quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Sistemas complexos, causa-efeito e dialética - uma solução

 

Ao entrar em contato com acadêmicos – físicos, economistas – que consideram o estudo dos sistemas complexos como central e de ponta no pensamento científico, uma afirmação comum entre eles era reforçada para explicar e expor tal campo: grandes causas podem gerar pequenas consequências assim como pequenas causas podem gerar grandes consequências.

 

Não sei o caso do leitor; já no meu caso, lidar com a afirmação anterior sobre a relação causa-consequência afetou minha consciência. Primeiro, positivamente com o aprendizado; segundo, ao mesmo tempo, vi-me inconformado. Como diria Hegel sobre certas observações suas, meu espírito ficou suspenso, incomodado com o que foi dito acima. Parece efetivamente correto, mas ainda tenso, incompleto.

 

Pus-me a refletir porque isso ocorre, ou seja, procurei uma solução para a formulação dada. Por qual razão pequenas causas geram grandes consequências, por exemplo?

 

Após certa produção subconsciente, que afeta a intuição no trabalho filosófico e científico, consegui perceber que havia necessidade de outra categoria “intermediária”, o conceito condição. Resposta: grandes causas podem gerar pequenas consequências por causa das condições ou, em singular geral, da condição.

 

O conceito ou a categoria de condição há em Hegel (Ciência da Lógica - Doutrina da Essência), porém não é nele tratado em tal relação com a causalidade.

 

Quando a categoria veio à consciência, cessou de soar incompleta ou forçada a relação causal como demonstrada pelos apoiadores da complexidade. Causa e efeito encontram na condição o sentido da desproporcionalidade. A lógica retornou ao mundo.

 

Até que ponto a formulação deste pequeno texto é original? Não esgotei a literatura sobre o tema para dizer, com certeza, se há ineditismo ou plágio. Ficarei feliz se alguém da área responder a dúvida (e aqui entra uma das importâncias do trabalho coletivo).

 

Deve-se pensar profundamente ainda antes de contar com todo o aparato conceitual idealmente necessário, ainda que ocorra o risco relativo de reinventar a roda.



Fonte da imagem: https://www.eco.unicamp.br/noticias/complexidade-brasileira-abordagem-multidisciplinar

domingo, 12 de julho de 2020

Uma solução para a "fenda dupla" e a Teoria de Tudo


NOVA PROPOSTA DE SOLUÇÃO PARA A “FENDA DUPLA”

Antes de mais, este texto pode ser um enorme meio de “passar vergonha”, pois o autor é não especialista na área, um amador. Mas peço que o leitor tenha paciência já que boas ideias podem vir, como diria Sagan, de origens realmente inesperadas. O benefício da dúvida ajuda e, logo, toda crítica será bem aceita.

Neste curto material, para fins de exposição, irei diretamente oferecer a resposta para, aí então, supor áreas da física aonde seja útil. Tentando resolver o problema filosófico da divisibilidade ou não ao infinito da matéria, cheguei à conclusão de que os átomos reais – partículas aparentemente indivisíveis como o neutrino – são ESPAÇO CONCENTRADO, CONDENSADO. O Espaço foi considerado entidade real desde Einstein, mais do que conceito abstrato, faltou-lhe apenas um laço maior com as diferentes entidades. Isso quer dizer, na hipótese que aqui apresentamos, que a matéria não apenas curva, deforma, o tecido espaço-tempo mas também é o próprio espaço tempo autocurvado, para dentro de si. Isso significa que elétrons, neutrinos, quarks, etc. são formas, níveis, de espaço concentrado. Assim, tudo está interligado pelo seu meio.

O que essa nova concepção – que pode estar completamente equivocada, lembramos – pode trazer de prático? Ao que me parece, tal forma de observar o mundo apresenta soluções para muitos problemas atuais da física. Aqui entra o experimento da dupla fenda.  Lançar um fóton por uma fenda dupla produz um fato curioso: por mais que passe apenas um a cada 1 hora e meia, ainda assim, os locais que registram a chegada final do objeto comportam-se como se fossem ondas. No lugar de dois locais, porque duas fendas, os fótons atingem vários pontos, formando um padrão singular. É como se cada fóton lançado “soubesse” que a outra fenda estava aberta, alterando seu comportamento. Se uma fenda é fechada, então apenas um ponto – uma faixa – é atingido pelos fótons. Como explicar?



Ora, se um fóton ou um elétron é parte do espaço, ou seja, o espaço concentrado, então o próprio espaço conformado em dupla fenda afeta o objeto em movimento. A dualidade onda-partícula fica assim resolvida. O fóton sai de sua origem não apenas como partícula individual e totalmente independente mas ao mesmo tempo como ligado ao ambiente por meio do espaço. A interferência no comportamento observado – e somente até agora descrito, não explicado – se dá porque a segunda fenda aberta afeta a composição do espaço, o que afeta a partícula.

O cosmos pode ser pensado como formado por entidades individuais e suas interelações preenchendo todo o “espaço”. Ou, na nossa visão, pode ir mais longe, considerando o espaço uma entidade que forma as entidades individuais e suas interrelações recíprocas. Se a realidade vai, do ponto de vista lógico, ainda que não na história do universo, do simples ao complexo, o mais simples, e o mais pobre em determinações, é o conceito de espaço. Assim, a teoria quântica de campos, onde cada partícula deve corresponder a um campo, é superada pela visão de grau de "espaço concentrado".

Esta concepção, de tecido do espaço-tempo concentrado formando as partículas, pode propor inúmeras soluções. Vamos aos que o “físico amador” desde texto foi capaz de intuir.

1)      Como se sabe, a teoria da gravitação de Newton foi longe, mas apresentou dificuldades em certo nível como a impossibilidade de explicar a órbita de Mercúrio – apenas Einstein resolveu com uma nova teoria – hoje, de maneira análoga, não se sabe por qual motivo a gravidade de exoplanetas tão diferentes da Terra possuam, apesar disso, gravidade parecida com a do nosso planeta… Pensamos que esta concepção apresentada pode resolver.

2)      As quatro forças fundamentais do universo são unificadas, menos a gravidade… Solução intuída: a força forte pode ser um aspecto do “espaço concentrado”, assim como as demais forças.

3)      O modelo padrão apresenta as partículas elementares – em tese, se são todas espaço concentrado, podem transformar-se umas nas outras assim como os átomos passam de um, o mais simples, para a formação de outros.

4)      A matéria escura (com mais densidade) pode ser a mesma entidade, mesmo fluido, da energia escura (com menos densidade) – logo, as galáxias, sendo o tecido concentrado, “puxam” o tecido intergaláctico.

5)      Tal concepção pode resolver o problema da quebra dos cálculos de Einstein em relação aos buracos negros.

6)      Enfim, se não for a loucura narcisista do autor ou uma boa ideia inútil, a teoria unificada da física, a teoria de Tudo, pode consolidar-se de tal concepção.

Tive de alertar o leitor do completo amadorismo do autor. No entanto, a humildade que visa compaixão em caso de erro é pelo menos uma obrigação científica. A ideia acima fixou em minha mente e, somado a isso, a possiblidade de morrer por Coronavírus permitiu aceitar o risco de desmoralização. A concepção filosófica de que tudo é espaço concentrado, condensado, tem validade para a ciência? Apenas os especialistas – e os especializados devem ter máximo respeito – podem responder. Que algum físico afirme ou refute este breve artigo seria uma honra independente do resultado.

João Paulo Pereira dos Santos Neto. Teresina-PI.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Para derrotar o fascismo, redução da jornada de trabalho já!

PARA DERROTAR O FASCISMO, REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO!

O desespero social leva boa parte dos trabalhadores desempregados ou empurrados para a função de autônomos a buscar uma solução também desesperada. É impossível uma tensão social forte como a falta de emprego manter-se por muito tempo sem grandes mudanças.

A redução da jornada de trabalho, mantendo-se os salários, na proporção que empregue toda a força de trabalho disponível é a “política econômica” marxista contra a crise. Todo o trabalho disponível deve ser repartido para todos os trabalhadores disponíveis. Temos, assim, uma proposta de pleno emprego. É fato que sofremos os efeitos de uma crise que vem de 2015 e já estamos diante de uma nova crise econômica mundial que o coronavírus apenas acentuou e disfarçou (como se o problema econômico tivesse surgido apenas da doença). Por isso a realidade exige uma palavra de ordem por uma reforma mais radical como a que propomos neste parágrafo.


