Psicologia,
ética e estética
–
marxistas
CRISE SISTÊMICA E MENTALIDADE
Psique – Por uma psicologia Marxista – Crise da
psique
Ética marxista – Por uma ética dialética – Crise da
ética
Estética marxista – Crise da arte
Apêndices
A categoria mais-poder
O capitalismo como (modo de) transição
Bibliografia
PSIQUE
Para
a crítica da psicologia
Por
uma psicologia marxista
Crise
da psique
Temos, aqui, uma pesquisa completa, sistemática, mas ainda
inconclusa. Alcancei uma série de conclusões sobre o tema cuja exposição não
precisa ser adiada. A obra completa terá três partes: psique, ética e estética
– marxistas. Tais terrenos precisam das sementes de nossa tradição, ainda. A
psicologia marxista é uma das grandes tarefas intelectuais da humanidade. Como
veremos, nem sempre o indivíduo será o foco, embora ele importe muito. Mudamos
o ângulo e o foco desta ciência incompleta, que nunca poderá se sustentar por
seus próprios pés sem mais.
Uma das ideias vulgarizadas do marxismo é esta: o modo como
vivemos determina o modo como pensamos. As ideias e sentimento nunca serão um
raio em céu azul. No mais, elas são materiais e forças materiais. Nossa cabeça
é concreta. Por muito tempo, por um materialismo vulgar e unicausal, os marxismo
consideraram a idealidade como determinada mecanicamente pela economia; logo,
havia um desestímulo à pesquisa desse mundo, dessa esfera, desse complexo. Mas
as partes de uma totalidade influenciam reciprocamente umas às outras, além de
possuírem uma autonomia relativa. A onda de depressão e suicídio em nosso tempo
exige uma psicologia dialética para ontem e para o amanhã. A ideia de que somos
determinados pelo meio tem altíssima validade, porém nada explica por si, sem
pesquisa.
A existência de várias psicologias, várias escolas, demonstra
uma incompletude de tal ciência – teses e ângulos parciais surgem. A hora é de
ao fundo, ao fundamento. Temos prédios frágeis por bases frágeis. Trata-se,
portanto, de fundar uma teoria unificada da psique. O pluralismo teórico e
metodológico pouco ajuda; apesar disso, devemos ouvir as diferentes vertentes,
pois todas têm um lado da verdade, que é o todo. Sem dialética, impossível uma
ciência da psicologia.
Nosso objetivo, o objetivo da psicologia e do marxismo, nada
mais é que tornar a vida humana, além da natureza, mais feliz, mais realizada –
a humanização da humanidade. Por isso, separar o estudo da mente das questões
gerais do destino humano é um erro enorme.
A vida deve ser vivida, não apenas sobrevivida. A felicidade relativa
deve ser para agora, não para outro mundo. Se todos exigirmos uma vida que vale
a pena, o sistema cai. Eis a verdade oculta.
A psicologia verdadeira é necessariamente anticapitalista.
PARTE 1
ASPECTOS DE BASE
NATUREZA
HUMANA
“Aqui, a liberdade não pode ser mais do
que o fato de que o homem socializado, os produtores associados, regulem
racionalmente esse seu metabolismo com a natureza, submetendo-o a seu controle
coletivo, em vez de serem dominados por ele como por um poder cego; que o façam
com o mínimo emprego de forças possíveis e sob as condições mais dignas e em
conformidade com sua natureza humana.”
Em O Capital I, Marx toma nota:
Aplicado ao homem, isso significa que,
se quiséssemos julgar segundo o princípio da utilidade todas as ações,
movimentos, relações etc. do homem, teríamos de nos ocupar primeiramente da
natureza humana em geral e, em seguida, da natureza humana historicamente
modificada em cada época. Bentham não tem tempo para essas inutilidades.
O mouro faz uma crítica e aponta o
procedimento metodológico. No entanto, os marxistas
1) Confundem
natureza humana com personalidade;
2) Confundem
natureza humana com moral;
3) Enfim,
confundem “natureza humana em geral” com “natureza humana historicamente
modificada em cada época”.
O primeiro passo para avançarmos dar-se
por meio da teoria marxista da alienação. Em resumo, alienação é
1) Fragmentação
do homem, seu afastamento de relações plenas com a comunidade;
2) Domínio
do homem sobre o homem, a coisificação do semelhante (machismo, classes
sociais, homofobia, xenofobia etc.);
3) Exclusão
do homem de sua criatividade, capacidade singular da espécie, de imaginar e
colocar em prática de modo ativo.
Ou seja:
1) Separação
do homem da sociedade a qual integra;
2) Separação
do homem dos iguais, dos outros homens;
3) Separação
do homem de si próprio.[1]
Em duas sentenças de Marx: a
valorização do mundo das coisas em proporção à desvalorização do mundo dos
homens; humanização das coisas e coisificação dos homens.
Dada a base, basta-nos rastrear a
equação: se há alienação, há algo negado – algo alienado. Invertamos,
deduzamos: seria qual a solução da alienação, o inverso?
1) Integração
dos homens;
2) Relações
mutualistas;
3) Ser
ativo.
Estamos diante da essência biossocial.
E esta descoberta tem implicações sobre todas as ciências humanas, além da
psicologia.
Qual, portanto, a origem da natureza
humana? Dos primatas que desceram das árvores nas savanas[2]
até o homo sapiens sapiens ocorreu um longuíssimo período de formação da nossa
espécie por meio da seleção dos mais aptos à sobrevivência. Aqueles cujo perfil
facilitava a prática do que hoje é essência humana adquiriam probabilidade
maior de sobrevivência, perpetuavam-se[3].
Por isso, por história da humanidade devemos considerar, também, a história da
formação da nossa própria espécie, isto é, a importância da biologia na
formação do pensamento marxista. Resolvemos, então, a oposição sobre se a
essência é histórica ou natural. Assim, superamos o falso “historicismo” e a
tese pós-moderna de que tudo é – limita-se à – construção social[4]. É a
formação do homem como formação do próprio homem, do orgânico ao social[5].
Em elaboração geral, a alienação ocorre
quando o mundo gerado pelo homem ganha autonomia frente a este e volta-se
contra ele – a criatura passa a dominar o criador. É preciso, pois, ver a
alienação como um fenômeno subjetivo, objetivo e intersubjetivo, assim como a
natureza humana – interno e externo ao indivíduo. Tem sua existência na
totalidade social e na psique. Destacamos aqui a psicologia por ser esta a
questão que esta ciência faltou resolver, a natureza humana, seja por ideologia
ou por pouco interesse pela filosofia marxista na ciência oficial.
No entanto, curioso o espanto causado
por esta exposição entre marxistas. Ficamos diante das observações: se a
natureza é apenas histórica no sentido dos modos de produção, o homem é de fato
adaptável – logo a alienação social não explicaria a onda de depressão e
suicídio? Se explica, há algo de fato negado. Se o homem é, em essência, apenas
o determinado pelo modo de produção, adaptar-se-ia às condições dadas sem
maiores prejuízos, senão físicos, pelo menos psíquicos. Por isso, uma resposta
própria do marxismo percebe contradição entre natureza humana historicamente
modificada em cada época e natureza humana em geral. Entre as tarefas dos
homens e mulheres no e rumo ao socialismo será resolver este problema objetivo.[6]
Mário Bunge, o menos limitado dos
filósofos oficiais da atualidade, socialista utópico que nada compreendeu do
método de Marx, assim expressa, de modo correto:
Estamos vivendo a década do cérebro.
Avança-se bastante, mas também ignora-se bastante. Não sabemos exatamente quais
são as partes do cérebro conscientes de si mesmas; mas acaba-se de descobrir
que dar traz muito mais prazer que receber, e que é o mesmo tipo de prazer que
sentimos ao comer algo saboroso. Descobriu-se também, que a desigualdade é
muito mais nociva que a pobreza. A desigualdade causa stress e este, por sua
vez, acarreta em uma superprodução de substâncias nocivas que destroem o
cérebro. Nos países mais igualitários, as pessoas são mais longevas. Os
costarriquenhos e os cubanos vivem muito mais que os norte-americanos. Ganham
muitíssimo menos, são muito mais pobres, mas vivem mais porque são mais
igualitários.
Complementamos que, socialmente, o
altruísmo, não significando necessariamente desprazer, pode ter na outra ponta
da relação um impulso egoísta de quem recebe a ação. Por isso mais correto é o
estabelecimento do mutualismo, que supera os opostos, como expressão categorial
da essência humana[7].
Vejamos o que diz Mèszáros:
Termos como malevolência, egoísmo,
maldade etc. Não podem existir sozinhos, ou seja, sem a contrapartida positiva.
Mas isso também se aplica aos termos positivos
desses pares opostos. Desse modo, não importa qual o lado adotado por um
determinado filósofo moral em sua definição de natureza humana como
inerentemente egoísta ou maldosa, ou altruísta e bondosa: ele acabará
necessariamente com um sistema totalmente dualista de filosofia. Não se pode
evitar isso sem negar que ambos os lados desses opostos são inerentes à própria
natureza humana. (Mészáros, A teoria da alienação em Marx, 2006, p. 151)
Ele Critica o kantismo, porém continua
preso à dialética kantista. Deve-se ver a unidade superante dos opostos, além
do desenvolver lógico e histórico das categorias. O nem positivo nem negativo
passa para o positivo e negativo, que são superados em um novo nem negativo nem
positivo. Assim, a negação prática da natureza humana levou a formar uma
oposição entre egoísmo e altruísmo, superada – suprassumida – pelo mutualismo.
Se o caráter comunitário, por exemplo,
é natural entre nossos primos evolutivos, ele salta de natural para social na
espécie humana. Tal mudança qualitativa de natureza é incompreendida. O aspecto
natural da espécie não é destruída mas suprassumida numa nova natureza, a
natureza humana[8]. É mais do
que o comunitário natural, sendo elevado, mais dinâmico e complexo, ao social
por meio do trabalho.
Se abstraímos as origens físicas, parte
significativa das doenças mentais possui origem na alienação, ou melhor, na não
satisfação da natureza humana. A solidão excessiva, por exemplo, degenera e
pode acarretar problemas como a paranoia, que expressa a necessidade de
interação. Essa observação simples demonstra a inerência de certas
características. Viver agrupado é mais do que uma vantagem evolutiva externa,
pois está instalada no aparelho psíquico como necessidade, como exigência a ser
satisfeita. O trabalho alienado, repetitivo e vazio de sentido, negação do
caráter ativo do homem, é outro exemplo de insatisfação, que estressa o
trabalhador.
A teoria unificada da psicologia é uma
tarefa por se fazer, no entanto muitos marxistas recuam. Não contradição na
relação entre as naturezas humanas geral e histórica é o que se pode concluir
de modo equivocado. É tarefa socialista desenvolver, na medida em que sua base
material amadurece, uma nova relação, ainda dinâmica, entre natureza humana e
sociedade e entre natureza humana e a superestrutura subjetiva (moral,
concepções, etc.)
À concepção neoliberal de natureza
humana – individualista, concorrencial e otimizador de bens – opomos outra,
esta sim assentada na mais avançada apreensão científica de nossa época,
corroborada pelas descobertas da ciência[9].
A concepção burguesa, sempre requentada, corresponde à imposição do mundo das
coisas sobre a psique, tem caráter empírico mas naturalizado, não histórico,
incorrespondente, também, com a história da formação de nossa espécie. Trata-se
de diferenciar o conjuntural do estrutural e de expor a contradição que daí
deriva.
Por seu lado, o falso “historicismo”
foi uma forma incompleta mas muito eficiente ao afirmar o homem, o caráter
social da espécie. O enfrentamento contra o darwinismo social puxou a balança
para o lado oposto. Agora devemos limpar caminho contra o determinismo genético
por outro meio: considerando o natural, o social e o “um no outro” entre os
humanos. As condições históricas, científicas e ideológicas permitem o avanço. Supera-se
a unilateralidade da observação focada exclusivamente num ou noutro polo, sendo
o polo determinante o social.
Apoiados na categoria trabalho como
categoria fundante do homem, podemos enfim superar a obra de Freud, que tem
resistido bem até aqui às duras críticas e elaborações alternativas. A
psicanálise, por não ter uma concepção própria de natureza humana, acaba
cedendo à visão oficial, o homem enquanto lobo do homem. Todas as versões
críticas anteriores sucumbiram e tomaram posição inferior no trato sobre a
psique porque falharam onde também a concepção freudiana falhou. Não mais se
trata de atualizar mas de ir além, suprassumir o legado psicanalista[10].
***
Na consideração das características
essenciais da psique humana, devemos tomar uma exceção: o psicopata. Desprovido
de estrutura cerebral e mental para a empatia e as emoções, a personalidade
psicopática arranja-se fora da natureza humana.
Seguindo o caminho frio do dinheiro e
da luta de todos contra todos, os tipos psicopáticos tendem a estar em cargos
de destaque: líderes religiosos, políticos, diretores de empresas. É o perfil
que melhor acomoda-se às exigências subjetivas do capital. A luta de classes
torna-se, em certa medida, contanto considerado sua natureza social, uma luta
biológica.
***
A consideração mais sábia sobre a
felicidade humana afirma que ela é impossível, portanto devemos buscar, com
todas as dificuldades inevitáveis, uma vida que valha a pena. Tentar ser feliz,
portanto, aparece como mera ingenuidade.
Neste nível do considerar, separemos
alegria, um estado momentâneo de emoção, da felicidade, uma condição material.
Este último é a palavra mais próxima antônima de alienação. Esta expressão, em
oposição àquela, existe porque é necessário falar de um estado de coisas tão
presente, enquanto falta nome melhor para o seu inverso, já que é escasso.
Ter uma vida feliz é ser feliz em
determinadas condições. O grande tema do marxismo é a felicidade e todos os
meios são pensados, pelo ponto de vista revolucionário, para nos aproximarmos
de tal fim.
O mundo contemporâneo busca ser feliz
por meio da teologia da prosperidade, da autoajuda, do esforço sobre-humano,
etc. Vivemos uma época de coisas ricas e abundantes em si próprias, quase como
se a felicidade pudesse ser e não ser tocada. A possibilidade latente de uma
vida plena, ainda exigente de esforço e disciplina, sentida pela intuição
geral, revela-se de fato como apenas em latência.
Lembremos que a alienação, cujo oposto
combina as palavras felicidade e liberdade, não é, em primeiro, um fenômeno psicológico.
Um burguês é feliz com sua alienação, pois está no polo positivo, vencedor. Por
outro lado, se sua condição de vida deixa de satisfazer a natureza humana, pode
até mesmo viver em depressão e depender de remédios psiquiátricos.
Podemos determinar neste subcapítulo
uma previsão e uma exigência: a plena integração das coisas ocorrerá a partir,
somente se, da plena integração dos homens – entre eles e consigo próprios[11]. Dito de
outro modo, a fusão futura da arte e da vida idealizada por Nietzsche encontra
uma versão realista no socialismo. A humanização do homem, sua emancipação, sua
saída da pré-história, se dá por um longo processo de desumanização, por meio
da alienação, por meio do inverso.
***
Pode-se argumentar que a natureza
humana é dada pelas condições materiais existentes. Ora, o cérebro humano é uma
“condição material existente” e tem suas exigências de satisfação. Muitos
marxistas, ao considerarem apenas a natureza conjuntural, tomam a essência do
homem em uma sociedade como sua própria visão ideológica – no bom e no mau
sentido – que a mesma sociedade tem de si. Assim, a essência humana seria de
homem senhor de escravo no escravismo segundo a posição de seus filósofos, de
um pecador no feudalismo de acordo com os pensadores teólogos e de egoísta no
capitalismo como afirmam seus sérios ideólogos. A essência humana conjuntural
confunde-se com o julgamento que os homens fazem de si. Para alcançar uma
posição superior, uma pequena dose de biologia na produção teórica é necessária
e pode manter-se, como vemos, dentro dos limites do ortodoxismo. O homem é um
ser social, mas ainda um animal; tem em si aspectos sociais, naturais,
sócionaturais e naturais socialmente modificadas[12].
***
A revolução socialista seria a
realização e uma imposição da essência humana? Uma situação revolucionária
surge quando as condições sociais de existência faltam ser atendidas e quando
as necessidades humanas (também socialmente criadas e desenvolvidas) precisam e
carecem de ser satisfeitas. É claro que a contradição entre natureza humana e
os sistemas de dominação classista tem sua importância e são resolvidas pelo
socialismo, mas a realidade material pesa mais e é mais ampla.
***
Para esgotar os argumentos contra a
descoberta de uma essência ou natureza humana em geral, dedicamo-nos a mais um
aspecto. Alguns camaradas tratam o tema defendendo que Marx parte da concepção
de que não há natureza humana natural, e haveria apenas essência histórica como
ponto de partida de seus estudos. Isso é um erro, pois partir de um postulado
qualquer, como afirmar que a essência humana responde apenas aos modos de
produção, trata-se do método de investigação dedutivo, não do método dialético,
que é o de Marx. Uma concepção deve ser um resultado da investigação
científica, não seu ponto de partida. No mais, abrimos este capítulo com duas
citações de Marx que sugerem claramente uma concepção diferente de natureza
humana. Dito de outro modo: uma “premissa”, se escolhêssemos este caminho
metodológico, deve ser abandonada sem rodeios assim que a pesquisa exigir outro
resultado, outra conclusão. Do contrário, tratar-se-ia de um dogmatismo quase
religioso, que despreza o real (assim como os avanços da ciência). O marxismo
nunca parte de concepções arbitrárias para entender o mundo; seu ponto de
partida é a empiria, o factual. Se há ou não uma essência humana “natural”,
sendo também histórica ao seu modo como demonstramos, deve ser um resultado,
não um começo.
***
Esta nova concepção marxista de
essência ou natureza humana explica, supera e suprassume as concepções
anteriores. Vejamos dois casos destacados na história da filosofia. Aristóteles
afirmou que o homem é um animal político, da pólis, da comunidade – expressando
o ser integrado, indiretamente o ser mutualista; afirmou ainda que o homem é um
animal racional – expressando o ser ativo, embora do ponto de vista
escravocrata, do trabalho intelectual. Hobbes afirmou do homem a competição, a
desconfiança e a glória – exatamente ligados, embora por negação, com a
integração, o mutualismo e o ativismo. Marx e Engels demonstraram que o homem
só pode ser individualista e egoísta em sociedade, ou seja, de algum modo
integrado. Todas as concepções rementem, mesmo que de modo negativo, incluso a
concepção neoliberal antes citada, à essência humana em geral, ainda que exija
trabalho filosófico-científico para perceber o lastro. Na revolução francesa,
tivemos a bandeira da liberdade (ser ativo), igualdade (ser integrado, ser
mutualista) e fraternidade (ser integrado, ser mutualista) como instinto revolucionário
daquilo que é essencial em nossa natureza. Feuerbach filosofou que Deus é
expressão da essência humana alienada; se tomamos a filosofia cristã, o
Deus-pai criador é alienação o ser ativo, o filho expressa o ser mutualista e o
espírito santo expressa o ser integrado. Hegel demonstrou que no começo da
história, no primitivismo e no mundo antigo, a sociedade (ser integrado) é tudo
e o indivíduo (ser ativo) é nada; por transição na Idade Média, o mundo moderno
fundou a concepção de que o indivíduo (ser ativo) é tudo e a sociedade (ser
integrado) é nada; segundo ele, chegaríamos, ainda sob o capitalismo, à
concepção de que a afirmação e o desenvolvimento do indivíduo são, também, a
afirmação e desenvolvimento da sociedade, e vice-versa, sem mais tal oposição,
em progressão mútua – seu projeto teve de ser adiado para realização
socialista, onde a afirmação e desenvolvimento de ambos realizará a natureza de
nossa espécie (com o mutualismo enquanto unidade de ser integrado e ser ativo,
etc.). O comunismo é a afirmação completa do indivíduo, não sua negação, como
indivíduo que só é todo seu potencial em plena comunidade plena.
Em Hegel, no campo da Lógica, vemos que
o individualismo é a negação do indivíduo:
A autossubsistência, levada ao extremo
do uno que é para si, é a autossubsistência abstrata e formal que destrói a si
mesma, o erro supremo e mais obstinado que se toma pela verdade suprema, - que
aparece em formas mais concretas como liberdade abstrata, como Eu puro e,
então, ulteriormente, como o mal. É a liberdade que assim se equivoca ao pôr
sua essência nessa abstração e, neste ser junto de si, gaba-se de alcançar-se
em sua pureza. Esta autossubsistência é, de maneira mais determinada, o erro de
considerar o que é sua própria essência como negativo e de comportar-se frente
a isso de modo negativo. Ela é, assim, o comportamento negativo frente a si
mesmo que, na medida em que ele quer alcançar o seu próprio ser, destrói o
mesmo, e esse atuar é apenas a manifestação da nulidade desse atuar. A reconciliação
é o reconhecimento daquilo, contra o que o comportamento negativo se dirige,
antes, como sua essência e [a reconciliação] é apenas como desistir da negatividade do seu
ser para si, ao invés de manter-se firme nele.
O ser mutualista e o ser ativo
preservam o para si, suprassumindo-o. O individualismo exacerbado neoliberal é,
assim, de certa forma, um ato de transformar, apenas idealmente, necessidade ou
condição em virtude.
Em Heiddegger, o ser-para-mundo, o
impulso para além de si do homem (o ser aí), com o cuidado dos utensílios, com
os quais interage, influenciando-se mutuamente, é uma versão inferior e parcial
do ser ativo. O ser-para-outro corresponde, embora de modo deficitário, quase
unilateral, ao ser mutualista e, indiretamente, ao ser integrado. O
ser-para-a-morte, reconhecer a própria finitude, então fazendo a vida valer a
pena, leva ao correspondente ao ser ativo.
Sartre, com seu existencialismo,
expressando a classe média no auge do capitalismo europeu, defendeu que o
inferno são os outros. Isso apenas se sustenta na escassez, na luta de todos
contra todos – mas nada somos sem outro humano. Ele afirma o ser ativo, negando
o ser integrado e o ser mutualista. É unilateral, portanto.
O ser integrado expressa a essência
humana no geral, no universal; o ser mutualista expressa a essência humana no
particular; o ser ativo expressa a essência humana no individual, no singular.
Também: o ser integrado liga-se ao objetivo; o ser mutualista liga-se ao
intersubjetivo; o ser ativo liga-se ao subjetivo.
Se o capital é, como dizem os marxistas
modernos, antissocial intrinsecamente; cumpre notar que ele produz uma essência
humana histórica também antissocial ou destrutiva, contra a essência humana em
geral.
MATERIALISMO
OU IDEALISMO?
Grosso modo, o idealismo é afirmar que a ideia e seu desenvolvimento faz
a realidade enquanto o materialismo, oposto, afirma que a realidade, a matéria,
faz o pensamento. Marx adota a segunda posição, às vezes de modo muito intenso.
Mas o mais correto é dizer: o marxismo é a fusão de idealismo e de materialismo
num terceiro, o terceiro excluído incluído. É verdade que a matéria faz,
primeiro, a ideia, mas, sendo a ideia uma forma toda especial e mui complexa de
matéria, ela tem uma autonomia parcial, relativa, além de ser trabalho, de ser
produtiva (cérebro) – a ideia, a idealidade, também afeta o mundo, em principal
o social. O polo determinante dessa unidade é o materialismo, mas não de modo
mecânico, unicausal, sem mediações (ele se medeia, no externo, consigo mesmo
como se com outro, outro de si). Por isso fazemos de fato nossa história,
pessoal e social, mas sob dadas condições materiais. O marxismo supera a
oposição unilateral entre materialismo e idealismo, conclui a história da
filosofia.
Vale uma construção lógica. Na lógica aristotélica, A = x ou não-x, sem
terceira resposta, sem um terceiro, que é excluído – ou materialismo ou
idealismo. Na velha dialética, existe a verdade exato nesse terceiro, que passa
a ser incluído. Mas o terceiro costuma não ser nomeado, “entre” o relativo e o
absoluto, podemos apenas aproximar com o relativamente relativo; “entre” o
materialismo e o idealismo não há, também, nomeação. Na nova dialética,
mantendo em pé a velha, x vai até não-x em “A”. Assim, o materialismo em autodesenvolvimento
constrói o ideal, o idealismo, sem deixar de ser o “material” o verdadeiro
motor primeiro e o centro, a verdade. Esse caminho do materialismo para o
idealismo relativo é o caminho da sociabilidade cega existente até a
sociabilidade organizada e planejada, central e democraticamente, no
socialismo, quando a ideia fazer a matéria ganhará mais peso, ainda subordinado
ao polo oposto unilateral, o materialismo. O terceiro, que supera o
materialismo e o idealismo, desenvolve-se, dinamiza-se. O idealismo (abstrato)
é o materialismo (concreto) em autodesenvolvimento (processo).
Eis nossas conclusões, um novo marxismo. Mas precisamos limpar o terreno
para ganhar outros marxistas para nossa concepção. O velho Marx, d’O Capital,
adotou o materialismo “duro e rígido”. Após elogiar muito um dos seus críticos,
ele cita um comentário à sua obra, que diz:
Para tanto, é plenamente suficiente que ele demonstre, juntamente com a
necessidade da ordem atual, a necessidade de outra ordem, para a qual a
primeira tem INEVITALVELMENTE de transitar, sendo ABSOLUTAMENTE INDIFERENTE se
os homens acreditam nisso ou não, se têm consciência disso ou não. (…) Se o
elemento CONSCIENTE desempenha um papel tão subalterno na história da
civilização, é evidente que a crítica que tem por objeto a própria civilização
está impossibilitada, mais do que qualquer outra, de ter como fundamento uma
forma ou resultado qualquer da consciência.
Segundo o próprio Marx, o comentador foi preciso, exato:
Ao descrever de modo tão acertado meu verdadeiro método, bem como a
aplicação pessoal que faço deste último, que outra coisa fez o autor senão
descrever o método dialético? (Idem, p. 90)
O trecho tem outros pontos semelhantes ao exposto. Ademais, para Marx, a
vontade do capitalista não é a vontade dele próprio, mas do capital impessoal,
que se expressa no indivíduo.
O jovem Marx, em textos não publicados em especial, ao menos esboçou
nossa concepção. A posição materialista unilateral é substancialista; a
idealista, relacionalista. Em outro capítulo, demonstraremos que Marx pendula
entre a concepção de substância e de relação, apesar de sua revolução
teórica-metodológica e resolver várias oposições entre esses dois pontos de partida.
A velha geração marxista afirma que tentar antecipar aspectos gerais do
socialismo, mesmo durante o ocaso maduro do atual sistema, trata-se de
idealismo… Mas o ideal importa, a arte marxista é, também, prever, uma
historiografia do futuro possível a partir das bases materiais presentes.
O materialismo focou no aspecto animal do homem; o idealismo, na sua
diferença para com os demais seres
A própria realidade quebra-se em materialismo e idealismo. Materialismo
– trabalho manual; idealismo – trabalho espiritual, intelectual. Como a verdade
é o todo, a realidade supera e abarca ambos.
A verdade supera e funde o materialismo subjetivo e o idealismo
objetivo.
SUBJETIVAÇÃO
DA OBJETIVIDADE
No idealismo objetivo de Hegel, enquanto materialismo de cabeça para
baixo, já fica claro, ao marxismo, a objetivação da subjetividade (pensa-se o
projeto de fundar um sindicato, e funda-o). A relação é, ademais, retroativa:
há, também, a subjetivação da objetividade. É famosa na internet uma lição de
moral: os mais velhos têm um casamento longo, duradouro – mas por quê? Porque,
dizem, na época deles, se algo quebrava, eles não jogavam este ao lixo, mas o
consertavam, o reconstruíam. Isso transborda inocência e romantismo, porém há
uma verdade importante aí: nós nos relacionamos pessoalmente com as coisas. Nossa psique nunca separa por uma
parede fixa nossa relação com pessoas, animais e coisas. Marx diz que o homem
tem a coisa, no entanto, por outro lado, a coisa passa a ter o homem. É como se
os objetos tivessem, embora não o tenham, uma “personalidade objetiva”.
Heiddegger trata, na relação recíproca, os objetos como utensílios, que têm
utilidade para nós enquanto, por outro lado, nós os preservamos. Logo nossa
relação atual com as coisas, com os objetos, afeta nossa subjetividade de fato,
como intui o senso comum, embora sem conseguir reconhecer sua formulação
(apenas na área da psicologia cabe o platonismo “saber, mas sem saber que o
sabe”). Faz parte do declínio geral da psique, por exemplo, a descartabilidade
e a alta perecibilidade das coisas enquanto mercadorias – afeta-nos. A forma
como leio um livro, como me relaciono para com ele na dedicação de lê-lo, é
semelhante ao meu comportamento com as demais pessoas. Um apartamento pequeno e
sem varanda constrange a mente humana. Quando Bauman diz do mundo líquido, na
verdade plasmático, diz, no fundo, isso. Tudo que era sólido desmanchou-se no
ar – mesmo.
Vale um destaque. O objeto central deste modo de vida, o dinheiro, passa
pela alta desmaterialização, é virtual, o que reduz a capacidade de medida
concreta pela razão humana, um desmedido, embora esta não seja a causa central
do alto endividamento.
Embora erre muito, Marcel Mauss acerta, em sua crítica a Marx, quando
afirma o papel das coisas na vida humana. As coisas são o meio necessário da
relação do homem com o homem, não apenas na forma de alienação, mesmo se coisas
ideais como projetos comuns. A cerveja, por exemplo, é um lubrificante social
que unifica os indivíduos (que o meio se torne fim é uma degeneração da
relação).
O desenvolvimento da criança deriva da interação com o meio coisal, com
o meio social e por avanços físicos e biológicos – os psicólogos erram quando
focam em apenas um desses aspectos. Vários pensadores idealistas, muito antes
da ideia de virtual ou de matrix, duvidaram se a realidade é, de fato, real ou
uma ilusão. O que levou, no fundo, a tal pensamento? Bem; pessoas que têm
baixíssima relação prática com o mundo, como em casos de severa depressão
imobilizadora, tendem a duvidar da existência como algo existente de fato. Um
estilo de vida pouco “fazedor” ou com pouco movimento, com pouca ação, produz
na mente uma, por assim dizer, distância, que faz duvidar do estatuto da
realidade. Por isso Platão, um escravocrata longe do trabalho manual, pensou o
mundo das ideias e alegoria da caverna. Por isso Descartes pensou que o mundo
poderia ser a criação ilusória de um demônio. A divisão de classes, em que um
setor é pouco prático, é a base do idealismo, como o marxismo sabe.
Vale relatos comuns. Cientistas programadores pararam de programar, nos
casos que conheci, porque perceberam que estavam pensando segundo a maneira da
programação. Tive muitas das conclusões deste livro ao lavar louças, pois
limpar o material com as mãos ajuda a limpar os pensamentos. O modo como
interagimos e trabalhamos afeta decididamente nosso modo de pensar.
Em Lúkács, cm semi-idealismo, há apenas dois movimento diferentes, mas
unidos:
1)
Objetivação
(de ideia, teleologia subjetiva),
2)
E sua
exteriorização.
Mantendo ambos, complementamos, sentido inverso:
1)
Subjetivação
da objetividade,
2)
E sua
interiorização,
3)
Essencialização
subjetiva da aprência ou forma objetiva externa,
4)
Autônoma consciência do inconsciente social.
O útimo exige explicação. Posso saber, de maneira imediata, que um tanto
de sofás são trocáveis por uma casa – mas não sabemos o motivo e não sabemos o
motivo de sabermos isso, nem porque somos ignorantes em relação ao lastro
oculto. Eis o inconceitne social e pessoal.
O EU
PRIMÁRIO
Tratarei deste tema mais uma vez em outro capítulo. Adianto porque é
difícil, essencial; além de soar como engodo, exagero, pseudocientífico por seu
lado bizarro e sua difícil demonstração empírica direta.
Freud tomou o inconsciente como um não-eu no sentido de ser sem tempo,
desorganizado, armazenador de memórias inaceitáveis ao ego etc. Erram os
marxistas que negam tal teoria correta – por isso deixam de ir além, de
oferecer algo novo quantitativo e qualitativo, desde o freudismo. Como ir além,
como superar tal concepção de inconsciente? Nós temos um Eu autoconsciente,
vivo e organizado, mas oculto para nós e para os outros. Usamos máscaras, mas
elas não são falsas, enganos ou teatralidade. Temos dois eus verdadeiros, um
sujeito oculto determinado – como se fosse duas personalidades com a mesma
personalidade. Quando olho, em análise, alguém por dentro, o seu eu interno;
tal eu percebe, defende-se, sente-se ameaçado sem que o eu externo dele próprio
perceba (então, passa a me odiar por um motivo qualquer, como autodefesa,
gerando contra mim, o analizador, um inimigo para toda a vida…). Freud não
percebeu que o chiste, que não é piada ou ironia, quando por meio da linguagem
eu e outro falamos de nosso lado inconsciente, mas como brincadeira – é na
verdade os eus internos comunicando-se diretamente, usando de modo mais direto
o eu consciente. A consciência e o eu consciente são frutos do trabalho e da
necessidade de lidar de modo prático com o mundo prático, externo. Já o eu
inconsciente apenas foi desconfiado por poetas e filósofos em todos os tempos.
Vale uma anedota: ao fumar maconha, os praticantes de tal arte têm certa moral
informal de não falar sobre esse outro lado, mais essencial, percebido por meio
da erva, para ninguém se perder no caminho… Como dissemos, trata-se de uma
conclusão bizarra semelhante às descrições da física quântica. O nome pode ser
Eu interno, infraEu (destacando-se do Eu-Ego e Supereu-Supego – também
difere-se do eu verdadeiro e do eu falso, chamado falso self). Se a concepção
de inconsciente de Freud causou tanta resistência, tanto mais causará esta
concepção que supera qualitativamente a dele. Na clínica, o eu inconsciente é
quem faz a barreira, resiste, manobra e, às vezes, foge da terapia porque tem
em si consciência daquilo que não quer ter consciência. Qual, então, a relação
disso com o marxismo? Toda relação. Mas agrademos os paladares conservadores ao
iniciar o material com o eixo da economia.
AS PULSÕES
DO HOMEM
[Capítulo de minha Metafísica, última parte deste
livro]
Em outro momento, apresentamos a conclusão de que a alma pode ser
compreendia se for enquanto alma materialista, ou seja, psique. Também em outro
instante, expomos as teses gerais de nossa psicologia. Aqui, apresentaremos
três pulsões vitais do homem. São elas:
Pulsão de felicidade (sentimento, emoção) (subjetivo) (singular,
individual)
Pulsão de trabalho (ação) (subjetivo-objetivo) (particular, relação do
singular com o geral)
Pulsão ontológica (razão) (objetivo) (universal, geral)
A pulsão de felicidade afirma que somos condenados a desejar sermos
felizes. Tal impulsividade é inevitável, necessária e em si positiva. Qualquer
filosofia ou religião a propor negar tal eixo, erra e luta contra a realidade.
A pulsão de trabalho também tem sua inerência. Entre psicólogos e
filósofos, pensa-se que a pulsão primeira e fundamental seria o desejo (uma
visão mercadológica e burguesa), mas nós criamos um desejo (meta etc.) como
justificativa para agir, viver e, ou seja, trabalhar. Nós precisamos de trabalho,
ou seja, de atividade – o ócio prolongado e com ares de absoluto leva ao tédio.
Deve-se trabalhar nem que seja de modo onírico ou imaginativo. Há, portanto,
uma necessidade natural humana por trabalho (Marx). É verdade que a ideologia
da valorização do trabalho é uma criação burguesa, do burguês; por isso, algo
histórico e falso – mas a verdade básica foi alcançada.
A pulsão ontológica é a necessidade de compreender o mundo ou de ter, ao
menos, certa explicação geral sobre ele. Daí a era das religiões. Um dos piores
sentimentos é sofrer, mas nada saber da causa de sua dor – dói-se em dobro.
Kant (e as três pulsões tratadas negam a tradição kantista) afirma que tem
“tendência” (afirmo: natural) a ir para além, ou por debaixo, do empírico, do
sensível, dos dados, da experiência; rumo à coisa em si, ao númeno, à essência,
ao conteúdo. Ora, não há motivo para resistir ao impulso inerente! Nosso
cérebro pede explicação, motivos, ontologia, metafísica, ou seja, ciência
filosófica.
O abandono de tais pulsões caracteriza doença, como a famosa depressão.
Parece apenas que a pulsão de felicidade leva à de trabalho (para
realizar e realizar-se) e, logo, à de ontologia (compreender para trabalhar,
modificar o mundo). Mas isso é parcial, pois os três existem por si e com
relativa autonomia.
É curioso como as três pulsões levam ao socialismo e se realizam, à
maneira tendencial, em alto nível, nele.
O DESEJO
Na parte sobre crítica da psicanálise, veremos que Freud errou sobre
como avaliar um sonho, seu conteúdo. Mas o que mais importa é saber, antes, a
natureza do desejo, não só descobrir quais. Além de desejos opostos, que
costumam conviver no mesmo individuo (engravidar e não engravidar etc.), temos
os desejos puramente biológicos, sem mediações. O mais importante, porém, está
no fato de que nossos desejos costumam estar lastrados, com mediações, na
natureza humana: queremos integração, mutualismo e sermos ativos. Eis o
conteúdo do sonho em repouso ou lúcido. Lacan fala em desejo e demanda; este
último é o desejo do desejo. Quero brigar com o vizinho por causa da calçada ou
do seu cachorro, mas, no fundo, quero me relacionar com outro ser humano contra
a solidão, mesmo que no modo de conflito. Mais um limite psicanalítico:
desconhecer o desejo.
PARTE 2
Psicologia e economia
FIXAÇÕES HISTÓRICAS
Podemos inferir a cada época da
humanidade sob regime de classes pelo menos uma grande fixação coletiva.
A grande tara social na época
escravista parece ter sido a guerra, o tema dos poetas. O escravismo
necessitava do conflito militar constante para conseguir escravos, terras e
domínio sobre outras civilizações. Observou Maquiavel:
E embora depois esse império [Roma],
por causa da invasão dos bárbaros, se dividissem em várias partes, essa virtú não renasceu; uma, porque se pena
um bocado para recuperar as ordenações quando estão corrompidas; outra, porque
o modo de viver de hoje, no tocante à religião cristã, não impõe a necessidade
de defender-se que havia antigamente; então, os homens vencidos na guerra ou
eram assassinados ou permaneciam em perpétua escravidão, em que se levava uma
vida miserável; as terras vencidas ou eram devastadas ou despovoadas; seus habitantes
eram destituídos de seus bens, dispersavam-se pelo mundo afora, de modo que os
sobreviventes de guerra padeciam todo tipo de miséria. Apavorados por isso, os
homens tinham em alto grau os exercícios militares e celebrava-se quem era
excelente neles. Mas hoje esse temor em grande parte se perdeu; dos vencidos,
poucos são mortos; ninguém fica muito tempo preso, porque com facilidade são
libertados. As cidades, ainda que se rebelem mil vezes, não são arrasadas; os
homens são deixados com seus bens, de forma que o maior mal que se pode temer
são as taxas; de tal sorte que ninguém quer submeter-se às ordenações militares
e esforçar-se nisso para escapar dos perigos os quais temem pouco.
Daí que Heráclito diga, fundando a
dialética instintiva: "o conflito é o pai de todas as coisas: de alguns
faz homens; de alguns, escravos; de alguns, homens livres."
Os jogos olímpicos gregos e as arenas
romanas também expressavam tal fator cultural de origem na objetividade do modo
de vida daquela época.
A grande fixação feudal foi para com a
questão religiosa e a negação do corpo. Era necessário justificar o subconsumo
dos servos na subprodução daquele modo de produzir e as hierarquias classistas
por meio da religião e seus pecados – gula, luxúria, preguiça, etc. Era uma
ideologia útil ao feudalismo, à manutenção do sistema feudal.
O dinheiro é tema, guia de ação e
pensamento quase constantes no cotidiano sob o capital. Parecerá doença de
fixação monotemática visto por um povo não mercantil futuro. A loucura de sua
lógica, que toma a forma de um vício, pode ser bem visualizada quando vista de
fora, quando o mundo do mercado era minoritário e paralelo nas sociedades:
“Mas os que querem ser ricos caem em
tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas
coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.”
(1 Timóteo 6:9-11.)
E:
“Nunca entre os homens floresceu uma
invenção/ pior que o ouro; até cidades ele arrasa,/ afasta os homens de seus
lares, arrebata/ e impele almas honestas ao aviltamento, à impiedade em tudo”,
Sófocles, Antigone [ed. bras.: “Antígona”, em A trilogia tebana, trad. Mario da
Gama Kury, 9. ed., Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, versos 344-50] (Marx, O capital I, 2013, p. 206, nota 92)
Como reagirá as atuais gerações quando
seus padrões de pensamento obsessivo deixarem de encontrar a base de origem?
Soa inimaginável ao cidadão comum afirmar que o dinheiro será extinto ou, ao
menos, marginal na economia do futuro possível. Ter é condição necessária de
ser, de desenvolver as possibilidades deste. Há, nos sistemas classistas, uma
contradição ao o ter ser negação do pleno e saudável desenvolvimento do ser.
Sob o capital, ter é ter o dinheiro – mas é o dinheiro, o próprio capital, o
valor como regulador social, que tem seu portador, mera encarnação de um
almático poder estranho, inumano. Ter ou não ter – eis a questão! Por isso,
sentimo-nos “naturalmente” mal, desconfortáveis, quando temos de entregar nosso
dinheiro, mesmo se em troca de algo de nosso desejo ou necessidade. De repente,
ao vermos uma quantidade enorme e concentrada de dinheiro, imediatamente
arregalamos os olhos impressionados como os insetos amam a luz artificial
noturna.
OS
MOVIMENTOS DA SUBJETIVIDADE NA OBJETIVIDADE EM CRISE
Quando todas as condições objetivas de uma situação
revolucionária estão maduras – crise econômica, classe trabalhadora
radicalizada, classe média à esquerda, burguesia dividida, Estado paralisado,
forte partido revolucionário – ocorre que a subjetividade ganha máxima
importância histórica. Até mesmo a subjetividade do indivíduo, como a do líder,
adquire peso central no destino da sociedade. Quando da crise sistêmica do
escravismo romano, as pequenas e individuais manipulações políticas, manobras,
jogos pessoais, etc. tomaram alto relevo naquela vida social decadente (parte
da crise do Estado burguês, isso se repete hoje). Em partidos políticos em dura
crise interna, a psicologia individual ganha máxima importância,
multiplicando-se a questão da subjetividade por causa da paralisia estrutural
da objetividade partidária. Tais exemplos visam deixar claro um fenômeno da
crise sistêmica do capitalismo, a subjetividade na economia. Os jornais
destacam que “os mercados ficaram nervosos”, o “humor dos mercados”, como se
alguma entidade inumana e emocional. O peso da subjetividade no fluxo dos
capitais, a reação aos fatos, e seus efeitos práticos, após a liberalização
financeira como reação contra a decadência econômica, torna-se típico de nossa
época porque a base sócio-econômica amadureceu para sua crise, seu ocaso.
CURVAS
DE DESENVOLVIMENTO E SUPERESTRUTURA SUBJETIVA
Na fase de alto crescimento do capital, de 1945 à década de
1970, o otimismo imperou com seu existencialismo, com seu “marxismo”
reformista, com suas revoluções parciais vitoriosas, com a bossa-nova (feita
para a ascensão da classe média), com vanguardas artísticas longe mal-estar e
da depressão. Mas tudo é transitório. A partir da década de 1970, vem a crise –
vêm as crises – e, com ela, o pessimismo, o marasmo, a falência das antigas
vanguardas, a literatura e o cinema distópicos, a crise do socialismo real, a
crise moral, a crise dos partidos de esquerda, enfim, a filosofia e a realidade
pós-modernas. O sentimento é o marasmo, o tédio como angústia – ainda não há
saída. Veja-se que a base econômica, e social, mudando, mudam-se as filosofias
e os humores, até as superestruturas objetivas. Com a crise aprofundada desde
2008, a depressão aprofundar-se-á, novas artes e filosofias pessimistas
surgirão; porém uma revolução socialista, que é típico desta época, do declínio
da curva de desenvolvimento do capitalismo, pode encher de otimismo – mesmo que
momentaneamente, e com resultados duradouros – a classe trabalhadora, os
artistas, parte dos filósofos, as organizações subversivas, etc.
