra a
descoberta de uma essência ou natureza humana em geral, dedicamo-nos a mais um
aspecto. Alguns camaradas tratam o tema defendendo que Marx parte da concepção
de que não há natureza humana natural, e haveria apenas essência histórica como
ponto de partida de seus estudos. Isso é um erro, pois partir de um postulado
qualquer, como afirmar que a essência humana responde apenas aos modos de
produção, trata-se do método de investigação dedutivo, não do método dialético,
que é o de Marx. Uma concepção deve ser um resultado da investigação
científica, não seu ponto de partida. No mais, abrimos este capítulo com duas
citações de Marx que sugerem claramente uma concepção diferente de natureza
humana. Dito de outro modo: uma “premissa”, se escolhêssemos este caminho
metodológico, deve ser abandonada sem rodeios assim que a pesquisa exigir outro
resultado, outra conclusão. Do contrário, tratar-se-ia de um dogmatismo quase
religioso, que despreza o real (assim como os avanços da ciência). O marxismo
nunca parte de concepções arbitrárias para entender o mundo; seu ponto de
partida é a empiria, o factual. Se há ou não uma essência humana “natural”,
sendo também histórica ao seu modo como demonstramos, deve ser um resultado,
não um começo.
***
Esta nova concepção marxista de
essência ou natureza humana explica, supera e suprassume as concepções
anteriores. Vejamos dois casos destacados na história da filosofia. Aristóteles
afirmou que o homem é um animal político, da pólis, da comunidade – expressando
o ser integrado, indiretamente o ser mutualista; afirmou ainda que o homem é um
animal racional – expressando o ser ativo, embora do ponto de vista
escravocrata, do trabalho intelectual. Hobbes afirmou do homem a competição, a
desconfiança e a glória – exatamente ligados, embora por negação, com a
integração, o mutualismo e o ativismo. Marx e Engels demonstraram que o homem
só pode ser individualista e egoísta em sociedade, ou seja, de algum modo
integrado. Todas as concepções rementem, mesmo que de modo negativo, incluso a
concepção neoliberal antes citada, à essência humana em geral, ainda que exija
trabalho filosófico-científico para perceber o lastro. Na revolução francesa,
tivemos a bandeira da liberdade (ser ativo), igualdade (ser integrado, ser
mutualista) e fraternidade (ser integrado, ser mutualista) como instinto
revolucionário daquilo que é essencial em nossa natureza. Feuerbach filosofou
que Deus é expressão da essência humana alienada; se tomamos a filosofia
cristã, o Deus-pai criador é alienação o ser ativo, o filho expressa o ser
mutualista e o espírito santo expressa o ser integrado. Hegel demonstrou que no
começo da história, no primitivismo e no mundo antigo, a sociedade (ser
integrado) é tudo e o indivíduo (ser ativo) é nada; por transição na Idade
Média, o mundo moderno fundou a concepção de que o indivíduo (ser ativo) é tudo
e a sociedade (ser integrado) é nada; segundo ele, chegaríamos, ainda sob o
capitalismo, à concepção de que a afirmação e o desenvolvimento do indivíduo
são, também, a afirmação e desenvolvimento da sociedade, e vice-versa, sem mais
tal oposição, em progressão mútua – seu projeto teve de ser adiado para
realização socialista, onde a afirmação e desenvolvimento de ambos realizará a
natureza de nossa espécie (com o mutualismo enquanto unidade de ser integrado e
ser ativo, etc.). O comunismo é a afirmação completa do indivíduo, não sua
negação, como indivíduo que só é todo seu potencial em plena comunidade plena.
Em Hegel, no campo da Lógica, vemos que
o individualismo é a negação do indivíduo:
A autossubsistência, levada ao extremo
do uno que é para si, é a autossubsistência abstrata e formal que destrói a si
mesma, o erro supremo e mais obstinado que se toma pela verdade suprema, - que
aparece em formas mais concretas como liberdade abstrata, como Eu puro e,
então, ulteriormente, como o mal. É a liberdade que assim se equivoca ao pôr
sua essência nessa abstração e, neste ser junto de si, gaba-se de alcançar-se
em sua pureza. Esta autossubsistência é, de maneira mais determinada, o erro de
considerar o que é sua própria essência como negativo e de comportar-se frente
a isso de modo negativo. Ela é, assim, o comportamento negativo frente a si
mesmo que, na medida em que ele quer alcançar o seu próprio ser, destrói o
mesmo, e esse atuar é apenas a manifestação da nulidade desse atuar. A
reconciliação é o reconhecimento daquilo, contra o que o comportamento negativo
se dirige, antes, como sua essência e [a reconciliação] é apenas como desistir da negatividade do seu ser para si, ao invés de manter-se
firme nele.
O ser mutualista e o ser ativo
preservam o para si, suprassumindo-o. O individualismo exacerbado neoliberal é,
assim, de certa forma, um ato de transformar, apenas idealmente, necessidade ou
condição em virtude.
Em Heiddegger, o ser-para-mundo, o
impulso para além de si do homem (o ser aí), com o cuidado dos utensílios, com
os quais interage, influenciando-se mutuamente, é uma versão inferior e parcial
do ser ativo. O ser-para-outro corresponde, embora de modo deficitário, quase unilateral,
ao ser mutualista e, indiretamente, ao ser integrado. O ser-para-a-morte,
reconhecer a própria finitude, então fazendo a vida valer a pena, leva ao
correspondente ao ser ativo.
Sartre, com seu existencialismo,
expressando a classe média no auge do capitalismo europeu, defendeu que o
inferno são os outros. Isso apenas se sustenta na escassez, na luta de todos
contra todos – mas nada somos sem outro humano. Ele afirma o ser ativo, negando
o ser integrado e o ser mutualista. É unilateral, portanto.
O ser integrado expressa a essência
humana no geral, no universal; o ser mutualista expressa a essência humana no
particular; o ser ativo expressa a essência humana no individual, no singular.
Também: o ser integrado liga-se ao objetivo; o ser mutualista liga-se ao
intersubjetivo; o ser ativo liga-se ao subjetivo.
Se o capital é, como dizem os marxistas
modernos, antissocial intrinsecamente; cumpre notar que ele produz uma essência
humana histórica também antissocial ou destrutiva, contra a essência humana em
geral.
MATERIALISMO OU IDEALISMO?
Grosso modo, o idealismo é afirmar que a
ideia e seu desenvolvimento faz a realidade enquanto o materialismo, oposto,
afirma que a realidade, a matéria, faz o pensamento. Marx adota a segunda
posição, às vezes de modo muito intenso. Mas o mais correto é dizer: o marxismo
é a fusão de idealismo e de materialismo num terceiro, o terceiro excluído
incluído. É verdade que a matéria faz, primeiro, a ideia, mas, sendo a ideia
uma forma toda especial e mui complexa de matéria, ela tem uma autonomia
parcial, relativa, além de ser trabalho, de ser produtiva (cérebro) – a ideia,
a idealidade, também afeta o mundo, em principal o social. O polo determinante
dessa unidade é o materialismo, mas não de modo mecânico, unicausal, sem mediações
(ele se medeia, no externo, consigo mesmo como se com outro, outro de si). Por
isso fazemos de fato nossa história, pessoal e social, mas sob dadas condições
materiais. O marxismo supera a oposição unilateral entre materialismo e
idealismo, conclui a história da filosofia.
Vale uma construção lógica. Na lógica
aristotélica, A = x ou não-x, sem terceira resposta, sem um terceiro, que é
excluído – ou materialismo ou idealismo. Na velha dialética, existe a verdade
exato nesse terceiro, que passa a ser incluído. Mas o terceiro costuma não ser
nomeado, “entre” o relativo e o absoluto, podemos apenas aproximar com o
relativamente relativo; “entre” o materialismo e o idealismo não há, também,
nomeação. Na nova dialética, mantendo em pé a velha, x vai até não-x em “A”.
Assim, o materialismo em autodesenvolvimento constrói o ideal, o idealismo, sem
deixar de ser o “material” o verdadeiro motor primeiro e o centro, a verdade.
Esse caminho do materialismo para o idealismo relativo é o caminho da
sociabilidade cega existente até a sociabilidade organizada e planejada,
central e democraticamente, no socialismo, quando a ideia fazer a matéria
ganhará mais peso, ainda subordinado ao polo oposto unilateral, o materialismo.
O terceiro, que supera o materialismo e o idealismo, desenvolve-se,
dinamiza-se. O idealismo (abstrato) é o materialismo (concreto) em
autodesenvolvimento (processo).
Eis nossas conclusões, um novo marxismo.
Mas precisamos limpar o terreno para ganhar outros marxistas para nossa
concepção. O velho Marx, d’O Capital, adotou o materialismo “duro e rígido”.
Após elogiar muito um dos seus críticos, ele cita um comentário à sua obra, que
diz:
Para
tanto, é plenamente suficiente que ele demonstre, juntamente com a necessidade
da ordem atual, a necessidade de outra ordem, para a qual a primeira tem
INEVITALVELMENTE de transitar, sendo ABSOLUTAMENTE INDIFERENTE se os homens
acreditam nisso ou não, se têm consciência disso ou não. (…) Se o elemento
CONSCIENTE desempenha um papel tão subalterno na história da civilização, é
evidente que a crítica que tem por objeto a própria civilização está
impossibilitada, mais do que qualquer outra, de ter como fundamento uma forma
ou resultado qualquer da consciência.
Segundo o próprio Marx, o comentador foi
preciso, exato:
Ao
descrever de modo tão acertado meu verdadeiro método, bem como a aplicação
pessoal que faço deste último, que outra coisa fez o autor senão descrever o
método dialético? (Idem, p. 90)
O trecho tem outros pontos semelhantes
ao exposto. Ademais, para Marx, a vontade do capitalista não é a vontade dele
próprio, mas do capital impessoal, que se expressa no indivíduo.
O jovem Marx, em textos não publicados
em especial, ao menos esboçou nossa concepção. A posição materialista
unilateral é substancialista; a idealista, relacionalista. Em outro capítulo,
demonstraremos que Marx pendula entre a concepção de substância e de relação,
apesar de sua revolução teórica-metodológica e resolver várias oposições entre
esses dois pontos de partida.
A velha geração marxista afirma que
tentar antecipar aspectos gerais do socialismo, mesmo durante o ocaso maduro do
atual sistema, trata-se de idealismo… Mas o ideal importa, a arte marxista é,
também, prever, uma historiografia do futuro possível a partir das bases
materiais presentes.
O materialismo focou no aspecto animal
do homem; o idealismo, na sua diferença para com os demais seres
A própria realidade quebra-se em
materialismo e idealismo. Materialismo – trabalho manual; idealismo – trabalho
espiritual, intelectual. Como a verdade é o todo, a realidade supera e abarca
ambos.
A verdade supera e funde o materialismo
subjetivo e o idealismo objetivo.
SUBJETIVAÇÃO
DA OBJETIVIDADE
No idealismo objetivo de Hegel, enquanto
materialismo de cabeça para baixo, já fica claro, ao marxismo, a objetivação da
subjetividade (pensa-se o projeto de fundar um sindicato, e funda-o). A relação
é, ademais, retroativa: há, também, a subjetivação da objetividade. É famosa na
internet uma lição de moral: os mais velhos têm um casamento longo, duradouro –
mas por quê? Porque, dizem, na época deles, se algo quebrava, eles não jogavam este
ao lixo, mas o consertavam, o reconstruíam. Isso transborda inocência e
romantismo, porém há uma verdade importante aí: nós nos relacionamos pessoalmente com as coisas. Nossa psique
nunca separa por uma parede fixa nossa relação com pessoas, animais e coisas.
Marx diz que o homem tem a coisa, no entanto, por outro lado, a coisa passa a
ter o homem. É como se os objetos tivessem, embora não o tenham, uma
“personalidade objetiva”. Heiddegger trata, na relação recíproca, os objetos
como utensílios, que têm utilidade para nós enquanto, por outro lado, nós os
preservamos. Logo nossa relação atual com as coisas, com os objetos, afeta
nossa subjetividade de fato, como intui o senso comum, embora sem conseguir
reconhecer sua formulação (apenas na área da psicologia cabe o platonismo
“saber, mas sem saber que o sabe”). Faz parte do declínio geral da psique, por
exemplo, a descartabilidade e a alta perecibilidade das coisas enquanto
mercadorias – afeta-nos. A forma como leio um livro, como me relaciono para com
ele na dedicação de lê-lo, é semelhante ao meu comportamento com as demais
pessoas. Um apartamento pequeno e sem varanda constrange a mente humana. Quando
Bauman diz do mundo líquido, na verdade plasmático, diz, no fundo, isso. Tudo
que era sólido desmanchou-se no ar – mesmo.
Vale um destaque. O objeto central deste
modo de vida, o dinheiro, passa pela alta desmaterialização, é virtual, o que
reduz a capacidade de medida concreta pela razão humana, um desmedido, embora
esta não seja a causa central do alto endividamento.
Embora erre muito, Marcel Mauss acerta,
em sua crítica a Marx, quando afirma o papel das coisas na vida humana. As
coisas são o meio necessário da relação do homem com o homem, não apenas na
forma de alienação, mesmo se coisas ideais como projetos comuns. A cerveja, por
exemplo, é um lubrificante social que unifica os indivíduos (que o meio se
torne fim é uma degeneração da relação).
O desenvolvimento da criança deriva da
interação com o meio coisal, com o meio social e por avanços físicos e
biológicos – os psicólogos erram quando focam em apenas um desses aspectos. Vários
pensadores idealistas, muito antes da ideia de virtual ou de matrix, duvidaram
se a realidade é, de fato, real ou uma ilusão. O que levou, no fundo, a tal
pensamento? Bem; pessoas que têm baixíssima relação prática com o mundo, como
em casos de severa depressão imobilizadora, tendem a duvidar da existência como
algo existente de fato. Um estilo de vida pouco “fazedor” ou com pouco
movimento, com pouca ação, produz na mente uma, por assim dizer, distância, que
faz duvidar do estatuto da realidade. Por isso Platão, um escravocrata longe do
trabalho manual, pensou o mundo das ideias e alegoria da caverna. Por isso
Descartes pensou que o mundo poderia ser a criação ilusória de um demônio. A
divisão de classes, em que um setor é pouco prático, é a base do idealismo,
como o marxismo sabe.
Vale relatos comuns. Cientistas
programadores pararam de programar, nos casos que conheci, porque perceberam
que estavam pensando segundo a maneira da programação. Tive muitas das
conclusões deste livro ao lavar louças, pois limpar o material com as mãos
ajuda a limpar os pensamentos. O modo como interagimos e trabalhamos afeta
decididamente nosso modo de pensar.
PARTE 2
Psicologia e economia
FIXAÇÕES HISTÓRICAS
Podemos inferir a cada época da
humanidade sob regime de classes pelo menos uma grande fixação coletiva.
A grande tara social na época
escravista parece ter sido a guerra, o tema dos poetas. O escravismo
necessitava do conflito militar constante para conseguir escravos, terras e
domínio sobre outras civilizações. Observou Maquiavel:
E embora depois esse império [Roma],
por causa da invasão dos bárbaros, se dividissem em várias partes, essa virtú não renasceu; uma, porque se pena
um bocado para recuperar as ordenações quando estão corrompidas; outra, porque
o modo de viver de hoje, no tocante à religião cristã, não impõe a necessidade
de defender-se que havia antigamente; então, os homens vencidos na guerra ou
eram assassinados ou permaneciam em perpétua escravidão, em que se levava uma
vida miserável; as terras vencidas ou eram devastadas ou despovoadas; seus
habitantes eram destituídos de seus bens, dispersavam-se pelo mundo afora, de
modo que os sobreviventes de guerra padeciam todo tipo de miséria. Apavorados
por isso, os homens tinham em alto grau os exercícios militares e celebrava-se
quem era excelente neles. Mas hoje esse temor em grande parte se perdeu; dos
vencidos, poucos são mortos; ninguém fica muito tempo preso, porque com
facilidade são libertados. As cidades, ainda que se rebelem mil vezes, não são
arrasadas; os homens são deixados com seus bens, de forma que o maior mal que
se pode temer são as taxas; de tal sorte que ninguém quer submeter-se às
ordenações militares e esforçar-se nisso para escapar dos perigos os quais
temem pouco.
Daí que Heráclito diga, fundando a
dialética instintiva: "o conflito é o pai de todas as coisas: de alguns
faz homens; de alguns, escravos; de alguns, homens livres."
Os jogos olímpicos gregos e as arenas
romanas também expressavam tal fator cultural de origem na objetividade do modo
de vida daquela época.
A grande fixação feudal foi para com a
questão religiosa e a negação do corpo. Era necessário justificar o subconsumo
dos servos na subprodução daquele modo de produzir e as hierarquias classistas
por meio da religião e seus pecados – gula, luxúria, preguiça, etc. Era uma
ideologia útil ao feudalismo, à manutenção do sistema feudal.
O dinheiro é tema, guia de ação e
pensamento quase constantes no cotidiano sob o capital. Parecerá doença de
fixação monotemática visto por um povo não mercantil futuro. A loucura de sua
lógica, que toma a forma de um vício, pode ser bem visualizada quando vista de
fora, quando o mundo do mercado era minoritário e paralelo nas sociedades:
“Mas os que querem ser ricos caem em
tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas
coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.”
(1 Timóteo 6:9-11.)
E:
“Nunca entre os homens floresceu uma
invenção/ pior que o ouro; até cidades ele arrasa,/ afasta os homens de seus
lares, arrebata/ e impele almas honestas ao aviltamento, à impiedade em tudo”,
Sófocles, Antigone [ed. bras.: “Antígona”, em A trilogia tebana, trad. Mario da
Gama Kury, 9. ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, versos 344-50] (Marx, O capital I, 2013, p. 206, nota 92)
Como reagirá as atuais gerações quando
seus padrões de pensamento obsessivo deixarem de encontrar a base de origem?
Soa inimaginável ao cidadão comum afirmar que o dinheiro será extinto ou, ao
menos, marginal na economia do futuro possível. Ter é condição necessária de
ser, de desenvolver as possibilidades deste. Há, nos sistemas classistas, uma
contradição ao o ter ser negação do pleno e saudável desenvolvimento do ser.
Sob o capital, ter é ter o dinheiro – mas é o dinheiro, o próprio capital, o
valor como regulador social, que tem seu portador, mera encarnação de um
almático poder estranho, inumano. Ter ou não ter – eis a questão! Por isso,
sentimo-nos “naturalmente” mal, desconfortáveis, quando temos de entregar nosso
dinheiro, mesmo se em troca de algo de nosso desejo ou necessidade. De repente,
ao vermos uma quantidade enorme e concentrada de dinheiro, imediatamente
arregalamos os olhos impressionados como os insetos amam a luz artificial
noturna.
OS MOVIMENTOS DA SUBJETIVIDADE NA OBJETIVIDADE EM CRISE
Quando todas as
condições objetivas de uma situação revolucionária estão maduras – crise
econômica, classe trabalhadora radicalizada, classe média à esquerda, burguesia
dividida, Estado paralisado, forte partido revolucionário – ocorre que a
subjetividade ganha máxima importância histórica. Até mesmo a subjetividade do
indivíduo, como a do líder, adquire peso central no destino da sociedade.
Quando da crise sistêmica do escravismo romano, as pequenas e individuais
manipulações políticas, manobras, jogos pessoais, etc. tomaram alto relevo
naquela vida social decadente (parte da crise do Estado burguês, isso se repete
hoje). Em partidos políticos em dura crise interna, a psicologia individual
ganha máxima importância, multiplicando-se a questão da subjetividade por causa
da paralisia estrutural da objetividade partidária. Tais exemplos visam deixar
claro um fenômeno da crise sistêmica do capitalismo, a subjetividade na
economia. Os jornais destacam que “os mercados ficaram nervosos”, o “humor dos
mercados”, como se alguma entidade inumana e emocional. O peso da subjetividade
no fluxo dos capitais, a reação aos fatos, e seus efeitos práticos, após a
liberalização financeira como reação contra a decadência econômica, torna-se
típico de nossa época porque a base sócio-econômica amadureceu para sua crise,
seu ocaso.
CURVAS DE DESENVOLVIMENTO E SUPERESTRUTURA SUBJETIVA
O capitalismo
tem uma crise nova mais ou menos de dez em dez anos, um pouco mais ou um pouco
menos. Isso faz como que a cada crise, mas com certo atraso, grupos, bandas
musicais, famílias também entrem em crise – além das crises totalmente no alto,
nas nuvens, independentes da base econômica. Pois bem; há ainda grandes ciclos:
décadas de grande crescimentos e fracas crises – décadas de duras crises e fracos
crescimentos – entre eles, entre os extremos, décadas de crises mais duras, mas
ainda com algum crescimento, estagnação. Essa teoria é de Trotsky, curva de
desenvolvimento do capitalismo, por mim atualizada em outro livro. Vejamos em
imagem metafórica:
Grosso modo, na
nossa era, assim:
Na fase de alto
crescimento do capital, de 1945 à década de 1970, o otimismo imperou com seu
existencialismo, com seu “marxismo” reformista, com suas revoluções parciais
vitoriosas, com a bossa-nova (feita para a ascensão da classe média), com
vanguardas artísticas longe mal-estar e da depressão. Mas tudo é transitório. A
partir da década de 1970, vem a crise – vêm as crises – e, com ela, o
pessimismo, o marasmo, a falência das antigas vanguardas, a literatura e o
cinema distópicos, a crise do socialismo real, a crise moral, a crise dos
partidos de esquerda, enfim, a filosofia e a realidade pós-modernas. O
sentimento é o marasmo, o tédio como angústia – ainda não há saída. Veja-se que
a base econômica, e social, mudando, mudam-se as filosofias e os humores, até
as superestruturas objetivas. Com a crise aprofundada desde 2008, a depressão
aprofundar-se-á, novas artes e filosofias pessimistas surgirão; porém uma
revolução socialista, que é típico desta época, do declínio da curva de
desenvolvimento do capitalismo, pode encher de otimismo – mesmo que
momentaneamente, e com resultados duradouros – a classe trabalhadora, os
artistas, parte dos filósofos, as organizações subversivas, etc.
DIALÉTICA DO INCONSCIENTE AO CONSCIENTE
Em outro capítulo e ensaio, debateremos
nossa nova dialética; por enquanto, por aqui, desenvolvemos apenas os opostos
inconsciente e consciente. Vejamos:
1.
A
ciência focou, de início, no “como”, não no “o porquê” durante o capitalismo –
a cientificidade socialista mudará isso.
2.
Uma
das condições para o socialismo é termos consciência de algo ainda
inconsciente, de que somos “uma forma de o cosmos conhecer a si mesmo”. Algo
feito após a revolução, mas cujas condições se dão no capitalismo – hoje,
sabemos muito da história e natureza do mundo, uma das “regras” para sermos
capazes de revolucionar a sociedade.
3.
A
psique vai do inconsciente ao desenvolvimento da consciência, sua inflação.
4.
A
biologia produz, por tentativa e erro, seres cada vez mais conscientes.
5.
A
revolução socialista é os trabalhadores tomando consciência, elevando-a,
tomando a história, que antes acontecia como se pelas suas costas, em suas
mãos, com planejamento.
6.
O
inorgânico inconsciente vai-se para a biologia com consciência.
7.
As
regras da língua avançam do inconsciente para o consciente formal.
8.
Marx
afirma que, porque surgiu a troca com suas regras inerentes, depois veio a sua
parte jurídica, a lei. Hegel diz que uma lei, como condenar assassinato, surge
porque os cidadãos já condenam, antes, o crime. A lei inconsciente torna-se
consciente.
9.
Taxa
de juros e dinheiro, que tinham origem inconsciente, tornam-se um tanto mais,
de modo relativo, ação consciente, decidida, embora a objetividade inconsciente
permaneça.
10. A macrotendência da macro-história é o
aumento da cognição humana.
11. De modo relativo, em certa medida, as coisas
que são frutos do homem desenvolvem-se do inconsciente para algum nível de
consciência ou proto-consciência parcial dos robôs e da inteligência
artificial.
O inconsciente permanece com e no
consciente.
Marx deu a base para percebermos o
“inconsciente social”, incluso como resultado de contradições. Vemos isso na
famosa expressão “fazem, mas não sabem”. Marx afirma:
Na
aplicação da maquinaria à produção de mais-valor reside, portanto, uma contradição imanente, já que dos dois
fatores que compõe o mais-valor fornecido por um capital de dada grandeza, um
deles, a taxa de mais-valor, aumenta somente na medida em que reduz o outro
fator, o número de trabalhadores. Essa contradição
imanente se manifesta assim que, com a generalização da maquinaria num ramo
industrial, o valor da mercadoria produzida mecanicamente se converte no valor
social que regula todas as mercadorias do mesmo tipo, e é essa contradição que, por sua vez, impele o
capital, sem que tenha consciência disso,
a prolongar mais intensamente a jornada de trabalho, a fim de compensar a
diminuição do número proporcional dos trabalhadores explorados por meio do
aumento não só do mais-valor relativo, mas também do absoluto. (Marx, O
capital I, 2013, p. 589, destaques meus)
Marx completa citação com nota de rodapé
153:
A
razão pela qual essa contradição imanente não se torna consciente para o
capitalista individual – e, assim, tampouco para a economia política que se
move no interior de sua concepções – será exposta nas primeiras seções do livro
III.
Para o capitalista, ele aumenta o lucro
simplesmente reduzindo o custa com o salário, diminuindo este. Mas, na verdade,
está aumentando o mais-trabalho e o mais-valor, aumentando o trabalho gratuito,
reduzindo o valor na formado e salário e o trabalho necessário. Do mesmo modo,
ao promover a automação, o capitalista prepara o terreno para o socialismo,
embora queira o oposto, o aumento do seu lucro.
O terceiro aspecto do inconsciente
social já foi anunciado pelo marxismo, sem nomeá-lo. O filósofo, ou o artista,
ou o cientista pode ser de fato original, genial, hipercriativo, autônomo e
autêntico – mas ele será sempre fruto de sua época, de seu tempo, de sua
realidade. Não existe ideia isolada e suspensa no ar. A realidade de uma época
faz e permite as ideias, os sentimentos, o modo de sentir, a moral, as
ideologias, as ciências de sua era. O modo como vivemos (a classe etc.)
determina o modo como pensamos e sentimos – uma determinação não determinista,
mas determinação que determina ainda assim. O hábito faz a maneira de pensar,
por exemplo. O que passa na cabeça responde e corresponde ao que se passa no
seu mundo, no seu contexto. Tal verdade apenas tornou-se consciente a partir de
Marx. A materialidade determina a idealidade.
DECLÍNIO GERAL DA PSIQUE
É do conhecimento geral que a depressão
– com comorbidades como a Síndrome de Burnout – tende a ser a principal causa
de afastamento do trabalho no mundo. Tal processo está lastreado nas mudanças
materiais da sociedade capitalista na história recente. Já que a cabeça segue o
chão que os pés pisam, mesmo que em atraso, exige-se partir da realidade, do
objetivo, como nos capítulos anteriores, ao subjetivo.
Com o capitalismo recente, encerrou-se
a possibilidade de um destino mais ou menos seguro, estável para a maioria,
como os anos dourados do pós-II Guerra. A desconfiança quanto ao futuro tem
levado a inúmeras angústias, uma incisiva incerteza. A realidade parece que
será pior amanhã do que é hoje, embora a força individual de otimismo.
GRÁFICO 24
Fonte:
Veja-se que o recorde, o salto do
gráfico, combina com o salto da queda da taxa de lucro, do aumento constante da
inflação, do peso das crises cada vez maior etc. O PIB, por exemplo, afeta a
mentalidade. Não é sem propósito considerar que eventos como separações de
casais (ao menos na classe média) tendem a aumentar após início de uma crise
cíclica.
As fontes de frustração aumentam e veem por
diferentes vias. Nas empresas, a produtividade é a grande religião; o esforço
repetitivo por horas, quase todos os dias, e a busca de atender pesadas metas
levam ao esgotamento psíquico. Vejamos um famoso caso:
Um trabalhador da Foxconn Technology
tentou se matar ontem, tornando-se a 13.ª pessoa neste ano a cometer suicídio
ou a tentá-lo na companhia, que fabrica produtos de alta tecnologia para
gigantes do setor como Apple, Dell e Hewlett-Packard, segundo a mídia estatal
chinesa. Desse total, foram 10 mortes. (…) Os suicídios e tentativas anteriores
nas operações da Foxconn Technology Group no sul da China envolveram
trabalhadores que saltaram de edifícios. Dois sobreviveram. Outro trabalhador
se matou em janeiro em uma fábrica no norte da China.
Para resolver este problema a empresa
teve uma ideia genial:
Gou disse aos jornalistas que estavam
sendo instaladas redes para evitar que mais pessoas pulem para a morte. As
redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e
prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em
Xangai, Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de
correio, bancos e piscinas de tamanho olímpico". "Apesar de parecer
uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se mais alguém cair",
afirmou o presidente da Foxconn. (Idem)
Para garantir a “imagem” da empresa:
Eles [ativistas que prepõe boicotes]
afirmam que as jornadas de trabalho são longas, as linhas de montagem têm uma
velocidade muito alta e os chefes aplicam uma disciplina militar para lidar com
os trabalhadores.De acordo com jornais chineses, a companhia agora obrigou os
funcionários a assinar acordos declarando que não vão se suicidar [um acordo,
veja só! – comentário nosso]. A companhia ressalta que apesar da publicidade
negativa, todos os dias cerca de 8 mil pessoas se candidatam para trabalhar na
empresa. (Idem)
Faltou observar que ou procuram um
emprego, com risco laboral de depressão psíquica, ou sofrerão de um tipo muito
específico de depressão estomacal.
Como expressão da crise do valor, na
medida em que cai a taxa de lucro aos baixíssimos patamares atuais, mais a
patronal pressiona pela retirada de direitos, por uma maior submissão do
trabalhador, por uma taxa de desemprego “natural” maior. A moral também deve se
adaptar, pois, para correr em busca dos difíceis lucros, torna-se preciso a
luta de todos contra todos, o individualismo exacerbado, o vale-tudo; tal
concepção vai contra a natureza humana e causa suas sequelas mentais. No longo
prazo, a falta de concepção cooperativa torna o trabalho insuportável já que
uma oculta guerra civil surge nos locais de trabalho. Há uma crise moral-ética
evidente.
A grande urbanidade trouxe consigo, na
forma capitalista, a solidão social. Tal efeito de invisibilidade de um lado
traz mais liberdade em potência, menor controle direto dos cidadãos, porém pode
ter também efeito contrário ao obrigar o indivíduo a adaptar-se ao meio, a ser
nada ou pouco autêntico, ou seja, a construir um “falso eu”, um eu adaptativo,
para ser aceito. Para sobreviver, deve adaptar-se subjetivamente ao grupo, à
empresa.
Nos EUA, ficaram famosos os casos em
que indivíduos completamente normais, provavelmente portadores de normose
(doença da normalidade), de repente lançaram tiros sobre alguma multidão antes
de cometerem suicídio. Tais atos violentos são vazios de sentido, não possuem
conteúdo, porque foram motivados por vidas vazias de um sentido qualquer.
No Japão, país simbólico da crise
sistêmica em inúmeros sentidos, para dar mais um exemplo, a solidão excessiva,
a depressão e o suicídio, junto com duríssimas jornadas, são profundas marcas
sociais e, ao mesmo tempo, tabus gerais. O mundo das coisas integra-se e
enfeita-se naquele país enquanto o mundo dos homens perde poesia e
fragmenta-se.
Retomando a questão dos grupos sociais,
a tendência da classe média aristocrática é isolar-se, tanto quanto pode sua
renda, criar um paraíso artificial que é um inferno para a psique. Dunker
expõe:
[…] gente pode entender o condomínio
mais além da forma concreta de vida entre muros, como uma espécie de patologia
das nossas relações com o outro e com o espaço social, no sentido de que os
condomínios [físicos] proliferam no Brasil num momento em que o Estado se
demite da função de organizar o espaço público. Ele entrega isso para
iniciativas independentes que vão ter muita autonomia para definir quais são as
regras e a maneira de habitar aquele espaço que não é mais exatamente público.
É uma espécie de concessão. Do outro lado, a gente tem uma certa alteração
desse modo de vida dentro do condomínio, na medida em que se força e se cria
artificialmente uma vida entre iguais. É uma vida em que você desaprende a
lidar com as diferenças. É um berçário para modos muito empobrecedores de estar
com o outro, nos deixando vulneráveis ao consumo de álcool e drogas de forma
superexagerada, à agressividade e à violência de uma forma disruptiva – como eu
não sei lidar com a diferença, ela acaba sendo uma espécie de ofensa à minha
existência. Fica-se vulnerável ao tédio, à apatia, ao excesso da relação com o
trabalho, a uma espécie de hiperinflação da produtividade. Quando você cria
essa vida em condomínio, a vida privada passa a ser um pouco mais gerida por
regras do espaço público. Então, a gente tem os clássicos sintomas do
sentimento de inautenticidade, do sentimento de esvaziamento, de que você está
permanentemente representando uma espécie de papel.
Entre a camada superior dos ricos, os
bilionários em destaque, os verdadeiros donos do mundo, destaca-se a perda de
noção da realidade por razão do próprio modo de vida. A falta de tato social da
classe dominante na época de sua decadência foi observada por Trotsky, na
clássica obra A Revolução Russa, quanto à nobreza durante a revolução francesa
e o Czar e a Czarina durante a revolução russa. A existência apartada da
minoria dominante mostra a alienação como em si uma vantagem ao polo
“aristocrático” das relações sociais. A prova de que o capital é incontrolável
até para eles e os domina é que portadores de grandes fortunas preparam-se para
o possível fim da civilização com caros abrigos especiais…
Há entre a maioria, incluso políticos
(vide Trump), uma loucura relativa que expressa a loucura da existência atual.
Parte dessa deformação psíquica não tira das pessoas seu lado funcional,
podendo até torná-las muito eficientes do ponto de vista desta sociedade. Gente
que foi capaz de bloquear boa parte do desenvolvimento de sua vida emocional em
nome da sobrevivência é o exemplo comum.
Boa parte dos fatores que produzem o
declínio da psique é fácil de extrair da realidade. Lukács, por exemplo,
observou o desenvolvimento da manipulação das massas sob o capitalismo atual,
uma forte influência sobre a subjetividade. De um lado, o capitalismo precisa
vender constantemente a ideia de felicidade plena por via do máximo consumo, do
acesso às mercadorias, etc. Por outro lado, o próprio capitalismo frustra as
expectativas da maioria. Isso passa para uma armadilha interna ao sistema, pois
os assalariados e setores médios querem conquistar a qualidade de vida mostrada
nas propagandas por toda parte. Isso, a luta pelo acesso, motiva o
revolucionamento total da sociedade.
Sabe-se da revolução como uma reação a
problemas objetivos como o desemprego. O caldo tem alguns ingredientes
adicionais: os protestos revolucionários costumam parecer uma grande festa,
como diz Lenin, em seus inícios, uma catarse coletiva, irracional do ponto de vista
burguês, porque enfrenta também uma situação desumanizante subjetivamente.
A mudança socialista do estilo de vida
– menor jornada de trabalho, mais espaços de convivência, seguridade social,
acesso aos produtos, etc. – tenderá a atuar contra as diferentes formas de
alienação, que pesam sobre as mentalidades, ou seja, facilitará a realização da
essência humana (ser integrado, ser mutualista e ser ativo) e oferecerá
satisfatórias condições materiais.
A crise sistêmica do escravismo
produziu, por razões socioeconômicas, o declínio da psique naquela sociedade,
aprofundado pelo uso do chumbo (no vinho, nos encanamentos, etc. – quase
cometemos esse erro sob o capital). O mesmo ocorreu na crise sistêmica do
feudalismo, potencializado pela contradição das novas tendências com a
necessidade de repressão religiosa (com efeitos como a “epidemia da dança” na
Europa – a revolução freudiana em parte evita que repitamos hoje as mesmas
causas). Sob o capital em crise, talvez existam outros fatores ocultos, em si –
apenas em si – extrassociais e extraeconômicos, influenciando a crise subjetiva
como, talvez, o efeito da mudança climática sobre os humores, a alimentação
artificial, etc. Um filósofo vulgar dirá que nossa diferença essencial para com
os outros seres vivos ocorre porque somos uma espécie capaz de suicídio, do
indivíduo e da espécie… Na verdade, o pensamento oficial nega o fator
sistêmico, histórico, da crise psicológica. Por exemplo. Para manter o gancho
com o capítulo anterior e os demais; alguns teóricos afirmam que o mau humor e
a tristeza, além da sensação de peso, derivam de átomos e moléculas no ar
positivamente carregados enquanto o ambiente rural apresenta matérias
negativamente carregadas, dando sensação de alívio e bem-estar. Mesmo que isso
seja uma causa, dentre outras, importante, está subordinada à “causa única e
comum das causas múltiplas”, dito em dialética diacrônica, ou seja, o modo de
vida, a forma de urbanização atual etc. O ser social exige solução social.
APONTAMENTOS
SOBRE PSICOLOGIA N’O CAPITAL
A grande
obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua
totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário,
ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados.
Já no começo
de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser
tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem.
Logo mais,
Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação
central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo,
social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo
como natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem
ter que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e
por meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e
subjetivo.
Ao tratar da
cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal
social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O
simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade.
Em outro
ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita
por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua
origem.
Outro fator
está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da
população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais
filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio
se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais
verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde
produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e
nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu
autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como
cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o
estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole.
Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante
desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí
fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10
meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu
naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a
quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer
tipo de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em
geral, inconsciente.
Marx
demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por
exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no
trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido,
tal origem está apagada.
Também
notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam
a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o
valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece
para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de
trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a
pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d’O Capital, mas, ao
avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de “sentir” as conclusões da
obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado
na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e
centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na
aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai
mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do
comércio.
No livro
três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores
sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas,
comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc.
Como
personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do
capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do
capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é
imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o
investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou
pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade.
Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados
no dinheiro, no valor como capital.
Enfim, Marx
deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não
longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia,
que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato
profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau
de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como
a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes
socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças –
por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.
PARTE 3
Psicologia e estrutura
CLASSES
E PSICOLOGIA
Como o
modo de viver determina o modo de pensar, cada classe tem tendências morais, de
raciocínio, de valores etc. próprias, geras para seu grupo. Isso vem desde a
infância. Uma pedagoga revelou-me que trabalhou em escola de rico e de pobre
para crianças; na primeira, os infantes eram “desligados” e até o lanche
deveria ser dado na boca deles; na segunda, as crianças faziam fila, tenham
iniciativa, comiam de modo independente etc. A divisão de classes causa divisão
de perfiz de metais.
Os
trabalhadores são mais práticos e naturalmente disciplinados; os professores
universitários, classe média, falam demais, são viciados em falar, pensam que
falar é agir, e têm dificuldade de acordar muito cedo… No partido ao qual
militei, havia grupos operários e de professores superiores, e tal padrão
sempre se repetia, com exceções raras entre um ou outro indivíduo.
Porque
se sacrificam pouco, porque pouco agem para conseguir algo, porque pouco se
frustram, aos ricos tende-se a faltar empatia, são narcisistas, são sádicos. Quando
fizermos as críticas às categorias da psicanálise, veremos melhor a razão
disso. Além do mais, psicopatas tendem a estar de acordo com o capitalismo,
sociedade psicopática, logo prosperam e têm grandes cargos.
Devemos
falar, também, do lupemproletariado – vagabundos, ladrões, prostitutas,
mendigos etc. Eles são acostumados ao estresse, mas indisciplinados. Além
disso, são imediatistas, deixam de criar mediações para um prazer futuro maior,
não agora. Sua condição aponta para o oportunismo, para a manobra, para o jogo.
Por falta de prazer social, viciam-se no prazer químico. É, em geral, vítima da
sociedade, mas um inimigo dos trabalhadores como com a violência urbana,
arrancando destes o fruto difícil de seu trabalho.
DIALÉTICA DO SENHOR E DO ESCRAVO
Hegel afirma que o Senhor teve a coragem
enquanto o escravo focou no medo da morte; assim, aquele generaliza o que este
toma como concreto; aquele tem a consciência essencial, mas por mediação deste,
com e como a inessencial. Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem
validade teórica ou empírica, apenas algo da história da filosofia
supervalorizada. Talvez se torne útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande
elitista, reformulou a imagem assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o
limitado escravo julga tudo como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de
Lukács, que apenas nega e (des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos
a crítica imanente de escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou
reformulando seus caminhos. Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem
define o mundo como bom ou mau, pois ele é o polo idealista ou “espiritual”, do
não prático, e isso é demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a
religião de origem africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta
com a matéria, com o material, materialista e prático, logo deve definir o
mundo como bom ou ruim. É o oposto do que disse o último alemão, o
irracionalista; além disso, claro que o escravo toma seu senhor como mau, pois
de fato o é, logo ele é mais completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no
mundo com maior maestria, o cérebro-consciência dele mais necessita ver
cruamente a realidade. O senhor nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado
uma afirmação de humanidade, insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o
escravo, a noutra ponta, ver-se como humano desumamizado e saber que a
humanização e superioridade do seu “dono” apenas é possível por meio da sua
exploração, do roubo de trabalho. Assim, o escravo alcança instintivamente a
identidade na e da não identidade enquanto o senhor insiste que A é igual à A,
esta pobreza espiritual, que algo é apenas igual a si mesmo, numa oposição
supostamente fixa entre ele e o outro, que não tem sequer a dignidade de ser
outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as coisas tal como são porque
tomam as dores da burguesia para si, ainda que tal classe ainda tenha sido
revolucionária e “oprimida” no tempo do primeiro pensador.