A democracia burguesa é imprestável e merece desmoralizar-se, mas é melhor que um regime ditatorial. Se a vigente forma democrática não melhorar a vida da maioria, uma ruptura certamente virá, positiva ou negativa. Para afastar os assalariados e setores populares do projeto fascista, é necessário que o problema mais sentido, o desemprego, seja resolvido. É preciso que a esquerda radical tenha uma proposta que atraia amplos setores.

Por fim, precisamos fazer um debate honesto, fora do sectarismo, sobre o motivo de a esquerda comunista ainda ter evitado levantar tal proposta, a de redução proporcional da jornada de trabalho. Tais partidos têm muita presença, tanto mais nas direções, de funcionários públicos com estabilidade, dirigentes sindicais ou profissionais liberais. Podemos nos orgulhar da presença dos comunistas no movimento operário nos últimos 30 anos, mas, se queremos ser verdadeiros partidos socialistas, temos de ter a sensibilidade de entender qual a proposta mais imediata para a situação social e econômica de crise. O desemprego crônico deve ser combatido.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Se os militares tomarem o poder

SE OS MILITARES TOMAREM O PODER


Há um cheiro de golpe no ar... Mas o que a esquerda comunista até agora não percebeu é, se há ameaça fascista, é porque há de modo latente a ameaça comunista. Sofremos ainda os efeitos da dura crise de 2015 e caímos direto em uma outra crise mundial. A situação de marasmo das lutas pode mudar rapidamente. Daí porque, diante do desemprego crônico, a pauta econômica central deve ser reduzir a jornada de trabalho na proporção que produza pleno emprego, ou seja, repartir todo o trabalho disponível entre toda a força de trabalho à disposição.

O momento do confronto físico contra bandos fascistas parece que ainda não chegou, mas gesta-se em grupos clandestinos e milicianos. Como toda guerra, algo do tipo será decidido antes no terreno da política, por isso é necessário um programa (de transição) comunista contra os efeitos da crise econômica. Se nada de efetivo e tão radical quanto exige a conjuntura, nem mais nem menos, for proposto pelos socialistas então boa parte dos assalariados, os sem emprego e os "autônomos" por falta de alternativa, serão jogados nos braços dos fascistas.

A democracia burguesa desmorona e merece desmoralização. O parlamento pode ser fechado com a abertura correspondente de uma assembleia dos trabalhadores ou com a força dos militares e grupos neonazistas (incluso aí milícias) fechando o regime e salvando o Estado. Uma luta contra o golpe, quando este ocorrer, levará naturalmente a sociedade à profunda divisão e à possibilidade de uma saída comunista para o conflito. Neste sentido, de preparar a democracia socialista, é que os de bandeira vermelha devem ver a defesa momentânea desta forma democrática degenerada.

Se a esquerda precisar fazer uma frente única, não ampla, para autodefesa, formando seus agrupamentos de combate, estes deverão ser de caráter defensivo, não ofensivo, por algum tempo até ganhar a devida experiência, formação e disciplina.

Uma das faltas do cenário é que a esquerda de conjunto não caracterizou as milícias, que se espalham informalmente por todo o país, como organizações fascistas. Depois da derrota histórica de Hitler, a necessidade do capital de batalhões não formais de combate teve de adquirir novas formas e contornos, mas o conteúdo é o mesmo. Deve ficar claro ao mundo e aos dirigentes comunistas: milícia é fascismo.

Enfim, perguntemo-nos sobre o título deste texto: e se os militares tomarem o poder? Se, então o programa neoliberal será implementado sem as "dificuldades democráticas". Será uma derrota histórica, mas, para manter o novo governo em pé, o próprio regime precisa ganhar uma base social maior para se sustentar diante dos ataques aos direitos sociais. O regime de Estado degenerará em um apoio entre milícias legalizadas e o novo poder sustentado entre líderes religiosos neopentecostais. Veremos, se o golpe vencer, processos semelhantes à degeneração do Oriente Médio.

Se formos derrotados, recuaremos pelo menos algo mais que por uma década a organização política dos comunistas. Sairemos quase de todo destruídos. Mas há uma única esperança na derrota profunda e evitável. O Estado burguês, porque degenerará, retirará todas as mediações sociais da democracia burguesa. Logo apenas será possível reformas por meio da revolução. Quando o novo regime ditatorial e teocrático cair, ainda que demore, deverá cair junto o capitalismo.

As próximas três ou quatro décadas serão as mais decisivas da história da humanidade. Há uma crise final em todos os sentidos: taxa de lucro, meio ambiente, o Estado, etc. Desde 2008, são tempos de crises duras e longas com crescimentos fracos ou curtos e não há ditadura que resolva isso por dentro do capital. Se vencermos, se nos próximos anos -- e pode estar mais perto do que pensamos a possibilidade -- consolidarmos um Estado socialista no Brasil, então o sofrimento mundial poderá ser reduzido por novas revoluções e novas esperanças. Para isso, os líderes partidários devem, além da prática, voltar ao B-A-BÁ do marxismo e reavivar o programa de transição.

O odor do golpe pode ser substituído pelo perfume da revolução social, da guerra civil.


segunda-feira, 25 de maio de 2020

MMT: uma concepção pequeno burguesa e antimarxista


MMT: UMA CONCEPÇÃO PEQUENO BURGUESA E ANTIMARXISTA

No desenvolvimento do capitalismo no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser considerada pela teoria das classes, o setor médio do assalariado servidor público, uma parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês.  Com a ampliação numérica do número de membros deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma esquerdização destes, expresso, por exemplo, na adoção do método proletário de luta, a greve.

É natural que surjam teorias que representem este setor. Assim, defendem o fortalecimento do estado burguês, os serviços públicos, contra as privatizações e a adoção da política econômica keynesiana.  Recentemente, a assim autoproclamada Teoria Monetária Moderna (TMM) busca destacar-se em meio ao reformismo político de esquerda.  Dada a moda teórica recente de tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao núcleo de sua natureza.

A pergunta universal do nosso artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições inerentes ou podemos encontrar algum nível de estabilidade interna por dentro do sistema vigente. Ou seja: se o reformismo, o centrismo (que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.

O ESTADO
A MMT tem por premissa um estado abstrato, não de classe; o aparato estatal é, nesta visão, apenas um ente racional, e bastam as boas propostas para tudo dar certo… O caráter de classe da principal superestrutura burguesa é tema que passa longe dos teóricos da corrente aqui por nós criticada. Adota-se a concepção de parte da classe média, a dos servidores públicos em especial: o Estado é mais ou menos em si neutro e disputável, pode ser ganho para esta ou aquela concepção. A luta de classes pode, em tal visão de mundo, ser até útil para pressionar e gerar algum equilíbrio de forças opostas (veremos como isso é inviável).

A MMT ignora que a principal instituição estatal são as forças armadas e que, para garantir as regras do capital, a força objetiva das armas, além de toda burocracia interna, pode ser usada para garantir que tudo ocorra tal como espera a classe dominante. Um governo “progressivo” é incapaz de mudar qualitativamente a natureza do estado; isso prova os tantos golpes que governanças de esquerda sofreram, mesmo quando fizeram tão pouco. A lógica da realidade atual impõe-se nem que seja na bala...

O centro de uma produção teórica é descobrir porque as coisas são como são e não de outra forma, porque algo se faz necessário. Distanciamo-nos do “como deveria ser” para entender como de fato é e o motivo. A mera consideração da natureza do estado, independente do tipo de governo, já põe abaixo a defesa de políticas baseadas na MMT. A realidade tem mecanismos internos para impor suas leis.

O PLENO EMPREGO
Este é o ponto mais decisivo da compreensão e o mais importante deste texto. Vejamos como o equilíbrio entre as classes é inviável, tornando o uso prático da “moderna” teoria monetária um desejo utópico de um capitalismo mais humano.

Para a MMT o máximo do dinheiro criado do nada sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção (cuja medida central é empregar toda a força de trabalho nacional). Aqui o reformismo fica mais evidente ao deixar de compreender que o capital não suporta por muito tempo uma situação de emprego pleno. Vejamos os motivos.

