domingo, 9 de outubro de 2016

“Onda Conservadora”, Uma Falácia Petista

“Onda Conservadora”, Uma Falácia Petista


Para iniciarmos o diálogo com o leitor; no começo, apresentamos os dados de uma onda, porém não conservadora:



A última coluna do gráfico é a quantidade de greves em 2013 (!), quando se impulsionou a tese da “onda”, segundo os ideólogos que aqui criticamos. Em miúdos: os dados apresentam a maior onda grevista desde o fim da ditadura (! – isso merece uma exclamação) mediada pelo fato de termos hoje uma população maior e mais urbana.  Vejamos outro:


Mais uma vez ao focar a última coluna, em 2013, estes dados acima revelam o número de horas paradas; e percebemos uma acentuação que tendeu a alcançar o pico de 1989 (!), um ano de hiperinflação (!). Esses dados do Dieese[i] revelam-nos que, se há uma onda, é uma onda de greves, protestos, ocupações e paralisações; esse tsunami continuou em 2014, 2015 e, com alguma desigualdade, em 2016 – o instituto citado precisa demonstrar os dados oficiais daquilo que percebemos com alguma facilidade.

Como se sabe, o grande salto foi junho de 2013. De acordo com a percepção marxista, lutas econômicas transformam-se em lutas políticas que, por sua vez, impulsionam novas lutas econômicas; as “jornadas de junho” – uma batalha com pautas políticas! – foram nada mais que este motor, este estalo, como base da nova conjuntura nacional[ii].

Então, como pode gente de esquerda ignorar, por exemplo, a luta dos professores no Paraná, o crescimento da CSP-Conlutas e do MTST, a greve dos garis no carnaval e as ocupações de escolas secundaristas por todo o país? Esses fatos deveriam significar algo importante para uma análise séria da realidade. Na verdade, como relação matéria-ideia, é um fenômeno simples de explicar aos ideólogos do PT; em linguagem dinâmica, desprovida de artifícios, apresentamos um breve resumo: após 10 anos de estabilidade, a crise aqui instalada deteriora  as condições de vida dos trabalhadores, que se veem forçados a grevar e se espelham nos vitoriosos exemplos estudantis; isso, por sua vez, acelera a desmoralização do PT e impulsiona uma crise do regime. Explicamos desse modo porque é difícil a um burocrata encastelado no sindicato ou a um erudito excêntrico acessar, ou reconhecer, esta verdade. Digamos de outro modo: se os trabalhadores grevam muito mais que antes, então, como demonstram os dados, sua consciência se esquerdizou, passou a sentir a luta direta como caminho e necessidade – não há sofisma que consiga esconder isso!

Portanto, a situação brasileira é ou uma transição entre uma situação não revolucionária (de estabilidade) para uma pré-revolucionária ou é já diretamente pré-revolucionária. Para medirmos, unimos estes fatores:  crise econômica + maior luta social + crise do regime + politização das classes medias + crescimento sindical e eleitoral da esquerda (não do PT!). Se, por acaso, ao contrário, tivéssemos crise + passividade dos trabalhadores + regime estável então = situação reacionária ou contrarrevolucionária, como a década de 1990 no primeiro caso e a ditadura militar em 1968 no segundo.

Mas como é preciso um álibi, vejamos o que nos diz Leon Trotsky. O texto a frente chama-se “O Que É Uma Situação ´Revolucionária”; adiantamos que uma situação pré ou de transição ocorre quando uma situação como a citada ainda não existe de todo, mas começa a amadurecer, a dar seus sinais:

(…) quando se alteram radicalmente as condições econômicas, a resposta psicológica, já demorada, pode aparecer muito rápido. E, assim, sucedendo rápida ou lentamente, essas mudanças inevitavelmente devem alterar o estado de ânimo das classes. Somente então temos uma situação revolucionária.

Em termos políticos, isto significa:

Que o proletariado deve perder sua confiança não apenas nos conservadores e nos liberais mas também no Partido Trabalhista. Deve concentrar sua vontade e sua coragem nos objetivos e métodos revolucionários.

Que a classe média deve perder sua confiança na grande burguesia, nos senhores, e voltar seus olhos ao proletariado revolucionário.

Que as classes possuidoras, as camarilhas governantes, rechaçadas pelas massas, perdem a confiança em si mesmas.

Essas atitudes se desenvolverão inevitavelmente, porém ainda não existem. Podem desenvolver-se num breve lapso devido à gravidade da crise. Este processo pode durar dois ou três anos, inclusive um ano. Porém, hoje é uma perspectiva, não um fato. Temos que assentar nossa política nos fatos de hoje, não nos de amanhã.

Por enquanto, partiremos de uma, apenas uma, obviedade: há uma crise econômica; esta  é a base material de toda -  toda, mesmo – a situação.[iii](Grifo nosso.)