Isso é expresso na prática e hoje quando
o marxismo, o ponto de vista da classe operária, é o mais avançado e dinâmico
na produção teórica acadêmica e partidária – na área de humana. Além disso,
este polo operário abraça para si a dialética, não apenas a lógica formal. De
tal modo, influencia até as ciências naturais com Einstein, comunista, e Born,
um socialista dialético, terem avançado tanto na macrofísica e na quântica,
contra o limite positivista e mecanicista de seus pares.
CINISMO:
TEATRO SOCIAL
O baile de máscaras comum, tão conhecido, trata-se de relações pessoais,
não diretamente sociais. Por outro lado, o teatro social revela-se, por
exemplo, nos protestos da alta classe média em 2016 no Brasil. Durante mais de
uma década, a aristocracia média perdeu poder econômico enquanto alguns ricos
(bancos em central) e as classes assalariadas ganharam algo. Assim, a classe
média viu os pobres como seus inimigos centrais, pois estes acessavam mais as
universidades, pois as empregadas domésticas tornavam-se rebeldes e mais
indisciplinadas, os gerentes eram vencidos pela rebeldia dos seus funcionários
etc. Odiava-se gente com cara de precário acessando aeroportos “como se
rodoviária fosse”. Então, protestos de massa da classe média encheram as ruas
contra os pobres; mas isso não poderia ser dito, já que desmoralizaria já desde
o início as manifestações. Logo, a luta formalmente era pelo Brasil, contra a
corrupção etc. No fundo, no âmago, todos estavam ali, nas ruas, por um motivo
egoísta e classista, mas fingiam que a pauta era outra. Os políticos dos ricos
sabem que governam para os enriquecidos, mas devem mentir – usando a ideologia,
que não é em si mentira – para enganar a maioria com discursos de “pelo bem do
país”, “para todos” etc. Tal cinismo é o mal da democracia burguesa. No partido
no qual militei, surgiu uma disputa dura e suja pela direção do sindicato
dirigido pela organização; na luta de frações internas, havia todo tipo de
acusação: burocracia, machismo etc. Criava-se um documento político ótimo apenas
para ganhar moral e continuar dirigindo o aparato sindical… Falava-se de tudo,
menos da causa da luta, a disputa de poder para privilégios sindicais. Nos
primeiros anos da revolução russa, a maioria do povo certamente considerava a
homossexualidade um mal a ser combatido com dureza, mas toleravam os
“caprichos” dos revolucionários, como a libertação sexual, contato que o
central – paz, pão e terra – fosse garantido.
O MAIS-PODER
Temos a
mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético
mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo
desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é
um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No
entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que
buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço
acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é pessoal,
como as vantagens do machismo ao homem.
LEI DA
POPULAÇÃO
Darwin
inspira-se no erro teórico, para humanos, da teoria da população de Malthus: a
população cresce, mas encontra um limite de alimentos, logo deixa de crescer. E
se nos inspirarmos na lei de população de Marx sobre o capitalismo? Vejamos. Vamos,
mesmo assim, deduzir, de início, um limite fixo de recursos. Assim: mais se
reproduzem aqueles que estão mais ameaçados, pois isso ajuda a aumentar a
possibilidade de passar seus genes (o que não impede que Darwin também esteja
correto – que abundância é que produz mais reprodução). Vejamos uma pista dessa
nova lei relativa. A macieira, quando levada ao clima tropical brasileiro,
clima este que não é de sua origem, prefere investir em si do que na sua
reprodução, pois tem muita luz, água, nutrientes etc. Então, os agricultores
nacionais são obrigados a cortar a água da árvore, cortar galhos etc. para
estressá-la – então surgem as maçãs novas, ela reage à sensação de ameaça
ambiental, à escassez.
Hibernar
Na falta de
alimentos, as espécies podem hibernar no inverso para guardar energia. Isso
diminui o efeito da escassez sobre a população.
Estocar
Há um
pássaro americano que, ao perceber a chega do inverno, cria enormes reservas de
produtos, rumo ao consumo no inverno rigoroso.
Variar ração
Espécies podem
mudar ou variar seu consumo. Por exemplo, surgiu uma abelha abutre que lida com
carcaças.
Mudar o
ambiente
Ao consumir
uma fruta, o animal, depois, defeca fezes e sementes, ampliando extensivamente
a quantidade de árvores úteis.
Mudar de
ambiente
Os biólogos
dialéticos Lewontin e Lewin haviam exposto tal movimento.
Tamanho da
espécie e dos indivíduos
Uma
quantidade maior de membros, constantes os recursos, tendem a ser menores, o
que aumenta de modo relativo, em comparação, a quantidade de recursos
mesmos. No longo prazo, tende-se a
diminuir o tamanho da espécie, pois os menores têm, nesse sentido, mais chances
de sobreviver.
Capacidade
de armazenar aumentada
Uma falta de
alimentos pode levar os descendentes imediatos a ter mais facilidade de armazenar
energia, diminuindo a demanda, a procura. No nível celular, isso ocorre por
redução do metabolismo causado pelo maior autoenrolameto do DNA.
Roubo
Algumas
espécies e indivíduos podem se especializar em roubar outras, além de membros
da mesma espécie, ou agregar este hábito.
Formar bando
Formar
grupos permite otimizar o sucesso da caça, afastando a barreira individual da
alimentação.
Passar a
produzir e criar ferramentas
Vez ou
outra, uma espécie que não produz, passa a produzir (e o estresse relativo, com
a imprevisibilidade, com o movimento, aumenta a cognição). No caso das
ferramentas, macacos aprenderam a quebrar cocos e a produzir varetas para
apanhar cupins. As abelhas, ou algum ancestral, em algum momento passaram a
produzir mel. Na internet, há inúmeros vídeos de pássaros usando ferramenta
externa para pescar. O peixe tegastes
diencaeus domesticou camarões para nutrir, fertilizar, seu cultivo (!) de
algas, sua fazenda.
Tais
elementos relativizam, contratendenciam, a lei da população na natureza tal
como pensou Darwin. No mais, nossa lei da população, oposta à de Darwin, tem
prova empírica na própria humanidade: as comunidades mais pobres têm mais
filhos, não menos. Aqueles com melhor qualidade de vida, entre humanos,
costumam ter menor prole, mesmo tendo mais recursos. A quebra de 1929 levou
ricos falidos aos bordeis antes do suicídio; na segunda guerra, os homens
engravidavam as mulheres antes de ir ao combate; com o impacto, incluso
midiático, da queda das torres gêmeas nos EUA, surgiu uma onda de nascimento
algo como 9 meses após o fato. A causa da vontade de fazer sexo e filhos,
nestes exemplos, o stress etc., está oculta e inconsciente – a consciência
justifica de algum modo ou outro. No caso das árvores frutíferas, os biólogos
apenas constatam sem interpretar ou generalizar; muitas árvores do nordeste
brasileiro florescem e frutificam quando inicia-se o período de seca, rnenor
humidade e mais calor, maior rico potencial; no Piauí, os ipês florescem o ano
inteiro diante da temperatura e da baixa humidade, levando à sensação de risco.
Na
psicologia individual, acompanhei um “caso” de uma jovem adulta excessivamente
sexualizada, mesmo para padrões brasileiros, com imensa dificuldade em manter
fidelidade sexual em um relacionamento. Em nossas conversas, suas falas
deixavam claro o impacto sob(re) si que teve a descoberta de uma doença
degenerativa autoimune. O medo da morte, lidar tão diretamente com a finitude,
concluí, foi a base de sua sensualidade acima da média, que guiava sua rotina e
relações. Tal pista não foi a princípio tratada como tal; apenas enquanto caso
individual, singular e isolado. Necessitei de vários anos e outros aspectos
para derivar uma teoria geral.
Os seres
menores, quanto menores, mais se reproduzem. Por quê? Porque vivem pouco. Mas
algo mais pode ser acrescentado, evitando a tautologia anterior. Seres menores
e mais frágeis, ou seja, em estágio inferior na cadeia alimentar em enorme
quantidade de casos, são mais estressados, logo se reproduzem mais do que a
alcateia de leões. A lógica darwiniana continua em pé no assunto desde
parágrafo, porém atualizado.
Parte 4
Psicologia e superestrutura
A LIBERDADE OBJETIVA OU DIALÉTICA
Para escrever um capítulo sobre a crise
da psique, este, fui obrigado a entrar em questões cada vez mais básicas da
psicologia marxista. Assim, a teoria da natureza humana, a teoria das fixações
históricas etc. Neste livro, não apenas neste capítulo, tomo nota do que me
parece o fundamento de uma psicologia unificada, marxiana. Mas nem tudo é
central sobre o objeto, pode-se descobrir mil e uma leis parciais sobre tal
ciência, sem alcançar o núcleo ou o “porquê”; por exemplo, um amigo, o músico
Robicharlison Coelho, disse-me ter percebido que é muito comum espirrarmos
quando alcançamos uma conclusão; logo percebi que aquilo era um “orgasmo
mental”, algo análogo ao orgasmo sexual; depois, percebi que o nariz
congestionado é sinal de que não estamos acessando no consciente alguma
conclusão; tais descobertas são contingentes, sem revelar o fundo do aparelho
psíquico, além de bizarras. Dito isso, outra entre as grandes questões da
psique é sobre se somos subjetivamente livres ou não – há ou não liberdade? Se
há, de que tipo é ela? Vejamos em alguns de nossos mestres, antes de oferecer
uma nova resposta.
Kant
Ele produz uma das quatro antinomias
suas, que serão resolvidas nesta obra, perguntando se 1) a realidade inteira,
incluso nosso pensamento, segue a causalidade, a necessidade, causa e efeito ou
2) há ao menos também liberdade humana. Ele não responde e considerava uma
questão irresolvível. Antes de chegar a uma conclusão, vejamos como outros
tentaram solucionar a pergunta.
Hegel
Ele oferece pelo menos três respostas
sobre a oposição liberdade-causalidade.
Primeiro, a liberdade é reconhecer a
necessidade. Por exemplo, respeitar as leis e as tendências da história. Um
divulgador marxista afirmou que o animal tem a opção de evitar o fogo, sua
liberdade de não se queimar é uma necessidade. Um burguês tem a liberdade de seguir
a luta por mais lucro, embora possa escolher ser mendigo, ou seja,
prejudicar-se.
Segundo, Hegel afirma que o uno, o um,
o indivíduo, parece afirmar-se ao isolar-se do conjunto (muitos, múltiplos),
mas isso é sua destruição. Então, apenas se pode ser livre e individual em
comunidade. Assim também, um átomo é instável energeticamente quando isolado,
por isso deve ligar-se a outros átomos, formando uma molécula, para ganhar
estabilidade.
Terceiro, ele funde causalidade e
liberdade afirmando a interação dos corpos, dos acidentes, das partes de um
todo. A causalidade é recíproca, pois uma parte age sobre outra parte, e esta,
vice-versa, também faz o mesmo. Mas todas as partes de uma totalidade, sendo
causa e efeito ao mesmo tempo, pertencem uma única substância comum, que está
no fundo, no fundamento (necessidade). As partes do todo-substância aparecem,
de modo externo, umas independentes das outras, e o mesmo ao contrário, são
fora umas das outras, apenas interagindo (liberdade). Mas essas partes são também
o mesmo, uma mesmidade, pois são uma substância apenas.
Marx
No final de O Capital, Marx afirma que
no socialismo a produção será o reino da necessidade, onde o cidadão trabalha,
mesmo que apenas jornada curta de 2, 3 ou 4 horas diárias. O que é produzido de
modo organizado permitirá o reino da liberdade, fora da fábrica, quando nos
dedicaremos à arte, à família, ao ócio etc. Como sabemos, tudo que puder ser
robotizado, automatizado, informatizado o será, o que reduzirá com toda força o
tempo de trabalho ou de serviço – o trabalho manual será superado, mesmo que
não extinto.
Lukács
O grande filósofo do século XX afirma
que a humanidade tem produtividade crescente, cada vez mais produtivo – e com o
aumento da produção aumenta também o grau de liberdade. O escravo antigo era
não livre, o servo foi mais livre que o escravo, o assalariado (com liberdade
formal) é mais livre que o servo, o trabalhador associado socialista será
substancialmente livre. Nosso destino é cada vez mais determinado por escolha ou
acaso, cada vez mais com mais opções.
Outro aspecto da liberdade lukacsiana é
que o homem no trabalho antes pensa ou imagina como e o que produzir
(teleologia, prévia ideação, liberdade) e depois manipula as leis causais da
natureza (necessidade) para produzir algo útil.
Para Lukács, a liberdade era uma
categoria apenas humana, social, além de histórica.
Nossa proposta
Vejamos como resolvemos o problema
kantiano. Ora, se a realidade tem possibilidades e probabilidades, ela as tem
em si mesma, dentro de si própria. Logo, a liberdade é objetiva antes de
subjetiva – é dialética. O homem ou a partícula toma a decisão que tem já
tendência, na sua personalidade ou perfil, além do contexto, de tomar. Um
chiste famoso ajuda a esclarecer: podemos escolher o que quisermos (entre as
opções), mas não escolhemos qual é nosso desejo, o que de fato desejamos. Se
temos 4 opções, escolheremos aquela que melhor corresponde ao que somos. A
liberdade é ter tais opções exato para escolhemos a que de fato somos levados a
escolher, causalidade e necessidade (e nossa liberdade está dentro da realidade
objetiva). Esse é o primeiro modo de fundir causalidade e liberdade. O segundo
é que o “o que” irá ocorrer é algo necessário, causal, determinístico até, mas
“o como” isso irá acontecer está, em geral, em jogo. Por exemplo, certo é que o
capitalismo irá cair, mas pode desabar de várias formas, mesmo opostas, como
por revolução ou por extinção da humanidade etc.
Necessidade é reconhecer a liberdade.
DESENVOLVIMENTO INTELECTIVO
O dado empírico, de QI, embora fonte de
medida limitada, demonstra que há elevação global, de 1909 a 2013[13]:
GRÁFICO 23
Fonte:
O desenvolvimento das capacidades
mentais é vital para um projeto socialista. Os mais jovens, em especial, tendem
a ter mais cultura e habilidade relativo aos mais velhos e, pela primeira vez
na história da humanidade, dominam com mais desenvoltura a moderna ferramenta,
o computador.
As condições nunca serão ideais, mas
são as melhores dentro dos limites do sistema capitalista. A internet – para
citar um destaque – ajuda no acesso ao conhecimento. A urbanidade, a
necessidade de “pôr em algum lugar” os filhos dos trabalhadores, o capitalismo
exigindo maior sensibilidade para prover o consumo são elementos que atuam para
a elevação do nível mental geral.
O mero aumento absoluto de pessoas
capazes ou com habilidades latentes, em potencialidade, será útil ao desenvolvimento
da sociedade socialista.
O Neurocientista Michel Desmurget, no
entanto, aponta tendência à redução do QI por razão da pobreza de experiência
da vida digital:
[…] os pesquisadores observaram em
muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi
chamado de 'efeito Flynn', em referência ao psicólogo americano que descreveu
esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários
países.
É verdade que o QI é fortemente afetado
por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se
considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante
estáveis por décadas, o 'efeito Flynn' começa a diminuir.
Nesses países, os "nativos
digitais" são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma
tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda,
França, etc.
Evitamos arriscar, aqui, afirmar que
esta é uma tendência atual ou mesmo secular, pelo menos enquanto a crise
sistêmica perdura (como dissemos, as condições nunca serão as ideais). Porém a
observação citada tem um valor relativo e pode ser incluído na decadência geral
da psique.
Em alto nível de abstração, o movimento
ocorre assim, uma alienação nova em certo sentido: ganho de cognição das coisas
na proporção da perda de cognição dos homens. A mesma tecnologia que pode dar
habilidades e tempo livre criativo ao homem está, sob o capital, fazendo o
inverso. A robótica, que ganha sensibilidade (como medir pressão etc.)
cognitiva, e a inteligência artificial estão desobrigando o capital a investir
em qualificação dos trabalhadores, em educação – além de a internet significar
menos movimento e experiências à nova geração, viciada nas telas virtuais. Se o
simples e constante movimento repetitivo imposto pelo maquinário declinava a
mente do trabalhador, a nova tecnologia, sob o capitalismo, faz algo
semelhante, aprofundando a perda cognitiva humana dentro e fora do ambiente de
trabalho.
A mercadoria faz a mediação entre a
vida no trabalho e a vida fora do trabalho, infraestrutura e relações sociais,
no sentido amplo, gerando seus problemas. A produção moderna dispensa, de um
lado, trabalho qualificado, embrutecendo intelectualmente o operário e, ao
mesmo tempo, produz os celulares modernos que estão desestimulando o
desenvolvimento completo das capacidades cognitivas (relaciona-se menos,
movimenta-se menos). Aqui, deve-se considerar a mercadoria máquina.
A ARTE
A qualidade de uma obra de arte depende
do quanto o artista se dedica a ela, à sua construção. São fatores:
1) A dedicação do artista à sua formação;
2) A dedicação à obra em si;
3)
Indiretamente, os materiais e o trabalho para produzi-los.[14]
Se pinta uma tela enorme toda e apenas
de preto, exige um esforço; se constrói a Guernica, exige esforço outro e
maior. Isto é rastreável pelo resultado. Tanto o tempo objetivo quanto o
subjetivo são importantes: a inspiração cumpre seu papel mágico para, em
seguida e em paralelo, ceder à transpiração. Uma história começa como ideia que
toma forma de um microconto; depois, um conto; depois, uma novela; depois, um
romance… Eis a exposição pura, lógica, do desenvolvimento real, histórico, por
assim dizer; pois na prática do escritor o processo ocorre de modo menos
consistente e, por isso, menos claro, recheado de tortuosidades.
Pode-se argumentar que há gênios mais
ou menos natos. De fato: isso lhes dá uma enorme vantagem que, em boa parte, os
demais podem compensar pelo esforço. A própria inspiração deriva de um acúmulo
prévio de observações, estudo, experiências pessoais, outras produções etc.
Quando uma letra de música “nasce pronta”, exigindo apenas duas ou três
mudanças[15], há aí
uma produção inconsciente e subconsciente.
A ideia de talento é verdadeira na
medida em que somos diferentes, com perfis e tendência diferenciados, com
diferentes e múltiplas disposições; sendo todos igualados na sociedade do
capital, onde temos de nos adaptar às necessidades do mercado – surge o homem
abstrato e suas unidades particulares, carentes de ser homens concretos plenos.
Quando a produção artística separa
forma do conteúdo, há perda de proporções, de medida, de sentir faltas e
excessos. Ferreira Gullar foi o melhor observador deste problema e sua origem.
A arte tipicamente burguesa do século XIX, o parnasianismo, arte pela arte, é
substituído por a forma pela forma, matéria pela matéria, novidade pela
novidade. Mesmo onde é quase impossível o vazio de sentido, na literatura (onde
houve algum papel progressivo da pós-modernidade, a experimentação), ocorreu a
tendência ao impacto pelo impacto, trato complicado com a linguagem para
disfarçar enredos fracos e experimentalismos desprovidos de um fim estético
maior e novo. De modo geral, o valor artístico de uma obra literária tem sido
medido pela impossibilidade de lê-la, pela dificuldade de acessar o sentido,
pela confusa linguagem – surge igualdade falsa: ser vanguarda é igual à arte
inacessível, ilegível. Isto é tanto mais forte quando o livro não tem público e
os eruditos oficiais buscam “leituras de pertencimento” a uma casta do saber, a
diferenciação dos demais. Nas artes visuais, a pós-modernidade
pôde ir mais longe na medida em que a sensação visual é imediata, causa
impressões desprovidas de esforço prévio da parte do espectador – e do artista…
A crise da arte expressa, assim, a crise do trabalho (manual) teorizada por
Kurz e Postone (já veremos a razão concreta disto).
“Não há arte revolucionária sem formas
revolucionárias”, Maiakovsky. A arte pós-moderna é uma falsa subversão; tal
qual o realismo “socialista”, inverso análogo, está diante de raros momentos
históricos em que, com disfarce de renovação, uma nova proposta artística
cumpre papel negativo, reacionário, regressivo.
“Na poesia, a novidade obrigatória”,
Maiakovsky. Em arte, o novo – o de fato novo – é uma necessidade tanto do
artesão ficcional quanto do público[16].
***
O que é arte? Resultado da atividade
humana, arte é uso de técnicas para prover mensagens fictícias ligadas ao real.
Se as ferramentas são usadas para construir uma mesa, temos um valor de uso de
todo real; mas se as mesmas ferramentas são artifícios para produzir uma
belíssima escultura, então temos um objeto real de verdade em si fictícia a nos
passar uma mensagem conectada à realidade, mas em ruptura relativa com esta.
Toda arte é fruto da atividade humana,
fictícia e suporte de uma mensagem indiretamente ligada à não-arte. A técnica
precisa pensar as proporções daquilo construído para ser um valor de uso,
digamos, mesa. Na arte, a técnica trabalha o material para que suas formas
expressem, de maneira criativa, o valor de uso mensagem; suas proporções são
pensadas para a comunicação artística. Por mais bela e talhada, nunca a mesa
será análoga à poesia ou à escultura. Por mais que “artistas” coloquem tal
artefato alimentício num museu.
Por razões acidentais e não necessárias
ou inerentes ao objeto, mesa ou cadeira podem ter formas transformadas em armas
de combate, em valores de uso para agressão ou autodefesa; quem sabe, um quadro
enorme do Louvre possa ser usado para sustentar pratos e talheres… Porém o
caráter de cada qual logo se nos revela.
Um mictório tem sua matéria e sua forma pensadas para uso específico
ainda que esteja fora de seu lugar.
A assim chamada arte pós-moderna é o
desenvolvimento de uma pseudoarte. A arte falsa ou a ficção da ficção pode ser
constatada, mas o desafio teórico irresolvido é saber por quais mediações o
capitalismo fictício e irreal, com sua forma sem conteúdo, com o “jarro vazio”
desta época, produz a própria produção supostamente artística correspondente.
Apenas na consideração acima, de que a
forma material é pensada para mensagem fictícia, podemos então relaxar o
conceito. A arquitetura produz valores de uso não artísticos e é, ou pode ser,
ao mesmo tempo, arte. Um jarro pode ter belíssimas pinturas. Como dissemos em
outro capítulo, o valor de uso tem ganhado maior valor estético para vencer a
disputa comercial. Ainda que haja casos assim, combinados, sabemos reconhecer
uma obra de arte mesmo quando está associada a outra função. Assim como há
mercadorias que tem preço sem valor (terra, etc.), há produções que caem fora
da concepção exposta.
A arte é unidade de ser e nada, pois a
arte é e não é – ao ser ficção real.
***
As razões para a crise da arte estão na
ampliação do fator econômico, mas há mediação de outros aspectos que tornam o
efeito da economia sobre o artístico mediado, indireto. O desenvolvimento da
sociedade, por exemplo, impulsionou os mais variados estilos, o que dificulta,
embora nunca esgote, a possibilidade de surgir novas escolas artísticas – por
isso muitos artistas estancam na mera experimentação sem finalidade (poderíamos
falar em escola experimentalista?). Também, entre as causas – frutos do
desenvolvimento técnico-científico, da produção – está a fundação da
fotografia, do cinema, das TVs, da internet e da arte em jogos eletrônicos;
pois tornam menos atraentes e necessárias a pintura, a escultura, etc., que
tentam se afirmar com uso de novos ou perecíveis materiais, com o estranho e o
espanto, com o mero curioso, já que, ao mesmo tempo, querem atrair público e
podem fazer qualquer coisa porque, por outro lado, não têm público (de modo,
também, que não vale um longo esforço…). A literatura não escapa dessa
dualidade entre produzir algo vanguardista artificial e produzir algo para o
mercado.
Em todo o mundo, surgiu um novo
romantismo baseado no semiletramento das massas, na urbanização e na decadência
do capitalismo. Vejamos a emulação: aquele romantismo, dos séculos XVIII e XIX,
época das revoluções burguesas, tendia ao amor romântico e erotismo
irrealizáveis; o atual, ao triângulo amoroso e ao erotismo vivo. Aquele e este
aos mercados e à leitura fácil e fluida. Aquele, aos poemas instintivos, versos
livres e atraentes; este, ao poema-trocadilho, rimas rápidas e na velocidade da
internet, versos curtos e autoajuda. Aquele, ao nacionalismo; este, ao
internacionalismo primário. Aquele, ao fetiche pelo mundo medieval; este,
também, por narrativas mistificadas. Aquele tendia à tragédia final; este, à
vitória. Aquele, ao individualismo burguês; este, ao individualismo interligado
ao conjunto. Aquele se expressou – terceira fase – com a crítica social e
simpatia pelos excluídos; este, por ideias de revolta, revolução,
antiburocráticas e antiditatoriais, instinto rebelde e sensação intuitiva de
anormalidade e artificialidade do tempo presente[17].
Este se revela na ficção científica, na distopia, como crítica social
metafórica. O que pesa é a diferença na erudição dos próprios autores, pois o
romantismo clássico teve nomes de peso na literatura.
Na prosa e séries televisivas, há
preferência por histórias profundas e longas – logo algo muito progressivo –
como compensadores do vazio existencial, da rotina, da solidão coletiva, da
passividade comum e dos aspectos rasos nas relações e vida pessoais, que oprime
a consciência – logo reação ao regressivo no real. Séries como a primeira
temporada de Narcos (poderíamos citar várias: Breaking Bad, Dark, Big
Bang: A Teoria[18], etc, que
são verdadeiras obras de arte) são dotadas de altíssimo estilo – e com grande
público, o que revela em si a possibilidade de ter produções de qualidade com
acesso popular. Apenas o pessimista por natureza, que tenta destacar-se com
crítica indiscriminada a tudo, ou seja, uma crítica sem critério, sem ver o que
há de avanço, deixa de ver também que a regressão da vida pessoal, como
regressão da vida social, demanda arte acessível e popular como expressão
inversa da decadência (na literatura, o público prefere, por sua carência
existencial, a profundidade do romance, enquanto os autores têm caído em
narrativas curtas ou rasas[19]). No
cinema, o avanço é mais complicado, porque a busca pelo mínimo risco – e arte é
correr risco – faz com que as empresas adotem fórmulas obrigatórias, ritos de
roteiros, finais programados, estilo que atrai, etc. Aí há a contradição entre
arte e lucro. Eis um dos fortes motivos da decadência relativa dessa forma
artística nas últimas décadas[20].
***
A arte não necessita ser agradável,
mas, por derivação, a beleza é um tema importante – o belo é objetivo ou
subjetivo? Está na realidade ou nos olhos de quem vê? Em primeiro lugar beleza
está na própria coisa, portanto, natural em si (tanto natural para a percepção
do externo quanto no próprio externo); trata-se da beleza no geral, no
universal, pois o lado animal do homem e suas percepções capta a beleza do
mundo, desde sua vida prática para com animais e situações (o sombrio na arte
tem, remete a, traços do sombrio na vida real). Mas, por outro lado, a beleza é
algo humano no sentido histórico, determinada historicamente, socialmente;
porém, sendo a beleza no particular, não nega de todo a beleza geral, natural,
antes pode mediá-la ou deformá-la. Por último, temos a beleza no singular, no
individual, que responde à própria formação pessoal e da psique, algo único –
este medeia e, ao mesmo tempo, é mediado pelos outros dois. Assim, as polêmicas
sobre o caráter do belo, dentro e fora da arte, são resolvidos, percebendo os
próprios “níveis” que se misturam, um sendo a base do outro. Tenta-se refutar,
por exemplo, a beleza natural geral, com o fato de existirem pessoas com gostos
exóticos; por outro lado, tenta-se refutar a instância da beleza individual com
a constatação de consensos gerais sobre se algo é belo, apontando para o
objetivo ou, ao menos, o intersubjetivo. Os pontos de vista opostos acertam e
erram ao mesmo tempo, são incompletos e sem mediações[21].
***
A arquitetura, a jardinagem, a
propaganda, a biografia etc. são, de fato, arte? São, ao que parece, por seus
valores de uso centrais, quase-artes, mas não arte de modo direto e real. Um
jogo eletrônico moderno, como God of war ou The last of us, é certamente arte
em comparação ao demais citados, mas provavelmente será necessária uma nova
geração de eruditos, já crescendo com seus consoles, para reconhecer isso. Uma
das provas de que arquitetura etc. não são arte ver-se em Lukács ao este
defender a incapacidade de tais manifestações romperem com a ideia de beleza,
com a meta do agrado. Mas ele não deduziu disso que se trata de quase-artes,
cuja estética está subordinado ao valor de uso esterno ao artístico.
***
Como Aristóteles, Lukács diz que arte é
mimese, imitação do real. Essa verdade é metade mentira, pois a arte fala do
verdadeiro por meio do falso – ela deforma, acentua e unilateriza o real para
melhor expressá-lo. Uma escultura não é como uma mulher da escultura, por uma é
feita de carne viva, outra é talhada em mármore. A arte não nos permite ver de
cima, como um ampliador ocular facilita ver as estrelas e o nível microscópio,
não amplia, pois ela, na verdade, agrega experiências ao espectador, ao lado e
junto. É preciso romper relativamente com a realidade para melhor vivê-la. Por
isso, a arte vai da materialização para a desmaterialização, e vice-versa, para
o realismo e contra o realismo.
Na estrutura, a poesia está entre a
prosa e a música; a dança, entre a música e o teatro; a prosa, entre a poesia e
o teatro; e assim por diante. Mas ocorre que a maior parte das artes separam-se
e autonomizam-se umas das outras, como a prosa da poesia, a dança da música.
Depois, na história recente, as diferentes artes separadas voltam a unir-se no
cinema, com suas muitas variantes, e nos jogos de vídeo game. Então, temos: 1)
fundação, 2) abstração e separação, 3) reunião. Concreto, abstrato, concreto.
Lukács diz que a arte tem relação com o
trabalho primitivo, pois o movimento repetitivo economiza energia e aumenta a
produção, gerando prazer. Sem querer, chegou ao esgotamento de artes. O público
cansa daquele estilo que deixou de ser novidade, mas o velho artista não muda,
torna-se conservador, pois manter o mesmo modo de criação preserva energia e
produz um modus operandi. Em geral, novas gerações mudam os rumos,
renovam.
Enfim, a arte tem um objetivo primário
muito mais modesto e vulgar do que pensa Lukács, que pensa ela como uma forma
de expor o real. Sua função é a mesma da religião por outros meios, ou seja,
tornar a vida mais suportável e interessante (o homem primitivo faz a dança e
uma ferramenta ambas para tornar a vida mais vívida). A arte, antes e além de
expressar casualmente o real, cria realidade, humana e fictícia. Em resumo, não
há falsa cartase, toda cartase é verdadeira, embora os lukacsianos pensarem a
elevação do indivíduo ao gênero como único caminho catártico. A arte não eleva
o indivíduo ao gênero, mas propriamente o individualiza, o subjetiva, alarga e
dá mais forma ao Eu, contra a objetividade dura da qual faz parta, da qual é
parte.
***
Os marxistas podem estimular novas
escolas artísticas e o reavivamento da arte, mas apenas o socialismo dará
solução à crise artística ao elevar a cultura geral dos artistas e do público,
além de oferecer mais tempo livre e recursos.
PROPOSTAS ESTÉTICAS – DIALETICISMO
Se o leitor desejar, salte por sobre
este subcapítulo. Agora, trataremos de propostas para renovação da arte. Este
livro pretende ser base teórica da prática política, mas também artística. É
insuficiente apenas criticar; por isso, temos de ir ao positivo. Nossas
propostas estão focadas na literatura, área do autor, mas podem ter análogos em
outras artes.
A vantagem das obras de estética na
história é que foram produzidas por gênios – Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács
etc. Mas o defeito deles é que, em nenhum dos casos, o autor era artista.
Lukács, em especial, foi normativo ao pensar o realismo como único caminho
digno na arte[22]. O que
seria de nós sem o expressionismo, por exemplo? Ele apoia um ou outro artista
moderno, mas era contra as vanguardas a
priori, embora seus discípulos isso pouco reconheçam. A arte não precisa
expor com fidelidade a realidade, ou não precisa expô-la expondo-a. “Nem só de
política vive o Homem.”
1. Realismo simbolista
1. As
escolas opostas podem ter uma fusão. De imediato, soa como conteúdo realista e
forma simbolista; mas pode-se ir além, com verdadeira mistura de ambos, mais do
que mera justaposição.
2. O
cemitério abriga mausoléus e indigentes.
3. Dirá
Hegel: nada grandioso no mundo foi feito sem paixão. Portanto, o novo
cientificismo afirma a emoção. O cosmos é poético, deslumbrante!
4. Infelicidade
e fanatismo na era do conhecimento subatômico!
2. Cartas
1. As
extintas cartas devem ser postas como variação nova da prosa quando ficcionais
ou discursivas.
2. As
cartas permitem romper com o tecido espaço-tempo, objetivo e subjetivo, da
prosa, como com o pensamento sem extensão.
A escola experimentalista usa, muitas
vezes respeitando o conteúdo, “modelos” como obituários, diários etc. A carta,
por outro, tem a vantagem de ser geral, universal como formato.
3. Soneto novo
A arte poética cindiu-se entre o poema
de forma fixa e o poema de forma livre. No entanto, há o caminho do meio. O
primeiro modelo proposto são poemas que seguem a seguinte formatação: curta
estrofe de apresentação, estrofes de desenvolvimento, estrofe de transição em
que os versos são “quebrados” para induzir à leitura ininterrupta, estrofe
final com chave de ouro. Chamo-lhes soneto novo. A segunda proposta é, em
termos hegelianos, conhecida, mas não reconhecida; nomeio-o refrão – estrofes
livres entremeadas por refrãos, versos repetidos etc. Também pertence à forma
fusionada, por assim dizer, de rigidez livre como a escada rolante que é, ao
mesmo tempo, firme e flexível. O leitor perceberá a forma interna no informe
externo, o necessário no contingente. Os poetas têm o desafio de utilizar o
acúmulo histórico das escolas literárias para criar “modelos” novos.
Vejamos exemplo prático de soneto novo:
Existem borboletas
Cujo sonho é cair
Borboletas suicidas
Muitas delas coloridas
Tropicais
Exclamações melancólicas
Pairando
Paradas no firmamento
Branco e azul
Urubus florais
Cemitérios flutuantes
Em confronto contra
Os ventos
Pois a aerodinâmica
Da vida
No tempo do
Abate
Fortalece para
Matar
Matar-se-ão
Multicolores e ondulantes fragmentos
acima do cinza
4. Conteudismo I
O foco no conteúdo pode levar à redução
da forma e da matéria na arte, em nome do conteúdo. A incompletude, o dito sem
dizer, o sugerido, o vazio auxiliar. Na poesia, o uso de apóstrofos,
abreviações etc.
Devemos também “atualizar” a gramática
segundo o conteúdo. Além disso, devemos explorar a duplicidade das palavras e
sentidos ao máximo. Se bem utilizados, vícios de linguagem podem ser, por
igual, úteis.
5. Conteudismo II
Temos a grande história da arte ao
nosso favor. A regra conteudista é ter à sua disposição todos os recursos
possíveis para a forma expressar bem o conteúdo. Se o poema é sobre forma, logo
usamos métrica fixa; se é sobre o caos, logo os versos são caóticos.
6. Fusão de gêneros
Shakespeare colocou doses de humor no
drama, fazendo escola até nossos dias. Por outro lado, a vida é pluralidade,
não unilateral. Logo, numa obra, podemos somar todos os caminhos: o humor, o
drama, o terror, o policial etc. Uma das qualidades possíveis de tais obras é o
fluir natural, não forçado, de algo ao outro, como do humor para o drama, além
de fundi-los.
7. Tempo verbal
A literatura pode usar o tempo verbal
futuro para contar uma história, como uma previsão. Isso permite um narrador
vidente ou profeta.
8. O espaço
Deve-se afirmar, contra o fragmentário
pós-moderno, a construção sistemática de uma obra. O poema está naquela página
do livro porque aquele é, de fato, seu lugar segundo a estrutura, o conteúdo e
o desenvolvimento. As pinturas, por exemplo, devem estar ligadas umas às
outras.
9. Nova ficção científica
O procedimento é simular um tratado
científico ou algo semelhante. Temos uma tese clara, em geral exposta ao
leitor, então fazemos “estudo de caso”, argumentos, “provas” para aquela ideia.
Ou a hipótese procura os “dados” ou estes desaguam numa conclusão. É
científica, mas ficcional. O realismo e o naturalismo também demonstravam algum
argumento; porém aqui somos muito mais diretos, mais “científicos”. Na poesia,
temos o poema-tese. No cinema, podemos fazer falsos documentários, mas com
inspiração real científica, como da vida em outro planeta, técnica hoje usada
porcamente por pseudociência.
10. Crônica
É hora de fazemos crônica para o
futuro, destinado aos historiadores de amanhã. Em tais textos, procuramos
escrever sobre o que é invisível para nós, do cotidiano ignorado, tentando
adivinhar o que de nosso cotidiano é anormal ao cidadão do comunismo. Os
cachorros donos da rua, os comércios típicos da esquina etc. Ao leitor hoje, o
susto daquilo óbvio, mas esquecido, o atrai – o que parece natural, não o é.
A tarefa de elevar o estilo crônica ao
nível de alta literatura se dá de três modos: 1) trabalhar com de dedicação a
forma, preencher de poesia; 2) conteúdo profundo, o presente passado do suturo;
3) temário relevante, o visível, porque
visível, invisível.
1.
Crônica
científica
Tal
estilo já existe de modo embrionário e inconsciente. A arte “menor” da crônica
– por exigir menos esforço – pode ser elevada por meio da união de base
teórica, jornalismo e literatura. Guiado por um eixo teórico, escreve-se um uma
crônica sobre o real, mesmo cotidiano, de maneira poética e estilística.
2.
Antiode
O antiode é o oposto do ode em
conteúdo, pois é dura crítica, e o oposto da sátira na forma, pois não foca,
por exemplo, no humor. O precursor de tal tipo de poesia foi João Cabral de
Melo Neto com um poema de mesmo nome.
3.
Minimanifesto
da poesia conjuntural
A poesia conjuntural agarra-se à
notícia em destaque da semana, adapta seu fazer poético à historicidade de
curta duração do jornal de ontem e de amanhã.
Fazer poema demora – e é difícil. Para
burlar os limites poéticos, usamos, para impor musicalidade, as rimas fáceis e
desprezamos, em princípio, o trabalho de métrica.
A poesia conjuntural é irmã da charge
no jornal impresso ou na internet. Abusa dos trocadilhos, do humor, da sátira,
da caricatura, das frases de efeito, das aliterações rápidas, dos jogos com as
palavras, da repetição.
Para nossa sorte, os fatos mais
importantes duram algumas semanas junto à chamada opinião pública. É possível,
assim, produzir poemas descartáveis de qualidade.
A poesia conjuntural é realismo puro,
velocidade e quase improviso.
Que o poema esclareça!
Que o poema exija!
Que o poema denuncie!
Que o poema seja palavras de ordem!
Que o poema provoque risos desalmados e
raivas repentinas!
4.
Poesia
filosófica sistemática
Deve-se resgatar o hábito dos filósofos
antigos de escrever suas ideias em versos. Mais uma vez, a forma deve
impulsionar a expressão do conteúdo. A linguagem poética, em sua deformação da
linguagem comum, ajuda a expressar. Mas os poemas têm seu lugar, sua hora, por
isso o livro poético filosófico é sistemático, há um desenvolvimento das ideias
ou um nexo geral entre elas.
5.
Poema
quase fixo, quase livre
Pode-se fazer poemas com rima e
metrificação dada, mas, aqui e ali, como em nome do conteúdo, quebrar os versos
aonde a frase também quebra-se, um verso final de tamanho incomum. Vale a
criatividade. Um exemplo é fazer estrofes de igual quantidade de versos, ou
quase sempre, em que a métrica do primeiro verso da primeira estrofe tem a
mesma metrificação do primeiro verso da segunda estrofe, o segundo verso da
primeira e da segunda estrofe com a mesma métrica etc. De minha experiência,
soa bem tal método, que funde livridade e fixidez.
6.
Por uma
– Nova Bossa
A música brasileira focou muito na voz
e na letra, tantas vezes de maneira genial, em parte por herança medieval dos
trovadores. Mas isso deve ser suprassumido, mantido como conquista e ao mesmo
tempo superado. Os instrumentos, por aqui, o violão em especial, tornam-se
passivos, um acompanhamento, apenas por detrás da poesia cantada. Nossas
propostas, portanto, são:
a)
Fazer no
violão algo similar às frases do baixo.
b)
Apostar
nas variedades de dedilhado.
c)
Como no
rock internacional, usar bastante riffs durante a cantoria, não apenas nas
introduções.
d)
Ritmo
dançante.