1. O pleno emprego, como força de lei objetiva – já que o medo de desemprego praticamente desaparece –, leva necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial torna-se salário e custo com direitos. Os trabalhadores tomam a ofensiva até mesmo na política. Isto é um problema ao capital e não pode ser suportado indefinidamente. Vimos isso ocorrer até 2015 no Brasil, antes do aumento vertiginoso da taxa de desemprego como política econômica burguesa.

Como é o fator mais importante, observemos os dados de 2013. A quantidade greves explodiu:

Fonte: Dieese.

O número de horas paradas também:

Fonte: Dieese

Como causa, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:

Fonte: IBGE

2. O pleno emprego tem como base o aumento do número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O Que isso significa? Que, com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão já está perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com o baixo desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para algumas empresas e ao capital em conjunto.

3. No aquecimento da economia, as empresas crescem e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o consumo aumentado e os investimentos a todo vapor, leva a uma demanda maior de dinheiro, o que por sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês "produtivo" é sugado, dessa vez pelos bancos.

4. Com o aquecimento da economia, as empresas de monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de valor em outras empresas, com preços artificialmente altos.

5. Dinheiro criado do nada, acima da arrecadação, aumenta o consumo de importados, a compra de dólar para adquirir insumos e máquinas do estrangeiro. O dólar sobe e se transforma em fator de inflação contra os salários (e estimula as greves), além de aumentar os custos produtivos (matéria-prima importada, por ex.), arrancando também parte do lucro empresarial, pois na concorrência o custo nem sempre pode ser repassado ao consumidor.  Assim, um aumento agressivo de poder de compra das famílias e empresas pressiona o preço da moeda.

Enfim, o pleno emprego é crise ou, pelo menos para a lógica comum, o primeiro sinal da crise por meio de seu oposto (de novo a dialética, essa farsante). O Governo será pressionado a adotar a política econômica correspondente como foi o caso do governo Dilma II (um golpe de Estado apoiado pela maior parte da burguesia impôs a política econômica que o governo tinha dificuldade de assumir, pois havia perdido base social com as medida de Levy na economia). A crise é uma necessidade do capital.

Se queremos o pleno emprego, temos de aprender a política econômica marxista, o programa de transição. No lugar da utopia de fazer o estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e gasto público, façamos o seguinte, o que mobiliza as massas quando o desespero chega: escala móvel de trabalho; redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego zero; dividir todo o trabalho disposto entre toda a força de trabalho disposta.  É mais fácil o capitalismo cair do que tal proposta ser aceita, e sua força é exatamente esta: empurra para o fim do sistema. É uma política superior à noção de Keynes, muito. Há uma taxa social, não natural, de desemprego exigido pela própria lógica do sistema capitalista, portanto quebrar uma de suas leis leva à revolução social.

DE ONDE VEM O DINHEIRO?
A afirmação da MMT é que o governo literalmente cria o dinheiro para seus gastos, de um lado, e apenas destrói dinheiro quando o arrecada, evitando excesso de moeda. A MMT, assim, separa artificialmente o dinheiro gasto pelo governo do dinheiro arrecadado, como se um simplesmente surgisse do nada e o outro, a arrecadação, do nada desaparecesse.

Na verdade, o dinheiro gasto lastreia-se na própria arrecadação. É o contrário. O dinheiro destruído, dados eletrônicos dos impostos, está idealmente na contabilidade oficial e é “revivido”, tem sua forma física (mesmo que em bits) restaurada na outra ponta, no gasto. Em termos dialéticos, a MMT confunde forma com matéria.

Aprofundemos. Pode haver diferença entre gasto e arrecadação estatais, o governo gastando mais do que arrecada ao criar dinheiro? Sim, mas permanece o lastro. É evidente que o Estado pode forçar a criação de dinheiro em enorme quantidade. Mas tal emissão tem caráter quantitativo, não qualitativo – há limites, há efeitos, há luta de classes (a esquecida pela MMT).

Quando a MMT fala de criação de dinheiro "extra" pelos estados como prova de sua teoria, há um erro completo. O marxismo não nega tal medida como mecanismo do Estado burguês. Nega, isto sim, que o Estado consiga agir como banco sui generis, como contra os interesses da maioria da classe dominante. Este dinheiro acrescido sempre será dinheiro “acrescido”, isto é, relativo às fontes de arrecadação.

Ainda a pergunta permanece: de onde vem o dinheiro? É comum entre os da MMT usarem um modelo como teoria e daí deduzir uma história monetária, ainda que sem base empírica e histórica. Assim, se o estado hoje cria nosso Deus real, deduz-se que o estado antigo também o criou. Nada mais falso, sem base empírica. Marx demonstra em O Capital que as trocas mercantis começam com as trocas entre diferentes povos, iniciando uma relação impessoal. E mais.  O mouro expõe de modo lógico o desenvolvimento histórico da forma do equivalente geral: a forma de valor simples ou ocasional, troca mercadoria por mercadoria; depois, a forma de valor desdobrada, as mercadorias trocam-se por tantas outras; depois, a forma universal, uma mercadoria especial cumpre a função de troca; o equivalem geral origina, enfim, a forma dinheiro. Assim, este ser cobiçado tem origem na própria economia, não no estado, que tem sua importância de regulação.

O QUE DEFINE A TAXA DE JUROS?
O Banco Central não determina a taxa de juros – como defende a MMT – no mais importante, em médio e longo prazos. Aqui entra o "jogo de palavras" da senhora desconhecida chamada dialética. Uma decisão singular do COPOM é de fato e em si subjetiva, decidida por uma equipe. Mas sempre – e isto é provado em médio prazo – responde a tendências objetivas, que imperam. Por isso muitos países, como o Japão, são obrigados a adotar taxa de juros em torno de zero; pois a taxa de lucro tende a cair, o que também se revela fenomenicamente na baixa inflação e na deflação dos preços. Então de nada servem governos "progressivos" que adotem sempre uma taxa esperada pelos keynesianos já que a realidade, a objetividade, é quem mais ordena.

Marx descobre que a taxa de juros responde à taxa de Lucro, que a produção é a fonte da lucratividade, isto é, os bancos recebem parte do mais valor produzido. Só desta forma torna-se compreensível porque tantos governos pelo mundo adotam taxa de juros reais negativos.

A MMT também aqui sugere que um governo bom agiria sobre a taxa de juros com total autonomia, vontade e força. É o erro idealista, que deixa de reconhecer as forças objetivas, materiais, inclusive políticas (boicotes, golpes, etc.).

Vejamos um caso pessoal. Nestes últimos anos, quando os juros subiram no Brasil, todos os keynesianso afirmavam que os juros deveriam ser reduzidos; eu argumentei que, no segundo momento, pelo próprio efeito da elevação, os juros iriam começar a cair porque o desemprego, as falências, a inadimplência duradoura, etc. iriam forçar a queda; recebi à época muitas respostas negativas. Os de Keynes devem ter pensado que era absurdo eu afirmar que neoliberais derrubariam os juros no país. Mas foi exato o aconteceu, com os juros tendendo a zero... Avalio que o motivo do meu acerto foi ter visto as forças objetivas da realidade e como algo se torna seu oposto.

A TAXA DE LUCRO
Uma injeção agressiva de dinheiro na economia pode gerar estagnação econômica com grande inflação, uma estagflação. Isso pode se dar porque a taxa de lucro caiu a patamares muito baixos na história recente, o que impede novos investimentos. Ao mesmo tempo, a taxa baixa de lucratividade corresponde à exigência de um investimento maciço (em capital constante) para criar uma grande empresa, o risco pode não valer a pena e poucos são capazes de financiamento.

Uma emissão agressiva de moeda em curto tempo pode gerar inflação, mesmo com capacidade ociosa. O risco de estagflação, ao injetar muita moeda durante uma crise de superprodução, existe como possibilidade – embora não necessariamente ocorra – aberta pela política econômica da MMT.

CONCLUSÃO
A MMT tem por conclusão a seguinte frase: o estado cria o dinheiro, logo pode cria-lo à para melhorar a realidade. Mas um país com moeda soberana não é apenas um país, pois tem também uma divisão de classes. Portanto, melhorar a realidade para quem? Isso falta ser respondido. Em geral, favorecer uma classe social implica desfavorecer outra, sua oposta.