DIALÉTICA DO
INCONSCIENTE AO CONSCIENTE
Em outro capítulo e ensaio, debateremos nossa nova dialética; por
enquanto, por aqui, desenvolvemos apenas os opostos inconsciente e consciente.
Vejamos:
- A ciência focou, de início, no “como”, não no
“o porquê” durante o capitalismo – a cientificidade socialista mudará isso.
- Uma das condições para o socialismo é termos
consciência de algo ainda inconsciente, de que somos “uma forma de o
cosmos conhecer a si mesmo”. Algo feito após a revolução, mas cujas
condições se dão no capitalismo – hoje, sabemos muito da história e natureza
do mundo, uma das “regras” para sermos capazes de revolucionar a
sociedade.
- A psique vai do inconsciente ao
desenvolvimento da consciência, sua inflação.
- A biologia produz, por tentativa e erro, seres
cada vez mais conscientes.
- A revolução socialista é os trabalhadores
tomando consciência, elevando-a, tomando a história, que antes acontecia
como se pelas suas costas, em suas mãos, com planejamento.
- O inorgânico inconsciente vai-se para a
biologia com consciência.
- As regras da língua avançam do inconsciente
para o consciente formal.
- Marx afirma que, porque surgiu a troca com
suas regras inerentes, depois veio a sua parte jurídica, a lei. Hegel diz
que uma lei, como condenar assassinato, surge porque os cidadãos já
condenam, antes, o crime. A lei inconsciente torna-se consciente.
- Taxa de juros e dinheiro, que tinham origem
inconsciente, tornam-se um tanto mais, de modo relativo, ação consciente,
decidida, embora a objetividade inconsciente permaneça.
- A macrotendência da macro-história é o aumento
da cognição humana.
- De modo
relativo, em certa medida, as coisas que são frutos do homem
desenvolvem-se do inconsciente para algum nível de consciência ou
proto-consciência parcial dos robôs e da inteligência artificial.
O inconsciente permanece com e no consciente.
Marx deu a base para percebermos o “inconsciente social”, incluso como
resultado de contradições. Vemos isso na famosa expressão “fazem, mas não
sabem”. Marx afirma:
Na aplicação da maquinaria à produção de mais-valor reside, portanto,
uma contradição imanente, já que dos
dois fatores que compõe o mais-valor fornecido por um capital de dada grandeza,
um deles, a taxa de mais-valor, aumenta somente na medida em que reduz o outro
fator, o número de trabalhadores. Essa contradição
imanente se manifesta assim que, com a generalização da maquinaria num ramo
industrial, o valor da mercadoria produzida mecanicamente se converte no valor
social que regula todas as mercadorias do mesmo tipo, e é essa contradição que, por sua vez, impele o
capital, sem que tenha consciência disso,
a prolongar mais intensamente a jornada de trabalho, a fim de compensar a
diminuição do número proporcional dos trabalhadores explorados por meio do
aumento não só do mais-valor relativo, mas também do absoluto. (Marx, O capital I,
2013, p. 589, destaques meus)
Marx completa citação com nota de rodapé 153:
A razão pela qual essa contradição imanente não se torna consciente para
o capitalista individual – e, assim, tampouco para a economia política que se
move no interior de sua concepções – será exposta nas primeiras seções do livro
III.
Para o capitalista, ele aumenta o lucro simplesmente reduzindo o custa
com o salário, diminuindo este. Mas, na verdade, está aumentando o
mais-trabalho e o mais-valor, aumentando o trabalho gratuito, reduzindo o valor
na formado e salário e o trabalho necessário. Do mesmo modo, ao promover a
automação, o capitalista prepara o terreno para o socialismo, embora queira o
oposto, o aumento do seu lucro.
O terceiro aspecto do inconsciente social já foi anunciado pelo
marxismo, sem nomeá-lo. O filósofo, ou o artista, ou o cientista pode ser de
fato original, genial, hipercriativo, autônomo e autêntico – mas ele será
sempre fruto de sua época, de seu tempo, de sua realidade. Não existe ideia
isolada e suspensa no ar. A realidade de uma época faz e permite as ideias, os
sentimentos, o modo de sentir, a moral, as ideologias, as ciências de sua era.
O modo como vivemos (a classe etc.) determina o modo como pensamos e sentimos –
uma determinação não determinista, mas determinação que determina ainda assim.
O hábito faz a maneira de pensar, por exemplo. O que passa na cabeça responde e
corresponde ao que se passa no seu mundo, no seu contexto. Tal verdade apenas tornou-se
consciente a partir de Marx. A materialidade determina a idealidade.
Outro exemplo de insconeciente social, além de pessoal, está na história
do pensamento. Agostinho afirmou saber o que é o tempo, mas, se pedirmos uma
definição clara, ele não a terá, confessa. Assim, Sócrates provou que todos
sabem o que é justo, coragem etc., mas não sabem definir, logo, não saberiam de
fato e de vez. Eis que temos consciência de algo sem saber sua intimidade, como
o fato de tratarmos com o valor mercantil sem explicar por milênios sua origem
e sua medida. Uma das razões é que a definição depende do contexto, há várias
formas corretas de definir (não somente uma e universal), ou, pela finalidade
etc., pode-se ir para acima de tais conceitos crus.
O teórico burguês é limitado, mas seu limite cumpre uma demanda teórica
social burguesa, demanda também mercadológia por isso; por isso, seus livros
vendem, por isso é reconhecido – contra o teórico do tipo comunista. Quanto ao
caráter particular e hiperespcializado, complementa-se seu lado instrumental,
útil, técnico. Ademais, central, uma vida especializada e unilateral leva ao
pensamento especializado e unilateral. As calsses dominantes do passado eram
intelectuais muitas vezes, pois, para dominar, necessitavam saber de arte
militar, economia, política, filosofia, retórica etc. Hoje, a burguesia é
vagabunda, enquanto dominam os intelectuais (políticos etc.) vindos da classe
média. Como a vida de tal setor intermediário é pobre, sua teeoria etá
emobrecida em geral. Eis a mediação entre a necessidade inconsciente de
justificar o mundo ainda injusto com a consciência.
DECLÍNIO GERAL DA PSIQUE
É do conhecimento geral que a depressão
– com comorbidades como a Síndrome de Burnout – tende a ser a principal causa
de afastamento do trabalho no mundo. Tal processo está lastreado nas mudanças
materiais da sociedade capitalista na história recente. Já que a cabeça segue o
chão que os pés pisam, mesmo que em atraso, exige-se partir da realidade, do
objetivo, como nos capítulos anteriores, ao subjetivo.
Com o capitalismo recente, encerrou-se
a possibilidade de um destino mais ou menos seguro, estável para a maioria,
como os anos dourados do pós-II Guerra. A desconfiança quanto ao futuro tem
levado a inúmeras angústias, uma incisiva incerteza. A realidade parece que
será pior amanhã do que é hoje, embora a força individual de otimismo.
GRÁFICO 23
Fonte:
Veja-se que o recorde, o salto do
gráfico, combina com o salto da queda da taxa de lucro, do aumento constante da
inflação, do peso das crises cada vez maior etc. O PIB, por exemplo, afeta a
mentalidade. Não é sem propósito considerar que eventos como separações de
casais (ao menos na classe média) tendem a aumentar após início de uma crise
cíclica.
As fontes de frustração aumentam e veem por
diferentes vias. Nas empresas, a produtividade é a grande religião; o esforço
repetitivo por horas, quase todos os dias, e a busca de atender pesadas metas
levam ao esgotamento psíquico. Vejamos um famoso caso:
Um trabalhador da Foxconn Technology
tentou se matar ontem, tornando-se a 13.ª pessoa neste ano a cometer suicídio
ou a tentá-lo na companhia, que fabrica produtos de alta tecnologia para
gigantes do setor como Apple, Dell e Hewlett-Packard, segundo a mídia estatal
chinesa. Desse total, foram 10 mortes. (…) Os suicídios e tentativas anteriores
nas operações da Foxconn Technology Group no sul da China envolveram
trabalhadores que saltaram de edifícios. Dois sobreviveram. Outro trabalhador
se matou em janeiro em uma fábrica no norte da China.
Para resolver este problema a empresa
teve uma ideia genial:
Gou disse aos jornalistas que estavam
sendo instaladas redes para evitar que mais pessoas pulem para a morte. As
redes estão sendo colocadas ao redor de praticamente todos os dormitórios e
prédios do imenso complexo, que, de acordo com o correspondente da BBC em
Xangai, Chris Hogg, "é uma verdadeira cidade, com lojas, postos de
correio, bancos e piscinas de tamanho olímpico". "Apesar de parecer
uma medida estúpida, pelo menos pode salvar uma vida se mais alguém cair",
afirmou o presidente da Foxconn. (Idem)
Para garantir a “imagem” da empresa:
Eles [ativistas que prepõe boicotes]
afirmam que as jornadas de trabalho são longas, as linhas de montagem têm uma
velocidade muito alta e os chefes aplicam uma disciplina militar para lidar com
os trabalhadores.De acordo com jornais chineses, a companhia agora obrigou os
funcionários a assinar acordos declarando que não vão se suicidar [um acordo,
veja só! – comentário nosso]. A companhia ressalta que apesar da publicidade
negativa, todos os dias cerca de 8 mil pessoas se candidatam para trabalhar na
empresa. (Idem)
Faltou observar que ou procuram um
emprego, com risco laboral de depressão psíquica, ou sofrerão de um tipo muito
específico de depressão estomacal.
Como expressão da crise do valor, na
medida em que cai a taxa de lucro aos baixíssimos patamares atuais, mais a
patronal pressiona pela retirada de direitos, por uma maior submissão do
trabalhador, por uma taxa de desemprego “natural” maior. A moral também deve se
adaptar, pois, para correr em busca dos difíceis lucros, torna-se preciso a
luta de todos contra todos, o individualismo exacerbado, o vale-tudo; tal
concepção vai contra a natureza humana e causa suas sequelas mentais. No longo
prazo, a falta de concepção cooperativa torna o trabalho insuportável já que
uma oculta guerra civil surge nos locais de trabalho. Há uma crise moral-ética
evidente.
A grande urbanidade trouxe consigo, na
forma capitalista, a solidão social. Tal efeito de invisibilidade de um lado
traz mais liberdade em potência, menor controle direto dos cidadãos, porém pode
ter também efeito contrário ao obrigar o indivíduo a adaptar-se ao meio, a ser
nada ou pouco autêntico, ou seja, a construir um “falso eu”, um eu adaptativo,
para ser aceito. Para sobreviver, deve adaptar-se subjetivamente ao grupo, à
empresa.
Nos EUA, ficaram famosos os casos em
que indivíduos completamente normais, provavelmente portadores de normose
(doença da normalidade), de repente lançaram tiros sobre alguma multidão antes
de cometerem suicídio. Tais atos violentos são vazios de sentido, não possuem
conteúdo, porque foram motivados por vidas vazias de um sentido qualquer.
No Japão, país simbólico da crise
sistêmica em inúmeros sentidos, para dar mais um exemplo, a solidão excessiva,
a depressão e o suicídio, junto com duríssimas jornadas, são profundas marcas
sociais e, ao mesmo tempo, tabus gerais. O mundo das coisas integra-se e
enfeita-se naquele país enquanto o mundo dos homens perde poesia e
fragmenta-se.
Retomando a questão dos grupos sociais,
a tendência da classe média aristocrática é isolar-se, tanto quanto pode sua
renda, criar um paraíso artificial que é um inferno para a psique. Dunker
expõe:
[…] gente pode entender o condomínio
mais além da forma concreta de vida entre muros, como uma espécie de patologia
das nossas relações com o outro e com o espaço social, no sentido de que os
condomínios [físicos] proliferam no Brasil num momento em que o Estado se
demite da função de organizar o espaço público. Ele entrega isso para
iniciativas independentes que vão ter muita autonomia para definir quais são as
regras e a maneira de habitar aquele espaço que não é mais exatamente público.
É uma espécie de concessão. Do outro lado, a gente tem uma certa alteração
desse modo de vida dentro do condomínio, na medida em que se força e se cria
artificialmente uma vida entre iguais. É uma vida em que você desaprende a
lidar com as diferenças. É um berçário para modos muito empobrecedores de estar
com o outro, nos deixando vulneráveis ao consumo de álcool e drogas de forma
superexagerada, à agressividade e à violência de uma forma disruptiva – como eu
não sei lidar com a diferença, ela acaba sendo uma espécie de ofensa à minha
existência. Fica-se vulnerável ao tédio, à apatia, ao excesso da relação com o
trabalho, a uma espécie de hiperinflação da produtividade. Quando você cria
essa vida em condomínio, a vida privada passa a ser um pouco mais gerida por
regras do espaço público. Então, a gente tem os clássicos sintomas do
sentimento de inautenticidade, do sentimento de esvaziamento, de que você está
permanentemente representando uma espécie de papel.
Entre a camada superior dos ricos, os
bilionários em destaque, os verdadeiros donos do mundo, destaca-se a perda de
noção da realidade por razão do próprio modo de vida. A falta de tato social da
classe dominante na época de sua decadência foi observada por Trotsky, na
clássica obra A Revolução Russa, quanto à nobreza durante a revolução francesa
e o Czar e a Czarina durante a revolução russa. A existência apartada da
minoria dominante mostra a alienação como em si uma vantagem ao polo
“aristocrático” das relações sociais. A prova de que o capital é incontrolável
até para eles e os domina é que portadores de grandes fortunas preparam-se para
o possível fim da civilização com caros abrigos especiais…
Há entre a maioria, incluso políticos
(vide Trump), uma loucura relativa que expressa a loucura da existência atual.
Parte dessa deformação psíquica não tira das pessoas seu lado funcional,
podendo até torná-las muito eficientes do ponto de vista desta sociedade. Gente
que foi capaz de bloquear boa parte do desenvolvimento de sua vida emocional em
nome da sobrevivência é o exemplo comum.
Boa parte dos fatores que produzem o
declínio da psique é fácil de extrair da realidade. Lukács, por exemplo,
observou o desenvolvimento da manipulação das massas sob o capitalismo atual,
uma forte influência sobre a subjetividade. De um lado, o capitalismo precisa
vender constantemente a ideia de felicidade plena por via do máximo consumo, do
acesso às mercadorias, etc. Por outro lado, o próprio capitalismo frustra as
expectativas da maioria. Isso passa para uma armadilha interna ao sistema, pois
os assalariados e setores médios querem conquistar a qualidade de vida mostrada
nas propagandas por toda parte. Isso, a luta pelo acesso, motiva o
revolucionamento total da sociedade.
Sabe-se da revolução como uma reação a
problemas objetivos como o desemprego. O caldo tem alguns ingredientes
adicionais: os protestos revolucionários costumam parecer uma grande festa,
como diz Lenin, em seus inícios, uma catarse coletiva, irracional do ponto de
vista burguês, porque enfrenta também uma situação desumanizante
subjetivamente.
A mudança socialista do estilo de vida
– menor jornada de trabalho, mais espaços de convivência, seguridade social,
acesso aos produtos, etc. – tenderá a atuar contra as diferentes formas de
alienação, que pesam sobre as mentalidades, ou seja, facilitará a realização da
essência humana (ser integrado, ser mutualista e ser ativo) e oferecerá
satisfatórias condições materiais.
A crise sistêmica do escravismo
produziu, por razões socioeconômicas, o declínio da psique naquela sociedade,
aprofundado pelo uso do chumbo (no vinho, nos encanamentos, etc. – quase
cometemos esse erro sob o capital). O mesmo ocorreu na crise sistêmica do
feudalismo, potencializado pela contradição das novas tendências com a
necessidade de repressão religiosa (com efeitos como a “epidemia da dança” na
Europa – a revolução freudiana em parte evita que repitamos hoje as mesmas
causas). Sob o capital em crise, talvez existam outros fatores ocultos, em si –
apenas em si – extrassociais e extraeconômicos, influenciando a crise subjetiva
como, talvez, o efeito da mudança climática sobre os humores, a alimentação
artificial, etc. Um filósofo vulgar dirá que nossa diferença essencial para com
os outros seres vivos ocorre porque somos uma espécie capaz de suicídio, do
indivíduo e da espécie… Na verdade, o pensamento oficial nega o fator sistêmico,
histórico, da crise psicológica. Por exemplo. Para manter o gancho com o
capítulo anterior e os demais; alguns teóricos afirmam que o mau humor e a
tristeza, além da sensação de peso, derivam de átomos e moléculas no ar
positivamente carregados enquanto o ambiente rural apresenta matérias
negativamente carregadas, dando sensação de alívio e bem-estar. Mesmo que isso
seja uma causa, dentre outras, importante, está subordinada à “causa única e
comum das causas múltiplas”, dito em dialética diacrônica, ou seja, o modo de
vida, a forma de urbanização atual etc. O ser social exige solução social.
APONTAMENTOS
SOBRE PSICOLOGIA N’O CAPITAL
A grande
obra de Marx de modo algum é economia pura – é ciência humana em sua
totalidade. Em linguagem inferior, algo interdisciplinar. Quando necessário,
ele comentou os aspectos psicológicos dos temas tratados.
Já no começo
de seu livro, compara o fato de um rei precisar vestir-se como rei para ser
tratado e reconhecido como tal. Isso é, porém, um simples comentário na margem.
Logo mais,
Marx elabora sua famosa conclusão: o fazem, mas não o sabem. Nesta observação
central, ele, de fato, funda a percepção de que há um inconsciente coletivo,
social – não genético ou natural, diferente de como pensava Jung (diz de algo como
natural é um modo como a pseudociência passa por verdadeira ciência, sem ter
que provar). Por claro, tal inconsciente é, ao mesmo tempo, individual e por
meio da ação do indivíduo. Algo socialmente objetivo, intersubjetivo e
subjetivo.
Ao tratar da
cooperação simples no final da Idade Média, Marx reafirma que o homem é animal
social, logo trabalha mais e melhor se o fizer em conjunto com outros. O
simples reunir de trabalhadores autônomos aumenta a produtividade.
Em outro
ponto, ele afirma: no cotidiano, somente nos lembramos que a mercadoria é feita
por meio do trabalho quando ela apresenta algum defeito, que nos remete à sua
origem.
Outro fator
está na população. Marx demonstra que cada modo de vida tem sua própria lei da
população. Mas vai além: os trabalhadores que estão em péssimo estado têm mais
filhos do que a média. Isso é o natural mediado pelo social, como ele próprio
se refere à lei da alta reprodução em espécies de curta vida. Há, ainda, mais
verdade aí. Vamos a um exemplo. A macieira é feita para climas temperados, onde
produz novas maças; mas, se colocada em climas tropicais, abundantes em luz e
nutrientes, ela não produz, não se reproduz, ela escolhe seu
autodesenvolvimento. É preciso forçá-la por meio de estresse duro como
cortar-lhe a água regular, podá-la etc. O mesmo ocorre entre nós: a pobreza, o
estresse, produz filhos e, ao contrário, a qualidade de vida reduz a prole.
Este fato natural é mediado pelo social capitalista, que gera importante
desemprego. A psicologia histórico-social e a psicologia evolutiva estão aí
fundidas. Para deixar isso claro, vamos para dois exemplos similares: 1) 9, 10
meses após o impactante ataque das Torres Gêmeas nos EUA, a natalidade explodiu
naquele país; 2) quando ficou claro que haveria uma II Guerra Mundial, a
quantidade de gravidez explodiu na Europa – na mente dos casais, há qualquer
tipo de racionalização que justifique isso, mas com uma causa de fundo, em
geral, inconsciente.
Marx
demonstra que a realidade das coisas tal como são escondem suas origens. Por
exemplo: o dinheiro inglês que financiou a indústria dos EUA tem sua origem no
trabalho escravo de criança na Inglaterra, mas, no mesmo dinheiro transferido,
tal origem está apagada.
Também
notamos que os atores sociais, o proletariado e a burguesia em destaque, levam
a sério a aparência da realidade, agem de acordo com ela. Não parece que o
valor, fonte do lucro, vem do trabalho gratuito, logo do mais-valor; aparece
para ambos que foi pago pelo trabalho feito, integralmente, não a força de
trabalho. Vale exemplo específico sobre o poder da aparência. Durante a
pandemia do coronavírus, participei de um grupo de leitura d’O Capital, mas, ao
avançar da obra, muitos membros tinha dificuldade de “sentir” as conclusões da
obra; para alegria e alívio deles, outro membro transformava o livro I, focado
na produção, em exemplos do comércio, deste setor – como concentração e
centralização, mas comercial; tal alívio dos membros é o prender-se na
aparência e no comercial tão comum entre os economistas. Por isso, Marx vai
mais fundo do que qualquer outro na produção, que está além ou por detrás do
comércio.
No livro
três, Marx já inicia afirmando que se aproximará da forma como os atores
sociais veem a realidade. Nisso, ele avança para as categorias práticas,
comuns, de aparência do real: preço, taxa de lucro, massa de lucro etc.
Como
personagem, o capitalista é apenas um representante do capital, a vontade do
capital torna-se a vontade do patrão. Ele encarna a vontade de um processo, do
capital mesmo. Então, o homem não tem de fato vontade própria, sua vontade é
imposta socialmente e de maneira alienada. Ao querer enriquecer mais, o
investidor está sendo manipulado pelo mundo das coisas, por uma vontade ou
pulsão alheia como sua. Trata-se de uma forma de subjetivação da objetividade.
Pode-se especular, então: as personalidades e seus distúrbios estão lastreados
no dinheiro, no valor como capital.
Enfim, Marx
deixa bastante claro que a economia política clássica foi muito longe, mas não
longe o bastante. Isso se dá pelo ponto de vista deles, ao lado da burguesia,
que impedia objetivamente tais cientistas de alcançarem visões de fato
profundas do atual sistema. A moderna ciência da mente reforça isso. Certo grau
de estresse, ao menos sob o capitalismo, é necessário para a criatividade como
a árvore dá flor e fruto quando se sente ameaçada. A vida dos militantes
socialistas é sem rotina, com novidade constante, com desafios, com ameaças –
por isso, também, o movimento comunista produziu tantos gênios.
PSICOLOGIA
FABRIL
A psicologia
fabril, como síntese e exemplar, muito mais é do que a normativa psicologia da
administração. Quando Marx afirma ser uma tentação irresistível trabalhar mais
quando o trabalhador é pago por peça, não por tempo, temos um exemplo inicial.
Gramsci afirma: nos EUA, a moral puritana contra a prática sexual fez com que o
operário “copulasse” na máquina ou na ferramenta, gastasse mais de sua energia
corpórea na produção. Vejamos mais casos concretos. As máquinas pesadíssimas,
colossais e caríssimas apequenam o trabalhador, que pensa ser nada diante
delas. Diante de trabalho alienado, separado, isolado etc. os trabalhadores
encontram meio de afirmar seus laços: quando um imita o som de macacos, outros
respondem com a mesma sonoridade, formando um grande bando metafórico a soar
nos metais fabris – o que reduz a tensão psíquica da repetição, da extensão da
jornada e do isolamento. A piada, a ironia e o meio-riso contra o gerente
servem de exemplo. Fiz uma panfletagem na garagem dos rodoviários de minha cidade;
ainda de madrugada, um dos panfleteiros, camarada, correu ao ver um antigo
colega de seu curso em administração… Mas ele voltou bufando, disse: “Fui
oferecer um panfleto para ele, mas disse que não queria, pois era um adversário
de classe.” E, após repetir a fala do agora gerente da empresa, comentou:
“Falou isso como se ele não fosse trabalhador também!” Na verdade, o procurado
tinha razão, seu lado era o do patrão, não o dos motoristas regionais; errado
estava meu companheiro ao confundir trabalhador, no sentido e no real rígidos,
com assalariado. Por fim, o capital e o capitalismo têm operado todo um
“sistema de mediações” (conceito que se revelou necessário), as relações
sociais são cada vez mais indiretas, com mais entremundos de coisas, pessoas e processos;
por quantos mundos a mercadoria deve ter passado antes de chegar ao consumidor
final, por exemplo; a empresa torna-se empresa impessoal, pois o burguês está
fora da administração e colocou – também! – um executivo entre ele e o
trabalhador – o trabalhador já não sabe quem é seu chefe real; o Estado aparece
como impessoal etc.
PARTE 3
Psicologia e estrutura
CLASSES
E PSICOLOGIA
Como
o modo de viver determina o modo de pensar, cada classe tem tendências morais,
de raciocínio, de valores etc. próprias, geras para seu grupo. Isso vem desde a
infância. Uma pedagoga revelou-me que trabalhou em escola de rico e de pobre
para crianças; na primeira, os infantes eram “desligados” e até o lanche
deveria ser dado na boca deles; na segunda, as crianças faziam fila, tenham
iniciativa, comiam de modo independente etc. A divisão de classes causa divisão
de perfiz de metais.
Os
trabalhadores são mais práticos e naturalmente disciplinados; os professores
universitários, classe média, falam demais, são viciados em falar, pensam que
falar é agir, e têm dificuldade de acordar muito cedo… No partido ao qual
militei, havia grupos operários e de professores superiores, e tal padrão
sempre se repetia, com exceções raras entre um ou outro indivíduo.
Porque
se sacrificam pouco, porque pouco agem para conseguir algo, porque pouco se
frustram, aos ricos tende-se a faltar empatia, são narcisistas, são sádicos. Quando
fizermos as críticas às categorias da psicanálise, veremos melhor a razão
disso. Além do mais, psicopatas tendem a estar de acordo com o capitalismo,
sociedade psicopática, logo prosperam e têm grandes cargos.
Devemos
falar, também, do lupemproletariado – vagabundos, ladrões, prostitutas,
mendigos etc. Eles são acostumados ao estresse, mas indisciplinados. Além
disso, são imediatistas, deixam de criar mediações para um prazer futuro maior,
não agora. Sua condição aponta para o oportunismo, para a manobra, para o jogo.
Por falta de prazer social, viciam-se no prazer químico. É, em geral, vítima da
sociedade, mas um inimigo dos trabalhadores como com a violência urbana,
arrancando destes o fruto difícil de seu trabalho.
DIALÉTICA DO
SENHOR E DO ESCRAVO
Hegel afirma que o Senhor teve a coragem enquanto o escravo focou no
medo da morte; assim, aquele generaliza o que este toma como concreto; aquele
tem a consciência essencial, mas por mediação deste, com e como a inessencial.
Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem validade teórica ou
empírica, apenas algo da história da filosofia supervalorizada. Talvez se torne
útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande elitista, reformulou a imagem
assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o limitado escravo julga tudo
como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de Lukács, que apenas nega e
(des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos a crítica imanente de
escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou reformulando seus caminhos.
Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem define o mundo como bom ou
mau, pois ele é o polo idealista ou “espiritual”, do não prático, e isso é
demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a religião de origem
africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta com a matéria, com
o material, materialista e prático, logo deve definir o mundo como bom ou ruim.
É o oposto do que disse o último alemão, o irracionalista; além disso, claro
que o escravo toma seu senhor como mau, pois de fato o é, logo ele é mais
completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no mundo com maior maestria, o
cérebro-consciência dele mais necessita ver cruamente a realidade. O senhor
nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado uma afirmação de humanidade,
insiste em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o escravo, a noutra ponta,
ver-se como humano desumamizado e saber que a humanização e superioridade do
seu “dono” apenas é possível por meio da sua exploração, do roubo de trabalho.
Assim, o escravo alcança instintivamente a identidade na e da não identidade
enquanto o senhor insiste que A é igual à A, esta pobreza espiritual, que algo
é apenas igual a si mesmo, numa oposição supostamente fixa entre ele e o outro,
que não tem sequer a dignidade de ser outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não
veem as coisas tal como são porque tomam as dores da burguesia para si, ainda
que tal classe ainda tenha sido revolucionária e “oprimida” no tempo do
primeiro pensador.
Isso é expresso na prática e hoje quando o marxismo, o ponto de vista da
classe operária, é o mais avançado e dinâmico na produção teórica acadêmica e
partidária – na área de humana. Além disso, este polo operário abraça para si a
dialética, não apenas a lógica formal. De tal modo, influencia até as ciências
naturais com Einstein, comunista, e Born, um socialista dialético, terem
avançado tanto na macrofísica e na quântica, contra o limite positivista e
mecanicista de seus pares.
CINISMO:
TEATRO SOCIAL
O baile de máscaras comum, tão conhecido, trata-se de relações pessoais,
não diretamente sociais. Por outro lado, o teatro social revela-se, por
exemplo, nos protestos da alta classe média em 2016 no Brasil. Durante mais de
uma década, a aristocracia média perdeu poder econômico enquanto alguns ricos
(bancos em central) e as classes assalariadas ganharam algo. Assim, a classe
média viu os pobres como seus inimigos centrais, pois estes acessavam mais as
universidades, pois as empregadas domésticas tornavam-se rebeldes e mais
indisciplinadas, os gerentes eram vencidos pela rebeldia dos seus funcionários
etc. Odiava-se gente com cara de precário acessando aeroportos “como se
rodoviária fosse”. Então, protestos de massa da classe média encheram as ruas
contra os pobres; mas isso não poderia ser dito, já que desmoralizaria já desde
o início as manifestações. Logo, a luta formalmente era pelo Brasil, contra a
corrupção etc. No fundo, no âmago, todos estavam ali, nas ruas, por um motivo
egoísta e classista, mas fingiam que a pauta era outra. Os políticos dos ricos
sabem que governam para os enriquecidos, mas devem mentir – usando a ideologia,
que não é em si mentira – para enganar a maioria com discursos de “pelo bem do
país”, “para todos” etc. Tal cinismo é o mal da democracia burguesa. No partido
no qual militei, surgiu uma disputa dura e suja pela direção do sindicato
dirigido pela organização; na luta de frações internas, havia todo tipo de
acusação: burocracia, machismo etc. Criava-se um documento político ótimo apenas
para ganhar moral e continuar dirigindo o aparato sindical… Falava-se de tudo,
menos da causa da luta, a disputa de poder para privilégios sindicais. Nos
primeiros anos da revolução russa, a maioria do povo certamente considerava a
homossexualidade um mal a ser combatido com dureza, mas toleravam os
“caprichos” dos revolucionários, como a libertação sexual, contato que o
central – paz, pão e terra – fosse garantido.
O MAIS-PODER
Temos a
mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho-, o mais-produto e o hipotético
mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo
desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é
um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero. No
entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos que
buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço
acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é
pessoal.
OS
ARQUÉTIPOS SOCIAIS
Minha teoria
do “inconsciente social” supera o inocente “inconsciente coletivo” de Jung,
reformulando o conceito em totalidade. Em geral, os junguianos são aqueles que
devem encarar a ciência, mas não são cabazes de abandonar a ilusão religiosa –
encontram, então, em Jung um meio-termo, que é falso, pseudociência. Mas dele
temos duas teorias derivadas corretas, embora parciais: 1) classificação ótima
dos perfis psicológicos, aperfeiçoado na MBTI; 2) a existência de arquétipos
tipos humanos. No entanto, há um erro: para ele, os tipos de pessoas têm
derivação natural, genética, biológica, evolucionista se quisermos –
demostraremos que é um erro, pois a origem é social.
Vejamos
alguns tipos, os centrais, e a origem real comum:
Sábio e Mago
Aqueles
destinados desde cedo ao trabalho intelectual, em pensar mais do que se mover,
como os filhos da classe média letrada, tendem aos dois tipos de arquétipos
citados. O cérebro toma forma e modo para tal perfil. A divisão classista entre
trabalho manual e trabalho intelectual empurra para isso, para unilaterizar.
Explorador
A comunidade
incentiva, para sua existência, a ousadia pessoal, a aventura. Ao oferecer
tédio e rotina, empurra o indivíduo para algo aventureiro se tem condições para
isso. O adolescente, mais afeito ao risco por cérebro ainda em formação, tende
ao perfil, que também responde aos prêmios e punições sociais.
Criador
O indivíduo,
para Freud, anal, que tem prazer em fazer sua “arte” anal durante a infância,
não em segurar as fezes com dor-prazer. Pois bem, a sociedade também precisa de
especialistas, de artistas, por isso de algum modo os incentiva e os promove
desde a infância.
Herói,
Rebelde
Ora, uma
sociedade que precisa de ambos é uma sociedade fraturada, contraditória – que
gera seus algozes. Neste livro, afirmamos que a repressão estatal, que
transbordar na repressão familiar, produz opositores crônicos, rebeldes
crônicos.
No
socialismo, com educação familiar cientifizada e qualidade de vida, com sua
democracia real, rebeldes e heróis serão coisas do passado.
O rebelde e
o herói podem degenerar no ladrão, no gatuno etc. Ora, isso também é social e
criado via sociedade: no comunismo, o crime deixará de existir e de
justificar-se. O tempo da abundância está quase a chegar.
Amante
Quero
destacar uma variação já afirmada por Jung: toda mulher tem o arquétipo oculto
da prostituta, da meretriz (amante, “piriguete” etc.). A causa social, não
natural, é esta: as mulheres, por milênios, têm sido oprimidas sexualmente e em
quase todos os sentidos da vida. Por isso, por opressão, deliram o oposto, uma
liberdade sexual maior de modo fetichista e impressionada.
No
socialismo, com a liberdade pessoal e financeira feminina, tal arquétipo será
algo do passado. A família será saudável e acabará as culpas sexuais
religiosas.
Tolo, Louco
A educação,
incluso o conviver, educa para fazer rir, também. Além disso, aproximam-se do
rebelde, sendo uma variação especial. Enfim: a loucura existe e a causa, em
geral, está na sociedade imprudente, a loucura social.
Cuidador
Há uma
demanda social por esses tipos, em geral mulheres – com algum traço maior, mas
não absoluto, para isso. Ao praticar o cuidado, seja por obrigação etc., isso é
internalizado, passa a fazer parte da personalidade.
Homem comum
e Inocente
Sociedades
opressoras e atrasadas têm de gerar tal tipo para seu “bom” funcionamento.
Governante
Grupos
humanos necessitam – socialmente! – criar tais tipos.
Aqui, não
negamos certa dose de genética, epigenética etc. Mas a educação e a experiência
desde a infância mais importam. Somos diferentes, com diferentes inclinações,
talentos e vocações.
Há que
destacar mediações também. Por exemplo: a sociedade cria cargos, então, uma vez
criados por necessidade social, testa-se o humano ao empregá-lo; aqueles que
conseguem manter-se no cargo por seu perfil pessoal, prosperam; se não, são
substituídos por gente talvez mais capaz e com o perfil. Há um processo de
encaixe e desencaixe bastante dialético.
Os
arquétipos são sociais, de origem social em primeiro e amplo lugar. São, em
geral, frutos de necessidades e perfis sociais. Por isso, são em geral,
transitórios, históricos, com um fim marcado no futuro com os futuros homens
mais completos em si. Mas alguém pode: 1) ter mais de um arquétipo, 2) mudar
com o tempo seu perfil arquetípico, 3) buscar ter todos ou quase todos juntos.
Veja-se que homens completos, sinais dos homens futuros, como Leon Trotsky
abarcavam todas as características acima de algum modo. No fundo, tal
completude deve ser algo de meta para todos.
Em geral, os
arquétipos sociais são estimulados por causa da essência humana. Por exemplo:
ser governante gera, além do prazer material, um prazer de consideração social
– ser integrado, ser mutualista, ser ativo.
QUAL A CAUSA
DA ESQUIZOFRENIA?
A causa de
tal doença permanece oculta. Pode-se afirmar que repressão familiar excessiva,
como certa mãe narcísica contra seu filho homem, pode causar a doença; mas
isso, correto, ainda é externo. Outro modo, uma privação constante e regular do
sono degenera, também, a mente. Outra causa externa. O mesmo efeito, adoecer,
pode ter diferentes causas.
Afirmo que
uma das causas, com ares de causa geral, está em negar a natureza humana no
ambiente. Não há centralidade da química cerebral, da genética etc. Um dos
casos que acompanhei, o jovem adoecido sofria, antes, assédio e piadas
constantes. Ele tinha, assim, uma autoimagem e uma autoestima baixíssima; até
fazia piada de si para ser aceito. De início, refugiou-se nos livros, lendo
alta literatura. Parece-me que ele começou a delirar que era perseguido, que poderes
ocultos vigiavam, que comer feijão ajudaria a transportar informações de sua
mente para o poder oficial etc. Pois bem; criou uma narrativa épica para si
como forma de compensar a narrativa concreta antiépica, ao menos do ponto de
vista subjetivo. É como o vaidoso, que é vaidoso porque a realidade não o
valoriza. Outro caso, a garota que passava a noite acordada e isolada no
computador começou a ouvir vozes; parece-me uma forma de compensar o
isolamento, a necessidade de comunicar-se (humanamente, pela linguagem verbal).
Terceiro caso, o solitário acima da média pensa estar sendo vigiado e
desenvolve paranoia. Os três caos expressam a negação da essência humana – ser
integrado, ser mutualista e ser ativo. São compensações contra realidade
hostil. No último, vale acrescentar o caso famoso do matemático John Forbes
Nash, que, na sua hiperespecialização unilateral na procura de padrões, incluso
ao evitar vida social e trabalho manual (e atividade física etc.), começou a
ver padrões artificiais, em todo canto. O último caso, um estudante de economia
teve um ataque psicótico com desassociação em que chorava, separado de si mesmo
na consciência, na cama a gritar, um após o outro e em repetição, “Juro!”,
“Tentei!” – juro aqui em duplo sentido; tentei, também. Demonstra “juro” como
categoria econômica e como, ao mesmo tempo, categoria moral. Demonstra “tentei”
como esforço (economia pessoal?) e como atentar no sentido de brincadeira ou
tentação, algo moral. A perda de sensibilidade social dar-se como, de um lado,
atrofiamento por falta de prática e, de outro, defesa contra o ambiente. Por
último, tenho certa amiga “paciente” que pensa estar sendo observada quando
dorme sozinha, em especial quando solteira. Então, liga em vídeo para mim e
pede-me para que eu lhe fique olhando, o que lhe permite dormir. A solidão, ao
que indica, leva-lhe à sensação de fantasmagoria, de estar sob presença – como
os alpistas solitários também relatam tal sensação de presença nebulosa. Eis uma base, desde a essência humana, do
caso extremo, da esquizofrenia.
Estas
palavras não possuem propriamente originalidade, mas precisam ser ditas, sequer
afirmam de pronto que oferecer ao adoecidos grandes doses de essência humana
resolverá. Pelo menos tiramos doses de mistificação e biologismo do tema.
COISIFICAÇÃO
As relações
humanas são coisificadas, como sabemos. Na psicologia individual expressa-se
quando um sujeito tem a mania de guardar objetos (azulejos etc.) do passado no
momento em que eles iriam ao lixo – pois que aquele passado, ou melhor, aquela
experiência humana com outros humanos enquanto permanência; isso está
sintetizado e expressado na coisidade. Sinto-me ofendido quando os locais
comuns que fizeram parte do meu aparato emocional são modificados, reformados;
no fundo, não pelas coisas, mas pelas relações de experiências expressas nas
coisas. Um viciado em celular é viciado na coisa porque por ela, nela, realiza
seu vício natural por relações, por humanizações, por contato com outros
membros da espécie etc. Isso se difere em parte do fetiche e da reificação
tratados no marxismo.
LEI DA
POPULAÇÃO
Darwin
inspira-se no erro teórico, para humanos, da teoria da população de Malthus: a
população cresce, mas encontra um limite de alimentos, logo deixa de crescer. E
se nos inspirarmos na lei de população de Marx sobre o capitalismo? Vejamos.
Vamos, mesmo assim, deduzir, de início, um limite fixo de recursos. Assim: mais
se reproduzem aqueles que estão mais ameaçados, pois isso ajuda a aumentar a
possibilidade de passar seus genes (o que não impede que Darwin também esteja
correto – que abundância é que produz mais reprodução). Vejamos uma pista dessa
nova lei relativa. A macieira, quando levada ao clima tropical brasileiro,
clima este que não é de sua origem, prefere investir em si do que na sua
reprodução, pois tem muita luz, água, nutrientes etc. Então, os agricultores
nacionais são obrigados a cortar a água da árvore, cortar galhos etc. para
estressá-la – então surgem as maçãs novas, ela reage à sensação de ameaça
ambiental, à escassez.
Hibernar
Na falta de
alimentos, as espécies podem hibernar no inverso para guardar energia. Isso
diminui o efeito da escassez sobre a população.
Estocar
Há um
pássaro americano que, ao perceber a chega do inverno, cria enormes reservas de
produtos, rumo ao consumo no inverno rigoroso.
Variar ração
Espécies
podem mudar ou variar seu consumo. Por exemplo, surgiu uma abelha abutre que
lida com carcaças.
Mudar o
ambiente
Ao consumir
uma fruta, o animal, depois, defeca fezes e sementes, ampliando extensivamente
a quantidade de árvores úteis.
Mudar de
ambiente
Os biólogos
dialéticos Lewontin e Lewin haviam exposto tal movimento.
Tamanho da
espécie e dos indivíduos
Uma
quantidade maior de membros, constantes os recursos, tendem a ser menores, o
que aumenta de modo relativo, em comparação, a quantidade de recursos
mesmos. No longo prazo, tende-se a
diminuir o tamanho da espécie, pois os menores têm, nesse sentido, mais chances
de sobreviver.
Capacidade
de armazenar aumentada
Uma falta de
alimentos pode levar os descendentes imediatos a ter mais facilidade de
armazenar energia, diminuindo a demanda, a procura. No nível celular, isso
ocorre por redução do metabolismo causado pelo maior autoenrolameto do DNA.
Roubo
Algumas
espécies e indivíduos podem se especializar em roubar outras, além de membros
da mesma espécie, ou agregar este hábito.
Formar bando
Formar
grupos permite otimizar o sucesso da caça, afastando a barreira individual da
alimentação.
Passar a
produzir e criar ferramentas
Vez ou
outra, uma espécie que não produz, passa a produzir (e o estresse relativo, com
a imprevisibilidade, com o movimento, aumenta a cognição). No caso das
ferramentas, macacos aprenderam a quebrar cocos e a produzir varetas para
apanhar cupins. As abelhas, ou algum ancestral, em algum momento passaram a
produzir mel. Na internet, há inúmeros vídeos de pássaros usando ferramenta
externa para pescar. O peixe tegastes
diencaeus domesticou camarões para nutrir, fertilizar, seu cultivo (!) de
algas, sua fazenda.
Tais
elementos relativizam, contratendenciam, a lei da população na natureza tal
como pensou Darwin. No mais, nossa lei da população, oposta à de Darwin, tem
prova empírica na própria humanidade: as comunidades mais pobres têm mais
filhos, não menos. Aqueles com melhor qualidade de vida, entre humanos,
costumam ter menor prole, mesmo tendo mais recursos. A quebra de 1929 levou
ricos falidos aos bordeis antes do suicídio; na segunda guerra, os homens
engravidavam as mulheres antes de ir ao combate; com o impacto, incluso
midiático, da queda das torres gêmeas nos EUA, surgiu uma onda de nascimento
algo como 9 meses após o fato. A causa da vontade de fazer sexo e filhos,
nestes exemplos, o stress etc., está oculta e inconsciente – a consciência
justifica de algum modo ou outro. No caso das árvores frutíferas, os biólogos
apenas constatam sem interpretar ou generalizar; muitas árvores do nordeste
brasileiro florescem e frutificam quando inicia-se o período de seca, rnenor
humidade e mais calor, maior rico potencial; no Piauí, os ipês florescem o ano
inteiro diante da temperatura e da baixa humidade, levando à sensação de risco.
Na
psicologia individual, acompanhei um “caso” de uma jovem adulta excessivamente
sexualizada, mesmo para padrões brasileiros, com imensa dificuldade em manter
fidelidade sexual em um relacionamento. Em nossas conversas, suas falas
deixavam claro o impacto sob(re) si que teve a descoberta de uma doença
degenerativa autoimune. O medo da morte, lidar tão diretamente com a finitude,
concluí, foi a base de sua sensualidade acima da média, que guiava sua rotina e
relações. Tal pista não foi a princípio tratada como tal; apenas enquanto caso
individual, singular e isolado. Necessitei de vários anos e outros aspectos
para derivar uma teoria geral.