Isso
merece justificativa. Quando a música se afasta da dança, degenera em classe
média. Os trabalhadores manuais gostam de movimento; os intelectuais, de
reflexão, de inércia. Por isso, um dos motivos do samba entrar em decadência,
ao querer agradar paladares eruditos e semi. A MPB deve, logo, voltar a ser
popular, retomar a dança – dançar é preciso.
e)
Muitos
solos na canção. Nossos grandes músicos aproveitam pouco a melodia, a escala, o
improviso de solo. O violão deve ser ativo.
f)
Quebra repentina do tempo e da intensidade,
sem ou quase sem transições.
Isso
alerta o ouvinte, energiza-o. E é algo incomum na nossa música.
g)
Aproximar-se,
de modo indireto, dos power acordes (tônica e quinta, tônica e terça, tônica e
quinta com terça etc.).
h)
Não
estrutura da letra.
Uma
letra estruturada – tipo: estrofe, estrofe, estribilho, refrão, estrofe,
estribilho, refrão – já nada tem de novidade, espera-se, cansa o espectador. Uma
letra sem norte formal, embora não improvisada, causa o inesperado, uma nova e
boa sensação. Pode-se, por exemplo, fazer apenas uma letra longa, depois um
estribilho e depois um refrão longo e final. Algo semelhante fazer com os
versos e sequência de acordes.
i)
“Faça
você mesmo!”
Nossos
novos artistas são de alto nível técnico, mas comportados, não ousados –
desconfia-se que a qualidade técnica deriva do medo de ser rejeitado, por
querer agradar. O princípio do punk, incluso os três ou quatro acordes, deve
ser levado à MPB.
j)
Temos
tristes produzem artistas tristes – porém a rebeldia é afirmar a alegria. A
onda de MPB melancólico, com seus acordes diminutos e menores, pode ser
superada, ainda que mantida na Nova Bossa.
k)
Levar à
sério o visual, no palco enquanto teatro e nos clips.
l)
Músicas
muito maiores do que a média ou menores, pequenas pílulas.
m)
Sistema
de violões.
O violão
conquistou seu espaço assim como o ouro enquanto dinheiro. O ouro tornou-se o
meio comercial porque era fácil de dividir e unir, porque era imperecível,
porque guardava muito valor em pequenas quantidades. O violão tornou-se
central, pois: 1) permite cantar, 2) permite solar, 3) permite fazer acordes,
4) permite tocar em alturas baixa, média e alta; 5) permite diferentes volumes;
6) permite fácil transporte; 7) seu som é especialmente agradável; 8) seu
aprendizado mecânico é intuitivo; 9) relativamente barato; 10) fácil de
consertar; 11) permite uma nota de “baixo” auxiliar, uma tônica; 12) permite
dedilhado; 13) oferece recursos únicos especiais; 14) preenche bem o cenário
com seu som. O cavaquinho e a viola, além de outros similares, estão para o
violão, e próximos, como a prata está para o ouro.
O sistema de violões pode ser uma boa meta de
um grupo musical. Nomeio tal projeto, ainda que apenas experimental de início,
“Nova Bossa” em oposição e homenagem à Bossa Nova. O músico Phill Veras, por
exemplo, antecipa nossas propostas de modo belíssimo.
7.
Frasismo
Há, hoje, peseudopoetas e pseodopoemas.
Isso não é apenas crítica negativa; na verdade, muitos praticam uma are nobre,
embora desprezada – o frasismo, a elaboração de frases. Por não ter cultura, o
falso poeta faz uma falsa poesia quebrando uma frase ao meio para parecer um
verso, um poema. Soma-se a isso rimas fáceis e trocadilhos fracos.
Mas podemos fazer um frasismo positivo
para nossa épica com as seguintes características:
1.
Duplo
sentido
2.
Sentido
intenso, concentrado
3.
Jogos de
palavras
4.
Subverter
clichês
5.
Sugestão
6.
Jogos de
linguagem
7.
Nova
gramática parcial
8.
Palavras
atuais, não “poéticas”
9.
Foco na
leitura, não na oralidade
Vejamos
um poema frasista, um poema programático:
Rejeite
as frases de efeito
Rejeite
os poeminhas fofos
Rejeite
os toscos trocadilhos
Rejeite
as risíveis rimas
Desconfie-das
Desconfie-dos
O
princípio é o princípio
O fim
é o fim
O
meio é o meio
Criamos
jogos
Agora
jogos nos criam
Infelicidade
e fanatismo na era
Do
conhecimento subatômico
Antes
mal acompanhado do que só
Nascido
no tempo errado
Minha
época é amanhã
Mas
é Mais – Mais é Mas
Pois
a poesia é a dimensão quarta
Da
matéria
Concreto
tornam-se os que habitam
A
selva de
Des
– ou – cansa
As
ruas do mundo estão todas vazias
Unir
o inútil ao desagradável
Já
que o afeto nos afeta
Todas
as dores do mundo
Doem
mais entre os nossos
Tal
como a vida
A
Morte tem – menos ou mais –
3,
6 bilhões de anos
Os
suicidas têm razão
Aqui
em Israel – Palestina – até as palavras explodem
Menos
que a sombra da sombra
Uma
bala instalada no cérebro de um burguês
Equivale
a 1000 poemas
A
sabedoria da angústia
Antivírus
Quase todas as características do
frasismo novo estão em tais frases quebradas, versos. A arte nobre pode
ressurgir com dignidade.
VONTADE
E RAZÃO
Unir o otimismo da vontade e o pessimismo da razão, um
aforismo ao modo de Gramsci, tornou-se algo característico do século XX diante
das derrotas e da impossibilidade, naquele momento, de superar o capitalismo.
Após a queda do muro de Berlim, estamos diante da formulação oposta: pessimismo
da vontade e otimismo da razão. Todos os teóricos lúcidos e a própria arte, tão
focada na distopia, sabe ou intui um fim sistêmico latente; mas o pessimismo da
vontade toma conta do espírito humano. É difícil os partidos imporem uma
disciplina férrea, ainda que e principalmente se democrática, aos seus
militantes porque as derrotas foram duríssimas. Apenas com situações difíceis e
algumas vitórias determinantes a dialética entre vontade e razão resolver-se-á
de maneira positiva.
Como parte da crise geral da psique; com razão, reclama-se
que não mais temos gênios na ciência, na filosofia, na arte etc. O poeta-músico
Humberto Gessinger expressa isso:
Onde estão os caras que lutavam dia-a-dia
Sem perder a ternura jamais?
Onde estão os caras que desmaterializavam
Moedas de dez mil reais?
Onde estão os caras que desconheciam limites
Universal e singular?
Onde estão os caras que desenhavam novas cidades
Em guardanapos na mesa de um bar?
Onde estão os caras que pregavam no deserto?
O deserto continua lá
Onde estão os caras que deixavam as portas abertas
Para a vida poder circular?
Onde está o teatro mágico só para iniciados?
Onde está o espaço não privatizado?
Onde estão os caras que acenavam com a mão invisível
Um mercado para todos nós?
Onde estão as provas?
Onde estão os fatos?
As boas novas eram só boatos?
Onde estão os atos de bravura e rebeldia ternura guerreada
dia-a-dia
Será que estamos sós?
A queda do chamado socialismo real,
fictício, teve papel central na falta de ousadia, imaginação, criatividade,
impulso etc. – e esperança. É hora de reerguermos a utopia, pois a realidade
pede, a desmoralização já faz algum tempo e temos ainda algum outro tempo para
virar o jogo. Fé cega, mas com pé atrás. A posição crítica e o estímulo ao
pensamento autônomo, tão desestimulados em “nosso” movimento no século XX, são
e serão o nosso norte.
Pode-se argumentar que a crise da
sociedade produz a crise da psique, logo nenhuma vanguarda real surgirá no
campo do pensamento como, para Marx, a consolidação do capitalismo encerrou a
era dos grandes economistas burgueses. Isso tem muita verdade, mas ainda é
parcial. Vejamos: 1) os críticos ao status
quo, durante a crise, serão obrigados a produzir; 2) as partes da sociedade
global têm particularidades, assim, em pelo menos um país ou região, a
decadência produzirá nova filosofia etc.
A INFORMAÇÃO
A literatura distópica do século XX produziu duas grandes
conclusões opostas sobre o destino da informação na sociedade: George Orwell
teorizou que seríamos privados de informação enquanto Aldous Hoxley, que
teríamos informação em excesso. Embora a segunda hipótese seja mais
sofisticada, nossa distopia real é uma combinação das duas projeções: há, ao
mesmo tempo, excesso e falta de informação.
Neste livro, evitamos tratar de ideias que já são senso
comum entre revolucionários e reformistas, como a quase óbvia manipulação
midiática. Podemos destacar apenas a inocente crítica ao pensar que basta a
quebra dos monopólios de mídia e apresentar finalmente a verdade ao povo para
tudo mudar de vez… Como disse Lukács, as ilusões da falsa ideologia são
socialmente necessárias. É claro que os grandes meios de comunicação manipulam
a verdade e criam, também, sentimentos e subjetividades; por isso é preciso,
enquanto faltam duras conjunturas que abram a possibilidade de os
revolucionários serem a maioria, uma luta de guerrilha pela informação e pela
emoção.
LÍDER
E PERFIL ORGANIZATIVO
Via de regra, a objetividade de uma organização exige que o
líder aliene-se, tone-se do perfil exigido. Mas também a organização, de cima à
abaixo, sofre influência do perfil de sua liderança – ainda que parcialmente,
de modo relativo, nada absoluto. Não é incomum, da base ao tomo, os membros
parecerem com o perfil geral da instituição. Assim, um exército sofre
influência do perfil de se general. O mesmo ocorre, por exemplo, em partidos. O
partido leninista Bolchevique teve muitos pontos de confluência com a
personalidade pessoal de Lenin.
CRISE,
ALMA E POSIÇÃO SOCIAL DO CIENTISTA
A cientificidade marxista percebe que a posição do cientista
sobre o mundo afeta e influencia – não determina de todo[23]
– sua capacidade de ver o mundo, de alcançar a verdade, de ir além da
aparência. Quando se toma a posição conservadora da sociedade, de preservar o status quo, tende-se a mistificar o
real, a avançar menos, a justificar o injustificável, etc. Isso é mais verdade
nas ciências humanas do que nas ciências naturais, embora também aí deva haver
influência indireta. O cientista é, também, uma ferramenta, mais ou menos
qualificada para lidar com o objeto de estudo. Mas isso é metade do caminho: a
ciência moderna da mente-cérebro reforça tal concepção ao demonstrar que o
stress relativo tende a produzir criatividade assim como a macieira produz maçã
quando o ambiente lhe é hostil. Um cientista ou teórico que, além de tomar mera
posição em defesa do socialismo do alto de seu apartamento, envolve-se
praticamente com situações militantes ativas, dinâmicas, arriscadas, vive
precariamente, etc. têm, assim, um estímulo do ambiente para sua produção
intelectual. Por isso, Trotsky foi imensamente produtivo em sua vida militante
e ainda mais quando no exílio mortífero forçado por Stalin (a experiência de
viver no mundo, para além do país de origem, como foi o caso de Marx, também
influencia – hoje relativamente compensado pelo atual cosmopolitismo, a
internet, etc.). A sabedoria popular diz que “a necessidade faz a
criatividade”, semelhante ao que afirma o consenso das pesquisas. Com a crise
sistêmica, com o declínio da atual curva de desenvolvimento do capitalismo, ou
seja, com a baixa estabilidade, a psique dos talentosos e honestos lutadores
será pressionada para novas elaborações, para ver em profundidade, etc. Disso,
este livro é uma demonstração. Por outro lado, porque vive sob privilégios,
porque precisa negar a essência da existência, o lado da burguesia está, neste
sentido, em desvantagem relativa – contanto que nunca subestimemos o inimigo.
Trotsky, ao tratar da crise nos EUA, após 1929, destaca: os trabalhadores são
levados a procurar razões do mundo melhores ao verem que, após uma breve recuperação
econômica, outra crise já aparece… Hoje, que os comunistas aprendam a ter as
respostas certas.
No socialismo, o baixo stress será compensado pela alta
erudição dos cidadãos, pelo avanço técnico, pelos debates públicos, pela
popularização da dialética, pela pedagogia ativa, etc. Desse modo, a
criatividade terá seu suporte.
O pensamento vulgar no marxismo diz que o crescimento
impulsiona a arte e a ciência enquanto a crise marca seus declínios. Isso é
pensamento mecanicista, causalidade não dialética, apenas em parte verdadeiro.
A crise de 2008 reduziu o investimento pesquisa no Brasil, desde 2016, e fez,
ao contrário, o governo estadunidense aumentar o investimento estatal em
pesquisa; a mesma causa com efeitos opostos em circunstâncias diferentes. O
ascenso do escravismo na Grécia permitiu o nascer da filosofia, mas foi a
decadência grega a importante fonte para surgir Platão e Aristóteles. A
decadência italiana produziu Maquiavel. A Alemanha dos séculos XVIII e XIX e a
Rússia no final do século XIX e início do XX produziram boa parte dos maiores
gênios da humanidade, pois o atraso relativo deles, a combinação entre o velho
e o novo, formando forte contradição, exigia melhores pensadores.
A
CONSCIÊNCIA SOCIALISTA
Ao
tratar da consciência socialista, Enio Bucchioni afirma:
[…] a palavra de ordem “Um, dois, três Vietnãs” atingia a
consciência dos ativistas e das massas em todo o planeta. É nesse cenário que
floresciam militantes no mundo inteiro, que sonhavam e lutavam para, num futuro
próximo, expropriarem a burguesia em seus países. Era a consciência socialista que se apossava
de milhões de pessoas em várias partes do mundo.
[…] O principal cenário de fundo desse gigantesco
crescimento era a colossal vitória da Revolução Russa de 1917, que inspirava a
consciência comunista para os ativistas nos mais variados quadrantes do mundo e
penetrava fundo nas massas.
Em
polêmica, Hernández opõe-se:
Para tentar demonstrar sua tese, Bucchioni transforma a
consciência burguesa em socialista e daí conclui que, há quarenta anos, o fim
do capitalismo e do imperialismo estava próximo. No entanto, esse não é o
principal problema do texto, porque não era a consciência burguesa das massas o
que impedia, naquele período, acabar com o imperialismo e com o capitalismo.
Afinal, qualquer marxista sabe (ou deveria saber) que as massas fazem
revoluções, contra a burguesia, com uma consciência majoritariamente burguesa.
Resolvamos com dialética a questão acima. Se os
trabalhadores fazem uma revolução socialista com consciência burguesa, logo
esta consciência imediatamente adquire duplo caráter, socialista e capitalista.
O raciocínio aprofunda-se: no caráter duplo, um dos polos domina a relação – o
valor domina o valor de uso, o aspecto alienador da religião supera seu aspecto
humano, etc. – até que a oposição se desfaça; então, pela tarefa histórica que
esta consciência move, o polo central é seu caráter socialista, não o
capitalista.
A consciência precisa ser expressa. Quando faltam
organizações corretas para expressar a consciência socialista, ela se direciona
para os partidos centristas e reformistas. Pode haver, portanto, uma expressão
deformada do real estado da consciência das massas.
PÓS-MODERNISMO
DE ESQUERDA
O grande marxista José Paulo Netto afirmou, numa de suas
palestras, que, após o surgimento do setor pós-moderno reacionário e de
direita, surgiu o pós-modernismo de esquerda e progressivo (dentro de seus
limites, claro). Qual a origem, por quê? Desde pelo menos os anos 1970, com a
alta urbanização em especial, surgiu uma camada de classe média maior e setores
médios novos e precarizados. Isso levou à esquerdização do pensamento.
O pós-modernismo propriamente reacionário, mais
profundamente irracionalista, gruda no cérebro das pessoas e nas correntes
ligadas à aristocracia da classe média, da alta classe média, e a burguesia.
Destacamos que o pós-modernismo é mais afeito aos setores
médios porque 1) são de vida, trabalho e convívio, mais fragmentado, mais
atomizado, mais individualizado – tendências gerais aprofundadas da vida social
na história recente para todas as classes, no entanto muito mais forte naqueles
setores onde isso já é típico; 2) são mais volúveis emocionalmente, pois não
passam pela escola dura da vida prática proletária; 3) tendem a ter mais
necessidades democráticas, menos trabalhistas, de tipo formalmente individuais,
como os direitos das mulheres, legalização das drogas, etc. 4) são incapazes de
ter um projeto de sociedade próprio diante da decadência da sociedade burguesa,
e apenas em circunstâncias especiais uma parte, a mais precarizada, aceita a
liderança da classe operária; 5) são ligados aos afazeres intelectuais.
ETAPAS
DA SUPRERESTRUTURA SUBJETIVA (CIÊNCIA)
Em A Ideologia Alemã, Marx criticou duramente a ideia de que
etapas da história humana fossem idênticas e como etapas do indivíduo –
criança, jovem, adulto, velho. A crítica está totalmente correta. Porém em
parte da superestrutura subjetiva, como demonstraremos, ocorrem etapas
semelhantes entre o desenvolvimento psíquico individual e das ideias,
ideologias e concepções científicas.
Leiamos a observação de Moreno:
Estudiando el desarrollo de las ciencias descubrió un paralelismo
estrecho, aunque no total, entre el desarrollo natural de la inteligencia y el
de las ciencias. Esta lógica es la de las grandes teorías de la ciencia
moderna.
E continua:
Si Della Volpe ignora a la psicología genética de la inteligencia, ésta
no lo ignoraría a él. Creemos que clasificaría su método de la abstracción
determinada como un buen ejemplo de pensamiento de niño de entre 8 y 10 años.
No estaría en mala compañía, ya que Bergson y otros ilustres filósofos están
más atrasados aún, entre los 4 y 6 años de edad mental.
O argentino, generalizando descobertas-invenções de Piaget, trata da
“nova lógica hipotético-dedutiva”:
El autor que estamos criticando no sólo ignora que para Marx hay dos
métodos de conocimiento del objeto […], sino también que la epistemología junto
con la psicologia moderna han descubierto uno nuevo: el hipotético-deductivo,
que ya no trabaja construyendo sobre abstracciones sacadas de la realidad o de
la actividad, sino sobre posibles, hipótesis. La psicología del conocimiento
advirtió que los adolescentes entre los 12 y 15 años, comienzan a utilizar una
nueva forma de pensar, la hipotética deductiva.
Além de com o método hipotético-dedutivo (dos adolescentes e da
adolescência quase atual da cientificidade no capitalismo – como com o
hipotético-dedutivo de Popper); com a pós-modernidade, e a hiperespecialização
da ciência, podemos afirmar que não apenas a cientificidade mas também –
ampliando – parte do conjunto da superestrutura subjetiva da humanidade está na
fase final de sua adolescência, de sua juventude, podendo ou não alcançar a
maturidade. Por ora, tendências de fragmentação, isto é, de esquizofrenia,
típico da idade, imperam por razão das tensões acumuladas e conflitos
irresolvidos. Essa fase maravilhosa, mas conturbada, base para o posterior
amadurecimento, demonstra a possibilidade de sairmos da infância da espécie
nesta transição para a fase adulta, o socialismo.
No nível superestrutural subjetivo, o iluminismo, para o atual sistema,
e sua concepção de racionalidade total tem relação real com o período de latência em Freud, o de desenvolvimento lógico em Piaget, o quarto estágio em Erikson, o estágio categorial em Wallon.
Desenvolvemos, em seguida, a longa etapa vista em nível individual pelos três
teóricos citados – que corresponde à adolescência e à sequência do capitalismo
nas ideias.
Nos dois níveis, pessoal e histórico, o processo instável da relação
sujeito-objeto (que inclui a produção, etc.) leva a processos de assimilação e
acomodação (Piaget[24]),
base para a etapa seguinte. O avanço da superestrutura científica da humanidade
para a priorização da acomodação (ver nota de rodapé anterior) é a futura
dominação geral da dialética na ciência.
A observação de Moreno sobre percorrer de modo inexato o mesmo caminho,
entre um e outro, entre psicologia individual e a história das ideias, está de
acordo com a crítica construtiva, ou seja, dialética de Henri Wallon a Piaget[25]:
os processos não são exatamente lineares, pode haver recuo com acúmulo, o
desenvolvimento ou mudança de etapa pode retardar, uma etapa agrega
(suprassume) a anterior, etc.
Nossa concepção é evolucionária e revolucionária. Thomas Kuhn teorizou
“A estrutura das revoluções científicas”, como o seguinte movimento: ciência normal – resolução de
quebra-cabeças – paradigma – anomalia – crise – revolução. Mas cometeu três
erros. Primeiro, ele não generalizou esse “modelo” de desenvolvimento para a
dialética geral, além da do pensamento, como faremos em outro capítulo, sobre
processo e crise. Segundo, ele pensa que um novo paradigma científico, fruto da
revolução, ou melhor, da crise, não é superior ao anterior – apenas diferente.
Ora, esse tipo de coisa acontece na arte: o próximo movimento artístico,
demostrou Lukács, é apenas diferente do anterior, nunca melhor em si[26].
Porém isso é impróprio na ciência, pois ela se aproxima cada vez mais da
verdade. A revolução científica é uma evolução científica. Essa evolução pode
ser contraditória, com avanços acompanhados de recuos como a época moderna,
século 16 a 18, negando noções como ontologia e totalidade do pensamento
antigo. No entanto, na larga escala, a tendência é de avanço, como do
afastamento científico, ir além ou por debaixo e dentro, em relação ao mero
empírico ou intuitivo (os gregos pensavam que, para compreender a realidade,
bastava olhar). A ciência tem 2 níveis, as teorias (e categorias etc.) de
aparência e as de essência. A teoria da gravitação de Einstein serve para o
meso e o macrocosmos, ambos, enquanto a gravitação de Newton é funcional,
instrumental, útil para apenas a escala “meso”, não extrema. As teorias
oficiais em economia pensam que o valor e o lucro se dão assim, em resumo:
custos com objetos (desgaste das máquinas, uso de materiais etc.) + custos com
folha de pagamento + custo com impostos + custo de novo investimento +,
finalmente, um lucro médio do mercado. Isso está certo na prática, na empiria,
na aparência, na economia vulgar. Mas, na essência, na mercadoria há custo com
capital constante (desgaste de máquina, uso de matérias etc.), cujo valor vem
do trabalho humano, + um valor produzido pelo próprio operário para pagar o seu
salário + um valor produzido a mais pelo próprio operário, mas entregue de
graça ao patrão e a outros (impostos etc.). Ou seja, o mais-valor e o lucro vêm
da produção, mas parecem vir da circulação, vêm da mão disciplinada do
operário, mas parecem vir do cálculo mental do burguês. Eis a diferença entre
teorias instrumentais, ou aparenciais, e teorias essenciais. Terceiro: se a
humanidade manter-se de pé; alcança-se níveis onde é possível reformas
científicas, ainda que profundas, não mais revoluções.
TDA
O Transtorno de Déficit de Atenção (e Hiperatividade) tem sido a moda
das questões mentais comuns. De fato, o nome não expressa bem sua natureza. Não
há falta de atenção apenas, mas atenção também exagerada, hiperfoco, somente
naquilo que desperta real interesse no portador. Também não é uma doença, mas
uma personalidade, um tipo humano (INFP, principalmente). O fato de o TDA ter
sido percebido em nosso tempo revela mais sobre este próprio tempo que a
evolução da ciência da mente-cérebro em si. O portador de TDA têm muitas
semelhanças com a psicologia do lupemproletariado, sendo provavelmente uma das
origens individuais, não em exato históricas, deste grupo social, entre aqueles
que não conseguem se adaptar ao mundo capitalista. A dificuldade de
planejamento de longo prazo e a quase impossibilidade de se envolver com
tarefas duras são exemplos da coincidência, não somente ocasional, entre ambos.
O TDA é naturalmente intolerante contra as diferentes formas de
alienação; por isso, também, pode tornar-se marginal na sociedade. Ele somente
aceita ordens se: 1) vê nelas sentido lógico, 2) sente que o ordenador não tem
intensões de dominá-lo, de se pôr como superior. Uma criação familiar e social
por demais repressiva pode tornar o TDA um subversivo crônico, com transtorno
opositor (como marginal ou revolucionário etc. – daí que Jung tenha posto o
subversivo, seja o tipo negativo ou o positivo, na mesma categoria, na
classificação de arquétipos[27]).
Além disso, a impulsividade faz do TDA amoroso, muito solidário e empático.
Marx teve as características de um TDA, com a vantagem de viver numa
época de poucas distrações. Vejamos:
10.
Como
dissemos, um TDA é intolerante, em alto grau, às relações alienadas. Isso
permitiu Marx ter uma sensibilidade muito maior para perceber a natureza da
alienação, em especial no capitalismo.
11.
Um TDA é
altamente simpático e empático, além de impulsivo (carinhoso, naturalmente
solidário etc. – mas costumamos associar impulsivo com violento). É o caso
biográfico de Marx.
12.
Um TDA tende
a ignorar as “inúteis explosões” do imediato, da aparência, e querer saber do
lado interno do mundo, da lógica das coisas. Isso ajudou a tornar Marx um
dialético.
13.
Um TDA é,
via de regra, imensamente criativo, associativo de ideias. Este é o caso de
nosso gigante, o maior pensador da nossa era.
14.
Um TDA, em
geral, tem letra feia, ilegível ou quase (embora seja comum entre o tipo a
habilidade de combinar as palavras, de estilo). É o caso de Marx, que perdeu
uma vaga de emprego por tal razão.
O TDA, independente de sua origem ser genética ou igualmente com outras
causas possíveis, é uma afirmação do capitalismo, como com sua falta de
planejamento, mas, ao mesmo tempo, é sua negação completa e típica, pela sua
anti-alienação, por seu perfil mais humano, por sua indisciplinada disciplina,
por seu lado criativo-associativo e profundo, por sua noção “distorcida” de
tempo etc. (Antes, éramos donos do tempo, mas hoje somos dominados por ele – certa
vez disse Fonseca Neto.) Daí sua queda, hoje, no lado lúpem, seu fracasso
comum. Assim, TDA, neste modo de vida, expressa em si contradição deste próprio
modo de vida.
A psicologia social beneficia-se desse tipo de observação. Uma sociedade
sob ditadura, por exemplo, produz ou estimula relações de opressão por
hierarquia, como na família, o que, por sua vez, produz subversivos tendentes a
ir contra aquela mesma realidade.
LINGUAGEM
É evidente que a linguagem humana, social, não tem sua origem primeira
na biologia, mas na sociedade, embora a mecânica corporal de controlar os
fluxos de ar seja vital. Como diz Engels, foi preciso a necessidade de dizer
algo para algo dizer, ou seja, o trabalho cada vez mais complexo impulsionou a
fala, depois a escrita; o erro desse gênio foi supor que a necessidade da fala
fez surgir os órgãos necessários, como se o esticar do pescoço tivesse
produzido as girafas.
Em analogia aproximal, a relação valor de uso, valor de troca e valor na
mercadoria tem algo de similar com três elementos da linguagem básica – o
significante, o significado e a energia. A palavra é uma unidade de energia,
energética.
Temos agora de demonstrar pistas sobre tal conclusão. O cérebro tem, por
exemplo, uma tensão interna, de energia, que precisa ser vazado tal excesso ao
transformar a “pulsão” em ato de falar. Uma energia, que incomoda, foi
transformada em outra matéria e energia. Assim, o padre medieval – e toda
ciência começa como misticismo e pseudociência, como o inverso de si – aliviava
os fieis que desabafavam; assim, o psicólogo e o psicanalista melhoram o
paciente.
A energia descarregada em linguagem aqui afeta menos ou mais outro
sujeito ali, a palavra é mediação dessa troca e transmissão energética. A
fofoca precisa ser dita, o carente precisa conversar o que quer que seja com
quem quer que seja. A palavra não é o inconsciente, mas algo vital mediante
como o dinheiro é mediador das mercadorias.
Vejamos por outro ângulo: há uma economia de energia. Em geral, as
palavras tendem a ficar menores e mais simples economizando matéria-energia.
Sabe-se que nos países frios as consoantes e a fala introvertida imperam por
causa da perda energética do corpo. Nos locais quentes, impera a vogal, o gasto
do excesso. As palavras Saara e Caatinga, em temperaturas mais extremas, bem
expressam isso. A palavra “muito” em português soa, de modo anormal, como
“muinto”, pois gera economia, flui melhor. As palavras mais comuns, como sim e
não ou yes e not, costumam ser menores.
O ato falho verbal descoberto por Freud surge de uma tensão que supera
uma tensão de censura contraposta e resistente. Mais uma prova do caráter
energético e transformado da palavra.
Em especial por suas origens, as palavras são comumente como
onomatopeias do real, metáforas sonoras do objeto representado. Torquato Neto
afirma, contra a palavra:
Escrever não vale quase nada para as transas difíceis desse tempo,
amizade. palavras são poliedros de faces infinitas e a coisa é transparente – a
luz de cada face distorce a transa original, dá todos os sentidos de uma vez,
não é suficientemente clara, nunca. nem eficaz, é óbvio. depende apenas de
transar com a imagem... chega de metáforas, queremos a imagem nua e crua que se
vê na rua, a imagem – imagem sem mais reticências, verdadeira.” (Torquato Neto,
Os Últimos Dias de Paupéria.)
Mas poliedros, a palavra, lembra poliedros, paralelepípedos lembra
paralelepípedos. Ele não entende, também, que a duplicidade de significados é
uma força, mais do que uma fraqueza, da linguagem. A fusão ou a combinação de
significados torna poética a poesia real da vida. É muito comum sermos duplos
para expressar a verdade do inconsciente e, ao mesmo tempo, a verdade
consciente e funcional, não menos verdadeira. A expressão “suprassumir” em
alemão – ao mesmo tempo significando os opostos superar e destruir, guardar e
preservar, elevar e suspender – facilitou descobrir a própria dialética da
vida; pois a realidade é filme, não fotografia. A poesia estica isso ao máximo,
ao limite; vejamos um pequeno exemplo, sem dispensar recursos visuais:
arrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr ar
pe pe pe pe pe pe pe dra
ááááááááguuuuuuuu a
fo fo fo fo fo fo fo fo fogo
Para fora, o pensamento era sem forma e sem ordem. Era um mar profundo
coberto de escuridão; mas sobre suas águas pairava o espírito do homem. Então
ele disse.
***
Derivamos as seguintes conclusões sobre a linguagem:
1.
Ela é
unidade de ser e não ser – se dissemos “não pense num elefante”, logo pensamos
positivamente num elefante antes de fazer negação.
2.
Ela vai da
materialização à desmaterialização – as palavras mais usadas, após criadas, são
diminuídas, reduzidas.
3.
Ela é
energia-matéria.
4.
Vai do
simples ao complexo, como sabe qualquer observador – e tende a simplificar-se
de modo relativo.
5.
Vai do
extensivo para o intensivo, como concentrar significados na mesma palavra.
6.
Vai do
concreto ao abstrato ao concreto.
7.
Um conteúdo
palavrático pode ter várias formas, assim como várias formas podem ter
diferentes conteúdos. “Penso” pode ser pensar ou pender; “fui” pode derivar de
ser ou de ir – ou ambos! To be é ser, estar (aqui) ou estar (fazendo).
8.
A palavra
tende a mudar, adaptar-se, sua forma para ganhar a “aerodinâmica” melhor para
seu fluir.
9.
Há o duplo
sentido, duplo caráter, de polo inconsciente e outro inconsciente comum na
linguagem, associação.
10. Saber bem uma língua ou saber várias línguas ajuda
de modo relativo o pensamento.
11. A linguagem oral e escrita potencializa o
pensamento, mais do que o limita.
12. A linguagem começa com um conceito, que se desdobra
em dois opostos e avança para um conceito maior, unificador, mediador ou
meio-termo – ou expressão conceitual. A criação de uma palavra, no começo,
leva, tantas vezes, a criar outra oposta, similar (com sufixo etc.) ou oposta
na sonoridade.
13. O verbo, o adjetivo, o substantivo etc. existem
porque existem na realidade. O cérebro evoluiu e adaptou-se para perceber tais
aspectos.
14. As relações sintáticas existem porque existem na
realidade.
15. Morfologia é lógica formal, grosso modo; sintaxe é
lógica dialética, grosso modo.
16. Ir o ensino da letra para a sílaba, para a palavras
etc. reproduz, grosso modo, uma
sequência real na fundação da linguagem oral pelo homem primitivo.
17. Grosso modo, a morfologia costuma expressar o
desenvolvimento real da linguagem no primitivismo, como começar – no estudo e
na história da humanidade – pelo substantivo (antes, concreto; depois,
abstrato) para poder, no evolver, fundar o verbo etc.
18. A contradição entre a língua falada (conteúdo e
mutável) e língua escrita (forma) e erudita (forma e conservadora) é produtiva,
oferece uma duplicidade que anima a psique.
19. A linguagem não é neutra, mas sua acidez não é tão
alta. A realidade não é estruturada pela linguagem, apesar de sua vitalidade e
influência parcial.
20. Há linguagem de aparência e, oposta e “dentro”, de
essência.
21. A tarefa central do pensador não é esclarecer
conceitos – sua missão é desenvolver as categorias, desdobrá-las.
22. A linguagem, de um autor etc., costuma, a priori,
expressar sua personalidade.
23. Não basta desfazer o argumento adversário. Deve-se
também demonstrar sua manobra, seu jogo e sua falta lógica. A origem do erro
deve ser exposta, como a intensão real do outro.
24. A poesia é uma forma de encaixar o poema nele mesmo
MODERNO
SOFISMO
Kant e Hegel escreviam de maneira complicada porque eram distantes do
mundo popular, porque o conteúdo era complexo, porque suas personalidades eram
exuberantes, por falta de tato etc. Algo esperado. Assim como cálculos
complexos são mais difíceis de entender, também textos complexos o são; assim
como para entender cálculos complexos exige-se uma base, também textos
complexos a exigem. Mas hoje é de todo diferente. Usa-se uma forma complicada
para ocultar um conteúdo fraco ou um engodo. O leitor, coitado, já faz um
esforço imenso para traduzir o material, falta-lhe energia posterior para fazer
qualquer crítica. Com o linguajar nebuloso procura-se elevar à décima potência
o sucesso da obra, além de usar o bizarro. É claro que a ciência e a filosofia
podem desenvolver a linguagem e sua poesia, mas isso está subordinado. Tal como
os sofistas antigos educavam os cidadãos pagantes na arte da retórica, aonde
pouco importava a verdade de fato, os sofistas atuais também negam a verdade e
apostam na linguagem, em jogo artificial. Isso tem uma razão histórica de
fundo: de um lado, a perigosa verdade, classista, não deve ser acessada – de
outro, esgota-se a filosofia-ciência humana desta época, exigindo novo
paradigma, o marxismo. Incapazes de produzir algo novo com seus padrões velhos
de pensamento, forçam a criação via o palavriado. Esta obra, por exemplo,
apenas pôde existir após abandonar premissas e “verdades consolidadas”.
PALAVRA:
RAZÃO E EMOÇÃO
Por seu efeito, a palavra é unidade de razão e emoção. A palavra “amor”
ou “saudade” causa em nós, ainda que de modo leve, tais sensações, repercute na
nossa psique. A palavra tem, assim,
poder – uma força material. Os poetas sabem disso, manejam tal jogo.
Nomear um organismo partidário de “célula” em lugar de “núcleo”, por exemplo,
algo simples e vaporoso, tem certa influência pequena sobre a subjetividade e a
dinâmica do próprio organismo, que passa a ser encarado como ambiente de debate
e trabalho, além de conspiração e, de modo relativo, autônomo, diferente da
outra forma de nomear. Mas não caímos na outra ponta, um extremo, de considerar
que a realidade é linguagem – nada disso; tal formulação não resiste contra uma
observação mínima. A palavra é uma objetividade subjetiva, uma subjetividade
objetiva.
IDEOLOGIA
A palavra maldita, ideologia, com a qual uns acusam os outros, e
vice-versa, de a praticarem em suas afirmações talvez ou supostamente
interessadas. Como veremos, todo este capítulo tem como centro tal objeto. Para
nós, a mentalidade não é epifenômeno, como até Marx deixou quase entender em
alguns momentos. Mas, mesmo assim, doloroso à consciência a ideia de que não
decidimos quando decidimos ou que não temos livre arbítrio. Às vezes, somos até
capazes de ver nos outros que eles e seus pensamentos são frutos do meio, de
sua experiência não escolhida, mas “esquecemos” de olhar com o olho de dentro
para fazer a autoanálise. Em geral, apenas quem está numa posição social que
necessita da verdade, a posição comunista e proletária, torna-se capaz do
julgamento muito pleno de si e dos demais, de saber a base concreta do
pensamento ou sentimento abstratos. Vejamos, agora, o resumo de alguns de
nossos mestres e uma conclusão específica sobre.
MARX E ENGELS
Eles começam a concepção marxista de ideologia enquanto sinônimo de
falsa consciência, como oposto à ciência. Depois, Marx avança para um conjunto
de ideias como forma de tomar consciência prática das tarefas e problemas de
seu tempo.
Eles elaboraram, então, a famosa máxima: as ideias dominantes de uma
época são as ideias de sua classe dominante.
LENIN
O teórico russo contrapõe ideologia como visão de mundo classista, das
diferentes classes. Há, assim, a ideologia operária e, oposta e inimiga, a
ideologia burguesa.
LUKÁCS
O húngaro nomeia ideologia toda a superestrutura subjetiva: ciência,
política, moral etc. Para ele, ideologia é ontológica, ou seja, tem função
prática na realidade para 1) convencer uns aos outros a trabalhar de tal ou
qual modo, 2) convencer os outros homens a organizar a vida social de certa ou
daquela maneira.
ALTHUSSER
O autor francês retomou a ideologia como falsa consciência, como uma
versão ou visão invertida, de cabeça para baixo, do mundo real. Na prática, ele
apenas retomou o senso comum e preconceitos de seu meio ambiente, a
universidade burguesa. Sua meta foi adaptar o marxismo à academia e suas
concepções de classe média.
OUTRA CONTRIBUIÇÃO
Como no tema da liberdade humana, todas as concepções acima estão certas
em algum nível. As diferentes ideologias – filosofia, arte etc. – subjetivam a objetividade,
ou seja, desenvolvem, unilateralizam e aprimoram o que já existe na realidade.
Por isso, muitas vezes apenas organizam e sistematizam o senso comum, o
cotidiano.
Engels afirma:
Vimos como os filósofos franceses do século XVIII que abriram o caminho
à revolução, apelaram para a razão como o juiz único de tudo o que existe.
Pretendia-se instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e
tudo quanto contradissesse a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma
piedade. Vimos também que, em realidade, essa razão não era mais que o SENSO
COMUM do homem idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia
em burguês. (Engels, Do Socialismo Utópico ao
Socialismo Cientifico, 2003, detaque meu)
Ele repete, na mesma obra:
Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os conceitos,
são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o
outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem
meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além
disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode ser
ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se excluem em
absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus olhos, a forma de uma
rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-nos
extremamente razoável, porque é o do chamado SENSO COMUM. Mas o próprio SENSO
COMUM - personagem muito respeitável dentro de casa, entre quatro paredes -
vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos
amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, pois muito justificado
e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas
segundo a natureza do objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde,
com uma barreira, ultrapassada a qual converte-se num método unilateral,
limitado, abstrato, e se perde em Insolúveis contradições, pois, absorvido
pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação; preocupado com
sua existência, não atenta em sua origem nem em sua caducidade; obcecado pelas
árvores, não consegue ver o bosque. (Idem, destaque meu)
Lukács fala que a ciência costuma derivar do cotidiano como a criação de
pombos observada por Darwin, mas não teve tanta clareza sobre isso quanto à
ideologia.
Marx diz n’O Capital:
O segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos
os trabalhos porque e na medida em que são trabalho humano em geral, só pode
ser decifrado QUANDO O CONCEITO DE IGUALDADE HUMANA JÁ POSSUI A FIXIDEZ DE UM
PRECONCEITO POPULAR. Mas isso só é possível numa sociedade em que a forma
mercadoria é a forma universal do produto do trabalho e, portanto, também a
relação entre os homens como possuidores de mercadorias é a relação social
dominante.
Em seguida à citação, ele faz a famosa afirmação: por estar no mundo
antigo e ser senhor de escravos, Aristóteles era incapaz de perceber a
substância do valor.
A realidade é traduzida pelo pensamento, não criada neste nível. Uma
obra de moral expressa a moral objetiva da realidade, por assim dizer. Quando
pós-modernos falam de “Multidão” no lugar das classes em luta, eles estão
intuindo o fim das classes no comunismo de modo impressionista e imediatista,
pois as classes estão de fato em crise categorial. Quando outros pós-modernos
falam de fim do trabalho e besteiras semelhantes, de fato sentem com exagero a
crise do valor, a automação etc.
O filósofo ou o artista está na vanguarda do novo, ainda que algo seja
de curta vida. Adorno percebeu já e ainda no começo que a música se tornaria
apenas o fundo de um cenário, logo fato comum hoje desde o walkman, o MP3, o
celular, a internet etc. Claro, muitas vezes erram os ideólogos.