A posição marxista é falir o estado por meio de uma revolução. Qualquer concepção ilusória de reformas duradouras por dentro do capitalismo deve ser combatida como uma falsificação teórica e programática. A MMT, como mais uma posição reformista, ganhará ainda mais força antes de definhar, entrará para o grupo das modas teóricas temporárias; seu perigo é cegar parte da militância sobre nossa época, que é de transição ao socialismo, e desviar forças para a conquista estatal, no lugar de sua destruição.







 

sábado, 9 de maio de 2020

O perigo das pautas democráticas (ou o erro dos partidos marxistas)


O PERIGO DAS PAUTAS DEMOCRÁTICAS (OU O ERRO DOS PARTIDOS MARXISTAS)

Descobrir quais exigências são necessárias em cada conjuntura é das tarefas mais importantes dos marxistas. É o que separa a teoria ligada à prática da consideração apenas academicista da realidade. Neste pequeno texto, debateremos as pautas democráticas com suas duas encarnações opostas diante da realidade, como força revolucionária e como armadilha.

A revolução russa desenvolveu-se, em permanência, de burguesa à socialista, onde as pautas centrais incluíam propostas em si capitalistas, a paz e a terra, isto é, pautas democráticas. Aí observamos o primeiro sentido de perigo das consignas por mais direitos: principalmente se combinadas às propostas em si transicionais, podem ter força revolucionária. É, portanto, um erro desprezar tal tipo de exigência como se fosse menor, apesar de em si e isolado não levar para além dos limites do capital.

O segundo significado, o inverso, acorre quando as correntes focam de modo demasiado nas pautas democráticas, esquecendo-se daquelas em si transicionais. Pode-se chamar, diante de contínuas crises, sempre o “fora governo” do memento; o governo cai e é substituído, chama-se outro “fora”; queda do novo governo e outro “fora”, etc. Percebemos que é uma armadilha que leva a lugar nenhum, que de qualquer forma enquadra as mobilizações populares nos limites do sistema e de seu Estado. Se o apartidarismo ganha força, vem daí o “Fora Todos”, que, na prática e na consciência da maioria, inclui os partidos comunistas entre os inimigos das massas. O partido que levanta tais propostas pode sentir-se revolucionário, mas, na prática, pode estar agindo de maneira centrista.

Na Europa, onde propostas de transição ao socialismo (controle operário, etc.) são ainda mais necessárias, os partidos trotskystas levantaram propostas democráticas diante da crise, como o não pagamento da dívida estatal, não ao Euro, etc. Foram elaborações recuadas, relativo às possibilidades do momento histórico, o que produz balanço político negativo de tais correntes europeias. Na Espanha, por exemplo, um país imperialista, o desemprego crônico deveria ter por solução comunista a “escala móvel de tempo de trabalho” ou a redução da jornada, com mesmo salário, na proporção que produza pleno emprego. Mas ninguém soube fazer tal exigência absolutamente urgente naquela nação.

O caso brasileiro exemplifica o lado negativo das pautas democráticas.  Desde 2014, a crise exige propostas transicionais, porém nenhuma corrente ou partido tem priorizado martelar tal tipo de formulação. E mais: deseducam sua militância, que sequer sabe o que é de fato o programa de transição e sua importância em épocas de duras crises como a que vivemos mundialmente desde 2008.

As pautas democráticas são muitas vezes negativas no sentido de negação de algo (Fora o governo, Não ao Euro). Apenas com propostas positivas, que avançam, em especial as transicionais, o socialismo pode tornar-se uma saída real no horizonte. Nós estamos nas décadas de duros desafios, que permitem colocar a revolução social como caminho efetivo. Ter partidos cientes disso e de fato dispostos fará diferença, talvez toda a diferença.



segunda-feira, 6 de abril de 2020

Por que ainda não é hora de chamar “Fora Bolsonaro"


A análise marxista alcança caracterizações e elabora políticas a partir do empírico. O “abaixo o governo” é convocado quando a queda deste está latente na realidade, quando é possibilidade pronta para ser necessidade. Qual o critério, então, para o “fora”? A condição é a baixa popularidade do executivo. Vejamos se é o caso:


Fonte: XP Investimentos[1]

Percebemos que há mais aceitação do governo, acima de 50%, que sua rejeição, 42%. Por si, tal estatística anula a palavra de ordem contra Bolsonaro. Segundo o Instituto Datafolha, 59% dos brasileiros rejeitam o impedimento do presidente.

Precisamos, antes, desmoralizar o governo reacionário para, em seguida, exigir sua derrubada. E a melhor forma de fazer isso, talvez a única, é forçar medidas cada vez mais radicais em defensa da vida e dos trabalhadores contra a crise sanitária.

Enquanto o apoio de massas existir, o governo apenas cai, se cair, por golpe.  Para sua derrubada por meio da luta, sequer é preciso que a classe média aristocrática e a burguesia tenham rompido com o governo federal; basta que a maioria da classe trabalhadora e setores populares estejam decepcionados e raivosos. Mas tal momento ainda não chegou.

Há ainda dois fatores que precisam entrar no cálculo. De um lado, se os protestos forem precipitados, os militares podem, aproveitando o momento, destituir o presidente – por diferentes meios – e iniciar um governo militar “puro”. Isso seria um golpe como antessala de um possível fechamento qualitativo do regime. Lembremos que no Egito os militares destituíram o governo, aparecendo como aqueles que fizeram a vontade dos protestos de massas. De outro, Mourão aguarda o mandato concluir os dois primeiros anos para avaliar a possibilidade de ser presidente, tal como fez Michel Temer.

Quando formos lançar de modo correto o “Fora Bolsonaro”, no momento em que o governo perder a maior parte do apoio social, muito provavelmente teremos de chamar por eleições gerais no lugar da simples queda da figura pública ou da junta governamental.

O erro da correntes de esquerda em precipitar a palavra de ordem tem duas origens. A primeira é a ansiedade política, a tensão de saber estar diante de um governo muito perigoso, a pressa em resolver a conjuntura. A segunda é o oportunismo de querer parecer os mais revolucionários e radicais perante a vanguarda militante e os ativistas, atraindo-os para si, e desejar se diferenciar a qualquer custo de outras correntes.

Enquanto tiver apoio popular e capacidade de implementar os ataques contra os trabalhadores, o governo não cairá nem pelas ruas nem por golpe. O chamado recente à renúncia é sintoma, nada mais que isso, de uma condição que ainda está, de modo embrionário, se gestando na realidade. Os comunistas, que devem ser ousados, devem também ter paciência histórica.





[1] Retirado de: https://www.cartacapital.com.br/Politica/popularidade-de-bolsonaro-cai-e-do-congresso-aumenta-revela-pesquisa/

quinta-feira, 26 de março de 2020

Como tornar efetivos e vitoriosos os panelaços


Como tornar efetivos e vitoriosos os panelaços

Neste blog, insistimos que a proposta central para o Brasil era a redução da jornada, com o mesmo salário, na proporção que produza pleno emprego. Mas a política deve mudar em 24 horas se a situação muda em 24 horas. A questão da pandemia, portanto, deve ser central por enquanto.

Nesta conjuntura, os panelaços ganharam certa audiência nacional e são um método válido diante do isolamento necessário. O problema que destacamos neste texto é que em nenhum momento eles ocorreram em torno de propostas práticas, de exigências.

É preciso uma dose de psicologia de massas sobre o tema. Se os protestos são fins em si próprios, se deixam de ter certa meta, se nada avançam, então o caminho é o esvaziamento deles, o aborto de um método de luta e sua banalização.

O primeiro foi “contra Bolsonaro” e um dos mais recentes, “em defesa do SUS”. Contra, mas como? Em defesa, mas de que modo? Qual a exigência prática? Ora, se assim continuarmos, boa parte dos trabalhadores em desespero concordarão com o presidente contra a quarentena, pois é necessário pagar as contas, sobreviver.

Se vamos puxar protestos com panelas, exijamos soluções, sejamos alternativa, popularizemos nossas propostas:

1)   Um salário mínimo para famílias de desempregados e autônomos por 3 meses;
2)    Proibição de demissões por medida provisória;
3)    Cancelar o pagamento da dívida pública por um ano para investir em saúde.