Os seres
menores, quanto menores, mais se reproduzem. Por quê? Porque vivem pouco. Mas
algo mais pode ser acrescentado, evitando a tautologia anterior. Seres menores
e mais frágeis, ou seja, em estágio inferior na cadeia alimentar em enorme
quantidade de casos, são mais estressados, logo se reproduzem mais do que a
alcateia de leões. A lógica darwiniana continua em pé no assunto desde
parágrafo, porém atualizado.
Parte 4
Psicologia e superestrutura
A LIBERDADE OBJETIVA OU DIALÉTICA
Para escrever um capítulo sobre a crise
da psique, este, fui obrigado a entrar em questões cada vez mais básicas da
psicologia marxista. Assim, a teoria da natureza humana, a teoria das fixações
históricas etc. Neste livro, não apenas neste capítulo, tomo nota do que me
parece o fundamento de uma psicologia unificada, marxiana. Mas nem tudo é
central sobre o objeto, pode-se descobrir mil e uma leis parciais sobre tal
ciência, sem alcançar o núcleo ou o “porquê”; por exemplo, um amigo, o músico
Robicharlison Coelho, disse-me ter percebido que é muito comum espirrarmos
quando alcançamos uma conclusão; logo percebi que aquilo era um “orgasmo
mental”, algo análogo ao orgasmo sexual; depois, percebi que o nariz
congestionado é sinal de que não estamos acessando no consciente alguma
conclusão; tais descobertas são contingentes, sem revelar o fundo do aparelho
psíquico, além de bizarras. Dito isso, outra entre as grandes questões da
psique é sobre se somos subjetivamente livres ou não – há ou não liberdade? Se
há, de que tipo é ela? Vejamos em alguns de nossos mestres, antes de oferecer
uma nova resposta.
Kant
Ele produz uma das quatro antinomias
suas, que serão resolvidas nesta obra, perguntando se 1) a realidade inteira,
incluso nosso pensamento, segue a causalidade, a necessidade, causa e efeito ou
2) há ao menos também liberdade humana. Ele não responde e considerava uma
questão irresolvível. Antes de chegar a uma conclusão, vejamos como outros
tentaram solucionar a pergunta.
Hegel
Ele oferece pelo menos três respostas
sobre a oposição liberdade-causalidade.
Primeiro, a liberdade é reconhecer a
necessidade. Por exemplo, respeitar as leis e as tendências da história. Um
divulgador marxista afirmou que o animal tem a opção de evitar o fogo, sua
liberdade de não se queimar é uma necessidade. Um burguês tem a liberdade de seguir
a luta por mais lucro, embora possa escolher ser mendigo, ou seja,
prejudicar-se.
Segundo, Hegel afirma que o uno, o um,
o indivíduo, parece afirmar-se ao isolar-se do conjunto (muitos, múltiplos),
mas isso é sua destruição. Então, apenas se pode ser livre e individual em
comunidade. Assim também, um átomo é instável energeticamente quando isolado,
por isso deve ligar-se a outros átomos, formando uma molécula, para ganhar
estabilidade.
Terceiro, ele funde causalidade e
liberdade afirmando a interação dos corpos, dos acidentes, das partes de um
todo. A causalidade é recíproca, pois uma parte age sobre outra parte, e esta,
vice-versa, também faz o mesmo. Mas todas as partes de uma totalidade, sendo
causa e efeito ao mesmo tempo, pertencem uma única substância comum, que está
no fundo, no fundamento (necessidade). As partes do todo-substância aparecem,
de modo externo, umas independentes das outras, e o mesmo ao contrário, são
fora umas das outras, apenas interagindo (liberdade). Mas essas partes são
também o mesmo, uma mesmidade, pois são uma substância apenas.
Marx
No final de O Capital, Marx afirma que
no socialismo a produção será o reino da necessidade, onde o cidadão trabalha,
mesmo que apenas jornada curta de 2, 3 ou 4 horas diárias. O que é produzido de
modo organizado permitirá o reino da liberdade, fora da fábrica, quando nos
dedicaremos à arte, à família, ao ócio etc. Como sabemos, tudo que puder ser
robotizado, automatizado, informatizado o será, o que reduzirá com toda força o
tempo de trabalho ou de serviço – o trabalho manual será superado, mesmo que
não extinto.
Lukács
O grande filósofo do século XX afirma
que a humanidade tem produtividade crescente, cada vez mais produtivo – e com o
aumento da produção aumenta também o grau de liberdade. O escravo antigo era
não livre, o servo foi mais livre que o escravo, o assalariado (com liberdade
formal) é mais livre que o servo, o trabalhador associado socialista será
substancialmente livre. Nosso destino é cada vez mais determinado por escolha
ou acaso, cada vez mais com mais opções.
Outro aspecto da liberdade lukacsiana é
que o homem no trabalho antes pensa ou imagina como e o que produzir
(teleologia, prévia ideação, liberdade) e depois manipula as leis causais da
natureza (necessidade) para produzir algo útil.
Para Lukács, a liberdade era uma
categoria apenas humana, social, além de histórica.
Nossa proposta
Vejamos como resolvemos o problema
kantiano. Ora, se a realidade tem possibilidades e probabilidades, ela as tem
em si mesma, dentro de si própria. Logo, a liberdade é objetiva antes de
subjetiva – é dialética. O homem ou a partícula toma a decisão que tem já
tendência, na sua personalidade ou perfil, além do contexto, de tomar. Um
chiste famoso ajuda a esclarecer: podemos escolher o que quisermos (entre as
opções), mas não escolhemos qual é nosso desejo, o que de fato desejamos. Se
temos 4 opções, escolheremos aquela que melhor corresponde ao que somos. A
liberdade é ter tais opções exato para escolhemos a que de fato somos levados a
escolher, causalidade e necessidade (e nossa liberdade está dentro da realidade
objetiva). Esse é o primeiro modo de fundir causalidade e liberdade. O segundo
é que o “o que” irá ocorrer é algo necessário, causal, determinístico até, mas
“o como” isso irá acontecer está, em geral, em jogo. Por exemplo, certo é que o
capitalismo irá cair, mas pode desabar de várias formas, mesmo opostas, como
por revolução ou por extinção da humanidade etc.
Necessidade é reconhecer a liberdade.
DESENVOLVIMENTO DO INTELECTIVO
O dado empírico, de QI, embora fonte de
medida limitada, demonstra que há elevação global, de 1909 a 2013[13]:
GRÁFICO 23
Fonte:
O desenvolvimento das capacidades
mentais é vital para um projeto socialista. Os mais jovens, em especial, tendem
a ter mais cultura e habilidade relativo aos mais velhos e, pela primeira vez
na história da humanidade, dominam com mais desenvoltura a moderna ferramenta,
o computador.
As condições nunca serão ideais, mas
são as melhores dentro dos limites do sistema capitalista. A internet – para
citar um destaque – ajuda no acesso ao conhecimento. A urbanidade, a
necessidade de “pôr em algum lugar” os filhos dos trabalhadores, o capitalismo
exigindo maior sensibilidade para prover o consumo são elementos que atuam para
a elevação do nível mental geral.
O mero aumento absoluto de pessoas
capazes ou com habilidades latentes, em potencialidade, será útil ao desenvolvimento
da sociedade socialista.
O Neurocientista Michel Desmurget, no
entanto, aponta tendência à redução do QI por razão da pobreza de experiência
da vida digital:
[…] os pesquisadores observaram em
muitas partes do mundo que o QI aumentou de geração em geração. Isso foi
chamado de 'efeito Flynn', em referência ao psicólogo americano que descreveu
esse fenômeno. Mas recentemente, essa tendência começou a se reverter em vários
países.
É verdade que o QI é fortemente afetado
por fatores como o sistema de saúde, o sistema escolar, a nutrição, etc. Mas se
considerarmos os países onde os fatores socioeconômicos têm sido bastante
estáveis por décadas, o 'efeito Flynn' começa a diminuir.
Nesses países, os "nativos
digitais" são os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. É uma
tendência que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finlândia, Holanda,
França, etc.
Evitamos arriscar, aqui, afirmar que
esta é uma tendência atual ou mesmo secular, pelo menos enquanto a crise
sistêmica perdura (como dissemos, as condições nunca serão as ideais). Porém a
observação citada tem um valor relativo e pode ser incluído na decadência geral
da psique.
Em alto nível de abstração, o movimento
ocorre assim, uma alienação nova em certo sentido: ganho de cognição das coisas
na proporção da perda de cognição dos homens[14].
A mesma tecnologia que pode dar habilidades e tempo livre criativo ao homem
está, sob o capital, fazendo o inverso. A robótica, que ganha sensibilidade
(como medir pressão etc.) cognitiva, e a inteligência artificial estão
desobrigando o capital a investir em qualificação dos trabalhadores, em
educação – além de a internet significar menos movimento e experiências à nova
geração, viciada nas telas virtuais. Se o simples e constante movimento
repetitivo imposto pelo maquinário declinava a mente do trabalhador, a nova
tecnologia, sob o capitalismo, faz algo semelhante, aprofundando a perda
cognitiva humana dentro e fora do ambiente de trabalho.
A mercadoria faz a mediação entre a
vida no trabalho e a vida fora do trabalho, infraestrutura e relações sociais,
no sentido amplo, gerando seus problemas. A produção moderna dispensa, de um
lado, trabalho qualificado, embrutecendo intelectualmente o operário e, ao
mesmo tempo, produz os celulares modernos que estão desestimulando o
desenvolvimento completo das capacidades cognitivas (relaciona-se menos,
movimenta-se menos). Aqui, deve-se considerar a mercadoria máquina.
VONTADE
E RAZÃO
Unir o otimismo da vontade e o pessimismo da razão, um
aforismo ao modo de Gramsci, tornou-se algo característico do século XX diante
das derrotas e da impossibilidade, naquele momento, de superar o capitalismo.
Após a queda do muro de Berlim, estamos diante da formulação oposta: pessimismo
da vontade e otimismo da razão. Todos os teóricos lúcidos e a própria arte, tão
focada na distopia, sabe ou intui um fim sistêmico latente; mas o pessimismo da
vontade toma conta do espírito humano. É difícil os partidos imporem uma
disciplina férrea, ainda que e principalmente se democrática, aos seus
militantes porque as derrotas foram duríssimas. Apenas com situações difíceis e
algumas vitórias determinantes a dialética entre vontade e razão resolver-se-á
de maneira positiva.
Como parte da crise geral da psique; com razão, reclama-se
que não mais temos gênios na ciência, na filosofia, na arte etc. O poeta-músico
Humberto Gessinger expressa isso:
Onde estão os caras que lutavam dia-a-dia
Sem perder a ternura jamais?
Onde estão os caras que desmaterializavam
Moedas de dez mil reais?
Onde estão os caras que desconheciam limites
Universal e singular?
Onde estão os caras que desenhavam novas cidades
Em guardanapos na mesa de um bar?
Onde estão os caras que pregavam no deserto?
O deserto continua lá
Onde estão os caras que deixavam as portas abertas
Para a vida poder circular?
Onde está o teatro mágico só para iniciados?
Onde está o espaço não privatizado?
Onde estão os caras que acenavam com a mão invisível
Um mercado para todos nós?
Onde estão as provas?
Onde estão os fatos?
As boas novas eram só boatos?
Onde estão os atos de bravura e rebeldia ternura guerreada
dia-a-dia
Será que estamos sós?
A queda do chamado socialismo real,
fictício, teve papel central na falta de ousadia, imaginação, criatividade,
impulso etc. – e esperança. É hora de reerguermos a utopia, pois a realidade
pede, a desmoralização já faz algum tempo e temos ainda algum outro tempo para
virar o jogo. Fé cega, mas com pé atrás. A posição crítica e o estímulo ao
pensamento autônomo, tão desestimulados em “nosso” movimento no século XX, são
e serão o nosso norte.
Pode-se argumentar que a crise da
sociedade produz a crise da psique, logo nenhuma vanguarda real surgirá no
campo do pensamento como, para Marx, a consolidação do capitalismo encerrou a
era dos grandes economistas burgueses. Isso tem muita verdade, mas ainda é
parcial. Vejamos: 1) os críticos ao status
quo, durante a crise, serão obrigados a produzir; 2) as partes da sociedade
global têm particularidades, assim, em pelo menos um país ou região, a
decadência produzirá nova filosofia etc.
A INFORMAÇÃO
A literatura distópica do século XX produziu duas grandes
conclusões opostas sobre o destino da informação na sociedade: George Orwell
teorizou que seríamos privados de informação enquanto Aldous Hoxley, que
teríamos informação em excesso. Embora a segunda hipótese seja mais
sofisticada, nossa distopia real é uma combinação das duas projeções: há, ao
mesmo tempo, excesso e falta de informação.
Neste livro, evitamos tratar de ideias que já são senso
comum entre revolucionários e reformistas, como a quase óbvia manipulação
midiática. Podemos destacar apenas a inocente crítica ao pensar que basta a
quebra dos monopólios de mídia e apresentar finalmente a verdade ao povo para
tudo mudar de vez… Como disse Lukács, as ilusões da falsa ideologia são
socialmente necessárias. É claro que os grandes meios de comunicação manipulam
a verdade e criam, também, sentimentos e subjetividades; por isso é preciso,
enquanto faltam duras conjunturas que abram a possibilidade de os
revolucionários serem a maioria, uma luta de guerrilha pela informação e pela
emoção.
LÍDER
E PERFIL ORGANIZATIVO
Via de regra, a objetividade de uma organização exige que o
líder aliene-se, tone-se do perfil exigido. Mas também a organização, de cima à
abaixo, sofre influência do perfil de sua liderança – ainda que parcialmente,
de modo relativo, nada absoluto. Não é incomum, da base ao tomo, os membros
parecerem com o perfil geral da instituição. Assim, um exército sofre
influência do perfil de se general. O mesmo ocorre, por exemplo, em partidos. O
partido leninista Bolchevique teve muitos pontos de confluência com a personalidade
pessoal de Lenin.
CRISE,
ALMA E POSIÇÃO SOCIAL DO CIENTISTA
A cientificidade marxista percebe que a posição do cientista
sobre o mundo afeta e influencia – não determina de todo[15]
– sua capacidade de ver o mundo, de alcançar a verdade, de ir além da
aparência. Quando se toma a posição conservadora da sociedade, de preservar o status quo, tende-se a mistificar o
real, a avançar menos, a justificar o injustificável, etc. Isso é mais verdade
nas ciências humanas do que nas ciências naturais, embora também aí deva haver
influência indireta. O cientista é, também, uma ferramenta, mais ou menos
qualificada para lidar com o objeto de estudo. Mas isso é metade do caminho: a
ciência moderna da mente-cérebro reforça tal concepção ao demonstrar que o
stress relativo tende a produzir criatividade assim como a macieira produz maçã
quando o ambiente lhe é hostil. Um cientista ou teórico que, além de tomar mera
posição em defesa do socialismo do alto de seu apartamento, envolve-se
praticamente com situações militantes ativas, dinâmicas, arriscadas, vive
precariamente, etc. têm, assim, um estímulo do ambiente para sua produção
intelectual. Por isso, Trotsky foi imensamente produtivo em sua vida militante
e ainda mais quando no exílio mortífero forçado por Stalin (a experiência de
viver no mundo, para além do país de origem, como foi o caso de Marx, também
influencia – hoje relativamente compensado pelo atual cosmopolitismo, a
internet, etc.). A sabedoria popular diz que “a necessidade faz a
criatividade”, semelhante ao que afirma o consenso das pesquisas. Com a crise
sistêmica, com o declínio da atual curva de desenvolvimento do capitalismo, ou
seja, com a baixa estabilidade, a psique dos talentosos e honestos lutadores
será pressionada para novas elaborações, para ver em profundidade, etc. Disso,
este livro é uma demonstração. Por outro lado, porque vive sob privilégios,
porque precisa negar a essência da existência, o lado da burguesia está, neste
sentido, em desvantagem relativa – contanto que nunca subestimemos o inimigo.
Trotsky, ao tratar da crise nos EUA, após 1929, destaca: os trabalhadores são
levados a procurar razões do mundo melhores ao verem que, após uma breve
recuperação econômica, outra crise já aparece… Hoje, que os comunistas aprendam
a ter as respostas certas.
No socialismo, o baixo stress será compensado pela alta
erudição dos cidadãos, pelo avanço técnico, pelos debates públicos, pela
popularização da dialética, pela pedagogia ativa, etc. Desse modo, a
criatividade terá seu suporte.
O pensamento vulgar no marxismo diz que o crescimento
impulsiona a arte e a ciência enquanto a crise marca seus declínios. Isso é
pensamento mecanicista, causalidade não dialética, apenas em parte verdadeiro.
A crise de 2008 reduziu o investimento pesquisa no Brasil, desde 2016, e fez,
ao contrário, o governo estadunidense aumentar o investimento estatal em
pesquisa; a mesma causa com efeitos opostos em circunstâncias diferentes. O
ascenso do escravismo na Grécia permitiu o nascer da filosofia, mas foi a decadência
grega a importante fonte para surgir Platão e Aristóteles. A decadência
italiana produziu Maquiavel. A Alemanha dos séculos XVIII e XIX e a Rússia no
final do século XIX e início do XX produziram boa parte dos maiores gênios da
humanidade, pois o atraso relativo deles, a combinação entre o velho e o novo,
formando forte contradição, exigia melhores pensadores.
A
CONSCIÊNCIA SOCIALISTA
Ao
tratar da consciência socialista, Enio Bucchioni afirma:
[…] a palavra de ordem “Um, dois, três Vietnãs” atingia a
consciência dos ativistas e das massas em todo o planeta. É nesse cenário que
floresciam militantes no mundo inteiro, que sonhavam e lutavam para, num futuro
próximo, expropriarem a burguesia em seus países. Era a consciência socialista que se apossava
de milhões de pessoas em várias partes do mundo.
[…] O principal cenário de fundo desse gigantesco
crescimento era a colossal vitória da Revolução Russa de 1917, que inspirava a
consciência comunista para os ativistas nos mais variados quadrantes do mundo e
penetrava fundo nas massas.
Em
polêmica, Hernández opõe-se:
Para tentar demonstrar sua tese, Bucchioni transforma a
consciência burguesa em socialista e daí conclui que, há quarenta anos, o fim
do capitalismo e do imperialismo estava próximo. No entanto, esse não é o
principal problema do texto, porque não era a consciência burguesa das massas o
que impedia, naquele período, acabar com o imperialismo e com o capitalismo.
Afinal, qualquer marxista sabe (ou deveria saber) que as massas fazem
revoluções, contra a burguesia, com uma consciência majoritariamente burguesa.
Resolvamos com dialética a questão acima. Se os
trabalhadores fazem uma revolução socialista com consciência burguesa, logo
esta consciência imediatamente adquire duplo caráter, socialista e capitalista.
O raciocínio aprofunda-se: no caráter duplo, um dos polos domina a relação – o
valor domina o valor de uso, o aspecto alienador da religião supera seu aspecto
humano, etc. – até que a oposição se desfaça; então, pela tarefa histórica que
esta consciência move, o polo central é seu caráter socialista, não o capitalista.
A consciência precisa ser expressa. Quando faltam
organizações corretas para expressar a consciência socialista, ela se direciona
para os partidos centristas e reformistas. Pode haver, portanto, uma expressão
deformada do real estado da consciência das massas.
PÓS-MODERNISMO
DE ESQUERDA
O grande marxista José Paulo Netto afirmou, numa de suas
palestras, que, após o surgimento do setor pós-moderno reacionário e de
direita, surgiu o pós-modernismo de esquerda e progressivo (dentro de seus
limites, claro). Qual a origem, por quê? Desde pelo menos os anos 1970, com a
alta urbanização em especial, surgiu uma camada de classe média maior e setores
médios novos e precarizados. Isso levou à esquerdização do pensamento.
O pós-modernismo propriamente reacionário, mais
profundamente irracionalista, gruda no cérebro das pessoas e nas correntes
ligadas à aristocracia da classe média, da alta classe média, e a burguesia.
Destacamos que o pós-modernismo é mais afeito aos setores
médios porque 1) são de vida, trabalho e convívio, mais fragmentado, mais
atomizado, mais individualizado – tendências gerais aprofundadas da vida social
na história recente para todas as classes, no entanto muito mais forte naqueles
setores onde isso já é típico; 2) são mais volúveis emocionalmente, pois não
passam pela escola dura da vida prática proletária; 3) tendem a ter mais
necessidades democráticas, menos trabalhistas, de tipo formalmente individuais,
como os direitos das mulheres, legalização das drogas, etc. 4) são incapazes de
ter um projeto de sociedade próprio diante da decadência da sociedade burguesa,
e apenas em circunstâncias especiais uma parte, a mais precarizada, aceita a
liderança da classe operária; 5) são ligados aos afazeres intelectuais.
ETAPAS
DA SUPRERESTRUTURA SUBJETIVA (CIÊNCIA)
Em A Ideologia Alemã, Marx criticou duramente a ideia de que
etapas da história humana fossem idênticas e como etapas do indivíduo –
criança, jovem, adulto, velho. A crítica está totalmente correta. Porém em
parte da superestrutura subjetiva, como demonstraremos, ocorrem etapas
semelhantes entre o desenvolvimento psíquico individual e das ideias,
ideologias e concepções científicas.
Leiamos a observação de Moreno:
Estudiando el desarrollo de las ciencias descubrió un paralelismo estrecho,
aunque no total, entre el desarrollo natural de la inteligencia y el de las
ciencias. Esta lógica es la de las grandes teorías de la ciencia moderna.
E continua:
Si Della Volpe ignora a la psicología genética de la inteligencia, ésta
no lo ignoraría a él. Creemos que clasificaría su método de la abstracción
determinada como un buen ejemplo de pensamiento de niño de entre 8 y 10 años.
No estaría en mala compañía, ya que Bergson y otros ilustres filósofos están
más atrasados aún, entre los 4 y 6 años de edad mental.
O argentino, generalizando descobertas-invenções de Piaget, trata da “nova
lógica hipotético-dedutiva”:
El autor que estamos criticando no sólo ignora que para Marx hay dos
métodos de conocimiento del objeto […], sino también que la epistemología junto
con la psicologia moderna han descubierto uno nuevo: el hipotético-deductivo,
que ya no trabaja construyendo sobre abstracciones sacadas de la realidad o de
la actividad, sino sobre posibles, hipótesis. La psicología del conocimiento
advirtió que los adolescentes entre los 12 y 15 años, comienzan a utilizar una
nueva forma de pensar, la hipotética deductiva.
Além de com o método hipotético-dedutivo (dos adolescentes e da
adolescência quase atual da cientificidade no capitalismo – como com o hipotético-dedutivo
de Popper); com a pós-modernidade, e a hiperespecialização da ciência, podemos
afirmar que não apenas a cientificidade mas também – ampliando – parte do
conjunto da superestrutura subjetiva da humanidade está na fase final de sua
adolescência, de sua juventude, podendo ou não alcançar a maturidade. Por ora,
tendências de fragmentação, isto é, de esquizofrenia, típico da idade, imperam
por razão das tensões acumuladas e conflitos irresolvidos. Essa fase
maravilhosa, mas conturbada, base para o posterior amadurecimento, demonstra a
possibilidade de sairmos da infância da espécie nesta transição para a fase
adulta, o socialismo.
No nível superestrutural subjetivo, o iluminismo, para o atual sistema,
e sua concepção de racionalidade total tem relação real com o período de latência em Freud, o de desenvolvimento lógico em Piaget, o quarto estágio em Erikson, o estágio categorial em Wallon.
Desenvolvemos, em seguida, a longa etapa vista em nível individual pelos três
teóricos citados – que corresponde à adolescência e à sequência do capitalismo
nas ideias.
Nos dois níveis, pessoal e histórico, o processo instável da relação
sujeito-objeto (que inclui a produção, etc.) leva a processos de assimilação e
acomodação (Piaget[16]),
base para a etapa seguinte. O avanço da superestrutura científica da humanidade
para a priorização da acomodação (ver nota de rodapé anterior) é a futura
dominação geral da dialética na ciência.
A observação de Moreno sobre percorrer de modo inexato o mesmo caminho,
entre um e outro, entre psicologia individual e a história das ideias, está de
acordo com a crítica construtiva, ou seja, dialética de Henri Wallon a Piaget[17]:
os processos não são exatamente lineares, pode haver recuo com acúmulo, o
desenvolvimento ou mudança de etapa pode retardar, uma etapa agrega
(suprassume) a anterior, etc.
Nossa concepção é evolucionária e revolucionária. Thomas Kuhn teorizou
“A estrutura das revoluções científicas”, como o seguinte movimento: ciência normal – resolução de
quebra-cabeças – paradigma – anomalia – crise – revolução. Mas cometeu três
erros. Primeiro, ele não generalizou esse “modelo” de desenvolvimento para a
dialética geral, além da do pensamento, como faremos em outro capítulo, sobre
processo e crise. Segundo, ele pensa que um novo paradigma científico, fruto da
revolução, ou melhor, da crise, não é superior ao anterior – apenas diferente.
Ora, esse tipo de coisa acontece na arte: o próximo movimento artístico,
demostrou Lukács, é apenas diferente do anterior, nunca melhor em si[18].
Porém isso é impróprio na ciência, pois ela se aproxima cada vez mais da
verdade. A revolução científica é uma evolução científica. Essa evolução pode
ser contraditória, com avanços acompanhados de recuos como a época moderna,
século 16 a 18, negando noções como ontologia e totalidade do pensamento
antigo. No entanto, na larga escala, a tendência é de avanço, como do
afastamento científico, ir além ou por debaixo e dentro, em relação ao mero
empírico ou intuitivo (os gregos pensavam que, para compreender a realidade,
bastava olhar). A ciência tem 2 níveis, as teorias (e categorias etc.) de
aparência e as de essência. A teoria da gravitação de Einstein serve para o
meso e o macrocosmos, ambos, enquanto a gravitação de Newton é funcional,
instrumental, útil para apenas a escala “meso”, não extrema. As teorias
oficiais em economia pensam que o valor e o lucro se dão assim, em resumo:
custos com objetos (desgaste das máquinas, uso de materiais etc.) + custos com
folha de pagamento + custo com impostos + custo de novo investimento +,
finalmente, um lucro médio do mercado. Isso está certo na prática, na empiria,
na aparência, na economia vulgar. Mas, na essência, na mercadoria há custo com
capital constante (desgaste de máquina, uso de matérias etc.), cujo valor vem
do trabalho humano, + um valor produzido pelo próprio operário para pagar o seu
salário + um valor produzido a mais pelo próprio operário, mas entregue de
graça ao patrão e a outros (impostos etc.). Ou seja, o mais-valor e o lucro vêm
da produção, mas parecem vir da circulação, vêm da mão disciplinada do
operário, mas parecem vir do cálculo mental do burguês. Eis a diferença entre
teorias instrumentais, ou aparenciais, e teorias essenciais. Terceiro: se a
humanidade manter-se de pé; alcança-se níveis onde é possível reformas
científicas, ainda que profundas, não mais revoluções.
TDA
O Transtorno de Déficit de Atenção (e Hiperatividade) tem sido a moda
das questões mentais comuns. De fato, o nome não expressa bem sua natureza. Não
há falta de atenção apenas, mas atenção também exagerada, hiperfoco, somente
naquilo que desperta real interesse no portador. Também não é uma doença, mas
uma personalidade, um tipo humano (INFP, principalmente). O fato de o TDA ter
sido percebido em nosso tempo revela mais sobre este próprio tempo que a
evolução da ciência da mente-cérebro em si. O portador de TDA têm muitas
semelhanças com a psicologia do lupemproletariado, sendo provavelmente uma das
origens individuais, não em exato históricas, deste grupo social, entre aqueles
que não conseguem se adaptar ao mundo capitalista. A dificuldade de
planejamento de longo prazo e a quase impossibilidade de se envolver com
tarefas duras são exemplos da coincidência, não somente ocasional, entre ambos.
O TDA é naturalmente intolerante contra as diferentes formas de
alienação; por isso, também, pode tornar-se marginal na sociedade. Ele somente
aceita ordens se: 1) vê nelas sentido lógico, 2) sente que o ordenador não tem
intensões de dominá-lo, de se pôr como superior. Uma criação familiar e social
por demais repressiva pode tornar o TDA um subversivo crônico, com transtorno
opositor (como marginal ou revolucionário etc. – daí que Jung tenha posto o
subversivo, seja o tipo negativo ou o positivo, na mesma categoria, na
classificação de arquétipos[19]).
Além disso, a impulsividade faz do TDA amoroso, muito solidário e empático.
Marx teve as características de um TDA, com a vantagem de viver numa
época de poucas distrações. Vejamos:
1.
Como
dissemos, um TDA é intolerante, em alto grau, às relações alienadas. Isso
permitiu Marx ter uma sensibilidade muito maior para perceber a natureza da
alienação, em especial no capitalismo.
2.
Um TDA é
altamente simpático e empático, além de impulsivo (carinhoso, naturalmente
solidário etc. – mas costumamos associar impulsivo com violento). É o caso
biográfico de Marx.
3.
Um TDA tende
a ignorar as “inúteis explosões” do imediato, da aparência, e querer saber do
lado interno do mundo, da lógica das coisas. Isso ajudou a tornar Marx um
dialético.
4.
Um TDA é,
via de regra, imensamente criativo, associativo de ideias. Este é o caso de
nosso gigante, o maior pensador da nossa era.
5.
Um TDA, em
geral, tem letra feia, ilegível ou quase (embora seja comum entre o tipo a
habilidade de combinar as palavras, de estilo). É o caso de Marx, que perdeu
uma vaga de emprego por tal razão.
O TDA, independente de sua origem ser genética ou igualmente com outras
causas possíveis, é uma afirmação do capitalismo, como com sua falta de
planejamento, mas, ao mesmo tempo, é sua negação completa e típica, pela sua
anti-alienação, por seu perfil mais humano, por sua indisciplinada disciplina,
por seu lado criativo-associativo e profundo, por sua noção “distorcida” de
tempo etc. (Antes, éramos donos do tempo, mas hoje somos dominados por ele –
certa vez disse Fonseca Neto.) Daí sua queda, hoje, no lado lúpem, seu fracasso
comum. Assim, TDA, neste modo de vida, expressa em si contradição deste próprio
modo de vida.
A psicologia social beneficia-se desse tipo de observação. Uma sociedade
sob ditadura, por exemplo, produz ou estimula relações de opressão por
hierarquia, como na família, o que, por sua vez, produz subversivos tendentes a
ir contra aquela mesma realidade.
LINGUAGEM
É evidente que a linguagem humana, social, não tem sua origem primeira
na biologia, mas na sociedade, embora a mecânica corporal de controlar os
fluxos de ar seja vital. Como diz Engels, foi preciso a necessidade de dizer
algo para algo dizer, ou seja, o trabalho cada vez mais complexo impulsionou a
fala, depois a escrita; o erro desse gênio foi supor que a necessidade da fala
fez surgir os órgãos necessários, como se o esticar do pescoço tivesse
produzido as girafas.
Em analogia aproximal, a relação valor de uso, valor de troca e valor na
mercadoria tem algo de similar com três elementos da linguagem básica – o
significante, o significado e a energia. A palavra é uma unidade de energia,
energética.
Temos agora de demonstrar pistas sobre tal conclusão. O cérebro tem, por
exemplo, uma tensão interna, de energia, que precisa ser vazado tal excesso ao
transformar a “pulsão” em ato de falar. Uma energia, que incomoda, foi
transformada em outra matéria e energia. Assim, o padre medieval – e toda
ciência começa como misticismo e pseudociência, como o inverso de si – aliviava
os fieis que desabafavam; assim, o psicólogo e o psicanalista melhoram o
paciente.
A energia descarregada em linguagem aqui afeta menos ou mais outro
sujeito ali, a palavra é mediação dessa troca e transmissão energética. A
fofoca precisa ser dita, o carente precisa conversar o que quer que seja com
quem quer que seja. A palavra não é o inconsciente, mas algo vital mediante
como o dinheiro é mediador das mercadorias.
Vejamos por outro ângulo: há uma economia de energia. Em geral, as
palavras tendem a ficar menores e mais simples economizando matéria-energia.
Sabe-se que nos países frios as consoantes e a fala introvertida imperam por
causa da perda energética do corpo. Nos locais quentes, impera a vogal, o gasto
do excesso. As palavras Saara e Caatinga, em temperaturas mais extremas, bem
expressam isso. A palavra “muito” em português soa, de modo anormal, como
“muinto”, pois gera economia, flui melhor. As palavras mais comuns, como sim e
não ou yes e not, costumam ser menores.
O ato falho verbal descoberto por Freud surge de uma tensão que supera
uma tensão de censura contraposta e resistente. Mais uma prova do caráter
energético e transformado da palavra.
Em especial por suas origens, as palavras são comumente como
onomatopeias do real, metáforas sonoras do objeto representado. Torquato Neto
afirma, contra a palavra:
Escrever não vale quase nada para as transas difíceis desse tempo,
amizade. palavras são poliedros de faces infinitas e a coisa é transparente – a
luz de cada face distorce a transa original, dá todos os sentidos de uma vez,
não é suficientemente clara, nunca. nem eficaz, é óbvio. depende apenas de
transar com a imagem... chega de metáforas, queremos a imagem nua e crua que se
vê na rua, a imagem – imagem sem mais reticências, verdadeira.” (Torquato Neto,
Os Últimos Dias de Paupéria.)
Mas poliedros, a palavra, lembra poliedros, paralelepípedos lembra
paralelepípedos. Ele não entende, também, que a duplicidade de significados é
uma força, mais do que uma fraqueza, da linguagem. A fusão ou a combinação de
significados torna poética a poesia real da vida. É muito comum sermos duplos
para expressar a verdade do inconsciente e, ao mesmo tempo, a verdade
consciente e funcional, não menos verdadeira. A expressão “suprassumir” em
alemão – ao mesmo tempo significando os opostos superar e destruir, guardar e
preservar, elevar e suspender – facilitou descobrir a própria dialética da
vida; pois a realidade é filme, não fotografia. A poesia estica isso ao máximo,
ao limite; vejamos um pequeno exemplo, sem dispensar recursos visuais:
arrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr ar
pe pe pe pe pe pe pe dra
ááááááááguuuuuuuu a
fo fo fo fo fo fo fo fo fogo
Para fora, o pensamento era sem forma e sem ordem. Era um mar profundo
coberto de escuridão; mas sobre suas águas pairava o espírito do homem. Então
ele disse.
***
Derivamos as seguintes conclusões sobre a linguagem:
1.
Ela é
unidade de ser e não ser – se dissemos “não pense num elefante”, logo pensamos
positivamente num elefante antes de fazer negação.
2.
Uma vez
surgida, a língua ganha autonomia em relação aos indivíduos. Suas leis reais, desenvolvimento
etc. não são decididos por ninguém. Novos sentidos e conteúdos surgem, elipses
acontecem, formas mudam.
3.
Ela vai da
materialização à desmaterialização – as palavras mais usadas, após criadas, são
diminuídas, reduzidas.
4.
Ela é
energia-matéria.
5.
Vai do
simples ao complexo, como sabe qualquer observador – e tende a simplificar-se
de modo relativo.
6.
Vai do
extensivo para o intensivo, como concentrar significados na mesma palavra.
7.
Vai do
concreto ao abstrato ao concreto.
8.
Um conteúdo
palavrático pode ter várias formas, assim como várias formas podem ter
diferentes conteúdos. “Penso” pode ser pensar ou pender; “fui” pode derivar de
ser ou de ir – ou ambos! To be é ser, estar (aqui) ou estar (fazendo).
9.
A palavra
tende a mudar, adaptar-se, sua forma para ganhar a “aerodinâmica” melhor para
seu fluir.
10. Há o duplo sentido, duplo caráter, de polo
inconsciente e outro inconsciente comum na linguagem, associação.
11. Saber bem uma língua ou saber várias línguas ajuda
de modo relativo o pensamento.
12. A linguagem oral e escrita potencializa o
pensamento, mais do que o limita.
13. A linguagem começa com um conceito, que se desdobra
em dois opostos e avança para um conceito maior, unificador, mediador ou
meio-termo – ou expressão conceitual. A criação de uma palavra, no começo,
leva, tantas vezes, a criar outra oposta, similar (com sufixo etc.) ou oposta
na sonoridade.
14. O verbo, o adjetivo, o substantivo etc. existem
porque existem na realidade. O cérebro evoluiu e adaptou-se para perceber tais
aspectos.
15. As relações sintáticas existem porque existem na
realidade.
16. Morfologia é lógica formal, grosso modo; sintaxe é
lógica dialética, grosso modo.
17. Ir o ensino da letra para a sílaba, para a palavras
etc. reproduz, grosso modo, uma
sequência real na fundação da linguagem oral pelo homem primitivo.
18. Grosso modo, a morfologia costuma expressar o
desenvolvimento real da linguagem no primitivismo, como começar – no estudo e
na história da humanidade – pelo substantivo (antes, concreto; depois,
abstrato) para poder, no evolver, fundar o verbo etc.
19. A contradição entre a língua falada (conteúdo e
mutável) e língua escrita (forma) e erudita (forma e conservadora) é produtiva,
oferece uma duplicidade que anima a psique.
20. A linguagem não é neutra, mas sua acidez não é tão
alta. A realidade não é estruturada pela linguagem, apesar de sua vitalidade e
influência parcial.
21. Há linguagem de aparência e, oposta e “dentro”, de
essência.
22. A tarefa central do pensador não é esclarecer
conceitos – sua missão é desenvolver as categorias, desdobrá-las.
23. A linguagem, de um autor etc., costuma, a priori,
expressar sua personalidade.
24. Não basta desfazer o argumento adversário. Deve-se
também demonstrar sua manobra, seu jogo e sua falta lógica. A origem do erro
deve ser exposta, como a intensão real do outro.
25. A poesia é uma forma de encaixar o poema nele mesmo
MODERNO
SOFISMO
Kant e Hegel escreviam de maneira complicada porque eram distantes do
mundo popular, porque o conteúdo era complexo, porque suas personalidades eram
exuberantes, por falta de tato etc. Algo esperado. Assim como cálculos
complexos são mais difíceis de entender, também textos complexos o são; assim
como para entender cálculos complexos exige-se uma base, também textos
complexos a exigem. Mas hoje é de todo diferente. Usa-se uma forma complicada
para ocultar um conteúdo fraco ou um engodo. O leitor, coitado, já faz um
esforço imenso para traduzir o material, falta-lhe energia posterior para fazer
qualquer crítica. Com o linguajar nebuloso procura-se elevar à décima potência
o sucesso da obra, além de usar o bizarro. É claro que a ciência e a filosofia
podem desenvolver a linguagem e sua poesia, mas isso está subordinado. Tal como
os sofistas antigos educavam os cidadãos pagantes na arte da retórica, aonde
pouco importava a verdade de fato, os sofistas atuais também negam a verdade e
apostam na linguagem, em jogo artificial. Isso tem uma razão histórica de
fundo: de um lado, a perigosa verdade, classista, não deve ser acessada – de
outro, esgota-se a filosofia-ciência humana desta época, exigindo novo
paradigma, o marxismo. Incapazes de produzir algo novo com seus padrões velhos
de pensamento, forçam a criação via o palavriado. Esta obra, por exemplo,
apenas pôde existir após abandonar premissas e “verdades consolidadas”.
PALAVRA:
RAZÃO E EMOÇÃO
Por seu efeito, a palavra é unidade de razão e emoção. A palavra “amor”
ou “saudade” causa em nós, ainda que de modo leve, tais sensações, repercute na
nossa psique. A palavra tem, assim,
poder – uma força material. Os poetas sabem disso, manejam tal jogo.
Nomear um organismo partidário de “célula” em lugar de “núcleo”, por exemplo,
algo simples e vaporoso, tem certa influência pequena sobre a subjetividade e a
dinâmica do próprio organismo, que passa a ser encarado como ambiente de debate
e trabalho, além de conspiração e, de modo relativo, autônomo, diferente da
outra forma de nomear. Mas não caímos na outra ponta, um extremo, de considerar
que a realidade é linguagem – nada disso; tal formulação não resiste contra uma
observação mínima. A palavra é uma objetividade subjetiva, uma subjetividade
objetiva.
IDEOLOGIA
A palavra maldita, ideologia, com a qual uns acusam os outros, e
vice-versa, de a praticarem em suas afirmações talvez ou supostamente
interessadas. Como veremos, todo este capítulo tem como centro tal objeto. Para
nós, a mentalidade não é epifenômeno, como até Marx deixou quase entender em
alguns momentos. Mas, mesmo assim, doloroso à consciência a ideia de que não
decidimos quando decidimos ou que não temos livre arbítrio. Às vezes, somos até
capazes de ver nos outros que eles e seus pensamentos são frutos do meio, de
sua experiência não escolhida, mas “esquecemos” de olhar com o olho de dentro
para fazer a autoanálise. Em geral, apenas quem está numa posição social que
necessita da verdade, a posição comunista e proletária, torna-se capaz do
julgamento muito pleno de si e dos demais, de saber a base concreta do
pensamento ou sentimento abstratos. Vejamos, agora, o resumo de alguns de
nossos mestres e uma conclusão específica sobre.
MARX E ENGELS
Eles começam a concepção marxista de ideologia enquanto sinônimo de
falsa consciência, como oposto à ciência. Depois, Marx avança para um conjunto
de ideias como forma de tomar consciência prática das tarefas e problemas de
seu tempo.
Eles elaboraram, então, a famosa máxima: as ideias dominantes de uma
época são as ideias de sua classe dominante.
LENIN
O teórico russo contrapõe ideologia como visão de mundo classista, das
diferentes classes. Há, assim, a ideologia operária e, oposta e inimiga, a
ideologia burguesa.
LUKÁCS
O húngaro nomeia ideologia toda a superestrutura subjetiva: ciência,
política, moral etc. Para ele, ideologia é ontológica, ou seja, tem função
prática na realidade para 1) convencer uns aos outros a trabalhar de tal ou
qual modo, 2) convencer os outros homens a organizar a vida social de certa ou
daquela maneira.
ALTHUSSER
O autor francês retomou a ideologia como falsa consciência, como uma
versão ou visão invertida, de cabeça para baixo, do mundo real. Na prática, ele
apenas retomou o senso comum e preconceitos de seu meio ambiente, a
universidade burguesa. Sua meta foi adaptar o marxismo à academia e suas
concepções de classe média.
OUTRA CONTRIBUIÇÃO
Como no tema da liberdade humana, todas as concepções acima estão certas
em algum nível. As diferentes ideologias – filosofia, arte etc. – subjetivam a
objetividade, ou seja, desenvolvem, unilateralizam e aprimoram o que já existe
na realidade. Por isso, muitas vezes apenas organizam e sistematizam o senso
comum, o cotidiano.
Engels afirma:
Vimos como os filósofos franceses do século XVIII que abriram o caminho
à revolução, apelaram para a razão como o juiz único de tudo o que existe.