Se a realidade humana, pessoal, está fragmentada, logo surgirá uma
filosofia fragmentada. Passamos para a linguagem humana aquilo que não a é. O
espírito do tempo hegeliano, Zeitgeist, na verdade é a objetividade do tempo,
ou melhor, do meio, a carne e a coisa de uma época, corpo social e dinâmico –
espírito, mas espírito concreto.
Isso produz uma nova conclusão, teorema: se uma teoria parcial pode
surgir, ela surgirá. Vejamos dois exemplos. A artificialidade atual do
dinheiro, na artificialidade do sistema mantido pelo Estado, sua criação fácil,
leva a membros da classe média a pensarem como solução para tudo a criação
maior de moeda. A nova classe média e a aristocracia operária europeia fizeram
a cabeça de Sartre e seu existencialismo.
O materialismo parte, também, do senso comum: a realidade existe. Para
um cidadão médio é óbvio que a objetividade há, e é, pois Deus a criou. O
idealista apressado acusa tal ideia por ser vulgar, cotidiana, e eleva a voz
para duvidar da existência autônoma do real. Na verdade, sequer dá dois passos
à frente na sua elaboração.
A realidade é um inconsciente objetivo para além do inconsciente
individual, subjetivo. Assim, este é influenciado por aquele; então ocorre a
racionalização, no duplo sentido, psicanalista e não psicanalista. Lukács, por
isso, erra quando diz que o artista, similar ao Espírito hegeliano, vai para o
mundo e, enriquecido por ele, produz algo, retoma-se; não; o poeta já está na
realidade e sua inspiração vem de repente, tantas vezes do inconsciente duplo
para a consciência; depois, uma ideia leva à outra, e outra, e assim por
diante. Se o romancista pesquisa, parte da ideia inicial, age a posteriori, e
suas investigações são muito específicas, como estudar arte militar para melhor
descrever e narrar uma batalha.
Veja-se que os reformistas enrustidos no meio marxista insistem em negar
a validade teórica de três aspectos do socialismo científico: a dialética, a
queda da taxa de lucro rumo a crises e ao fim do sistema e a necessidade de um
partido democrático centralista. Fazem isso de modo, em geral, inconsciente,
mas o fazem. Em geral, expressam a classe média em suas entranhas cerebrais,
por isso, por exemplo, a maior dificuldade de ir além da lógica formal.
Enfim, a subjetividade dominante de uma época é a subjetividade de sua
objetividade dominante. O subjetivo é um espelho ampliador. A classe dominante
não cria ideologia em uma sala secreta de reuniões, caso contrário seria pura
falsificação, não ideologia; assim como não controla o próprio sistema, a
burguesia não controla a criação ideológica de modo direto e inteiro; “nós
criamos, mas criamos apesar de nós”. A realidade entra na cabeça da própria
classe dominante, que traduz o real de seu ponto de vista, e tenta ganhar a
sociedade para suas próprias posições, que têm origem primeira no objeto, ainda
que unilateral.
Uma ideologia, por mais força social potencial que tenha por si, costuma
precisar de uma superestrutura objetiva, uma instituição, para prosperar em
muitas cabeças. As teorias de Lenin e Trotsky somente deixaram de ser marginais
porque lideraram uma revolução, um partido e um Estado. Na França, a escola de
Annales apenas cresceu porque tomou espaços universitários. Para muitos
filósofos, cargos como o de reitor de universidade tiveram um efeito brutal na
popularidade de suas ideias. Fora de tais meios, costuma-se cair na
marginalidade.
O externo se internaliza. Os marxistas afirmam que apenas (re)conhecemos
o objeto quando ele está maduro; antes, conhecemos imperfeitamente o objeto
porque o objeto também ainda é imperfeito. Os mercantilistas na economia
pertencem à época mercantilista; a teoria da evolução de Darwin, a seleção do
mais apto, pôde surgir e ser corretamente aceita porque a revolução industrial
impôs o império da livre concorrência, permitiu surgir tal avanço científico
por sua estrutura-avanço social e tais ideias eram úteis para o desenvolvimento
das forças produtivas. Eis uma forma diferente de identidade e unidade
objeto-sujeito. Em duplo sentido, o objeto que se reconhece no sujeito. Além do
mais, a realidade tende a produzir homens e mulheres para si, que veem tanto
quanto podem ver.
A ideologia traduz e expressa as contradições e as dinâmicas do real,
ainda que seja para negar tais contradições e tais dinâmicas. A ideia de
tradição medieval vem de uma objetividade que pouco muda, em que o passado dava
respostas suportáveis – até não mais dar.
Temos, portanto, uma concepção ideológica de ideologia. A consciência
avança se sua base material avança; e recua se esta recua. Mas a consciência
também é matéria, então tem força na própria materialidade, e resistência à
mudança, para frente ou para trás, além de influenciar também o meio. Há
aprendizado, há tradição. De tal modo, damos um novo significado para a
dinâmica unidade e identidade sujeito-objeto; tal objeto como objetividade,
realidade. A ideia é matéria – a ideia é matéria em processo.
CONCIÊNCIA
De onde vem a consciência? Da contradição. Quando um todo no qual o ser
vivo opera se desregula, ou seja, quando os hábitos, as repetições de
comportamento, deixam de encontrar a externalidade (totalidade) correspondente
à ação; então força-se à percepção, cálculo, medição, comparação e
diferenciação de si, do si, em comparação ao externo. É a sobrevivência, a
necessidade de satisfazer necessidades, o impulso íntimo, cuja fonte é exterior
ao corpo-mente. O primeiro impulso deu-se com a obrigatoriedade dos antigos
primatas a descerem das árvores nas savanas.
A teoria da evolução descobre que um órgão corporal, uma parte do, o
cérebro neste caso, pode ser mais ou menos flexível e modificável para novas
funções; e que as mudanças, mutações, mais ou menos comuns, prosperam ou não a
depender se gerarão vantagens, não-contradições, com o ambiente natural. Temos
um segundo estímulo à consciência. Isso é válido para uma espécie ou seu ser
singular, uma pessoa, como também para um grupo humano: uma crise econômica faz
com que um ser coletivo, a classe trabalhadora, ao romper a rotina, avance de
classe em si para, ao elevarem-se as contradições, classe para si, consciência
de classe. É análogo ao processo em escala biológica.
Na medida em que o homem primitivo, os antepassados evolutivos próximos,
modificavam, por meio do trabalho e construção de ferramentas, os seus próprios
hábitos, surgiam necessidades novas; o ambiente modificava-se, o que gerava
novas limitações a serem superadas. Como agir a estas contradições e mudanças?
Pela capacidade de projeção, de imaginar, de antecipar idealmente. Tal
habilidade só pôde surgir como necessidade permanente, mais que casual. Temos
aí a base para tudo a que chamamos inteligência, criatividade, consciência e
pensamento. Para isso, já o sabia Engels, o cérebro contou com energia
oferecida por alimentos cozidos, pelas carnes e ômega 3.
Abordemos uma pista empírica – forma de protoconsciência – em outras
espécies:
INSETOS PODEM TER TIDO “CONSCIÊNCIA” BÁSICA HÁ MAIS DE 500 MILHÕES DE
ANOS. (Comentado)
Dr. Barron e pelo Dr. Klein acreditam que as origens da consciência, são
rastreadas pelo menos, até o Cambriano, que começou há cerca de 540 milhões de
anos atrás.
“Quando os organismos começaram a mover-se livremente em seu ambiente,
eles enfrentaram muitos desafios novos”, explicou o Dr. Klein.
“Eles tiveram que decidir para onde ir. Eles tiveram que priorizar suas
necessidades. Eles tinham de interpretar informação sensorial que mudou como
consequência do seu movimento. Isso exigia um novo tipo de modelagem integrada,
e é aí que nós pensamos que a consciência surgiu.”
Bruno van Swinderen é professor associado da Universidade de Queensland
e é um líder no campo da neurobiologia do inseto.
Dr. Van Swinderen acredita que um dos pontos mais importantes do novo
trabalho é a constatação de que a compreensão da evolução da consciência não
virá da procura de comportamento inteligente em outros animais, mas sim de
compreender os mecanismos fundamentais que apoiam a consciência subjetiva e atenção
seletiva, que ele diz que “sabemos agora que insetos têm”.
“Os insetos têm sido vistos tradicionalmente como mini-robôs,
respondendo a estímulos ambientais de uma forma bastante inflexível”, disse o
Dr. Van Swinderen.
“Em contraste, Barron Klein e sugerem que é provável que algumas dos
bases fundamentais da consciência já foram resolvidas nos menores cérebros”.
Compreender completamente o que está na mente de um inseto ainda é impossível,
no entanto.
Uma coisa é o órgão; outra, o fruto de sua atividade: cérebro e mente
são categorias reais interligadas, são o mesmo, mas, ao mesmo tempo,
diferentes. Destas pistas, retiramos a seguinte hipótese, que nos parece mais
correta: não há um local responsável pela consciência – é uma consequência da
totalidade da atividade cerebral, da interação de suas partes. Mas, certamente,
qualquer totalidade, incluso o cérebro e a consciência, tem um centro.
A explicação científico-filosófica da consciência certamente terá de
abandonar a explicação simples e dicionária, isto é aquilo, para uma explicação
por saturação do conceito. De novo, as conquistas metodológicas da economia
política nos servem de exemplo facilitador: Marx, ao longo de sua obra magna,
não diz apenas em uma vez e explicação “o capital é (isto)”, escolhe
desenvolver a categoria no seu próprio evolver, satura-o no seu significado
próprio (é-se: valor que se valoriza, relação social etc.). Aqui, indicamos
“consciência é alucinação relativa” para o caminho lógico-teórico do tema.
Tratemos por nome imaginação, imaginação controlável pela relação material:
dúvida, sendo diferente de imaginar, é uma forma de imaginar; recordar, sendo
diferente de imaginar, também apenas se expressa como imaginação específica; são
exemplos de diferentes formas de imaginação. Essa é uma das instâncias de
preenchimento do conceito de consciência.
Tornemos ainda mais claro. O esquizofrênico tem, por sofrimento
material, diante da realidade, nesta, a imaginação inflada com lógica também
sob inchaço. Na selva amazônica, um macaco prende-se na armadilha de caçadores
de uma cuia com frutas dentro e um pequeno furo para pôr a mão; coloca a mão
dentro, agarra as pequenas frutas, e trava-se naquela situação, fica preso,
pois lhe é impossível soltar as frutas para se desprender e fugir – o macaco
não alucina perante o desespero, falta-lhe imaginação. “Leve um homem e um boi
ao matadouro; aquele que berrar é o homem. Mesmo que seja o boi.”(Torquato
Neto). Na falta de relação imediata com o objeto, alucina-se.
A “mente imaginativa” é um resultado da atividade cerebral, órgão
específico e integrado aos demais, é material, e tem de ser considerada também
em si, assim como o bombear de sangue não é o próprio coração – coisa e
atividade.
Apenas permanece aquilo que muda – e só a mudança é permanente. A
consciência vem da repetição; quando a mudança tornar-se regra, logo o
cérebro-mente tem a necessidade, em permanência, de saber o que permanece na
mudança. Ele continua fixado no passado, na busca da repetição, do padrão,
embora, diferente de um computador, de fato crie, faz o inédito.
Isso permite explicar um comentário: não existem mais gênios judeus.
Ora, a pergunta é por que judeus e ciganos contribuíram tanto para a
humanidade! Porque 1) eles tiveram um grande período dinâmico, de movimento e
nômade; 2) eles estavam, ao mesmo tempo, dentro e fora da sociedade (veja-se
que a solidão leva, tantas vezes, à leitura, por exemplo). Isso explica, em
parte, o motivo de os negros no Brasil (Machado de Assis, Gilberto Gil, Cruz e
Sousa, Milton Santos etc.) e dos EUA (Jazz, Blues, cinema etc.) terem
contribuído tanto com gênios máximos na história desses dois países.
A mente, a consciência, a ideia (abstratos) são resultado do cérebro
(concreto) e da realidade (concreto) em movimento, em mudança, em atividade
(processo) – o abstrato é concreto em processo. Porque a realidade altera-se, e
a realidade social mais ainda, produz-se um impulso de manter a repetição, que
forma a mente e é base para todo pensamento avançado. Uma pessoa que permanece
uma semana presa e apenas deitada num quarto sem sequer ter noção da luz
natural solar sente sua psique “desfazendo-se”, dissolvendo-se, pois perde a
noção de movimento e mudança. Os teóricos da consciência etc. erram ao partirem
de dentro para fora, não ao contrário, como se fosse premissa básica que a
mente etc. existe por si. Aumentamos, portanto, o peso do objeto sobre o
subjetivo. Nesse sentido, embora forçando um tanto a mão, a consciência é
objetiva antes de ser subjetiva.
A consciência surge ou eleva-se por sua necessidade, por necessidade de
satisfazer necessidades (individuais, coletivas). Por isso, países decadentes
após largo avanço ou imensamente contraditórios, como entre o avançado e o
atraso, produzem grandes gênios. A degeneração dada pela alta qualidade de vida
por ser combatida pela combinação de arte, esporte realista, erudição, alguma
dedicação manual, relação esforço-recompensa.
***
Aqui, inspiramo-nos nos gregos. Eles negavam a empiria aparentemente aparência,
instável, caótica, sem lógica, sem rumo, contingente e queriam acessar o mundo
por meio da boa reflexão, do pensamento dedicado, de deduções abstratas, de
lógica e conflito de ideias com palavras. Assim, continuavam querendo o
permanente na mudança – e fizeram, portanto, filosofia! A filosofia
experimental, a científica e a objetiva, claro, hoje baseiam muito mais
diretamente nos dados, no fatos, na empiria, embora saiba que a aparência ao
mesmo tempo revela e esconde a essência, a verdade.
Isso leva-nos ao debate sobre inteligência artificial: podem os
programas e robôs tornarem-se conscientes? Para nós, o que é, em primeiro
lugar, consciência? Devemos responder tal pergunta milenar, até hoje um enigma
insuperável, com suas diferentes escolas e polêmicas. Consciência é, também
(pois não o que ela é não cabe no dicionário), autoconsciência, consciência de
si. Mas ser consciente de si é ao mesmo tempo diferenciar, ter consciência do
outro e do externo. Por isso, dizer que consciência é consciência de algo tem
tal algo igualmente como a si próprio, alguém. Assim, ter consciência exige ter
consciência da sua finitude, de perceber ser algo que não outro, ou seja, ter
borda e limite, ou seja, ter fronteira. O erro de dizer que pensamos e temos
consciência por meio de todo o corpo deve ser (re)considerada – não penamos com
o corpo inteiro, mas é quase isso. O cérebro é também sua função. Ademais,
consciência é finitude não só espacial, também temporal – consciência exige
falta, logo, necessidade, logo, desejo.
Dito isso, considerando a consciência de seu lugar abstrato, ou seja,
separado e isolado nas nuvens ideais, vemos a dificuldade de uma inteligência
artificial tornar-se de fato consciente. Ademais, o cérebro é a coisa mais
complexa e difícil de replicar do universo. Pode-se, com mais rapidez, simular
um “como se” tivesse consciência. Mas, ao oferecer algo como um sistema nervoso
completo ao robô, além de sentir necessidades (falta de energia, incômodo
etc.), quem sabe a singularidade finalmente ocorra, para o bem ou para o mal.
Marx diz que a há humanização das coisas e coisificação dos homens; e isso
tende a ser literal, atingir um máximo: das máquinas simples que imitavam o
movimento repetitivo das mãos humanas às máquinas complexas que imitam a sua inteligência
e consciência.
O MARXISMO
BÁRBARO
O marxismo acadêmico, antes alternativa, tornou-se o marxismo oficial,
contaminando os partidos marxistas. Há uma razão clara para o melhor do
marxismo – Lênin, Trotsky, Marx, Engels, Gramsci, Moreno etc. – ter se formado
por fora da academia, não por meio dela; em muitas ciências e na arte este
também foi, inúmeras vezes, o caso. Burocratas universitários cumprem tarefas
de burocratas; se fazem ciência, é algo acidental – tanto mais se em
profundidade; a universidade precisa ser libertada, assim como foi libertada,
antes, das mãos do feudalismo. Pelo ambiente e por elevação da qualidade vida,
tornar-se professor de universidade matou o ímpeto de boa parte dos melhores
quadros do movimento socialista. O marxismo agora oficial pouco produz de fato,
pouco contribui e, quando tem algo profundo a dizer, erra com maestria. É
constrangedor a falta de domínio do método dialético, por exemplo, usando do
sofisma para fingir que compreende algo sobre o qual pouco domina, nunca usou
como ferramenta. O marxismo sofreu o primeiro duro ataque interno na II
Internacional, com os papas da social-democracia alemã; apenas com o marxismo
russo, como com o marxismo do mundo subdesenvolvido hoje, pôde renovar a
teoria. Depois, o estalinismo matou teórica e fisicamente toda a nossa tradição
criativa. Após a segunda guerra mundial, Mandel, na estável Europa, tenta
atualizar o marxismo, mas falhou e pendeu para o revisionismo; em oposição,
Moreno, na conflituosa América Latina, faz um trabalho melhor, mas ainda tímido
e de resgate. É com Lukács que começa alguma virada após a morte de Trotsky.
Mészaros, de um lado, e Kurz, fora da universidade, de outro, são aqueles que
dão o passo de fato primeiro, ousado, mas caem em pensamento unilateral e
impressionista. Outras contribuições pontuais surgiram, mas pontuais, como os
de Henri Wallon, na psicologia, e Henri Lefebvre, na geografia. Moreno falou de
“trotskysmo bárbaro”, formado longe dos ambientes de erudição oficiais e no
calor das lutas; ampliamos para marxismo bárbaro, porque tem a sujeira
necessária, como a palavra comunista em relação à palavra socialista, para a
produção realmente criativa, embora não revisionista. O marxismo bárbaro tem
adoração pela dialética, mas de modo por inteiro crítico e renovador. O
marxismo bárbaro nunca teme a desmoralização ao querer resolver polêmicas e
problemas teóricos ousados. Em geral, o marxismo acadêmico é estéril, pouco
criativo. Quando não é bíblico e dogmático, é renovador sem critérios de fundo,
novidade pela novidade, impacto pelo impacto ou para vender muito o próximo
livro… Subversão sem marxismo de nada serve; marxismo sem subversão é inútil.
Os intelectuais marxistas são incapazes de ligar teoria e prática, de fazer
análise de conjuntura, de elaborar política correta etc. É preciso certa dose
de vida dialética para pensar de modo dialético. Por isso, o marxismo que olha
apaixonado para os teóricos europeus da história recente mantém a tradição,
comum no Brasil, de abraçar qualquer novidade exótica vinda da Europa; nada se
produz em profundidade, apenas se torna representante oficial deste ou daquele
filósofo em palestras que pouco ensinam. O muro de Berlim caiu logo em cima de
tais consciências! É necessário dizer que a razão de resgatar os clássicos,
estudá-los, tem a função de atualizar a teoria, nada de apenas atividade
literária ou repetição de fórmulas. Os jovens marxistas devem respeitar seus
mestres e suas tradições, mas para subir em seus ombros e ver mais longe e
melhor. Mas a prova de que isso não ocorre é a pobreza dos sites e revistas de
marxismo dos partidos, às vezes com meses sem novas contribuições, sem
polêmicas vivas! A paz dos cemitérios futuros. O despotismo partidário, a ordem
dos dirigentes, destrói o livre pensamento, o impulso subversivo, o pensar com
a própria cabeça, o arriscar acertar e errar. Com a devida humildade, espero
que este livro – com sua teoria geral da crise sistêmica e outras teses – seja
parte vital da recriação necessária do marxismo, demonstre que é possível, abra
novos caminhos. Afinal, isso era tarefa, já muito atrasada, para dirigentes e
eruditos da velha guarda que teve de ser cumprida por alguém fora dos ambientes
oficiais. Pois, no entanto, ela gira.
O ÓDIO
POLÍTICO
Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez
campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o
inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas
não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a
classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou
com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário
que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não
se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em
desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São
tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de
corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre
marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em
principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra
os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta,
quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A
emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um
limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e
vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve
estimular este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes
sentimentos, nada grandioso e racional será feito. “Nada grandioso no mundo foi
realizado sem paixão”, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve,
pois há horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio
como sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior
qualidade.
MÉTODO
EMPÍRICO-DEDUTIVO
Quando a civilização grega antiga atingiu seu apogeu, com o devido
afastamento das barreiras naturais, o homem ainda mais social numa sociedade de
classes, produziu a filosofia dos sofistas, onde a verdade, na prática, não
importava, seria inalcançável. Algo semelhante acontece hoje. Com os avanços do
século XX, em base a uma sociedade fraturada em classes, a filosofia
pós-moderna, na área de humanas, declarou as várias verdades, as narrativas, a
fragmentação, o culturalismo, o grande indivíduo – sentiu-se à vontade para
desprender-se, em parte e ilusoriamente, do real. Duas questões
Por exemplo, dizer que tudo é construção social – à semelhança dos
antigos sofistas – soa subversivo, até socialista, mas é idealismo puro, como
se valores e hábitos pudessem mudar por pura decisão, por pura tomada de
consciência. É absurdo que marxistas tomem tal posição como na questão da
natureza humana. Tal erro tem uma base, qual seja, somos, de fato, mais sociais
que antes, bem mais, além de estarmos sob escravidão assalariada ainda.
Mas a solução não é o seu oposto, uma tomada conservadora. Aqui, entra a
reflexão sobre o método propriamente científico. O método hipotético-dedutivo
de Popper foi superado como paradigma pela moderna filosofia da ciência, mas
cientistas atrasados ou pouco afeitos à filosofia permanecem no erro. Isso tem
motivo. Não há método científico, no singular, mas métodos científicos, no
plural; e o hipotético-dedutivo certamente ajuda a fazer descobertas, embora
limitadas, por isso a sua resiliência.
Mas permanece a mera aglutinação, não a fusão em um terceiro, do
empírico e do racional. Einstein defendeu sempre o método dedutivo, por
exemplo, enquanto outros, o indutivo. É necessário resolver a oposição e a
contradição. O empirismo afirma que devemos nos limitar a colher e organizar
dados, fazendo generalizações indutivas quando for razoável, evitando de todo
refletir sobre eles; o racionalismo, ao contrário, diz que os dados enganam,
logo devemos confiar na razão humana para, de ideias racionais, chegar a
conclusões novas e racionais. Ora, ambos acertam e erram ao mesmo tempo. O método
empírico-dedutivo, o oposto do superado hipotético-dedutivo e o adversário
mortal da pós-modernidade, inicia pela apreensão dos dados empíricos, pois eles
são o começo e vitais como fonte da verdade; mas tal empiria, além de revelar,
esconde e engana, logo usamos a razão para saber desviar das armadilhas, para
saber do interno por meio do externo, da unidade por meio da diversidade, da
essência por meio da aparência enganosa – pois o essencial é invisível aos
olhos e a realidade tem uma lógica própria a ser descoberta, não criada pelo
cientista.
Além de ter uma estrutura, a realidade tem um processo inerente –
queremos ambos na nossa investigação. Queremos o mundo em seu vir-a-ser, em seu
devir, em seu tornar-se, em seu desenvolvimento. A ciência já atrasou por
demais seus avanços por falta da dialética como instinto básico da pesquisa. O
universo estático, repetitivo, passou, com muito atraso, para o universo com
história, com evolução; já podemos tomar como ainda mais racional que o cosmos
teve e terá ciclos, gerações de universo, um após outro.
Não se deve apenas interpretar os dados. A física quântica, por exemplo,
tem uma dezena de interpretações conflitantes sobre tal estágio do mundo, todas
baseadas nos dados. Mas estes nem sempre são criticados: antes, tomava-se como
verdade incontestável que o salto quântico é instantâneo; hoje, ainda toma-se o
spin como algo do reino quântico, como uma propriedade fora da nossa
racionalidade, sem maiores explicações, portanto. Deve-se deduzir, também, o
limite do empírico. A verdade está em algum lugar, nem que seja no meio ou na
fusão.
Deve-se evitar de todo iniciar
por hipóteses, premissas, postulados, modelos, “métodos”, princípios ou mesmo
conceitos – eles devem ser a conclusão da pesquisa, não seu início. E são
descobertos, não criados de modo arbitrário. Em especial, os conceitos mudam se
a realidade muda, não são fixos, são móveis, muitos com início e fim.
A verdade é não empírica, impalpável, mas deriva sua descoberta da
empiria. Ao que parece, Darwin correu o mundo colhendo dados multíplices,
contingentes, diversos, caóticos – até perceber as leis gerais do
desenvolvimento da vida. Nesse sentido, foi um dialético.
É o objeto de pesquisa que diz como ele será explicado e apreendido. De
modo algum, o cientista tem a honra de escolher um ângulo ou método para sua
investigação como fazem o kantismo e o pós-modernismo. A verdade é o todo
contraditório em evolver.
Se há responsabilidade básica, nunca será escolha de todo pessoal do
pesquisador qual será seu objeto estudado. É a realidade, o objeto, as
necessidades sociais ou teóricas, que determina qual será o tema de pesquisa,
nunca a mera vontade subjetiva do sujeito. Claro, entre assuntos urgentes e
relevantes, pode-se escolher aquele pelo qual se tem mais afinidade.
Até o modo de organizar e expor um livro deve ter origem no objeto, não
no sujeito. A organização do objeto impõe uma organização clara da obra. Neste
livro, tivemos de começar, primeiro, pelo primeiro na sociedade, a economia;
não fosse assim, o material textual seria confuso.
O método dialético torna-se o método empírico-dedutivo. Em outro
capítulo, demonstraremos como no trato da lógica de tal método, Hegel deixou de
observar como se deveria o diacrônico, o processo.
Marx, Darwin, Einstein e Freud revolucionaram o pensamento e a
sociedade. Além desse fator comum, todos foram base para uma concepção
histórica do cosmos – Ser é histórico, ou melhor, histórico-geográfico. Mas
algo ainda mais de fundo também os une. Consciente ou inconscientemente, com
maestria ou com improviso; todos usaram o método empírico-dedutivo, dialético,
bem ou mal. Marx percebeu, pelos dados, as leis de desenvolvimento da histórica
capitalista e da humanidade. Darwin percorreu o mundo colhendo dados e
experiências variadas sobre a vida, até deduzir a evolução das espécies. Freud
deixava os pacientes falarem à vontade, de modo relaxado e aparentemente
desconexo, até que era percebido o nexo interno oculto na diversidade externa,
além de aspectos da história do paciente – o que lhe permitiu consolidar uma
teoria. Einstein defendeu com veemência o método dedutivo, não o
empírico-dedutivo, porém suas premissas, muitas vezes, já estavam sendo
confirmadas na realidade, como a velocidade da luz e sua medida como a máxima
do universo, aproximando-o intimamente do método aqui defendido (resumo
grosseiro: partir do empírico para deduzir – Einstein declara: “Vale então o
princípio: a massa gravitacional e a massa inercial de um corpo são iguais uma
à outra. Até hoje a mecânica, na verdade, registrou
este importante princípio, mas não o interpretou”
(Einstein, 1999, pp. 57, 58; destaques feitos
por Einstein)). Sua formulação foi a base da teoria do Big Bang, da
história, ainda incompleta, do universo. Isso explica o motivo do limitado
Popper ter afirmado que a teoria da evolução de Darwin, a teoria da história
humana de Marx e a teoria freudiana não serem, para ele, ciência… Depois,
recuou no caso da biologia darwiniana para evitar desmoralização diante da
merecida autoridade de Darwin. Popper desconhece as ciências históricas.
Veja-se que todas as teorias acima são atacadas das mais diferentes formas;
negadas por estados, correntes e religiões. Nenhum acaso há aí. Concepções de
Marx como o lado não eterno do capitalismo fere interesses lucrativos, de
classe e religiosos. A teoria da evolução derruba uma premissa da religião,
logo é negada com fervor. A teoria freudiana tira o lugar consolador da fé e
agride os bloqueios inconscientes de muitos (homossexuais enrustidos, pessoas
que mal lidam com seu complexo de édipo etc.), levando até a acusação máxima de
pseudociência (enquanto consideramos, aqui, ela incompleta). Einstein é acusado
de charlatanismo até hoje, mas nunca refutado, nem superado (embora possa ser
ao mesmo tempo preservado e superado no futuro como tentaremos esboçar em outro
capítulo) – além de ser acusado, com razão, de ser… comunista! As ditaduras
têm, em geral, horror às teorias de essência, mais do que instrumentais. Se são
obrigadas, aqui e ali, a adotá-las, como para fazer uma bomba atômica, ou para
parecer marxista enquanto rouba o povo, trata-se da verdade impondo-se. Ainda
assim, o método dialético, como empírico-dedutivo, demonstrou apenas metade de
suas capacidades revolucionárias na ciência. Em outro momento, demonstraremos
construções como A=A e não-A, sincrônicas em geral, suprassumidas por A=A e…
não-A, também diacrônicas. Isso casará bem com E=mc², a identidade dos
diferentes no movimento ou no desenvolvimento.
Junto com ser empiricamente verificável, a verdade deve ser
empiricamente dedutível, apesar do engano das primeiras impressões.
LUTA
POLÍTICA, LUTA DE CLASSES
Há uma falha no movimento comunista, na sua comunicação. Exceção dos
conflitos palacianos, as medidas de governo e de poder possuem um caráter
classista oculto, que deve ser revelado às massas. Por que Dilma foi obrigada a
tomar medidas neoliberais, por que o teto de gastos ao Estado? O objetivo da
grande burguesia era quebrar a onda de graves daquele período por meio do
retorno ao desemprego; por isso, cortar os estímulos estatais à economia. A
causa classista das medidas de governo deve ser denunciada por todos os cantos.
Enquanto a mídia cria um enredo para dizer que tal ou qual media é bom para
todo o país, independente das classes, e faz justificativas “técnicas”; nós
devemos, sempre, esclarecer o caráter de classe das medidas tomadas ou
pretendidas. A luta política, em especial a partidária, camufla e esconde qual
a luta real em jogo, a de grupos humanos opostos. Enquanto uns procuram
esconder o caráter classista, nós revelaremos. Isso é um caminho necessário
para retornar a consciência de classe. A luta política quer esconder, como se
autônoma, o caráter de classe de sua dinâmica.
ASPECTOS DO MAXISMO
Neste subcapitulo, trataremos de incompreensões sobre o marxismo. Muitas
críticas contra tal ciência, derivam do mau entendimento de suas conclusões,
algo comum mesmo entre os discípulos de Marx.
Individual e coletivo
Diz-se que Marx acertou, mas apenas entre as formigas. Como se o velho
pusesse o coletivo sobre o indivíduo. Isso é um erro. Sua concepção defende que
o desenvolvimento de cada um será, no socialismo, a condição – condição! – do
pleno desenvolvimento da sociedade. Como isso se mostra? O escravo antigo não
tinha liberdade alguma; depois, o servo medieval era mais livre; depois, o
assalariado no capitalismo é ainda mais livre, livre em formal; depois, o
cidadão socialista terá o maior grau de liberdade possível. No marxismo, a
história humana é a história em que o indivíduo é cada vez mais livre, logo a
próxima etapa, a socialista, será de liberdade ainda maior que a anterior.
O marxismo abomina o “isto ou aquilo” e substitui por “isto e aquilo”.
Assim, a oposição entre individualidade e coletividade deve ser superada na
união de ambos.
Biologia
Para Marx, o motor primeiro da humanidade não é a luta de classes, o
modo de produção ou a economia. O central é que homem deve, primeiro,
satisfazer suas necessidades, incluso sexuais. Ele pensou isso antes da
revolução de Darwin, contra a religião e a filosofia de sua época.
É necessário, antes, produzir e reproduzir as condições de vida de modo
a ser capaz de, pelo menos, manter-se de pé e perpetuar o gene (desconhecia-se
genes à época), a espécie e a comunidade.
Vejamos a lei primeira de Marx, fala de Engels:
Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza
orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples
facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes
do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se
poderem entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que,
portanto, a produção dos meios de vida
materiais imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento económico de um
povo ou de um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições
do Estado, as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas
dos homens em questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm
também que ser explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente.
A luta de classes é uma luta por recursos e uma luta distributiva, não
só de produtos ou dinheiro, mas também de tempo, de energia etc. Em resumo,
luta de classes por: movimento, energia, tempo, espaço e matéria.
Antes de ser social, o homem é natural. De outro modo, natural
socialmente modificado e desenvolvido. Os marxistas relacionalistas pensam que
a biologia humana é apenas uma carcaça vazia, como se a genética e o biológico
nada tivessem a dizer, ainda que de modo relativo e mediado.
Por vezes de modo cínico, os marxistas vulgares consideram apenas a
homossexualidade como natural, biológica, pois isso é um bom argumento em
defesa da causa. Mas é uma exceção e um limite. Têm medo da verdade, procuram
encaixá-la em suas noções prévias.
Essência humana
Marxistas também erram sobre Marx. É o caso do tema da essência humana,
pois seus seguidores dizem que a natureza do homem vem das "condições
materiais existentes" em cada época. Pois bem; Marx diz, em O Capital, que
temos, não uma, mas 2 essências humanas: 1) a geral, independente da época – de
origem natural, como descobrimos; 2) a histórica, que muda com as mudanças ambientais da sociedade.
Assim, o cérebro humano também é uma "condição material existente",
apenas relativamente maleável.
O Marxismo sociólogo pensa: 1) para a teoria burguesa, o egoísmo é a
essência humana e algo natural; 2) a concepção burguesia está errada; 3) logo
não existe essência natural. Percebe-se o absurdo salto lógico ilógico? O fato
de a concepção burguesa de essência humana estar errada nada afirma sobre a
existência ou não de, também, uma essência humana geral e natural. Deve ser
investigado, incluso a posição de Marx da existência de duas essências humanas.
Lembremos que na época de Marx: 1) as ciências da mente e do cérebro
sequer engatinhavam, e a neurociência é recentíssima; 2) as revoluções
científicas da história do homem e da vida, Marx e Darwin, haviam acontecido,
mas ainda com muito a desenvolver. O princípio e o método marxistas permanecem
como base das atualizações, como a essência humana “natural”.
Marxismo não é estatismo
Eis uma confusão universal. Se uma empresa do Estado visa, direta ou in[28],
o lucro, o mais-valor, o dinheiro em busca de mais dinheiro, logo a empresa é
capitalista. O Estado burguês é um burguês impessoal. Contra a oposição entre o
público e o privado, alguns marxistas defendem o “comum”. Nas empresas
socialistas, os operários governam a própria empresa por meio de assembleias
regulares que decidem tudo o central de seu funcionamento; tais empresa só são
estatais porque o Estado socialista não é uma entidade separada de seu povo,
mas é diretamente controlado por ele, pelos que vivem do próprio trabalho.
O ideal
Pensa-se o materialismo de Marx como se a subjetividade nada importasse.
No meio da militância comunistas, “detalhes” psicológicos são tratados como
descartáveis, exóticos, fora do materialismo etc. Mas a visão marxista é a
visão do todo, o que inclui tudo subjetivo; ademais, criar um partido marxista
tem a função de disputar consciências, pois não existe caminho inevitável ou natural, determinístico, para o
socialismo. A oposição externa entre ideal e material, mente e corpo,
consciência e realidade, é apenas… externa, pois tudo é matéria.
MARXISMOS
Faz falta uma obra que faça a análise correta dos mais variados
marxismo, dessa pluralidade teórica. O pensamento contemporâneo pode ser
dividido entre marxistas e não-marxistas. Aqui, trataremos de maneira sintética
apenas das escolas que têm algum peso maior, que formaram tradição – ainda que
menores em suas contribuições. Apesar de nossas críticas, elas foram base desta
obra, mesmo como um referencial de por onde evitar navegar.
LENIN
O russo viveu uma das ditaduras mais violentas do mundo, da história.
Isso serviu de base para que pensasse um modelo de partido hoje nomeado
bolchevique. Democracia interna nos organismos, que lutavam por democracia, em
especial a socialista, mas agir de modo unificado e disciplinado no movimento
prático – contra um inimigo centralizado. Seu perfil partidário logo teve de
ser generalizado para outros partidos, mesmo que sob democracia burguesa.
Lenin foi um dos últimos a teorizar a natureza do imperialismo. Seu
acerto, no entanto, deve-se mais à sua perspectiva, operária e revolucionária,
que lhe deu um bom ângulo para caracterizar as mudanças.
Um político genial, mas limitado em outras áreas do pensamento. Um dos
seus limites é ter estudado a Lógica de Hegel apenas após o início da primeira
guerra mundial. Assim, ele opunha luta política e luta econômica, sem ver a
dialética unidade delas. Sua teoria do reflexo não tem muito a oferecer.
Lenin, na obra Imperialismo, ora diz que a nova fase do sistema estimularia
o desenvolvimento das forças produtivas como nunca antes, ora dizia que elas
não mais conseguiriam se desenvolver. Por que a duplicidade? Pela pressa em
torno da revolução mundial… É difícil aceitar que seu tempo ainda não é o tempo
do socialismo, a vida é curta.
Para os estalinistas, o Lenin que conhecemos hoje nasceu pronto, sem
erros. Não poupam elogios ao revolucionário. Mas ele foi uma construção social,
que se desenvolveu.
Já criticamos a indução de que a causa dos Estados burocratizados
“socialistas” seria fruto da liderança por partidos centralistas – posição que
vê a parte apenas, não o todo (a imaturidade daquelas sociedades e do
capitalismo global). Há uma dedução mais sofisticada, que pode ser fruto até
mesmo desta obra: como as condições estruturais, não conjunturais, estavam
ainda imaturas para o socialismo, buscou-se um compensador social, o partido
leninista; assim, não precisaríamos mais de tal partido porque as condições
objetivas estão, agora, maduras, dispensando um compensador “externo”. Isso é
um engano: nada garante, de antemão, mecanicamente, que o socialismo virá, pois
depende de escolhas humanas, de convencimento amplo. Com os primeiros Estados
operários, a revolução será, tendencialmente, mais fácil, o que diminui
relativamente a necessidade de partidos prontos e elevados, mas, por outro
lado, ao mesmo tempo, facilita a formação de partidos elevados, que se educarão
por saltos.
TROTSKY
Leon Trotsky ofereceu uma contribuição genial à dialética, a lei do
desenvolvimento desigual e combinado; isso foi facilitado por viver num país
desigual e combinado, com o mais avançado convivendo com o mais atrasado. Além
disso, seus textos sobre moral e arte são memoráveis. Duas grandes
contribuições suas são a teoria da revolução permanente e o programa de
transição.
A teoria da revolução mostrou-se verdadeira, pois a revolução burguesa
de fevereiro de 1917 na Rússia tornou-se revolução socialista de outubro. Isso
fez parecer correta a antes hipótese. Porém, isso é metade do caminho. Por
exemplo: a teoria da gravitação de Newton é útil nas nossas escalas, mas
superada em escalas maiores. Trotsky partia de uma conclusão que se tornou,
assim, premissa: o tempo da revolução socialista havia chegado. Esse erro
levou-o ao raciocínio sofisticado. Se estamos na época do socialismo, como ele
ocorrerá em países atrasados? Daí pensar que a revolução burguesa nos países
limitados teria de se tornar socialista logo, com o necessário apoio da revolução
nos países ricos. Todo este livro é demonstração de que o gênio estava errado,
pois a pressa levou às conclusões apenas de modo parcial e limitado verídicas.
Era preciso ainda surgir a crise total, sistêmica.
Sua contribuição militar foi muito mais prática do que teórica, sendo o
líder máximo do Exército Vermelho capaz de derrotar outros 14 exércitos
inimigos.
GRAMSCI
A Itália teve como seu grande problema o Estado, o que produziu gênios
como Maquiavel. Apenas no final do século 19 o país unificou-se. Isso pesou
sobre o perfil de Gramsci, focado na superestrutura objetiva (organizações) e
subjetiva (mentalidades etc.). Porém, ele não teve condições de oferecer uma
obra sistemática, pois estava preso. Restaram-nos anotações vagas para evitar
repressão.
Não é por acaso que tantos centristas reivindiquem seu nome. A ideia de
um revolucionário preso pelo fascismo escrevendo seu trabalho intelectual desde
a cadeia tem algo de muito romântico, em especial para “marxistas” de classe
média, aquele professor universitário. Os funcionários públicos, como os
professores, tendem a focar em temas superestruturais.
LUKÁCS
Lukács viveu no “socialismo” real cuja ideologia capitalista do trabalho
imperava. Tal pensamento comum da propaganda governamental afetou seu perfil.
Pensou, então, uma ontologia marxista, que tornava o trabalho a categoria
fundante do ser social. Ele poderia ter ido mais longe, bem mais, derivando a
nossa metafísica materialista, exposta em outro momento desta obra, mas havia
um limite sobre si.
Sua grande contribuição para a dialética é a ideia de que as partes de
um todo se relacionam umas com as outras, o que produz, também, acidentes,
acasos da causalidade recíproca dos muitos elementos constituintes de uma
totalidade em movimento.