O GOLPE REACIONÁRIO E A DIALÉTICA

Para muitos, a maior prova da hipotética “onda” é a queda do PT. Nada mais falso. Para contrapormos, basta-nos uma exemplo simples: é típico de uma situação pré-revolucionária,  como no Brasil em 1964 ou na Alemanha pouco antes do golpe de Hitler, abrir apenas possibilidades… Exemplo brasileiro: poderia desemborcar em uma revolução ou em um golpe militar. Hoje, o PT poderia cair pela via parlamentar, ou seja, burguesa, ou pela luta dos trabalhadores; afinal, Dilma atingiu míseros 7% de apoio popular, um record sequer alcançado por Collor de Melo. Mas, como sabemos, ocorreu o que Lenin chamou “Via Prussiana” e Gramsci chamou “Revolução Passiva”; a burguesia antecipou-se a algo inevitável, em caso de novo mergulho na crise, pois se o PT caísse pela luta dos assalariados poderia ocorrer, quem sabe, que horror, uma revolução... Esta é a história do país: para evitar o perigo de uma revolta geral, a classe dominante adianta-se e abole escravidão, implementa a república, faz leis trabalhistas, acaba com o semifascismo de Getúlio de modo controlado, redemocratiza o regime de modo lento nos anos 1980 etc. – mudar para não mudar, antes que o povo a faça.

O golpe tem como pano de fundo a crise econômica, a esquerdização das massas e a direitização das classes médias aristocráticas e da reação burguesa à crise. Essa realidade – que nem de longe se parece com uma onda abstrata nevoando as cabeças! – abre possibilidades, que são, apenas, possibilidades.

ELEIÇÕES: MAIS UMA VEZ A DIALÉTICA

Em seu começo, antes de 1916, em especial, Lenin tinha uma visão semikantiana da contradição; colocava sinal de oposto total entre luta econômica e política, dizia que as eleições era um “espelho”, que já mostra tudo invertido, “distorcido”. Aqui, usaremos a dialética: os votos (aparência) nas eleições são a manifestação real mais ou menos distorcida da realidade, da essência, da consciência. Por isso, em primeiro lugar consideremos um fato que por si é uma vitória:

Em São Paulo, João Doria teve uma vitória avassaladora, uma conquista sem precedentes com mais de três milhões de votos. Mas também aqui, os que não votaram em nenhum dos candidatos superaram os eleitores do empresário. Em uma tendência similar à do Rio, os votos brancos e nulos aumentaram 30% de 2012 para cá até 16,64%, enquanto a abstenção cresceu 18% se situando em 21,84% (a média nacional foi de 17,58%). São percentuais que não se viam desde 1996. (…)[iv]

Talvez seja bom lembrar: as eleições burguesas são a grande flauta da ludibriação, da mentira e da farsa; o descrédito maior desse regime é uma força latente para os revolucionários, do contrário, se a democracia dos ricos se fortalecesse ao olhos dos trabalhadores, tudo ficaria mais difícil e “conservador” para os honestos – assim, a crise do regime apontará para duas saídas ou, na dialética, duas possibilidades: ou a democracia socialista, operária e direta, ou… o fascismo. Por a classe dominante perceber isso, as atuais leis repressivas, como a anti"terrorista" aprovada por Dilma, são uma antecipação e preparação burguesa contra uma inevitável guerra social; nada menos ou mais.

E como avaliar o crescimento da direita? Ora, se o PT, que fez um governo de direita na prática, se desmoraliza e, ao mesmo tempo, as massas não encontram uma alternativa, os votos deslocam-se uma parte ao nulo/PSOL e outra para a direita; isso ocorre na Espanha, em Portugal e em qualquer outro país. Ou seja: pela crise econômica e pela traição do PT, além da debilidade da oposição de esquerda, a esquerdização inicial e centrista das massas é manifestada (dialética!) de modo distorcido, mediado, como um crescimento formal da direita.

Mais uma vez, para demonstra isso (situação pré-revolucionária e esquerdização das massas pode ser igual, também, a acréscimo de votos na direita), terei de citar o melhor exemplo, de Leon Trotsky, quando da Alemanha sob ameaça do nazismo. O trecho é um pouco longo; destacamos a relação entre conjuntura favorável, enfraquecimento do reformismo e, contraditoriamente, crescimento do voto nazista, da extrema-direita:

A imprensa oficial do Comintern interpreta agora os resultados das eleiçons da Alemanha [Setembro de 1930] como umha prodigiosa vitória do comunismo, que situaria na ordem do dia a palavra-de-ordem da "Alemanha soviética".