Em geral, devemos focar em duas ou três propostas centrais, mas a situação pede exigir todo um programa. É fato. Também há a possibilidade do setor majoritário da burguesia apostar na primeira elaboração; diante disso, exigiremos ainda mais dos governos, pois toda medida preventiva é pouco diante do risco de milhões de mortes.

Se conseguirmos parar por um pequeno tempo o pagamento da dívida, isso levará naturalmente ao debate sobre o fim da agiotagem; a renda mínima temporária também levantará o debate por um auxílio permanente. O ideal, é claro, seria o mais radical, mas a realização das propostas parciais e urgentes produzirão condições para futuras exigências, quando a crise sanitária passar.

Entra necessariamente em debate se é válido o “fora Bolsonaro”. As pesquisas de opinião deram a ele ainda uma boa margem de apoio social, o que impede a palavra de ordem. O melhor caminho para derrubá-lo é o desmoralizando, fazendo exigências claras, impondo-o uma derrota. Ele tem um programa, voltar à rotina, e poderá parecer correto às massas, na medida em que a crise econômica se aprofunda, se nós não popularizarmos nossas propostas. Pense em um ambulante que vive sempre correndo atrás do dinheiro pouco; é alguém que precisa de caminhos para já. Mesmo se o “fora” estivesse correto, o que não parece ser o caso, há no momento pautas emergenciais que tratam da vida humana. Na revolução russa, os bolcheviques retiraram todas as propostas para derrotar o golpe de Kornilov, com o “todos contra Kornilov!”. Este é o método: focar no problema mais sentido e imediato. Assim cavaremos a cova do miliciano.







segunda-feira, 16 de março de 2020

A teoria dos macrociclos do capital – a crise sistêmica


[Este artigo é parte do livro inédito "A crise sistêmica".] 

Resumo do artigo:


Tese 7: Trotsky descobriu que o capitalismo tem curvas de desenvolvimento histórico: décadas de crescimento grande com crises frágeis – ascenso; em seguida, décadas de crises mais duras ainda entre crescimentos – transição; enfim, décadas de crises longas e/ou profundas com crescimento fracos e/ou curtos – declínio da curva. No capitalismo recente, tivemos a primeira fase de 1945 à 1973; a segunda, de 1973 à 2008; a terceira, a partir de 2008.

Tese 8: Trotsky considerava que as curvas de desenvolvimento não tinham regularidade temporal em tendência como as crises cíclicas (de 10 em 10 anos). Mas se observamos as três curvas históricas do capitalismo desde as fases de transição, percebemos que duram, em média, 100 anos – o que também coloca a crise final da humanidade nas próximas décadas.

Tese 9: Marx, Engels, Lenin e Trotsky erraram ao pensar que suas épocas caminhavam para os limites absolutos do capitalismo. Tal limitação sistêmica começa seus passos apenas na década de 1970.

Tese 10: As nações industrializadas, urbanizadas e de grande produção no campo esgotaram as possibilidades de desenvolvimento do capitalismo, por isso crescem pouco. Países muito atrasados têm ainda capitalismo a desenvolver, por isso crescem mais.





A CURVA DO DESENOLVIMENTO CAPITALISTA PÓS-II GUERRA E AS ERAS DO CAPITAL


O tema da longa duração anima diferentes posições teóricas da história. Nesse sentido, Trotsky deu-nos uma grande contribuição esquecida entre seus seguidores. Tomemos nota de uma citação:

Mas o capitalismo não se caracteriza só pela periódica recorrência dos ciclos, de outra maneira a história seria uma repetição completa e não um desenvolvimento dinâmico. Os ciclos comerciais e industriais são de diferente caráter em diferentes períodos. A principal diferença entre eles que está determinada pelas inter-relações quantitativas entre o período de crise e o de auge de cada ciclo considerado. Se o auge restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do período precedente, então o desenvolvimento capitalista está em ascenso. Se a crise, que significa destruição, ou em todo caso contração das forças produtivas, sobrepassa em intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração da economia. Finalmente, se a crise e o auge se aproximam entre si em magnitude, obtemos um equilíbrio temporário – um estancamento – da economia. Este é o esquema no fundamental. Observamos na história que os ciclos homogéneos estão agrupados em séries. Épocas inteiras de desenvolvimento capitalista existem quando um certo número de ciclos estão caracterizados por auges agudamente delineados e crises débeis e de curta vida. Como resultado, obtemos um agudo movimento ascendente da curva básica do desenvolvimento capitalista. Obtemos épocas de estancamento quando esta curva, ainda que passando através de parciais oscilações cíclicas, permanece aproximadamente no mesmo nível durante décadas. E finalmente, durante certos períodos históricos, a curva básica, ainda que passando como sempre através de oscilações cíclicas, se inclina para baixo em seu conjunto, assinalando a declinação das forças produtivas. (Trotsky, A Curva do Desenvolvimento Capitalista - Leon Trotsky, 2012)

A curva de desenvolvimento capitalista deixou de ser tratada no pós-guerra. Se observarmos o consenso histórico de diferentes vertentes da economia, da marxista à liberal, da década de 1940, com o fim da II-Guerra, até a de 1970 tivemos crescimentos longos e crises fracas, renomeadas recessão. Da década de 1970 até 2008 vivemos um período de crises mais duras alternadas com crescimento. O peso da crise de 2008 e suas consequências duradouras apontam décadas de crises duras e crescimentos fracos. A ascensão possibilitou e correspondeu à prática keynesiana; a transição da curva necessitou da prática neoliberal; o declínio da curva encontra o esgotamento da política econômica burguesa e possibilita um programa de transição ao socialismo.

Embora desconheça a teoria da curva de desenvolvimento do capitalismo, Pikett a confirma em seu livro nos limites do empírico:

A Europa continental — e a França em particular — vive, em grande medida, numa nostalgia dos Trinta Gloriosos, isto é, daquele período de trinta anos que vai do fim dos anos 1940 ao fim dos anos 1970, durante o qual o crescimento foi excepcionalmente intenso. Ainda não se sabe qual foi o espírito malvado que nos impôs um crescimento tão fraco desde o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980. Ainda agora, no início dos anos 2010, imagina-se com frequência que o infortúnio dos últimos trinta anos, os “Trinta Desafortunados” (que, na verdade, estão mais para 35 ou quarenta anos), vai desaparecer, que o pesadelo vai se esvanecer e que tudo voltará a ser como antes. (Pikett, 2014, p. 120)

Da teorização exposta, o erro de Trotsky é concluir, à luz do fim da I guerra mundial, que a produtividade recuaria quando a tendência é de crescimento desacelerado. De sua elaboração econômica, a fenomenologia manteve-se: uma curva de desenvolvimento que vai de crises leves com grandes crescimentos até crises duras com baixo crescimento entremeados por uma fase de transição entre um extremo e outro. A produtividade dos EUA, principal exemplo, teve tendência de alta em meio às crises cíclicas cada vez mais duras (representadas nas faixas cinzas do gráfico abaixo)[1]:




Fonte: (Redação, 2018)

Cabe-nos uma tarefa de atualização. Trotsky expôs sua teoria em palestras, pois as obrigações políticas o impediam de fazer uma atividade científica total. Assim, enquanto criticava o formalismo e kantianismo de Kondratiev, ele próprio apresentou o movimento geral percebido e suas manifestações, não esgotando o trabalho teórico; enquanto, ciente disso, estimulava a necessidade de uma duríssima pesquisa em torno do tema. Tentaremos concluir os aspectos gerais de tal objetivo, o que tem nos obrigado a atualizar e discordar em parte do teórico russo. Esta conclusão nos leva às eras do capital e percepção de que as curvas históricas tomam a forma de ondas.

