Freud operou uma revolução ainda insuperada na ciência da psicologia. Por inevitável, cada ciência particular alcança um momento em que é possível profundas reformas, mas não mais rupturas de pensamento, revoluções. Sequer a neurociência, que ainda engatinha, foi capaz de tirar o lugar da psicanálise.
O núcleo inicial da teoria
freudiana foi sua intepretação dos sonhos. Em resumo, os sonhos são realização
fantasiosa de desejos, claros ou ocultos, para manter o corpo em repouso. Freud
sempre deixou claro, contra a crítica vulgar, que o conteúdo dos sonhos não são
sempre e necessariamente sexuais; se dormimos com sede, sonhamos algo
relacionado a isso, como, por exemplo, estar dentro de um rio.
Feito o resumo de uma teorização
que parece irrefutável pelo avanço científico, portanto correta, vamos ao
método. Em geral, Freud usa o método indutivo (empirista), ou seja, opera
generalizações por repetição de padrões. Na associação livre, porém, usa o
método empírico-dedutivo, quando as falas do analizante, desconexas na aparência,
demonstram ter um nexo interno; mas não é o nosso foco aqui. A relação
freudiana com o empirismo revela-se na seguinte citação:
Nosso primeiro passo no emprego desse
método nos ensina que o que devemos tomar como objeto de nossa atenção não é o
sonho como um todo, mas partes separadas de seu conteúdo. Quando digo ao
paciente ainda novato: “Que é que lhe ocorre em relação a esse sonho?”, seu
horizonte mental costuma-se transformar-se num vazio. No entanto, se colocar
diante dele o sonho fracionado, ele me dá uma série de associações para cada
fração, que poderiam ser descritas como os “pensamentos de fundo” dessa parte
específica do sonho. Assim, o método de interpretação dos sonhos que pratico já
difere, nesse primeiro aspectos importante, do popular, histórico e legendário
método de interpretação por meio do simbolismo, aproximando-se do segundo
método, ou método de “decifração”. Como este, ele emprega a interpretação em détail e não em masse; como este, considera, desde o início, que os sonhos têm
um caráter múltiplo, sendo conglomerados de formações psíquicas.
Nenhum método científico é, em si
mesmo, errado – nem é o critério da verdade. Com métodos inferiores pode-se
chegar à verdade ou parte dela. Mas o método superior, a dialética, faz uma
crítica ao empirismo como crítica da citação acima:
Ora, a percepção
é, mais, precisamente a forma em que se deveria conceber; e esse é o defeito do
empirismo. A percepção, como tal, é sempre algo singular e transitório; contudo
o conhecer não permanece aí, mas busca, no universal percebido, o universal e
permanente; essa é a progressão da simples percepção para a experiência. Para
fazer experiências, o empirismo se serve principalmente da forma da análise. Na
percepção, tem-se algo variadamente concreto, cujas determinações devem ser
separadas umas das outras; como uma
cebola cujas cascas se tiram. Essa decomposição tem assim o sentido de que se
desprendem e decompõem as determinações que “cresceram-juntamente” [con-cretas];
e de que nada se acrescenta a não ser a atividade subjetiva do decompor. A
análise contudo é a progressão da imediatez da percepção até o pensamento,
enquanto as determinações que, em si, o objeto analisado contém reunidas
recebem por serem separadas a forma da universalidade. O empirismo ao analisar os objetos encontra-se em erro, se acredita que
os deixa como são; pois de fato ele transforma o concreto em um abstrato. Por
isso ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que é vivo, porque vivo é só o
concreto, o uno. No entanto, deve haver essa separação para conceber; e o
espírito mesmo é em si a separação. Mas isso é apenas um dos lados, e a coisa mais importante consiste na
reunião do [que foi] separado. Enquanto a análise fica no ponto de vista da
separação, vale a seu respeito aquela palavra do poeta: “Isso a química chama
‘Encgeiresin naturae’ que zomba dela mesma e que não sabe como; em suas mãos
possui as partes. Mas, que pena! Está faltando só o vínculo do espírito.” A
análise parte do concreto, e esse material tem muita vantagem sobre o
pensamento abstrato da velha metafísica.
Caiu o freudismo no erro do
empirismo? Em parte… Ao fazer interpretação, foi além do mero empírico colhido,
foi do sensível ao suprassensível. Mas ficou no meio do caminho. Minha tese é a
de que os sonhos podem, sim, ser analisados desde sua totalidade. Em minhas análises
de sonhos, todos os fatos sonhados eram incompreensíveis e aparentemente desconexos
– até que, com esforço, o sentido do TODO aparecia para minha razão. Assim, as
partes tinham um conteúdo geral e um sentido comum. Certa vez, sonhei estar num
sítio com jacarés, logo depois, ato contínuo, dirigindo em marcha ré por uma
estrada com minha mãe e minha namorada. Acontece que, tempos antes, havia
viajado com elas e meu pai, este dirigindo para o sítio de uma familiar… O
sonho aconteceu do final para o fim, de trás para frente, além de revelar o
conflito edipiano com o pai dominante. Pois bem; o sonho só faz sentido como
uma totalidade, não por análise isolada das partes apenas e principalmente. Além
disso, somente pode ser entendido como narrativa, como história – não como
conteúdo fixo e estático. Eis a estrutura e o processo, a verdade é o todo.
Bibliografia
Freud, S.
(2001). A interpretação dos sonhos. Rio de Janeiro: Imago.
Hegel, F. G. (1995). Enciclopédia das ciências
filosóficas em compêndio. São Paulo: Loyola.
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