Grosso modo, de maneira muito resumida, a ciência produzida pode, para
ele, tornar-se, sendo uma ideologia, uma ideologia propriamente. Para nós, a
ideologia, o senso comum, pode – também, pois é recíproco – ajudar, além de
atrapalhar, a produzir nova ciência.
ESCOLA DE FRANKFURT
Não sendo marxistas, mas não negando tal filosofia – surgiu a escola
alemã, com seus fantasmas pessimistas. O mais destacado dentre eles foi,
certamente, Adorno. Ele afirma que o “todo é o falso”, pois associa totalidade
com totalitarismo, um jogo de palavras de baixo nível. A verdade é o todo,
sabemos junto com Hegel; uma verdade parcial é parcial, certa e errada. Também
levantou a ideia de que devemos focar na diferença, não na identidade. Erra
mais uma vez: a dialética é a afirmação tanto da diferença quanto da
identidade. O trabalho difícil de um cientista ou filósofo é ver a identidade,
a unidade, do diverso que aparece. Por fim, propôs o foco na contradição,
contra a totalidade, mas a contradição se resolve, dissolve-se, em seu lado
produtivo; além disso, as categorias centrais da dialética são três, não uma:
totalidade, contradição e movimento – e a contradição tem por debaixo a
relação, incluso autorrelação.
MORENO
Natural da Argentina, Moreno viveu as duras lutas do continente
americano na segunda metade do século 20. Sua qualidade e defeito estão em
forcar na “estrutura”, ou seja, nas classes, na sociologia, na antropologia.
Ofereceu, assim, uma série de atualizações da teoria marxista segundo as
exigências da realidade. Percebeu, por exemplo, que a teoria da revolução
permanente de Trotsky estava incorreta, apenas em parte verdadeira, mas não
soube propor algo melhor.
MANDEL
Em oposição à Moreno, Mandel viveu uma vida estável, incluso de
professor universitário, na Europa democrática do Estado de bem-estar social. A
realidade, assim, impediu que fosse um grande marxista. Suas leituras são
limitadas, embora tenha esta ou aquela boa sacada na infraestrutura, na
economia.
CHE GUEVARA
Formado na classe média, de um subcontinente contraditório e atrasado,
como com grande população camponesa, surgiu Guevara. Ele foi um lutador
internacionalista e pelo socialismo, mas não foi um crítico total às ditaduras
“vermelhas”. Sua pressa pela primavera, fez com que tornasse popular o seu
princípio, resumido em: 1) não é preciso esperar o levante das massas, 2) um
pequeno grupo armado e disciplinado pode tomar o poder, vencer o Estado. Sua
morte ao promover uma guerrilha na Bolívia o refutou da pior forma, além da
derrota de tantos movimentos guerrilheiros pelo mundo, em especial na América
Latina. Como ser revolucionário tornou-se sinônimo de ser marxista, ele foi
considerado por outros e por si como herdeiro de Marx. Basta dizer-se marxista
para sê-lo. Mas, bem observado, ele fundou um neoblanquismo. Os blanquistas
consideravam que um grupo de elite e bem armado poderia tomar o poder e
implementar uma ditadura do proletariado, ditadura no sentido comum do termo. A
grande contribuição do Che foi para a história da guerra, com sua guerra de
guerrilhas, apesar de ter escritos econômicos, por exemplo. A pressa, tão comum
entre revolucionários, levaram os melhores para uma guerra inglória, antes da
hora, contra o inimigo articulado e poderoso.
ALTHUSSER
É o mais limitados dos teóricos aqui citados. De imediato, sua função
foi adaptar o marxismo às concepções acadêmicas de sua época, num momento de
alta qualidade de vida, baixa luta de classes e alta moral do estalinismo. Por
isso, condenava o que pensava ser ideologia; por isso, condenava a dialética;
por isso, condenava o jovem Marx filósofo (para ele, o Marx maduro e final
“científico” surge apenas anos depois de publicado o primeiro volume de O
Capital…). Sua concepção metodológica usava a metáfora interessada do
pesquisador que colhe a matéria-prima amorfa e lhe dá, então, forma e ordem.
Pois bem; o marxismo diz o contrário, que a própria matéria usada pelo
cientista já tem sua forma, sua história e sua própria lógica – cabe-nos
descobri-las, não criá-las.
De seus manuscritos, descobriu-se que, para ele, os momentos de passagem
de um sistema para outros ocorre aumento da aleatoriedade, um materialismo
aleatório. Tese de impacto, mas não demonstrável. Pode-se dizer igualmente que
o aleatório apenas ganha relevo diante da crise sistêmica, não aumenta
quantitativamente de modo decisivo ou qualitativo, ou que na estabilidade o
aleatório se torna ainda mais rotineiro, ou que o aleatório nada mais expressa
que a necessidade (não sendo, logo, apenas aleatoriedade). Disso tudo,
percebemos o carinho de intelectuais acadêmicos, eles com boas contribuições,
pelo teórico limitado.
KURZ
Com a terceira revolução industrial, alguns teóricos burgueses
levantaram a bandeira do fim do trabalho, crise do trabalho etc. Kurz deu a
estas intuições uma explicação marxista, a crise do valor. Ele pertence à
Alemanha, vanguarda da nova tecnologia e com baixa luta de classes por uma
qualidade de vida acima da média. Por isso, ele não vê na classe operária uma
saída revolucionária.
Em tempos midiáticos, Kurz lutava por seu prestígio e por não
desaparecer. Mas suas saídas teóricas levavam-no para um beco sem saída,
unilateral. Então ele e sua corrente forçavam a mão na tentativa de fazer novas
elaborações, impressionistas ou forçadas.
MÉSZÀROS
Com um estilo prolixo, focado em debater contra seus colegas
universitários ingleses, Mészàros foi um gigante oposto ao Kurz, igualmente
genial. Ele toma a “obsolescência programada” já debatida nos meios
intelectuais e a generaliza, como com a redução da utilização da força de
trabalho. Também foi impressionista, advogando uma crise permanente. Não
percebeu a crise do valor, por exemplo, assim como Kurz não percebeu a crise a
partir do valor de uso, como fez Mészàros.
ESTALINISMO
O estalinismo não formou uma teoria real ou geral, apenas adotou esta ou
aquela posição segundo a necessidade do momento. Sua função era negar o
marxismo, manipular as massas e seus ativistas. Para isso, usavam a
terminologia marxiana, mas apenas ela. Há, no entanto, algumas contribuições
para a história tática militar no oriente, como em Mao. Este usou a linguagem
dialética para falsificar a realidade, afirmando existir contradição principal
(como a luta imediata contra uma invasão) e não principal (como a luta de
classes durante a guerra) em cada conjuntura – na verdade, corrigimos, as
contradições entram em combinação, fundem-se, articulam-se. Não é que ele
entendeu mal o dialético, apenas fez uso oportunista da linguagem.
Em geral, por terem encontrado a verdade, pensaram ter encontrado toda a
verdade. Cada escola marxista fechou-se em si, num movimento autofágico. Esta
obra visa quebrar o sectarismo ao fazer crítica e, ao mesmo tempo, absorção dos
teóricos unilaterais. Um “a partir daqui para frente” torna-se um dos objetivos
aqui expostos. Isso quer dizer uma teoria unificada do marxismo, contra o
isolamento escolar. Só nos resta o caminho de ir juntos, ou mais juntos ainda.
NOVO MARXISMO
O marxismo antigo entrou em crise, pois seu modo de operação esgotou-se,
tonou-se incapaz de responder aos novos desafios e ambientes. Ele foi avançado
para seu tempo, mas precisa ser superado e guardado. Os atuais quebra-cabeças
encontram mais sofismo que respostas na mão das velhas interpretações. Isso é
normal: tenta-se responder ao novo ou ao velho, retrospectivamente, com as
ferramentas de sempre, sem arriscar qualquer salto prematuro. Mas vamos
acumulando limites cada vez maiores, ao estilo de Kurn. A velha guarda
limita-se a repetir ad infinitum as velhas fórmulas, ignorando seus limites.
Aqui e ali, tenta-se salvar a teoria comum com atualizações pontuais,
quantitativas. Kurz e, na outra ponta, Lukács anunciaram a necessidade de uma
renovação completa do marxismo, sem eles mesmos conseguirem apontar todo o
rumo. Em geral, o limite dos marxismos recentes é, de um lado, não estarem
ligados à luta de classes e, de outro, não passar pela escola dura do
trotskysmo (leninismo), apesar de seus limites. Dificilmente um não trotskista
chegaria ao conjunto das contribuições desta obra. Tentou-se um pós-marxismo,
marxismo analítico, marxismo matemático, neomarxismo, socialismo do século XXI
etc. Foram ensaios do porvir. O marxismo é a teoria social final, que apenas
começou – assim como a nova síntese da teoria da evolução, a teoria da
relatividade na macrofísica são as teorias definitivas, que podem, no máximo,
passar por reformas revolucionárias. Marx é, no social, o que Darwin-Mendel é
para biologia e Einstein é para física. Mas seu trabalho é, em grande parte,
inacabado, como a necessária teoria da psicologia. Com a devida humildade,
penso que esta obra coloca a teoria social marxiana em outro patamar, como com
uma renovação completa e qualitativa da dialética (A=A e… Não-A). Seria uma
anomalia inesperada que a crise sistêmica, final, do capitalismo não gerasse
uma renovação teórica, se não por todos os lados, ao menos em algum local do
globo terrestre. Uma vez encontrada as repostas gerais, as novas gerações de
militantes intelectuais e mesmo acadêmicos poderão destravar suas percepções,
resolvendo novos enigmas e oferecendo novas contribuições úteis e corretas,
mesmo que parciais, não mais sofismas ou novismo artificial (como criar
conceitos apenas porque sim, para vender livros e não cair no ostracismo…) A
vida é dura, mas nós somos mais teimosos. Digamos a verdade, doa a quem doer.
Destruamos a razão desse beco sem saída: o tempo nos faz esquecer o que nos
trouxe até aqui, mas lembramos muito bem como se fosse amanhã!
FÉ E RAZÃO
Além da oposição emoção-razão, há entre fé e razão. Os mais moderados
dizem que ambos são necessários e complementares, portanto ambos devem ser
preservados. Isso é dialética kantista, resolvida pelo diacrônico (A=A e…
não-A). A ideia absurda de que há uma região do cérebro responsável, logo
estrutural, pela religiosidade é um erro científico de principiante. Ou melhor,
no máximo, a mesma região serve para cada oposto, pois o que o aparelho
psíquico busca é compreender a realidade, certa garantia da previsibilidade de
um futuro bom etc. A religiosidade foi uma das primeiras ferramentas, por isso
a mais frágil. Porque não tinham meios melhores, os antigos usaram a religião.
Depois, vieram a filosofia e a ciência maduras, além da arte desenvolvida. No
socialismo, ao poucos, sem imposições, as novas gerações serão cada vez mais
ateias, cientificas e filosóficas céticas ao admirarem o cosmos. A alta
qualidade de vida permitirá isso; um país com maior pobreza material e
espiritual tem mais religião e fanatismo; outro país mais agradável tem mais
ateísmo e menos fanáticos. Há, portanto, uma evolução, uma progressão, da
religiosidade para o sentimento filosófico futuro. Um passa para seu oposto. Se
temos certo aumento da religião onde há mais sofrimento por causa das guerras
etc., temos, por outro, a nova geração que “acredita em tudo” como ciência,
astros, energia, Deus etc. Tal bifurcação subjetiva expressa uma realidade
bifurcada, com duas possibilidades, socialismo ou barbárie. No mais, o novo e
amplo ateísmo deve se livrar seu perfil de seita sectária, próprio de
movimentos em seus inícios, e focar, como orienta Trotsky, na divulgação
científica popular (jornais, panfletos etc.), na formação de clubes, na defesa
das pautas sociais etc. Curioso que muitos jovens ateus procurem Nietzsche, um
anticientífico, pai do irracionalismo atual, quando deveriam assumir a
responsabilidade de ligar-se a Marx, o revolucionário ateu e científico.
NEOATEÍSMO
O ateísmo é uma concepção antiga, mas imensamente marginal –
imensamente, mesmo. Alguns filósofos antigos eram ateus. Hoje, membros da nova
geração adotam tal postura, logo isso deve ser explicado. As razões são: 1)
desenvolvimento da economia, o que oferece ouros prazeres como TV, séries,
alimentos baratos etc. 2) alta urbanização, o que diminui o controle sobre o
indivíduo; 3) alto desenvolvimento da técnica e da ciência, oferecendo
alternativas e respostas; 4) governos democráticos, sem maior controle; 5) onda
permanente de escândalos religiosos, como pedofilia e pastores ricos; 6) nível
cultural médio maior das novas gerações. Assim, os novos ateus podem surgir em
muitos países, em especial nos desenvolvidos e nos de cultura ocidental. Seus
ares de seitas ocorrem por ser um movimento em seu início, que deve aprender a
baixar a guarda dos seus adversários para ganha-los aos poucos, pelas beiradas.
De qualquer modo, o futuro do ateísmo depende do futuro da economia, do
resultado da luta das classes. Uma sociedade de decadência não resolvida tende
ao fanatismo religioso.
SEMIDEUSES
MODERNOS
Em outro momento, oferecemos um novo significado sobre o super-homem, o
além-do-homem, de Nietzsche,
pois ainda não somos em exato humanos e no futuro faremos automodificações de
acordo com certa ética; para ele, o filósofo irracionalista, em sua concepção
limitada, aquele que acessasse grande sofrimento e a arte chegaria ao nível
superior. Pois bem; daiemos mais um passo. A era da comunicação de massas levou
à adoração de certos seres humanos. Em geral, reconhecemos o hiper-especialista
em alguma tarefa como um homem total, autorrealizado. Mas, por ser unilateral,
na verdade é incompleto e falho, meio humano. Tal lógica também ocorre quando
olhamos para eles: tomamos a parte pelo todo. O divulgador científico Pirulla
demonstra que a internet, e as câmeras celulares de bolso, ao permitirem novo
tipo de vigília informal de todos sobre todos, afeta a visão impressionista dos
artistas, intelectuais etc. como se perfeitos, completos, únicos. Mesmo assim,
continuamos a procurar o absoluto no outro por nos sentirmos menos e menores.
Vale notar que a erudição ampla de um Caetano Veloso e um Gilberto Gil, juntos
com suas especialidades, facilitou seus sucessos, a aura em torno de si mesmos.
Uma beleza rara, uma grande habilidade com o futebol etc. geram a figura dos
semideuses modernos, adorados. Para isso, faz-se necessário o talento, o
facilitador, e a vocação, este impulsionando o trabalho constante e duro; mas
costumamos pensar a figura do gênio como natural, já pronta desde o seu começo,
sem esforço e sem bastidores.
SENTIMENTO
DE GUERRA
Walter Benjamin observou: a guerra antiga produzia heróis, orgulho e
poemas em ode – hoje: silêncio dos ex-combatentes, dificuldade de narrar etc.
As causas são:
1)
A abundância
atual impedir justificativa subjetiva para a guerra, a razão;
2)
Somos mais
integrados internacionalmente;
3)
Os fatos
explosivos da guerra com alta tecnologia são imensos, colossais;
4)
Pela mesma
razão de 3, perde-se a noção de causa e efeito, de lógica, pois morre-se de
repente por um objeto vindo de algum lugar obscuro, explode-se de repente (a
causalidade, por exemplo, era clara na guerra antiga por espadas, lanças e
flechas – vale destacar que o trauma tem como um de seus fatores certa perda de
lógica);
5)
Guerreia-se
para outros e para outra classe, não para si e para sua classe.
Trataremos os efeitos disso no capítulo sobre a crise militar burguesa.
PSICOLOGIA
DA GUERRA
Via de regra, o exército mais poderoso baixa a guarda, além de ir à luta
com entusiasmo; logo cabe ao mais fraco, o defensor, ter criatividade e
ousadia, que surpreende.
Ao ganhar uma batalha, inevitavelmente o vencedor baixa a guarda,
alegra-se, quer que aquilo termine logo depois de tanta tensão mental e física.
Isso costuma ser a causa da derrota na batalha seguinte. O general pode reduzir
tal otimismo negativo, mas não pode impedir de todo.
Parte essencial da luta é fazer o inimigo perder o moral, o estímulo.
Por isso, proíbe-se que haja reclamações entre soldados, que desestimula os
companheiros, afeta-os.
A psicologia tem força: tratamos bem o adversário que desiste para que
outros também parem; matamos nossos desertores para que os nossos não parem.
SENTIMENTO
DE DECADÊNICA DE SUA ESPÉCIE
Novas experiências civilizacionais podem levar a novas experiências de
sentimentos. Um deles, típico para nossa época, trata-se do sentimento negativo
pela decadência de sua espécie. A primeira vez que sentir algo do tipo foi por
meio da experiência cinematográfica, os primeiros filmes de “O planeta dos
macacos”. “Unam” é um nome possível para o sentimento novo que ainda não tem
nomeação.
ESSÊNCIA OU
EXISTÊNCIA?
Os gregos pensavam que, assim como a pereira produz pera, cada homem tem
um lugar natural, um talento seu ou essência. O existencialismo pensa o oposto,
que o homem faz a si próprio, a existência individual precede a essência. Pois
bem; ambos estão certo e errados. Alguém que nasce com TDAH tende a ser
criativo para a arte e a política, mas estará em más condições, em geral, como
dirigente militar. É verdade que não se nasce mulher, torna-se; mas é verdade,
também, que não se torna mulher, nasce-se – tem traços femininos determinados
desde antes do nascimento. É outra forma de dizer isto: os homens fazem sua
própria história pessoal, mas a fazem sob condições dadas, incluso biológicas e
ambientais, que não escolhem. Eu sou Eu e minhas circunstâncias, mas o Eu é
também circunstância. Eu sou o que sou.
O existencialismo como escola de pensamento surgiu e cresceu com o
aumento da democracia, a invisibilidade urbana elevada, o fato – em principal –
de sermos mais sociais e mais individuais relativo à antes, a existência de
abundância de mercadorias, a elevação das classes médias etc. A necessidade –
causalidade etc. – produz, em seu desenvolvimento, a liberdade, ainda que
relativa e parcial (teleologia etc.). A liberdade (abstrato) é a necessidade
(concreto) em autorrelação e autodesenvolvimento (processo). Daí a ilusão de
que somos já de fato livres e independentes, a inflação exagerada do conceito
de liberdade individual.
HÁBITO
DEMOCRÁTICO NO SOCIALISMO
Diz-se que no socialismo a democracia direta e participativa respeitará
a vontade da maioria, mas isso deve incluir uma cultura de ampla tolerância.
Vejamos as variantes:
1)
Aprovação
por ampla maioria;
2)
Aprovação
por maioria;
3)
Aprovação
por consenso;
4)
Aprovação
por a maioria ceder de modo voluntário à minoria;
5)
Nada fazer
por falta de consenso;
6)
Adiar a
decisão;
7)
Solicitar
voto secreto (em organismos de base).
8)
Sorteio como
para eleição de alguns dirigentes
9)
Os mandatos
de tipo e gerais serão curtos em duração.
Assim, iremos mais longe porque juntos.
O planejamento econômico democrático e centralizado é a afirmação do
homem, seu auge, pois afirma e eleva a categoria central do trabalho, a
teleologia. O homem vai, assim, de um caminho inconsciente para uma solução
consciente (análogo do ir de um inconsciente ao consciente na natureza). O
caminho cego para o socialismo torna-se um caminho claro, decidido – se
vencermos, uma probabilidade real e não apenas formal. A elevação de
consciência dos trabalhadores, sua decisão de reorganizar de vez a sociedade, torna-se
condição da vitória.
A DECADÊNCIA
DA DEMOCRACIA DOS RICOS
No ambiente protestante e neopetencostal, os privilégios de ser pastor
atrai oportunistas, vagabundos e psicopatas. Assim, o processo se
retroalimenta. Na política ocorre algo semelhante: atrai, por privilégios,
gente de baixa estatura moral e intelectual. É um aspecto “subjetivo” da crise
do Estado burguês – e a decadência da sociedade atual reforça o aqui exposto.
Com eleições regulares, que ora elegem um grupo e ora outro, além de políticos
sem falta de projeto geral, o governo não tem plano de longo prazo, para além
das próximas eleições. O que um governo começa, outro para ou desfaz etc. Um
rei, que por ser mero rei merece a guilhotina, tem ao menos a vantagem de
pensar em planos de 30 anos, pois estará, ele espera, ainda no comando da
nação. Como o socialismo revolverá tais contradições? Debateremos melhor em
capítulo específico, adiantaremos apenas alguns aspectos. De um lado, os cargos
não terão privilégios, além de sofrerem eleições regulares e mandatos perdíveis
a qualquer instante; de outro, um parlamento científico e apartidário, formado
pelos maiores cérebros do país, agregados por difícil concurso e por notório e
público saber, com salários altos, será formado, com suas propostas aprovadas
de modo automático, apenas podendo ser negadas caso reclame o outro parlamento,
que é eleito e sem privilégios, logo regulador. Pode ser que o parlamento
científico seja posto em dúvida por plebiscitos a cada, por exemplo, 20 anos,
se mantém ou renova os membros, mantendo apenas a “chapa” minoritária, formada
por uma parte dos cientistas que queria a renovação dos cargos. Assim, temos o
melhor dos dois mundos aprofundando a democracia, não a negando.
Direto ao tema, a crise sistêmica da economia torna a democracia
representativa incapaz de melhorar a vida da maioria. A crise da democracia
burguesa é a crise do sistema de dinheiro. O atual sistema democrático é,
portanto, incapaz de resolver o problema. A democracia desmoraliza-se, com
razão. Daí que muitos setores desejem o fim do jogo, que busque a volta das
ditaduras contra a ralé. Daí que os eleitores, cansados de ser enganados,
elejam comediantes e outras figuras pitorescas para o governo, já que nada
muda, seja na esquerda seja na direita. Cabe aos comunistas democráticos
exigirem na primeira oportunidade: democracia direta operária e popular já!
Democracia real – só com o fim do capital!
A PSICOLOGIA DO FASCISMO
Trotsky, o caluniado, foi quem melhor explicou o fascismo e como
combatê-lo. É um movimento burguês imperialista, que se apoia na classe média
falida, raivosa porque desesperada pela crise; o fascismo é fruto dos erros do
movimento operário. Porém os pensadores do século XX, possuídos de fetiche pelo
tema, tentaram psicologizar a origem do fascismo e seu sucesso momentâneo. Todo
tipo de tese original, embora nem tanto correta, surgiu. É claro que perfis
psicológicos nacionais, perfis de classe etc. facilitam ou dificultam o sucesso
nazista, mas a base é a crise do capital, não um inconsciente revoltado ou
pulsão sexual não vivida… Pierre Félix Bourdieu afirmou, por exemplo, que o
Brasil não tenderia ao fascismo porque vivia suas pulsões animalescas no
carnaval. Os franceses, na verdade, fetichizam os brasileiros, e vice-versa;
somos alegres e anárquicos nas festas carnavalescas porque nossa rotina é bruta
e violenta; somos amigáveis, cordiais, porque estamos sempre à beira do
conflito direto, da luta, da agressão; as mães trabalhadoras criam os filhos
por meio da violência; ademais, Bourdieu não (re)conheceu de fato a história
deste país, quase sempre sob ditaduras e um Estado “democrático” assassino. O
governo brasileiro Bolsonaro, extrema direita, ajudou a refutar o francês. O
fascismo se combate com milícias operárias e populares, além de boas propostas
socialistas para os trabalhadores e a classe média, não com psicanálise
coletiva.
TESES PARA
UMA ÉTICA MARXISTA
25. A moral é objetiva, deriva da realidade, de sua
concreticidade.
26. A moral também é intersubjetiva, por depender do
meio e da sociedade ter certa moral.
27. Enfim, a moral é também subjetiva, pois cada um tem
experiências diferentes, singulares, que o moldam.
28. A moral pode negar a natureza humana, afirmá-la,
mediá-la ou deformá-la.
29. O tema da moral ou ética, ou da felicidade, surge
da contradição de um problema real, um problema moral concreto.
30. A ética real e prática, ou a mesmidade que é a
moral, pode ser algo “antiético”.
31. Via de regra, não se sabe o que é certo na conduta
a priori, sem contexto e sem finalidade.
32. Há certa dialética da moral: a) ela pode ser
funcional para o sistema; b) pode ser disfuncional para o sistema, mesmo que
surja dele, de sua objetividade, de seu modo de vida (caso demonstrado neste
livro); c) pode ser uma combinação de ambos; d) pode ser funcional e tornar-se
disfuncional – e) ou o contrário, o inverso. Por isso Florestan Fernandes
conclui por instinto o fim próximo do capitalismo por este gerar, em nossa era
em especial, um convívio ético antiético.
33. A luta comunista é pelo fim da alienação, sua
finalidade, logo sua moral obedece a tal objetivo – ainda que por mediações.
34. Cada classe tem, por seus hábitos e estilo de vida,
tendências morais próprias.
35. A moral dominante é a moral da objetividade
dominante.
36. A filosofia da moral na história costuma usar um
mediador ideológico: os gregos usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia),
os medievais usavam Deus (teologia), os modernos elevavam o indivíduo
(humanismo). São formas de disfarçar o caráter classista e social-histórico da
questão ética-moral.
37. Há saída para o imperativo categórico? Fazer algo,
ter uma postura, porque é certa em si mesma não se sustenta. Erra Kant. Pois
quase tudo é em seu contexto. Mas ele diz: não fazer aos outros o que não quer
que façam contigo. Como se houvesse indivíduos apenas. O imperativo categórico
mantém-se se é, sob novo significado, imperativo de uma categoria, categorial,
a emancipação, fim da alienação, liberdade e felicidade individuais e
coletivas.
38. A moral comunista é rígida, mas sua aplicação é
dialética.
39. A moral, antes, inicia-se na prática, depois é
estruturada, defendida ou criticada e ampliada de modo consciente.
40. A luta socialista é também uma luta por uma
sociedade ética, de boa moral, e cria as condições para tal moralidade,
mentalidade.
41. O comércio é o mundo da trapaça, da tentativa de
barganhar – o mundo capitalista é o mundo comercial.
42. Enquanto existir ricos e pobres, haverá corrupção.
43. Certa moral deriva de sua necessidade.
44. Os fins justificam os meios, mas os meios também justificam
os fins.
45. A crise sistêmica, ao elevar tensões, produz crise
ética, moral.
46. Ao forçar a luta de classes, o capitalismo força a
classe operária a adotar certa melhor moral, como a unidade coletiva, para ser
vitoriosa – assim, o capitalismo faz surgir as concepções morais, boas e ruins,
que serão partes de sua destruição.
47. A moral do capitalismo em seu ocaso volta-se contra
o próprio sistema, ajuda a torná-lo insuportável.
48. Impossível uma obra de ética final, conclusiva nos
aspectos gerais, sem uma concepção correta de homem e de sua psicologia.
49. O autor de uma ética definitiva, de clara
inspiração marxista, deve, antes, ter passado por uma grande rede de
experiências, ter vivido a vida, ter sofrido – ser muito mais do que um rato de
biblioteca.
Aristóteles diz que a felicidade depende de uma sociedade organizada,
justa e saudável; mas a ética surge exatamente porque não há eticidade na
prática, porque surge a necessidade de pensar sobre ela – realidade adoecida e
sua reação contra ela. Ele também afirma o meio-termo, o bom senso, entre
estremos de comportamento; mas o que comanda não é a ideia, uma lógica a
priori, a realidade é maior; pois isso, há momento para respeitar o medo, há
momento de coragem e há momento de máxima ousadia.
TELEOLOGIA
OBJETIVA
Para ganhar moral no meio acadêmico, um dos segredos é ser contra a
teleologia, a concepção que a realidade tem finalidade, um fim, um objetivo. É
uma crítica fácil e famosa, mas pouco refletida. Os erros nesse assunto se
deram à visão mecanicista do tema, desde Aristóteles até Lukács. Vejamos a
confusão, as igualdades falsas na crítica:
1)
Teleologia
exige uma consciência que planeja.
Isso é a concepção mecanicista de um trabalho
artesão ou artístico, generalizada e, logo, rejeitada por muitos. Mas as leis inerentes
da realidade podem levar a um rumo específico.
2)
A teleologia
exige separar fim e meio.
Falso. Ainda uma visão mecanicista, priorizando uma
forma de trabalho, como vemos. O fim pode estar, em sistemas orgânicos, no
próprio meio, vai-se realizando no processo, rumo a si mesmo. O socialismo vai
rumo a si na lutando por ele, com práticas de acordo com o fim almejado. O fim
(abstrato) é o meio (concreto) em desenvolvimento (processo).
3)
Teleologia é
determinística.
Nada justifica essa hipótese. O homem, por exemplo,
tende ao socialismo – tende. Mas pode se extinguir antes de se realizar. A
teleologia não é nem determinística nem contingente, pois é tendencial.
4)
Não existe
teleologia fora da sociedade.
Outra hipótese sem comprovação. Por exemplo, o olho surgiu 6 vezes de
modo independente na história da natureza, pois era necessário que o olho
surgisse. No social, a história ocorre como teleologia objetiva e insconciente
até que a sociedade ganha consciência alta, toma as rédeas da história.
5)
Teleologia
exige um fim (absoluto).
Na verdade, a teleologia pode ter um alto grau de autorrealização, mas
ele permanece como pulsão, movimento, desenvolvimento. Não se encerra quando se
encerra.
Temos a teleologia objetiva. Lukács afirma que na arte há identidade
sujeito-objeto, forma-conteúdo, essência-aparência e nós completamos com
criar-descobrir e nada-ser. Logo vemos que Hegel se inspirou no trabalho
artístico para pensar sua Lógica, caindo em mecanicismo em certo sentido.
De modo geral, prospera quem respeita a teleologia, quem está de acordo
com a história; definha quem está na sua contramão.
IDENTIDADE E
UNIDADE DE SUJEITO E OBJETO
A ciência conheceu toda uma etapa burguesa, que foi progressiva para a
humanidade em essência, pois ofereceu bases ao socialismo. A ciência será
socialista – mais do que de forma latente ou oculta como com a III Revolução
Industrial – quando der base ao desenvolvimento da nova forma social, suas
tecnologias etc.
Entre as condições para a revolução mundial encontra-se um alto desenvolvimento
da ciência e da técnica. É preciso grande conhecimento das propriedades do
mundo, de suas possibilidades, de sua natureza e de sua história para
revolucionar a sociedade. Enfim, é preciso que o homem tenha produzido as
condições para perceber que “somos uma forma do cosmos conhecer a si mesmo”
(Sagan). Tal identidade entre sujeito e objeto deve estar latente, ainda
exigindo uma nova revolução científica, para sua realização socialista.
RELAÇÃO
Há três relações psicológicas imediatas:
- Homem-homem, sujeito-sujeito;
- Sujeito-objeto;
- Sujeito consigo.
Inspiremo-nos em Winnicott. A relação 1 torna-se mais própria do
neurótico; a 2, mais própria do perverso; a 3, mais própria do psicótico. No
neurótico, interno em si, a 1, mais própria do histérico; a 2, mais própria do
fóbico; a 3, mais própria do obsessivo.
No psicótico, também 3, a 1 é mais própria da paranoia; a 2, mais própria da
melancolia; a 3, mais própria da esquizofrenia. No perverso, a 1 é mais próprio
do sadismo; a 2, mais própria do fetichismo; a 3, mais própria do masoquismo.
O feto trata-se como relação consigo mesmo. Depois, relação com outro,
em principal a mãe. Depois, pluraliza a relação, com outros. Tal relação cada
vez mais é também relação dos outros consigo, na medida em que o Eu
desenvolve-se. Enfim, ocorre a afinidade eletiva nos amores, nas amizades etc.
Por meio do outro, meço-me, individualizo-me, reconhece-me e ao outro como
iguais e humanos.
Forma 1
Relação consigo
Forma 2
Criança –
Mãe (pai)
Forma 3.1
Criança - Mãe
- Pai
- Irmãos
- Parentes
- Próximos
…
Forma 3.2, inversa
Mãe - Criança
Pai
Irmãos
Parentes
Próximos
…
Forma 4, afinidade eletiva
Jovem, adulto – amor
Jovem adulto – amizade
Jovem, adulto – família
Em resumo, a identidade, relação consigo, feto, passa para a relação com
a mãe, com o outro, ou seja, põe-se a diferença; esta, e a sua relação, passa
para a diversidade; isso, por sua vez, produz oposição, contradição, relação,
concentração e atração – e, enfim, uma unidade (amizade, família nova, amor
etc.). A semelhança com as formas de valor em O Capital e, logo, na “relação”
de medida na Lógica de Hegel apresenta-se como real, proposital.
DESEJOS
OPOSTOS
Somos a unidade tensa de desejos opostos. Certa mulher, jovem adulta,
deseja, de um lado, focar na sua felicidade pessoal, sua carreira e ter
prazeres; por outro lado, ao mesmo tempo, tem o desejo de ser mãe, de ter uma
prole. Ambos os desejos opostos são essenciais, legítimos, justos – ainda que
um mais social e outro mais natural. Cabe a escolha, ou mediação, ou
atossabotagem, ou lidar com frustração parcial etc. Nossa tensão é mais do que
por desejar, pois também trata-se de ter desejos diversos, que podem cair em
contradição.
AFETIVIDADE:
INTENSIVO E EXTENSIVO
Certa mãe que tem oito filhos distribuirá, diluirá, seu sentimento
maternal, ainda que tenha preferências. Já a mãe isolada e carente, dedicará de
modo intensivo, menos extensivo, seu sentimento, saturando o filho único. Quem
tem muitos amigos, logo baixa carência, não é ciumento com suas amizades. Numa
sociedade de relações amorosas livres, a baixa dependência emocional, o gastar
intensivo de sentimento apenas para um, fará fraco o ciúmes, como hoje entre
amigos leais. De modo puro, o extensivo mostra-se, na unidade interna de ambos,
oposto ao intensivo; menor extensividade, maior intensividade – e o mesmo ao
inverso.
ANGÚSTIA
A psicanálise afirma que a angústia é sem objeto, diferente do medo, e
sem tempo, diferente da esperança ou ansiedade, por exemplo. Os filósofos não
marxistas consideram a alienação eterna, inevitável, junto com sua angústia.
Assim, discordamos, a causa, talvez central, do angustiamento está na não
satisfação da essência humana – ser integrado, mutualista e ativo. É uma dor de
existência que é difícil nomear e, ao mesmo tempo, difícil de saber a sua causa
(o que exige, literalmente, milênios de elaboração teórica-filosófica). Mas tal
vazio ocorre pela negação, no hábito, de nossa natureza natural. A angústia, em
geral, não tem objeto, pois seu objeto não é objeto algum, mas a relação que é
a falta de relação.
FENÔMENOS
COMUNS
Há uma série de regularidades destacadas no mundo atual. Aqui,
destacaremos dois, focos de minha atenção duradoura, dos mais comuns cuja
explicação já é insinuada no mundo popular, mas sem formalização teórica
acabada.
- Tiroteio em escolas etc.
Há casos de pura psicopatia sem causa outra, de fato, mas a maioria
ocorre por uma construção. O sujeito acumula frustração, frustração, mais
frustração – até que surge, aqui e ali, certa raiva pura, aparentemente sem
conteúdo, apenas raiva. Ela vai e vem até que, por mais frustrações, domina o
assassino. Lembramos apenas que explicar não é justificar, nem fazer do
carrasco uma vítima.
- Pedofilia entre padres etc.
Para todos, óbvio que a causa é o celibato, a proibição de casar-se.
Falta explicar o processo. Assim, a profissão atrai gente com problemas sexuais
ou, mesmo, homossexuais enrustidos. Ao, em permanência, impedirem em si mesmos
olhar a mulher ou o homem de modo sexual, ao censurar-se mais o acúmulo de
desejo; o cérebro procura certa mediação, a transferência da pulsão para corpos
infantis, meninos ou meninas – que têm, também, menos meios de se defender.
Ocorre, então, a mistura de distúrbio e oportunismo. Uma das razões de quase
todos os líderes da igreja católica oporem-se ao casamento deles, o que
reduziria a tensão libidinal, seria porque passariam ser obrigados a casa com
mulheres, não com homens.
Parte 5
ESBOÇO PARA
A CRÍTICA DAS CATEGORIAS DA PSICANÁLISE
Para superar uma teoria é insuficiente criar outra oposta, pois se deve
criticar ela por dentro dela mesma, em seus critérios, levá-la ao limite; ou
seja, ver o acerto no erro e o erro no acerto. Nesta obra, oferecemos algumas
pistas para uma possível teria unificada da psicologia. Tal meta deve lidar com
a teoria mais avançada de nossa época sobre a psique, a psicanálise. Ela foi
acusada de charlatanismo e pseudociência, em geral, por gente que não é da
área. Pensa-se assim: tenho pensamento, tenho psicologia, logo entendo do
assunto por natureza… Mas a física quântica é tão bizarra e inesperada quanto a
psicologia real, logo a ciência nunca tem a obrigação de ser agradável. Por
outro lado, porque acerta o alvo muitas vezes, a psicanálise é negada e caluniada,
pois, por exemplo, impensável a um jovem religioso e homossexual enrustido
aceitar tal teoria que o desnuda por dentro. A resistência violenta contra a
psicanálise é, assim, uma prova empírica de sua validade geral, ainda que
incompleta. Na psicologia, sujeito e objeto são idênticos, em unidade. Vejamos,
então, alguns dos comentários deste livro sobre a psique.
SONHOS,
EMPIRISMO E DIALÉTICA
Freud operou uma revolução ainda insuperada na ciência da psicologia.
Por inevitável, cada ciência particular alcança um momento em que é possível
profundas reformas, mas não mais rupturas de pensamento, revoluções. Sequer a
neurociência, que ainda engatinha, foi capaz de tirar o lugar da psicanálise.
O núcleo inicial da teoria freudiana foi sua intepretação dos sonhos. Em
resumo, os sonhos são realização fantasiosa de desejos, claros ou ocultos, para
manter o corpo em repouso. Freud sempre deixou claro, contra a crítica vulgar,
que o conteúdo dos sonhos não são sempre e necessariamente sexuais; se dormimos
com sede, sonhamos algo relacionado a isso, como, por exemplo, estar dentro de
um rio.
Feito o resumo de uma teorização que parece irrefutável pelo avanço
científico, portanto correta, vamos ao método. Em geral, Freud usa o método
indutivo (empirista), ou seja, opera generalizações por repetição de padrões.
Na associação livre, porém, usa o método empírico-dedutivo, quando as falas do
analizante, desconexas na aparência, demonstram ter um nexo interno; mas não é
o nosso foco aqui. A relação freudiana com o empirismo revela-se na seguinte
citação:
Nosso primeiro passo no emprego desse método nos
ensina que o que devemos tomar como objeto de nossa atenção não é o sonho como
um todo, mas partes separadas de seu conteúdo. Quando digo ao paciente ainda novato: “Que é que
lhe ocorre em relação a esse sonho?”, seu horizonte mental costuma-se
transformar-se num vazio. No entanto, se colocar diante dele o sonho
fracionado, ele me dá uma série de associações para cada fração, que poderiam
ser descritas como os “pensamentos de fundo” dessa parte específica do sonho.
Assim, o método de interpretação dos sonhos que pratico já difere, nesse
primeiro aspectos importante, do popular, histórico e legendário método de interpretação
por meio do simbolismo, aproximando-se do segundo método, ou método de
“decifração”. Como este, ele emprega a interpretação em détail e não em masse;
como este, considera, desde o início, que os sonhos têm um caráter múltiplo,
sendo conglomerados de formações psíquicas.