Vejamos elementos em movimento:

a) A revolução produtiva – I, II ou III revolução industrial – eleva a desigualdade do desenvolvimento de diferentes fatores da economia, ou seja, eleva a quantidade e o nível das contradições inerentes;
b) A III revolução industrial – para nos aproximarmos de nossa realidade – faz falir empreendimentos que não acompanham a nova escala de produção;
c) Por demitir assalariados operários, por causar limitação de concorrência, por desemprego maior comprimir os salários, a oferta se eleva enquanto a demanda tende a cair;
d) Maior escala de produção exige, também, maior demanda de matérias-primas, nem sempre disponíveis na escala necessária – ou produz superoferta de meios de produção;
e) Maior produtividade, este salto interno de qualidade, aumenta a possibilidade de elevação de estoques, ou seja, de cada vez mais mercadorias ficarem presas, de pouco a pouco, no processo de circulação, que pode gerar crise de superprodução;
f) O capital exigido para investir em maquinário e matéria-prima a ser adiantado é maior, o que gera necessidade de endividamento para, se possível, ser pago com o lucro futuro;
g) As possibilidades de o preço de mercado ficar abaixo do preço de produção (custo de produção mais mais-valor gerado) são mais presentes;
h) Maiores desigualdades de composição orgânica do capital entre os setores I, produção dos meios de produção, e II, produção dos meios de consumo;
i) Os transtornos da luta de classes, protestos ou revoluções, no país ou fora dele, também aparecem com maior frequência, mesmo que o desemprego, no imediato, quebre a resistência inicial.

A conclusão de que as revoluções produtivas estimulam contradições e crises cíclicas foi observada por Schumpeter (1988), mas a este faltou descobrir ligação com os macrociclos do capital, de longa duração, com a curva de desenvolvimento capitalista descoberta por Trotsky ou, como complementamos, com o que chamamos de eras.

As crises encaminham-se de leves e curtas, ao ponto de serem renomeadas recessão, de 1944 à década de 1970, para um período transitório com crises mais duras cujas sensações apocalípticas que causavam nos pensadores não se confirmavam mais do que trovões fortes antes da tormenta, entre meados dos anos 1970 até 2008. Agora temos um salto: declínio da curva do desenvolvimento capitalista – crises longas e/ou profundas e crescimentos débeis e/ou curtos. Mais do que os crescimentos, as crises cíclicas são formas de manifestação de processos profundos e essenciais do sistema. Através delas podemos medir o que ocorre e calibrar a percepção.

Mantendo esta clareza, a de que as revoluções industriais, em seus processos de generalização, alimentam as contradições da economia capitalista, contradições estas que devem ser resolvidas após aprofundadas, partamos para o fator externo.

Cada revolução industrial é uma revolução nas forças produtivas, dentro do modo capitalista de produzir – salto interno. Por isso essas mudanças, ao elevarem a produtividade, entram em contradição com as formações sociais e superestruturais ora existentes. Assim, a I Revolução Industrial gera contradição com a realidade, sua barreira: faz a curva histórica declinar de ascenso em transição e, em seguida, declínio, cujo ápice é a primavera dos povos, de 1848 à 1850. Antes, deu força às revoluções burguesas como na França.

Após tais tensões, contradições resolvidas, o sistema saltou-se para um novo ascenso da curva ou nova curva, de 1850 à 1873. Já a partir da década de 1870 surge a II Revolução Industrial e também entra em relativa contradição com a formação sócio-superestrutural existente, atrasada e conservadora no compasso histórico. Aqui se explica, por exemplo, a insistência “humanitária” britânica pelo fim da escravidão no Brasil, por um nova multidão de assalariados e consumidores em potencial de suas mercadorias.

Do mesmo modo à onda ou curva anterior, as contradições relativas tomavam ares de absolutas: crise em 1914 na forma de guerra mundial, ou seja, início do declínio da curva histórica até 1945, fim da II Guerra.

Tratemos da atual curva. Ascenso entre 19445 até a década de 1970 com a II Revolução Industrial de acordo, em confluência não contraditória, com a formação social vigente. Logo depois: III Revolução Industrial gera nova contradição relativa da década de 1970 até 2008, a transição entre o ascenso e o declínio da curva histórica.

Esse é o processo explicado neste capítulo. De modo geral, da cooperação simples e cooperação complexa (manufatura), correspondem à ascensão da curva, até a grande indústria, I revolução técnica; deu-se o mesmo processo: 1) ascensão; 2) mudança na produção, revolução industrial, como abertura de toda uma transição e, por consequência, 3) de 1820 à 1850 ocorre período de duras crises e fracos crescimentos. No período da primeira era, mercantil, inexistindo crises cíclicas mais ou menos regulares, medimos o processos histórico pelos demais fatores agregados na avaliação, quer sejam, a situação das classes e o desenvolvimento técnico.

As elevações qualitativas da produtividade, saltos internos, não encontravam uma realidade total, ao redor de si, onde poderiam realizar-se. Assim, toda revolução na indústria primeiro gera décadas de estagnação (crescimento e crise com intensidades próximas) e desemboca em crises intensas de superprodução entremeadas por crescimentos, em geral, curtos e anêmicos. A totalidade social entra em contradição com as necessidades de reprodução em escala ampliada.

O capital precisa rotar-se em nova velocidade, mas as “externalidades” impedem seu pleno movimento e o diminui (aumento dos estoques, fábrica paradas, etc.) tanto na produção quanto na circulação. Descobrimos crises cíclicas e tensões cada vez mais intensas. Isso torna necessário romper tal contradição com as mudanças nas eras do capital, no dinheiro, no uso do Estado, no centro de gravidade do capital etc.

Podemos representar as curvas visualmente:



            Fonte: Própria (2020)

O ascenso equivale a crises curtas e/ou anêmica; a transição apresenta crises mais duras ando com algum crescimento, com um certo “equilíbrio” entre os opostos; por último, o declínio aparece como crises longas e/ou profundas. Vejamos as três curvas ou ondas:





Fonte: idem.



Fonte: idem.



Fonte: Idem.

Em resumo, as três curvas históricas:

1. Século XVI-1760 | 1760 – 1820 | 1820-1850
2. 1850-1873[2] | 1873-1913 | 1913-1945
3. 1945-1973 | 1973-2008 | 2008...

Do ponto de vista das eras do capital, o ponto de partida não é o ascenso, a baixa contradição do capital consigo e com a totalidade social, mas as revoluções industriais, que iniciam a fase de estagnação, entre o ascenso e o declínio. Todas as revoluções produtivas foram o ponto de partida da fase de transição, de estagnação, da curva histórica, a caminho do declínio desta. Surgem elevando e gerando contradições entre o novo e o velho, entre forças produtivas e as superestruturas, entre produção e comércio, entre demanda e estoque, entre base econômica e as relações sociais de produção e organizacionais etc.

Desse ponto de vista:

Primeiro ciclo, comercial: 1500 - 1760
Segundo ciclo, industrial: 1760 - 1873
Terceiro ciclo, financeiro: 1873 - 1973
Quarto ciclo, fictício: 1973...

No primeiro, a demanda sempre alta em relação à oferta, possibilitando bons preços de mercado, gera e é gerado pela transformação do trabalho artesanal em cooperação simples e complexa, manufatura. No segundo, a revolução industrial vence a força constrangedora do trabalho, o nível de autonomia do artesão, fator que o limitava e também o estimulava a superar esta contradição. No terceiro, a nova escala de produção exige um tal adiantamento de capital que o capital produtor de juros se torna mecanismo mais necessário para os saltos produtivos. Na última era, desde a década de 1970, a expressão monetária do capital necessita ainda mais que antes do capital produtor de juros, que passa a tornar-se fictício; a financeirização ganha importância como reação à impossibilidade de investimentos e à necessidade de permitir o montante de capital-dinheiro que urge ao setor produtivo, na atual composição orgânica do capital.

Vejamos a curva de desenvolvimento desde as três revoluções industriais ou, o que é outra expressão do mesmo, o início da fase intermediária entre ascenso e declínio, a transição:


Fonte: idem.


Fonte: Idem.


Fonte: Idem.


Fonte: Idem.

Por evidente, as datas são aproximativas dos processos.

Em sua elaboração original, o começo era a ascenção da curva. O que para Trótski era ponto de partida – por exemplo, o crescimento de 1944 à 1973 –, é, em nossa análise, a resolução de uma contradição na totalidade macroeconômica e macrossocial. Se prosperar, a transição ao socialismo será a resolução das contradições​ atuais iniciadas na década de 1970, desta era-curva, em uma nova ascensão, que tem por base superar os elementos existentes do sistema anterior, isto é, superar a contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção existentes e suas superestruturas.

