segunda-feira, 29 de março de 2021

Uma conceituação dialética das classes sociais

 

UMA CONCEITUAÇÃO DIALÉTICA DAS CLASSES SOCIAIS

 

Como é sabido, Marx encerra seus escritos d’O Capital exato quando, finalmente, iria oferecer sua conclusão sobre as classes sociais. O manuscrito é, então, interrompido. A questão ficou suspensa no ar, flutuando, a alimentar os moinhos de vento das mais variadas interpretações próprias dentro do marxismo.

Segundo consta, nosso teórico alemão afirmou existir três grandes classes: os assalariados, os capitalistas e os proprietários de terra. Eis a tríade maldita. Porém teóricos como Trotsky afirmaram haver, em verdade, três outras classes principais: o proletariado, a classe média (ou pequena burguesia) e a classe capitalista. A letra literal de Marx, claro, tem mais peso, mais “valor”, tendo preferência entre os marxistas “ortodoxos”. É compreensível. De qualquer modo, resta elaborar com método dialético sobre o tema, tentando “adivinhar” qual seria o texto final do fundador do socialismo científico. Lembremos que nem sequer Engels ousou terminar o capítulo 52 do livro III, As classes.

Após o necessário rodeio introdutório, este esboço visa oferecer uma interpretação própria baseada na dialética, seu método científico e sua lógica (mas não, é evidente, em seu modo próprio de exposição das ideias, pois exigiria trabalho mais amplo).

Em primeiro lugar, deixemos cristalino que por proletariado ou por operariado, nomes diferentes do mesmo objeto, da mesma classe, incluímos, aqui, todos os produtores de valor e de mais-valor, além de também somente, por outro ângulo, produtores de valores de uso alienáveis, com produção escalável e medível pelo tempo, ou seja: assalariados das fábricas, das minas, dos campos, dos transportes e da construção civil, além de trabalhadores mais “artesanais” como os padeiros. Todos eles adicionam valor às mercadorias.

A maioria dos assalariados não operários bem cabe no conceito de assalariados médios, parte da classe média. A forma-salário é, por isso mesmo, uma forma: faz parecer que todos os setores são iguais porque recebem um salário, escondendo a diferença de conteúdo que está para além da superfície da sociedade – que algumas atividades sociais produzem valor e outras não o produzem.

Feito tais esclarecimentos, entremos mais diretamente na intenção deste texto.

Na Ciência da Lógica, Doutrina do Conceito, Hegel faz exposição dialética das categorias universal (ou geral), particular e singular (ou individual). Como dialético, afirmou que as categorias não estão isoladas e fixadas no entendimento; na verdade, na razão, elas estão misturadas, em contato, onde uma é expressão da outra e na outra, e vice-versa. No Livro I d’O capital, ao tratar da divisão do trabalho na sociedade, Marx recupera tal formulação, deixando claro que as reivindica (diferente de sua crítica parcial ao conceito de particular feita durante sua juventude). Pois bem; penso que a questão das classes expressa, também, a mesma relação. Vejamos, no capitalismo:

 

Classe no universal, no geral: proletariado, classe média, burguesia, proprietários de terra, lupemproletariado.

Classe no particular: a classe metalúrgica, a classe gráfica, a classe tecelã, a classe de padeiros, a classe vidreira, a classe petroleira, etc. – expressão particular do geral, do proletariado; jornalistas, advogados, professores, economistas, médicos, pequenos empresários, pequenos donos de terra, etc. – expressão do geral no particular entre a classe média; banqueiros, industriais, patronal comercial, burguesia da metalurgia, burguesia do setor automobilístico, etc. – expressão do geral, o capitalista, no particular; etc.; etc.;

Classe no singular: aquele operário metalúrgico, aquele operário gráfico; aquele professor assalariado, aquele médico assalariado; Aquele burguês dono de empresa de cosmético; aquele proprietário fundiário de bosques; aquela prostituta (lupemproletariado), etc.

 

É uma visão nova de fato. Até onde sei, nenhum outro marxista tomou a questão das classes desde o universal, o particular e o singular. Aí, a dialética cumpre seu papel. De qualquer modo, o pensamento ainda flutua. Tal observação corresponde ao pretendido por Marx? A resposta a esta indagação deve ser oferecida com outra pergunta: a elaboração acima está em si e, centralmente, na realidade correta ou errada? Justificando este esboço, penso que é a resposta justa ao tema, sim, corresponde ao real.

Porém, o momento de virada: nem tudo é classe social. Os políticos, os dirigentes sindicais, os profissionais de partidos, os gerentes e os executivos das empresas – são o quê? São também apenas assalariados? Penso que devemos colocá-los na posição de burocracia, são os burocratas das diferentes classes da sociedade. É o ponto fora da curva ou a curva fora do ponto, que seja. Reforçamos: nem tudo é classe social. Há camadas de homens e mulheres que são desclassados, que são destacados pela própria necessidade de funcionamento social.

Por fim, outra variação. O conceito nunca se cabe completamente dentro de si próprio. Com o atual nível de queda da taxa de lucratividade, um burguês industrial pode bem investir parte de seu lucro em dívidas públicas, transitando entre dois tipos da classe dominante, o que torna até sua mentalidade duplicada, com um pé em cada setor. Um operário pode, em nossa época, ter um pequeno comércio em sua casa para complementar a renda, ou ter um sítio pequeno, ou algumas ações raquíticas na empresa onde trabalha; assim também duplicando sua “visão de mundo”, um pé no proletariado e outro na classe média. Em tempos de desemprego crônico, diz Trotsky, o grande número dos sem emprego e sem esperança de contrato de trabalho – o exército industrial de reserva – quase forma uma nova classe em nossa época, uma subclasse dos desempregados. Essas são expressões deformadas, dentro dos limites categoriais do capitalismo, da tendência ao fim das classes sociais.






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