UMA CONCEITUAÇÃO
DIALÉTICA DAS CLASSES SOCIAIS
Como é sabido, Marx encerra seus
escritos d’O Capital exato quando, finalmente, iria oferecer sua conclusão
sobre as classes sociais. O manuscrito é, então, interrompido. A questão ficou
suspensa no ar, flutuando, a alimentar os moinhos de vento das mais variadas
interpretações próprias dentro do marxismo.
Segundo consta, nosso teórico
alemão afirmou existir três grandes classes: os assalariados, os capitalistas e
os proprietários de terra. Eis a tríade maldita. Porém teóricos como Trotsky
afirmaram haver, em verdade, três outras classes principais: o proletariado, a
classe média (ou pequena burguesia) e a classe capitalista. A letra literal de
Marx, claro, tem mais peso, mais “valor”, tendo preferência entre os marxistas
“ortodoxos”. É compreensível. De qualquer modo, resta elaborar com método
dialético sobre o tema, tentando “adivinhar” qual seria o texto final do
fundador do socialismo científico. Lembremos que nem sequer Engels ousou
terminar o capítulo 52 do livro III, As classes.
Após o necessário rodeio
introdutório, este esboço visa oferecer uma interpretação própria baseada na
dialética, seu método científico e sua lógica (mas não, é evidente, em seu modo
próprio de exposição das ideias, pois exigiria trabalho mais amplo).
Em primeiro lugar, deixemos
cristalino que por proletariado ou por operariado, nomes diferentes do mesmo
objeto, da mesma classe, incluímos, aqui, todos os produtores de valor e de
mais-valor, além de também somente, por outro ângulo, produtores de valores de
uso alienáveis, com produção escalável e medível pelo tempo, ou seja:
assalariados das fábricas, das minas, dos campos, dos transportes e da construção
civil, além de trabalhadores mais “artesanais” como os padeiros. Todos eles
adicionam valor às mercadorias.
A maioria dos assalariados não
operários bem cabe no conceito de assalariados médios, parte da classe média. A
forma-salário é, por isso mesmo, uma forma: faz parecer que todos os setores
são iguais porque recebem um salário, escondendo a diferença de conteúdo que
está para além da superfície da sociedade – que algumas atividades sociais
produzem valor e outras não o produzem.
Feito tais esclarecimentos,
entremos mais diretamente na intenção deste texto.
Na Ciência da Lógica, Doutrina do
Conceito, Hegel faz exposição dialética das categorias universal (ou geral),
particular e singular (ou individual). Como dialético, afirmou que as
categorias não estão isoladas e fixadas no entendimento; na verdade, na razão, elas
estão misturadas, em contato, onde uma é expressão da outra e na outra, e vice-versa. No Livro I d’O
capital, ao tratar da divisão do trabalho na sociedade, Marx recupera tal
formulação, deixando claro que as reivindica (diferente de sua crítica parcial
ao conceito de particular feita
durante sua juventude). Pois bem; penso que a questão das classes expressa, também,
a mesma relação. Vejamos, no capitalismo:
Classe no universal, no geral: proletariado, classe média,
burguesia, proprietários de terra, lupemproletariado.
Classe no particular: a classe metalúrgica, a classe gráfica, a
classe tecelã, a classe de padeiros, a classe vidreira, a classe petroleira,
etc. – expressão particular do geral, do proletariado; jornalistas, advogados,
professores, economistas, médicos, pequenos empresários, pequenos donos de
terra, etc. – expressão do geral no particular entre a classe média;
banqueiros, industriais, patronal comercial, burguesia da metalurgia, burguesia
do setor automobilístico, etc. – expressão do geral, o capitalista, no
particular; etc.; etc.;
Classe no singular: aquele operário metalúrgico, aquele operário
gráfico; aquele professor assalariado, aquele médico assalariado; Aquele
burguês dono de empresa de cosmético; aquele proprietário fundiário de bosques;
aquela prostituta (lupemproletariado), etc.
É uma visão nova de fato. Até
onde sei, nenhum outro marxista tomou a questão das classes desde o universal,
o particular e o singular. Aí, a dialética cumpre seu papel. De qualquer modo,
o pensamento ainda flutua. Tal observação corresponde ao pretendido por Marx? A
resposta a esta indagação deve ser oferecida com outra pergunta: a elaboração
acima está em si e, centralmente, na realidade correta ou errada? Justificando este
esboço, penso que é a resposta justa ao tema, sim, corresponde ao real.
Porém, o momento de virada: nem
tudo é classe social. Os políticos, os dirigentes sindicais, os profissionais
de partidos, os gerentes e os executivos das empresas – são o quê? São também
apenas assalariados? Penso que devemos colocá-los na posição de burocracia, são os burocratas das
diferentes classes da sociedade. É o ponto fora da curva ou a curva fora do
ponto, que seja. Reforçamos: nem tudo é classe social. Há camadas de homens e
mulheres que são desclassados, que são destacados pela própria necessidade de
funcionamento social.
Por fim, outra variação. O
conceito nunca se cabe completamente dentro de si próprio. Com o atual nível de
queda da taxa de lucratividade, um burguês industrial pode bem investir parte
de seu lucro em dívidas públicas, transitando entre dois tipos da classe
dominante, o que torna até sua mentalidade duplicada, com um pé em cada setor.
Um operário pode, em nossa época, ter um pequeno comércio em sua casa para
complementar a renda, ou ter um sítio pequeno, ou algumas ações raquíticas na
empresa onde trabalha; assim também duplicando sua “visão de mundo”, um pé no
proletariado e outro na classe média. Em tempos de desemprego crônico, diz
Trotsky, o grande número dos sem emprego e sem esperança de contrato de
trabalho – o exército industrial de reserva – quase forma uma nova classe em
nossa época, uma subclasse dos desempregados. Essas são expressões deformadas,
dentro dos limites categoriais do capitalismo, da tendência ao fim das classes
sociais.