Os burocratas optimistas recusam reflectir sobre o significado da relaçom de forças revelada polas estatísticas eleitorais. Examinam o incremento de votos comunistas independentemente das tarefas revolucionárias criadas pola situaçom e os obstáculos estabelecidos. O partido comunista recebeu por volta de 4.600.000 votos, face aos 3.300.000 em 1928. Do ponto de vista dos mecanismos "normais" do palamentarismo, o ganho de 1.300.000 votos é considerável, mesmo levando em conta o aumento no número total de votantes. Mas o ganho do partido fica ensombrado completamente se comparado com o progresso do fascismo, que passa de 800.000 a 6.400.000 votos. De nom menor importáncia para a avaliaçom das eleiçons é o facto de a social democracia, apesar das perdas substanciais, reter os seus quadros principais e ainda receber um maior número de votos operários [8.600.000] do que o Partido Comunista.

No entanto, se nos perguntarmos que combinaçom de circunstáncias internas e externas poderiam fazer virar a classe operária do lado do comunismo com maior velocidade, nom acharíamos um exemplo de melhores circunstáncias para um giro tal do que a actual situaçom na Alemanha: A soga do Young (1*), a crise económica, a decadência dos dirigentes, a crise do parlamentarismo, o incrível auto-desmascaramento da social democracia no poder. Do ponto de vista destas cirscunstáncias históricas concretas, a influência do Partido Comunista na vida social do país, apesar do ganho de 1.300.000 votos, devém proporcionalmente pequena.

A fraqueza da posiçom do comunismo, totalmente ligada à política e funcionamento interno do Comintern, revela-se mais claramente se compararmos o peso social actual do Partido Comunista com estas concretas e inadiáveis tarefas que as actuais circunstáncias históricas colocárom na sua frente.

(…)

Para além do mais, a primeira qualidade de um autêntico partido revolucionário é a de ser capaz de olhar a realidade cara a cara.[v]

Para que o leitor veja isso com maior profundidade, a corrente Esquerda Marxista, refutou a tese da “onda” nas eleições (2014) com um texto obrigatório, disponível na nota de fim[vi]. Reforço a atenção do possível leitor, pois reforçar os dados é uma forma de combater esta ideologia antimarxista. Vejamos uma parte singular do texto:

“De um total de mais de 142 milhões de eleitores no Brasil, Dilma ficou em primeiro lugar, com 43.267.668 votos (30,29%). Em segundo lugar ficou NDA com 38.798.244 votos (27,17%)! Só em terceiro lugar é que aparece o candidato do PSDB, Aécio Neves, com 34.897.211 (24,43%), quase 4 milhões de votos atrás de NDA! E Marina Silva fez 22.176.619 votos (15,53%), terminando em 4º lugar, quase 17 milhões de votos atrás de NDA!”

“Agora, vamos comparar com o 1º turno das eleições anteriores. Em 2010, havia 7 milhões de eleitores a menos que hoje. De um total de mais de 135 milhões de eleitores no Brasil, Dilma ficou em primeiro lugar, com 47.651.434 votos (35,09%). Em segundo lugar ficou novamente NDA com 34.213.890 votos (25,19%)! Só em terceiro lugar novamente é que aparece o candidato do PSDB, José Serra, com 33.132.283 votos (24,4%), desta vez pouco mais de 1 milhão de votos atrás de NDA! E Marina Silva, então pelo PV, fez 19.636.359 votos (14,46%).”

“Agora, vamos comparar com o 1º turno das eleições de 2006, quando havia quase 17 milhões de eleitores a menos que hoje. De um total de mais de 125 milhões de eleitores no Brasil, Lula ficou em primeiro lugar, com 46.662.365 votos (37,06%). Em segundo lugar ficou Geraldo Alckmin, do PSDB, com 39.968.369 votos (31,74%)! Há 8 anos, só em terceiro lugar é que aparecia o NDA, com 29.916.401 votos (23,76%), daquela vez pouco mais de 10 milhões de votos atrás do candidato tucano!”

Mas, para o petismo oficial, contra argumentos não há fatos! Ou dados!

MATÉRIA E IDEIA

Um governo de frente popular, burguês com participação de organismos de esquerda na gestão do Estado, é um governo anormal, anômalo. Bom; os governos Lula e Dilma foram a anormalidade dentro da anormalidade, pois governaram não diante de uma grande crise – como Allende –, e sim como método preventivo, antecipador e “prussiano” por parte da burguesia. Por isso, com crescimento econômico, pôde promover reformas com armadilhas. Alguns casos:

1.      Luz para todos. Uma reforma, uma melhoria de vida, cujo objetivo era permitir o aumento do consumo, do comércio, para inflar a economia capitalista;
2.      Bolsa família. Idem ao 1 e, ao mesmo tempo, evitar motins sociais;
3.      Reuni, Prouni, fies etc. Também “reformas com armadilhas” porque objetivava, ao mesmo tempo em que dava acesso ao ensino superior, enriquecer empresas de educação e aumentar a oferta de profissionais qualificados com baixos salários;
4.      Mais Médicos. Uma das poucas reformas sem armadilhas, pois, em verdade, é uma vitória colateral das jornadas de junho e da necessidade de ganhar as eleições com votos não urbanos.