Pretendia-se instaurar um Estado racional, uma sociedade ajustada à razão, e
tudo quanto contradissesse a razão eterna deveria ser rechaçado sem nenhuma
piedade. Vimos também que, em realidade, essa razão não era mais que o SENSO
COMUM do homem idealizado da classe média que, precisamente então, se convertia
em burguês. (Engels, Do Socialismo Utópico ao
Socialismo Cientifico, 2003, detaque meu)
Ele repete, na mesma obra:
Para o metafísico, as coisas e suas Imagens no pensamento, os conceitos,
são objetos de Investigação Isolados, fixos, rígidos, focalizados um após o
outro, de per si, como algo dado e perene. Pensa só em antíteses, sem
meio-termo possível; para ele, das duas uma: sim, sim; não, não; o que for além
disso, sobra. Para ele, uma coisa existe ou não existe; um objeto não pode ser
ao mesmo tempo o que é e outro diferente. O positivo e o negativo se excluem em
absoluto. A causa e o efeito revestem também, a seus olhos, a forma de uma
rígida antítese. À primeira vista, esse método discursivo parece-nos
extremamente razoável, porque é o do chamado SENSO COMUM. Mas o próprio SENSO
COMUM - personagem muito respeitável dentro de casa, entre quatro paredes -
vive peripécias verdadeiramente maravilhosas quando se aventura pelos caminhos
amplos da investigação; e o método metafísico de pensar, pois muito justificado
e até necessário que seja em muitas zonas do pensamento, mais ou menos extensas
segundo a natureza do objeto de que se trate, tropeça sempre, cedo ou tarde,
com uma barreira, ultrapassada a qual converte-se num método unilateral,
limitado, abstrato, e se perde em Insolúveis contradições, pois, absorvido
pelos objetos concretos, não consegue perceber sua concatenação; preocupado com
sua existência, não atenta em sua origem nem em sua caducidade; obcecado pelas
árvores, não consegue ver o bosque. (Idem, destaque meu)
Lukács fala que a ciência costuma derivar do cotidiano como a criação de
pombos observada por Darwin, mas não teve tanta clareza sobre isso quanto à
ideologia.
Marx diz n’O Capital:
O segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos
os trabalhos porque e na medida em que são trabalho humano em geral, só pode
ser decifrado QUANDO O CONCEITO DE IGUALDADE HUMANA JÁ POSSUI A FIXIDEZ DE UM
PRECONCEITO POPULAR. Mas isso só é possível numa sociedade em que a forma
mercadoria é a forma universal do produto do trabalho e, portanto, também a
relação entre os homens como possuidores de mercadorias é a relação social
dominante.
Em seguida à citação, ele faz a famosa afirmação: por estar no mundo
antigo e ser senhor de escravos, Aristóteles era incapaz de perceber a
substância do valor.
A realidade é traduzida pelo pensamento, não criada neste nível. Uma
obra de moral expressa a moral objetiva da realidade, por assim dizer. Quando
pós-modernos falam de “Multidão” no lugar das classes em luta, eles estão
intuindo o fim das classes no comunismo de modo impressionista e imediatista,
pois as classes estão de fato em crise categorial. Quando outros pós-modernos
falam de fim do trabalho e besteiras semelhantes, de fato sentem com exagero a
crise do valor, a automação etc.
O filósofo ou o artista está na vanguarda do novo, ainda que algo seja
de curta vida. Adorno percebeu já e ainda no começo que a música se tornaria
apenas o fundo de um cenário, logo fato comum hoje desde o walkman, o MP3, o
celular, a internet etc. Claro, muitas vezes erram os ideólogos.
Se a realidade humana, pessoal, está fragmentada, logo surgirá uma
filosofia fragmentada. Passamos para a linguagem humana aquilo que não a é. O
espírito do tempo hegeliano, Zeitgeist, na verdade é a objetividade do tempo,
ou melhor, do meio, a carne e a coisa de uma época, corpo social e dinâmico –
espírito, mas espírito concreto.
Isso produz uma nova conclusão, teorema: se uma teoria parcial pode
surgir, ela surgirá. Vejamos dois exemplos. A artificialidade atual do
dinheiro, na artificialidade do sistema mantido pelo Estado, sua criação fácil,
leva a membros da classe média a pensarem como solução para tudo a criação
maior de moeda. A nova classe média e a aristocracia operária europeia fizeram
a cabeça de Sartre e seu existencialismo.
O materialismo parte, também, do senso comum: a realidade existe. Para
um cidadão médio é óbvio que a objetividade há, e é, pois Deus a criou. O
idealista apressado acusa tal ideia por ser vulgar, cotidiana, e eleva a voz
para duvidar da existência autônoma do real. Na verdade, sequer dá dois passos
à frente na sua elaboração.
A realidade é um inconsciente objetivo para além do inconsciente
individual, subjetivo. Assim, este é influenciado por aquele; então ocorre a
racionalização, no duplo sentido, psicanalista e não psicanalista. Lukács, por
isso, erra quando diz que o artista, similar ao Espírito hegeliano, vai para o
mundo e, enriquecido por ele, produz algo, retoma-se; não; o poeta já está na
realidade e sua inspiração vem de repente, tantas vezes do inconsciente duplo
para a consciência; depois, uma ideia leva à outra, e outra, e assim por
diante. Se o romancista pesquisa, parte da ideia inicial, age a posteriori, e
suas investigações são muito específicas, como estudar arte militar para melhor
descrever e narrar uma batalha.
Veja-se que os reformistas enrustidos no meio marxista insistem em negar
a validade teórica de três aspectos do socialismo científico: a dialética, a
queda da taxa de lucro rumo a crises e ao fim do sistema e a necessidade de um
partido democrático centralista. Fazem isso de modo, em geral, inconsciente,
mas o fazem. Em geral, expressam a classe média em suas entranhas cerebrais,
por isso, por exemplo, a maior dificuldade de ir além da lógica formal.
Enfim, a subjetividade dominante de uma época é a subjetividade de sua
objetividade dominante. O subjetivo é um espelho ampliador. A classe dominante
não cria ideologia em uma sala secreta de reuniões, caso contrário seria pura
falsificação, não ideologia; assim como não controla o próprio sistema, a
burguesia não controla a criação ideológica de modo direto e inteiro; “nós
criamos, mas criamos apesar de nós”. A realidade entra na cabeça da própria
classe dominante, que traduz o real de seu ponto de vista, e tenta ganhar a
sociedade para suas próprias posições, que têm origem primeira no objeto, ainda
que unilateral.
Uma ideologia, por mais força social potencial que tenha por si, costuma
precisar de uma superestrutura objetiva, uma instituição, para prosperar em
muitas cabeças. As teorias de Lenin e Trotsky somente deixaram de ser marginais
porque lideraram uma revolução, um partido e um Estado. Na França, a escola de
Annales apenas cresceu porque tomou espaços universitários. Para muitos
filósofos, cargos como o de reitor de universidade tiveram um efeito brutal na
popularidade de suas ideias. Fora de tais meios, costuma-se cair na marginalidade.
O externo se internaliza. Os marxistas afirmam que apenas (re)conhecemos
o objeto quando ele está maduro; antes, conhecemos imperfeitamente o objeto
porque o objeto também ainda é imperfeito. Os mercantilistas na economia
pertencem à época mercantilista; a teoria da evolução de Darwin, a seleção do
mais apto, pôde surgir e ser corretamente aceita porque a revolução industrial
impôs o império da livre concorrência, permitiu surgir tal avanço científico
por sua estrutura-avanço social e tais ideias eram úteis para o desenvolvimento
das forças produtivas. Eis uma forma diferente de identidade e unidade
objeto-sujeito. Em duplo sentido, o objeto que se reconhece no sujeito. Além do
mais, a realidade tende a produzir homens e mulheres para si, que veem tanto
quanto podem ver.
A ideologia traduz e expressa as contradições e as dinâmicas do real,
ainda que seja para negar tais contradições e tais dinâmicas. A ideia de
tradição medieval vem de uma objetividade que pouco muda, em que o passado dava
respostas suportáveis – até não mais dar.
Temos, portanto, uma concepção ideológica de ideologia. A consciência
avança se sua base material avança; e recua se esta recua. Mas a consciência
também é matéria, então tem força na própria materialidade, e resistência à
mudança, para frente ou para trás, além de influenciar também o meio. Há
aprendizado, há tradição. De tal modo, damos um novo significado para a
dinâmica unidade e identidade sujeito-objeto; tal objeto como objetividade, realidade.
A ideia é matéria – a ideia é matéria em processo.
CONSCIÊNCIA
De onde vem a consciência? Da contradição. Quando um todo no qual o ser
vivo opera se desregula, ou seja, quando os hábitos, as repetições de
comportamento, deixam de encontrar a externalidade (totalidade) correspondente
à ação; então força-se à percepção, cálculo, medição, comparação e
diferenciação de si, do si, em comparação ao externo. É a sobrevivência, a
necessidade de satisfazer necessidades, o impulso íntimo, cuja fonte é exterior
ao corpo-mente. O primeiro impulso deu-se com a obrigatoriedade dos antigos
primatas a descerem das árvores nas savanas.
A teoria da evolução descobre que um órgão corporal, uma parte do, o
cérebro neste caso, pode ser mais ou menos flexível e modificável para novas
funções; e que as mudanças, mutações, mais ou menos comuns, prosperam ou não a
depender se gerarão vantagens, não-contradições, com o ambiente natural. Temos
um segundo estímulo à consciência. Isso é válido para uma espécie ou seu ser
singular, uma pessoa, como também para um grupo humano: uma crise econômica faz
com que um ser coletivo, a classe trabalhadora, ao romper a rotina, avance de
classe em si para, ao elevarem-se as contradições, classe para si, consciência
de classe. É análogo ao processo em escala biológica.
Na medida em que o homem primitivo, os antepassados evolutivos próximos,
modificavam, por meio do trabalho e construção de ferramentas, os seus próprios
hábitos, surgiam necessidades novas; o ambiente modificava-se, o que gerava
novas limitações a serem superadas. Como agir a estas contradições e mudanças?
Pela capacidade de projeção, de imaginar, de antecipar idealmente. Tal
habilidade só pôde surgir como necessidade permanente, mais que casual. Temos
aí a base para tudo a que chamamos inteligência, criatividade, consciência e
pensamento. Para isso, já o sabia Engels, o cérebro contou com energia
oferecida por alimentos cozidos, pelas carnes e ômega 3.
Abordemos uma pista empírica – forma de protoconsciência – em outras
espécies:
INSETOS PODEM TER TIDO “CONSCIÊNCIA” BÁSICA HÁ MAIS DE 500 MILHÕES DE
ANOS. (Comentado)
Dr. Barron e pelo Dr. Klein acreditam que as origens da consciência, são
rastreadas pelo menos, até o Cambriano, que começou há cerca de 540 milhões de
anos atrás.
“Quando os organismos começaram a mover-se livremente em seu ambiente,
eles enfrentaram muitos desafios novos”, explicou o Dr. Klein.
“Eles tiveram que decidir para onde ir. Eles tiveram que priorizar suas
necessidades. Eles tinham de interpretar informação sensorial que mudou como
consequência do seu movimento. Isso exigia um novo tipo de modelagem integrada,
e é aí que nós pensamos que a consciência surgiu.”
Bruno van Swinderen é professor associado da Universidade de Queensland
e é um líder no campo da neurobiologia do inseto.
Dr. Van Swinderen acredita que um dos pontos mais importantes do novo
trabalho é a constatação de que a compreensão da evolução da consciência não
virá da procura de comportamento inteligente em outros animais, mas sim de
compreender os mecanismos fundamentais que apoiam a consciência subjetiva e
atenção seletiva, que ele diz que “sabemos agora que insetos têm”.
“Os insetos têm sido vistos tradicionalmente como mini-robôs,
respondendo a estímulos ambientais de uma forma bastante inflexível”, disse o
Dr. Van Swinderen.
“Em contraste, Barron Klein e sugerem que é provável que algumas dos
bases fundamentais da consciência já foram resolvidas nos menores cérebros”.
Compreender completamente o que está na mente de um inseto ainda é impossível,
no entanto.
Uma coisa é o órgão; outra, o fruto de sua atividade: cérebro e mente
são categorias reais interligadas, são o mesmo, mas, ao mesmo tempo,
diferentes. Destas pistas, retiramos a seguinte hipótese, que nos parece mais
correta: não há um local responsável pela consciência – é uma consequência da
totalidade da atividade cerebral, da interação de suas partes. Mas, certamente,
qualquer totalidade, incluso o cérebro e a consciência, tem um centro.
A explicação científico-filosófica da consciência certamente terá de
abandonar a explicação simples e dicionária, isto é aquilo, para uma explicação
por saturação do conceito. De novo, as conquistas metodológicas da economia
política nos servem de exemplo facilitador: Marx, ao longo de sua obra magna,
não diz apenas em uma vez e explicação “o capital é (isto)”, escolhe
desenvolver a categoria no seu próprio evolver, satura-o no seu significado
próprio (é-se: valor que se valoriza, relação social etc.). Aqui, indicamos
“consciência é alucinação relativa” para o caminho lógico-teórico do tema.
Tratemos por nome imaginação, imaginação controlável pela relação material:
dúvida, sendo diferente de imaginar, é uma forma de imaginar; recordar, sendo
diferente de imaginar, também apenas se expressa como imaginação específica;
são exemplos de diferentes formas de imaginação. Essa é uma das instâncias de
preenchimento do conceito de consciência.
Tornemos ainda mais claro. O esquizofrênico tem, por sofrimento
material, diante da realidade, nesta, a imaginação inflada com lógica também
sob inchaço. Na selva amazônica, um macaco prende-se na armadilha de caçadores
de uma cuia com frutas dentro e um pequeno furo para pôr a mão; coloca a mão
dentro, agarra as pequenas frutas, e trava-se naquela situação, fica preso,
pois lhe é impossível soltar as frutas para se desprender e fugir – o macaco
não alucina perante o desespero, falta-lhe imaginação. “Leve um homem e um boi
ao matadouro; aquele que berrar é o homem. Mesmo que seja o boi.”(Torquato
Neto). Na falta de relação imediata com o objeto, alucina-se.
A “mente imaginativa” é um resultado da atividade cerebral, órgão
específico e integrado aos demais, é material, e tem de ser considerada também
em si, assim como o bombear de sangue não é o próprio coração – coisa e
atividade.
Apenas permanece aquilo que muda – e só a mudança é permanente. A
consciência vem da repetição; quando a mudança tornar-se regra, logo o
cérebro-mente tem a necessidade, em permanência, de saber o que permanece na
mudança. Ele continua fixado no passado, na busca da repetição, do padrão,
embora, diferente de um computador, de fato crie, faz o inédito.
Isso permite explicar um comentário: não existem mais gênios judeus.
Ora, a pergunta é por que judeus e ciganos contribuíram tanto para a
humanidade! Porque 1) eles tiveram um grande período dinâmico, de movimento e
nômade; 2) eles estavam, ao mesmo tempo, dentro e fora da sociedade (veja-se
que a solidão leva, tantas vezes, à leitura, por exemplo). Isso explica, em
parte, o motivo de os negros no Brasil (Machado de Assis, Gilberto Gil, Cruz e
Sousa, Milton Santos etc.) e dos EUA (Jazz, Blues, cinema etc.) terem contribuído
tanto com gênios máximos na história desses dois países.
A mente, a consciência, a ideia (abstratos) são resultado do cérebro
(concreto) e da realidade (concreto) em movimento, em mudança, em atividade
(processo) – o abstrato é concreto em processo. Porque a realidade altera-se, e
a realidade social mais ainda, produz-se um impulso de manter a repetição, que
forma a mente e é base para todo pensamento avançado. Uma pessoa que permanece
uma semana presa e apenas deitada num quarto sem sequer ter noção da luz
natural solar sente sua psique “desfazendo-se”, dissolvendo-se, pois perde a
noção de movimento e mudança. Os teóricos da consciência etc. erram ao partirem
de dentro para fora, não ao contrário, como se fosse premissa básica que a
mente etc. existe por si. Aumentamos, portanto, o peso do objeto sobre o
subjetivo. Nesse sentido, embora forçando um tanto a mão, a consciência é
objetiva antes de ser subjetiva.
A consciência surge ou eleva-se por sua necessidade, por necessidade de
satisfazer necessidades (individuais, coletivas). Por isso, países decadentes
após largo avanço ou imensamente contraditórios, como entre o avançado e o
atraso, produzem grandes gênios. A degeneração dada pela alta qualidade de vida
por ser combatida pela combinação de arte, esporte realista, erudição, alguma
dedicação manual, relação esforço-recompensa.
***
Aqui, inspiramo-nos nos gregos. Eles negavam a empiria aparentemente
aparência, instável, caótica, sem lógica, sem rumo, contingente e queriam
acessar o mundo por meio da boa reflexão, do pensamento dedicado, de deduções
abstratas, de lógica e conflito de ideias com palavras. Assim, continuavam
querendo o permanente na mudança – e fizeram, portanto, filosofia! A filosofia
experimental, a científica e a objetiva, claro, hoje baseiam muito mais
diretamente nos dados, no fatos, na empiria, embora saiba que a aparência ao
mesmo tempo revela e esconde a essência, a verdade.
Isso leva-nos ao debate sobre inteligência artificial: podem os
programas e robôs tornarem-se conscientes? Para nós, o que é, em primeiro
lugar, consciência? Devemos responder tal pergunta milenar, até hoje um enigma
insuperável, com suas diferentes escolas e polêmicas. Consciência é, também
(pois não o que ela é não cabe no dicionário), autoconsciência, consciência de
si. Mas ser consciente de si é ao mesmo tempo diferenciar, ter consciência do
outro e do externo. Por isso, dizer que consciência é consciência de algo tem
tal algo igualmente como a si próprio, alguém. Assim, ter consciência exige ter
consciência da sua finitude, de perceber ser algo que não outro, ou seja, ter
borda e limite, ou seja, ter fronteira e tempo. O erro de dizer que pensamos e
temos consciência por meio de todo o corpo deve ser (re)considerada – não
penamos com o corpo inteiro, mas é quase isso. O cérebro é também sua função.
Ademais, consciência é finitude não só espacial, também temporal – consciência
exige falta, logo, necessidade, logo, desejo.
Dito isso, considerando a consciência de seu lugar abstrato, ou seja,
separado e isolado nas nuvens ideais, vemos a dificuldade de uma inteligência
artificial tornar-se de fato consciente. Ademais, o cérebro é a coisa mais
complexa e difícil de replicar do universo. Pode-se, com mais rapidez, simular
um “como se” tivesse consciência. Mas, ao oferecer algo como um sistema nervoso
completo ao robô, além de sentir necessidades (falta de energia, incômodo
etc.), quem sabe a singularidade finalmente ocorra, para o bem ou para o mal.
Marx diz que a há humanização das coisas e coisificação dos homens; e isso
tende a ser literal, atingir um máximo: das máquinas simples que imitavam o
movimento repetitivo das mãos humanas às máquinas complexas que imitam a sua
inteligência e consciência.
Inteligência não é apenas capacidade de se adaptar à realidade, ao meio
– mas de transformar diante do mundo ou de suas dificuldades. Ao modo passivo
darwiniano complementamos o modo ativo marxista. No mais: penso, logo a
realidade existe – pensar é o real em movimento.
O MARXISMO
BÁRBARO
O marxismo acadêmico, antes alternativa, tornou-se o marxismo oficial,
contaminando os partidos marxistas. Há uma razão clara para o melhor do
marxismo – Lênin, Trotsky, Marx, Engels, Gramsci, Moreno etc. – ter se formado
por fora da academia, não por meio dela; em muitas ciências e na arte este
também foi, inúmeras vezes, o caso. Burocratas universitários cumprem tarefas
de burocratas; se fazem ciência, é algo acidental – tanto mais se em
profundidade; a universidade precisa ser libertada, assim como foi libertada,
antes, das mãos do feudalismo. Pelo ambiente e por elevação da qualidade vida,
tornar-se professor de universidade matou o ímpeto de boa parte dos melhores
quadros do movimento socialista. O marxismo agora oficial pouco produz de fato,
pouco contribui e, quando tem algo profundo a dizer, erra com maestria. É
constrangedor a falta de domínio do método dialético, por exemplo, usando do
sofisma para fingir que compreende algo sobre o qual pouco domina, nunca usou
como ferramenta. O marxismo sofreu o primeiro duro ataque interno na II Internacional,
com os papas da social-democracia alemã; apenas com o marxismo russo, como com
o marxismo do mundo subdesenvolvido hoje, pôde renovar a teoria. Depois, o
estalinismo matou teórica e fisicamente toda a nossa tradição criativa. Após a
segunda guerra mundial, Mandel, na estável Europa, tenta atualizar o marxismo,
mas falhou e pendeu para o revisionismo; em oposição, Moreno, na conflituosa
América Latina, faz um trabalho melhor, mas ainda tímido e de resgate. É com
Lukács que começa alguma virada após a morte de Trotsky. Mészaros, de um lado,
e Kurz, fora da universidade, de outro, são aqueles que dão o passo de fato
primeiro, ousado, mas caem em pensamento unilateral e impressionista. Outras
contribuições pontuais surgiram, mas pontuais, como os de Henri Wallon, na
psicologia, e Henri Lefebvre, na geografia. Moreno falou de “trotskysmo
bárbaro”, formado longe dos ambientes de erudição oficiais e no calor das
lutas; ampliamos para marxismo bárbaro, porque tem a sujeira necessária, como a
palavra comunista em relação à palavra socialista, para a produção realmente
criativa, embora não revisionista. O marxismo bárbaro tem adoração pela
dialética, mas de modo por inteiro crítico e renovador. O marxismo bárbaro
nunca teme a desmoralização ao querer resolver polêmicas e problemas teóricos
ousados. Em geral, o marxismo acadêmico é estéril, pouco criativo. Quando não é
bíblico e dogmático, é renovador sem critérios de fundo, novidade pela
novidade, impacto pelo impacto ou para vender muito o próximo livro… Subversão
sem marxismo de nada serve; marxismo sem subversão é inútil. Os intelectuais
marxistas são incapazes de ligar teoria e prática, de fazer análise de
conjuntura, de elaborar política correta etc. É preciso certa dose de vida
dialética para pensar de modo dialético. Por isso, o marxismo que olha
apaixonado para os teóricos europeus da história recente mantém a tradição,
comum no Brasil, de abraçar qualquer novidade exótica vinda da Europa; nada se
produz em profundidade, apenas se torna representante oficial deste ou daquele
filósofo em palestras que pouco ensinam. O muro de Berlim caiu logo em cima de
tais consciências! É necessário dizer que a razão de resgatar os clássicos,
estudá-los, tem a função de atualizar a teoria, nada de apenas atividade literária
ou repetição de fórmulas. Os jovens marxistas devem respeitar seus mestres e
suas tradições, mas para subir em seus ombros e ver mais longe e melhor. Mas a
prova de que isso não ocorre é a pobreza dos sites e revistas de marxismo dos
partidos, às vezes com meses sem novas contribuições, sem polêmicas vivas! A
paz dos cemitérios futuros. O despotismo partidário, a ordem dos dirigentes,
destrói o livre pensamento, o impulso subversivo, o pensar com a própria
cabeça, o arriscar acertar e errar. Com a devida humildade, espero que este
livro – com sua teoria geral da crise sistêmica e outras teses – seja parte
vital da recriação necessária do marxismo, demonstre que é possível, abra novos
caminhos. Afinal, isso era tarefa, já muito atrasada, para dirigentes e
eruditos da velha guarda que teve de ser cumprida por alguém fora dos ambientes
oficiais. Pois, no entanto, ela gira.
O ÓDIO
POLÍTICO
Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez
campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o
inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas
não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a
classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou
com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário
que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não
se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em
desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São
tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de
corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre
marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em
principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra
os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta,
quer o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A
emoção e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um
limitando o outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e
vice-versa, em unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve
estimular este ódio com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes
sentimentos, nada grandioso e racional será feito. “Nada grandioso no mundo foi
realizado sem paixão”, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve,
pois há horas para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio
como sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior
qualidade.
MÉTODO
EMPÍRICO-DEDUTIVO
Quando a civilização grega antiga atingiu seu apogeu, com o devido
afastamento das barreiras naturais, o homem ainda mais social numa sociedade de
classes, produziu a filosofia dos sofistas, onde a verdade, na prática, não
importava, seria inalcançável. Algo semelhante acontece hoje. Com os avanços do
século XX, em base a uma sociedade fraturada em classes, a filosofia
pós-moderna, na área de humanas, declarou as várias verdades, as narrativas, a
fragmentação, o culturalismo, o grande indivíduo – sentiu-se à vontade para
desprender-se, em parte e ilusoriamente, do real. Duas questões
Por exemplo, dizer que tudo é construção social – à semelhança dos
antigos sofistas – soa subversivo, até socialista, mas é idealismo puro, como
se valores e hábitos pudessem mudar por pura decisão, por pura tomada de
consciência. É absurdo que marxistas tomem tal posição como na questão da
natureza humana. Tal erro tem uma base, qual seja, somos, de fato, mais sociais
que antes, bem mais, além de estarmos sob escravidão assalariada ainda.
O marxista italiano Francesco Ricci, um dos maxistas militantes mais
interessantes da atualidade, também limita-se à crtícia externa e quase apenas
superestrutural da pós-modernidade
Mas a solução não é o seu oposto, uma tomada conservadora. Aqui, entra a
reflexão sobre o método propriamente científico. O método hipotético-dedutivo
de Popper foi superado como paradigma pela moderna filosofia da ciência, mas
cientistas atrasados ou pouco afeitos à filosofia permanecem no erro. Isso tem
motivo. Não há método científico, no singular, mas métodos científicos, no
plural; e o hipotético-dedutivo certamente ajuda a fazer descobertas, embora
limitadas, por isso a sua resiliência.
Mas permanece a mera aglutinação, não a fusão em um terceiro, do
empírico e do racional. Einstein defendeu sempre o método dedutivo, por
exemplo, enquanto outros, o indutivo. É necessário resolver a oposição e a
contradição. O empirismo afirma que devemos nos limitar a colher e organizar
dados, fazendo generalizações indutivas quando for razoável, evitando de todo
refletir sobre eles; o racionalismo, ao contrário, diz que os dados enganam,
logo devemos confiar na razão humana para, de ideias racionais, chegar a conclusões
novas e racionais. Ora, ambos acertam e erram ao mesmo tempo. O método
empírico-dedutivo, o oposto do superado hipotético-dedutivo e o adversário
mortal da pós-modernidade, inicia pela apreensão dos dados empíricos, pois eles
são o começo e vitais como fonte da verdade; mas tal empiria, além de revelar,
esconde e engana, logo usamos a razão para saber desviar das armadilhas, para
saber do interno por meio do externo, da unidade por meio da diversidade, da
essência por meio da aparência enganosa – pois o essencial é invisível aos
olhos e a realidade tem uma lógica própria a ser descoberta, não criada pelo
cientista.
Além de ter uma estrutura, a realidade tem um processo inerente –
queremos ambos na nossa investigação. Queremos o mundo em seu vir-a-ser, em seu
devir, em seu tornar-se, em seu desenvolvimento. A ciência já atrasou por
demais seus avanços por falta da dialética como instinto básico da pesquisa. O
universo estático, repetitivo, passou, com muito atraso, para o universo com
história, com evolução; já podemos tomar como ainda mais racional que o cosmos
teve e terá ciclos, gerações de universo, um após outro.
Não se deve apenas interpretar os dados. A física quântica, por exemplo,
tem uma dezena de interpretações conflitantes sobre tal estágio do mundo, todas
baseadas nos dados. Mas estes nem sempre são criticados: antes, tomava-se como
verdade incontestável que o salto quântico é instantâneo; hoje, ainda toma-se o
spin como algo do reino quântico, como uma propriedade fora da nossa
racionalidade, sem maiores explicações, portanto. Deve-se deduzir, também, o
limite do empírico. A verdade está em algum lugar, nem que seja no meio ou na
fusão.
Deve-se evitar de todo iniciar
por hipóteses, premissas, postulados, modelos, “métodos”, princípios ou mesmo conceitos
– eles devem ser a conclusão da pesquisa, não seu início. E são descobertos,
não criados de modo arbitrário. Em especial, os conceitos mudam se a realidade
muda, não são fixos, são móveis, muitos com início e fim.
A verdade é não empírica, impalpável, mas deriva sua descoberta da
empiria. Ao que parece, Darwin correu o mundo colhendo dados multíplices,
contingentes, diversos, caóticos – até perceber as leis gerais do
desenvolvimento da vida. Nesse sentido, foi um dialético.
É o objeto de pesquisa que diz como ele será explicado e apreendido. De
modo algum, o cientista tem a honra de escolher um ângulo ou método para sua
investigação como fazem o kantismo e o pós-modernismo. A verdade é o todo
contraditório em evolver.
Se há responsabilidade básica, nunca será escolha de todo pessoal do
pesquisador qual será seu objeto estudado. É a realidade, o objeto, as
necessidades sociais ou teóricas, que determina qual será o tema de pesquisa,
nunca a mera vontade subjetiva do sujeito. Claro, entre assuntos urgentes e
relevantes, pode-se escolher aquele pelo qual se tem mais afinidade.
Até o modo de organizar e expor um livro deve ter origem no objeto, não
no sujeito. A organização do objeto impõe uma organização clara da obra. Neste
livro, tivemos de começar, primeiro, pelo primeiro na sociedade, a economia;
não fosse assim, o material textual seria confuso.
O método dialético torna-se o método empírico-dedutivo. Em outro
capítulo, demonstraremos como no trato da lógica de tal método, Hegel deixou de
observar como se deveria o diacrônico, o processo.
Marx, Darwin, Einstein e Freud revolucionaram o pensamento e a
sociedade. Além desse fator comum, todos foram base para uma concepção
histórica do cosmos – Ser é histórico, ou melhor, histórico-geográfico. Mas
algo ainda mais de fundo também os une. Consciente ou inconscientemente, com
maestria ou com improviso; todos usaram o método empírico-dedutivo, dialético,
bem ou mal. Marx percebeu, pelos dados, as leis de desenvolvimento da histórica
capitalista e da humanidade. Darwin percorreu o mundo colhendo dados e
experiências variadas sobre a vida, até deduzir a evolução das espécies. Freud
deixava os pacientes falarem à vontade, de modo relaxado e aparentemente
desconexo, até que era percebido o nexo interno oculto na diversidade externa,
além de aspectos da história do paciente – o que lhe permitiu consolidar uma
teoria. Einstein defendeu com veemência o método dedutivo, não o
empírico-dedutivo, porém suas premissas, muitas vezes, já estavam sendo
confirmadas na realidade, como a velocidade da luz e sua medida como a máxima
do universo, aproximando-o intimamente do método aqui defendido (resumo
grosseiro: partir do empírico para deduzir – Einstein declara: “Vale então o
princípio: a massa gravitacional e a massa inercial de um corpo são iguais uma
à outra. Até hoje a mecânica, na verdade, registrou
este importante princípio, mas não o interpretou”
(Einstein, 1999, pp. 57, 58; destaques feitos
por Einstein)). Sua formulação foi a base da teoria do Big Bang, da
história, ainda incompleta, do universo. Isso explica o motivo do limitado
Popper ter afirmado que a teoria da evolução de Darwin, a teoria da história
humana de Marx e a teoria freudiana não serem, para ele, ciência… Depois,
recuou no caso da biologia darwiniana para evitar desmoralização diante da
merecida autoridade de Darwin. Popper desconhece as ciências históricas.
Veja-se que todas as teorias acima são atacadas das mais diferentes formas;
negadas por estados, correntes e religiões. Nenhum acaso há aí. Concepções de
Marx como o lado não eterno do capitalismo fere interesses lucrativos, de
classe e religiosos. A teoria da evolução derruba uma premissa da religião,
logo é negada com fervor. A teoria freudiana tira o lugar consolador da fé e
agride os bloqueios inconscientes de muitos (homossexuais enrustidos, pessoas
que mal lidam com seu complexo de édipo etc.), levando até a acusação máxima de
pseudociência (enquanto consideramos, aqui, ela incompleta). Einstein é acusado
de charlatanismo até hoje, mas nunca refutado, nem superado (embora possa ser
ao mesmo tempo preservado e superado no futuro como tentaremos esboçar em outro
capítulo) – além de ser acusado, com razão, de ser… comunista! As ditaduras
têm, em geral, horror às teorias de essência, mais do que instrumentais. Se são
obrigadas, aqui e ali, a adotá-las, como para fazer uma bomba atômica, ou para
parecer marxista enquanto rouba o povo, trata-se da verdade impondo-se. Ainda
assim, o método dialético, como empírico-dedutivo, demonstrou apenas metade de
suas capacidades revolucionárias na ciência. Em outro momento, demonstraremos
construções como A=A e não-A, sincrônicas em geral, suprassumidas por A=A e…
não-A, também diacrônicas. Isso casará bem com E=mc², a identidade dos
diferentes no movimento ou no desenvolvimento.
LUTA
POLÍTICA, LUTA DE CLASSES
Há uma falha no movimento comunista, na sua comunicação. Exceção dos
conflitos palacianos, as medidas de governo e de poder possuem um caráter
classista oculto, que deve ser revelado às massas. Por que Dilma foi obrigada a
tomar medidas neoliberais, por que o teto de gastos ao Estado? O objetivo da
grande burguesia era quebrar a onda de graves daquele período por meio do
retorno ao desemprego; por isso, cortar os estímulos estatais à economia. A
causa classista das medidas de governo deve ser denunciada por todos os cantos.
Enquanto a mídia cria um enredo para dizer que tal ou qual media é bom para
todo o país, independente das classes, e faz justificativas “técnicas”; nós
devemos, sempre, esclarecer o caráter de classe das medidas tomadas ou
pretendidas. A luta política, em especial a partidária, camufla e esconde qual
a luta real em jogo, a de grupos humanos opostos. Enquanto uns procuram
esconder o caráter classista, nós revelaremos. Isso é um caminho necessário para
retornar a consciência de classe. A luta política quer esconder, como se
autônoma, o caráter de classe de sua dinâmica.
ASPECTOS DO MAXISMO
Neste subcapitulo, trataremos de incompreensões sobre o marxismo. Muitas
críticas contra tal ciência, derivam do mau entendimento de suas conclusões,
algo comum mesmo entre os discípulos de Marx.
Individual e coletivo
Diz-se que Marx acertou, mas apenas entre as formigas. Como se o velho
pusesse o coletivo sobre o indivíduo. Isso é um erro. Sua concepção defende que
o desenvolvimento de cada um será, no socialismo, a condição – condição! – do
pleno desenvolvimento da sociedade. Como isso se mostra? O escravo antigo não
tinha liberdade alguma; depois, o servo medieval era mais livre; depois, o
assalariado no capitalismo é ainda mais livre, livre em formal; depois, o
cidadão socialista terá o maior grau de liberdade possível. No marxismo, a
história humana é a história em que o indivíduo é cada vez mais livre, logo a
próxima etapa, a socialista, será de liberdade ainda maior que a anterior.
O marxismo abomina o “isto ou aquilo” e substitui por “isto e aquilo”.
Assim, a oposição entre individualidade e coletividade deve ser superada na
união de ambos.
Biologia
Para Marx, o motor primeiro da humanidade não é a luta de classes, o
modo de produção ou a economia. O central é que homem deve, primeiro,
satisfazer suas necessidades, incluso sexuais. Ele pensou isso antes da
revolução de Darwin, contra a religião e a filosofia de sua época.
É necessário, antes, produzir e reproduzir as condições de vida de modo
a ser capaz de, pelo menos, manter-se de pé e perpetuar o gene (desconhecia-se
genes à época), a espécie e a comunidade.
Vejamos a lei primeira de Marx, fala de Engels:
Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da Natureza
orgânica, descobriu Marx a lei do desenvolvimento da história humana: o simples
facto, até aqui encoberto sob pululâncias ideológicas, de que os homens, antes
do mais, têm primeiro que comer, beber, abrigar-se e vestir-se, antes de se poderem
entregar à política, à ciência, à arte, à religião, etc; de que, portanto,
a produção dos meios de vida materiais
imediatos (e, com ela, o estádio de desenvolvimento económico de um povo ou de
um período de tempo) forma a base, a partir da qual as instituições do Estado,
as visões do Direito, a arte e mesmo as representações religiosas dos homens em
questão, se desenvolveram e a partir da qual, portanto, das têm também que ser
explicadas — e não, como até agora tem acontecido, inversamente.
A luta de classes é uma luta por recursos e uma luta distributiva, não
só de produtos ou dinheiro, mas também de tempo, de energia etc. Em resumo,
luta de classes por: movimento, energia, tempo, espaço e matéria.
Antes de ser social, o homem é natural. De outro modo, natural
socialmente modificado e desenvolvido. Os marxistas relacionalistas pensam que
a biologia humana é apenas uma carcaça vazia, como se a genética e o biológico
nada tivessem a dizer, ainda que de modo relativo e mediado.
Por vezes de modo cínico, os marxistas vulgares consideram apenas a
homossexualidade como natural, biológica, pois isso é um bom argumento em
defesa da causa. Mas é uma exceção e um limite. Têm medo da verdade, procuram
encaixá-la em suas noções prévias.
Essência humana
Marxistas também erram sobre Marx. É o caso do tema da essência humana,
pois seus seguidores dizem que a natureza do homem vem das "condições
materiais existentes" em cada época. Pois bem; Marx diz, em O Capital, que
temos, não uma, mas 2 essências humanas: 1) a geral, independente da época – de
origem natural, como descobrimos; 2) a histórica, que muda com as mudanças ambientais da sociedade.
Assim, o cérebro humano também é uma "condição material existente",
apenas relativamente maleável.
O Marxismo sociólogo pensa: 1) para a teoria burguesa, o egoísmo é a
essência humana e algo natural; 2) a concepção burguesia está errada; 3) logo
não existe essência natural. Percebe-se o absurdo salto lógico ilógico? O fato
de a concepção burguesa de essência humana estar errada nada afirma sobre a
existência ou não de, também, uma essência humana geral e natural. Deve ser
investigado, incluso a posição de Marx da existência de duas essências humanas.
Lembremos que na época de Marx: 1) as ciências da mente e do cérebro
sequer engatinhavam, e a neurociência é recentíssima; 2) as revoluções
científicas da história do homem e da vida, Marx e Darwin, haviam acontecido,
mas ainda com muito a desenvolver. O princípio e o método marxistas permanecem
como base das atualizações, como a essência humana “natural”.
Marxismo não é estatismo
Eis uma confusão universal. Se uma empresa do Estado visa, direta ou in[20],
o lucro, o mais-valor, o dinheiro em busca de mais dinheiro, logo a empresa é
capitalista. O Estado burguês é um burguês impessoal. Contra a oposição entre o
público e o privado, alguns marxistas defendem o “comum”. Nas empresas
socialistas, os operários governam a própria empresa por meio de assembleias
regulares que decidem tudo o central de seu funcionamento; tais empresa só são
estatais porque o Estado socialista não é uma entidade separada de seu povo,
mas é diretamente controlado por ele, pelos que vivem do próprio trabalho.
O ideal
Pensa-se o materialismo de Marx como se a subjetividade nada importasse.
No meio da militância comunistas, “detalhes” psicológicos são tratados como
descartáveis, exóticos, fora do materialismo etc. Mas a visão marxista é a
visão do todo, o que inclui tudo subjetivo; ademais, criar um partido marxista
tem a função de disputar consciências, pois não existe caminho inevitável ou natural, determinístico, para o
socialismo. A oposição externa entre ideal e material, mente e corpo,
consciência e realidade, é apenas… externa, pois tudo é matéria.
MARXISMOS
Faz falta uma obra que faça a análise correta dos mais variados
marxismo, dessa pluralidade teórica. O pensamento contemporâneo pode ser
dividido entre marxistas e não-marxistas. Aqui, trataremos de maneira sintética
apenas das escolas que têm algum peso maior, que formaram tradição – ainda que
menores em suas contribuições. Apesar de nossas críticas, elas foram base desta
obra, mesmo como um referencial de por onde evitar navegar.
LENIN
O russo viveu uma das ditaduras mais violentas do mundo, da história.
Isso serviu de base para que pensasse um modelo de partido hoje nomeado
bolchevique. Democracia interna nos organismos, que lutavam por democracia, em
especial a socialista, mas agir de modo unificado e disciplinado no movimento
prático – contra um inimigo centralizado. Seu perfil partidário logo teve de
ser generalizado para outros partidos, mesmo que sob democracia burguesa.
Lenin foi um dos últimos a teorizar a natureza do imperialismo. Seu
acerto, no entanto, deve-se mais à sua perspectiva, operária e revolucionária,
que lhe deu um bom ângulo para caracterizar as mudanças.
Um político genial, mas limitado em outras áreas do pensamento. Um dos
seus limites é ter estudado a Lógica de Hegel apenas após o início da primeira
guerra mundial. Assim, ele opunha luta política e luta econômica, sem ver a
dialética unidade delas. Sua teoria do reflexo não tem muito a oferecer.
Lenin, na obra Imperialismo, ora diz que a nova fase do sistema
estimularia o desenvolvimento das forças produtivas como nunca antes, ora dizia
que elas não mais conseguiriam se desenvolver. Por que a duplicidade? Pela
pressa em torno da revolução mundial… É difícil aceitar que seu tempo ainda não
é o tempo do socialismo, a vida é curta.
Para os estalinistas, o Lenin que conhecemos hoje nasceu pronto, sem
erros. Não poupam elogios ao revolucionário. Mas ele foi uma construção social,
que se desenvolveu.
Já criticamos a indução de que a causa dos Estados burocratizados
“socialistas” seria fruto da liderança por partidos centralistas – posição que
vê a parte apenas, não o todo (a imaturidade daquelas sociedades e do
capitalismo global). Há uma dedução mais sofisticada, que pode ser fruto até
mesmo desta obra: como as condições estruturais, não conjunturais, estavam
ainda imaturas para o socialismo, buscou-se um compensador social, o partido
leninista; assim, não precisaríamos mais de tal partido porque as condições
objetivas estão, agora, maduras, dispensando um compensador “externo”. Isso é
um engano: nada garante, de antemão, mecanicamente, que o socialismo virá, pois
depende de escolhas humanas, de convencimento amplo. Com os primeiros Estados
operários, a revolução será, tendencialmente, mais fácil, o que diminui
relativamente a necessidade de partidos prontos e elevados, mas, por outro
lado, ao mesmo tempo, facilita a formação de partidos elevados, que se educarão
por saltos.
TROTSKY
Leon Trotsky ofereceu uma contribuição genial à dialética, a lei do
desenvolvimento desigual e combinado; isso foi facilitado por viver num país
desigual e combinado, com o mais avançado convivendo com o mais atrasado. Além
disso, seus textos sobre moral e arte são memoráveis. Duas grandes
contribuições suas são a teoria da revolução permanente e o programa de
transição.
A teoria da revolução mostrou-se verdadeira, pois a revolução burguesa
de fevereiro de 1917 na Rússia tornou-se revolução socialista de outubro. Isso
fez parecer correta a antes hipótese. Porém, isso é metade do caminho. Por
exemplo: a teoria da gravitação de Newton é útil nas nossas escalas, mas
superada em escalas maiores. Trotsky partia de uma conclusão que se tornou,
assim, premissa: o tempo da revolução socialista havia chegado. Esse erro
levou-o ao raciocínio sofisticado. Se estamos na época do socialismo, como ele
ocorrerá em países atrasados? Daí pensar que a revolução burguesa nos países
limitados teria de se tornar socialista logo, com o necessário apoio da
revolução nos países ricos. Todo este livro é demonstração de que o gênio
estava errado, pois a pressa levou às conclusões apenas de modo parcial e
limitado verídicas. Era preciso ainda surgir a crise total, sistêmica.
Sua contribuição militar foi muito mais prática do que teórica, sendo o
líder máximo do Exército Vermelho capaz de derrotar outros 14 exércitos
inimigos.
GRAMSCI
A Itália teve como seu grande problema o Estado, o que produziu gênios
como Maquiavel. Apenas no final do século 19 o país unificou-se. Isso pesou
sobre o perfil de Gramsci, focado na superestrutura objetiva (organizações) e
subjetiva (mentalidades etc.). Porém, ele não teve condições de oferecer uma
obra sistemática, pois estava preso. Restaram-nos anotações vagas para evitar
repressão.
Não é por acaso que tantos centristas reivindiquem seu nome. A ideia de
um revolucionário preso pelo fascismo escrevendo seu trabalho intelectual desde
a cadeia tem algo de muito romântico, em especial para “marxistas” de classe
média, aquele professor universitário. Os funcionários públicos, como os
professores, tendem a focar em temas superestruturais.
LUKÁCS
Lukács viveu no “socialismo” real cuja ideologia capitalista do trabalho
imperava. Tal pensamento comum da propaganda governamental afetou seu perfil.
Pensou, então, uma ontologia marxista, que tornava o trabalho a categoria
fundante do ser social. Ele poderia ter ido mais longe, bem mais, derivando a
nossa metafísica materialista, exposta em outro momento desta obra, mas havia
um limite sobre si.