Desde uma observação cuidadosa, percebemos que cada revolução industrial dura em média 100 anos. Por quê? As crises cíclicas ocorrem mais ou menos de 10 em 10 anos, em média tendencial, no processo circular crescimento, estagnação, crise e recuperação. Este mal é parte necessária da própria saúde doentia do capitalismo. E gera as bases para as revoluções produtivas seguintes. As alterações singulares na produção geram contradições internas à sociedade total; se a ascenção permite a vitalidade para a revolução industrial, permite também o início de um autolimite que necessita ser resolvido. De 1944 a 1973, nada melhor que a II Revolução industrial e sua expressão na política keynesiana como sinal de saúde do sistema e, por igual, base da autossuperação. O mero fato de cada momento – transição, declínio e ascensão – durarem, cada um, algumas décadas e saltarem necessariamente para o próximo estágio, oferece o tom de secularidade a cada revolução industrial.  A razão para a tendência secular das curvas de desenvolvimento histórico do capitalismo –  uma vez observadas desde a estagnação, não a partir do equilíbrio dinâmico – é idêntica em outra escala, superior, ao auge-estagnação-crise dos ciclos mais ou menos decenais da economia capitalista: a superprodução revelada empiricamente na contradição entre produção e circulação, cuja dinâmica é mediada por ações extraeconômicas, o Estado, etc.

Se abstraímos os fatores sociais, que ditam o ritmo, e observamos de modo “puro” a atual curva de desenvolvimento, os limites internos do sistema será em meados do século XXI, concordando com o debate no capítulo anterior sobre a queda da taxa de lucro e também com os limites da crise ambiental. Entre as décadas de 2050 e 2070 ocorrerá, visto desse modo, o domínio da III revolução industrial via transição ao socialismo ou, ao contrário, um cenário de fim da civilização. É certo que a datação secular de cada curva uma vez observada pela fase de transição é insuficiente para a curva atual, pois a época de transição exige muito do fator subjetivo; por outro lado, serve de guia para pensar o tempo histórico no qual vivemos desde 2008, um tempo de crises duras exigentes de uma solução estrutural.

TEORIA DO COLAPSO

A teoria do “processo de colapso” é de Marx. Os marxistas sabem de cor a ideia de que um sistema cai e é substituído apenas quando explora todas as suas possibilidades; o raciocínio dialético – se levado a sério – impede ilimitada margem de manobra ao capital. No famoso posfácio de sua obra Magna, o mouro fala em "crise geral, que mal deu seus primeiros passos". Esta deu o grande passo em 1913... Mas ele não tinha um elemento teórico: a teoria das curvas históricas, mais importante que as das crises cíclicas. Tal é uma enorme contribuição de Trótski. Se acrescentamos as eras do capital, percebemos toda a dinâmica e conseguimos explicar o motivo de Marx, Lênin e Trótski terem errado ao considerarem que aquela crise era a última quando não a era de fato.

Diz o general do Exército Vermelho:

e) A Teoria do Colapso
Entre a época da morte de Marx e o início da Guerra Mundial, as inteligências e os corações dos intelectuais da classe média e dos burocratas dos sindicatos estiveram quase que totalmente dominados pelas façanhas logradas pelo capitalismo. A idéia do progresso gradual (evolução) parecia ter-se consolidado para sempre, enquanto que a idéia da revolução era considerada como uma mera relíquia da barbárie. O prognóstico de Marx era contrastado com o prognóstico qualitativamente contrário sobre uma distribuição melhor equilibrada da fortuna nacional com a suavização das contradições de classe e com a reforma gradual da sociedade capitalista. Jean Jaures, o mais bem dotado dos social-democratas dessa época clássica, esperava ajustar gradualmente a democracia política à satisfação das necessidades sociais. Nisso reside a essência do reformismo. Que resultou dele?
A vida do capitalismo monopolista de nossa época é uma cadeia de crises. Cada crise dessas é uma catástrofe. A necessidade de salvar-se destas catástrofes parciais por meio de barreiras alfandegárias, da inflação, do aumento dos gastos do governo e das dívidas prepara o terreno para outras crises mais profundas e mais extensas. A luta para conseguir mercados, matérias-primas e colônias torna inevitáveis as catástrofes militares. E tudo isso prepara as catástrofes revolucionárias. Certamente não é fácil concordar com Sombart que o capitalismo atuante se faz cada vez mais “tranqüilo, sossegado e razoável”. Seria mais correto dizer que ele está perdendo seus últimos vestígios de razão. Seja como for, não há dúvida de que a “teoria do colapso” triunfou sobre a teoria do desenvolvimento pacífico. (Trotsky, 2009)


            Percebemos que o cenário pintado por Leon Trotsky deixou de existir após a II guerra mundial. As crises tornaram-se mais leves nos países centrais e muitos países atrasados, como o Brasil, conheceram grande crescimento.

            Pouco antes de falecer (1883), K. Marx percebeu mudanças no capitalismo, expostas no livro III d’O Capital. Engels, ao concluir esta obra, percebe ainda com mais clareza a existência de novos fenômenos. Os fundadores do socialismo científico estavam presenciando o início da terceira era do capital, fase de estagnação daquela curva histórica e a II revolução industrial. Vejamos passagem:


[Depois de Marx ter escrito as linhas acima, desenvolveram-se, como é notório, novas formas de empresas industriais em que a sociedade por ações se eleva à segunda ou à terceira potência. A rapidez cada dia maior com que se pode atualmente aumentar a produção em todos os grandes domínios industriais se depara com a lentidão sempre acrescida com que se expande o mercado para essa produção ampliada. O que aquela fornece em meses, leva este anos para absorver. E acresce que cada país industrial, com a política de proteção aduaneira, se isola dos demais e notadamente da Inglaterra, ainda aumentando de modo artificial a capacidade interna de produção. As consequências são superprodução crônica geral, preços deprimidos, lucros em baixa ou mesmo desaparecendo por completo; em suma, a liberdade de concorrência, essa veneranda celebridade, já esgotou seus recursos, cabendo a ela mesma anunciar sua manifesta e escandalosa falência. É o que evidencia o fato de se associarem, em cada país, os grandes industriais de determinado ramo para constituir cartel, destinado a regular a produção. Uma junta estabelece a quantidade a produzir por estabelecimento e, em última instância, reparte as encomendas ou pedidos apresentados. Em certos casos formaram-se temporariamente cartéis internacionais, como o anglo-teuto de produção siderúrgica. Mas essa forma de associação entre empresas produtoras ainda não era adequada. O choque de interesses das diversas empresas violava-a com demasiada frequência e acabava restabelecendo a concorrência. Assim se chegou, em certos ramos em que o nível da produção o permitia, a concentrar a produção toda do ramo industrial em uma grande sociedade por ações com direção única. É o que já aconteceu, várias vezes, na América, e na Europa o maior exemplo até agora é a United Alkali Trust, que pôs nas mãos de uma única firma toda a produção britânica de álcali. […] O capital todo atinge, portanto, 6 milhões de libras. Assim, nesse ramo que constitui a base de toda a indústria química, o monopólio na Inglaterra substitui a concorrência e prepara de maneira alentadora a futura expropriação pela sociedade toda, pela nação. - F.E.]
É a negação do modo capitalista de produção dentro dele mesmo, por conseguinte uma contradição que se elimina a si mesma, e logo se evidencia que é fase de transição para nova forma de produção. Esta fase assume assim aspecto contraditório. Estabelece o monopólio em certos ramos, provocando a intervenção do Estado. Reproduz nova aristocracia financeira, nova espécie de parasitas, na figura de projetadores, fundadores e diretores puramente nominais; um sistema completo de especulação e embuste no tocante à incorporação de sociedades, lançamento e comércio de ações. Há produção privada, sem o controle da propriedade privada. (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, pp. 254, 255; grifos nossos)

O que Marx, Engels e depois Lenin observaram era o nascer da fase imperialista o que difere-se de observar, tal qual hoje, a completa consolidação dessa fase.