(Freud, 2001, pp. 118, 119; grifo nosso)
Nenhum método científico é, em si mesmo, errado – nem é o critério da
verdade. Com métodos inferiores pode-se chegar à verdade ou parte dela. Mas o
método superior, a dialética, faz uma crítica ao empirismo como crítica da
citação acima:
Ora, a percepção é, mais, precisamente a forma em que se deveria
conceber; e esse é o defeito do empirismo. A percepção, como tal, é sempre algo
singular e transitório; contudo o conhecer não permanece aí, mas busca, no
universal percebido, o universal e permanente; essa é a progressão da simples
percepção para a experiência. Para fazer experiências, o empirismo se serve
principalmente da forma da análise. Na percepção, tem-se algo variadamente
concreto, cujas determinações devem ser separadas umas das outras; como uma cebola cujas cascas se tiram. Essa
decomposição tem assim o sentido de que se desprendem e decompõem as
determinações que “cresceram-juntamente” [concretas]; e de que nada se
acrescenta a não ser a atividade subjetiva do decompor. A análise contudo é
a progressão da imediatez da percepção até o pensamento, enquanto as
determinações que, em si, o objeto analisado contém reunidas recebem por serem
separadas a forma da universalidade. O
empirismo ao analisar os objetos encontra-se em erro, se acredita que os deixa
como são; pois de fato ele transforma o concreto em um abstrato. Por isso
ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que é vivo, porque vivo é só o concreto,
o uno. No entanto, deve haver essa separação para conceber; e o espírito mesmo
é em si a separação. Mas isso é apenas um dos lados, e a coisa mais importante
consiste na reunião do [que foi] separado. Enquanto a análise fica no ponto
de vista da separação, vale a seu respeito aquela palavra do poeta: “Isso a
química chama ‘Encgeiresin naturae’ que zomba dela mesma e que não sabe como;
em suas mãos possui as partes. Mas, que pena! Está faltando só o vínculo do
espírito.” A análise parte do concreto, e esse material tem muita vantagem
sobre o pensamento abstrato da velha metafísica. (Hegel F. G., 1995, p. 105; grifos nossos)
Caiu o freudismo no erro do empirismo? Em parte… Ao fazer interpretação,
foi além do mero empírico colhido, foi do sensível ao suprassensível. Mas ficou
no meio do caminho. Minha tese é a de que os sonhos podem, sim, ser analisados
desde sua totalidade. Em minhas análises de sonhos, todos os fatos sonhados
eram incompreensíveis e aparentemente desconexos – até que, com esforço, o
sentido do TODO aparecia para minha razão. Assim, as partes tinham um conteúdo
geral e um sentido comum. Certa vez, sonhei estar num sítio com jacarés, logo
depois, ato contínuo, dirigindo em marcha ré por uma estrada com minha mãe e
minha namorada. Acontece que, tempos antes, havia viajado com elas e meu pai,
este dirigindo para o sítio de uma familiar… O sonho aconteceu do final para o
início, de trás para frente, além de revelar o conflito edipiano com o pai
dominante. Pois bem; o sonho só faz sentido como uma totalidade, não por
análise isolada das partes apenas e principalmente. Além disso, somente pode
ser entendido como narrativa, como história – não como conteúdo fixo e
estático. Eis a estrutura e o processo, a verdade é o todo. O sonho, ademais,
tenta resolver uma contradição num movimento, numa narrativa. Outro exemplo,
para dar substância: certa amiga sofria assédio moral todos os dias no
trabalho, era humilhada, mas lhe era impossível se demitir, logo ela sonhava
todos os dias, antes de acordar para ir ao serviço, que matava a outra
funcionária que lhe fazia mal. Assim, suportou o problema por um bom tempo.
O sonho – além de ser uma forma de manter o corpo em repouso, além de
ser uma forma de alívio psíquico por satisfação fantasiosa – parece ser uma
forma de manter bem a psique ao manter de pé a consciência, que deriva do
movimento externo, da contradição do permanente e da mudança.
***
Jung afirma
que Freud limita-se a considerar o sonho como a fantasia de um desejo qualquer,
que gera tensão mental. Segundo ele, o
sonho tem função, também, de orientação, de conselho – inspira-se na religião,
como parte de seu limite pessoal conhecido… Unifiquemos sob prioridade da
psicanálise. Se temos um problema que nos angustia muito, que gera tensão
psíquica, logo desejo, o cérebro, pelo sonho, pode propor uma solução, um
movimento. Um viciado em matemática pode criar, na fantasia do sonho, uma
solução possível para um problema matemático no qual estagnou, por exemplo.
Isso ocorreu comigo. Após assistir a Série Cosmos, de Carl Sagan, veio-me o
projeto de escrever um estilo de poema coma poética daquele divulgador
científico mais o realismo da ciência, um simbolismo realista, ateu. Mas não
conseguia escrever algo, o que girava minha energia. Num sonho por esses dias,
vi o nascer e o pôr do Sol de modo mágico, enquanto uma voz, provavelmente a
minha, recitava um poema novo… Assim que acordei, corri para escrever os
versos, antes de esquecê-los; foi quando percebi que minhas unhas grandes de
violonista haviam deixado marcas na palma da minha mão, por pressão enquanto
sonhava. O poema surgiu quase pronto, precisando apenas de retoques.
MÁGICA
MATERIALISTA
Rubro o
arrebol
Do céu no
universo
Todo o
material estrelar queima
Em uma
queima cósmica de arquivos
Das cinzas
negras das estrelas
Surgem a
noite
E as
sobras-faíscas dos fogos estrelares
Quem sabe um
parto
De
novíssimas e efêmeras nebulosas planetárias
PULSÕES DE
VIDA E DE MORTE
Como vemos, Freud cai no dualismo dos opostos sem unidade interna, sem
mesmidade. O que existe é apenas pulsão de vida. Esta pulsão desdobra-se de
modo externo em: 1) pulsão de criação, 2) pulsão de preservação, 3) pulsão de
destruição. Os três podem ocorrer de modo combinado ou misturado. A pulsão de
morte é uma anomalia, uma doença, quando a mente-corpo não está em seu estado
normal.
COMPLEXO DE
CRONOS
Trataremos este ponto mais uma vez em nota de rodapé posterior para
reforçar outras ideias. Sua importância justifica a repetição. A experiência do
complexo de Édipo – os filhos disputarem o amor de um adulto contra outro –
fica no inconsciente do adulto, que a revive de novo, mas de modo contrário. O
carinho do pai pela filha ou da mãe pelo filho, por exemplo, produz conflitos,
disputa de atenção. Além disso, constrangedor aos mais velhos o vigor e a
beleza dos jovens filhos – o efeito maldito do tempo! Daí o jeito duro da ação
paterna contra o filho homem ou da materna contra a filha. Isso tende a ocorrer
mais quando o filhote adquire forma corporal mais humana, mais madura. Assim, o
complexo de Édipo relaciona-se consigo próprio como com um outro, com o
complexo de Cronos.
ENERGIA –
PINCÍPIOS DO PRAZER E DA REALIDADE
Para Freud, a energia psíquica é sexual – mas a energia é mais do que
isso. Ela é pulsão, que serve para satisfazer necessidades básicas, como comer
ou praticar sexo. Daí sua fusão com o marxismo, que também parte das
necessidades básicas e práticas.
Vemos mais uma vez o erro apenas dualista do pai da psicanálise ao
contrapor o princípio do prazer e o princípio da realidade. É a busca do prazer
que obriga a criar mediações necessárias, logo o princípio oposto. É a
necessidade de certa moral que faz adotar uma específica moral, diria Hegel. O
princípio da realidade é o princípio do prazer – mas mediado.
PERSONALIDADE:
DEFEITOS E QUALIDADES
A unidade do defeito e da qualidade é a característica. O característico
não é nem positivo nem negativo; e mostra-se como um ou outro apenas no
contexto. Destruir ou bloquear um defeito é, em geral, destruir ou bloquear uma
qualidade. A personalidade é uma, é una, e expressa-se externo em defeitos e
qualidades, em opostos – que são internamente o mesmo. Alguém impulsivo pode
ser, por isso, “sem noção” e, por falta de limite interno, também, por ouro
lado, muito criativo. A malandragem do jogador Neymar, por exemplo, para forçar
faltas com quedas artificiais ou induzidas é a mesma malandragem usada para
enganar o goleiro e fazer o gol (se, por exemplo, por ordem do técnico, ele
bloqueia a primeira característica, então bloqueia a si próprio, ou seja,
impede igualmente a segunda). A oposição e a contradição externas entre
virtudes e vícios têm a unidade interna na característica, no característico,
em uma só propriedade, particularidade, traço ou caráter. É o contexto, a
situação, que faz aparecer de alguém um polo ou outro da unidade interna.
O
INCONSCIENTE ORGANIZADO
O inconsciente opera, de modo oculto à consciência, a formação de
conhecimento por padrões, conclusões de funcionamento da realidade quase
imperceptíveis ao pensamento, leituras da realidade não formalmente teorizadas
etc. Isso ficou conhecido popularmente como a hipótese do “superpoder” mental e
cerebral do homem – a intuição. Citamos o caso de quando se teve o impulso
intuitivo de comprar uma nova chinela com o fato de seu calçado de fato quebrar
uma semana depois, pois a mente apreendeu alterações mínimas no objeto durante
o seu uso, o que gerou a intuição. Porque um pneu de ônibus pode dar sinais
imperceptíveis ao consciente, mas perceptíveis aos modos mais profundos da psique,
um usuário do transporte pode dizer momentos antes “o pneu irá fura” como
suposta previsão “mística”. Sem qualquer método formal, muitos conseguem ler
psicologicamente outra pessoa ou a tendência de dinâmica de um grupo. Pessoas
do campo podem “sentir” que irá chover apesar da aparente falta de sinais
imediatos e aparentes. O autor deste material errava a chave do grosso molho a
ser usada quando tentava escolher de maneira consciente, mas acertava sempre
quando se deixava agir por “instinto”. O consciente deve focar-se no imediato,
no prático, deve especializa-se e evitar excessos; logo cabe ao inconsciente o
trabalho de base, que é expresso conscientemente em forma apenas de conclusões
“supostas”, sem revelar seu lastro. Às vezes, o inconsciente aprende antes do
consciente ou independente deste. Uma conclusão, mesmo teórica, está diante de
nós, a pedir para ser falada ou sacada, mas temos bloqueios conscientes, como o
medo da ousadia. Os artistas sabem muito bem disso, pois à vezes uma ideia ou
letra de música nasce pronta, vinda não sei de onde, bastando externalizá-la e
melhorá-la. O inconsciente tem ordem em seu caos. Assim, temos o Eu (ego), o
SuperEu (superego) e o infraEu, que não é o ID puro.
O inconsciente, infraEu, tem consciência de si. Somos, assim, um que é
dois. O que um analista leva 5 anos para saber do paciente, e que o paciente
também não sabe, o infraEu sabe de modo claro e organizado. Freud e a
psicanálise são atacados também porque romperam um contrato social invisível,
de ver apenas o eu que aparece de modo direto, também real. Os psicopatas, ao
verem literalmente o mundo, veem bem este aspecto para manipular. É comum que
usuários de drogas, como maconha, vejam a “verdade”, a camada por assim dizer
proibida.
Além da realidade como inconsciente e do inconsciente subjetivo sob novo
significado, temos a visão materialista do inconsciente coletivo, como
explicado antes sobre a origem dos arquétipos. Complementamos: o inconsciente
coletivo existe sob forma diferente da de Jung porque, junto com as
singularidades e particularidades, os cérebros diversos possuem e compartilham
estrutura e processos comuns, universais. Por isso, um líder religioso antigo e
um enlouquecido hoje podem ter ao mesmo delírio ou alucinação.
O inconsciente organizado e a dupla consciência, com outro eu oculto,
revela-se na linguagem humana, além da natural. Com frequência, falamos frases
com duplo sentido, duplo caráter, um claro e funcional, outro não funcional,
que revela o Eu interior – ambos verdadeiros.
PERSONALIDADE
E PERFIL FÍSICO
Esta área já foi obra de muita pseudociência, mas deve haver razão na
loucura. Os escritores sabem descrever um personagem por seu modo físico para
expressar sua personalidade, como traços pontudos para alguém perigoso e traços
arredondados para alguém amoroso. O interno se externaliza. Isso deve ter
origem genética, mesmo[29].
Uma parte – apenas uma parte – do perfil humano deriva de sua biologia. Mas há,
também, o fator ambiental ou social. Em síntese: hábitos levam a perfis mentais
e corporais; por sua vez, perfis mentais levam a hábitos e padrões corporais;
enfim, perfis corporais levam a hábitos e perfis mentais (neste caso, em parte
como alguém é visto pelos demais a partir do padrão, pressionando informalmente
a colocar “cada um em seu devido lugar”[30]).
Os três momentos ocorrem combinados, retroalimentando-se. Isso, ao modo de
Platão, sabe-se sem saber no mundo cotidiano.
Aquele adulto que tem o problema de ser um “Rei-bebê” esticado tende ao,
ao ser como crianças mimadas, desejo de comida e outros hábitos que lhe faz ser
acima do peso, arredondado como um infante. Um sujeito por ter barba imperfeita
por amadurecimento imperfeito, e crescer barba após, por exemplo, casar e tomar
responsabilidades. O corpo fala de muitas maneiras tal como certa metáfora da
psique. O leitor pode ver que há aí absurdo, mas a verdade não precisa ser
agradável e não absurda. Em cachorros e raposas domesticadas, assim como em
animais de pasto, observou-se que hábitos (ambiente etc.), genética e perfis
afetavam seus modos físicos, em período curto, no ser individual e em poucas
gerações; incluso com mudança hormonal.
TEORIA DO
SINCRONISMO
Vamos direto aos aspetos:
1) Observei diálogos de colegas de classe na universidade UESPI. Em
torno de alguém extrovertido, papel de líder e comunicador, os amigos
juntavam-se antes das aulas. No passar do tempo e das conversas, seus corpos
faziam movimentos, tendo por resultado final: um círculo formado por aquelas
pessoas, pernas abertas em forma de “v” invertido, tão estável quanto possível,
onde até certos outros movimentos corporais igualavam-se (mãos no bolso ou
braços cruzados etc.);
2) Os movimentos corporais empáticos possuem como principal fator a
imitação, como espelho, do movimento de outrem: cruzo as pernas quando quero me
aproximar subjetivamente de alguém de pernas cruzadas;
3) Os hábitos coletivos em um determinado espaço (casa, escritório etc.)
tendem a um ritmo e lógica internos de interação, tal como alguma “dança
informal”, entre as pessoas naquele ambiente;
4) É possível fazer leitura corporal do estado da relação de um casal
por meio de suas posturas ao dormirem. Por exemplo: um de costas para o outro,
costas encostadas, e movimento espelhado idêntico – ideia de harmonia entre
eles.
A tendência ao sincronismo é uma dimensão intersubjetiva na objetividade
social. No mais, corresponde ao desejo, dimensão psíquica, por harmonia, ordem,
organização, integração etc.
Em linguagem poética:
Os corpos humanos estão interligados
Em uma sincronia de movimentos cotidianos
Como em um ballet invisível
Que não percebemos também porque
‘Stamos demasiadamente nele
E
Se teu corpo na sala movimentar-se
Na cozinha alguém reagirá
Ajeitar-se-á o outro alguém à mesa
Como se fossem os corpos todos
Maestrados e maestros partes todos d’um todo
Conectados integrados e interinfluentes
Em um único instante num único coletivo movimento
Onde juntos e inconscientes e sempre dançamos
Até a data desta tese-poema
E
Há uma camada pensante do não pensamento
Somos
Causa-consequência em igual medida-tempo
Pois não há dia ou pedaço do dia
Desprovidos desta dança complexo-lógica
Como os corpos ao se encontrarem na rua que
Agem reagindo como reagem agindo
Instantaneamente e ambos
Simultaneamente
Simultaneamente e simultaneamente
E
Meu corpo vira-se enquanto o teu abraça-me
Ao dormirmos
NOMES E
PERSONALIDADE
Os nomes e sobrenomes podem influenciar parte da personalidade. Em
resumo, isso é deduzido das seguintes descobertas:
1) A formação do self na criança, sua diferenciação do meio, ser algo em
si e para si, perceber-se, se dá também por meio do seu nome, em especial por
meio do chamado verbal-afetivo do pai e da mãe (descoberta de Winnicott).
2) Na infância, a capacidade lógica da criança passa por estágios e
demoram os saltos de percepção. Até a pré-adolescência, há uma lógica muito
rígida, não dinâmica, de opostos e significados (descoberta de Piaget).
3) A mente opera, em sua função pré-consciente, associações e combinações
(descoberta de Freud).
4) A mente é sugestionável, sem necessidade hipnótica, em níveis
diferentes.
Exemplifiquemos. Uma criança cujo nome é Flor apreende o significado de
flor enquanto objeto externo com suas características e, ao mesmo tempo, esta
palavra lhe é absorvida enquanto significado de si – então ocorre uma fusão
interna, inconsciente. No A Interpretação dos Sonhos, Freud, citando Goethe,
cita por alto, apenas em forma de intuição, que as pessoas vestem seus nomes,
sendo que o seu nome significa em alemão “Alegria”, o que o influenciou a ser
médico, psiquiatra e fundador da psicanálise.
PECADOS E
PERSONALIDADES
Toda ciência começa como religião e pseudociência. Como a alquimia deu
lugar à química, o confessionário passou bastão para a clínica em psicanálise.
Dito isso, o método classificatório de perfis é sempre imperfeito e falho –
todos corretos com defeitos. Mas, em geral, podemos dizer que cada cidadão, ao
menos nas sociedades de classe, é marcado por ao menos um dos assim chamados
“pecados capitais”.
INCONSCIENTE
E MENTE
Busca-se refutar o freudismo de modo equivocado ao afirmar que a neurociência
moderna provou a inexistência de um inconsciente, como se um pedaço do cérebro
fosse. O aparelho psíquico como inconsciente e consciente ou ID, ego e euperego
(super-eu) de modo algum são coisas ou partes mas frutos abstratos da interação
da Coisa, do cérebro consigo próprio e com o ambiente, da interação de suas
partes. A mente, também, de maneira nenhuma é coisa, pois é o fruto da
atividade da coisa orgânica, ligada ao seu meio; e é essa própria atividade.
Para comparação, não podemos tocar nem o valor nem o preço das mercadorias em
si, mas eles existem e são dedutíveis. Para ser real e cientificamente válida,
uma categoria não precisa sempre ser diretamente observável – já que pode sê-lo
indiretamente.
A TRÍADE DE
PERFIS PSICOLÓGICOS
Freud observou, por generalização bastante perspicaz, que existem três
tipos humanos: psicótico, neurótico e perverso. O psicótico tem lei, e lógica,
rígida, fixa; em ampliação, a figura comum do louco com sua “vida paralela
inventada”. O neurótico, por muitos considerado o normal, aceita as leis, mas é
capaz de crítica e reformulação; ele pode derivar o fóbico (cujo objeto
central, de medo no caso, é externo), o histérico (cujo objeto é o corpo) e o
obsessivo (cujo objeto é um pensamento ou comportamento de origem mental); logo
veremos porque insistimos na palavra “objeto” nos parênteses. O terceiro perfil
é o perverso, que somente respeita a lei se lhe dá alguma vantagem. Pois bem;
os psicanalista associam os três perfis com o complexo de édipo
(homossexualidade etc.), do nível e do tipo de repressão em reação ao “objeto”
amoroso parental. Ao que parece, no entanto, levantamos a proposta na esperança
de originalidade e acerto, que vale para todo tipo de objeto. Vejamos. O
psicótico assim é, em nível menor ou na forma doentia, porque na infância
frustrou-se muito em acessar os objetos de desejo (comida, brinquedo, afeto
etc.) ou teve pouca experiência prática com a realidade – logo seu objeto
tornou-se seu pensamento, sua imaginação, que se inflou, compensando. Daí que Lacan
pensou que a loucura de Joice foi compensada por este ao destinar sua
imaginação para a escrita. Muitos cientistas são psicóticos e psicóticos
criativos, não só neuróticos. (Por outro lado, por exemplo, visto de modo
reverso, a dedicação unilateral e constante à, por exemplo, matemática, leva a
um desenvolvimento deformado, inflado e desigual do cérebro, perdendo outros
aspectos necessários à vida por causa da especialização excessiva, levando
matemáticos a verem padrões por todo canto, desregulado.) O neurótico comum
teve acesso ao objeto e por mediações, como parte de um trabalho, além de uma
satisfação normal; então, enriqueceu sua experiência para com ele. O perverso,
por outro lado, não teve mediações, não teve trabalho, quer relação direta e imediata
com o objeto, tornando até o outro como objetal; pouca frustação – enquanto o
psicótico teve muita, base e gatilho de sua esquizofrenia comum –, prazer
desmedido, satisfação quase imediata (daí que ricos tendam mais ao mundo e ao
modo perverso – daí que empresas familiares tendam a falir com o passar das
gerações); por isso, também, supõe-se, os perversos possuem pouca imaginação,
disciplina e criatividade; por não sofrerem como se deve, os perversos não
desenvolvem a empatia mutualista. Afirmações como “a consciência é a
consciência de algo”, ou “a consciência é alucinação relativa”, ou ”a
consciência vem de fora para dentro por querer o permanente na mudança” etc.
ligam-se bem com estas observações.
O neurótico adoece quando não consegue alcançar seu objeto, como afirma
Freud. Vejamos, para formar um círculo teórico, um caso de delírio persistente,
psicótico, na qual o portador tem noção crítica de seus pensamentos doentios.
Porque ele sente solidão, imagina que está sendo vigiado secretamente, sendo olhado
(ser integrado); porque sente solidão sexual, imagina que moças famosas estão
se guardando para ele (ser mutualista); porque se sente menos, tende a
acreditar que é dotado de grandes habilidades e ações (ser ativo). Em Freud, a
questão é quase sempre sexual apenas, como única base – sem suspeitar a
essência humana natural-social ou relação com todo tipo de objeto de desejo.
Vejamos dois estudos de caso opostos, um sádico (perverso) e um
psicótico (delírio).
O jovem adulto gosta de ver vídeos de pessoas acidentadas, agressões,
lutas duras, cenas de guerra reais, torturas etc. Produz humor depreciativo,
diminui amigos, humilha de forma engraçada, constrange os próximos etc. Quando
criança, matava pintos com pedra para saber como eram. Brigava diariamente e
controlava suas namoradas. Olhando de perto, sua mãe depressiva, abandonada
pelo marido desde cedo, apegou-se em demasia com o filho. Ela dava tudo o que
ele queria, controlava-o por meio do prazer, do presente. Ele venceu de modo
edipiano, sendo o esposo da mãe. Desacostumado com frustração, sempre
abandonava um negócio, uma arte marcial etc. sempre que havia sinal de
sacrifício. Eis um sádico leve.
O segundo caso é oposto. A mãe controlava, sendo narcisista, por meio da
punição, da frustração – base para um filho com traços delirantes. O pai,
obsessivo compulsivo, apegado ao dinheiro, e sádico, também costumava frustrar
o infante. O garoto, na adolescência, revelou sua loucura parcial como reação
ao controle paterno e materno. Aqui, o edipianismo também foi vitorioso com a
proximidade coma mãe, contra o pai austero, mas não serve de causa para o
delírio, pois, assim fosse, ocorreria algo semelhante ao primeiro caso; logo
vemos que a frustração excessiva, não somente sexual, movimentou a psique deste
caso, substituindo o objeto real pela fantasia.
FALAR-PENSAR
– AGIR-COMPORTAR-SE
A separação do agir e do falar deu-se em duas clínicas, a
cognitiva-comportamental e a psicanálise (ou humanismo etc.). Mas a ação é
exteriorizar, logo o mesmo que a linguagem. Mas falar é uma ação. Nada impede
mudança de comportamento como parte da clínica – nada impede ouvir o paciente
para ele melhorar. Materialismo e idealismo juntos no terceiro, práxis.
TRANSTORNO
OPOSITOR PERSISTENTE
Vale a pena citar este tipo para a nossa avaliação. Uma sociedade
autoritária, como com ditadura, passa seus valores por meio da família, dos
pais. Pais autoritários, expressando uma ditadura de Estado maior, geram filhos
cronicamente rebeldes – por quê? Porque o infante já nasce com natureza humana
natural, como a necessidade de ser ativo, afirmar-se. Assim, mediada pela
família (escola etc.), a ditadura estatal gera seus próprios coveiros, seus
inimigos. A sociedade socialista deixará de ter tais transtornos por sua
democracia real, sua qualidade de vida e respeito aos jovens.
REPRESSÃO
FAMILIAR
Uma das causa importantes do masoquismo e do sadismo é a repressão
familiar. Ao beber cerveja ou comer açaí pela primeira vez, odiamos a
experiência; mas, se insistimos no consumo, o cérebro atua para modificar a
experiência, que passa a dar prazer, até vício. O mesmo ocorre quando um pai
tem mania de agredir a filha – a agressão tornar-se o sexo dela com o pai. Um
menino que vive sempre com pai alcóolatra e violento pode passar a gostar de
violência, de constranger os demais etc. torna-se sádico.
A TEORIA
UNIFICADA DO DESENVOLVIMENTO
Freud, Erik Erikson, Wallon e Piaget desenvolveram, cada um por si, suas
próprias teorias do desenvolvimento infantil. Mas, bem observado, todas têm
algo em comum: suas etapas ocorrem, grosso modo, na mesma época, na mesma
divisão temporal (e as datações são tendenciais, aproximativas). A etapa 1, do
nascimento até, via de regra, um ano e seis meses; a etapa 2, de um ano e seis
meses até os três anos de idade; a etapa 3, dos três anos até os seis; a etapa
4, dos seis anos até os dose; a etapa 5, pela adolescência etc. Como todos têm
tal temporalidade, bem ou mal, logo há uma teoria comum ainda oculta.
O que há em comum são três fatores:
1. Etapa do desenvolvimento cerebral
Como suas partes e suas interrelações estão quantitativa e
qualitativamente ordenados.
2. O nível de experiência
Diz-se que se um gato doméstico tivesse o tamanho de leão, ele comeria
seus donos. Aprender a andar, por exemplo, leva a novas experiências.
Há uma oposição teórica: a vivência leva a uma etapa (Vigostsky) ou a
etapa permite certa experiência cognitiva (Piaget)? Ora, a etapa existe, mas
ela pode demorar a surgir ou passar-se para a próxima por baixo estímulo ao
desenvolvimento. Eis resolução da possível contradição real entre
relacionalismo e substancialismo, posições unilaterais e igualmente válidos.
3. Energia (em busca de mais de
si)
Para Freud, a energia é propriamente sexual, mas, para nós, ela é
energia corporal e cerebral que tem apenas a forma de energia sexual como seu
centro, principal forma.
Vejamos cada etapa, que chamaremos totalidade, do ponto de vista comum,
completo:
Todos corretos e unilaterais:
Freud: psicossexual, biológico
Erikson: psicossocial
Wallon, Vigotsky: emocional e grupal, relação com os demais humanos
Piaget: cognitivo, biológico, relação com objetos
Totalidade 1
– nascimento até 18 meses
Aqui, a criança é totalmente dependente, seu problema central é a fome,
a necessidade de amamentar-se. Seu problema é o outro.
Freud: fase oral, quando o prazer centra-se na boca.
Erikson: sensorial, nesta fase desenvolve-se a confiança ou a
desconfiança.
Wallon: impulsivo-emocional.
Piaget: inteligência sensório-motora. Da indiferenciação eu-mundo
exterior ao reconhecimento de objeto, espaço, tempo, causalidade.
Totalidade 2
– 18 meses até 3 anos
Freud: prazer anal, foco na prática social comum. Prazer em prender
(obsessivo-compulsivo futuro etc.) ou soltar (criativo no futuro etc.) fezes.
Erikson: muscular, desenvolve autonomia ou dúvida e vergonha.
Wallon: sensório-motor e projetivo
Piaget: pré-operatória, pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade
do pensamento.
Totalidade 3
– 3 até os 6 anos
Freud: fase genital, prazer genital, o filho se apaixona, em geral, pelo
membro adulto da família do sexo oposto, complexo de Édipo.
Erikson: O terceiro estágio – iniciativa ou culpa são consolidados na
personalidade.
Wallon: estágio do personalismo. Imitação motora e social. Fase em que
discorda dos adultos.
Piaget: pré-operatória,
pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade do pensamento.
Totalidade 4
– dos 6 aos 12 anos
Freud: latência – deixa-se a energia como sexual, que se volta para
outros centros, como a inteligência.
Erikson: o quarto estágio – dois caminhos para a personalidade:
indústria (produtividade) ou inferioridade.
Wallon: estágio categorial – a capacidade de abstração e saber dos
conceitos crescem. O estágio do
personalismo é sucedido por um período de acentuada predominância da
inteligência sobre as emoções.
Piaget: operatório concreto – Passagem da intuição à lógica do concreto,
início da descentração. Aquisição da capacidade de perceber a reversibilidade
das operações, explicações causais, noções de permanência de substância, peso e
volume.
.
Totalidade 5
– dos 12 aos 21 anos
Piaget: operatório formal ou abstrato – Acesso à lógica operatória
abstrata, descentração se completa. Pensamento proposicional e
hipotético-dedutivo
A partir daqui, apenas Erikson desenvolveu de modo oportuno e seguro.
O quinto estágio – desenvolve-se em identidade ou confusão de
identidade.
Marca o período da Puberdade e adolescência.
O amadurecimento total desta fase, em seu fim, é ser capaz de um
raciocínio dialético, o mais maduro existente. A unidade dos opostos e a mesmidade
do diverso é o central, passa-se do hipotético dedutivo – típico dos jovens –
para a dialética, mas raro de acontecer na sociedade de classes ou atrasadas.
A adolescência foi descoberta, reconhecida, não criada em si pela
modernidade. Basta lembrar que os gregos antigos reclamavam que os jovens
apenas pensavam em sexo e festas.
Totalidade 6
– dos 21 aos 40 anos
Questão chave deste estágio: Deverei partilhar a minha vida ou viverei
sozinho?
Totalidade 7
– dos 40 (35) aos 60 anos
Os dois caminhos possíveis, a crise, está entre generatividade ou
estagnação.
Este ponto merece destaque.
O corpo torna-se mais lento, mais frágil. Na psicologia, aprende-se a
economizar energia, por exemplo, vencendo o adversário por cansaço ou saber
esperar. Mas, porque se está mais frágil, começa a se tornar alguém com mais
medo. Assim, podem surgir tendências cínicas e oportunistas. Alguém antes
subversivo e revolucionário sabe que, mais velho, não será tão ativo numa
perigosa revolução, por isso tende a ser mais mediador, mais covarde (nos
protestos de 2013 no Brasil, os veteranos dos partidos radicais condenaram a
violência dos manifestantes; o velho anarquista Proudhon condenou fervores
revolucionários de sua própria juventude). O pensamento muitas vezes
cristaliza-se ou torna-se conservador, algo mais comum na próxima totalidade.
O desenvolvimento mental e lógico aqui é mais intensivo que extensivo:
consegue fazer mais associações. Se pedimos para falar sobre França, logo ele
citará aspetos ligados à palavra, como o pão, Louvre, poetas, revolução etc.
Pode-se, assim, chegar ao auge da produção intelectual se não se curva à sua
fragilização em andamento, se continuar ousado.
Leminski diz que “a política é o sexo dos velhos”. Bem cabe a frase
nesta época, de vida socializada.
Quando vê que está perdendo os traços de juventude, o sujeito pode se
agarrar ao passado, com crise da meia idade, namorando gente mais jovem, usando
roupas da moda etc. Vivemos a ditadura do ser jovem sempre, porque estamos na
época entre a juventude e a maturidade do ser social.
Totalidade 8 – dos 60 anos até a morte
Ou o sujeito irá para a integridade ao fazer bom balanço de sua vida ou
sentirá desespero por um mau balanço de sua existência. Mas, discordo de
Erikson, há também a sabedoria da angústia no segundo caso, não apenas a
sabedoria do acerto no primeiro.
Há inúmeras “crianças crescidas”, que estagnaram numa fase inferior em
muitos aspectos, embora consigam desenvolver um outro lado funcional, que pague
as contas. Não é incomum pessoas velhas com lógica infantil do tipo “ou isto ou
aquilo”, de opostos fixos. A maturidade ainda é algo raro. Por outro lado,
frustração moderada, como parte menor da riqueza de experiências, ajuda a
amadurecer; mas estresse pesado pode, ao contrário, estagnar um sujeito.
Outra observação precisa ser feita. Em nossa dialética, que debateremos
nos últimos capítulos, passa-se, no tempo, não apenas logicamente (como em
Hegel), da identidade para a diferença, para a diversidade, para a oposição,
para a contradição e, se caso for, para a unidade-identidade. Isso também
ocorre como processo por cada etapa. A totalidade 1, unidade, tudo é um, e
progressivamente o bebê vai diferenciando-se, percebendo-se; na totalidade 2, a
criança tem diante de si a diferença (unitária) que quer passar para a
diversidade “solta”; na totalidade 3, temos a diversidade que passa para a
oposição; na quatro, temos a oposição que passa pra a contradição; na quinta,
adolescência, contradição; na maturidade real, a unidade de opostos. Isso está
exposto de modo rígido, o processo é muito mais confuso, com processo,
retrocessos e saltos.
Eis primeira formulação e esboço da teoria unificada do desenvolvimento.
CLÍNICA –
SOCIAL E PESSOAL
O adoecimento psíquico, via de regra, deriva de relações sociais mediadas
por relações pessoais. A clínica de terapia produz uma nova relação pessoal,
desta vez positiva, em geral, como reação indireta às contradições do atual
modo de vida.
COMPLEXO DE
CAIM – LEIS E ESSÊNCIA HUMANA
Os irmãos disputam, comparam as ações uns dos outros, formando-se. Mas a
psicologia pode ter mil e uma leis, todas corretas sem chegar ao fundo, ao
fundamento; “irmão do meio” etc. Ora, irmãos formam personalidade porque nascem
com necessidades biológicas e sociais com sua essência humana. A necessidade de
amor (ser mutualista) pode gerar a formação de uma personalidade tanto por
imitação ou por diferenciação, a depender das circunstâncias. É a natureza
humana, com a qual abrimos este capítulo, que diz dos rumos do que seremos, ao
menos na maior parte.
ASSIMILAÇÃO
POR AFASTAMENTO
O título parece contradizer as leis da natureza. Quando o filho sai de
casa ou quando os pais morrem, a descendência, que conviveu com os cuidadores,
faz uma compensação, absorve alguma característica do outro em seus hábitos,
pensamentos, personalidade. O outro permanece conosco de modo indireto. Perder
amigos etc. podem também produzir tal efeito.
O LUGAR
DESTAS IDEIAS
Tais formulações, teses, são com facilidade acusadas de pseudociência –
são imensamente exóticas. Por isso, para preservar a moral dos demais assuntos,
meditei exclui-las desta obra. Mas seria covardia teórica em um livro que
propõe a renovação de quase toda a ciência, como com a nova teoria da essência
humana.
Nas próximas páginas e capítulos, teremos mais exemplos de formulações
ainda não sistematizadas para uma proposta de psicologia marxista. Sobre elas,
quase tudo aqui é muito novo, inédito, por isso haverá resistência
conservadora, dos mais velhos em especial. Mesmo na teoria, nunca haverá
revolução sem resistência do passado.No entanto, quase todo este capítulo serve
de preparo para o próximo ponto, a crise da psique.
PSICOLOGIA
MARXISTA
Neste capítulo, próximo a concluir-se, apresentamos nossa proposta geral
de psicologia marxista, o que não dispensará uma pesquisa especializada
posterior. Em geral, os psicólogos nada sabem de economia, logo a base de toda
a sociedade. Como separar a psique dos ciclos econômicos no sistema vigente? Em
geral, nada sabem de história como totalidade. Em geral, são incultos, como em
questões de dialética, ou biologia, ou neurociência. Enfim, a verdade é o todo,
não a parte em si.
A psicologia deve adentrar mais em temas como ética, emprego, classes,
diferenças biológicas entre sexos (sim, há diferença na igualdade), estética,
movimentos psicológicos da economia, educação, dinâmica política etc. Isso é
psicologia marxista.
Feita a crítica absorvente da teoria mais avançada, a psicanálise,
façamos um breve passeio pelos teóricos.
PSICANÁLISE
Focar no sexo como base da psique, em biologia humana sob tal ângulo,
tornou-se a força e a fraqueza do freudismo. Isso é vital, mas não é a
totalidade. O homem também é social. No mais, o psicanalítico caiu em dualismo,
falha a ser superada.
VYGOTSKY
Aqui, tratamos mais da tradição do que da letra literal do autor.
Inspirado na revolução russa, surgiu a ideia de que a psicologia é baseada na
comunicação, nas reações sociais e pessoais, no estímulo externo, nas fases
sociais. A linguagem seria o centro. Mas o homem é social-biológico.
PIAGET
Caiu no erro oposto, as etapas de desenvolvimento como apenas cognitivas
e naturais. Ainda assim, no final da vida pôde reconhecer que havia certas
variações em tribos etc. Também não viu o homem total, a verdadeira
sociabilidade. Focou na relação sujeito-objeto, não também no sujeito-sujeito,
unilateralidade típica da psicologia histórico-social.
Na verdade, a fase, a etapa de desenvolvimento, é dada pela CONDIÇÃO
biológica, a etapa é uma CONDIÇÃO para, uma base; mas seu fluir e desenvolver,
seu consolidar, é relacional.
WALLON
Pôs dialética no materialismo de Piaget – como uma etapa agregar dentro
de si a anterior. Via a variação de centro de gravidade entre emoção e razão no
desenvolvimento infantil. Esqueceu, também, a totalidade ao focar na educação.
SKINNER
Comete o mesmo erro dos demais: não encontra a essência humana. Para
ele, valia a concepção de que o objeto (ambiente) é ativo e o sujeito
(indivíduo) é passivo, adapta-se. Isso deriva de um erro parcial de Darwin, que
criticaremos em outro momento. Mas a criança já nasce com uma essência natural,
que busca ser satisfeita, além de pulsões naturais e sociais. Não apenas nos
adaptamos: mudamos a realidade, manobramos, mentimos, jogamos, evitamos,
mudamos, moldamos, insistimos, mediamos etc. Para ele, um comportamento flui ou
tende a desaparecer por reforço ou punição. Apenas. Um empirismo medível. Há
uma verdade aí, no entanto: o meio tem poderosa força sobre o que somos. A crítica ao Skinner é, antes, liberal
disfarçada com roupas de esquerda, como se fôssemos livres, autônomos,
individuais apenas, de todo conscientes etc. Somos ratos em uma gaiola de
recompensas… Embora possamos, com a linguagem e com nossa essência, além da
revolta, do ser ativo, reagir e revolucionar. O homem faz sua história, o
cérebro é trabalho, produtivo, ativo.
SOCIOBIOLOGIA
Tal escola não tem contribuição relevante alguma, por exemplo, na
economia. Mas há algo a dizer sobre a psicologia, onde de fato avançam – só que
de modo unilateral e impressionista. O homem não se reduz à sua condição
biológica, ou genética ,ou sexual. Ademais, aquilo biológico pode ser “natural
socialmente modificado” ou mediado.
Todos eles buscam um ângulo, um erro que é um acerto. Dizer que tudo é
construção social é tão certo e errado quanto dizer que tudo deriva de sua
biologia. O método necessário torna-se método dialético, empírico-dedutivo.
Devemos passar longe do empirismo. Nota-se que um programa virtual famoso de
neurociência estava dando uma série de falsos positivos por décadas, sem que
isso fosse percebido… A maioria dos testes psicológicos não dão o mesmo
resultado quando repetidos, replicados, por outros, se e quando são retestados.
A verdade é teimosa. Incluso, ela deve ser tema maior das reflexões
psicológicas.
Parte 6
DINÂMICAS
CRISE DA FAMÍLIA MONOGÂMICA
“Pois o nome político do amor não é outro senão socialismo.”
Frei Betto
“A medida de amar é amar sem medida.”
Santo Agostinho
Além da inspiração evidente em Engels,
este capítulo quase que repete de todo, embora chegue a conclusões diferentes e
socialistas, o pensamento da grande sexóloga e psicanalista Regina Navarro
Lins; ela recebe menos atenção da parte dos marxistas, ligados aos clássicos e
limitados pela literatura estrangeira, do que o merecido por suas elaborações.
Sua observação de que o amor romântico está em decadência e há uma substituição
progressiva, ainda que lenta, por novas formas de amar é uma importante
contribuição, pois demonstra que a instituição família nuclear burguesa está em
crise e pode ser substituída por outra família com traços comunitários.
O AMOR CONTRA O CASAMENTO
Afirma-se que o amor é social, mas
podemos demonstrar, ao contrário, que o amor é, de fato, natural socialmente
modificado ou, em principal, reprimido na história. Aliás, tal sentimento foi
condenado na prática até recentemente, até a década de 1940, por mais que
embelezasse obras de arte. Vejamos um exemplo. Manteve-se viva uma lenda dos
índios do Piauí que trata do amor de um índio e uma índia de tribos diferentes;
eles se conheceram por acaso, amaram-se e, por causa de tal amor, foram
amaldiçoados: um transforma-se em pássaro durante o dia e o outro se transforma
em onça durante a noite de modo que eles nunca se reencontram… A partir de
nossa mentalidade, do ponto de vista que valoriza o amor, é estranho o
resultado desta lição de moral indígena em forma mitológica. É o tipo de
estória que demonstra: 1) o amor é natural e 2) foi socialmente negado.
Entre os bonobos, espécie mais próxima
dos humanos, a fêmea fica meio distante, em rejeição, dos membros do bando
quando entra na puberdade e, logo mais, afasta-se para entrar em outro grupo,
onde se reproduz[31]. Esse
tipo de atitude tem valor biológico, pois aumenta a variedade genética. Vemos
que é uma tendência como no caso lendário dos índios e que os valores sociais
podem negar ao máximo a mesma força natural (xenofobia, etc.).
A história de Romeu e Julieta serve-nos
também de exemplo. É uma lição de moral: seguir os impulsos juvenis, amar
alguém de uma família outra e adversária, contra a sabedoria racional dos mais
velhos, leva à morte, ao desastre. A ideia de que o clássico do teatro
ocidental é algo romântico trata-se uma releitura posterior, sob novos olhares[32].
O texto de William Shakespeare já mostrava uma forte tendência social ao amor
individual sexual (por urbanização, etc.) ao mesmo tempo em que mediava com a
condenação de sua prática, ou seja, o sucesso ficcional da tragédia expressava
um conflito real. Há aí uma contradição entre o homem natural e o homem social,
contradição esta que, existente sob diferentes aspectos, será resolvida pelo
comunismo, em uma nova relação ainda dinâmica entre os dois polos.