Sua grande contribuição para a dialética é a ideia de que as partes de
um todo se relacionam umas com as outras, o que produz, também, acidentes,
acasos da causalidade recíproca dos muitos elementos constituintes de uma
totalidade em movimento.
Grosso modo, de maneira muito resumida, a ciência produzida pode, para
ele, tornar-se, sendo uma ideologia, uma ideologia propriamente. Para nós, a
ideologia, o senso comum, pode – também, pois é recíproco – ajudar, além de
atrapalhar, a produzir nova ciência.
ESCOLA DE FRANKFURT
Não sendo marxistas, mas não negando tal filosofia – surgiu a escola
alemã, com seus fantasmas pessimistas. O mais destacado dentre eles foi,
certamente, Adorno. Ele afirma que o “todo é o falso”, pois associa totalidade
com totalitarismo, um jogo de palavras de baixo nível. A verdade é o todo,
sabemos junto com Hegel; uma verdade parcial é parcial, certa e errada. Também
levantou a ideia de que devemos focar na diferença, não na identidade. Erra
mais uma vez: a dialética é a afirmação tanto da diferença quanto da
identidade. O trabalho difícil de um cientista ou filósofo é ver a identidade,
a unidade, do diverso que aparece. Por fim, propôs o foco na contradição,
contra a totalidade, mas a contradição se resolve, dissolve-se, em seu lado
produtivo; além disso, as categorias centrais da dialética são três, não uma:
totalidade, contradição e movimento – e a contradição tem por debaixo a
relação, incluso autorrelação.
MORENO
Natural da Argentina, Moreno viveu as duras lutas do continente
americano na segunda metade do século 20. Sua qualidade e defeito estão em
forcar na “estrutura”, ou seja, nas classes, na sociologia, na antropologia.
Ofereceu, assim, uma série de atualizações da teoria marxista segundo as
exigências da realidade. Percebeu, por exemplo, que a teoria da revolução
permanente de Trotsky estava incorreta, apenas em parte verdadeira, mas não
soube propor algo melhor.
MANDEL
Em oposição à Moreno, Mandel viveu uma vida estável, incluso de
professor universitário, na Europa democrática do Estado de bem-estar social.
Não há teoria revolucionária sem prática revolucionária, e o vice-versa de
Lenin. A realidade, assim, impediu que ele fosse um grande marxista. Suas
leituras são limitadas, embora tenha esta ou aquela boa sacada na
infraestrutura, na economia.
CHE GUEVARA
Formado na classe média, de um subcontinente contraditório e atrasado,
como com grande população camponesa, surgiu Guevara. Ele foi um lutador
internacionalista e pelo socialismo, mas não foi um crítico total às ditaduras
“vermelhas”. Sua pressa pela primavera, fez com que tornasse popular o seu
princípio, resumido em: 1) não é preciso esperar o levante das massas, 2) um
pequeno grupo armado e disciplinado pode tomar o poder, vencer o Estado. Sua
morte ao promover uma guerrilha na Bolívia o refutou da pior forma, além da
derrota de tantos movimentos guerrilheiros pelo mundo, em especial na América
Latina. Como ser revolucionário tornou-se sinônimo de ser marxista, ele foi
considerado por outros e por si como herdeiro de Marx. Basta dizer-se marxista
para sê-lo. Mas, bem observado, ele fundou um neoblanquismo. Os blanquistas
consideravam que um grupo de elite e bem armado poderia tomar o poder e
implementar uma ditadura do proletariado, ditadura no sentido comum do termo. A
grande contribuição do Che foi para a história da guerra, com sua guerra de
guerrilhas, apesar de ter escritos econômicos, por exemplo. A pressa, tão comum
entre revolucionários, levaram os melhores para uma guerra inglória, antes da
hora, contra o inimigo articulado e poderoso.
ALTHUSSER
É o mais limitados dos teóricos aqui citados. De imediato, sua função
foi adaptar o marxismo às concepções acadêmicas de sua época, num momento de
alta qualidade de vida, baixa luta de classes e alta moral do estalinismo. Por
isso, condenava o que pensava ser ideologia; por isso, condenava a dialética;
por isso, condenava o jovem Marx filósofo (para ele, o Marx maduro e final
“científico” surge apenas anos depois de publicado o primeiro volume de O
Capital…). Sua concepção metodológica usava a metáfora interessada do
pesquisador que colhe a matéria-prima amorfa e lhe dá, então, forma e ordem.
Pois bem; o marxismo diz o contrário, que a própria matéria usada pelo
cientista já tem sua forma, sua história e sua própria lógica – cabe-nos
descobri-las, não criá-las.
De seus manuscritos, descobriu-se que, para ele, os momentos de passagem
de um sistema para outros ocorre aumento da aleatoriedade, um materialismo
aleatório. Tese de impacto, mas não demonstrável. Pode-se dizer igualmente que
o aleatório apenas ganha relevo diante da crise sistêmica, não aumenta
quantitativamente de modo decisivo ou qualitativo, ou que na estabilidade o
aleatório se torna ainda mais rotineiro, ou que o aleatório nada mais expressa
que a necessidade (não sendo, logo, apenas aleatoriedade). Disso tudo,
percebemos o carinho de intelectuais acadêmicos, eles com boas contribuições,
pelo teórico limitado.
KURZ
Com a terceira revolução industrial, alguns teóricos burgueses
levantaram a bandeira do fim do trabalho, crise do trabalho etc. Kurz deu a
estas intuições uma explicação marxista, a crise do valor. Ele pertence à
Alemanha, vanguarda da nova tecnologia e com baixa luta de classes por uma
qualidade de vida acima da média. Por isso, ele não vê na classe operária uma
saída revolucionária.
Em tempos midiáticos, Kurz lutava por seu prestígio e por não
desaparecer. Mas suas saídas teóricas levavam-no para um beco sem saída,
unilateral. Então ele e sua corrente forçavam a mão na tentativa de fazer novas
elaborações, impressionistas ou forçadas.
MÉSZÀROS
Com um estilo prolixo, focado em debater contra seus colegas
universitários ingleses, Mészàros foi um gigante oposto ao Kurz, igualmente
genial. Ele toma a “obsolescência programada” já debatida nos meios
intelectuais e a generaliza, como com a redução da utilização da força de
trabalho. Também foi impressionista, advogando uma crise permanente. Não
percebeu a crise do valor, por exemplo, assim como Kurz não percebeu a crise a
partir do valor de uso, como fez Mészàros.
ESTALINISMO
O estalinismo não formou uma teoria real ou geral, apenas adotou esta ou
aquela posição segundo a necessidade do momento. Sua função era negar o
marxismo, manipular as massas e seus ativistas. Para isso, usavam a
terminologia marxiana, mas apenas ela. Há, no entanto, algumas contribuições
para a história tática militar no oriente, como em Mao. Este usou a linguagem
dialética para falsificar a realidade, afirmando existir contradição principal
(como a luta imediata contra uma invasão) e não principal (como a luta de classes
durante a guerra) em cada conjuntura – na verdade, corrigimos, as contradições
entram em combinação, fundem-se, articulam-se. Não é que ele entendeu mal o
dialético, apenas fez uso oportunista da linguagem.
Em geral, por terem encontrado a verdade, pensaram ter encontrado toda a
verdade. Cada escola marxista fechou-se em si, num movimento autofágico. Esta
obra visa quebrar o sectarismo ao fazer crítica e, ao mesmo tempo, absorção dos
teóricos unilaterais. Um “a partir daqui para frente” torna-se um dos objetivos
aqui expostos. Isso quer dizer uma teoria unificada do marxismo, contra o
isolamento escolar. Só nos resta o caminho de ir juntos, ou mais juntos ainda.
NOVO MARXISMO ORTODOXO
O marxismo antigo entrou em crise, pois seu modo de operação esgotou-se,
tonou-se incapaz de responder aos novos desafios e ambientes. Ele foi avançado
para seu tempo, mas precisa ser superado e guardado. Os atuais quebra-cabeças
encontram mais sofismo que respostas na mão das velhas interpretações. Isso é
normal: tenta-se responder ao novo ou ao velho, retrospectivamente, com as
ferramentas de sempre, sem arriscar qualquer salto prematuro. Mas vamos
acumulando limites cada vez maiores, ao estilo de Kurn. A velha guarda
limita-se a repetir ad infinitum as velhas fórmulas, ignorando seus limites.
Aqui e ali, tenta-se salvar a teoria comum com atualizações pontuais,
quantitativas. Kurz e, na outra ponta, Lukács anunciaram a necessidade de uma
renovação completa do marxismo, sem eles mesmos conseguirem apontar todo o
rumo. Em geral, o limite dos marxismos recentes é, de um lado, não estarem
ligados à luta de classes e, de outro, não passar pela escola dura do
trotskysmo (leninismo), apesar de seus limites. Dificilmente um não trotskista
chegaria ao conjunto das contribuições desta obra. Tentou-se um pós-marxismo,
marxismo analítico, marxismo matemático, neomarxismo, socialismo do século XXI
etc. Foram ensaios do porvir. O marxismo é a teoria social final, que apenas
começou – assim como a nova síntese da teoria da evolução, a teoria da
relatividade na macrofísica são as teorias definitivas, que podem, no máximo,
passar por reformas revolucionárias. Marx é, no social, o que Darwin-Mendel é
para biologia e Einstein é para física. Mas seu trabalho é, em grande parte,
inacabado, como a necessária teoria da psicologia. Com a devida humildade,
penso que esta obra coloca a teoria social marxiana em outro patamar, como com
uma renovação completa e qualitativa da dialética (A=A e… Não-A). Seria uma
anomalia inesperada que a crise sistêmica, final, do capitalismo não gerasse
uma renovação teórica, se não por todos os lados, ao menos em algum local do
globo terrestre. Uma vez encontrada as repostas gerais, as novas gerações de
militantes intelectuais e mesmo acadêmicos poderão destravar suas percepções,
resolvendo novos enigmas e oferecendo novas contribuições úteis e corretas,
mesmo que parciais, não mais sofismas ou novismo artificial (como criar
conceitos apenas porque sim, para vender livros e não cair no ostracismo…) A
vida é dura, mas nós somos mais teimosos. Digamos a verdade, doa a quem doer.
Destruamos a razão desse beco sem saída: o tempo nos faz esquecer o que nos
trouxe até aqui, mas lembramos muito bem como se fosse amanhã!
FÉ E RAZÃO
Além da oposição emoção-razão, há entre fé e razão. Os mais moderados
dizem que ambos são necessários e complementares, portanto ambos devem ser
preservados. Isso é dialética kantista, resolvida pelo diacrônico (A=A e…
não-A). A ideia absurda de que há uma região do cérebro responsável, logo
estrutural, pela religiosidade é um erro científico de principiante. Ou melhor,
no máximo, a mesma região serve para cada oposto, pois o que o aparelho
psíquico busca é compreender a realidade, certa garantia da previsibilidade de
um futuro bom etc. A religiosidade foi uma das primeiras ferramentas, por isso
a mais frágil. Porque não tinham meios melhores, os antigos usaram a religião.
Depois, vieram a filosofia e a ciência maduras, além da arte desenvolvida. No
socialismo, ao poucos, sem imposições, as novas gerações serão cada vez mais
ateias, cientificas e filosóficas céticas ao admirarem o cosmos. A alta
qualidade de vida permitirá isso; um país com maior pobreza material e
espiritual tem mais religião e fanatismo; outro país mais agradável tem mais
ateísmo e menos fanáticos. Há, portanto, uma evolução, uma progressão, da
religiosidade para o sentimento filosófico futuro. Um passa para seu oposto. Se
temos certo aumento da religião onde há mais sofrimento por causa das guerras
etc., temos, por outro, a nova geração que “acredita em tudo” como ciência,
astros, energia, Deus etc. Tal bifurcação subjetiva expressa uma realidade
bifurcada, com duas possibilidades, socialismo ou barbárie. No mais, o novo e
amplo ateísmo deve se livrar seu perfil de seita sectária, próprio de
movimentos em seus inícios, e focar, como orienta Trotsky, na divulgação
científica popular (jornais, panfletos etc.), na formação de clubes, na defesa
das pautas sociais etc. Curioso que muitos jovens ateus procurem Nietzsche, um
anticientífico, pai do irracionalismo atual, quando deveriam assumir a
responsabilidade de ligar-se a Marx, o revolucionário ateu e científico.
NEOATEÍSMO
O ateísmo é uma concepção antiga, mas imensamente marginal –
imensamente, mesmo. Alguns filósofos antigos eram ateus. Hoje, membros da nova
geração adotam tal postura, logo isso deve ser explicado. As razões são: 1)
desenvolvimento da economia, o que oferece ouros prazeres como TV, séries,
alimentos baratos etc. 2) alta urbanização, o que diminui o controle sobre o
indivíduo; 3) alto desenvolvimento da técnica e da ciência, oferecendo
alternativas e respostas; 4) governos democráticos, sem maior controle; 5) onda
permanente de escândalos religiosos, como pedofilia e pastores ricos; 6) nível
cultural médio maior das novas gerações. Assim, os novos ateus podem surgir em
muitos países, em especial nos desenvolvidos e nos de cultura ocidental. Seus
ares de seitas ocorrem por ser um movimento em seu início, que deve aprender a
baixar a guarda dos seus adversários para ganha-los aos poucos, pelas beiradas.
De qualquer modo, o futuro do ateísmo depende do futuro da economia, do
resultado da luta das classes. Uma sociedade de decadência não resolvida tende
ao fanatismo religioso.
SEMIDEUSES
MODERNOS
Em outro momento, oferecemos um novo significado sobre o super-homem, o
além-do-homem, de Nietzsche,
pois ainda não somos em exato humanos e no futuro faremos automodificações de
acordo com certa ética; para ele, o filósofo irracionalista, em sua concepção
limitada, aquele que acessasse grande sofrimento e a arte chegaria ao nível
superior. Pois bem; daiemos mais um passo. A era da comunicação de massas levou
à adoração de certos seres humanos. Em geral, reconhecemos o hiper-especialista
em alguma tarefa como um homem total, autorrealizado. Mas, por ser unilateral,
na verdade é incompleto e falho, meio humano. Tal lógica também ocorre quando
olhamos para eles: tomamos a parte pelo todo. O divulgador científico Pirulla
demonstra que a internet, e as câmeras celulares de bolso, ao permitirem novo
tipo de vigília informal de todos sobre todos, afeta a visão impressionista dos
artistas, intelectuais etc. como se perfeitos, completos, únicos. Mesmo assim,
continuamos a procurar o absoluto no outro por nos sentirmos menos e menores.
Vale notar que a erudição ampla de um Caetano Veloso e um Gilberto Gil, juntos
com suas especialidades, facilitou seus sucessos, a aura em torno de si mesmos.
Uma beleza rara, uma grande habilidade com o futebol etc. geram a figura dos
semideuses modernos, adorados. Para isso, faz-se necessário o talento, o
facilitador, e a vocação, este impulsionando o trabalho constante e duro; mas
costumamos pensar a figura do gênio como natural, já pronta desde o seu começo,
sem esforço e sem bastidores.
SENTIMENTO
DE GUERRA
Walter Benjamin observou: a guerra antiga produzia heróis, orgulho e
poemas em ode – hoje: silêncio dos ex-combatentes, dificuldade de narrar etc.
As causas são:
1)
A abundância
atual impedir justificativa subjetiva para a guerra, a razão;
2)
Somos mais
integrados internacionalmente;
3)
Os fatos
explosivos da guerra com alta tecnologia são imensos, colossais;
4)
Pela mesma
razão de 3, perde-se a noção de causa e efeito, de lógica, pois morre-se de
repente por um objeto vindo de algum lugar obscuro, explode-se de repente (a
causalidade, por exemplo, era clara na guerra antiga por espadas, lanças e
flechas – vale destacar que o trauma tem como um de seus fatores certa perda de
lógica);
5)
Guerreia-se
para outros e para outra classe, não para si e para sua classe.
Trataremos os efeitos disso no capítulo sobre a crise militar burguesa.
PSICOLOGIA
DA GUERRA
Via de regra, o exército mais poderoso baixa a guarda, além de ir à luta
com entusiasmo; logo cabe ao mais fraco, o defensor, ter criatividade e
ousadia, que surpreende.
Ao ganhar uma batalha, inevitavelmente o vencedor baixa a guarda,
alegra-se, quer que aquilo termine logo depois de tanta tensão mental e física.
Isso costuma ser a causa da derrota na batalha seguinte. O general pode reduzir
tal otimismo negativo, mas não pode impedir de todo.
Parte essencial da luta é fazer o inimigo perder o moral, o estímulo.
Por isso, proíbe-se que haja reclamações entre soldados, que desestimula os
companheiros, afeta-os.
A psicologia tem força: tratamos bem o adversário que desiste para que
outros também parem; matamos nossos desertores para que os nossos não parem
SENTIMENTO
DE DECADÊNICA DE SUA ESPÉCIE
Novas experiências civilizacionais podem levar a novas experiências de
sentimentos. Um deles, típico para nossa época, trata-se do sentimento negativo
pela decadência de sua espécie. A primeira vez que sentir algo do tipo foi por
meio da experiência cinematográfica, os primeiros filmes de “O planeta dos
macacos”. “Unam” é um nome possível para o sentimento novo que ainda não tem
nomeação.
HÁBITO
DEMOCRÁTICO NO SOCIALISMO
Diz-se que no socialismo a democracia direta e participativa respeitará
a vontade da maioria, mas isso deve incluir uma cultura de ampla tolerância.
Vejamos as variantes:
1)
Aprovação
por ampla maioria;
2)
Aprovação
por maioria;
3)
Aprovação
por consenso;
4)
Aprovação
por a maioria ceder de modo voluntário à minoria;
5)
Nada fazer
por falta de consenso;
6)
Adiar a
decisão;
7)
Solicitar
voto secreto (em organismos de base).
8)
Sorteio como
para eleição de alguns dirigentes
9)
Os mandatos
de tipo e gerais serão curtos em duração.
Assim, iremos mais longe porque juntos.
O planejamento econômico democrático e centralizado é a afirmação do
homem, seu auge, pois afirma e eleva a categoria central do trabalho, a
teleologia. O homem vai, assim, de um caminho inconsciente para uma solução
consciente (análogo do ir de um inconsciente ao consciente na natureza). O
caminho cego para o socialismo torna-se um caminho claro, decidido – se
vencermos, uma probabilidade real e não apenas formal. A elevação de
consciência dos trabalhadores, sua decisão de reorganizar de vez a sociedade, torna-se
condição da vitória.
A DECADÊNCIA
DA DEMOCRACIA DOS RICOS
No ambiente protestante e neopetencostal, os privilégios de ser pastor
atrai oportunistas, vagabundos e psicopatas. Assim, o processo se
retroalimenta. Na política ocorre algo semelhante: atrai, por privilégios,
gente de baixa estatura moral e intelectual. É um aspecto “subjetivo” da crise
do Estado burguês – e a decadência da sociedade atual reforça o aqui exposto.
Com eleições regulares, que ora elegem um grupo e ora outro, além de políticos
sem falta de projeto geral, o governo não tem plano de longo prazo, para além
das próximas eleições. O que um governo começa, outro para ou desfaz etc. Um
rei, que por ser mero rei merece a guilhotina, tem ao menos a vantagem de
pensar em planos de 30 anos, pois estará, ele espera, ainda no comando da
nação. Como o socialismo revolverá tais contradições? Debateremos melhor em
capítulo específico, adiantaremos apenas alguns aspectos. De um lado, os cargos
não terão privilégios, além de sofrerem eleições regulares e mandatos perdíveis
a qualquer instante; de outro, um parlamento científico e apartidário, formado
pelos maiores cérebros do país, agregados por difícil concurso e por notório e
público saber, com salários altos, será formado, com suas propostas aprovadas
de modo automático, apenas podendo ser negadas caso reclame o outro parlamento,
que é eleito e sem privilégios, logo regulador. Pode ser que o parlamento
científico seja posto em dúvida por plebiscitos a cada, por exemplo, 20 anos,
se mantém ou renova os membros, mantendo apenas a “chapa” minoritária, formada
por uma parte dos cientistas que queria a renovação dos cargos. Assim, temos o
melhor dos dois mundos aprofundando a democracia, não a negando.
Direto ao tema, a crise sistêmica da economia torna a democracia
representativa incapaz de melhorar a vida da maioria. A crise da democracia
burguesa é a crise do sistema de dinheiro. O atual sistema democrático é,
portanto, incapaz de resolver o problema. A democracia desmoraliza-se, com
razão. Daí que muitos setores desejem o fim do jogo, que busque a volta das
ditaduras contra a ralé. Daí que os eleitores, cansados de ser enganados,
elejam comediantes e outras figuras pitorescas para o governo, já que nada
muda, seja na esquerda seja na direita. Cabe aos comunistas democráticos
exigirem na primeira oportunidade: democracia direta operária e popular já!
Democracia real – só com o fim do capital!
A PSICOLOGIA DO FASCISMO
Trotsky, o caluniado, foi quem melhor explicou o fascismo e como
combatê-lo. É um movimento burguês imperialista, que se apoia na classe média
falida, raivosa porque desesperada pela crise; o fascismo é fruto dos erros do
movimento operário. Porém os pensadores do século XX, possuídos de fetiche pelo
tema, tentaram psicologizar a origem do fascismo e seu sucesso momentâneo. Todo
tipo de tese original, embora nem tanto correta, surgiu. É claro que perfis
psicológicos nacionais, perfis de classe etc. facilitam ou dificultam o sucesso
nazista, mas a base é a crise do capital, não um inconsciente revoltado ou
pulsão sexual não vivida… Pierre Félix Bourdieu afirmou, por exemplo, que o
Brasil não tenderia ao fascismo porque vivia suas pulsões animalescas no
carnaval. Os franceses, na verdade, fetichizam os brasileiros, e vice-versa;
somos alegres e anárquicos nas festas carnavalescas porque nossa rotina é bruta
e violenta; somos amigáveis, cordiais, porque estamos sempre à beira do
conflito direto, da luta, da agressão; as mães trabalhadoras criam os filhos
por meio da violência; ademais, Bourdieu não (re)conheceu de fato a história
deste país, quase sempre sob ditaduras e um Estado “democrático” assassino. O
governo brasileiro Bolsonaro, extrema direita, ajudou a refutar o francês. O
fascismo se combate com milícias operárias e populares, além de boas propostas
socialistas para os trabalhadores e a classe média, não com psicanálise
coletiva.
TELEOLOGIA
OBJETIVA
Para ganhar moral no meio acadêmico, um dos segredos é ser contra a
teleologia, a concepção que a realidade tem finalidade, um fim, um objetivo. É
uma crítica fácil e famosa, mas pouco refletida. Os erros nesse assunto se
deram à visão mecanicista do tema, desde Aristóteles até Lukács. Vejamos a
confusão, as igualdades falsas na crítica:
1)
Teleologia
exige uma consciência que planeja.
Isso é a concepção mecanicista de um trabalho
artesão ou artístico, generalizada e, logo, rejeitada por muitos. Mas as leis
inerentes da realidade podem levar a um rumo específico.
2)
A teleologia
exige separar fim e meio.
Falso. Ainda uma visão mecanicista, priorizando uma
forma de trabalho, como vemos. O fim pode estar, em sistemas orgânicos, no
próprio meio, vai-se realizando no processo, rumo a si mesmo. O socialismo vai
rumo a si na lutando por ele, com práticas de acordo com o fim almejado. O fim
(abstrato) é o meio (concreto) em desenvolvimento (processo).
3)
Teleologia é
determinística.
Nada justifica essa hipótese. O homem, por exemplo,
tende ao socialismo – tende. Mas pode se extinguir antes de se realizar. A
teleologia não é nem determinística nem contingente, pois é tendencial.
4)
Não existe
teleologia fora da sociedade.
Outra hipótese sem comprovação. Por exemplo, o olho surgiu 6 vezes de
modo independente na história da natureza, pois era necessário que o olho
surgisse. No social, a história ocorre como teleologia objetiva e insconciente
até que a sociedade ganha consciência alta, toma as rédeas da história.
5)
Teleologia
exige um fim (absoluto).
Na verdade, a teleologia pode ter um alto grau de autorrealização, mas
ele permanece como pulsão, movimento, desenvolvimento. Não se encerra quando se
encerra.
Temos a teleologia objetiva. Lukács afirma que na arte há identidade
sujeito-objeto, forma-conteúdo, essência-aparência e nós completamos com
criar-descobrir e nada-ser. Logo vemos que Hegel se inspirou no trabalho
artístico para pensar sua Lógica, caindo em mecanicismo em certo sentido.
De modo geral, prospera quem respeita a teleologia, quem está de acordo
com a história; definha quem está na sua contramão.
IDENTIDADE E
UNIDADE DE SUJEITO E OBJETO
A ciência conheceu toda uma etapa burguesa, que foi progressiva para a
humanidade em essência, pois ofereceu bases ao socialismo. A ciência será
socialista – mais do que de forma latente ou oculta como com a III Revolução
Industrial – quando der base ao desenvolvimento da nova forma social, suas
tecnologias etc.
Entre as condições para a revolução mundial encontra-se um alto
desenvolvimento da ciência e da técnica. É preciso grande conhecimento das
propriedades do mundo, de suas possibilidades, de sua natureza e de sua
história para revolucionar a sociedade. Enfim, é preciso que o homem tenha
produzido as condições para perceber que “somos uma forma do cosmos conhecer a
si mesmo” (Sagan). Tal identidade entre sujeito e objeto deve estar latente,
ainda exigindo uma nova revolução científica, para sua realização socialista.
RELAÇÃO
Há três relações psicológicas imediatas:
- Homem-homem, sujeito-sujeito;
- Sujeito-objeto;
- Sujeito consigo.
Inspiremo-nos em Winnicott. A relação 1 torna-se mais própria do
neurótico; a 2, mais própria do perverso; a 3, mais própria do psicótico. No
neurótico, interno em si, a 1, mais própria do histérico; a 2, mais própria do
fóbico; a 3, mais própria do obsessivo.
No psicótico, também 3, a 1 é mais própria da paranoia; a 2, mais própria da
melancolia; a 3, mais própria da esquizofrenia. No perverso, a 1 é mais próprio
do sadismo; a 2, mais própria do fetichismo; a 3, mais própria do masoquismo.
Falta a Freud a clareza de que a melancolia, por exemplo, a depressão,
pode, além do psicótico, ser parte do neurótico como o narcisista com sua
vaidade negada pelo mundo, ou o perverso como o masoquista tendo prazer com sua
depressão profunda, com sua dor. Mesmo com amálgamas; além do esquema
freudiano, propomos outro complementar e paralelo:
|
Relação com outro |
Relação com objeto |
Relação consigo |
Psicótico |
Paranoia |
Melancolia |
Esquizofrenia |
Neurótico |
Histérico |
Fóbico |
Obsessivo |
Perverso |
Sadismo |
Fetichismo |
Masoquismo |
Acompanhei uma “paciente” que: 1) era paranóica na relação com outro
(quando ficava por muito solteira, após um afastamento, tinha mania de
persiguição ao ir dormir) – psicótico e relação com outro; 2) na relação
consigo – era masoquista, ou seja, perversão (incluso fantasia consciente, dita
por ela, de ser estuprada); 3) como neurótica e relação consigo – tinha algo de
narcisismo, mas também de fóbico (de modo semi-irracional, sempre olhava o vaso
sanitário para ver se não tinha cobra) e histérico. Isso demonstra que qualquer
pessoa pode ter traços diferentes na relação consigo, com outro ou com objeto –
psicótico, neurótico ou perverso. Claro que algo acentua-se pelo contexto, e à
clínica chega quase apenas o paciente unilateralizado, acentuado; mas modelos
são modelos fixos excludentes, quando o indivíduo é mais rico. Se há desejo por
outro caso: o sujeito é sádico, perverso e relação com o outro, mas obsessivo
(anal), neurótico e relação consigo. Não sei se cada um é apenas um, por
exemplo, apenas um dos neuróticos e apenas um dos relação consigo etc. formando
um de cada elemento horizontal e vertical na tabela. É uma hipótese, quase
tese; mas não tenho dados amplos para demonstrar tal regularidade.
O feto trata-se como relação consigo mesmo. Depois, relação com outro,
em principal a mãe. Depois, pluraliza a relação, com outros (e até mais com
objetos). Tal relação cada vez mais é também relação dos outros consigo, na
medida em que o Eu desenvolve-se. Enfim, ocorre a afinidade eletiva nos amores,
nas amizades etc. Por meio do outro, meço-me, individualizo-me, reconhece-me,
tomo forma-conteúdo central e ao outro como iguais e humanos.
Forma 1
Relação consigo
Forma 2
Criança –
Mãe (pai)
Forma 3.1
Criança - Mãe
- Pai
- Irmãos
- Parentes
- Próximos
…
Forma 3.2, inversa
Mãe - Criança
Pai
Irmãos
Parentes
Próximos
…
Forma 4, afinidade eletiva
Jovem, adulto – amor
Jovem adulto – amizade
Jovem, adulto – família
Em resumo, a identidade, relação consigo, feto, passa para a relação com
a mãe, com o outro, ou seja, põe-se a diferença; esta, e a sua relação, passa
para a diversidade; isso, por sua vez, produz oposição, contradição, relação,
concentração e atração – e, enfim, uma unidade (amizade, família nova, amor
etc.). A semelhança com as formas de valor em O Capital e, logo, na “relação”
de medida na Lógica de Hegel apresenta-se como real, proposital.
DESEJOS
OPOSTOS
Somos a unidade tensa de desejos opostos. Certa mulher, jovem adulta,
deseja, de um lado, focar na sua felicidade pessoal, sua carreira e ter
prazeres; por outro lado, ao mesmo tempo, tem o desejo de ser mãe, de ter uma
prole. Ambos os desejos opostos são essenciais, legítimos, justos – ainda que
um mais social e outro mais natural. Cabe a escolha, ou mediação, ou
atossabotagem, ou lidar com frustração parcial etc. Nossa tensão é mais do que
por desejar, pois também trata-se de ter desejos diversos, que podem cair em
contradição.
AFETIVIDADE:
INTENSIVO E EXTENSIVO
Certa mãe que tem oito filhos distribuirá, diluirá, seu sentimento
maternal, ainda que tenha preferências. Já a mãe isolada e carente, dedicará de
modo intensivo, menos extensivo, seu sentimento, saturando o filho único. Quem
tem muitos amigos, logo baixa carência, não é ciumento com suas amizades. Numa sociedade
de relações amorosas livres, a baixa dependência emocional, o gastar intensivo
de sentimento apenas para um, fará fraco o ciúmes, como hoje entre amigos
leais. De modo puro, o extensivo mostra-se, na unidade interna de ambos, oposto
ao intensivo; menor extensividade, maior intensividade – e o mesmo ao inverso.
ANGÚSTIA
A psicanálise afirma que a angústia é sem objeto, diferente do medo, e
sem tempo, diferente da esperança ou ansiedade, por exemplo. Os filósofos não
marxistas consideram a alienação eterna, inevitável, junto com sua angústia.
Assim, discordamos, a causa, talvez central, do angustiamento está na não
satisfação da essência humana – ser integrado, mutualista e ativo. É uma dor de
existência que é difícil nomear e, ao mesmo tempo, difícil de saber a sua causa
(o que exige, literalmente, milênios de elaboração teórica-filosófica). Mas tal
vazio ocorre pela negação, no hábito, de nossa natureza natural. A angústia, em
geral, não tem objeto, pois seu objeto não é objeto algum, mas a relação que é
a falta de relação.
FENÔMENOS
COMUNS
Há uma série de regularidades destacadas no mundo atual. Aqui,
destacaremos dois, focos de minha atenção duradoura, dos mais comuns cuja
explicação já é insinuada no mundo popular, mas sem formalização teórica acabada.
- Tiroteio em escolas etc.
Há casos de pura psicopatia sem causa outra, de fato, mas a maioria
ocorre por uma construção. O sujeito acumula frustração, frustração, mais
frustração – até que surge, aqui e ali, certa raiva pura, aparentemente sem
conteúdo, apenas raiva. Ela vai e vem até que, por mais frustrações, domina o
assassino. Lembramos apenas que explicar não é justificar, nem fazer do
carrasco uma vítima.
- Pedofilia entre padres etc.
Para todos, óbvio que a causa é o celibato, a proibição de casar-se.
Falta explicar o processo. Assim, a profissão atrai gente com problemas sexuais
ou, mesmo, homossexuais enrustidos. Ao, em permanência, impedirem em si mesmos
olhar a mulher ou o homem de modo sexual, ao censurar-se mais o acúmulo de
desejo; o cérebro procura certa mediação, a transferência da pulsão para corpos
infantis, meninos ou meninas – que têm, também, menos meios de se defender.
Ocorre, então, a mistura de distúrbio e oportunismo. Uma das razões de quase
todos os líderes da igreja católica oporem-se ao casamento deles, o que
reduziria a tensão libidinal, seria porque passariam ser obrigados a casa com
mulheres, não com homens.
- Déjà vu
Esse
fenômeno popular ainda precisa de explicação. De minhas observações, elaborei
isto: O InfraEu, o Eu oculto, antecipa, planeja, tenta prever; mas isso não
ocorre de modo consciente; logo, tomamos um susto de repetição quando ocorre o
que, no fundo, já esperávamos que ocorresse.
Devemos
dizer algo sobre o InfraEu, abaixo do Eu e do SuperEu, para termos mais clareza.
O Eu externo é produzido pelo trabalho, pela ação, pelo foco no mundo, pela
prática. Pois bem; saímos de casa e temos a sensação certa de que esquecemos
algo, mas não sabemos qual algo… O InfraEu, que nos avisa sem avisar, sabe,
sabe muito bem. Tanto é que, com algum esforço, a informação do objeto salta
dele para o Eu externo, pertencente ao Ego.
Parte 5
ESBOÇO PARA
A CRÍTICA DAS CATEGORIAS DA PSICANÁLISE
Para superar uma teoria é insuficiente criar outra oposta, pois se deve
criticar ela por dentro dela mesma, em seus critérios, levá-la ao limite; ou
seja, ver o acerto no erro e o erro no acerto. Nesta obra, oferecemos algumas
pistas para uma possível teria unificada da psicologia. Tal meta deve lidar com
a teoria mais avançada de nossa época sobre a psique, a psicanálise. Ela foi
acusada de charlatanismo e pseudociência, em geral, por gente que não é da
área. Pensa-se assim: tenho pensamento, tenho psicologia, logo entendo do
assunto por natureza… Mas a física quântica é tão bizarra e inesperada quanto a
psicologia real, logo a ciência nunca tem a obrigação de ser agradável. Por
outro lado, porque acerta o alvo muitas vezes, a psicanálise é negada e caluniada,
pois, por exemplo, impensável a um jovem religioso e homossexual enrustido
aceitar tal teoria que o desnuda por dentro. A resistência violenta contra a
psicanálise é, assim, uma prova empírica de sua validade geral, ainda que
incompleta. Na psicologia, sujeito e objeto são idênticos, em unidade. Vejamos,
então, alguns dos comentários deste livro sobre a psique.
SONHOS,
EMPIRISMO E DIALÉTICA
Freud operou uma revolução ainda insuperada na ciência da psicologia.
Por inevitável, cada ciência particular alcança um momento em que é possível
profundas reformas, mas não mais rupturas de pensamento, revoluções. Sequer a
neurociência, que ainda engatinha, foi capaz de tirar o lugar da psicanálise.
O núcleo inicial da teoria freudiana foi sua intepretação dos sonhos. Em
resumo, os sonhos são realização fantasiosa de desejos, claros ou ocultos, para
manter o corpo em repouso. Freud sempre deixou claro, contra a crítica vulgar,
que o conteúdo dos sonhos não são sempre e necessariamente sexuais; se dormimos
com sede, sonhamos algo relacionado a isso, como, por exemplo, estar dentro de
um rio.
Feito o resumo de uma teorização que parece irrefutável pelo avanço
científico, portanto correta, vamos ao método. Em geral, Freud usa o método
indutivo (empirista), ou seja, opera generalizações por repetição de padrões.
Na associação livre, porém, usa o método empírico-dedutivo, quando as falas do
analizante, desconexas na aparência, demonstram ter um nexo interno; mas não é
o nosso foco aqui. A relação freudiana com o empirismo revela-se na seguinte
citação:
Nosso primeiro passo no emprego desse método nos
ensina que o que devemos tomar como objeto de nossa atenção não é o sonho como
um todo, mas partes separadas de seu conteúdo. Quando digo ao paciente ainda novato: “Que é que
lhe ocorre em relação a esse sonho?”, seu horizonte mental costuma-se transformar-se
num vazio. No entanto, se colocar diante dele o sonho fracionado, ele me dá uma
série de associações para cada fração, que poderiam ser descritas como os
“pensamentos de fundo” dessa parte específica do sonho. Assim, o método de
interpretação dos sonhos que pratico já difere, nesse primeiro aspectos
importante, do popular, histórico e legendário método de interpretação por meio
do simbolismo, aproximando-se do segundo método, ou método de “decifração”.
Como este, ele emprega a interpretação em détail e não em masse; como este,
considera, desde o início, que os sonhos têm um caráter múltiplo, sendo
conglomerados de formações psíquicas. (Freud,
2001, pp. 118, 119; grifo nosso)
Nenhum método científico é, em si mesmo, errado – nem é o critério da
verdade. Com métodos inferiores pode-se chegar à verdade ou parte dela. Mas o
método superior, a dialética, faz uma crítica ao empirismo como crítica da
citação acima:
Ora, a percepção é, mais, precisamente a forma em que se deveria
conceber; e esse é o defeito do empirismo. A percepção, como tal, é sempre algo
singular e transitório; contudo o conhecer não permanece aí, mas busca, no
universal percebido, o universal e permanente; essa é a progressão da simples
percepção para a experiência. Para fazer experiências, o empirismo se serve
principalmente da forma da análise. Na percepção, tem-se algo variadamente
concreto, cujas determinações devem ser separadas umas das outras; como uma cebola cujas cascas se tiram. Essa
decomposição tem assim o sentido de que se desprendem e decompõem as
determinações que “cresceram-juntamente” [concretas]; e de que nada se
acrescenta a não ser a atividade subjetiva do decompor. A análise contudo é
a progressão da imediatez da percepção até o pensamento, enquanto as
determinações que, em si, o objeto analisado contém reunidas recebem por serem
separadas a forma da universalidade. O
empirismo ao analisar os objetos encontra-se em erro, se acredita que os deixa
como são; pois de fato ele transforma o concreto em um abstrato. Por isso
ocorre, ao mesmo tempo, que se mata o que é vivo, porque vivo é só o concreto,
o uno. No entanto, deve haver essa separação para conceber; e o espírito mesmo
é em si a separação. Mas isso é apenas um dos lados, e a coisa mais importante
consiste na reunião do [que foi] separado. Enquanto a análise fica no ponto
de vista da separação, vale a seu respeito aquela palavra do poeta: “Isso a
química chama ‘Encgeiresin naturae’ que zomba dela mesma e que não sabe como;
em suas mãos possui as partes. Mas, que pena! Está faltando só o vínculo do
espírito.” A análise parte do concreto, e esse material tem muita vantagem
sobre o pensamento abstrato da velha metafísica. (Hegel F. G., 1995, p. 105; grifos nossos)
Caiu o freudismo no erro do empirismo? Em parte… Ao fazer interpretação,
foi além do mero empírico colhido, foi do sensível ao suprassensível. Mas ficou
no meio do caminho. Minha tese é a de que os sonhos podem, sim, ser analisados
desde sua totalidade. Em minhas análises de sonhos, todos os fatos sonhados eram
incompreensíveis e aparentemente desconexos – até que, com esforço, o sentido
do TODO aparecia para minha razão. Assim, as partes tinham um conteúdo geral e
um sentido comum. Certa vez, sonhei estar num sítio com jacarés, logo depois,
ato contínuo, dirigindo em marcha ré por uma estrada com minha mãe e minha
namorada. Acontece que, tempos antes, havia viajado com elas e meu pai, este
dirigindo para o sítio de uma familiar… O sonho aconteceu do final para o
início, de trás para frente, além de revelar o conflito edipiano com o pai
dominante. Pois bem; o sonho só faz sentido como uma totalidade, não por
análise isolada das partes apenas e principalmente. Além disso, somente pode
ser entendido como narrativa, como história – não como conteúdo fixo e estático.
Eis a estrutura e o processo, a verdade é o todo. As partes do sonho apenas são
compreendidos quando unidos e unidos por um fio condutor, como totalidade
dinâmica. O sonho, ademais, tenta resolver uma contradição num movimento, numa
narrativa. Outro exemplo, para dar substância: certa amiga sofria assédio moral
todos os dias no trabalho, era humilhada, mas lhe era impossível se demitir,
logo ela sonhava todos os dias, antes de acordar para ir ao serviço, que matava
a outra funcionária que lhe fazia mal (ser ativo etc.). Assim, suportou o
problema por um bom tempo.
O sonho – além de ser uma forma de manter o corpo em repouso, além de
ser uma forma de alívio psíquico por satisfação fantasiosa – parece ser uma
forma de manter bem a psique ao manter de pé a consciência, que deriva do
movimento externo, da contradição do permanente e da mudança.
***
Jung afirma que Freud limita-se a considerar o sonho como a fantasia de
um desejo qualquer, que gera tensão mental.
Segundo ele, o sonho tem função, também, de orientação, de conselho –
inspira-se na religião, como parte de seu limite pessoal conhecido… Unifiquemos
sob prioridade da psicanálise. Se temos um problema que nos angustia muito, que
gera tensão psíquica, logo desejo, o cérebro, pelo sonho, pode propor uma solução,
um movimento. Um viciado em matemática pode criar, na fantasia do sonho, uma
solução possível para um problema matemático no qual estagnou, por exemplo.
Isso ocorreu comigo. Após assistir a Série Cosmos, de Carl Sagan, veio-me o
projeto de escrever um estilo de poema coma poética daquele divulgador
científico mais o realismo da ciência, um simbolismo realista, ateu. Mas não
conseguia escrever algo, o que girava minha energia. Num sonho por esses dias,
vi o nascer e o pôr do Sol de modo mágico, enquanto uma voz, provavelmente a
minha, recitava um poema novo… Assim que acordei, corri para escrever os
versos, antes de esquecê-los; foi quando percebi que minhas unhas grandes de
violonista haviam deixado marcas na palma da minha mão, por pressão enquanto sonhava.
O poema surgiu quase pronto, precisando apenas de retoques.
MÁGICA
MATERIALISTA
Rubro o
arrebol
Do céu no
universo
Todo o
material estrelar queima
Em uma
queima cósmica de arquivos
Das cinzas
negras das estrelas
Surgem a
noite
E as sobras-faíscas
dos fogos estrelares
Quem sabe um
parto
De
novíssimas e efêmeras nebulosas planetárias
***
Freud:
1)
Descobriu
que os sonhos são fantasias de desejos. Mas não entendeu a natureza do desejo
em si, além de, às vezes, escorregar igualando sonhos e desejo sexual (erro que
nem sempre cometeu).
2)
Descobriu os
mecanismos de defesa que disfarçam o conteúdo do sonho. Mas não entendeu que a
forma ocultadora e enlouquecida como o sonho aparece também tem seu próprio
conteúdo e sentido complementar.
3)
Aproximou-se
do método correto da interpretação. Mas ficou no meio do caminho, trata-se de
integrar os fatos aparentemente separados do sonho.
O tema dos sonhos é o núcleo duro da psicanálise, mais difícil de
quebrar. A única solução é superar, ainda guardando, sua teoria. Nossa
formulação está para a psicanálise como a economia de Ricardo está para a
economia de Marx. Portanto, metemos dialética na nossa cabeça e na matéria.
PULSÕES DE
VIDA E DE MORTE
Como vemos, Freud cai no dualismo dos opostos sem unidade interna, sem
mesmidade. O que existe é apenas pulsão de vida. Esta pulsão desdobra-se de
modo externo em: 1) pulsão de criação, 2) pulsão de preservação, 3) pulsão de
destruição. Os três podem ocorrer de modo combinado ou misturado. A pulsão de
morte é uma anomalia, uma doença, quando a mente-corpo não está em seu estado
normal.