Ver-se limite potencialmente absoluto neste momento histórico: de 1873-1913, estagnação, à 1913-1944, declínio. Então, por que o colapso faltou? Trotsky oferece, inconscientemente, uma pista; o refutaremos dentro de seu próprio argumento:


¿EL CAPITALISMO HA LLEGADO A SU FIN?
Para terminar, plantearé una cuestión que, a mi juicio, dimana del fondo mismo de mi informe. El capitalismo, ¿ha cumplido o no há cumplido su tiempo? ¿Se halla en condiciones de desarrollar en el mundo las fuerzas productivas y de hacer progresar a la humanidad? Este problema es fundamental. Tiene una importancia decisiva para el proletariado europeo, para los pueblos oprimidos de Oriente, para el mundo entero y, sobre todo, para los destinos de la Unión Soviética. Si se demostrara que el capitalismo es capaz todavía de llenar una misión de progreso, de enriquecer más a los pueblos, de hacer más productivo su trabajo, esto significaría que nosotros, Partido Comunista de la URSS, nos hemos precipitado al cantar su de profundis; en otros términos, que hemos tomado demasiado pronto el poder para intentar realizar el socialismo. Pues, como explicaba Marx, ningún régimen social desaparece antes de haber agotado todas sus posibilidades latentes. Y en la nueva situación económica actual, ahora que América se ha elevado por encima de toda la humanidad capitalista, modificando hondamente la relación de las fuerzas económicas, debemos plantearnos esta cuestión: el capitalismo ¿ha cumplido su tiempo, o puede esperar aún hacer uma obra de progreso?  (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, pp. 234, 235)

Em carta a Engels, Marx expressa dúvida semelhante ao perceber a mercantilização global:

Não há como negar que a sociedade burguesa tenha sofrido pela segunda vez seu século 16, um século 16 que, espero, soa a sua morte, assim como o primeiro o conduziu ao mundo. A tarefa apropriada da sociedade burguesa é a criação do mercado mundial, pelo menos em esboço, e da produção baseada nesse mercado. (Marx)

Esboço, diz Marx. Percebemos a ansiedade política na percepção teórica. Para nós, evidente o desenvolvimento quase máximo do mercado planetário atual para abrir a possibilidade alta de superação do sistema. Sigamos:


Uma vez que o mundo é redondo, a colonização da Califórnia e da Austrália e a abertura da China e do Japão parecem ter concluído este processo. Para nós, a questão difícil é esta: no continente, a revolução é iminente e, além disso, assumirá instantaneamente um caráter socialista. Não será necessariamente esmagado neste pequeno canto da terra, já que o movimento da sociedade burguesa ainda está, no ascendente, em uma área muito maior? (Idem, grifos nossos.)



Trotsky, tal como Lenin, pensava improvável uma nova curva ascendente. Ele concluiu que os limites relativos sendo potencializados pelos fatores extraeconômicos, que determinam o ritmo da curva, faziam absolutos estes limites mesmos. Era verdade, mas verdade parcial. Agora, limites absolutos e relativos se encontram; os limites da autocontradição do capital encontram-se com os limites das relações externas à economia. Basta a observação de que o capitalismo já domina, em diferente da época do teórico, quase todos os poros do mundo.

O capitalismo tinha ainda mais uma curva de desenvolvimento capitalista, como ficou provado. Esta curva, atual, põe a III revolução da indústria, que é forma em si contraditória com o capital e típica do socialismo. A teoria do colapso e a revolução permanente encontraram ao redor do século XXI o terreno tão esperado pelos seus autores. Enfim podemos afirmar que o capital está diante de seus limites históricos; a época de crises profundas retornou, desta vez, de maneira sistêmica.

CURVA DE DESENVOLVIMENTO NO MUNDO E NAS NAÇÕES

Em teoria, somos obrigados a tratar de níveis de abstração. Os países mais decisivos para o ritmo mundial são os imperialistas e grandes submetrópoles como o Brasil. Eles denunciam uma curva global de desenvolvimento capitalista. Por outro lado, há nações inteiras, como China, que estão em fases nacionais diferentes, de alto crescimento, das curvas de desenvolvimento. Mesmo considerando que a totalidade é o vital para as mudanças mundiais, faz-se necessário explicar essa diferença.
Tomemos os dados a seguir:

            Fonte: (Freeman, 2019)


Fonte: idem

Ambos os gráficos demonstram queda de crescimento após 1970. O trabalho foi feito por Alan Freeman no artigo “A sexagenária tendência declinante do crescimento econômico nos países industrializados do mundo”. No entanto, em que pese o ótimo trabalho, ele evita explicar as razões do declínio.

Podemos elaborar, como conclusão geral: quanto mais desenvolvido é o capitalismo de uma nação, menores são as possibilidades de seu crescimento. Por isso, vai ficando cada vez mais – tendencialmente – lento o crescimento de Japão, EUA, Europa etc. O capital aí experimentou quase todas as suas possibilidades.

O mesmo é válido ao Brasil, estagnado (PIB per capita) desde 1980, pois é tão maduro sistemicamente quanto pode ser um país não imperialista. Este conheceu taxas de crescimento maiores relativos aos da China atual, destino prioritários dos capitais internacionais por décadas, gerou demanda interna por urbanização no século XX; até que o fim da década de 1970 encontrou um país muito industrializado, muito urbanizado, com luta de classes urbana, elevados comércio e sistema bancário etc. A entrada da China no mercado mundial permitiu um ambiente mais “saudável” para o capital; em diante, o principal país latino-americano conviveu com estagnação per capita do PIB – até hoje presente –, desindustrialização progressiva, crescimentos conjunturais limitados, destruição do patrimônio público por meio da privatização etc. 

O contrário ocorre em China e Índia, já que possuem uma grande massa populacional rural, espaço para urbanização e novos consumidores, novas terras agricultáveis para agronegócio etc. O capital pode se espalhar e se reproduzir em nações do tipo  “atrasadas” a taxas não aplicáveis – na proporção e no tempo – em países mais maduros, com, por assim dizer, excesso de capitalismo.

Vejamos os 10 países de maior previsão de crescimento – acima da reconhecida China – em 2017 (BBC, 2017): Etiópia, 8,3%; Uzurbequistão, 7, 6%; Nepal 7,5%; Índia, 7,2%; Tânzania, 7,2%; Djibouti, 7%; Laos, 7%; Vamboja, 7%; Filipinas, 6,9%; Maynanmar, 6,9%. O que há em comum? O alto processo de crescimento tem como causa o baixo desenvolvimento… São países com base – isto é, seus atrasos – para uso de mecanismos estimulantes dos talentos capitalistas: endividamento do Estado, vantagens fiscais às empresas estrangeiras, expulsão dos camponeses, estímulos à urbanização, superexploração da força de trabalho etc. São países cujas características nacionais ainda permitem amadurecer em larga escala elementos capitalistas em oposição aos países que já desenvolveram a industrialização, a urbanização, a grande propriedade rural, etc. e por isso crescem muito menos, possuem menos possibilidades latentes.

Os próximos saltos realmente globais de crescimento são alcançáveis apenas por meio de outra sociedade. Até esta se impor, o fraco crescimento do capitalismo nas nações maduras tomará ares desumanos, anticivilizacionais. Será um desenvolvimento destrutivo. O “excesso de maturidade” demonstrará um divórcio entre crescimento humano e crescimento econômico de forma cada vez mais evidente e na medida mesma em que este último encontra autobarreiras sob o capital.

Bibliografia

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[1] A estatística condiz com Marx, contra Trotsky: “A estatística das exportações e importações serve para medir a acumulação do capital real – o capital produtivo e o capital-mercadoria. E revela sempre que no período de desenvolvimento da indústria inglesa (1815-1870) marcado por ciclos decenais, o máximo da última fase de prosperidade antes da crise reaparece sempre como mínimo da subsequente fase de prosperidade, para em seguida atingir novo máximo mais elevado.” (Marx, O Capital 3, volume 5, 2014, p. 663)
[2]             “En esa época Marx no podía tomar en cuenta – sólo observó el ascenso en el mercado – que se enfrentaba con una nueva época de ascenso, donde las crisis serían sólo temporarias y las vacilaciones débiles, y un ascenso las superaría rápidamente, conduciendo la economía a niveles más altos. No previó esto. La revolución no vino en 1859-60. En cambio hubo guerras asociadas con la unificación de Italia, luego tuvimos la guerra de Crimea, y después la guerra franco-prusiana. Cuestiones urgentes, cuestiones de Estado y de orden nacional fueron resueltas por medio de batallas. Fue a principios de los ‘70 del siglo XIX que comenzó una nueva línea de depresión, estancamiento.” (Trotsky, El capitalismo y sus crisis, 2008, p. 190)