Como afirmamos, apenas na década de
1940 o casamento por amor tornou-se prática social comum, aceitável. As
críticas sociais do início do século, sob uma base social que se alterava
(urbanização, trabalho feminino, etc.), e o fato de as tradições levarem a duas
grandes guerras, impulsionaram a uma renovação dos hábitos. Antes, o casamento
era de caráter financeiro ou formal, onde o amor ficava fora da equação social
em si. Agora, o casamento envolve sentimento mútuo, e isso é – e merece máximo
destaque – uma bomba de efeito retardado sobre a instituição familiar atual.
Como os sentimentos não são eternos, a base emocional da união do casal pode, e
frequentemente irá, ser desmanchada com o passar dos anos, ou seja, o fim do
amor sexual pede o fim do casamento, o direito de separação. Enquanto o casório
aconteceu por motivos sociais “racionais”, ele não entrou em crise, diferente
de hoje.
Como quase tudo que surge negando o
velho e surgindo dele, há um período de transição. Entre o antigo casamento
econômico e o amor antifamília tradicional do futuro, há a mediação da busca da
realização total e plena por meio da união amorosa, por meio do casamento – o
amor romântico. Isso gera uma enorme frustração, uma contradição na vida dos
casais. O amar é a negação da rotina enquanto a vida de casal é a rotina
completa, por exemplo. Os fatores da crise da família monogâmica serão melhor
debatidos a seguir. Até aqui, ficamos com estas observações.
PÍLULA ANTICONCEPCIONAL E OUTRAS
MERCADORIAS
O desenvolvimento tecnológico é também
o desenvolvimento de mercadorias cujos valores de uso possam tornar mais fácil
certas tarefas. Em A Revolução Traída, Trotsky afirma que o Estado soviético
fez em seus primeiros anos o possível para coletivizar as tarefas domésticas,
contra a opressão das mulheres, mas, por exemplo, diante de roupas rasgadas e
mal lavadas vindas das lavanderias públicas, baseadas ainda no trabalho manual,
os cidadãos passaram a preferir o retorno à atividade doméstica. Hoje, com a
máquina de lavar, este problema pode, enfim, ser facilmente resolvido por
lavanderias públicas, gratuitas e de qualidade. O desenvolvimento técnico atual
permite liberar o tempo das mulheres em relação aos cuidados com a casa. Mas
muito mais. Para dar profundidade às mudanças em curso, preferimos citar de
modo direto Regina Navarro Lins:
A pílula anticoncepcional é a principal
responsável pela mudança radical de comportamento amoroso e sexual observada a
partir dos anos 1960. O sexo foi definitivamente dissociado da procriação e
aliado ao prazer. A mulher se liberta da angústia da maternidade indesejada e
passa a reivindicar o direito de fazer do seu corpo o que bem quiser.
O sistema patriarcal entre nós há 5 mil
anos, que se apoiou na divisão sexual das tarefas e no controle da fecundidade
da mulher – uma mulher tinha quantos filhos o homem quisesse, passando grande
parte da vida grávida –, recebe assim um golpe fatal e começa a entrar em
declínio. A mulher, a partir de então, passa a ter a possibilidade de não só
dividir o poder econômico com o homem, como ter filhos se quiser e quando quiser.
As fronteiras entre o masculino e o
feminino começam a se dissolver – nada mais interessa ao homem que não
interesse à mulher e vice-versa –, atenuando a distinção entre eles, o que é
uma precondição para uma sociedade de parceria entre homens e mulheres.
É conhecida a relação entre opressão
das mulheres e propriedade privada. Quando o homem passou a cultivar e cuidar
do gado, dando início ao processo de propriedade privada, percebeu que os
machos também influem na capacidade das mulheres de ter filhos. Para controlar
quem herdará os seus bens, a sexualidade feminina, e toda sua vida, passa a ser
controlada. É isso que entra em crise em nossa época.
Regina Navarro Lins (2012) complementa
que o automóvel e o telefone foram duas “ferramentas” que facilitaram o
encontro livre no século XX. Hoje, observamos com facilidade que a vida sexual
pode ser mais plena, mais rica, menos “fiel” (contribuindo para a crise do
casamento e da monogamia), por causa da internet – isso tem um valor especial
para as mulheres já que os homens sempre foram poligâmicos. A família
monogâmica burguesa é atacada por todos os lados.
A entrada da força de trabalho feminina
é outro destaque que corrói a família monogâmica burguesa. A primeira revolução
industrial coloca as mulheres nas fábricas, dando-lhe renda própria e, logo,
alguma autonomia. De lá para cá, houve avanços e recuos da participação da
mulher no trabalho não domiciliar, porém a tendência do capital se impõe e já
são as mulheres uma parte do “mundo trabalhista” indispensável.
Ao lado desses fatores,
Somem-se as crescentes dificuldades
para impor a fidelidade feminina em uma sociedade que está se urbanizando, no
qual os contatos sociais vão se tornando cada vez mais frequentes, e na qual,
ainda, a abundância possibilita e requer o desenvolvimento (afetivo e racional,
lembremos) das pessoas.
Como observamos em outro capítulo, a tendência
no socialismo é que se formarão grandes bairros com seus próprios centros, onde
tarefas sociais serão guiadas, como a educação comum das crianças. Serão formas
coletivas – como, provavelmente, restaurantes públicos, etc. – de socializar as
tarefas nas quais as mulheres efetuam hoje sua segunda jornada de trabalho.
A NATUREZA DO CIÚME
Neste ponto, destacamos o debate sobre
se o ciúme é natural ou, ao contrário, social, cultural, condicionado. A
resposta desta questão tem consequências práticas para os destinos e as ações
de convívio. De imediato, a tese culturalista (idealista) deve ser descartada,
pois nenhum tipo de sentimento perdura artificialmente, por mera insistente
educação, sem que seja sustentada e estimulada pela própria realidade objetiva
(social ou natural). O efeito da cultura, por isso, nada é de primário ou
primeiro e é, portanto, secundário, resultado e reforço de uma base que está
para além de si.
Na tese natural, podemos observar
espécies de libélula, onde o macho, após copular, vigia a fêmea para garantir
que ela não copule com outros machos; mas isso nada significa, por analogia
forçada, que seja o mesmo caso entre humanos.
O ciúme é, em primeiro lugar, visto de
imediato, algo de fato natural em nossa espécie, e nas demais quando ocorre,
porque se trata de um processo físico-químico e biológico, corporal, cerebral.
Mas a pura natureza acaba aí. Essencialmente, o ciúme, ao menos entre nós,
deriva não de um fato em si mesmo, mas de um contexto – assim, algo social,
ambiental.
Porque há escassez emocional,
relacional, há ciúme romântico. Se todos nós tivéssemos o costume, porque a
realidade assim o confirma regularmente, de nos sentirmos desejados, amados,
com um “colchão social”, etc.; se o medo de perder o amado fosse baixo na medida
em que logo encontraremos outro ou teremos, ao menos, certa rede de amizade e
vida social bem estabelecida, etc. se, dito de outro modo, tivéssemos a
sociabilidade íntima bem desenvolvida típica do socialismo – então, só então,
nesta abundância afetiva, além de também e necessariamente material, o ciúme
amoroso será algo inexistente ou, quando muito, marginal.
O ciúme sexual não existiu em tribos
matriarcais ou não monogâmicas porque a comunidade cuidava dos filhos, porque
não havia herança, porque a solidão social (e sexual) era baixa, etc. Nesse
sentido, mesmo se for algo inteiramente natural, refutando a posição aqui
apresentada[33], tal
tipo de sentimento pode ser severamente reduzido, sem nenhum peso que hoje tem,
pela forma de autocomposição da sociedade. Um cachorro criado preso dentro de
uma casa e totalmente dependente para sua sobrevivência e afetividade será
imensamente mais ciumento em relação a outro que pode sair quando quer, convive
em grupo com outros de sua espécie, tem alimentação fácil, etc.
Pensamos ter medido bem o peso daquilo
que é natural e social no ciúme romântico, entre fato e contexto. Portanto, o
corrosivo sentimento nunca acabará por uma tomada de consciência (embora tenha
sua importância), por instalação forçada de relações amorosas mais livres, etc.
Augustos dos Anjos, combinando naturalismo e expressionismo, afirmou: “O Homem,
que, nesta terra miserável,/Mora entre feras, sente inevitável/Necessidade de
também ser fera.”
Tentemos resolver, agora, outra
oposição.
MATRIARCALISMO OU PATRIARCALISMO?
Os períodos de transição possuem suas
formas claro-escuro, suas mediações negativas. O isolamento social da alta
urbanidade leva a uma dependência emocional dos pais em relação aos filhos, o
que pode significar a repressão constante para controle ou a manipulação dos
infantes (a opressão sobre os jovens costuma ser pouco destacada). Mas, por
outro lado, pode levar ao “rei bebê” mimado, ou seja, certa submissão paternal,
algo de nossa época. Assim também, as mulheres podem liderar relacionamentos
abusivos contras seus parceiros, acontecimento impossível em outros momentos
históricos. São fenômenos transitórios, logo substituídos com o
revolucionamento social quando e se o socialismo vencer. As sociedades
primitivas foram matriarcais, sem opressão dos homens, a diferença dos iguais
depois se transformou em oposição e, em seguida, em contradição entre os sexos
com o patriarcalismo. Agora, podemos encontrar nova unidade com o fim da
dominação sexual de qualquer tipo, com uma comunhão civilizada dos homens,
mulheres e crianças.
A separação tornou-se um processo comum
e aceitável, até desejável, apesar das disputas por propriedade (aspecto
esperado sob relações capitalistas). É possível ter vários namorados durante a
vida, há o “ficar” por apenas um dia, temos o “juntar-se” sem casamento,
ocorrem festas especiais de separação, etc. Neste aspecto, o mundo mudou para
melhor (aqui, contrariamos o típico modo operante dos comunistas que pensam de
forma negativa sobre tudo, veem apenas crise e derrota); se as características
vigentes não alcançam as vanguardas da revolução sexual dos anos 1960, há que
reforçar que eram apenas vanguardas, não fenômenos de massa como hoje. Claro,
nem tudo está garantido, pois é uma época de transição que pode trazer
resultados positivos ou negativos (novo fanatismo religioso durante a
decadência sistêmica final, etc.). Neste tempo, os homens vivem esta fase de
diferentes formas, incluso com violência contra a mulher: o feminicídio tende a
ter novas causas, como a insegurança do homem machista em relação à maior
libertação feminina da parceira[34].
Surge a questão sobre como serão as
relações de amor no socialismo avançado. Para tal tentativa de prever,
combinamos afirmações de Lessa (2012) e Lins (2012): de um lado, satisfaremos a
necessidade de afeto com relações estáveis temporárias com um ou mais
parceiros; de outro, ao mesmo tempo, a pulsão sexual é permanente e não
dirigida a apenas um único amante, logo teremos a liberdade sexual, sexo
casual, longe de ciúmes, controles sobre o amado, etc. Deste modo, serão
superadas as angústias dos relacionamentos de nossa época.
Ao a sociedade socialista oferecer
tempo livre, estabilidade financeira, vida social plena, coletivização de
atividades domésticas, etc. a família deixará de ser uma ficção idealizada tal
como é hoje ou uma fonte de traumas. Os pais terão como enfim acompanhar o
desenvolvimento dos filhos, as uniões estáveis temporárias deixarão de ter
aquela pequena guerra civil entre quatro paredes. De certa forma, a luta pelo
socialismo também é a luta em defesa da família, de uma nova.
O movimento progressivo afirma, com
razão, a igualdade de homens e mulheres. Quando o machismo e outras opressões
forem superados no comunismo, veremos ainda mais identidade entre os sexos,
mais semelhanças – mas há, de fato, diferenças no idêntico oposto. Por
biologia, a mulher tem uma leve tendência maior ao cuidado; os homens têm
fibras musculares mais fortes (com o maquinismo atual, uma característica muito
secundária) e um pouco maior apresso pelo risco. Somos iguais, apesar e com as
diferenças inevitáveis, naturais. Isso exige a dialética da unidade e da
identidade dos opostos, que algo é idêntico a si próprio e seu oposto, a
identidade na diferença. Além do mais, podemos ir para além das tendências
naturais, nunca são barreiras intransponíveis. Há mais homens na física porque,
em primeiro lugar, há machismo, mesmo que exista uma tendência relativa para
outras ciências entre mulheres (psicologia, medicina etc.). Quando a dominação
do homem sobre o homem acabar, poderemos medir bem o que era social e o que é
uma tendência não determinística natural.
Há um debate no marxismo: a tarefa não
é dar cargos no poder às mulheres, mas destruir o cargo e o poder
inevitavelmente machistas, mesmo se liderados por uma mulher. Isso tem muita
razão, mas é parcial. Nosso cérebro também funciona por padrões, por
naturalizar repetições, assim como um programa-robô pensa, por padrão, que ser
executivo é igual a homem branco. A presença de mulheres e negros em cargos de
destaque onde antes era incomum educa bem as novas gerações, produz uma nova
naturalização por padrão. Isso é contraditório: uma mulher dona de fábrica é
uma inimiga, e machista por negar às funcionárias creches e licença maternidade
de 1 ano; mas tem um traço positivo, embora menor. O machismo apenas acabará
com o fim do capitalismo, mas temos essas mediações complicadas no meio, falsas
e verdadeiras ao mesmo tempo.
ORIGEM DA HOMOSSEXIALIDADE
Há três grandes teses causais sobre a
origem da homoafetividade: 1) no fluxo hormonal durante a gestação; 2)
genética; 3) falta de satisfação sexual heterossexual (veja-se que há cobras
que se tornam travestis, mudam de cheiro para atrair machos, quando falham na
meta de copulação). O erro é considerar apenas uma causa, unicausal, quando o
mesmo efeito pode ter diferentes, até opostas, causas – como penso ser este o
caso: todas ou quase todas corretas, ambas presentes na realidade[35].
Engels, um defensor voraz da libertação das mulheres, cometeu o erro der ser
homofóbico, embora nenhuma campanha contra tenha feito em público. Ele afirmou
que a decadência de sociedades correspondeu ao aumento de hábitos sexuais
“antinaturais”. Ora, pelo menos em nossa sociedade decadente, isso tem alguma
verdade porque a alta solidão, a fragmentação dos homens, estimula a causa
número 3. Ademais, o começo da decadência dos modos de produção está
acompanhada de maior urbanização, o que diminui um tanto o controle sobre os
hábitos.
SOBRE A PROSTITUIÇÃO
1.
O trabalho
para outro é a forma mais antiga de prostituição.
2.
Neste
tema, confunde-se princípio, caracterização e mediação política.
3.
Trabalho,
num conceito amplo, e prostituição, que são o mesmo, se vagina ou se mãos, não
incluem prazer.
4.
No tema,
a esquerda tem um pé, logo o pé errado, o direito, na religiosidade.
5.
Sexo não
é sagrado ou especial – algo normal e comum. Aliás, a prostituição reduz estupros
(que, claro, não justifica). Sim, sexo é sempre uma forma que inclui dominação,
não seria diferente na prostituição – nem no trabalho classista; logo dizer que
prostituição é dominação, classismo também o é. Claro, também, que totalmente
superior se consentido. Mas a mesma energia psíquica do sexo, a pulsão, vai
para a violência – eles até se relacionam no mesmo local do cérebro. Homens que
têm vida sexual escassa por inúmeros motivos tendem a adoecer mentalmente (com
consequências, às vezes, seríssimas – para si e para outros), ademais de
fisicamente; assim a prostituição “diminui” o problema. Para a mulher é fácil
ter relações sexuais; para os homens, não. Isso deve ser levado a sério, mesmo.
Ignorar ou outra reação negativa sobre apenas é consequência do machismo, que
ignora a saúde masculina.
6.
Mas
vamos ao centro: as prostitutas. Assim como o uso da maconha, a prostituição
sempre existirá em sociedades de classes. Para ajudar as moças, devemos evitar
a criação de empresas, mas garantir aposentadoria para elas, além de outros
direitos. Elas irão se prostituir – como evitar a subordinação a cafetões e
empresas sem, pelo menos, descriminalizar? Impossível.
FEMINISMO E ARTE
Séries como The Boys e tantos filmes
“lacraram” nas pautas sociais e feministas sem serem “cancelados” – lacraram e
lucraram. Por outro lado, quando um roteirista sabe estar diante de certa má
história, apela para pautas como feminismo na vã tentativa oportunista de
justificar o texto, causar polêmica etc. A solução é a seguinte, parece: certa
mulher guerreira e forte, por exemplo, deve estar na obra sendo guerreira de
modo inteiramente NATURAL, de acordo com a história contada, o contexto –
porque, de fato, É NATURAL (pasmem: um escritor de direita ensinou-me tal verdade,
foi feminista sem o saber). A arte moderna pode ajudar a naturalizar mulheres
em cargos, em ações “masculinas” etc. Sem forçar, sem justificar por fora. Uma
justificativa interna é muito melhor. Certo escritor disse que escreve bem
sobre mulheres porque descobriu que, afinal, elas são seres humanos, então
assim as trata.
HOMENS E FEMINISMO
O feminismo também é para homens! A
licença maternidade deve ser de, pelo menos, 1 ano – para mulheres e, veja só!,
Para homens! Isso evita preferência por contratar homens nas empresas, produz
igualdade. No mais, os homens estão cansados da personagem que têm de fazer,
cansados – exaustos, dirá Lins. Nem sempre se é forte e exato, ou frio. A
loucura relativa feminina é vista como algo belo, charmoso, atraente e aceitável.
Um homem “meio desequilibrado” recebe o oposto: rejeição, piada, crítica etc. É
uma opressão sobre os homens. Portanto, nem matriarcado nem patriarcado: união
e unidade pela igualdade e contra o machismo!
MEDIDA DA LIBERDADE
Contra o imperialismo e o
eurocentrismo, muitos afirmam que a sociedade ocidental não é superior. Mas
como vamos medir a liberdade, o nível de civilização, sem cair no relativismo?
A sociedade ocidental, incluso a América Latina, garante mais liberdade às
mulheres, aos homossexuais etc. – eis a medida, engelsiana. Tal libertação tem
como uma das suas bases a dominação sobre o Oriente Médio, mas é um nível
superior, ainda que contraditório, ainda que baseado na barbárie alheia, mesmo
assim. Outra medida, mais geral, passa por ter mais opções, como usar ou não
usar burca quando quiser. A liberdade da mulher deve ser um valor universal,
independente de país, pois é cientificamente provado que ela, sendo diferente,
é igual ao homem. Essa medida está lastreada, de modo indireto e recheado de
mediações, no nível de produtividade como base de níveis de liberdade.
SOBRE A PRÁTICA DA EDUCAÇÃO
A crítica à educação hoje é, via de regra, negativa,
apenas importante crítica. A falta de propostas positivas têm razão de ser:
nada importante pode ser feito sem muitos recursos. O atual modelo de escola é
condizente com sua verba. Mesmo assim, faz-se necessário propor ao menos algo
de transição.
O pensamento pós-moderno vê apenas o lado negativo
da escola, como prisão juvenil. Mas é um espaço de ciência e filosofia, de
aprendizado subjetivo, de encontro com os demais. De modo algum, uma educação
em casa ou virtual substitui o encontro, a necessária vida coletiva.
Por outro lado, exemplos pedagógicos vêm de
professores, mas deve-se levar em conta que suas “pedagogias” são próprias de
suas personalidades, seus perfis subjetivos deslumbrantes. Logo, não servem de
exemplo imediato.
Na pedagogia, o gênio Piaget erra ao, na prática,
culpar a criança, e livrar o educador, ao dizer que, se o aluno não aprende, é
porque ainda não está em certa etapa… Ora, a evolução é um ato de força, um
esforço ou tentativa – não apenas um fluir de água, dirá Vygotsky.
Como vimos, o desenvolvimento das forças produtivas
empurram para a tendência de mudança do resto do tecido social, como a
educação. Tecnologias como realidade aumentada serão parte do revolucionamento
educacional ao permitir ao aluno “ver” o funcionamento das partes de uma célula
diante de si, os planetas e a galáxia etc. Mas, sob o capitalismo, o
desenvolvimento tecnológico tem diminuído a demanda por trabalho qualificado. A
mesma base que permitirá alta educação a deteriora segundo a exigência do
capital.
Feitas tais observações, vejamos nossas propostas.
LIVRO DE MATEMÁTICA E AFINS
Para facilitar o aprendizado e a memorização, tais
medidas devem ser feitas nos livros:
1. Contar a
história ou alguma anedota sobre aquele assunto;
2. Dizer sobre
grandes aplicações práticas;
3. Derivar ou
provar aquela equação etc.;
4. Revisar assunto
anterior necessário;
5. Ir do
concreto ao conceito abstrato;
6. Dar
exemplos de aplicação, do simples ao complexo;
Até o ponto 4, deve ser a parte que o aluno pode
“pular quando bem quiser” caso tenha pressa.
7. Os
capítulos devem ser curtíssimos;
8. As questões
devem ir do simples ao complexo, do concreto ao abstrato;
9. A
diagramação deve ser espaçosa e agradável;
10. O livro deve ser o máximo completo, sem precisar
da ajuda do professor ou da internet.
Além disso, equações etc. devem ser apresentadas
dentro de imagens fortes, criativas, de todo inusitadas o que facilita a mente
tirar uma “foto”, memorizar. Macetes criativos e atalhos devem ser ensinados,
além do uso de recursos artísticos e literários como o humor.
No Brasil, as obras que mais se aproximam de um
projeto tão simples é a coleção “Conecte”, da Saraiva, com uso mais comum na
classe média alta.
Deve-se acrescentar que o Estado deve oferecer
manuais e vídeos que ensinem a estudar e a memorizar, com as técnicas
disponíveis na psicologia moderna.
ENSINO MÉDIO
No ensino intermediário, o aluno deve ter acesso a
todas as matérias, mas deverá escolher qual bloco, entre humanidades e ciências
naturais, terá por média a nota 5 e qual a nota 7, entre 0 (zero) e 10.
FILOSOFIA
Deve-se dividir o ano desta matéria em duas partes
por semestre: na primeira, história geral dos pensadores; na segunda, a
história dos conceitos e ideias – conceito de espaço na história, concepções de
moral, como os pensadores trataram a questão do um e muitos etc. Ademais, os
diferentes métodos científicos devem ser explicados.
PROVAS
As provas devem ter uma questão de opinião ou
redação do aluno sobre algum tema. O central é ele, desde a primeira aula do
mês, ser levado a pensar sobre algum tema para escrever sua hipótese sobre na
prova, valendo ponto extra.
Os cálculos não devem ser exatamente decorados. A
folha da prova deve dispor todas as equações necessárias ao aluno, como na vida
real – o que interessa é aplicar. No ensino médio, o uso da calculadora também
deve ser permitido. As questões da prova, e do livro, de modo algum devem ser
uma verdadeira charada; devem ser claras e simples, mas pode haver uma questão
extra especial de alto valor.
Vale um relato pessoal. Minha professora de reforço
fazia o seguinte: 1) eu deveria ler para ela um parágrafo do capítulo; 2)
deveria resumi-lo em voz; 3) deveria dar minha opinião sobre. Isso foi de
máxima positividade para minha formação.
MÚSICA
Há um conto de Machado de Assis sobre um maestro que
passou a vida inteira apenas lendo partitura e reproduzindo os clássicos;
quando decide escrever algo próprio, é incapaz. Às vezes, passamos 15 anos
decorando, memorizando, absorvendo e, de repente, no doutorado, somos obrigados
e incapazes de criar algo de fato novo. A música ajuda a resolver isso. Aos 12
anos, um aluno pode aprender música num instrumento, primeiro reproduzindo;
mas, ao aprender as primeiras escalas musicais, pode ser imediatamente
incentivado a improvisar solos. Esse é o eixo: ensinar, após certa absorção, a
improvisar, solar, até mesmo de modo subconsciente. O cérebro, assim, aprende a
ser criativo, a associar, nesta e noutras áreas.
CURSO DE FOLOSOFIA
O curso de filosofia deve ter duas etapas. Primeira,
história da filosofia, de grupo de pensadores a outros, de um filósofo a outro;
segunda, focado em ciência moderna para produzir hipóteses e novas conclusões.
HISTÓRIA
No ensino fundamental e médio, a visão marxista da
história é a necessária ao alunado. Isso pode soar ideológico, mas é a ciência
mais profunda de fato. O livro de história pode, por outro lado, apresentar as
diferentes contribuições de outras escolas teóricas, uma ao lado da outra. Ouvi
de um professor que ensina para alunos ricos de minha cidade: “Eles preferem a
história marxista porque é cinematográfica; brinco com um colega que estamos
ensinando nossos inimigos de classe.”
PRODUÇÃO DE ARTIGOS
É notório que há uma fábrica quase inútil de artigos
no meio acadêmico. Para preservar a qualidade, a medição deve pôr uma
quantidade máxima limitada de artigos e papers que valem ponto num ano. Além
disso, livros individuais devem valer mais, além da divulgação científica.
LÍNGUAS
Quase todos os alunos jovens sonham aprender inglês,
mas não aprendem na sala de aula. Há algo errado, portanto. Minha proposta é a
de imersão completa por 3 semanas ou 1 mês, no ano, estudando apenas inglês ou
outra língua nesse período. Nos EUA, há uma escola em que o aluno vai para um
retiro de férias onde tem contato apenas com a língua estrangeira, com todos os
objetos com o “nome” deles colado, com livros e filmes naquela língua, com
pessoas para conversar etc. Isso deve ser feito em escala maior. Para
economizar custos, o Estado pode colocar algumas escolas nas 3 primeiras
semanas de aula; outros nas 3 seguintes etc.
Além disso, o professor, se ainda mantemos alguma
aula convencional, deve usar palavras opostas no ensino. Tal oposição gera
gatilho para aprendizado.
O Estado deve comprar certas séries, dos mais
variados estilos, de episódios curtos, com um programa que permita o aluno ver
uma cena em português, depois em inglês etc. A repetição importa.
OUTRAS MATÉRIAS
No quarto ano do ensino fundamental, todo aluno deve
ter três cursos: 1) música, rumo ao improviso; 2) arte marcial; 3) no final de
semana, escoterismo. Nos anos seguintes, pode escolher focar em um ou outro.
BIOLOGIA
O Estado deve aproveitar que a tecnologia
computacional está avançadíssima para criar uma série completa, longa,
repetitiva e “devagar” sobre todos os assuntos dos livros didáticos. Por
exemplo, cada processo celular invisível deve ter um vídeo com grande qualidade
de efeitos especiais para demonstrar, repetida e agradavelmente, o processo.
RENDIMENTO DO ALUNO
Assim que um aluno, desde a alfabetização, demonstra
dificuldade, notas baixas, logo ele deve ser encaminhado para um reforço extra
com outro professor. Isso promoveu uma revolução educacional no pobre Ceará,
que tem 87 das 100 melhores escolas do país, além das 10 melhores. Nem
reprovar, que afasta o aluno, nem passar de ano em modo forçado, alimentando
seu atraso.
INTERNET
A internet e o celular são base para a revolução
educacional. Em salas de aula, os professores perdem a maior parte do tempo
escrevendo no quadro, depois os alunos tiram foto daquilo escrito… O livro e a
internet devem ser suficientes, com cada aluno pesquisando por si o que o
professor apenas apresenta. Reforçamos: em pelo menos metade das matérias, o
aluno poderá faltar às aulas para estudar por si numa biblioteca da escola com
internet boa e aparelhos, para estudo isolado; além disso, poderá dedicar-se ao
lazer e ao esporte no espaço interno da escola caso queira estudar em outro
momento. Alguns alunos aprendem melhor sozinhos, outros, com aula etc.
Assim, deve ser direito todo aluno ter um bom
celular e internet permanente.
Vale notar que há uma arte oportunista dos
professores, a arte de enrolar. Aquilo que poderia ser oferecido em 1 ou 2
aulas é esticado para durar 1 mês inteiro.
Como o aparelho psíquico do alunado ainda está em
formação, apenas em casos raros há carinho por aprender. Por isso, deve haver
alguma autoridade professoral, e estímulos ao aprendizado, por prazer e
recompensa ou dever.
SALÁRIO
Os alunos devem receber salário, que cresce com o
avanço das séries. Além disso, uma parte da renda recebida varia segundo as
notas, segundo o rendimento em prova. Veja bem; ao cérebro do adolescente ainda
falta maior senso de responsabilidade e é impulsivo, logo deve ser em parte
guiado, incentivado. Além disso, bons resultados devem gerar salários maiores a
professores e funcionários.
AULA
A aula deve começar 8 horas da manhã, não 7 ou 6.
Além disso, nenhuma tarefa deve ir para casa, tudo deve ser resolvido no espaço
escolar.
Mais uma vez, o aluno tem direito a não marcar
presença em metade das matérias, mas deve fazer prova como os demais, com nota
mínima 7. Para isso, a escola deve oferecer bibliotecas para estudar, internet
ou distrações como esportes etc. Ou seja, o aluno pode faltar em tais matérias,
mas deve, de qualquer modo, oferecer bom resultado final. Uma nota mínima, 7 ou
8, deve ser condição para liberar-se da presença em aula.
FARDAMENTO
O fardamento não deve ser obrigatório, apenas opção,
para estimular a diferença, incluso de perfil mental. Além disso, as fardas
devem respeitar a moda e o clima.
FORMAÇÃO DO PROFESSOR
A formação do professor, em principal nas exatas,
deve ter três perfis: 1) licenciatura superior; 2) bacharelado; 3) licenciatura
de base. Um curso de matemática voltado a formar professores de ensino médio e
fundamental deve ensinar algo de matemática avançada, cálculo etc., mas deve
focar na didática, na oratória, no reforço do aprendido antes, na história de
tal ciência etc.
ENSINO SUPERIOR
Todas as matérias de um semestre do curso deve ter
um tema base, mas também um livro de base, cuja leitura é obrigatória. Os
alunos do ensino superior hoje terminam o curso sem ter lido sequer um livro
inteiro, apenas introduções ou pedaços de algumas obras. Isso deve mudar. Ler
em sala e individualmente devem ser o foco máximo. Mil vezes melhor um único
livro lido com atenção a 200 trechos de 200 autores.
Ademais, todo professor capaz de dar grandes aulas
deve ser pago para disponibilizar cursos gratuitos completos na internet. Toda
cultura erudita humana deve estar disponível de graça na web em português.
SOBRE FILHOS
Em complemento, temos tais indicações para a
educação familiar:
1.
Dar opções ao filho. Por exemplo: se sairão juntos,
pedir para que o filho escolha entre três roupas, entre três sobremesas etc.;
2.
Sempre explicar o motivo de uma ordem;
3.
Ouvi-lo sinceramente e de fato, mas, nas questões
centrais, os pais decidem;
4.
Elogiar mais o esforço do que o resultado;
5.
Não contrariar ordem de outro, exceção de situações
de debate;
6.
Não bater, exceção de casos raros, mas punir com
cortes de afazeres (não deixar sair, sem internet etc.) ou novas obrigações;
7.
Desde cedo oferecer brinquedos desafiadores, mesmo
que impróprios um tanto para a idade;
8.
Dar tarefas domésticas, maiores ou menores segundo a
idade;
9.
Ensinar coisas práticas da vida: como retirar
dinheiro em banco, como andar no centro, como pedir para descer do ônibus etc.
10.
Estimular a brincadeira e convívio com outras
crianças, evitar o isolamento típico de nossa época;
11.
Testar desde cedo quais os talentos ou vocações da
criança, sem preconceitos ou ambições, e “especializá-lo” desde já,
incentivando enquanto o interessar, sem forçá-lo – uma habilidade desenvolvida
desde a infância gerará um ótimo trabalhador, ou alguém saudável com seus
hobbies particulares;
12.
Respeitar a moda juvenil, mesmo com alguns limites
relativos;
13.
Nunca humilhar em público;
14.
Dar direito à intimidade, à vida própria, ao filho –
comum os pais sentiram-se donos das crias;
15.
Falar sobre sexo com naturalidade, disponibilizar
preservativos e espaço privado para vida sexual – isso dificulta muito a
gravidez;
16.
Punir egoísmo, mas premiar autorrespeito, a defesa
das próprias vontades.
No fim, não há manuais que garantam o destino da
prole.
A NOVA GERAÇÃO
Refletir em filosofia sobre os mais jovens têm
vários problemas associados. Primeiro, pode-se ter uma concepção saudosistas e
criticista exagerada entre os mais velhos, que romantizam o próprio passado.
Segundo, oposto, pode-se pensar que se trata apenas de geração diferente, como
se a degeneração geracional não fosse uma possibilidade. Há ainda a armadilha
do caminho do meio; vejamos um exemplo lógico: a impulsividade (mesmo) de
alguém, a caraterística de fundo, produz em certas situações qualidades, como criatividade
grande, mas também defeitos, como a falta de noção social; a característica, a
mesmidade ou base, externaliza-se como defeitos aqui e qualidades ali. Pois
bem; a nova geração teria, assim, igualmente, qualidades e defeitos próprios?
Participo de um grupo de escritores; nele, com
frequência, os mais jovens perguntam "isso pode?", ou "isso é
certo?". Eles querem agradar, não ser rejeitados. Penso que há duas razões
centrais para: 1) uma criação mais isolada, menos vida social, o que reduz o
colchão psíquico; 2) a internet pede que sejamos desejados e vistos, contra o
ridículo e a ridicularização pública (certo controle social abstrato retorna
com a internet – em sistemas de punição e recompensa, reforço e desestímulo).
Aonde há rebeldia? Aonde há originalidade? Isso é perigoso, muito. Ser
“alternativo” agora é comprar roupas “alternativas” da moda… Bolos de
aniversário falsos na festa e teatros de subversão.
A nova geração, desde muito cedo, movimenta-se
menos, socializa-se menos – eis a fragilização, o atraso do desenvolvimento em
todas as esferas psíquicas. Se somos, por exemplo, rejeitados, mas temos uma
fonte segura de amizade e amor, somos muito menos afetados pela ação alheia.
Para comparação, veja-se que um militante de classe média, mais isolado em
geral, cede com mais facilidade a pressões hostis, pendendo ao centrismo, em
relação a militantes operários, mais “duros”, mais tolerantes aos isolamentos.
A crise geral da psique, parece, cobrará seu preço
sobre a nova geração. Por evidente, há qualidade maiores como a maior
capacidade de aprender com a internet. Mas o que melhora a sociedade e o
indivíduo, o que determina o peso do positivo e do negativo, é sua capacidade
de subversão, o novo.
Humberto Gessinger, Engenheiros do Hawaii, pensa na
música Pose sobre:
Vamos passear depois do tiroteio
Vamos dançar num cemitério de automóveis
Colher as flores que nascerem no asfalto
Vamos todo mundo
Tudo que se possa imaginar
(…)
Vamos ficar acima, velejar no mar de lama
Se faltar o vento, a gente inventa
Vamos esquecer o dia da semana
Tem que ser agora, anos 90
Vamos remar contra a corrente
Desafinar do coro dos contentes
E completa:
Tô fora voodoo, ranço, baixo astral
Eu não vou perder meu tempo brincando de ser mal
Não vou viver pra sempre nem morrer a toda hora
Como rasgos pré-fabricados num novo velho blue jeans
Há várias manifestações de adestramento, incluso
disfarçados de rebeldia. Sabemos que, há poucos anos, os pais brigavam para os
filhos entrarem casa; hoje, brigam porque não saem.
AS LIÇÕES
Os marxistas e os dialéticos evitam a filosofia do
comportamento, dos estoicos etc. Mas seus raciocínios gerais podem ser muito
úteis diante do sofrimento humano, ainda que este apenas possa ser muito
reduzido numa sociedade socialista. Apenas Trotsky, em Questões do modo de vida, e Valério Arcary, em Ninguém disse que seria fácil, ensaiaram entrar em tais temas. Como
este livro pretende tanto explicar o real quanto oferecer algo para a prática,
derivamos as seguintes conclusões:
1)
O excesso constante de prazer não leva à felicidade,
mas ao esgotamento. Felicidade tem substância e conteúdo, quase medida.
2)
Se a sociedade está em situação difícil, mas difícil
será o indivíduo obter vitórias individuais ou felicidades.
3)
Na vida pessoal e no curto e médio prazo, às vezes,
não há saída ou alternativa, embora não tanto demore uma solução na maioria dos
casos. Inexiste situação totalmente sem saída, mas pequeníssimas alternativas
em probabilidade difícil e raramente se realizam.
4)
O processo importa, mas vitórias importam ainda
mais.
5)
O grande esforço é condição da vitória, mas não
suficiente nem garantia certa.
6)
Sofrer é o privilégio de viver, mas para evitar
aquele desde o prazer e a felicidade.
7)
O trabalho não dignifica o homem, exceção quando
obrigamos a sociedade a permitir com que a necessidade natural do trabalho seja
cumprida de maneira respeitosa.
8)
Vitórias pessoais são obras coletivas e mais ou
menos democráticas.
9)
O inferno é a falta do outro.
10)
Perceber a causa, o motivo, a razão, a utilidade e a
finalidade possível de um projeto ou trabalho produz prazer e impulso, talvez
felicidade.
11)
Precisamos dos opostos, lazer e atividade, dormir
bem e acordar bem, amor e raiva, medo e coragem, e assim por diante, e assim
por diante. Sem excesso de um contra o outro, sem unilateralidade. Às vezes, um
tornando-se o seu inverso.
12)
Desistir pode ser uma opção, em principal e muitas
vezes apenas no limite, pois o acerto também é feito de falhas no caminho ou ao
lado.
13)
A perfeição de personalidade ou de vida é uma utopia
irrealizável. Vida é conflito, contradição.
14)
Os defeitos não devem ser reprimidos, produzindo novas
doenças aparentemente sem causa, mas redirecionados para algo positivo,
produtivo, saudável e útil.
15)
Exceto causas orgânicas, inexiste preguiça dominante
mas não uso de talentos e possibilidades, pelo individuo ou pela sociedade.
16)
Não há qualquer fórmula que garanta permanência de
relações sociais e pessoais – só a mudança é permanente.
17)
Nem sempre felicidade é abrir os olhos, mas é
necessário.
18)
Apenas na impossibilidade de uma vida feliz, deve-se
pensar a possibilidade de uma vida que valha a pena, contanto não fira a
essência humana natural.
19)
A popularidade dos livros de autoajuda é fruto da
semialfabetização popular mais a infelicidade constante, mais a felicidade como
quase tocável pelo alto desenvolvimento do mundo social e das coisas.
20)
Nem sempre se colhe o que planta, nem sempre se
planta o que colhe.
21)
Má condição não é sempre punição de um erro ou
punição justa.
22)
Entre as piores sensações é sofrer, mas não saber a
causa de seu sofrimento. Daí a necessidade, por exemplo, da cultura. Daí que se
procura soluções erradas como excesso de acúmulo de coisas.
23)
O corpo não é a negação da alma, mas sua afirmação.
Corpo são para ter mente sã.
24)
A principal tarefa do Marxismo é a felicidade
humana, tanto quanto possível e responsável.
25)
Agir por uma causa maior é tanto compensador quanto
correto e necessário.
26)
Como na guerra, a máxima ousadia pode ser o mais
racional.
27)
Exato o medo de algo produz o algo, o medo da
rejeição produz rejeição.
28)
Às vezes, é preciso recuar antes de avançar com
dignidade.
29)
Às vezes, é preciso adiar para ter algo melhor no
futuro.
30)
Nem toda proposta boa em si é boa de fato quando
considerado todo o contexto.
31)
Uma derrota aparente pode esconder uma vitória
essencial. Uma vitória aparente pode ser, na verdade, uma derrota oculta. O
azar pode ser sorte, a sorte pode ser azar.
32)
Planejar, nunca nos mínimos detalhes, é preciso –
até para alcançar bons resultados diferentes do esperado.
33)
É necessário teimosia e insistência de médio ou
longo prazo.
34)
O correto nem sempre recompensa.
35)
Quase nada é certo ou errado em si, pois depende do
contexto.
36)
Nos planos, o mais importante é fixa-se no “o que”
deseja realizar, pois tal “o que” pode acontecer de muitos modos, “como” e
formas diferentes; portanto, deve-se ter mente aberta aos modos de realização,
os “comos”.
37)
O homem é ainda um animal, logo é negativo para o
homem urbano afastar-se em demasia da natureza, ainda que ela possa envolver
algum risco.
38)
Se teu trabalho é intelectual, dedique um momento
regular para ato manual; se, ao contrário, teu trabalho é manual, dedique um
momento regular para ação intelectual; além disso, tenha um momento do dia ou
da semana para nada fazer, para o pensamento fluir solto ou planejar e
refletir; ser unilateral produz problemas físicos e mentais.
39)
Sempre consulte outros antes de tomar uma importante
decisão.
40)
Os fins justificam os meios, mas, ao mesmo tempo, os
meios devem justificar os fins.
Uma obra sobre moral ou ética marxista terá de
adentrar em tal tema, incluso formulando sobre, mantendo a noção de totalidade
e tempo histórico.