COMPLEXO DE
CRONOS
Trataremos este ponto mais uma vez em nota de rodapé posterior para
reforçar outras ideias. Sua importância justifica a repetição. A experiência do
complexo de Édipo – os filhos disputarem o amor de um adulto contra outro –
fica no inconsciente do adulto, que a revive de novo, mas de modo contrário. O
carinho do pai pela filha ou da mãe pelo filho, por exemplo, produz conflitos,
disputa de atenção. Além disso, constrangedor aos mais velhos o vigor e a
beleza dos jovens filhos – o efeito maldito do tempo! Daí o jeito duro da ação
paterna contra o filho homem ou da materna contra a filha. Isso tende a ocorrer
mais quando o filhote adquire forma corporal mais humana, mais madura. Assim, o
complexo de Édipo relaciona-se consigo próprio como com um outro, com o
complexo de Cronos.
ENERGIA –
PRINCÍPIOS DO PRAZER E DA REALIDADE
Para Freud, a energia psíquica é sexual – mas a energia é mais do que
isso. Ela é pulsão, que serve para satisfazer necessidades básicas, como comer
ou praticar sexo. Daí sua fusão com o marxismo, que também parte das
necessidades básicas e práticas.
Vemos mais uma vez o erro apenas dualista do pai da psicanálise ao
contrapor o princípio do prazer e o princípio da realidade. É a busca do prazer
que obriga a criar mediações necessárias, logo o princípio oposto. É a
necessidade de certa moral que faz adotar uma específica moral, diria Hegel. O
princípio da realidade é o princípio do prazer – mas mediado.
PERSONALIDADE:
DEFEITOS E QUALIDADES
A unidade do defeito e da qualidade é a característica. O característico
não é nem positivo nem negativo; e mostra-se como um ou outro apenas no
contexto. Destruir ou bloquear um defeito é, em geral, destruir ou bloquear uma
qualidade. A personalidade é uma, é una, e expressa-se externo em defeitos e
qualidades, em opostos – que são internamente o mesmo. Alguém impulsivo pode
ser, por isso, “sem noção” e, por falta de limite interno, também, por ouro
lado, muito criativo. A malandragem do jogador Neymar, por exemplo, para forçar
faltas com quedas artificiais ou induzidas é a mesma malandragem usada para
enganar o goleiro e fazer o gol (se, por exemplo, por ordem do técnico, ele
bloqueia a primeira característica, então bloqueia a si próprio, ou seja,
impede igualmente a segunda). A oposição e a contradição externas entre
virtudes e vícios têm a unidade interna na característica, no característico,
em uma só propriedade, particularidade, traço ou caráter. É o contexto, a
situação, que faz aparecer de alguém um polo ou outro da unidade interna.
O
INCONSCIENTE ORGANIZADO
O inconsciente opera, de modo oculto à consciência, a formação de
conhecimento por padrões, conclusões de funcionamento da realidade quase
imperceptíveis ao pensamento, leituras da realidade não formalmente teorizadas
etc. Isso ficou conhecido popularmente como a hipótese do “superpoder” mental e
cerebral do homem – a intuição. Citamos o caso de quando se teve o impulso
intuitivo de comprar uma nova chinela com o fato de seu calçado de fato quebrar
uma semana depois, pois a mente apreendeu alterações mínimas no objeto durante
o seu uso, o que gerou a intuição. Porque um pneu de ônibus pode dar sinais
imperceptíveis ao consciente, mas perceptíveis aos modos mais profundos da
psique, um usuário do transporte pode dizer momentos antes “o pneu irá fura”
como suposta previsão “mística”. Sem qualquer método formal, muitos conseguem
ler psicologicamente outra pessoa ou a tendência de dinâmica de um grupo.
Pessoas do campo podem “sentir” que irá chover apesar da aparente falta de
sinais imediatos e aparentes. O autor deste material errava a chave do grosso
molho a ser usada quando tentava escolher de maneira consciente, mas acertava
sempre quando se deixava agir por “instinto”. O consciente deve focar-se no
imediato, no prático, deve especializa-se e evitar excessos; logo cabe ao
inconsciente o trabalho de base, que é expresso conscientemente em forma apenas
de conclusões “supostas”, sem revelar seu lastro. Às vezes, o inconsciente
aprende antes do consciente ou independente deste. Uma conclusão, mesmo
teórica, está diante de nós, a pedir para ser falada ou sacada, mas temos
bloqueios conscientes, como o medo da ousadia. Os artistas sabem muito bem
disso, pois à vezes uma ideia ou letra de música nasce pronta, vinda não sei de
onde, bastando externalizá-la e melhorá-la. O inconsciente tem ordem em seu
caos. Assim, temos o Eu (ego), o SuperEu (superego) e o infraEu, que não é o ID
puro.
O inconsciente, infraEu, tem consciência de si. Somos, assim, um que é
dois. O que um analista leva 5 anos para saber do paciente, e que o paciente
também não sabe, o infraEu sabe de modo claro e organizado. Freud e a
psicanálise são atacados também porque romperam um contrato social invisível,
de ver apenas o eu que aparece de modo direto, também real. Os psicopatas, ao
verem literalmente o mundo, veem bem este aspecto para manipular. É comum que
usuários de drogas, como maconha, vejam a “verdade”, a camada por assim dizer
proibida.
Além da realidade como inconsciente e do inconsciente subjetivo sob novo
significado, temos a visão materialista do inconsciente coletivo, como
explicado sobre a origem dos arquétipos. Complementamos: o inconsciente
coletivo existe sob forma diferente da de Jung porque, junto com as
singularidades e particularidades, os cérebros diversos possuem e compartilham
estrutura e processos comuns, universais. Por isso, um líder religioso antigo e
um enlouquecido hoje podem ter ao mesmo delírio ou alucinação.
O inconsciente organizado e a dupla consciência, com outro eu oculto,
revela-se na linguagem humana, além da natural. Com frequência, falamos frases
com duplo sentido, duplo caráter, um claro e funcional, outro não funcional,
que revela o Eu interior – ambos verdadeiros.
PERSONALIDADE
E PERFIL FÍSICO
Esta área já foi obra de muita pseudociência, mas deve haver razão na
loucura. Os escritores sabem descrever um personagem por seu modo físico para
expressar sua personalidade, como traços pontudos para alguém perigoso e traços
arredondados para alguém amoroso. O interno se externaliza. Isso deve ter
origem genética, mesmo[21].
Uma parte – apenas uma parte – do perfil humano deriva de sua biologia. Mas há,
também, o fator ambiental ou social. Em síntese: hábitos levam a perfis mentais
e corporais; por sua vez, perfis mentais levam a hábitos e padrões corporais;
enfim, perfis corporais levam a hábitos e perfis mentais (neste caso, em parte
como alguém é visto pelos demais a partir do padrão, pressionando informalmente
a colocar “cada um em seu devido lugar”[22]).
Os três momentos ocorrem combinados, retroalimentando-se. Isso, ao modo de
Platão, sabe-se sem saber no mundo cotidiano.
Aquele adulto que tem o problema de ser um “Rei-bebê” esticado tende ao,
ao ser como crianças mimadas, desejo de comida e outros hábitos que lhe faz ser
acima do peso, arredondado como um infante. Um sujeito por ter barba imperfeita
por amadurecimento imperfeito, e crescer barba após, por exemplo, casar e tomar
responsabilidades. O corpo fala de muitas maneiras tal como certa metáfora da
psique. O leitor pode ver que há aí absurdo, mas a verdade não precisa ser
agradável e não absurda. Em cachorros e raposas domesticadas, assim como em
animais de pasto, observou-se que hábitos (ambiente etc.), genética e perfis
afetavam seus modos físicos, em período curto, no ser individual e em poucas
gerações; incluso com mudança hormonal.
TEORIA DO
SINCRONISMO
Vamos direto aos aspetos:
1) Observei diálogos de colegas de classe na universidade UESPI. Em
torno de alguém extrovertido, papel de líder e comunicador, os amigos
juntavam-se antes das aulas. No passar do tempo e das conversas, seus corpos
faziam movimentos, tendo por resultado final: um círculo formado por aquelas
pessoas, pernas abertas em forma de “v” invertido, tão estável quanto possível,
onde até certos outros movimentos corporais igualavam-se (mãos no bolso ou
braços cruzados etc.);
2) Os movimentos corporais empáticos possuem como principal fator a
imitação, como espelho, do movimento de outrem: cruzo as pernas quando quero me
aproximar subjetivamente de alguém de pernas cruzadas;
3) Os hábitos coletivos em um determinado espaço (casa, escritório etc.)
tendem a um ritmo e lógica internos de interação, tal como alguma “dança
informal”, entre as pessoas naquele ambiente;
4) É possível fazer leitura corporal do estado da relação de um casal
por meio de suas posturas ao dormirem. Por exemplo: um de costas para o outro,
costas encostadas, e movimento espelhado idêntico – ideia de harmonia entre
eles.
A tendência ao sincronismo é uma dimensão intersubjetiva na objetividade
social. No mais, corresponde ao desejo, dimensão psíquica, por harmonia, ordem,
organização, integração etc.
Em linguagem poética:
Os corpos humanos estão interligados
Em uma sincronia de movimentos cotidianos
Como em um ballet invisível
Que não percebemos também porque
‘Stamos demasiadamente nele
E
Se teu corpo na sala movimentar-se
Na cozinha alguém reagirá
Ajeitar-se-á o outro alguém à mesa
Como se fossem os corpos todos
Maestrados e maestros partes todos d’um todo
Conectados integrados e interinfluentes
Em um único instante num único coletivo movimento
Onde juntos e inconscientes e sempre dançamos
Até a data desta tese-poema
E
Há uma camada pensante do não pensamento
Somos
Causa-consequência em igual medida-tempo
Pois não há dia ou pedaço do dia
Desprovidos desta dança complexo-lógica
Como os corpos ao se encontrarem na rua que
Agem reagindo como reagem agindo
Instantaneamente e ambos
Simultaneamente
Simultaneamente e simultaneamente
E
Meu corpo vira-se enquanto o teu abraça-me
Ao dormirmos
NOMES E
PERSONALIDADE
Os nomes e sobrenomes podem influenciar parte da personalidade. Em
resumo, isso é deduzido das seguintes descobertas:
1) A formação do self na criança, sua diferenciação do meio, ser algo em
si e para si, perceber-se, se dá também por meio do seu nome, em especial por
meio do chamado verbal-afetivo do pai e da mãe (descoberta de Winnicott).
2) Na infância, a capacidade lógica da criança passa por estágios e
demoram os saltos de percepção. Até a pré-adolescência, há uma lógica muito
rígida, não dinâmica, de opostos e significados (descoberta de Piaget).
3) A mente opera, em sua função pré-consciente, associações e combinações
(descoberta de Freud).
4) A mente é sugestionável, sem necessidade hipnótica, em níveis
diferentes.
Exemplifiquemos. Uma criança cujo nome é Flor apreende o significado de
flor enquanto objeto externo com suas características e, ao mesmo tempo, esta
palavra lhe é absorvida enquanto significado de si – então ocorre uma fusão
interna, inconsciente. No A Interpretação dos Sonhos, Freud, citando Goethe,
cita por alto, apenas em forma de intuição, que as pessoas vestem seus nomes,
sendo que o seu nome significa em alemão “Alegria”, o que o influenciou a ser
médico, psiquiatra e fundador da psicanálise.
PECADOS E
PERSONALIDADES
Toda ciência começa como religião e pseudociência. Como a alquimia deu
lugar à química, o confessionário passou bastão para a clínica em psicanálise.
Dito isso, o método classificatório de perfis é sempre imperfeito e falho –
todos corretos com defeitos. Mas, em geral, podemos dizer que cada cidadão, ao
menos nas sociedades de classe, é marcado por ao menos um dos assim chamados
“pecados capitais” ou uma “virtude capital”.
INCONSCIENTE
E MENTE
Busca-se refutar o freudismo de modo equivocado ao afirmar que a
neurociência moderna provou a inexistência de um inconsciente, como se um
pedaço do cérebro fosse. O aparelho psíquico como inconsciente e consciente ou
ID, ego e euperego (super-eu) de modo algum são coisas ou partes mas frutos
abstratos da interação da Coisa, do cérebro consigo próprio e com o ambiente,
da interação de suas partes. A mente, também, de maneira nenhuma é coisa, pois
é o fruto da atividade da coisa orgânica, ligada ao seu meio; e é essa própria
atividade. Para comparação, não podemos tocar nem o valor nem o preço das
mercadorias em si, mas eles existem e são dedutíveis. Para ser real e
cientificamente válida, uma categoria não precisa sempre ser diretamente
observável – já que pode sê-lo indiretamente.
A TRÍADE DE
PERFIS PSICOLÓGICOS
Freud observou, por generalização bastante perspicaz, que existem três
tipos humanos: psicótico, neurótico e perverso. O psicótico tem lei, e lógica,
rígida, fixa; em ampliação, a figura comum do louco com sua “vida paralela
inventada”. O neurótico, por muitos considerado o normal, aceita as leis, mas é
capaz de crítica e reformulação; ele pode derivar o fóbico (cujo objeto central,
de medo no caso, é externo), o histérico (cujo objeto é o corpo) e o obsessivo
(cujo objeto é um pensamento ou comportamento de origem mental); logo veremos
porque insistimos na palavra “objeto” nos parênteses. O terceiro perfil é o
perverso, que somente respeita a lei se lhe dá alguma vantagem. Pois bem; os
psicanalista associam os três perfis com o complexo de édipo (homossexualidade
etc.), do nível e do tipo de repressão em reação ao “objeto” amoroso parental.
Ao que parece, no entanto, levantamos a proposta na esperança de originalidade
e acerto, que vale para todo tipo de objeto. Vejamos. O psicótico assim é, em
nível menor ou na forma doentia, porque na infância frustrou-se muito em
acessar os objetos de desejo (comida, brinquedo, afeto etc.) ou teve pouca
experiência prática com a realidade – logo seu objeto tornou-se seu pensamento,
sua imaginação, que se inflou, compensando. Daí que Lacan pensou que a loucura
de Joice foi compensada por este ao destinar sua imaginação para a escrita.
Muitos cientistas são psicóticos e psicóticos criativos, não só neuróticos.
(Por outro lado, por exemplo, visto de modo reverso, a dedicação unilateral e
constante à, por exemplo, matemática, leva a um desenvolvimento deformado,
inflado e desigual do cérebro, perdendo outros aspectos necessários à vida por
causa da especialização excessiva, levando matemáticos a verem padrões por todo
canto, desregulado.) O neurótico comum teve acesso ao objeto e por mediações,
como parte de um trabalho, além de uma satisfação normal; então, enriqueceu sua
experiência para com ele. O perverso, por outro lado, não teve mediações, não
teve trabalho, quer relação direta e imediata com o objeto, tornando até o
outro como objetal; pouca frustação – enquanto o psicótico teve muita, base e
gatilho de sua esquizofrenia comum –, prazer desmedido, satisfação quase
imediata (daí que ricos tendam mais ao mundo e ao modo perverso – daí que
empresas familiares tendam a falir com o passar das gerações); por isso,
também, supõe-se, os perversos possuem pouca imaginação, disciplina e
criatividade; por não sofrerem como se deve, os perversos não desenvolvem a
empatia mutualista. Afirmações como “a consciência é a consciência de algo”, ou
“a consciência é alucinação relativa”, ou ”a consciência vem de fora para
dentro por querer o permanente na mudança” etc. ligam-se bem com estas
observações.
O neurótico adoece quando não consegue alcançar seu objeto, como afirma
Freud. Vejamos, para formar um círculo teórico, um caso de delírio persistente,
psicótico, na qual o portador tem noção crítica de seus pensamentos doentios.
Porque ele sente solidão, imagina que está sendo vigiado secretamente, sendo
olhado (ser integrado); porque sente solidão sexual, imagina que moças famosas
estão se guardando para ele (ser mutualista); porque se sente menos, tende a
acreditar que é dotado de grandes habilidades e ações (ser ativo). Em Freud, a
questão é quase sempre sexual apenas, como única base – sem suspeitar a
essência humana natural-social ou relação com todo tipo de objeto de desejo.
Vejamos dois estudos de caso opostos, um sádico (perverso) e um
psicótico (delírio).
O jovem adulto gosta de ver vídeos de pessoas acidentadas, agressões,
lutas duras, cenas de guerra reais, torturas etc. Produz humor depreciativo,
diminui amigos, humilha de forma engraçada, constrange os próximos etc. Quando
criança, matava pintos com pedra para saber como eram. Brigava diariamente e
controlava suas namoradas. Olhando de perto, sua mãe depressiva, abandonada
pelo marido desde cedo, apegou-se em demasia com o filho. Ela dava tudo o que
ele queria, controlava-o por meio do prazer, do presente. Ele venceu de modo
edipiano, sendo o esposo da mãe. Desacostumado com frustração, sempre
abandonava um negócio, uma arte marcial etc. sempre que havia sinal de sacrifício.
Eis um sádico leve.
O segundo caso é oposto. A mãe controlava, sendo narcisista, por meio da
punição, da frustração – base para um filho com traços delirantes. O pai,
obsessivo compulsivo, apegado ao dinheiro, e sádico, também costumava frustrar
o infante. O garoto, na adolescência, revelou sua loucura parcial como reação
ao controle paterno e materno. Aqui, o edipianismo também foi vitorioso com a
proximidade coma mãe, contra o pai austero, mas não serve de causa para o
delírio, pois, assim fosse, ocorreria algo semelhante ao primeiro caso; logo
vemos que a frustração excessiva, não somente sexual, movimentou a psique deste
caso, substituindo o objeto real pela fantasia.
Uma nota metodológica: a mesma consequência, perfis, pode ter diferentes
causas. Freud não entendeu isso, unicausal por princípio.
FALAR-PENSAR
– AGIR-COMPORTAR-SE
A separação do agir e do falar deu-se em duas clínicas, a
cognitiva-comportamental e a psicanálise (ou humanismo etc.). Mas a ação é
exteriorizar, logo o mesmo que a linguagem. Mas falar é uma ação. Nada impede
mudança de comportamento como parte da clínica – nada impede ouvir o paciente
para ele melhorar. Materialismo e idealismo juntos no terceiro, práxis.
TRANSTORNO
OPOSITOR PERSISTENTE
Vale a pena citar este tipo para a nossa avaliação. Uma sociedade
autoritária, como com ditadura, passa seus valores por meio da família, dos
pais. Pais autoritários, expressando uma ditadura de Estado maior, geram filhos
cronicamente rebeldes – por quê? Porque o infante já nasce com natureza humana
natural, como a necessidade de ser ativo, afirmar-se. Assim, mediada pela
família (escola etc.), a ditadura estatal gera seus próprios coveiros, seus
inimigos. A sociedade socialista deixará de ter tais transtornos por sua
democracia real, sua qualidade de vida e respeito aos jovens.
REPRESSÃO
FAMILIAR
Uma das causa importantes do masoquismo e do sadismo é a repressão
familiar. Ao beber cerveja ou comer açaí pela primeira vez, odiamos a
experiência; mas, se insistimos no consumo, o cérebro atua para modificar a
experiência, que passa a dar prazer, até vício. O mesmo ocorre quando um pai
tem mania de agredir a filha – a agressão tornar-se o sexo dela com o pai. Um
menino que vive sempre com pai alcóolatra e violento pode passar a gostar de
violência, de constranger os demais etc. torna-se sádico.
A TEORIA
UNIFICADA DO DESENVOLVIMENTO
Freud, Erik Erikson, Wallon e Piaget desenvolveram, cada um por si, suas
próprias teorias do desenvolvimento infantil. Mas, bem observado, todas têm
algo em comum: suas etapas ocorrem, grosso modo, na mesma época, na mesma
divisão temporal (e as datações são tendenciais, aproximativas). A etapa 1, do
nascimento até, via de regra, um ano e seis meses; a etapa 2, de um ano e seis
meses até os três anos de idade; a etapa 3, dos três anos até os seis; a etapa
4, dos seis anos até os dose; a etapa 5, pela adolescência etc. Como todos têm
tal temporalidade, bem ou mal, logo há uma teoria comum ainda oculta.
O que há em comum são três fatores:
1. Etapa do desenvolvimento
cerebral
Como suas partes e suas interrelações estão quantitativa e
qualitativamente ordenados.
2. O nível de experiência
Diz-se que se um gato doméstico tivesse o tamanho de leão, ele comeria
seus donos. Aprender a andar, por exemplo, leva a novas experiências.
Há uma oposição teórica: a vivência leva a uma etapa (Vigostsky) ou a
etapa permite certa experiência cognitiva (Piaget)? Ora, a etapa existe, mas
ela pode demorar a surgir ou passar-se para a próxima por baixo estímulo ao
desenvolvimento. Eis resolução da possível contradição real entre
relacionalismo e substancialismo, posições unilaterais e igualmente válidos.
3. Energia (em busca de mais de
si)
Para Freud, a energia é propriamente sexual, mas, para nós, ela é
energia corporal e cerebral que tem apenas a forma de energia sexual como seu
centro, principal forma.
Vejamos cada etapa, que chamaremos totalidade, do ponto de vista comum,
completo:
Todos corretos e unilaterais:
Freud: psicossexual, biológico
Erikson: psicossocial
Wallon, Vigotsky: emocional e grupal, relação com os demais humanos
Piaget: cognitivo, biológico, relação com objetos
Totalidade 1
– nascimento até 18 meses
Aqui, a criança é totalmente dependente, seu problema central é a fome,
a necessidade de amamentar-se. Seu problema é o outro.
Freud: fase oral, quando o prazer centra-se na boca.
Erikson: sensorial, nesta fase desenvolve-se a confiança ou a
desconfiança.
Wallon: impulsivo-emocional.
Piaget: inteligência sensório-motora. Da indiferenciação eu-mundo
exterior ao reconhecimento de objeto, espaço, tempo, causalidade.
Totalidade 2
– 18 meses até 3 anos
Freud: prazer anal, foco na prática social comum. Prazer em prender
(obsessivo-compulsivo futuro etc.) ou soltar (criativo no futuro etc.) fezes.
Erikson: muscular, desenvolve autonomia ou dúvida e vergonha.
Wallon: sensório-motor e projetivo
Piaget: pré-operatória, pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade
do pensamento.
Totalidade 3
– 3 até os 6 anos
Freud: fase genital, prazer genital, o filho se apaixona, em geral, pelo
membro adulto da família do sexo oposto, complexo de Édipo.
Erikson: O terceiro estágio – iniciativa ou culpa são consolidados na
personalidade.
Wallon: estágio do personalismo. Imitação motora e social. Fase em que
discorda dos adultos.
Piaget: pré-operatória,
pensamento indutivo, rigidez irreversibilidade do pensamento.
Totalidade 4
– dos 6 aos 12 anos
Freud: latência – deixa-se a energia como sexual, que se volta para
outros centros, como a inteligência.
Erikson: o quarto estágio – dois caminhos para a personalidade:
indústria (produtividade) ou inferioridade.
Wallon: estágio categorial – a capacidade de abstração e saber dos
conceitos crescem. O estágio do
personalismo é sucedido por um período de acentuada predominância da
inteligência sobre as emoções.
Piaget: operatório concreto – Passagem da intuição à lógica do concreto,
início da descentração. Aquisição da capacidade de perceber a reversibilidade
das operações, explicações causais, noções de permanência de substância, peso e
volume.
.
Totalidade 5
– dos 12 aos 21 anos
Piaget: operatório formal ou abstrato – Acesso à lógica operatória
abstrata, descentração se completa. Pensamento proposicional e
hipotético-dedutivo
A partir daqui, apenas Erikson desenvolveu de modo oportuno e seguro.
O quinto estágio – desenvolve-se em identidade ou confusão de
identidade.
Marca o período da Puberdade e adolescência.
O amadurecimento total desta fase, em seu fim, é ser capaz de um
raciocínio dialético, o mais maduro existente. A unidade dos opostos e a
mesmidade do diverso é o central, passa-se do hipotético dedutivo – típico dos
jovens – para a dialética, mas raro de acontecer na sociedade de classes ou
atrasadas.
A adolescência foi descoberta, reconhecida, não criada em si pela modernidade.
Basta lembrar que os gregos antigos reclamavam que os jovens apenas pensavam em
sexo e festas.
Totalidade 6
– dos 21 aos 40 anos
Questão chave deste estágio: Deverei partilhar a minha vida ou viverei
sozinho?
Totalidade 7
– dos 40 (35) aos 60 anos
Os dois caminhos possíveis, a crise, está entre generatividade ou
estagnação.
Este ponto merece destaque.
O corpo torna-se mais lento, mais frágil. Na psicologia, aprende-se a
economizar energia, por exemplo, vencendo o adversário por cansaço ou saber esperar.
Mas, porque se está mais frágil, começa a se tornar alguém com mais medo.
Assim, podem surgir tendências cínicas e oportunistas. Alguém antes subversivo
e revolucionário sabe que, mais velho, não será tão ativo numa perigosa
revolução, por isso tende a ser mais mediador, mais covarde (nos protestos de
2013 no Brasil, os veteranos dos partidos radicais condenaram a violência dos
manifestantes; o velho anarquista Proudhon condenou fervores revolucionários de
sua própria juventude). O pensamento muitas vezes cristaliza-se ou torna-se
conservador, algo mais comum na próxima totalidade.
O desenvolvimento mental e lógico aqui é mais intensivo que extensivo:
consegue fazer mais associações. Se pedimos para falar sobre França, logo ele
citará aspetos ligados à palavra, como o pão, Louvre, poetas, revolução etc.
Pode-se, assim, chegar ao auge da produção intelectual se não se curva à sua
fragilização em andamento, se continuar ousado.
Leminski diz que “a política é o sexo dos velhos”. Bem cabe a frase
nesta época, de vida socializada.
Quando vê que está perdendo os traços de juventude, o sujeito pode se
agarrar ao passado, com crise da meia idade, namorando gente mais jovem, usando
roupas da moda etc. Vivemos a ditadura do ser jovem sempre, porque estamos na
época entre a juventude e a maturidade do ser social.
Totalidade 8 – dos 60 anos até a morte
Ou o sujeito irá para a integridade ao fazer bom balanço de sua vida ou
sentirá desespero por um mau balanço de sua existência. Mas, discordo de
Erikson, há também a sabedoria da angústia no segundo caso, não apenas a
sabedoria do acerto no primeiro.
Há inúmeras “crianças crescidas”, que estagnaram numa fase inferior em
muitos aspectos, embora consigam desenvolver um outro lado funcional, que pague
as contas. Não é incomum pessoas velhas com lógica infantil do tipo “ou isto ou
aquilo”, de opostos fixos. A maturidade ainda é algo raro. Por outro lado,
frustração moderada, como parte menor da riqueza de experiências, ajuda a amadurecer;
mas estresse pesado pode, ao contrário, estagnar um sujeito.
Outra observação precisa ser feita. Em nossa dialética, que debateremos
nos últimos capítulos, passa-se, no tempo, não apenas logicamente (como em
Hegel), da identidade para a diferença, para a diversidade, para a oposição,
para a contradição e, se caso for, para a unidade-identidade. Isso também
ocorre como processo por cada etapa. A totalidade 1, unidade, tudo é um, e
progressivamente o bebê vai diferenciando-se, percebendo-se; na totalidade 2, a
criança tem diante de si a diferença (unitária) que quer passar para a
diversidade “solta”; na totalidade 3, temos a diversidade que passa para a
oposição; na quatro, temos a oposição que passa pra a contradição; na quinta,
adolescência, contradição; na maturidade real, a unidade de opostos. Isso está
exposto de modo rígido, o processo é muito mais confuso, com processo,
retrocessos e saltos.
Eis primeira formulação e esboço da teoria unificada do desenvolvimento.
CLÍNICA –
SOCIAL E PESSOAL
O adoecimento psíquico, via de regra, deriva de relações sociais
mediadas por relações pessoais. A clínica de terapia produz uma nova relação
pessoal, desta vez positiva, em geral, como reação indireta às contradições do
atual modo de vida.
COMPLEXO DE
CAIM – LEIS E ESSÊNCIA HUMANA
Os irmãos disputam, comparam as ações uns dos outros, formando-se. Mas a
psicologia pode ter mil e uma leis, todas corretas sem chegar ao fundo, ao
fundamento; “irmão do meio” etc. Ora, irmãos formam personalidade porque nascem
com necessidades biológicas e sociais com sua essência humana. A necessidade de
amor (ser mutualista) pode gerar a formação de uma personalidade tanto por
imitação ou por diferenciação, a depender das circunstâncias. É a natureza
humana, com a qual abrimos este capítulo, que diz dos rumos do que seremos, ao
menos na maior parte.
ASSIMILAÇÃO
POR AFASTAMENTO
O título parece contradizer as leis da natureza. Quando o filho sai de
casa ou quando os pais morrem, a descendência, que conviveu com os cuidadores,
faz uma compensação, absorve alguma característica do outro em seus hábitos,
pensamentos, personalidade. O outro permanece conosco de modo indireto. Perder
amigos etc. podem também produzir tal efeito.
AS CAUSAS
Para Freud, via de regra, cada efeito possui uma, apenas uma, causa –
grosso modo. Mas sabemos que, além da causa comum na essência humana, temos
causas diferentes para o mesmo efeito. A psicologia cognitiva-comportamental
afirma que a causa da depressão é somente, somente, a construção de uma autoimagem
deformada (como crítica demasiada dos familiares, internalizada após algum
tempo). No polo oposto, Freud diz da depressão um ver-se mal como, no fundo,
estando decepcionado não consigo, mas com o outro antes admirado e, de modo
inconsciente, agora sem altivez para si. Ora, os dois casos podem existir, além
de tantos outros concretos ou externos. Uma visão mecanicista e não dialética
atrapalha muito o desenvolvimento da ciência, como vemos. O problema de Freud
aí é sua visão liberal capitalista de tudo ser culpa do indivíduo (diz-se: qual
a tua responsabilidade pela dor de que reclamas?), supervaloriza a
individualidade atômica, de haver sempre algo podre no reúno interno da
Dinamarca; ou seja, como na religião, ele exacerba o sentimento de culpa individual
– culpado até que se prove o contrário. Claro, quem sofre, não deve ser como
vítima passiva, embora vítima seja, e a clínica deve ajudá-lo ser ativo, reagir
bem etc.
BASES DO
MISTICISMO
Duas causas são claras: 1) na falta de capacidade de saber a causa dos
fenômenos, criou-se entidades abstratas místicas; 2) diante do medo da morte e
uma vida infeliz, criou-se um mundo após a morte – eu vivo, eu morro, eu vivo
de novo… A terceira destacada causa ocorre porque acontecem fenômenos que, via
de regra, exigem teleologia subjetiva, uma ação humana. Por exemplo, filmes de
terror focam em lâmpadas apagando e acendendo de modo artificial, logo, a mente
busca sua causalidade natural, pois só o homem opera tal ação, nem que seja o
homem abstrato. Isso causa arrepios, efeito sem causa aparente aponta uma causa
comum essente. Em quarto, alucinações e delírios acontecem, nem que seja vez ou
outra, no nosso complexo cérebro. O misticismo, a fé, a religiosidade – são
etapas necessárias de nossa história, que só agora podem ser superadas, por
isso o ateísmo passou a existir de fato. No classismo, o afastamento radical da
vida prática também opera misticismo, mas isso é lateral. Outra coisa é a
necessidade de manter tal cultura para melhor dominar, para evitar a solidão, por
questões morais etc. Vários sociobiólogios raciocinam de modo fraco: se a
humanidade foi religiosa até aqui, logo ser religioso é algo genético,
biológico, fixo e eterno… A pobreza desse pensamento salta aos olhos. Se a
humanidade viver bem, como no socialismo, e com alta cultura, o ateísmo será
algo “natural”; a religião, além de outros fanatismos, deixará de ser uma
necessidade social, para suportar ou para manipular. A necessidade cerebral
(conteúdo) que leva à religião (forma) será satisfeitsa de novos modos
(formas). Não saber a mera relação de forma e conteúdo caracteriza tal
cientificidade anti-histórica, de direita.
COMUNICAÇÃO
INCOSNCIENTE
Temos uma cominicação geral inconsciente, por meio da fala, do corpo, da
roupa etc. Infracomunicação social. Exemplo: avisamos ao outro como nos
sentimos sobre nós mesmos e como devemos ser tratados. Quem tem autoimagem
ruim, avisa, sem o querer, aos demais o grau de repeito que tem de si,
calibrando em tendência o grau de respeito que os demais tem dele (se diz de si
que é “um bosta”, os outros arranham acreditar). O chiste é outra dessas formas
de comunicação. Tal comunicação oculta ocorre o tempo todo, sem que percebamos.
Para gente treinada ou para psicopatas mais fácil ver.
O LUGAR
DESTAS IDEIAS
Tais formulações, teses, são com facilidade acusadas de pseudociência –
são imensamente exóticas. Por isso, para preservar a moral dos demais assuntos,
meditei exclui-las desta obra. Mas seria covardia teórica em um livro que
propõe a renovação de quase toda a ciência, como com a nova teoria da essência
humana.
Nas próximas páginas e capítulos, teremos mais exemplos de formulações
ainda não sistematizadas para uma proposta de psicologia marxista. Sobre elas,
quase tudo aqui é muito novo, inédito, por isso haverá resistência
conservadora, dos mais velhos em especial. Mesmo na teoria, nunca haverá
revolução sem resistência do passado.No entanto, quase todo este capítulo serve
de preparo para o próximo ponto, a crise da psique.
PSICOLOGIA
MARXISTA
Neste capítulo, próximo a concluir-se, apresentamos nossa proposta geral
de psicologia marxista, o que não dispensará uma pesquisa especializada
posterior. Em geral, os psicólogos nada sabem de economia, logo a base de toda
a sociedade. Como separar a psique dos ciclos econômicos no sistema vigente? Em
geral, nada sabem de história como totalidade. Em geral, são incultos, como em
questões de dialética, ou biologia, ou neurociência. Enfim, a verdade é o todo,
não a parte em si.
A psicologia deve adentrar mais em temas como ética, emprego, classes,
diferenças biológicas entre sexos (sim, há diferença na igualdade), estética,
movimentos psicológicos da economia, educação, dinâmica política etc. Isso é
psicologia marxista.
Feita a crítica absorvente da teoria mais avançada, a psicanálise,
façamos um breve passeio pelos teóricos.
PSICANÁLISE
Focar no sexo como base da psique, em biologia humana sob tal ângulo,
tornou-se a força e a fraqueza do freudismo. Isso é vital, mas não é a
totalidade. O homem também é social. No mais, o psicanalítico caiu em dualismo,
falha a ser superada.
VYGOTSKY
Aqui, tratamos mais da tradição do que da letra literal do autor.
Inspirado na revolução russa, surgiu a ideia de que a psicologia é baseada na
comunicação, nas reações sociais e pessoais, no estímulo externo, nas fases
sociais. A linguagem seria o centro. Mas o homem é social-biológico.
PIAGET
Caiu no erro oposto, as etapas de desenvolvimento como apenas cognitivas
e naturais. Ainda assim, no final da vida pôde reconhecer que havia certas variações
em tribos etc. Também não viu o homem total, a verdadeira sociabilidade. Focou
na relação sujeito-objeto, não também no sujeito-sujeito, unilateralidade
típica da psicologia histórico-social.
Na verdade, a fase, a etapa de desenvolvimento, é dada pela CONDIÇÃO
biológica, a etapa é uma CONDIÇÃO para, uma base; mas seu fluir e desenvolver,
seu consolidar, é relacional.
WALLON
Pôs dialética no materialismo de Piaget – como uma etapa agregar dentro
de si a anterior. Via a variação de centro de gravidade entre emoção e razão no
desenvolvimento infantil. Esqueceu, também, a totalidade ao focar na educação.
SKINNER
Comete o mesmo erro dos demais: não encontra a essência humana. Para
ele, valia a concepção de que o objeto (ambiente) é ativo e o sujeito
(indivíduo) é passivo, adapta-se. Isso deriva de um erro parcial de Darwin, que
criticaremos em outro momento. Mas a criança já nasce com uma essência natural,
que busca ser satisfeita, além de pulsões naturais e sociais. Não apenas nos
adaptamos: mudamos a realidade, manobramos, mentimos, jogamos, evitamos,
mudamos, moldamos, insistimos, mediamos etc. Para ele, um comportamento flui ou
tende a desaparecer por reforço ou punição. Apenas. Um empirismo medível: ele
foca apenas no comportamento por ser diretamente observável, uma cientificidade
positivista e pobre. Há uma verdade aí, no entanto: o meio tem poderosa força
sobre o que somos. A crítica ao Skinner
é, antes, liberal disfarçada com roupas de esquerda, como se fôssemos livres,
autônomos, individuais apenas, de todo conscientes etc. Somos, sim, ratos em
uma gaiola de recompensas… Embora possamos, com a linguagem e com nossa
essência, além da revolta, do ser ativo, reagir e revolucionar. O homem faz sua
história, o cérebro é trabalho, produtivo, ativo.
SOCIOBIOLOGIA
Tal escola não tem contribuição relevante alguma, por exemplo, na
economia. Mas há algo a dizer sobre a psicologia, onde de fato avançam – só que
de modo unilateral e impressionista. O homem não se reduz à sua condição
biológica, ou genética, ou sexual. Ademais, aquilo biológico pode ser “natural
socialmente modificado” ou mediado.
Todos eles buscam um ângulo, um erro que é um acerto. Dizer que tudo é
construção social é tão certo e errado quanto dizer que tudo deriva de sua
biologia. O método necessário torna-se método dialético, empírico-dedutivo.
Devemos passar longe do empirismo. Nota-se que um programa virtual famoso de
neurociência estava dando uma série de falsos positivos por décadas, sem que
isso fosse percebido… A maioria dos testes psicológicos não dão o mesmo
resultado quando repetidos, replicados, por outros, se e quando são retestados.
A verdade é teimosa. Incluso, ela deve ser tema maior das reflexões
psicológicas.
PSICANÁLISE
É CIÊNCIA? O MÉTODO
A moda intelectual diz que não, então, surgiu uma forte polêmica no
Brasil. Do lado oposto, Dunker deu todas as provas exigidas pela
"psicologia baseada em evidências" – ela é científica --, mas não
querem reconhecer a derrota (isso exigiria mudar seu movimentoe suas personalidades…).
No caminho do meio, penso que a psicanálise não deve ser negada – mas, mais por exato, superada. A pergunta
correta é esta: podemos superar a psicanálise? Penso que sim porque Freud errou
sobre o núcleo, sobre a essência ou natureza humana. Mas para superar tal
tradição é preciso preservar tudo aquilo que ela acertou, além de aprofundá-lo,
junto à observação de seus limites. Psicanálise é ciência – não cedo um
milímetro nessa afirmação, contra até alguns psicanalistas que afirmam ser ela
uma "contraciência" etc. (Embora eu seja adversário leal de Freud.)
Mas a psicologia final parece não estar iniciada de fato em Freud. Junto com a
moda intelectual, a psicanálise sempre sofreu grandes e raivosos ataques. Toda
teoria que acerte algo profundo será negada e atacada. É assim com a evolução,
com o marxismo, com o Big Bang, com o heliocentrismo. É assim com a teoria do
inconsciente. Um gay enrustido e religioso atacará a psicanálise, sem saber de
modo consciente da razão de seu tanto ódio. Raramente um rico aceitará o
marxismo. Não basta ser inteligente e rigoroso para aceitar uma verdade lógica,
mas profunda. Até Bunge já afirmou isso: o pai teórico do neoliberalismo não
vivia a vida comum, era um rato isolado e aristocrático de laboratório – seu
estilo de vida e sua limitação teriam de moldar seu pensamento. Mas os
seguidores de Bunge não o leram bem... Ainda que ele fosse adversário do
freudismo. Como disse, quero colocar a psicanálise no passado como Marx tomou
para si o “valor” (aqui, o inconsciente) de Ricardo exato para tornar este
passado também… Os psicanalistas, além de erros como o estruturalismo, tratam
as categorias de Freud enquanto modelos e fixos, sempre as premissas etc.
Deve-se, ao contrário, guardando consigo o acúmulo, ir direto ao objeto, aos
dados, aos fatos ec. Para daí deduzir, e talvez até modificar ou adaptar as
categorias guardadas na mente do analizador. Quando Lacan diz que Hamlet
demorou a agir porque estava de luto, esqueceu que, se ele agisse, a peça de
teatro acabaria em menos de meia hora… Não se deve ter uma estrutura pronta
para encaixar a realidade nela (digo em vários sentido, incluso na estrutura de
linguagem). Mas vamos, grosso modo, ao caminho de Freud. Percebeu que alguns
sonhos são realização fantasiosa dos desejos (tem-se sede, sonha com rios etc.;
tem-se tensão sexual, sonha com sexo etc.); ou descobriu que os demais, incluso
pesadeslos, também o são, fantasia de desejo, ou forçou a generaliçaão por
indução ao dizer que todo sonho só pode ser desejo – não importa; ora, assim,
os pesadelos só poderiam ser desejos ocultos que estão… na parte profunda, no
inconsciente! Descobre conceito após conceito, desde os fatos e a realidade. A
hipinose já sugeria uma camada abaixo, dentro, oculta e maleável. Os jovens
equivocados da “psicologia baseada em evidências” acusaram o freudismo, por
exemplo, de operar apenas com casos qaue deram certo, que “comprovassem” etc.
Ora, isso não é um erro, trata-se de mentira pura e simples. Eles têm uma noção
vaga e caricatural do que é a psicanálise, então deduzem sem, antes, investigar
(a vulgarização do hipotético-dedutivo contra o empírico-dedutivo). Vejamos: o
livro claro, curto e simples “Neurose, Psicose e Perversão” (Freud) tem algo
como 40% dos casos como erros, falhas, fracassos, conflitos etc. Não uma boa e
vitoriosa terapia. Bastava ler… De brinde, aos ligados a Popper, há por lá um
caso, antes mesmo do sucesso ruim de Poppér!, de falseabilidade: para Freud,
toda paranoia é contra alguém de mesmo sexo, como expressão da homossexualidade
oculta-inconsciente do “paciente” (Freud afirmou que a psicanálise serve apenas
aos neuróticos, não aos psicóticos, o que mostra sua clareza científica, seu
limite), mas o caso em questão parecia ser de paranóia de certa moça contra um
homem, ou seja, sexo oposto, não de igual sexo, então ele investiga até
descobrir que o caso era contra, na verdade, uma outra mulher – fez o teste,
foi algo falseável. Mas a moda intelectual, incapaz de perceber que os avanços
enormes da cientificidade burguesa tem seus limites de época, não entende tanto
de algo mais acima, mais sofisticado, quer reduzir tudo ao simples como herança
cartesiana. Queria eu estar em avanço, a debater na pós-psicanálise, mas sou
obrigado a sair em defesa de uma teoria adversária a qual desejo superar de
modo positivo, agregador. Na teoria, deve-se acertar o adversário nos seus
pontos mais fortes e/ou, então, no seu núcleo e com a arma da verdade, da
crítica de todo honesta e fundamentada. Eis uma tarefa contra o freudismo.
ÉTICA MARXISTA
POR UMA
ÉTICA DIALÉTICA
CRISE DA
ÉTICA
Enquanto
lês, agora, uma mulher é estuprada, uma criança é sexualmente abusada, um
revolucionário é torturado, alguém comete suicídio, famílias passam fome, um
jovem trabalha por 12 horas, há escravidão; um rico, um político ou um falso
líder religioso está roubando o povo. Não precisaria ser assim – não mais.
“A vida não
é uma tarefa fácil… Você não pode vivê-la sem cair em frustração e cinismo, a
menos que você tenha um grande ideal, que o eleve acima da miséria pessoal,
acima da fraqueza, acima de todos os tipos de desesperança e futilidade”.
Leon Trotsky
Como o leitor deve saber, a tarefa de escrever uma ética é difícil.
Tanto mais difícil escrever uma ética de clara inspiração marxista, pois tal
ciência única e correta da história humana exige um conhecimento da totalidade.