Vemos que o reformismo fraco do PT, acompanhado pelo aumento da dívida pública e contrarreformas, se dissolveu com a crise, já que este partido tentou provar sua lealdade à burguesia “esquecendo-se” que só estava no poder formal na medida em que poderia controlar a luta de classes, quer dizer, enganar e pacificar os trabalhadores.  Mas já não mais consegue. Agora, a CUT e o PT estão mais frágeis, mais suscetíveis a pressões sociais (por exemplo: por que não grevar contra Temer se vocês não mais estão no governo?, Poderá perguntar um carteiro ao presidente do sindicato…). Essas duas organizações são um dos pilares do regime, dessa farsa, e portanto suas quedas são a antessala necessária para a revolução brasileira. Por si só, o balanço do petismo nas eleições é uma alegria vermelha.

OS INTELECTUAIS

Por último, duas sílabas.

Programas como o Reuni transformaram filhos de camponeses e trabalhadores precarizados em professores universitários, com seus mestrados e doutorados. Queiramos ou não, isso tem consequências: os partidos de esquerda são muito mais correntes universitárias que de operários, precários e da periferia; essa gente honesta e inteligente da academia absorve e subjetiva a personalidade objetiva da superestrutura, onde trabalham: os eruditos pendulam entre posições, seguem modas intelectuais, possuem uma gratidão constrangida e contraída para com o governo Lula e, como aristocracia entre os assalariados, têm dificuldade de entender as lutas sociais na media em que é ruim sair da paz na sua escrivaninha enquanto outros tantos comem mal e se locomovem de ônibus. Como aprendem e apreendem a vida por meio das palavras e a dor da vida material é menor entre eles, o peso da subjetividade é maior entre os intelectuais, são mais suscetíveis aos impactos das notícias e aos fatos imediatos, ora pendem ao otimismo e ora ao pessimismo, confundem discurso e a aparência dos fenômenos com a essência. Daqui não supomos um “anti-intelectualismo”, longe disso: a força dos operários e de um país também se mede pelo nível de atração que estes exercem sobre os artistas, pensadores e, às vezes, sobre os filhos mais inteligentes da burguesia.

É inevitável; neste momento, a esquerda precisa ser pequeno burguesa para, ao aglutinar gente, poder torna-se uma organização firme dos que “não tem nada a perder, a não ser seus grilhões”. Para isso pesa os acertos ou erros políticos; mesmo organizações revolucionárias, neste momento de tensão social, cometerão erros típicos do idealismo, como a tese petista “onda conservadora” – por enquanto, há tempo para falhar, aprender e corrigir.

Para cada onda conservadora da burguesia e da classe média aristocrática, com suas passeatas vestidos de CBF, existe uma onda contrária de greves, ocupações, protestos e diálogos revoltados em paradas de coletivos públicos. Isto se chama luta de classes. Por outro lado, nosso país sempre foi conservador quanto à moral; apenas nas décadas de 1970 e 1980 as mentalidades foram mais liberais por influência da pílula do dia seguinte, do rock, das revoluções e da redemocratização do país influenciando a consciência, a filosofia, os valores, a TV (a nudez, por exemplo) etc. Portanto, falar em conservadorismo é um péssimo argumento; de fato, o fanatismo religioso cresce como sintoma e consequência – não causa! – da decadência social. No futuro, uma ditadura fascista de base teocrática será uma hipótese, mas só ocorrerá se a tendência, oposta, de essa crise desemborcar em revolução for derrotada, for impedida pelos ricos e traída pelos pelegos. Isso passa por entender que a onda é progressista, além de perigosa; sejamos mais inteligentes que a burguesia.






Análise da corrente MRT desses dados:  http://www.esquerdadiario.com.br/Maior-numero-de-greves-na-historia-recente-primeiras-hipoteses-lendo-os-dados-do-DIEESE
[ii] A burguesia, inteligente e assustada, ao ver falhar a tentativa de derrotar o movimento para a uma ova manobra, apoiar cinicamente a luta, que apenas ao final se degenerou em ato cívico. De qualquer odo, o sino bateu e a classe dominante sobe do que se tratava, que s tratava de algo novo e perigoso a ela.
[iv] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/03/politica/1475522954_666169.html?id_externo_rsoc=FB_BR_CM
[v]  https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1930/09/perigo.htm
[vi] http://www.marxismo.org.br/content/nao-existe-onda-conservadora-no-brasil-nem-em-sp

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