Certo ensinamento geral nem sempre é útil ao
comportamento cotidiano, e vice-versa. É fato que podemos dividir os homens em
ativos e reativos, mas ocorre de modo diferente, inverso, na amplidão das
classes sociais. A classe operária é ativa e anda em bando; no nível pessoal,
são os reativos que andam em grupo. A burguesia é reativa, mas mais individual.
TEORIA
MARXISTA DA ALIENAÇÃO
É da cultura
comum afirmar que alguém sem interesse por política é um alienado. Tal
significado de alienação até está correta, mas é muito limitada. Comecemos com
uma reflexão. Se o trabalho é central para a espécie humana, porque só nos
sentimos humanos quando terminamos de trabalhar? Bem observado, sentimos os
prazeres mais básicos e animalescos de dormir, comer, praticar sexo, etc. Isso
ocorre porque vivemos em uma forma de sociedade que nega nossa humanidade.
Para nos
aproximarmos do conceito completo, o primeiro significado de alienação é
separação. E é ainda mais correto dizer “separação daquilo que deveria estar
integrado, unido”. Veremos: tal concepção é insuficiente ao mesmo tempo em que
permite uma aproximação bastante correta da teoria.
O CAMINHO DA
TEORIA DA ALIENAÇÃO
Hegel, pensador
anterior a Marx, elaborou: nosso pensamento, o subjetivo, cria o objetivo,
como, por exemplo, o Estado. Aquilo criado a partir de nosso “espírito”
separa-se de nós: é a subjetividade objetivada. A partir da ideia de Estado,
nosso exemplo, cria-se uma instituição que ganha vida própria, que ganha
independência. Aqui vale uma atenção: o processo de formação de algo separado
é, para Hegel, inteiramente positivo.
Outro
filósofo, desta vez da época de Marx, chamado Feuerbach, criticou Hegel com
imensa dureza. Elaborou uma teoria ateísta e materialista da realidade, contra
a religiosidade mais ou menos presente em Hegel. Feuerbach afirma: Deus não
criou o homem – foi o homem quem criou Deus! Porém: a ideia de Deus passou a
dominar o próprio homem, ou seja, a criatura passou a dominar o criador! Deus,
esse pensador diz, é a representação do próprio homem, de sua própria essência,
para o homem infeliz com sua realidade. Aqui vale outra atenção: para ele, a
alienação é inteiramente negativa.
Marx combina
as duas formulações, de Hegel e Feuerbach, para formar algo novo. O homem – ou
melhor, os trabalhadores – cria a realidade, mas essa mesma realidade volta-se
contra o criador e o domina. O Estado, por exemplo, só pode existir porque há
trabalhadores, porém o Estado existe para reprimir e controlar a classe
trabalhadora.
O mundo das
coisas criado pelo trabalhador ganha autonomia e independência, então a
criatura, como as mercadorias, controla o criador. Aquilo que chamamos
“capital”, que é um processo social, é também um processo cego, que impõe
regras sobre os homens. Porque os homens estão desorganizados como sociedade,
separados uns dos outros, surge uma série de leis sociais que não são decididas
por ninguém, pois surge uma lógica das coisas que passa a controlar a
humanidade.
Nas
fábricas, o fruto do trabalho, o resultado do esforço, é uma mercadoria que não
pertence ao trabalhador, ou seja, ao criador – pertence ao capitalista. Ele, o
operário, é separado do fruto de seu próprio trabalho e nada tem de identidade
com seu produto final. É muito comum o operário passar oito horas seguidas
apenas colocando uma única peça num aparelho, no entanto ele nada sabe da
função de seu ato de trabalho, para que serve aquele componente que ele instala
no produto.
O
trabalhador serve ao processo produtivo, não é o processo produtivo que serve
ao trabalhador. O operário torna-se uma ferramenta de carne e osso da máquina –
o maquinário passa a dominar os trabalhadores. Assim, a máquina é sujeito e o
operário é objeto – o trabalhador é coisificado, o maquinário é humanizado. Há,
portanto, coisificação dos homens com a humanização das coisas.
Vale a pena
oferecer relatos sobre não alienação no trabalho. Certa vez, fui vigia de
dependentes químicos; numa dessas vigilâncias, sentou perto de mim um paciente
que pintou as paredes e colocou grama no pátio da instituição; pois bem: ele
conversava com um colega e disse: fazer todo o trabalho é puxado, mas quando
vemos o resultado, dá um prazer enorme. Esse “prazer”, um sentimento, é muito valorizado
pelo marxismo; o trabalho escravo, feudal e assalariado negam esse prazer
sentimental do animal humano. Tenho um amigo que, por improviso, sem formação
oficial, produz, por exemplo, a própria mesa de sua casa; ele diz que, quando
vê o fruto do seu trabalho, lhe dá um prazer enorme – o cérebro premia a
criatividade, a criação ativa. No meu caso, a primeira vez em que tive tal
sentimento foi quando ensaiava com minha banda nossas próprias músicas; nós não
repetíamos as músicas como robôs musicais, ao contrário, experimentávamos,
dávamos propostas para as canções, e uns aos outros, tentávamos, corrigíamos
etc. – depois, era quase uma hora inteira sentido aquele sentimento sem nome,
agradável, do qual comentávamos. Também senti isso quando as reuniões partidárias
da qual participava eram dinâmicas, com observações, propostas, votações etc. É
um sentimento fortíssimo porque é raro hoje; mas será natural no socialismo,
pois, por exemplo, saberemos que nosso esforço é útil para a comunidade, que
ajuda tanto a nós quanto aos outros.
A alienação
também é a separação dos seres humanos com a dominação de uns sobre os outros.
A dominação de uma classe sobre outra, o machismo, o racismo, a homofobia, a
xenofobia são formas de separação daqueles que deveriam estar integrados,
unidos. Os que dominam a relação – o patrão, o homem machista, etc. – recebem
muitas vantagens por sua vida alienada enquanto o outro polo, o negativo – o
operário, a esposa, etc. –, tem uma série de prejuízos nessa forma de
alienar-se. A prática machista ou domínio do patrão sobre o empregado são
formas de coisificar o outro, de diminuir sua humanidade, de subordiná-lo.
A separação
dos homens é ainda mais profunda. Vemos o outro como inimigo, como adversário.
Os capitalistas lutam entre si por lucro e os trabalhadores entre si por
emprego. Por isso, a missão do socialismo é superar essa animosidade,
colocando, finalmente, fim à divisão da humanidade entre possuidores e
despossuídos, entre classes sociais.
A alienação
inclui a transformação do dinheiro em um Deus. Hoje, o dinheiro é apenas um
pedaço de papel pintado, mas guia nossa rotina e nossos pensamentos. A coisa
domina os homens, a criatura domina o criador. Se alguém nos mostra um bolo
enorme de notas de dinheiro, logo esticamos os olhos e ficamos afetados – e um
desejo estranho de ter aquilo nos possui. Pense-se que sempre nos sentimos mal
quando gastamos dinheiro, sentimento que nos pressiona a poupar, a guardar
nossas notas.
A humanidade
aliena-se em seu desenvolvimento e tal alienação desenvolve-se até que existam
condições para o reino da liberdade real. Em sua evolução, a humanidade nega-se
a si própria – coisifica-se, etc. – para, depois, afirmar-se de modo pleno. Ou
seja: o caminho da liberdade é feito por meio de seu oposto, de seu contrário,
de sua negação. Os modos de vida escravocrata, feudal e capitalista são etapas
necessárias para que o homem, no futuro, torne-se livre de fato. No escravismo
antigo, os trabalhadores eram como coisas, nenhum pouco livres. No feudalismo,
o homem na forma de servos medievais torna-se um tanto mais livre, preso ainda
à terra, e um pecador. No capitalismo, somos formalmente, juridicamente, livres
e iguais – apenas formalmente; ou trabalhamos como as condições difíceis nos
impõe ou fracassamos. No socialismo, seremos de fato e finalmente –
substancialmente – livres. A história da humanidade é a história por onde ela
se torna cada vez mais livre, liberta.
Em relação
às coisas, hoje, a alienação aparece assim:
1) Humanização das coisas na proporção da coisificação
dos homens;
2) Valorização das coisas na proporção da
desvalorização dos homens;
3) Integração das coisas – a internet! – na
proporção da fragmentação dos homens;
4) Ganho de características das coisas na
proporção da unilateralização dos homens;
5) Poetização, estetização, das coisas na proporção
da brutalização dos homens;
6) Ganho de cognição das coisas na proporção da
perda cognitiva dos homens.
Isso tem
consequências no perfil das mercadorias, além de tanto outros aspectos, como a
crise sistêmica.
TEORIA DO FETICHE
Quando
falamos em fetiche da mercadoria, muitos imaginam uma crítica ao consumismo, à
adoração dos produtos, ou algo semelhante. Essa forma sugestiva de interpretar
está de todo errada. O fetiche ou feitiço é uma teoria sofisticada de Marx, por
isso devemos ir-nos aproximando dela, passo a passo.
Em resumo, o
fetiche ocorre na sociedade quando relações sociais aparecem como relações de
coisas, entre coisas, como propriedade das coisas. Chamamos coisificação ou
reificação. Marx usa a palavra fetiche da nossa língua portuguesa, pois ela
significa dar poder sobrenatural a um objeto, como os tribais venerando uma
criação sua, o totem (uma escultura de madeira).
Antes de Marx
expor o dinheiro, mostra que as trocas anteriores eram casuais, raras, ao
acaso, e aconteciam pela trocabilidade de certa mercadoria por quantidade de
outra. Por exemplo: 1 braça de linho = 2 casacos. Veja-se que o valor do linho
(que, lembramos, deriva do trabalho) é expresso no valor de uso de outra
mercadoria, 2 casacos. Pois bem; parece
uma propriedade natural do casaco ser expressão do valor do linho, parece
ser de sua natureza material, natural, não social. Isso ficará mais claro
demonstrando outras formas de fetiche.
A mercadoria
tem valor, mas parece ser uma
propriedade natural da mercadoria ter seu valor, como se não fosse
determinado socialmente. O valor tem como sua substância o trabalho abstrato
(indiferenciado, igual, controlado pelo tempo) e sua grandeza no tempo de
trabalho socialmente necessário – mas isso nunca fica claro no mercado, na
troca. Foi preciso milênios de trabalho científico para, enfim, Karl Marx
tornar evidente a propriedade social desse objeto, o valor. O que é uma relação social aparece como coisa,
propriedade da coisa, ou relação entre coisas. O que é uma propriedade
social da mercadoria, seu valor, aparece como natural dela mesma.
Marx fala de
um investidor que leva máquinas, ouro e matéria-prima para a Austrália na
intenção de lucrar em novo ambiente. Porém tudo deu errado, pois era-lhe
difícil disciplinar os trabalhadores – isto é, era preciso condições sociais de
trabalhadores desprovidos de tudo, que necessitassem de um emprego, para o
capitalismo prosperar. O patrão pensou – e isso é típico do fetiche – que o
capital é maquinário, matéria-prima, dinheiro, ou seja, coisas, que as coisas
lhe dão poder e riqueza. Na verdade, o
capital é uma relação social entre pessoas que é coisificada, intermediada
por coisas. A propriedade social parece
coisal.
Para que
fique mais clara a teoria do fetiche, pensemos no poder do ouro. Parece uma
propriedade natural do ouro, assim que é extraído do fundo da terra, sua
capacidade de ser a riqueza por excelência. Parece uma força que vem do objeto em si, natural. A verdade é que
para extrair esse metal é necessário muito trabalho humano, logo muito valor,
por isso parte de sua importância; além do mais, passou a ter função útil para
o mercado porque era muito uniforme e poderia ser dividido ou fundido com
facilidade, o que ajudava a expressar o valor das demais mercadorias (já um casaco
nunca poderá ser cortado e remendado à vontade). O que é uma dádiva social, o valor, aparece, no entanto, como algo
natural do objeto. Aí entra o fetiche ou feitiço do dinheiro como se ele
tivesse valor em si mesmo, como se fosse ele que desse valor às mercadorias,
não as mercadorias dessem ao dinheiro seu papel, ou seja, como se o dinheiro e
seu valor nunca fosse uma derivação do trabalho.
Vejamos
outro caso. A riqueza social capitalista vem do trabalho e, mais exatamente, do
mais-trabalho, do mais-valor, do trabalho não pago ao trabalhador, portanto,
trabalho gratuito – roubado. Porém, no capital produtor de juros, tudo aparece
assim: D-D’, dinheiro que gera mais-dinheiro.
E pronto. Parece que uma coisa, o
dinheiro, reproduz a si mesma sem mediação social do trabalho, a verdadeira
fonte de toda riqueza (junto com a natureza, a “terra”). No D-D’ dos bancos, há
o máximo fetiche e coisificação (reificação). Nessa fórmula, D-D’, apaga-se toda ideia de relação social
realmente existente e inicia uma relação entre coisas. Chega-se ao absurdo
de acontecer campanhas de propaganda oferecendo a multiplicação do seu dinheiro
misteriosamente do nada se se investe no mercado financeiro.
Os
economistas vulgares falavam de fórmula triática: o capital, máquina ou
dinheiro, gera o lucro ou juros; o trabalhador e o trabalho geram o salário; a
terra gera a renda da terra. Mas coisas não geram valor, não geram lucro – apenas o trabalho produz mais-valor, lucro,
renda da terra e salário.
Enfim, a
teoria do fetiche deriva da teoria da alienação, que tratamos em outro
capítulo. Os homens e suas relações são coisificados e as coisas são
humanizadas, ocorre uma relação social como se, sendo, relação social entre
coisas.
Reforçamos:
a ciência, em geral, cai em erros opostos: a teoria fetichista e a teoria
relacionalista. O espaço seria relacional; tudo, construção social; o valor,
fruto da troca etc.
Para
pesquisa especializada, há que ver se há fetiche, ou outro tipo de fetiche,
análogo, em outros modos de produção. No escravismo, o escravo é considerado
ferramenta, embora falante, coisa, como se capital fixo (reificação). No
feudalismo, uma dependência social entre senhor feudal e servo aparece como se
o servo fosse ligado diretamente à terra, à coisa, ao natural, não numa relação
de homens, embora fosse uma relação mais direta e transparente do que o confuso
capitalismo. O servo não poderia abandonar a terra, como se em cordão umbilical
com ela, como se fosse algo natural estar ali; mas logo passou a ser expulso de
modo traiçoeiro por excomungação jurídica da Igreja, em nome oculto da classe
dominante.
A ESFERA COISAL
Lukács
afirmou que nem a psicologia nem o lado coisal seriam esferas ontológicas
próprias. Em acordo com ele, penso que a o mundo das coisas é, ao menos, um
colateral, uma falsa modalidade de ser – um é que, ao mesmo tempo, não é.
Quando Marx diz em sua grande obra que uma relação entre homens mostra-se como
uma relação entre coisas, não trata de apenas um engano; na verdade, as coisas
impõe uma lógica de si, uma relação entre elas mesmas tendo o homem como o
suporte.
O máximo
desenvolvimento do ser inorgânico levou ao ser orgânico, ao biológico; o máximo
desenvolvimento deste último levou ao ser social, o homem humano; o auge do
desenvolvimento deste, o capitalismo, levou ao ser coisal. O anterior é sempre
base e suporte do próximo, como na relação homem-coisa em nosso atual modo de
vida.
A esfera
coisal, seu poder, inclui coisificar o homem. Como diz Marx, há humanização das
coisas e, em relação direta, coisificação dos homens; a máquina é o sujeito
enquanto o homem é um objeto, uma ferramenta de carne daquela. Assim como o
homem, em seu desenvolvimento, humaniza a natureza, que veio antes e de onde
veio, a coisa, em seu desenvolvimento, coisifica o homem, que veio antes e de
onde veio.
O ser coisal
consolida-se com a imitação de movimentos humanos na produção, substituindo
braços e cérebros. Mas não para aí: a robótica visa imitar a sensibilidade do
homem, até mesmo superá-la. Em nosso tempo, temos vírus de computador que se
multiplica, como um ser vivo, e recentemente criamos robôs com a pulsão, a
programação, de multiplicar-se a si próprios. A concorrência capitalista, que é
uma lei cega imposta pelas coisas tal como estão, leva a que surjam várias
tentativas de produzir a melhor inteligência artificial – poderá surgir uma
inteligência similar à humana, mas sem emoção?
A integração
das coisas tem vindo acompanhada do isolamento dos homens. Tal integração é
condição da integração humana no socialismo, mas não condição absoluta – é,
hoje, uma aposta social.
O dinheiro é
a coisa central, a Coisa das coisas; o valor é a alma objetiva delas, um verbo
que se quer fazer carne. Segundo Carcanholo, o valor era apenas um adjetivo da
coisa, do objeto, do produto como mercadoria; para ele, tornou-se, como
capital, um adjetivo substantivado[36].
Complementamos: tornou-se, depois, substantivo concreto, com a maquinaria e
suas consequências humana e coisais, para tender a ir ao substantivo abstrato
e, por outro lado, ao mesmo tempo, verbo que se faz carne (isto se relaciona
com as quatro eras do capital: a era do capital mercantil, a era do capital
industrial, a era do capital financeiro e a era do capital fictício). Com o
devido jogo de palavras, o valor é um sujeito oculto, que exige teoria por
detrás do preço, e um sujeito indeterminado, sem determinações. Como o
espaço-matéria e energia-massa; o valor é um sujeito simples que se torna
sujeito composto, valor e capital, valor-capital, que podem, como vimos, entrar
em contradição.
A esfera
coisal tem sua grande história já no início do ser social, como ferramenta e
produto. Marx diz que temos a coisa, o objeto, mas, por outro lado, a coisa nos
tem – isto é ontológico. Relacionamo-nos pessoalmente com as coisas, nós as
afetamos assim como elas nos afetam. Hoje, elas ganham poesia, estética,
enquanto nosso mundo perde arte. O mundo das coisas, embora misturado conosco,
opõe-se ao mundo dos homens. O valor, o capital, o coisal faz de nós um meio,
encarnações e representantes deles.
Os objetos
não são neutros. O dinheiro é típico do capital e do capitalismo, incompatível
com o socialismo. O mero microfone, usado por líderes autoritários, é condição
para a vida socialista com suas assembleias de bairros e fábricas. Ademais,
temos a concepção correta da lei geral da história humana “produtividade
crescente”, mas ela é apenas quantitativa. Temos ainda a produtividade
qualitativa. Quando o socialismo cumprir, em poucos anos ou décadas, todas as
necessidades humanas em quantidade, com a ajuda de mudanças qualitativas, terá
ainda mais condições de garantir maior qualidade aos objetos.
A alienação,
em resumo, apresenta-se assim:
O sujeito é
o objeto
O objeto é o
sujeito
De tal modo:
o sujeito é o sujeito por seus predicados – o objeto é o objeto por seus
predicados.
A verdadeira
unidade-identidade de sujeito e objeto, sem alienação, estará posta como tarefa
socialista.
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[1]
Este é um esforço de condensação e seleção da teoria, na relação homem-homem. A
alienação em Marx se expressa em: “1) alienação dos seres humanos em relação à
natureza; 2) à sua própria atividade produtiva; 3) à sua espécie, como espécie
humana; e 4) de uns em relação aos outros.”
[2]
Nosso ancestral evolutivo já vivia abaixo das árvores, no solo, porque sua
morfologia fazia-o habilidoso para andar e correr; por isso, adaptou-se ao
ambiente de savana.
[3] No
mais, vale observar, o paleontólogo Nacho Martínez Mendizábal teorizou que o gênero
homo, diferente de nossos primos primatas, perdeu o tamanho dos caninos, pois,
ele diz, tais dentes elevados serviam para disputas internas, contra membros da
própria espécie, e, entre nossos antepassados, a cooperação superou tal tipo de conflito, moldando a morfologia
dentária.
[4] A
grande dádiva do marxismo não é apenas, nem no seu começo, afirmar que o homem
é diferente e especial como dizem a religião e boa parte da filosofia. Ao
contrário, descobre, pouco antes de Darwin dar a forma teórica ímpar, que o
homem é um ser natural, biológico, antes de ser de fato social. Isso é parte do
significado de que o homem precisa comer e de abrigo antes de poder fazer
filosofia. Sobre isso trata Mészáros no capítulo sobre moral em seu “Teoria da
alienação em Marx”.
[5]
Quem vem antes, a essência ou a existência? O processo de formação da
existência é, também, o processo de formação da essência (Sartre pensa que a
existência precede a essência porque ele vê o indivíduo, não a humanidade – por
outro lado, na formação do indivíduo humano, sua maturação existencial avança
para consolidação da essência humana em geral; uma criança têm uma fase
egoística, pois ainda é um homem em formação). Além da formação de nossa
espécie, o longuíssimo período de comunismo primitivo, igualdade e comunidade
da escassez, operou uma seleção social com seleção natural, facilitando a
reprodução e perfil daqueles que têm a essência humana em geral.
[6] O
trabalho sobre a noção, até aqui mistificada, de essência humana pode receber a
crítica de que usamos o método dedutivo para percebê-la. Marx também usa tal
metodologia para expor um novo
objeto, o valor, no Capítulo I d’O Capital.
[7] Os
psicólogos evolutivos (Robert Trivers) chamam altruísmo recíproco,
reciprocidade. A expressão mutualismo, tomado emprestado da biologia, a
associação de populações diferentes de modo vantajoso a ambos, é limitado, mas
o mais próximo que consideramos para corresponder ao objeto.
[8]
Vale a pena comentar em nota a questão, famosa hoje, do gene egoísta. O egoísmo
do gene é base de nosso egoísmo natural, pois os genes focam em reproduzir a si
mesmos? Ora, isso fica muito mais claro e correto se incluímos a categoria
suprassumir; esta expressão, o suprassumir, é, ao mesmo tempo, concentrados
dentro de si, misturados, os significados diferentes e opostos destruir,
superar, guardar (conservar) e elevar. O lado egoísta do gene não é totalmente
negado na realidade, nem totalmente afirmado nela, pois é suprassumido, como no
fato de as espécies, como nível acima, que apareceu antes – do “ponto de vista
do gene egoísta” – como mero nada ou instrumento, procurarem a perpetuação das
próprias espécies; permanece, então, a possibilidade do altruísmo, da
solidariedade, da comunidade, da comunhão, do mutualismo. No lado humano,
acrescenta-se que o homem é a afirmação da natureza e, mas, ao mesmo tempo, sua
transcendência.
[9] A
concepção aqui exposta pode dar base a outras observações e pesquisas. Exemplo:
abstraindo o uso como ração, incomum hoje no ocidente; nós adestramos os lobos
para que servissem de companhia (integração), fossem capazes de guarda
(relações mutualistas) e auxiliares na caça (ser ativo). Desenvolvemos raças de cães para satisfazer diferentes
necessidades. A demonstração dos tipos caninos é um tanto unilateral, pois os
três elementos, abstraídos, estão como se misturados dentro da realidade; porém
serve de primeira aproximação clara ao tema.
[10]
Freud está em relação a uma nova teoria da psique como Ricardo em relação a
Marx. Considerar o aspecto natural do homem é uma das forças da psicanálise,
embora seja uma ciência social, mesmo que seja negada esta localização pelo seu
fundador, que a considerava parte dos estudos biológicos (possivelmente para
dar ares mais científicos ao seu legado contra os ataques que sofria). Dito de
outra forma, dar-se, com a psicanalística, primeira base materialista para a
psicologia, embora deva ser superada.
O Behaviorismo, por sua
vez, também avança certos aspectos, mas de maneira unilateral. É tão ciência
quanto o freudismo. Nega-se os avanços de Skinner porque se tem, entre os seus
críticos, uma concepção burguesa de homem, como se livre e autônomo, longe de
quase determinismos do ambiente, o que é falso. No mais, tal concepção percebeu
que a repressão sobre os jovens não é um método válido como em animais, pois
gera reações, manobras, problemas, etc. Mais um pouco e seria percebido que
isso se deve a uma essência humana.
[11]
As coisas tendem à integração: aglutinação de valores de uso, internet das
coisas, aproximação entre produção de bens de consumo e produção de
matéria-prima, fusão entre capital financeiro e capital produtivo, etc. A
tendência à integração coisal, falsa modalidade do Ser, é expressão alienada –
por alienação – da tendência de integração do ser social, como a formação de
uma única comunidade global no socialismo, respeitando as particularidades
locais, a atração dialética após a repulsão, como demonstrou Lukács esta última
humana tendência (até onde vai meu conhecimento sobre o húngaro, nunca tendo
chegado a formular sobre a primeira e, logo, nem também a ligação ontológica de
ambas, algo próprio como contribuição desta obra). Apesar de mais implícito que
explícito, o movimento “das coisas” está entre as bases deste livro; como
vemos, uma nota de rodapé é suficiente, embora o tema seja em si profundo e
inédito científica e filosoficamente. Certo nível de integração das coisas,
mesmo fragmentando os homens, é uma das condições para haver socialismo.
[12]
Exemplo deste último, natural socialmente modificado, podemos observar na
atração pelo corpo feminino. Na idade média, a escassez levou a ver como sinal
de saúde mulheres acima do peso; na China, os homens atraiam-se por pés
femininos pequenos porque os pés das camponesas eram mais rudes, diferente dos
das mulheres da aristocracia. Nestes casos, a busca por fêmeas melhor aptas
para a reprodução teve mediação social em tipos específicos.
[13] A
linha no gráfico sobre ao Brasil não corresponde aos dados reais, tendo sido um
erro de organização. Também neste país houve elevação do QI.
[14]
Os três elementos mais o fator tempo, o nível de antiguidade da obra,
impulsionam a formação do valor artístico
de uma arte. Este valor específico expressa-se porcamente e de modo
deformado no valor de troca preço. Ao que parece, para Mészàros, o valor
artístico deriva da demanda
[15]
Ainda assim, há diferenças. Uma letra de música mais ou menos instintiva tem
menos esforço, ainda que bela, em relação a outra que adota metrificação como
unidade da inspiração e da transpiração.
[16]
Diga-se de passagem: 1) comum que criar seja, ao mesmo tempo, descobrir
(caminhos) na produção artística; 2) novidade exige, em gera, mais esforço,
logo mais valor artístico.
[17]
Em certo artigo de conselhos aos novos ficcionistas, o escritor mercadológico Stephen
King afirmou que o leitor se fixa no tema do trabalho, mas o autor desconhece o
motivo disso. Temos uma resposta. Porque é viva na prática social, oprimindo
corpos e mentes, que são o mesmo, é comum em livros e séries haver algum debate
direto ou indireto sobre alienação, que inclui, por exemplo, existir com a
personagem central – um investigador, um químico, etc. – um trabalho com traços
artísticos, criativos, útil, desafiador, afirmador e desenvolvedor da
personalidade, etc. Há o lado do público nos EUA com a tradição puritana da
negação do sexo para afirmação do trabalho, para onde deve ser destinada a
energia corporal, como afirmou Gramsci sobre o fordismo e o controle dos
corpos, e também, íntimo a isso, a busca frenética por dólar; mas o sucesso
mundial dessas produções revela, como diz o diretor Bong Joon-Ho, que vivemos
em um grande país chamado capitalismo – com suas alienações influenciando o
conteúdo das produções artísticas, quase como uma revolta fantasiosa contra o
destino.
[18] A
escolha de uma série de humor é proposital. Entre nós, comum a concepção de que
a comédia é algo inferior, arte menor – de acordo com a escola aristotélica (a
arte pode ser classificada, simplesmente, em otimista ou pessimista, além do
entre ambos aonde um polo domina). Os eruditos oficiais têm, como um
sadomasoquista, a preferência pelo drama, pela tragédia; usam os melhores
adjetivos do dicionário para os filmes mais difíceis de digerir… Assim como na
história, assim como há ensaio geral (esboço, etc.), o em si, e o de fato, o
para si; a arte avança da tragédia para a farsa (comédia) como do romance de
cavalaria para o ápice e, ao mesmo tempo, degeneração em Dom quixote, como o
romance sertanejo com sua passagem para o Auto da Compadecida.
[19]
De qualquer modo, ao menos enquanto o conjunto da humanidade não for erudita,
temos arte de massas, arte de vanguarda ou propaganda (no sentido de público
especial e limitado, especializado etc.) e arte de círculo, mais limitado. A
diferença entre eles de modo algum é mecanicamente sobre qualidade.
[20]
As produtoras criam excelentes trailers que garantem público nos cinemas;
assim, elas podem entregar um filme apenas mediano, limitado principalmente na
qualidade do roteiro, com garantias fáceis de lucro. Nas séries, ao contrário,
torna-se necessário segurar o espectador.
[21]
Um caso análogo em outra área: passamos do valor, para o preço de produção,
para o valor de mercado, para o preço de mercado… Há mediações, portanto.
[22] Por
exemplo, de sua estética, conclui-se: deve-se narrar, não descrever
Complementamos que uma
análise profunda na arte funde o aspecto marxista, materialista histórico e
dialético, da percepção da obra com a tradição formalista, da produção em si em
seus aspectos internos.
[23]
Parte dos pensadores atuais afirmam que basta ao cientista reconhecer a
influência de sua posição social sobre sua prática teórica para que o problema
esteja resolvido. Jamais um economista oficial, burguês, chegaria às conclusões
profundas de Marx. Claro, nem tudo depende do ponto de vista e do olhar
crítico, pois outros fatores influenciam: a disciplina de pesquisa, o perfil
pessoal, o acesso a recursos, o grau de desenvolvimento técnico e histórico,
etc.
[24] Resumo,
primeiro contato: “Conforme Cunha (2002), Piaget considera que o processo de
construção do conhecimento inicia-se com o desequilíbrio entre o sujeito e o objeto.
Para ele, a origem do conhecimento por parte do sujeito envolve dois processos
complementares e por vezes, simultâneos. O primeiro é chamado de Assimilação e
o segundo a Acomodação.”
“Em Mussen (1977), a
assimilação é tomada como a capacidade de o sujeito incorporar um novo objeto
ou ideia a um esquema, ou seja, às estruturas já construídas ou já consolidadas
pela criança. Já a acomodação seria a tendência do organismo de ajustar-se a um
novo objeto e assim, alterar os esquemas de ação adquiridos, a fim de se
adequar ao novo objeto recém-assimilado.”
“Para Cunha (2002), após
algum tempo, a criança passará a dominar o novo objeto assimilado e acomodado,
chegando a um ponto de equilíbrio. Assim, “a criança que atinge esse patamar
não é a mesma, pois o seu conhecimento sobre o mundo agora é outro, maior e
mais desenvolvido”. (p. 77).”
[25] Um oferece
dialética ao materialismo do outro, não sendo resumíveis suas contribuições a
esse encontro.
Moreno vê apenas o lado
positivo de Piaget, de fato impressionante. Além do mais, ele perde a
oportunidade de desenvolver e consolidar o básico, como fizemos, dentro dos
limites do objetivo desta obra, a questão das etapas no indivíduo e na ciência.
[26]
Na arte, assim ocorre: 1) o novo surge do aprofundamento, radicalização como do
romantismo ao simbolismo; 2) vem da oposição: como do romantismo para o realismo;
3) vem da fusão. Eles permitem transição na passagem de um por outro, como o
romantismo de terceira fase, crítico social e erótico, antes do realismo. Mas a
origem de fundo das escolas, ainda que indireta, são as mudanças na sociedade.
[27]
Vale notar que os arquétipos existem não por razões – em si, em primeiro ou em
principal – biológicas, genéticas, naturais ou inconscientes, como pensa o
limitado Jung, mas porque a realidade exige tais tipos humanos na história e,
fundamentalmente, por isso, gira a educação da personalidade, desde cedo, para
este ou aquele caminho (como com a especialização, às vezes unilateral, que
costuma passar dos pais para os filhos – o arquétipo do sábio por devir de uma
educação centrada no trabalho intelectual, desde os pais professores
universitários, e assim por diante). Jung ofereceu a classificação, mas não a
razão correta dos tipos humanos. O TDA deixará de ser o rebelde total quando o
mundo deixar de produzir e necessitar de rebeldes totais. O arquétipo da
meretriz existe nas mulheres porque há dura repressão sexual sobre elas,
exagerando uma pulsão interna. Isso não nega certo substancialismo, junto e ao
lado do relacionalismo, quanto ao tema; pois parece ser, por exemplo, natural,
genético, que em torno de 4% da população mundial seja TDAH, com perfil geral
que tende a ser o poeta ou o astrônomo da comunidade indiana antiga etc.
[28]
“Direta ou in” – vemos que a arte e a ciência podem atualizar relativamente a
gramática, ou produzir algo colateral, nesse caso por redução, sem cair no
sofismo obscurantistas dos mal chamados “continentais”, em especial dos
irracionalistas.
[29]
Para evitar qualquer acusação de determinismo genético, aprofundamos que a
genética tem efeito parcial e mediado na personalidade. A coisa se dá, por exemplo,
assim: o conteúdo relativo da genética pode ser desenvolvido e expresso das
mais diferentes formas, que derivam da adaptação e mediação social.
[30]
Pessoas mais altas e belas tendem a ter mais destaque em cargos.
[31] Num
filme típico de romance, observei a cena final de um quase casamento da
protagonista com o próprio primo, que discursou, causando anticlímax, o fato de
se conhecerem desde sempre, cresceram juntos, etc. até que o amor real,
recém-conhecido, aparece e salva a noiva do desastre.
[32]
Tomo tal conclusão de uma palestra do historiador Leandro Karnal, que, por sua
vez, cita de Michel Foucault. Este registro visa evitar plágio.
[33]
Ao que parece, análogo à teoria do fetiche de Marx, quando algo social aparece
como natural, fenômenos aparentemente de todo naturais são, na verdade,
relacionais. Vejamos um exemplo. Nossos ancestrais primatas viviam em ambiente
abertos de savanas, o que facilitava ver os predadores (especialmente quando em
posição ereta); hoje, quando obtemos um terreno, capinamos seu entorno,
diminuímos o mato em volta da casa, semelhante ao como nas antigas savanas –
isso parece uma forte repetição, um padrão, indicando algo natural, quem sabe
genético, na nossa forma de lidar com o entorno, o espaço. No entanto, há algo
aí, na verdade, relacional, do perfil humano com o perfil do ambiente, da
interação de ambos, da forma de reação, semelhante ao com nossos ancestrais
evolutivos. Tanto nós como nossos ancestrais preferem ambientes com água
próxima, como nossos riachos e piscinas sempre que possível nas chácaras e
sítios, por uma questão prática, relacional, corporal e ambiental. Evitando
negar que existam efeitos genéticos sobre a psique e sobre o comportamento,
vejamos um exemplo outro. Tanto entre os homens primitivos, que viviam em
bandos nômades, como entre os homens atuais temos um limite de, mais ou menos,
50 pessoas próximas realmente de nós. Isso pode parecer genético, já que se
repete antes e agora, uma herança de tais tribos, mas é um limite numérico
prático, da capacidade real de ligação com outros, relacional.
A ciência comum caiu na
armadilha do fetiche. O que é relacional aparece como individual ou coisal. O
que é fruto de condições, aparece como independente. Respeita-se por demais a
empiria, que muitas vezes esconde e engana.
Marx diz que há certa metafísica real no fetiche da mercadoria, ou seja,
o valor parecer uma propriedade natural e da coisa quando é, na verdade,
social. Seu amigo Engels tomou nota pessoal de que a metafísica foca nas
coisas; a Dialética, nos processos. Ora, melhor se ambos! Mas o processo é o
dominante. Temos a ciência fetichista. O materialismo, percebeu Lukács, é muito
mais do que apenas coisas ou objetos – inclui processos, condições etc.
O erro oposto é pensar que
tudo é diretamente relacional, nada é em si. Na economia, pensa-se que o valor
surge na circulação de mercadorias, na relação entre elas, não na produção.
Pensa-se que o dinheiro deriva de uma escolha racional, logo relacional, não
uma imposição material. O marxismo vulgar pensa que tudo é construção social,
como se não houvesse biologia e genética também entre os homens.
[34] Descobrimos
a unidade, interpenetração e contradição dos opostos no córtex subcortical,
responsável tanto pelo sexo quanto pela agressão. O exemplo destacado, a
natureza dupla de tal parte do cérebro, resolve uma polêmica (há vários
aspectos semelhantes no cérebro, como adrenalina servir ou para o confronto ou,
o oposto, para a fuga). No debate sobre as opressões, o setor pós-moderno destaca
que o estupro é uma questão de poder e domínio masculinos (com empiria de casos
absurdos, como quando um homem impotente usa um pedaço de madeira para violar
uma mulher etc.) e, na outra ponta argumentativa, o biologismo destaca a
necessidade de satisfazer as pulsões (com outros dados empíricos, como a
redução de estupros onde surgem casas de prostituição); nesta outra
consideração da psique humana, que ademais inclui o aspecto físico do cérebro,
percebemos que a exclusão mútua de ambas as teses tem uma base comum, uma
unidade, que encerra as concepções opostas. É tanto uma questão de poder, cuja
base é a violência, quanto uma questão sexual e ambos, pela tensão causada pela
demora em satisfazer-se, misturam-se, interpenetram-se. A partir daí, façamos alguns
complementos. Lacan afirma que o sexo tem algo de violência, o que é explicado
materialmente por esta observação. O lema “faça amor, não faça guerra” expressa
inconscientemente esta relação dialética (Em A Interpretação dos Sonhos, Freud
diz da expressão “nem nos meus piores sonhos eu desejaria isso”, sendo o sonho
a realização fantasiosa de um desejo, que demonstra certo “platonismo”, não
saber que sabe, no conhecimento da psique). O tipo Incel, celibatário
involuntário, ao concentrar energia libidinal em excesso, tem raiva do sexo
oposto, origem de seu desejo sexual. Vale o destaque de que os chimpanzés e os
bonobos são os seres mais próximos geneticamente dos humanos; os primeiros usam
a violência como meio de poder, sendo patriarcais, e os segundos, o sexo, sendo
matriarcais (a origem é que o ancestral comum a ambos dividiu-se em um local
onde havia pouca disputa de recursos e abundância enquanto no outro local,
separado do primeiro por um rio, faltavam recursos e havia disputa com os
gorilas por alimentos). Regina Navarro afirma que usamos o mundo sexual nos
xingamentos, nessa violência verbal; para ela, isso é preconceito; para nós,
isso deriva, também, da unidade cerebral.
[35]
Isso nos dá uma deixa teórica. A obra de Engels Origem da família, da propriedade privada e do Estado deve ser
reescrita, atualizada; mas a base e as conclusões continuam válidas,
confirmadas pelo avanço científico. Por exemplo, teoriza-se que, com a
urbanização, com a vida sedentária, iniciou-se a monogamia para evitar doenças
sexuais, antes incomuns. Ora, as diferentes causas amadurecem mais ou menos
juntas porque possuem uma causa comum, uma estrutura e um processo. Porque
desenvolvemos a agricultura e a pecuária, além da formação das classes,
precisou-se da subordinação das mulheres e da família monogâmica por questões
de adoecimento sexual, para controlar a origem dos filhos, para manter a
propriedade privada etc. As novas descobertas aprofundam as conclusões de
Engels. O erro seria, portanto, a concepção unicausal ou deixar de avançar para
a causa comum das diferentes causas.
Há ainda a contribuição de
Freud. Outras causas da homossexualidade são: 1) nascemos todos bissexuais,
logo somos isso em alguma, e móvel, medida; 2) o narcisismo de tipo exacerbado
por ter como consequência a homossexualidade, como o amor por um igual a si; 3)
o complexo de édipo*, que não é uma doença, pode se "mal“ elaborado, como
com excesso de repressão do desejo pela mãe ou pai.
* Deve-se considerar o
inverso, no adulto, do complexo de Édipo, o complexo de Cronos, como nomeio. A
experiência edipiana está guardada dentro do individuo adulto, não ficou apenas
na infância, e a revive em nova posição quando lidera uma família. O pai oprime
o filho ao disputar o amor da esposa-mãe; a mãe oprime a filha ao disputar o
amor do esposo-pai. Isso se dá de modo inconsciente e com certo grau de
consciência. Mas costuma-se focar apenas na “birra” dos jovens em suas
oposições contra os familiares. Quando a criança ganha forma corporal mais
autônoma, começa a intensificação da disputa. Temos o pai que sempre diminui o
filho, mas diz que é para seu próprio bem; temos a mãe que, perdendo a beleza
com a idade, inveja a saúde corpórea da filha, então a oprime. O pai desenvolve
carinho especial pela filha; a mãe, pelo filho; há casos extremos como o lado
doentio de um pai que controla por demais a vida amorosa da filha, como com
casos de assassinatos, ou pedofilia. Os casos empíricos são muitos e de
diversos tipos. Os contos de fadas também tratam desse tipo de exagero no
Complexo de Cronos (destaca-se, por ex., a versão nova de Rapunzel, no filme
Enrolados, e Caroline e mundo secreto). Na mitologia, Kronos era um Deus que
cortou os testículos de seu pai, Urano, mas, no poder, temeu ser destronado por
seus próprios filhos deuses, então os comia – até que sua esposa, a mãe deles,
salvou um dos novos deuses. O tempo, o envelhecimento, pesa muito na ativação
deste complexo.
[36]
Como o adjetivo “plástico” realizou, no grande desenvolvimento das coisas, sua
substantivação por meio do material chamado “plástico”, com variadas
possibilidades de uso, derivado do petróleo.
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