Para falar de moral, tona-se necessário um alto conhecimento de psicologia,
economia, sociologia, dialética etc., além de revisão de quase tudo importante
escrito sobre o tema.
Nunca foi escrito uma Ética, com pretensões gerais e definitivas na
história da filosofia, de inspiração marxista. Isso tem razão de ser: somos
minoria, mais, somos minoria perseguida em todo o mundo. Ninguém é torturado e
triturado por seguir Aristóteles ou Piaget. Lukács, bastante perseguido pelo
estalinismo, passou a vida toda a se preparar para tal tarefa, mas morreu sem
deixa sequer um manuscrito editável. Nossa situação é deplorável, tanto mais
porque as ditaduras estalinistas destruíram momentaneamente o marxismo,
transformaram-no em religião dogmática e ensinou o cinismo por todo o mundo
entre militantes. Para eles, moral é moralismo… Trotsky foi o único a deixar
escritos claros sobre o tema, mas não algo com ares de definitivo relativo para
nossa tradição.
A decadência do capitalismo, que também é decadência moral, obriga-nos a
pensar a ética, não apenas a ética do movimento marxista. Via de regra, o
militante não está desconectado do mundo, e este empurra sua moral para dentro
das organizações vermelhas por meio incontornável dos seus indivíduos. Isso é
inevitável, mas combatível de modo efetivo. Sem moral correta não venceremos no
final da história.
Nesta obra, começo por um tema preliminar: como introdução, alguns
aspectos da psicologia marxista que elaborei em seus aspectos mais gerais.
Talvez, tenhamos finalmente superado a poderosa psicanálise, o freudismo – por
dentro dele mesmo. Assim espero. Tive de pensar a economia capitalista de nossa
era, o novo período do imperialismo, a mudança nas relações de classe, os
problemas do Estado e do aparato de repressão etc. Ou seja, o todo, suas partes
e suas interrelações. De tal trabalho, deduzi e descobri uma dialética
marxista, diacrônica e, algo imensamente polêmico, certa metafísica. Por isso,
fui obrigado a pensar uma hipótese marxista-dialética de interpretação da
física moderna, macro e quântica, e certos pontos na biologia (até o momento em
que escrevo este prefácio, não consegui contribuir na biologia uma fusão da
evo-devo e da nova síntese). Assim, a metafísica, etc. são o fim, não o começo
da pesquisa. Mas o marxista não pesquisa o que deseja, mas o que sua corrente
necessita, entre as opções mais urgentes. Minha filosofia, exceção das teses
inaugurais, tinha a lacuna de uma teoria da moral, Ética, de base marxista em
seu fundamento. As condições subjetivas para escrever tal obra estavam, grosso
modo, dados por um acúmulo de 15 anos de pesquisa geral, do mundo. Sem
psicologia correta o bastante, por exemplo, impossível uma Ética correta, como
se matéria de todo independente. A verdade é o todo, a moral é também cerebral.
O tema é, então, urgente e necessário ao máximo. Não produzo uma ética
marxista em si, ou seja, uma ética para a conduta marxista apenas; mas uma
Ética, ou seja, uma filosofia de tal objeto, um, interpretação total de sua
totalidade.
Os problemas que tive no meu antigo partido, PSTU-LIT, os problemas
morais contra os quais lutei numa dura questão fracional, têm, claro, peso
pessoal para a escolha de tal assunto sobre outros. Não foram poucos os
absurdos e os constrangimentos, morais e mais que morais. No entanto, quando
entrei na organização em 2008, a primeira reunião da qual participei teve como
foco a leitura coletiva de um documento sobre moral revolucionária, obrigatória
para os novos membros. Assim quase impossível evitar apaixonar-se pelo tema. A
organização internacional a qual ainda reivindico, a LIT, tomou tal tema como
tarefa, mas parece estar falhando em sua busca. A moral é fruto, antes, de uma
realidade, apenas depois de uma decisão. Se se quer certa moral, crie-se as
circunstância para ela.
Como morenista, li um texto de Moreno sobre moral, algo deplorável. Por
exemplo: condena como degeneração pequeno-burguesa a homossexualidade. Moreno
escreveu tal texto no começo de sua militância e na prisão por razões de
perseguição política. Depois, abandonou tal escrito, revividicado de modo
imprudente pelo PSTU. Está na hora, portanto, de resolvermos tal questão.
Quando o Muro de Berlim desabou sobre nossas consciências, os marxistas
oficiais perderam a ousadia, a necessária megalomania, adaptaram-se. Perdeu-se
a perspectiva de projeto. Assim, a teoria produzida é em geral pobre,
dispensável, parcial, repetitiva. O medo de desmoralização é maior que a
vontade de vencer. Recuamos na teoria tanto quanto na moral, a crise moral
tomou conta de nosso movimento (vendaval oportunista, segundo a LIT). A nova
geração de marxista, os dos países pobres em especial, têm o dever e a
capacidade latente de renovar nossa tradição e nossa teoria, respeitando e
compreendendo nossos velhos. No Brasil, além do autor deste livro, temos
marxistas talentosos vindos da classe trabalhadora: Jones Manuel, Santiago
Maribondo, Gustavo Machado etc. São inexperientes na luta de classes, mas
talentosíssimos. Devem, no entanto, aprender a ser ousados ao máximo – se
necessário, escarrar sobre supostas verdades consolidadas.
O leitor saberá que evito ao máximo ser prolixo, mas isso me fez cair no
erro oposto, o laconismo. É um defeito da obra, ir direto demais ao ponto; ao
menos, poupa o leitor. No decorrer do livro, o leitor verá quanta confusão
existe, que atrapalha uma concepção correta de Ética.
A luta de classes é, também, uma luta de morais, moral contra moral.
AS QUESTÕES
CENTRAIS
ALIENAÇÃO E
ÉTICA: O CONCEITO GERAL CENTRAL DA ÉTICA
Há o marxismo no sentido restrito, ortodoxo e revolucionário, além de
dialético, e o marxismo no sentido amplo, que abarca várias correntes. Uma das
formas de dividir o pensamento contemporâneo é entre marxistas e não-marxistas.
Tal é o peso desse pensador militante.
O marxismo vulgar tenta tornar Marx algo tragável à academia: sem
dialética, sem método, sem seu trabalho político, sem sua juventude – sem sua
teoria da alienação. Uma posição fácil de refutar, cambaleante.
O título deste capítulo seria mais exato se dissermos que o tema da
alienação é base de toda ética marxista. Por exemplo, para Marx, alienação é
separação do homem da natureza, como se externo a ela: logo vemos que a pauta
ambiental, inerentemente socialista, é algo moral. Respeitar o meio ambiente é
autorrespeito, pois somos parte da natureza, somos, em primeiro lugar, animais
– não divinos.
A alienação significa, grosso modo, separação, separação daquilo que
deveria estar junto. O operário não se identifica com o objeto que ele mesmo
produz, estão separados. Muito mais que isso: porque estamos desorganizados e
separados como humanos, surge uma lógica das coisas, para as coisas. O mundo
das coisas passa a dominar o mundo dos homens – a criatura domina o criador. O
dinheiro, a Coisa das coisas, domina o homem como se fosse um Deus real e
material; o dinheiro desconhece e não aceita qualquer limite, dinheiro em busca
de mais dinheiro, valor (a alma da mercadoria) em busca de autovalorização. A
criação da mão do operário, a mercadoria, passa a dominá-lo, a subjugá-lo. A
valorização do mundo as coisas ocorre na proporção da desvalorização do mundo
dos homens.
O contrário de alienação é felicidade, ou emancipação, ou melhor,
humanização da humanidade, hoje coisificada. A ética marxista é esta: humanizar
o homem. Por isso, somos contra o machismo, por exemplo. Por isso, fazemos
greve por onde os operários tornam-se sujeitos. Por isso, nossos partidos são
verdadeiramente democráticos e justos. A única moral real possível é a
marxista, a operária e a socialista.
A alienação é algo objetivo, um fato social, mas também subjetivo, afeta
nosso aparelho psíquico. Tua tristeza chama-se capitalismo. A felicidade é,
portanto, o grande tema central de Marx, nem mais nem menos. A felicidade é
para hoje, não para o amanhã. De tal modo que se todos procurarem, sem recuo,
de fato, ter uma vida feliz, que valha a pena, o sistema cairá.
A moral é anticapitalista até a medula. O capitalismo apenas pode
persistir como alienação, ou seja, como sistema imoral. Sem mentira, trapaça,
traição, manobra, assassinato, crime etc. o sistema não poderia ficar de pé.
Ele depende até do cinismo social geral. Trata, portanto, de tentar produzir
homens diabólicos que sejam a sua imagem e semelhança. Quantas família e nações
foram arrasadas por causa do dinheiro? Ou acabamos com o capital, com a
desumanização, ou ele acaba conosco.
Mentir ou falar a verdade, qual o correto? Depende: qual reduz a
alienação, qual atua para a libertação da humanidade? Enfim, qual humaniza o
homem e diminui sua desumanização? Mentir ao patrão em uma greve pode ajudar a
luta a ser vitoriosa por parte dos operários. Mas mentir ao operário na greve
é, grosso modo e via de regra, imoral do ponto de vista socialista – mesmo se
com as melhores intensões. Podemos perder ou ganhar na luta sindical, mas é a
moral, ou seja, o combate à alienação, que define, em última instância, se o
balanço do processo foi positivo ou vitorioso. Por exemplo: se a greve consegue
aumento salarial, mas os comunistas dirigiram a greve com mão de ferro, sem
assembleias de base – o balanço é necessariamente negativo. Uma pequena
ditadura surgiu, alienação, isto é, domínio do homem sobre o homem.
Somos necessariamente imperfeitos, erramos. E tentar a perfeição
artificial geral distúrbios mentais. Mas temos metas e guias de nosso
comportamento, que devem ser lavados a sério. Por isso, sejamos tolerantes e
didáticos, mas tenhamos limites e rumos cristalinos. Além disso, a moral
marxista permite mediações, além de não ser uma receita de bolo.
Certa moral surge, é defendida e racionalizada porque ela é necessária.
A moral marxista, na teoria e na prática, não são frutos do pensamento
iluminado – trata-se de uma reação inevitável ao altíssimo grau de alienação em
nossa época.
Sem moral correta, impossível a vitória da revolução socialista. Pois a
moral de um partido é a manifestação de sua realidade interna, de seu estado.
No socialismo não haverá alienação social, pois ela não é um fato ou
fenômeno em si, mais uma totalidade (divisão de classes etc.) social, humana
desumana.
ESTALINISMO
E MORAL
Trotsky escreveu um livreto sobre moral, Moral e Revolução, do qual
seguimos os passos primeiros. Sem conhecer a importância da palavra alienação,
porque os textos de juventude de Marx eram raros ainda, foi no rumo certo, em
tal rumo. Em seu Programa de transição o Manifesto do século XX, disse:
A IV Internacional afasta os
mágicos, os charlatães e os importunos professores de moral. Em uma sociedade
fundamentada sobre a exploração, a moral suprema é a moral da revolução
socialista. Bons são os métodos e os meios que elevam a consciência de classe
dos operários, sua confiança em suas próprias forcas, sua disposição à
abnegação na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram nos oprimidos o
medo e a docilidade diante dos opressores; sufocam o espirito de protesto e
revolta e substituem a vontade das massas pela vontade dos chefes, a persuasão
pela pressão, a análise da realidade pela demagogia e a falsificação. Eis por
que a socialdemocracia, que prostituiu o marxismo, e o stalinismo, antítese do
bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e de sua moral.
Olhar a realidade de frente; não procurar a linha de menor resistência;
chamar as coisas pelo seu nome; dizer a verdade às massas, por mais amarga que
seja; não temer obstáculos; ser rigoroso nas pequenas como nas grandes coisas;
ousar quando chegar a hora da ação: tais são as regras da IV Internacional. Ela
mostrou que sabe ir contra a corrente. A próxima onda histórica conduzi-la-á a
seu cume.
Com a necessária mediação histórica, a classe operária, o que é essa
moral senão a moral contra a alienação, pela humanização do homem?
Ele produziu a obra em meio aos processos caluniais de Moscou, às
perseguições da polícia política secreta GPU, à campanha internacional por sua
desmoralização feita pelos partidos estalinista de todo o mundo. Ele foi,
assim, obrigado a tratar do tema. E o fez de modo apenas inicial, mas genial
ainda assim.
A moral estalinista nada é mais do que a expressão da realidade
estalinista. Os burocratas ditadores precisavam, naturalmente, de certa moral
sua. Daí a calúnia e a matança ser regra. Condena-se os campo de concentração
nazistas – mas não os campos de concentração estalinistas e a morte, nas mãos
de Stalin, da maior parte dos revolucionários que lideraram outubro. Sobre o
assunto, os estalinistas são cínicos.
Nenhuma luta moral, no entanto, resolveria a situação. A materialidade
resolve-se por meio da materialidade mais do que mental e comportamental. Em
desespero, vendo a burocratização do partido e do Estado avançar com rapidez,
Lenin condena Stalin pouco antes de morrer:
Stáline é demasiado rude e este defeito, plenamente tolerável no nosso
meio e nas relações entre nós, comunistas, torna-se intolerável no cargo de
secretário-geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem na forma de
transferir Stáline deste lugar e de nomear para este lugar outro homem que em
todos os outros aspectos se diferencie do camarada Stáline apenas por uma
vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais
atento para com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode
parecer uma fútil ninharia. Mas penso que, do ponto de vista de prevenir a
cisão e do ponto de vista do que escrevi mais acima acerca das relações entre
Stáline e Trótski, isto não é uma ninharia, ou é uma ninharia que pode adquirir
importância decisiva.
A fibra moral de Lenin era mais forte que a fibra de seu coração. Isso
fez do leninismo uma religião falsificada nas mãos do estalinismo, o culto ao
líder.
Apenas se pode defender Stalin e o estalinismo falsificando a história,
mesmo que se use verdades para isso, uma postura do tipo de um reformista ou
centrista anti-liberal, mas não marxista de fato.
Já disse em outro momento, inspirando-me de modo direto em Lenin: o
primeiro dever de um militante é discordar de seus dirigentes. Pensar com a
própria cabeça, negar a alienação, aprender a pensar: torna-se direito e,
ademais, obrigação, dever. Às vezes isso pode custar a vida, mesmo. Mas o
futuro é dos teimosos.
Lukács, que morreu pouco antes de começar a escrever sua ética
(marxista), pensava que o problema da burocracia estatal “socialista” era,
primeiro, algo moral. Com tal premissa, teria errado por todo o livro.
Esta obra não é, em primeiro, uma reflexão sobre como os marxistas devem
se comportar. O foco é tentar uma obra definitiva de ética ou moral. Mas uma
ética social, não setorial, deve ter pretensões generalizantes.
Uma obra de Ética marxista tornou-se mais fácil de produzir porque o
sistema entra em crise também moral, exacerbando as formas de alienação, e o
socialismo é, finalmente, uma possibilidade necessária.
MORAL E ECONOMIA
MORAL E “O
CAPITAL” DE MARX: EXPLORAÇÃO
A grande obra de Marx é, em primeiro lugar, um escrito de economia, no
sentido positivo. Mas seu método é, dito de modo grosseiro, interdisciplinar:
trata-se de história, geografia, psicologia etc. juntos. Eis a dialética, ou
seja, a busca da difícil totalidade.
Os marxistas de baixo nível tentam reduzir a tal obra-prima a algo
objetivista, típico da cientificidade burguesa, como algo sem moral ou
“moralismos”, como pura ciência. Não é para deixar a obra maior em número
páginas que Marx dedica tanto tempo para demonstrar a vida precária da classe
trabalhadora com o advento do capital e do capitalismo. Suas denúncias visam
ativar o senso de moral do leitor – uma obra, antes de tudo, militante. Ele
toma lado, tem projeto.
Nossa tese neste capítulo é este: a categoria marxista e “econômica” de
exploração tem duplo caráter, duplo significado. “Exploração” é tanto objetivo
quanto subjetivo, tanto um conceito econômico quanto moral!
A escolha da chamada taxa de exploração – ou taxa de mais-valor no atual
sistema – não é arbitrária ou uma coincidência. Marx deixa claro que não se
paga pelo trabalho real, mas pela força de trabalho. Um engodo ocorre.
A exploração capitalista obriga, de modo retroativo, a aumentar ainda
mais, se possível, a exploração, logo, a taxa de exploração. Por isso, Marx diz
que a elevação de um polo é a deteriorização do polo oposto – um ganha se o
outro perde. Moral, portanto. Ele dá a base da moral imoral do capitalismo,
embora sua obra não seja um tratado de Ética.
Por várias vezes, Marx cita autores que demonstram como o dinheiro
corrompe almas, perfis, pessoas, a sociedade etc. Não são meras frases de
efeito para agradar o leitor. O dinheiro tem tal poder de corrupção quase
irresistível. Resgatar a moral é destruir a sociedade do dinheiro e o dinheiro
mesmo.
Enfim, um forte senso ou instinto moral motivou Marx. Os incultos de
direita dizem que imposto é roubo, mas não sabem que, no subterrâneo, o imposto
vem do mais-valor produzido pelo operário. Na verdade: lucro é roubo. Marx fez
o impossível: quantificou a imoralidade.
MORAL E
TRABALHO
O trabalho, para Marx, configura-se como necessidade natural do homem.
Ser humano é ser trabalhador produtivo. Eis a fonte do prazer, trabalhador à
semelhança da boa arte, o oposto do desprazer da alienação. Mas é no trabalho
atual quando nos sentimos mal, negados, objetados. Somos coisas no trabalho,
sequer animais. O trabalho é, assim, tortura real, mental e física, porque é
trabalho alienado, para outro indivíduo, explorado. Perde-se a autossatisfação
e autoafirmação artesãs. O trabalho, como puro trabalho, abstrato, afastou o
interesse do trabalhador pela sua concretude.
No entanto, quando desempregado, o trabalhador não passa apenas por
aperto financeiro. Sente mal cada vez mais, sente-se inútil, um fardo ou um
peso. Sua autoestima desaba, seu orgulho fica ferido de morte. O trabalho foi
rejeitado até antes do capitalismo como algo ruim, e hoje é a medida do homem
(mas a medida de todas as coisas, mesmo se parecem ser homens, é o dinheiro…).
O socialismo fará uma nova rejeição saudável do trabalho: tudo possível será
robotizado, automatizado e informatizado. Teremos uma jornada de trabalho, para
nossos padrões atuais, ínfimo, pequeno, como quatro horas por dia, de segunda à
quarta. Além, claro, de um trabalho leve, intelectual e estimulador.
Pensa-se que os campos de concentração nazistas, como os estalinistas,
como apenas depósito de gente, como prisões duras. Na verdade, tais campos eram
tentativas de implementar a escravidão, por isso havia duro trabalho. Na porta
de um desses campos estava escrito: o trabalho dignifica o homem. Não: hoje por
hoje, nega o lado humano do ser humano, deve ser reduzido ao mínimo do mínimo
necessário.
Os economista vulgares enchem a boca para dizer “taxa natural de desemprego!’.
Querem que uma parte dos trabalhadores passe fome para, segundo eles, não haver
inflação. Assim, uma taxa social é dita natural, um a força da natureza… A
burguesia dominante odeia o pleno emprego e suas ondas de greves. Por isso,
quer a economia morna, não aquecida.
Uma jornada de trabalho de 8 horas diárias é, hoje, com a modernidade e
a tecnologia, imoral. Às vezes, com 4 horas destinado ao transporte, mais uma
hora ou mais de alimentação e higiene para o trabalho – algo imoral. Reduzir a
jornada diária para, por exemplo, 5 horas, com o mesmo salário, é necessidade
moral urgente, humanizadora. Trabalhar para viver, não viver para trabalhar. A
dignidade deve ser defendida. O trabalhador fabril sequer tem tempo de cuidar
de sua saúde por meio de exercícios.
Para o senso comum, com razão, a escravidão é, hoje, algo abominável,
inaceitável, imoral. O marxismo descobre que o trabalho assalariado é uma forma
oculta de escravidão, escravidão assalariada. Ambos são imorais! Deve-se,
portanto, acabar com qualquer forma de domínio do homem sobre o homem. Abaixo o
regime de salários! Abaixo o dinheiro! A luta por salário e dignidade forçará
ao fim da forma-salário, forma-preço, forma-capital. Trabalhar para outro ou
morrer de fome – eis a liberdade burguesa! Trabalhar para si e para sua
comunidade – eis a liberdade socialista!
MORAL E
FÁBRICA
Marx demonstra que o patrão é um ditador na sua empresa, mesmo. Dentro
de suas paredes de metal, nenhuma democracia. Se uma operária fala muito de
política, logo o gerente a marca como possível sindicalista ou inimiga. Há uma
luta oculta, recheada de manobras, entre democracia real e ditadura nas
empresas.
Engels, um industrial, denunciou sua própria classe: os burgueses fazem
da fabrica seu harém não oficial. Então, a imoralidade prospera. Mas não para
aí: o ritmo, a velocidade, a quantidade de pausas – tudo é calculado e imposto
sem mais, de cima para baixo.
É muito comum que os patrões tentem impor um produto mais barato, mas
venenoso, na produção, contra a saúde dos funcionários e do meio ambiente. Eis
uma luta moral! Tudo isso ocorre porque é imoral a divisão dos homens em
classes, em ricos e pobres, a dominação o homem sobre o homem
DECADÊNCIA
SISTÊMICA
A decadência de um modo de produção é, também, a decadência de um modo
de vida. No capitalismo, por exemplo, a queda da taxa de lucro para níveis
perigosos exige mais cinismo, mais luta, mais boicote e trapaça etc. Surge a
moral imoral do neoliberalismo, sintoma do fim do capital. Na Roma antiga, as
traições no Estado ganharam relevo nos seus últimos séculos e dias. Isso faz
parecer que o problema todo é algo ético, ou seja, moral: os ideólogos (Platão
etc.) passam, assim, a lutar por certa moral elevada, identificando aí – ao
modo idealista – a raiz de todos os males sociais. É uma ilusão real,
metodológica e prática. Debate-se moral e felicidade exato porque ela está
ausente à mesa do cotidiano.
MORAL E
DINHEIRO
O dinheiro não é neutro. Ele pertence a certo modo de vida, ou melhor, o
modo de vida lhe pertence. É típico do mercado e de sua sociedade, o
capitalismo. Mesmo marxistas experientes pensam que o dinheiro existirá no
socialismo. Eis erro de principiante promovido por quadros estudados… Vejamos
como será a coisa toda. Na próxima sociedade, os trabalhadores terão um cartão
magnético ou aplicativo em celular que dirá ter sido útil à comunidade, ao
estudar ou ao trabalhar, logo tendo acesso gratuito aos produtos da sociedade
nos estoques públicos de seu bairro. Esses dados não circularão, por isso não
serão dinheiro – não serão dinheiro porque não circularão. Melhor: esses dados,
não se acumularão, logo não serão dinheiro nas mãos de poucos (mesmo que esses
“poucos” seja o Estado). Os dados apenas informarão, via internet, ao
supercomputador do centro de planejamento que tal ou qual, ou tanto de, produto
foi retirado do estoque, por isso deverá ser reposto de acordo com o
planejamento central e democrático, além de técnico.
É famosa a frase no meio de esquerda: mais fácil imaginar o fim do mundo
do que o fim do capitalismo! Ora, assim, mais fácil imaginar o fim de tudo do
que o fim do dinheiro. No socialismo teremos outras categorias sociais. O
dinheiro não será “melhor distribuído” – ele terá fim.
A lógica do dinheiro corrompe as almas, mesmo. O dinheiro não é apenas
ele – é ele mesmo e sua acumulação. Dinheiro em busca de mais dinheiro: valor e
capital. É de sua natureza objetiva, social, promover a disputa, a guerra, o
egoísmo, a tara por acumular etc. O inconsciente social faz com que o burguês
pense que quer enriquecer apenas por sua própria vontade livre, pois há
vantagens evidentes nisso, mas ele segue a lei cega e objetiva do capital,
personifica-o, está subordinado ao desejo e à lógica do dinheiro. Sua
subjetividade é a subjetivação da objetividade.
Tudo isso é fácil de observar: famílias, amizades, empregos etc.
quebram-se com altíssima frequência por causa da alma social imoral, a moeda.
Irmãos brigam como nunca pela herança, mal o pai morre. Casa-se por sincero
amor ao dinheiro. Projetos sensíveis são abandonados por falta de verba.
Escolas privadas querem fechar escolas públicas necessárias. Entra-se na
política para roubar. O empresário sonha acabar com os direitos trabalhistas de
quem lhe garante o lucro. E assim por diante, e assim por diante. O mundo
torna-se um mundo invertido, de cabeça para baixo. É um inferno na Terra, pois
todo nosso pensamento está guiado por e para uma coisa que nos controla, apesar
de ser apenas um papel pintado ou menos que isso hoje.
Hoje, o dinheiro é um nada que é, porém, tudo – o próprio Ser, Deus
material. Ou acabamos com ele ou ele acaba conosco. Por exemplo, vejamos: mesmo
indo para rumo à extinção de nossa espécie, as pessoas atomizadas continuam a
desmatar a floresta porque fazer isso lhes dá lucros. O médio prazo que se
dane! De modo geral, apenas resolveremos a crise do meio ambiente acabando com
o império do valor, do dinheiro. Inexiste meio-termo possível sobre: estamos
diante de uma época em que ou resolvemos tudo ou nada se resolve.
O dinheiro garante, enfim, a corrupção. Não se pode corromper bem um
homem dando-lhe uma tonelada de milho que não se troca por dinheiro. Já o
dinheiro troca-se por qualquer coisa, fácil de transportar, fácil de valorizar
(juros!), não se deteriora, fácil de esconder, fácil de guardar etc. Suas
características são corruptoras, geram a “boa” condição para corromper. Abaixo
o dinheiro! As propriedades de tal objeto empurram para degenerar a moral comum
como se uma força irresistível.
Veja bem. Uma sociedade abundante é a base da solidariedade, do fim da
exploração, do fim da alienação, do reino felicidade e da liberdade etc. Mas
uma sociedade abundante coloca em crise o dinheiro, pois o preço não compensa,
o preço tende a ficar abaixo dos custos de produzir! O mercado, o dinheiro,
serve à e alimenta-se da escassez real ou, em nosso tempo, artificial.
MORAL E
SOCIALISMO
Trotsky acerta quando diz que o homem do futuro pouco parecerá com o
atual revolucionário. Ele será mais doce, mas a educação pública cuidará de
fazer dele forte e autônomo. Os sacrifícios revolucionários de nosso tempo
serão objeto de elogio mais parte de algo ainda bárbaro – o heroísmo forçado
pelas circunstâncias. Tempos de barbárie e tempo de heróis andam juntos. O modo
de vida socialista terá sua própria moral não revolucionária, fruto da
realidade específica não revolucionária.
FETICHE:
COISIFICAÇÃO DA LIBERDADE
A teoria do fetiche de Marx significa que algo social aparece como
coisal, significa que uma relação social aparece como relação social entre
coisas e o homem é coisificado. Nós temos a coisificação da liberdade humana,
da igualdade e da fraternidade.
A liberdade humana parece ser a liberdade de ter algo ou propriedade
privada, além de pessoal. Da minha casa para dentro, sou o rei. Não porque é
meu lar íntimo humanizado, mas porque me pertence coisalmente. Quanto mais
propriedade ou dinheiro, mais liberdade.
Assim, somos iguais porque trocamos coisas, não por uma relação
diretamente humana. Assim, somos fraternos porque estamos no mercado como
proprietários privados, não como proprietários sociais. Seríamos livres na
medida das trocas ditas voluntárias.
Liberdade, igualdade e fraternidade são coisificados, fetichizados. Eles
não seriam frutos de relações sociais, mas coisais.
Em sua ética, Aristóteles expressa:
Ora, a retribuição é garantida pela conjunção cruzada. Seja A um
arquiteto, B um sapateiro, C uma casa e D um par de sapatos, O arquiteto, pois,
deve receber do sapateiro o produto do trabalho deste último, e dar-lhe o seu
em troca. Se, pois, há uma igualdade proporcional de bens e ocorre a ação recíproca, o resultado que mencionamos será
efetuado. Senão, a permuta não será igual, nem válida, pois nada impede que o
trabalho de um seja superior ao do outro. Devem, portanto, ser igualados.
Somos iguais porque nossos produtos são igualados como mercadorias. Por
isso, Marx afirma que o reino aparencial da circulação reina com liberdade,
igualdade, Bentham e fraternidade. Tudo se iguala porque as mercadorias estão
igualadas.
Mas somos escravos das coisas, do dinheiro em especial. É preciso ter
para ser. Ninguém é se faminto. O socialismo também é o reino do ter – desta
vez, para que o indivíduo possa ser. É curioso que quase todo mundo, no Brasil,
em quase todo o globo terrestre, deseje ser ou advogado, ou médico, ou
engenheiro. Apenas. A verdade é que a vocação ou o talento quase nunca pende
para tais profissões. Algo estranho naturalizado ocorre, portanto. Em parte, o
sujeito torna-se coisa para o chamado mercado de trabalho – o salário e o
prestígio da medicina geram um poderoso campo gravitacional. Adapta-se a uma
força invisível, que impõe suas vontades.
Com o capitalismo, o mundo duplicou-se: parece que somos iguais, parece
que somos pagos pelo nosso trabalho, parece que o Estado é um mediador não
classista etc. O socialismo, enfim, encerra tal duplicação, tornando tudo
transparente mais uma vez, de novo modo. O que no capitalismo é aparência e
farsa ou ilusão objetiva, – como liberdade, igualdade e fraternidade: formais –
será, em muitos casos, essência real no socialismo – como liberdade, igualdade
e fraternidade: reais, substanciais, essenciais. O capitalismo anuncia o
socialismo, mesmo se com trombetas desafinadas. Pesando a mão e desleixando do
rigor: o capitalismo é o reino da aparência; o socialismo, da essência.
A liberdade, a igualdade e a fraternidade reais não são do tipo
coisificado, reificado, fetichizado. É uma relação humana direta, que subordina
o coisal mediador. E um fruto histórico, não apenas natural externo. Hoje, as
mercadorias fluem quase de todo livremente pelo mundo – e você?
A FARSA
MORAL DO CAPITAL
Um sistema de vida precisa justificar-se, mesmo que pela mentira, mas o
capitalismo produz uma ilusão concreta e objetiva, não apenas e em primeiro
algo subjetivo (a categoria de ilusão concreta, ou objetiva, apareceu como
necessária em minha pesquisa). A farsa moral do capital está, por exemplo, no
fato de parecer – com dados sensíveis empíricos – que o trabalhador é pago de
maneira integral por seu trabalho, não pelo preço de sua força de trabalho. O
lucro, o preço extra acima dos custos de produção da mercadoria, parece vir do
cálculo frio e objetivo do burguês diante do mercado, da concorrência; mas o
(mais-) valor e o preço “a mais” vem do trabalho manual não pago do operário,
algo oculto. Parece que o capitalista enriqueceu por esforço e genialidade
próprios, não por uma história de escravidão e outras imoralidades nas quais
está lastreado seu dinheiro e seu prazer de vida – e não parece que o
trabalhador o enriqueceu. O juro parece vir do empréstimo, dinheiro a gerar
mais dinheiro, mas seu fundo de lucro é o trabalho manual e o trabalho manual
não pago. Parece que o trabalhador é nada diante das colossais e caríssimas
máquinas (capital fixo constante, trabalho morto), mas ele é tudo. Parece que a
democracia existe de fato, mas é uma forma para que os pobres não matem os
ricos. A forma de contrato entre o patrão e o trabalhador é a forma de um
contrato livre e mutualmente aceito na circulação, mas é escravidão assalariada
na produção, como se por detrás da vida cotidiana – ou trabalha para outra
classe social, de conjunto, ou morre de fome; o fato de o trabalhador
individual poder mudar de patrão individual oferece a ilusão de escolha e
liberdade, mas, visto em totalidade real, o conjunto da classe trabalhadora
serve ao conjunto da classe dos ricos, à burguesia.
MORAL E
ECONOMIA
Óbvio para um marxista: a moral serve à economia, incluso em suas
contradições, e, em última instância, deriva desta. A função social da moral
está no centro econômico e, logo, na luta das classes. Mas dizer isso, para
nós, ainda é dizer pouco, afirmação de princípio apenas. A economia, para
funcionar, precisa estimular certa moral, mas cria também condições de
moralidade que trava suas engrenagens.
Temos, portanto, a moral estrutural, como a coragem em si enquanto
valor, também lastreada na essência humana – ser integrado, ser mutuaista e ser
ativo. Tal moral é, também, em si e para si, natural. Por outro, temos moral
conjuntural, diacrônica, vinda do modo de vida em cada tempo, em cada época, em
cada modo de sociedade – em parte consciente e em parte inconscientemente
estimulada. Claro que as duas morais podem entrar em contradição.
CRISE GERAL DOS VALORES
Pelo que temos demonstrado ao longo desta obra, a crise do valor
econômico levou à crise do valor moral – e dos demais valores, como o
artístico. Há uma crise geral do valor.
MORAL E RELAÇÕES
SOCIAIS
MORAL E
TRIBALISMO
A tribo
tinha a moral como sua substância sem nela muito pensar. Sua moralidade
desenvolveu-se. Por exemplo: podia-se fazer sexo com filhos, mas, com a
deformação nos nascimentos, logo se deduziu que os deuses condenavam tal
atitude, mudando a moral. Alguns, praticavam canibalismo; vez ou outra,
percebiam o prejuízo disso.
Os antigos
abandonavam seus velhos – como o capitalismo hoje não quer pagar aposentadoria
aos trabalhadores anciãos. Naquele caso, por escassez. Neste, veja só, por
excesso e abundância. Causas opostas com efeitos iguais em diferentes
circunstâncias.
É evidente
que a coragem era um valor nobre dos tribais, contra a valorização da covardia
no capitalismo. O indivíduo era pouco – o coletivo era tudo, condição direta de
sobrevivência do singular e do geral. São os heroísmos forçados pelas
circunstâncias.
Nós nos
apaixonamos pela moral indígena raiz, mas ela é sintoma apenas da moral
superior socialista. As tribos são o comunismo da miséria, são obrigados a
serem igualitários – o socialismo é o comunismo da abundância, a livre
associação dos homens de fato livres, substancialmente.
MORAL
OPERÁRIA, MORAL POPULAR
Não
romantizamos o mundo operário, nem o infantilizamos. Nosso foco é, portanto,
dizer a coisa tal como ela é.
Numa
ocupação de terra rural, a coletividade, unidade e a disciplina torna-se
máxima. Depois, terra ocupada, a solidariedade deixa de conduzir os sem-terra:
disputam, brigam até, por qual pedaço será seu ou do outro. Algo semelhante
ocorre em ocupações urbanas: qual rua será asfaltada?
Na ocupação
de fábrica, ao contrário, se a empresa passa a ser gerida pelos seus
funcionários, não se pode dividir a máquina em pequenos pedaços, um para cada
um; por isso a coletividade permanece.
LADROAGEM E
MAIS-VALOR
Para tirar o
peso dos capítulos anteriores, vale a pena, antes de mais avançar, focar num
aspecto de imediato colateral. Aqui, o tema é este: há uma luta de classes da
qual faz parte a ladroagem, parte do lupemproletariado.
No Brasil,
imensamente comum que, ao nos prepararmos para sair de casa, calculemos a
possibilidade de sermos assaltados ou roubados e quais devem ser as decisões
pra evitar isso. O país socialista do futuro saberá que isso era uma rotina da
rotina bárbara de seus avós ou pais. Por isso, aqui é um bom cenário para dizer
de tal relação que ela é uma forma de luta de classes aberta, de pequena guerra
civil informal, na forma de guerra de guerrilha urbana.
Quando um
assaltante rouba dinheiro e um celular, ele está roubando uma parte do valor
produzido pelo operariado – na forma de dinheiro ou na forma de valor de uso.
Bom para ele, perda de valor para a vítima. Sem saber, o ladrão está disputando
uma parte do valor global da sociedade – o faz, mas não o sabe.
A luta de
classes tem vários rostos. Por isso, o romantismo esquerdista de pensar o
ladrão como um subversivo ou um inimigo real do Estado é pura inocência de
ativistas vindos das classes médias. Há que se escolher um lado: ou o do
trabalhador cansado por causa da disciplina ou do assaltante. É bem possível
que o inimigo do assalariado seja uma vítima social de fato, porém degenerou-se
e tornou-se, como dito, um adversário da principal classe revolucionária. A
falta de foco nisso leva a que a esquerda, os comunistas em especial, não tenha,
hoje, nenhum programa firme de combate à violência, ao tratamento digno ao
detento (para que não faça da prisão uma universidade do crime), à organização
das forças de segurança e assim por diante.
Há algo
ainda a ser dito.
A ladroagem
é uma atividade econômica em si e para si. E mais: ela afeta as características
da economia. Neste sentido, vejamos o mais destacável. O roubo do ouro no fim
da idade média estimulou o desenvolvimento dos bancos – que, como se sabe,
também são ladrões –, pois o banqueiro guardava o dinheiro na forma de metal e
oferecia ao poupador um papel representando este ouro; ora, com o tempo, este
mesmo papel substituiu o ouro, tornou-se dinheiro-papel. Hoje, os roubos a
bancos tendem a ser superados, na forma atual, com a digitalização do dinheiro;
os próprios assaltos a banco tendem a estimular a virtualização da moeda.
Nas favelas
dominadas pelo tráfico e pelas milícias, tais espaços urbanos precários
tornam-se unidades econômicas, “feudos” capitalistas. Cumprem função de Estado,
como ao proibir roubos naquela região, ao mesmo tempo em que exploram
economicamente a comunidade.
No Brasil,
como cenário e base, é mais fácil de observar o caráter econômico da ladroagem.
MORAL E AÇÃO
SOCIAL
A moral, o
que rege a relação do homem com o homem e do homem com o mundo, não é coisa;
sua atividade nunca é específica. Ao contrário, certa moral permeia o mundo
social e os homens, por meios deles e neles. É sua prática, o abstrato
concreto.
O ÓDIO
POLÍTICO
Diante da situação reacionária no Brasil e no mundo, a esquerda fez
campanha contra o ódio, em defesa do amor e do diálogo (pedindo, assim, que o
inimigo na ofensiva não atacasse). Isso é reformismo do pior tipo. As pessoas
não estão odiando à toa, pois o desemprego e a precarização batem à porta; a
classe média, falando de outro grupo social, irrita-se com sua fragilização ou
com pobres usando aeroporto. A luta de classes é inevitável, logo é necessário
que ela tenha como motor os nervos pessoais, a raiva acumulada. Se tal ódio não
se expressa de forma positiva, criativa, poderá transmutar-se em
desmoralização, tristeza ou depressão e impotência, individual e social. São
tempos de forma sem conteúdo, de café descafeinado, de suco artificial, de
corpo sem pulsão, de mercadoria sem valor novo – dirá o, no mais, medíocre
marxista Slavoj Žižek. Se não é fruto de acasos, o ódio importa, mesmo e em
principal o ódio de classe dos assalariados contra os ricos, dos ricos contra
os assalariados. O reformismo quer resolver tudo na base do voto, não da luta, quer
o bom comportamento logo quando se deve destruir o comércio no templo. A emoção
e a razão não são apenas opostos e nem sempre contraditórios, um limitando o
outro; eles podem estar juntos, um impulsionando o outro e vice-versa, em
unidade destrutiva-produtiva. O partido revolucionário deve estimular este ódio
com a situação e a coragem, a ação ousada. Sem fortes sentimentos, nada
grandioso e racional será feito. “Nada grandioso no mundo foi realizado sem
paixão”, afirma Hegel. O pacifismo derrotista de nada nos serve, pois há horas
para o máximo diálogo e há outras para o máximo confronto. O ódio como
sentimento apenas e sempre negativo é filosofia e política da pior qualidade.
MORAL E
LIBERDADE
Em comentário informal, Valério Arcary afirmou que o lema “liberdade,
igualdade e fraternidade!” avisa que cada um da tríade apenas pode existir se
com o outro. Mészáros, defende a liberdade e a igualdade substantivas, mais do
que formais. De fato, a liberdade apenas existe se com igualdade, vice-versa, a
igualdade apenas há se com liberdade. É uma tríade una. A afirmação da
individualidade é anticapitalista, pois o atual sistema nega o desenvolvimento
pleno do indivíduo. Afirmar-se é quebrar o capitalismo. Assim, ao
individualizar o homem, o capital cria sua cova e seu coveiro.
MORAL E OPRESSÃO
O machismo, o racismo, a homofobia, a xenofobia etc. são formas de 1)
domínio do homem sobre o homem, 2) desumanização de membros de sua espécie.
Ligado ao combate operário, deve-se combater as opressões. Dividir para
governar é a regra da burguesia na luta das classes.
Mas devemos confiar na causa, não ter medo da realidade nos refutar. Os
homens e as mulheres são iguais ou diferentes? Ou um ou outro! Na verdade, um e
outro: são iguais e diferentes ao mesmo tempo. De modo não determinista nem
total, os homens tendem um pouco mais à violência e as mulheres, ao cuidado.
Mas isso não determina destinos e perfis, pois somos sociais – naturais
socializados.
O machismo, o racismo etc. são ideologias que geram sua própria
justificativa. As mulheres gregas eram consideradas de pensamento inferior, por
isso, elas eram excluídas, por isso, tinham pensamento inferior – por causas
sociais, não naturais. Os homens brancos portugueses consideravam os de pela
negra como inferiores; isso gerou pobreza entre os negros e seus descendentes,
logo, os de pele escura são, por probabilidade social, mais dos membros
ladrões, assaltantes etc.; na aparência, para os racistas, ser negro é ser
vagabundo – mas a causa real é social, não natural. É como uma profecia que se
afirma e se “confirma” exato porque foi profetizada. É um tipo de mecanismo que
nomeio pseudonaturalização do social, mas podemos criar nomes melhores.
A homofobia existe porque casais do tipo não produzem nova mão de obra,
filhos. O machismo existe porque o homem não quer trabalhar no cuidado dos
filhos, na cozinha, no zelo da casa. O racismo surgiu para escravizar negros. A
xenofobia existe para separar e dividir os trabalhadores e, assim, reduzir
salários. Há outros fatores, mas esses hoje imperam. Por exemplo. A tarefa não
é dar tarefas ao homem na casa (mas ele, naturalmente, deve ajudar), mas tornar
social um custo que só cai sobre as mulheres – creches, lavanderias,
restaurantes públicos, gratuitos e de qualidade, além de obrigatórios nas
empresas.
MORAL:
ADAPTATIVOS E ATIVOS
Friedrich Nietzsche afirmou que há ativos e reativos. Os primeiro são
talentosos e solitários, expansivos; os segundos, menores e andam em bando. Ele
generalizou isso para as classes de modo imprudente (defendeu, por exemplo, o
massacre da Comuna de Paris). Percebe-se que há outra divisão: os ativos e os
adaptativos. Os ativos elaboram, tentam, agem, comovem, pensam com a própria
cabeça, insistem. Os adaptativos pensam do seguinte modo: O que devo falar e
fazer para ser aceito no grupo em que estou hoje? Como entrar em harmonia com
meu grupo? Qual lado devo escolher para evitar prejuízos pessoais? É com
espanto indisfarçável que vejo ex-socialistas – embora não confessem que são ex
– que até ontem defendiam a revolução comunista hoje apoiarem o governo. Bastou
saírem de um partido para outro para mudar seus pensamentos, opiniões, posições
e ações. Acomodam-se ao meio ambiente. Mas esse tipo fica para trás na
história. Vele citar que, na revolução russa, Kamenev e Zinoviev, fizeram dura
campanha contra a revolução, contra a tomada de poder pelo partido deles, o
Bolchevique, presos à onda reformista e parlamentarista, mas depois assumiram
cargos no partido e no governo soviético.
Ninguém é, via de regra, apenas adaptativo ou apenas ativo. Mas é comum
também: o ativo se adaptar como ativo – o adaptativo ser ativo enquanto
adaptativo.
LIBERDADES
NEGATIVA E POSITIVA
Para Kant, a liberdade negativa é independência da natureza e do
contexto; ao contrário, liberdade positiva, junta àquela, está em fazer as
próprias regras, de modo independente. Para nós, liberdade negativa é o caos,
viver sem regras e de modo leviano – o egoísmo exagerado, para além da
individualidade, do capitalismo é um modo de negativa liberdade; ao contrário,
a liberdade positiva tem ordem dinâmica, porém dinâmica, pois, por exemplo,
disciplina é liberdade; deve-se guiar-se de mente aberta para acidentes, novas
possibilidades e bons resultados muito não ideais. A positiva liberdade tem
algo de caos dentro de si, subordinado a si, emoção com razão; reconhece e
respeita a natureza, o contexto e os destinos nobres da humanidade, ou seja,
quer melhorar o mundo de algum modo.
MORAL E REDE
SOCIAL VIRTUAL
Os demais dão-nos medida; mas, quando estamos no mundo virtual amplo,
por menor ameaça potencial direta, tendemos a perder a noção, a ser agressivos
etc. Porém, o mais importante é que, aberto ou velado, quase tudo postado em
tais espaços virtuais é sobre moral.
MORAL E
SUPERESTRUTURA
MORAL E
MAIS-PODER
Temos a mais-valia, o mais-capital, o mais-trabalho, o mais-produto e o
hipotético mais-gozar. Penso que há o mais-poder. O poder geral da sociedade,
algo desenvolvido, torna-se desigualmente distribuído. O poder maior da
burguesia é um poder menor, menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma
zero. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos mercadológicos
que buscam um conceito novo, artificial e exótico para ganhar mídia e espaço
acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim abstrato. Tal luta também é
pessoal.
Com sua inocência, inevitável em sua época, Rousseau afirma que nenhum
homem deve ser tão pobre a ponto de ter que se vender, nenhum homem deve ser
tão rico a ponto de poder comprar outros homens. O mais-poder (político,
econômico, machismo etc.) é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade
da abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso
abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder
concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da
inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos
temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para
o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.
MORAL E
REALIDADE
A versão popular e vulgar do pensamento de Rousseau afirma que o homem
nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Ora: mas quem corrompeu a sociedade? O
homem? Ficamos, então, num loop infinito sobre qual é a causa primeira, quem
detonou quem. A resposta materialista e dialética parece ser esta: o homem cria
seu próprio mundo, o mundo social, mas tal mudialidade, que produz o mundo das
coisas, escapa de seu controle, as coisas dominam os homens atomizados, ganham
autonomia. Assim, a sociedade coisificada corrompe o criador dela por meio de
leis cegas, não decididas por ninguém – já que estamos em guerra uns contra os
outros. O falso Ser coisal quer coisificar tudo, incluso o homem. A sociedade
não é, imunda e imoral Margaret Hilda Thatcher!, a mera soma de indivíduos: ela
é homens, coisas, ideias (sentimentos, morais etc.) e suas interrelações.
MORAL E ARTE
Em nossa crítica de outras obras, veremos que direito, religião, trato
social e política são derivações concretas da moral abstrata. Esse o caso de
outro abstrato, a arte. E ela é contaminada pela moral de sua época. Por isso,
gozamos da vitória do bem contra o mal nos filmes. O recado é que, ao menos no
final, a bondade compensa. Na antiguidade, a arte era controlada exato para ser
meio de ensinamento de valores e outras artes. A arte está, via de regra,
impregnada pela moral de sua época como um vestido que deve sempre vestir se
não quer passar vergonha. A arte lubrifica as relações sociais morais, como a
tribo fortalecendo sua unidade coletiva dançando inteira junta ao redor da
fogueira. Jogando com palavras, ritmos e sentimentos; a arte tem valor educativo,
normativo, na consciência e no inconsciente, ajuda a formar certo senso comum,
mesmo que o artista não o queira. A cartase estética é, também, cartase ética.
MORAL,
PORNOGRAFIA E PROSTITUIÇÃO
Regina
Navarro Lins afirma com frequência que o que foi pornográfico (imoral, logo)
ontem, passa a ser comum e aceitável hoje ou amanhã. O modo como nos vestimos
seria escandaloso e inaceitável nos séculos passados desde a cristandade.
Nesse
assunto, a esquerda tem o pé direto fincado. Boa parte da esquerda é criação
das igrejas cristãs, que influencia nossos valores. Afinal, mais fácil uma
agulha a um rico… Mas é o pé errado: a masturbação, por exemplo, nenhum pecado
materialista torna-se.
A
pornografia é mais uma forma nova, muito imperfeita, de viver a sexualidade.
Não há evidências científicas de que ela vicia ou faz mal. No entanto, como
para a psicanálise tudo é sexo (trabalhamos para vencer a guerra pelo sexo
etc.), sentir prazer sexual sem trabalho, sem o esforço de conquista, degenera
uma deformação mental, como menor tolerância ao esforço e à frustração.
Apoiamos esta tese: mas, em geral, a psicanálise, com razão, não é contra
pornografia e masturbação moderada – apenas condena o exagero.
Mas devemos
evitar a terra sem lei: exploração, mau pagamento das atrizes, exposição
involuntária, pedofilia etc. devem ser duramente reprimidos.
Para os marxistas, o trabalho assalariado,
servir a outro ou morrer de fome, torna-se uma imoralidade. Tanto a escravidão
quanto o assalariamento são imorais, perversos e dignos de combate. Dito isso:
em geral, o trabalho alienado assalariado é a forma mais antiga de
prostituição. Uns prostituem o cérebro e as mãos; outros, o órgão sexual. Não
há diferenças qualitativas aí. Mas a esquerda trata o sexo como, ao mesmo
tempo, o mais sagrado e o mais profano dos profanos – tal e qual a Igreja. Em
geral, o casamento também é prostituição, de longo prazo, mas não somos firme
em seu combatem como os moralistas fazem contras as trabalhadoras sexuais.
MORAL E
PROTESTANTISMO
Quem tem
formação básica sabe que as rupturas religiosas da Igreja deram-se porque
surgia um mundo novo, o mundo do dinheiro. Era preciso uma ideologia religiosa
da prosperidade e do capital. Não entraremos na autoria teórica (Weber), ainda
o debate é outro.
Os pastores
ficam constrangidos com o novo testamento, com Jesus, uma das figuras mais
apaixonantes da história mundial, que diz: antes um camelo a um rico, a
caridade é maior que fé, deve-se combater o império, o dinheiro é demoníaco,
bebamos vinhos e andemos com as prostitutas, atire a primeira pedra apenas se…
etc. Focam, por isso, no velho testamento, a antiga aliança, não a nova, que
tem o Deus da guerra, o Deus vingativo e sádico, a imensidão dos desastres etc.
Da boca de tais farsantes ouvimos muito as palavras demônio e homossexual.
Do ponto de
vista ideal, tais congregações crescem com velocidade porque estão de acordo
com a moral dominante: dinheiro, querer mais dinheiro. É a teologia da
prosperidade. Já a Católica é muito medieval (por isso, pende parcialmente ao
anticapitalismo, como dirá Michael Löwy), passiva, humilde – e repetitiva em
seus ritos.
Vejamos a
defesa escravista do velho livro:
“Meras
palavras não bastam para corrigir o escravo; mesmo que entenda, não reagirá
bem.”
Provérbios
29: 19.
“O escravo
que é mimado desde criança um dia vai querer ser dono de tudo.”
Provérbios 29: 21.
"Os
seus escravos e as suas escravas deverão vir dos povos que vivem ao redor de
vocês; deles vocês poderão comprar escravos e escravas. Também poderão
comprá-los entre os filhos dos residentes temporários que vivem entre vocês e
entre os que pertencem aos clãs deles, ainda que nascidos na terra de vocês;
eles se tornarão sua propriedade."
Levítico 25:
44-45
"Se um
homem vender sua filha como escrava, ela não será liberta como os escravos
homens."
Êxodo 21: 07
Ao “povo
escolhido”, o problema não é escravidão – é eles não serem senhores de
escravos! A proibição de comer porcos, frutos do mar (incluso peixes), fazer a
barba, usar dois tecidos, tocar mulher menstruada etc. Tudo isso é ignorado,
mas a condenação da homossexualidade é aceita como lei maior.
Preferimos
os primeiros comunistas cristãos, embora utópicos:
Todos os que
criam estavam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens,
e dividiam o produto entre todos, segundo a necessidade de cada um.
Diariamente, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas
casas e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de
coração.
Atos 2:45
Embora nunca
tenha confessado, Marx inspirou-se nesta passagem. Ele defendeu que a bandeira
comunista mundial do futuro tenha tal lema: “A cada um segundo sua necessidade,
década um segundo sua capacidade!”.
De fato, o
dinheiro, que não aceita limites, quer acumular cada vez mais e sempre, é o que
a Bíblia nomeia Mamóm, o demônio pagão do dinheiro. Quando o Estado põe “Deus
seja louvado” no dólar e no real, está dizendo, de outro modo, que seu deus
real é a moeda.
No fundo, os
fiéis sabem da farsa que é seu pastor. Mas precisam de um pouco de teatro, um
pouco de convívio para superar a solidão, um tanto de prazer por solidariedade
etc. Por isso, têm de afirmar toda vez e de modo insistente sua fé: pois, hoje,
tendem a ser ateus naturalmente. Drogas, mesmo que não químicas, relacionais,
são necessárias para suportar a vida - alienada. Se duas pessoas se unem contra
a solidão apenas para combater de modo direto tal sentimento, tudo é
constrangedor, nada funciona; nem conversa há. Assim, a religião oferece
objetos concretos e abstratos para termos uma desculpa para nos encontrarmos,
para termos o que fazer e o que conversar. No mais, saber que há anjos e
demônios lutando por aí faz a vida parecer mais interessante, como um filme,
menos tediosa, estressante e limitada.
Os
comunistas cristãos podem contar, também, com as seguintes citações da Bíblia:
“Bendito
sois vós, os pobres, pois herdarão o reino dos céus! Mas ai de vós os ricos!”.
(Lucas 5:27-28)
: “É mais
fácil um camelo entrar numa agulha que um rico adentrar o reino dos céus.”
(Lucas 18:18-25 / Mateus 19:20-21)
“O homem rico é sábio aos seus próprios
olhos; mas o pobre que é inteligente sabe sondá-lo”. (Provérbios 28:11)
“Mas os que querem ser ricos caem em
tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de
toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se
traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas
coisas, e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão.”
(1 Timóteo 6:9-11.)
“Quem amar o dinheiro jamais dele se
fartará; e quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também isto é
vaidade” (Eclesiastes 5:10).
“Não acumuleis para vós outros tesouros
sobre a terra, onde a traça e a ferrugem corroem e onde ladrões escavam e
roubam; mas ajuntai para vós outros tesouros no céu, onde traça nem ferrugem
corrói, e onde ladrões não escavam, nem roubam; porque, onde está o teu
tesouro, aí estará também o teu coração. São os olhos a lâmpada do corpo. Se os
teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos
forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti
há sejam trevas, que grandes trevas serão! Ninguém pode servir a dois senhores;
porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e
desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6:19-24)
“Por ora subsistem a fé, a esperança e a
caridade – as três. Porém, a maior delas é a caridade.” (1 Coríntios 13:13)
“E as multidões clamavam: Este é o
profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia! Tendo Jesus entrado no templo, expulsou
todos os que ali vendiam e compravam; também derribou as mesas dos cambistas e
as cadeiras dos que vendiam pombas. E disse-lhes: Está escrito: A minha casa
será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de
salteadores.” (Mateus 21: 11-13)
MORAL E ATEÍSMO
Afirma Dostoievsky: “Se Deus não
existisse, tudo seria permitido”. Ora, mas existe a educação, a natureza
humana, a empatia, a lei e o Estado etc. Em geral, os ateus das classes
trabalhadoras são pessoas acima da média na questão moral. Por quê? De um lado,
o meio teatral da religião lhes escapa; de outro, eles precisam dar sentido à
vida por meio da prática e de sua (re)significação. Há uma dose de inteligência
também influenciando – mas boa moral e inteligência nunca serão sinônimos.
MORAL E
GUERRA
A única
guerra moral é a que liberta um povo, seja do capitalismo ou seja do
imperialismo. Dito isso, o senso comum pensa a guerra como casa de ninguém, o
vale-tudo enquanto máxima. De fato, a regra da guerra é enganar o inimigo. Mas,
mesmo aí, os países e corpos de força foram obrigados a seguir certa conduta,
um mínimo de civilidade. Assim, se um grupo de combate rende-se, deve-se, via
de regra, de modo recíproco, aceitar a rendição e manter os rendidos, agora
prisioneiro, vivos. A objetividade de origem é, também, esta: se garantimos que
os desistentes serão bem tratados, mais inimigos quererão desistir. De outro
modo, os seus desertores devem ser fuzilados em punição, ao menos uma parte
deles para ser vir de exemplo sem perder tantos combatentes.
A violência
pode ser um ato moral, portanto. É uma força produtiva, não apenas destrutiva,
tal como o ódio. Espancar um homem machista que espanca a “sua” mulher é um ato
louvável. Deve-se odiar a burguesia e o fascismo, por exemplo. A moral é
relativa, ou melhor, relativamente relativa, sem cair no poço sem fundo do
relativismo.
Lukács
defende a tese de impacto de que a violência é social, humana, não natural. A
violência animal não é, assim, violência alguma ou real. Resolvemos isso
adotando a categoria de “natural socialmente modificado, adaptado ou
desenvolvido”.
MORAL E
TOTALIDADE
A vida
individual é acidental, contingente e caótica. Uma solução é ligar sua vida ao
destino da totalidade. Assim, a militância socialista liga o indivíduo ou
gênero e seu destino.
MORAL E
SUPERESTRUTURA
Superestrutura
divide-se em duas: a subjetiva (moral, sentimento, direito, política, arte
etc.) e objetiva, em resumo, instituições. Em seu desenvolvimento, no
desenvolvimento social, a moral passou para a arte, para o direito, para a
política, para a religião. Uma vez criados, ganharam autonomia cada vez maior,
novas funções.
MORAL E
NEUROCIÊNCIA
A
neurociência é a área que mais avança por causa doa avanços técnicos e por seu
um terreno relativamente novo na sua atual configuração. Mas ainda é um bebê,
belo e imaturo.
Tal área
demonstrou que a configuração do cérebro impõe certa conduta, ou seja, certa
moral. Por exemplo: descobriu-se que um pedófilo assim agia porque tinha câncer
cerebral; tirou o tumor, parou o hábito; mas o retornou de novo, pois o tumor
retornou. È famoso o caso, também, do homem cujo cérebro foi atravessado pro um
bastão de ferro – tornou-se irritadiço, agressivo, impaciente e intolerante.
Pessoas de
direita costuma ter mais nojo, mais sensibilidade. Mas, de certa forma,
esquece-se nisso a historicidade de tal movimento político. Pessoas de esquerda
são, claro, via de regra, mais solidárias. Já os fanáticos políticos, de
qualquer cor, tendem a ter sérios problemas sexuais, como impotência.
A moral é,
primeiro, inconsciente; mas o cérebro é plástico, moldável e adaptável. Isso
nos leva ao seu desenvolvimento. É evidente que o aparelho psíquico do
adolescente é incompleto, mais perto da impulsividade e do risco (as meninas
também são assim, mas reprimidas – então, por exemplo, namoram, maus exemplos
etc.). A própria realidade, ao frustrar algumas ousadias, ajuda a desenvolver o
aparelho mental que já evolver naturalmente. Por isso, o voto dos jovens não é
obrigatório, mas facultativo – um acerto em si.
Dirá o
poeta: nós, que temos ideias tão modernas, somos o mesmo homem que vivia nas
cavernas. Somos naturais – mas naturais socialmente modificados, adaptados,
mediados. O pós-modernismo e o marxismo vulgar relacionalista-sociológico,
afetado por aquele, pensam que somos apenas frutos do meio, somos apenas
construções sociais – sem contradição. O corpo seria mera carcaça. A dialética
passa longe deles: somos, antes, animais, antes de sermos sociais – afirmação
de Marx contra o idealismo, a filosofia de sua época e a religião (afirmação
feita mesmo antes de Darwin lançar sua revolução). A negação disso é a
alienação, uma dentre suas formas sociais. Somos animal social; animal, porém
social – social, porém animal. Quando Freud diz que tudo gira em torno do sexo,
diz muito e de modo materialista; pois, para o marxismo, o homem produz
ferramentas e relações sociais para satisfazer necessidades reais – incluso as
sexuais, cujas gravidades e centralidades na psique e no corpo são enormes.
Sociedade precisa, pelo menos, se reproduzir… Claro: mudamos, adaptamos
socialmente, na história, o modo de sexualizar.
MORAL E
MORTE
Ainda por
enquanto, a morte não foi enganada pela técnica. Quando e se ocorrer, gerará
uma crise social: Deus? Aposentadoria? Para Camus, devemos aceitar a morde em
forma de revolta contra o destino, mas nada de revolução socialista… Para
Heidegger, somos um Ser para a morte, logo devemos criar uma boa vida enquanto
vivos. O pior é alcançar a velhice sem ter vivido a vida, ter um mau balanço da
própria história. Alguns escapam disso coma ilusão da vida após a morte: eu
vivo, eu morro, eu vivo de novo… Mas é caminho perdido. Morrer sempre será um
desastre da existência. Mas, como é inevitável, devemos lidar o melhor possível
com o fato futuro.
MORAL E
SUICÍDIO
É claro para
o marxismo que suicídio costuma ser reação desesperada contra a alienação,
contra a vida sem sentido. O mundo pesa mil toneladas sobre nossas cabeças.
Quando a depressão começou a ser regra, também iniciou o hábito de romantizar o
tiro sobre a própria nuca. A necessidade é, assim, tomada como se fosse
vantagem. De fato, em situações raras, suicídios podem ser heroicos
(explodir-se último com os fascistas numa guerra desesperada contra eles), mas
não é a regra. É, via de regra, moral o suicídio? O autor dessas letras tentou
quase que 10 vezes, todas falharam para minha sorte; portanto, há certa
autoridade pessoal no assunto… A objetividade constrange a consciência de modo
insuportável. O suicídio é condenável porque pune a pessoa errada.
MORAL E
APARELHO PSÍQUICO
Na
psicanálise, temos Superego (superEu), responsável pelo 1) ideal de Eu, 2)
repressão interna; temos o Eu, ego, como mediador, o meio-termo; Temos, enfim,
o ID, desejo e instinto. Cada um com seu impulso e nível de energia, tenta
impor-se sobre o outro. Por isso, somos luta. Desejos opostos podem habitar o
mesmo corpo.
O superego
vem da experiência externa, trata-se de uma subjetivação da objetividade –
internalização da lei. O que é externo, a repressão, torna-se interno,
autorrepressão. Ora, da disputa do ID instintivo e do Superego surge o Ego.
Ainda assim,
a estrutura está mal exposta. Existe um InfraEu, um eu interno. O Eu do ego é
feito para o trabalho, para o externo, para o foco. Mas temos um Eu oculto até
para nós mesmos, que, no fundo, decide. Ele sabe porque sabe, ele é porque é.
De algum modo, tenta fazer valer sua vontade real, a demanda, como se por
acaso. Manobra e luta no mundo.
O Ego, de
fato, faz a mediação possível: quero devorar aquela moça (ID), mas medeio (Ego)
dando-lhe meu telefone, desde a força relativa de minha moral (Superego). O ID
faz experiência que produz superego, que produz – na relação – o ego. Este é
duplicado-uno, ou seja, tem o Eu externo e o Eu interno, InflaEu. O
inconsciente tem consciência de si.
Grosso modo,
para Freud e sua tradição, a moral é obra do Superego, do SuperEu. Na verdade,
trata-se de uma obra conjunta e autocontradiria. Os três, agora quatro,
elementos unem-se de certo modo dialético para afirmar certa moral, para
gera-la com determinada estabilidade instável porque dinâmica. A verdade é o
todo e sua narrativa contraditória.
MORAL E
IDEOLOGIA
Para Althusser, a ideologia impera até no inconsciente –
acerta, errando sobre quase todo o resto. Também temos, por Lukács, a ideologia
como falso socialmente necessário; depois, ampliou o conceito para tudo que se
passa na cabeça (ciência, religião, moral, sentimentos etc.). Aqui, trataremos
o fato da moral precisar, dentro de si, do que chamo de mediação ideológica.
Pela importância do tema nesta obra, serei repetitivo sobre contra as
exigências de estilo.
Os gregos
usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia). Assim, neste mundo fixo, o
senhor de escravos sempre será senhor dos escravos – o escravo continuará
coisa, como se. Mudança não é algo agradável ao escravista grego – que tudo
pare como as estrelas no céu! É assim como foi disfarçada, de modo
inconsciente, a questão classista da felicidade e, ou seja, da moral.
Os medievais
usavam Deus (teologia). Tal mediação ideológica supunha o perfeito, o dono
superior da verdade superior. É aproximar-se de Deus, por isso, seguir a sua
moral, ou melhor, a moral da Igreja, ou melhor, a moral do Senhor feudal.
Existem, claro, outras mediações ideológicas: por exemplo, o laço social e de
dependência das classes opostas se expressava de modo coisificado como
dependência da terra, o servo não poderia abandonar o feudo terrestre. Mas isso
apenas vale aqui como expressão de uma moral e sua mediação.
Os modernos
elevavam o indivíduo (humanismo). O homem tornou-se átomo desconfiado, mais
indivíduo, isolou-se, adotou a luta de todos contra todos. Seu foco é a
individualidade da mercadoria e do dinheiro.
São formas
de disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral.
Veja bem; o mediador ideológico não é, necessariamente, uma ilusão mediadora: a
luta pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e
verdadeiro. É a nossa atual mediação ideológica necessária, na época de
transição, de crise ontológica. Tal mediação é correta porque concreta, não
mais externa ou como mera concepção.
Tudo isso se
deu de modo inconsciente em geral. Os melhores pensadores enganavam-se sem
saber, sem sequer desconfiar. Para eles, a empiria factual seria eterna: se
assim aparece, assim é, foi e será. Mas a coisa é sendo, ou seja, a frase
científica nega o movimento, quer uma verdade parada, estática. São vícios
ocultos da linguagem que expressam vícios classistas.
O homem
seria escravocrata, pecador ou atômico. E, de cada concepção, certa moral
clara, mas com alguns pontos cegos. A mediação ideológica é, assim, uma
necessidade social e do pensamento, quer seja, do pensador.
Das
principais mediações de ideologia, temos as abstrações:
Abstração
como cosmos, o geral.
Abstração
como Deus, o puro (ou ideal).
Abstração
como indivíduo, o separado ou isolado.
Tudo isso
para evitar o concreto – o classismo, em principal – me seu movimento. Mas é
porque o concreto está em movimento contraditório que se abstrai como fuga
inconsciente.
Para
avançarmos, uma clareza. Quando Marx afirmou que a ideologia é a forma como os
homens tomam consciência de seus conflitos e, logo, de sua época – assim é
para, enfim, agir. Não é apenas reativo e consequência: interpretar para mudar.
Outro modo
de observar é este: a ética passa do geral ou universal, cosmologia, para, a
mediação, o particular, isto é, um geral singular, Deus, teologia – enfim, o
singular do humanismo, o indivíduo atômico. Tal avanço ocorre porque a
liberdade aumenta no avançar da humanidade; por sua vez, tal liberdade aumenta
por, grosso modo, aumento de produtividade.
MORAL E
REPRESSÃO
Pensa-se a
moral como puro reino da escolha ou da liberdade. No entanto, toda moral exige
meios de repressão, controle e redução de danos. Regula-se. Pode ser a espada,
a prisão ou um riso irônico. Pode ser até o próprio aparelho psíquico agindo
sobre si como se sobre outro, outro de si. Somente a hipocrisia fala de pura
liberdade, de livridade das opções. A vida é dura.
MORAL E
CIÊNCIA
A ciência e
a técnica apenas são neutras em si, se isoladas. Na história, temos uma ciência
burguesa que é e foi progressiva em geral, pois, por exemplo, prepara o caminho
do socialismo.
Os limites
éticos do cientista é a humanização da humanidade e da natureza. Vários deles
evitam criticar empresas para evitar perder projetos e patrocínios; não
arriscam, portanto. No mais, como lei cega, como estamos divididos em luta,
surge uma lógica impessoal do sistema: se um não faz certa pesquisa ou invenção
imoral, outro fará.
De todo
modo, seria errado culpar cientistas e engenheiros por desemprego causado pela
inteligência artificial e os robôs. A culpa é do sistema – e de sua classe
social própria dominante – que gera desemprego, do modo de vida baseado no
lucro.
A ética
científica não é só questão de uso e rumo da técnica: a que projeto ou classe o
cientista filia-se, mesmo se finge ou pensa ser neutro?
SOBRE OS
VALORES
O homem
primitivo necessitou compreender cada vez mais as propriedades do mundo, ou
seja, de modo rústico, já fazia ciência. Ao analisar o mundo, teve de descobrir
– não criar – valores, valorizar; esta pedra é ruim para este machado, mas bom
para tal tarefa. Pois bem; grosso modo, isso está em Lukács, então apenas vale
tratarmos do assunto se algo novo houver para ser dito.
O valor
artístico, por exemplo, dar-se pelo quanto de trabalho útil foi destinado na
sua produção, incluso o ganho de habilidade do artista. Mas o guia é o valor de
uso da arte, a mensagem. Se um “artista” dedica mil horas para pintar um quadro
preto de preto, perdeu seu tempo.
Lukács diz
da valoração com o exemplo do valor positivo de um bom vento para a embarcação.
Ora, a diferença atmosférica deslocou ar de um ponto para outro, logo trabalho
realizado. Na verdade, o valor tem origem direta em dois fatores opostos e
complementares, unidos: o trabalho exigido e o trabalho economizado. Um mau
vento exige mais trabalho, gasto extra – menos valor tem, menos bom é ele.
Considerado
isso, que trabalho e economia de trabalho são ambos base da valoração, o que os
unifica? O objetivo, a finalidade, o valor de uso – eis a medida, ou melhor, o
lastro da valoração. Uma arte somente é arte se tem mensagem fictícia (podendo
ser afirmada como bom, bem, ou mau, mal, elaborada).
Na relação
homem e objeto, ou no trabalho-produção, a valoração divide-se, no contexto, em
bom e ruim. Nas relações humanas, relações de produção e sociais ou pessoais,
em bom e mau. Nada nisso de maniqueísmos, pois, por exemplo, um operário
lutador da causa operária, logo bom, pode ser machista, logo mau. O que guia é
o rumo da humanização da humanidade, o fim da alienação – a finalidade.
Assim, a
valoração dos valores está lastreada, no trabalho, por isso, na história, por
isso, nas relações contextuais, logo, na finalidade.
Já dissemos
em outro lugar que o ouro vale muito porque se exige imenso trabalho para
extraí-lo da terra. Mas tal imenso trabalho é exigido porque se exige muita
energia-tempo-trabalho para produzi-lo nas estrelas, nas explosões estelares.
No social, o
trabalho está ligado de modo direto e central com o problema da alienação, ou
seja, da desumanização da humanidade. É moral o que economiza o trabalho e, ao
mesmo tempo, preserva o trabalhador, algo que exige novas relações sociais de
produção e novas superestruturas (instituições etc.). Tem valor, tem moral,
aquilo que liberta o homem do trabalho manual e lhe dá saldável tempo livre,
isto é, socialismo. O socialismo, a liberdade humana, a humanização do homem, é
o valor dos valores – a meta inconsciente e, depois, consciente da humanidade.
MORAL E
METAFÍSICA
Platão
ascende a conceitos cada vez mais gerais e abstratos até alcançar o Belo, o Bom
e o Bem. Para ele, os mais puros. Ora, existe um conceito ainda mais puro,
geral e abstrato. O belo, o bom e o bem são o quê? São valor! Com tal conceito,
na economia Marx foi de fato ao mais abstrato. O bem (coisa privada) não é o
mais profundo ou, se quisermos, o mais etéreo: isso é o que está dentro do
valor de uso, o bem, ou seja, seu valor invisível dentro de si. Marx poderia
dar qualquer nome ao valor, já que é descoberta sua, mas lastreou a palavra na
metafísica.
UMA ABSURDA
TEORIA DO VALOR
Marx convida
a duvidar de tudo, de todas as certezas – incluso as de sua poderosa produção.
Dito isso, José Paulo Netto afirma que, quando se quer atacar ou adaptar o
marxismo, foca-se em três eixos: contra a dialética, contra a teoria da
revolução e contra a teoria do valor-trabalho. Nosso foco será a questão do
último elemento.
Todas as
tentativas de negar ou ver contradição na teoria marxista do valor são, quando
muito, risíveis. Isso ocorre, simplesmente, porque ela está certa, completa e
correspondente em alto grau à realidade. Os críticos confundem, por exemplo,
valor e preço. Ora, por que a água, com a altíssima utilidade, apresenta-se tão
barata – mas o ouro, carente de utilidade, tão caro? Eis contradição da teoria
do valor subjetivo, do utilitarismo. Resposta: um exige mais trabalho social e
humano para produzir em relação ao outro, muito mais.
Mas é
possível afirmar totalmente a teoria marxista do valor e, ao mesmo tempo,
superá-la? Façamos a digressão e o exercício apenas para fins filosóficos, pois
é uma teoria de todo correta. Apresento, agora, minha própria teoria, que eu
mesmo a nego!, do valor-matéria.
Marx começa
sua obra coma seguinte pergunta: se duas mercadorias são qualitativamente,
completamente, diferentes – como elas são igualadas? Como isso é possível? Ora,
responde ele, são iguais porque são frutos iguais de trabalho humano! O tanto
de trabalho gasto gera um tanto de valor, que as iguala no mercado. Mas, porém,
todavia: elas não são completamente qualitativamente diferentes! Elas, as
mercadorias, ou melhor, os valores de uso, são átomos concentrados, ou seja: –
prótons, elétrons e nêutrons. São matéria e material igual, massa igual, ou
seja, peso igual (com a gravidade). O que lhes iguala são suas matérias. Se o
valor é energia, temos de ver que energia é massa (E=mc²), segundo Einstein.
Entremos
mais no absurdo.
Primeiro. A
máquina perde valor ao desgastar-se, ao desmaterializar-se.
Segundo. O
dinheiro ganha valor ao materializar-se na forma ímpar, o ouro (átomo pesado);
depois, perde valor ao desmaterializar-se (prata, cobre, papel, bits.).
Terceiro.
Lamentamos muito mais a morte de um grande elefante contra a morte de uma reles
formiga. Por instinto, associamos valor com materialidade – mais materialidade,
aliás, mais raro, além e mais trabalho e energia exigir.
Quarto. Uma
pedra mais material é, via de regra, mais útil e tem mais valor relativo a
outra pedra inferior materialmente de mesmo tamanho.
Quinto. O
ouro é difícil produzir nas estrelas, concentra muitos átomos.
Sexto.
Tenta-se tirar componentes “desnecessários” da máquina para diminuir, assim,
seu valor.
Sétimo. A
deterioração de certa mercadoria também é sua perda de valor.
Oitavo. A
abundância material é a base da liberdade e da felicidade.
Novo. Valor
só pode existir dentro e junto de algo, de certa matéria.
Décimo. O
que tem mais massa, em geral, mais matéria, tende a ter valor e preço maiores.
Décimo
primeiro. A redução do valor e do preço da mercadoria está, hoje, ligada à
redução de sua materialidade, ou seja, os produtor estão mais frágeis. Ou seja:
valor-matéria.
Décimo
segundo. Marx afirma que o valor de certa mercadoria (forma relativa) se
expressa na materialidade de outra (forma equivalente). Assim, sua separação
por um abismo entre valor de uso e valor cai e desaba para dentro de si: a
medida dos valores e o padrão de preços, por exemplo, fundem-se, ainda que de
modo a abarcar a diferença etc.
Décimo
terceiro, enfim. A água é barata por sua molécula ser fácil de se formar,
precisa de átomos simples e “leves”, pouco materiais, oxigênio e hidrogênio,
abundantes por facilidade relativa de produzir. O ouro é caro porque, como
observamos, seus átomos unidos são “pesados”, complexos, com mais matéria-massa
concentrado, lago mais raro, logo mais trabalho para produzir na estrela e
extrair da terra, logo mais caro via de regra e tendencialmente.
Décimo
quarto. Vejamos a relação com a dialética. Marx exclui todas as propriedades
físicas da mercadoria para chegar numa coisa-em-si invisível, o valor, a
gelatina de trabalho dentro da coisa. Mas, contra Kant, Hegel afirmou, embora
não tenha sido o único, que a coisa sem suas propriedades nada é – e que tais
propriedades são, veja só, matérias ou materiais. Assim, a coisa-em-si valor
nada mais seria que suas próprias propriedades, ou seja, sua materialidade. A
coisa-em-si, o valor, é a coisa.
Décimo
quinto. Tanto no mundo inorgânico (Sol, buracos negros etc.), passando pelo
biológico (macho dominante, o mais alto etc.), quanto no social (concentração
de capital, ter mais dinheiro, ter maior população etc.; ter grande casa ou
carro, mais dinheiro etc.) ocorre o seguinte processo: mais matéria-massa
concentrada, em relação aos demais e à média, logo, tende a ser a causa de
atração, de ser orbitado, de agregar para si.
Assim,
também, conectamos a teoria do valor-trabalho com a teoria da oferta e da
demanda (procura). Algo é raro, logo, com muito valor por ser difícil de
extrair ou produzir, porque tem mais materialidade – porque tem mais
materialidade, é muito mais difícil. Por isso o ouro tem valor, sua raridade,
ao exigir mais átomos para existir, exige trabalho extra.
A matéria é
a própria realidade – por isso seu valor, sua base de valor. Quando dizemos que
movimento = energia = tempo = espaço (meio) = matéria – dizemos, portanto, que
a energia-valor nada mais é que a matéria. Assim fazemos a unidade, ainda que
ainda contraditória, entre valor e valor de uso. Não mais externos um ao outro,
não mais apenas estranhos.
Vejamos o
parágrafo anterior. Marx diz que o preço da terra virgem não tem valor, pois
não há trabalho gasto em sua produção, portanto, capital fictício; apenas há
preço. Mas a terra, primeiro, tende a valer mais se ela é melhor, mais produtiva,
então, mais rica materialmente! E, segundo, o oposto-idêntico-diferente de
matéria é espaço ou movimento, logo, a terra mais diestante tende a perder
valor, preço. Portanto: a matéria é a medida de todas as coisas!
Vale uma
comparação histórica. Platão teve de dividir o mundo em dois opostos e
separados: o mundo das ideias ou formas e o mundo da aparência ou material.
Depois, em oposição, Aristóteles – ainda idealista, mas com toque materialista
evidente – defendeu um só mundo, aqui, onde está a própria substância, a
essência, o conteúdo, a forma etc. Marx dividiu economia em dois: mundo do
valor de uso e mundo do valor. Agora, unifico ambos os mundos no
valor-material.
Assim, o
valor dado está ligado à sua
1) Raridade
Que nada
mais expressa além do
2) Trabalho médio – social ou natural – exigido
para sua produção ou economizado
Que é um
dado gasto de energia expresso de maneira imperfeita no
3) Tempo médio exigido em sua criação
Ligado,
portanto, à sua
4) Utilidade
Que é, por
sua vez e em cadeia, expressão pobre de sua
5.
Materialidade (valor-matéria)
Tanto no
sentido quantitativo quanto, em principal, qualitativo.
Isso
afastaria um tanto, como solução, o marxismo de sua necessária metafísica do
valor – tão rejeitada pelos próprios marxistas, contra Marx. No entanto, não
estou disposto a brigar essa luta, que é a raiz de 2 do marxismo. Uma ideia tão
absurda, revisionista e pouco ortodoxa me levaria ao isolamento completo e
final do movimento marxista, do qual dependo para mudar o mundo de vez e de fato.
Recuo, portanto. Quem quiser correr o risco, deixo a base para o
desenvolvimento posterior da ideia, seu desdobramento e suas deduções. Mas
nada, absolutamente nada, garante que ela está correta ou sustenta-se na
realidade, no argumento e na teoria. Incluso, pensa-se dela, a partir, parte do
valor moral e do valor em geral. Mas um ponto de apoio seria que a empiria é
suja, impura, concreta, impedindo a manifestação exata da lei do valor-matéria.
Tal visão, enfim, reconecta o mundo dos homens com o mundo natural. Marx nunca
poderia, ou teria imensa dificuldade de, criar a teoria do valor-matéria, que,
grosso modo, afirma que o valor deriva de maior materialidade relativa. Isso
ocorre porque a ciência, a metafísica (a verdade está no todo), a física, a filosofia,
a Dialética da natureza e a sociedade ainda não haviam atingido seus ápices, de
origem comum, durante sua vida. Quando Marx diz que se pode virar e desvirar a
mercadoria, mas nela não se encontrará nenhum átomo de valor; esquece que a
matéria, representada no átomo, é o próprio valor.
Piero Sraffa
estaria orgulhoso por ser tão positivamente inspirado e superado.
MORAL E
ADMINISTRAÇÃO
Nas
empresas, o tema da ética é moda na proporção de sua falta concreta.
Palestrantes são chamados para tratar do tema, dinâmicas “psicológicas”
infantilizadas são feitas para criar confiança uns nos outros etc. Luta-se, sem
saber, contra o problema de fundo: o sofrimento do funcionário, por falta de
relações de confina, gera luta e lucro.
No campo da
esquerda, coisa toda é muito complicada. Em geral cuida das tarefas de
organização e administração o militante menos político, de classe média, com
perfil de gerente, com ares autoritários etc. Mas a forma de organizar as
coisas e as pessoas – objetividade – influencia a moral delas, além da política
aprovada.
No
socialismo, teremos de produzir bons e claros manuais de administração sob nova
moral e perfil. O gerente será funcionário contratado pelos operários, nunca
mais um todo poderoso manobrador e arrogante. De qualquer modo, comas fabricas
de todo automatizadas, não haverá sobrem jugar seu despotismo e, então, o
processo será muito mais técnico que subjetivo ou político.
Por hoje,
como ensaio de governo, os comunistas podem, por exemplo, criar manuais
claríssimos e completos de gestão sindical – comunista, ou seja, guiada por sua
moral. Como garantir que os trabalhadores decidam os rumos da instituição?
Veja-se mistura necessária de administrar e moralizar.
No Brasil
decadente, a administração estatal decadente tende, como se força da natureza,
a espalhar seu veneno pelo ar de toda a sociedade. Vejamos um caso. Em muitas
escolas estatais do país, os diretores desviam verbas, por exemplo, aumentando
a quantidade oficial de alunos acima da quantia real. Assim, o dinheiro que vem
em sobra vai, desviado, para o bolso do administrador (em geral, eleito!). A
causa de fundo são as relações monetárias imitadas e, por isso, também gerais.
Por usa natureza, o dinheiro corrompe, deseja acumular-se. Um dos caminhos para
resolver isso é dar ao diretor apenas valores de uso, os produtos consumidos na
escola e pelos alunos, além de centralizar nacionalmente a contabilidade, além
da distribuição, para facilitar descobrir erros. No Brasil, evitam digitalizar
serviços estatais exato porque dificulta corrupção e desvios ou facilita
descobrir erros.
MORAL E
HUMOR
No tempo
recente, debate-se a ética do humor e seus limites. Qual a medida de um humor
correto? Ora, a democracia e suas regras não são decididas de modo livre e em
livre acordo, são concessões de certa composição social. O humor, portanto,
deve ter em conta a lei. Mas a arte, diferente de outras áreas, tem necessidade
anarquista, de máxima liberdade. O certo, parece, será isto: o humorista faz o
que bem quer no palco em relação ao conteúdo de suas piadas e sacadas – mas, em
troca, deve tolerar e respeitar a crítica social, da opinião pública. Nada de
reclamar da censura do meio. Eventualmente, isso lhe fará recuar de certos
absurdos. Se o público ri de uma piada racista, o problema real e moral não
está na cabeça do piadista.
MORAL,
JUSTIFICATIVA E EXPLICAÇÃO
No senso
comum, dizer que algo é sem sentido torna-se uma forma de afirmar que ele está
errado. Explicar a base de um erro, que não é raio em céu azul, seria
justificar o mesmo erro. Eis que isso é lógica formal inconsciente – quando, na
verdade, tudo tem uma razão. Diz-se, por exemplo: “isso é errado, pois não tem
lógica”. Mas serve para negar a contradição. No entanto, tudo é contraditório,
apenas há lógica na contradição. Explicar não é sempre justificar.
A UNIDADE
INTERNA E INTERPENETRAÇÃO DAS SUPERESTRUTURAS SUBJETIVAS
Vamos do
abstrato ao concreto.
Na dialética
de Hegel, o interno e o externo estão em unidade – e a diversidade externa tem
uma unidade interna. Em nossa dialética, diacrônica, a diversidade unitária é
contraditória, ou melhor, autocontraditória. Move-se para um lado ou outro, mas
o geral é isto: a unidade interna torna-se, no processo, unidade também
externa.
O
capitalismo tratou de, diferente de antes, separar tudo no nível externo:
Estado aqui, economia ali, religião acolá etc. Assim, ocultou e disfarçou a
unidade interna verdadeiramente existente. A corrupção, por exemplo, um
empresário subornar um político, trata-se de, no fundo do fundo, afirmação da
unidade e interdependência interna na autonomia externa (política é – nada mais
que – economia concentrada, dirá Lenin). O socialismo resolverá isso: o Estado
cuidará da economia, o povo cuidará do Estado, o mesmo povo será armado sem polícia
ou forçar armadas destacadas da sociedade etc. Sobre o fim da política no
comunismo: a moral tira a política, sua expressão, da jogada no fim do
socialismo.
Pois bem; em
geral, as superestruturas subjetivas (tudo que se passa, entes, na cabeça) têm
unidade interna e autonomia externa. Cabe à teoria perceber a realidade
escondida de si mesma em si mesma. Da moral, desenvolveram-se, autonomizaram-se
e ganharam novas funções – a religiosidade, a política, o sentimento, a arte
etc. E criaram suas instituições, causa e consequência de tais ideologias.
Vejamos o caso menos evidente: sentimento é igual à moral: sente-se moralmente,
tem-se moral sentimentalmente. É uma só cabeça, autointegrada.
A
religiosidade, com a religião, também é moral, também política; Bonaparte,
então servidor dos novos ricos, que ninguém desconfiará ser comunista, afirmou
que a religião existe para que os pobres não matem os ricos. O direito, que
quer soar abstrato e impessoal, apolítico e objetivista, disfarçando seu laço
íntimo com a totalidade, também é moral, também é política. O motor primeiro é
a moral, incluso a moral dominante da classe (melhor, da objetividade)
dominante em luta contra outras morais. A arte, sendo apenas arte, também é
moral, também é – por isso – política. Por usa vez, a política tem algo de fé,
mesmo, e algo de arte, e algo de direito, além de certa e inevitável moral,
mesmo que cínica ou inconscientemente desconsiderada nas falas públicas.
Assim, do
concreto amorfo, elevou-se, mas decaindo, o abstrato separado e externo.
Depois, mais concretude, unidade, interpenetração. O abstrato é o concreto em
processo. Exige teoria para ver o que está diante e atrás dos olhos… Os
cientistas, em geral, inspirados na química, que em certas línguas significa
que separar, apenas separam, classificam e reafirmam cada superesterutura, cada
elemento. Não avançam, assim, para além do aparente, da forma, do externo, da
diversidade e, ou seja, do senso comum. Na dialética de Hegel e, de certa
forma, de Marx o abstrato e concreto são ao mesmo tempo apenas, sincrônico.
Para nós, também diacrônico: o concreto, sendo ainda concreto, abstrai-se,
quase isola suas partes, que devem depois reforçar a unidade – no nosso caso, o
socialismo porá certa moral comum que colocará fim à política, ao direito, à
religião, que na primitividade estavam reunidos como um só.
Até a
ciência é, também, ética, embora seja cada vez mais mais do que isso e não só.
Pois sua função é conhecer o mundo para melhorar a vida humana – mesmo com todo
tipo de deformidade e mediação, mesmo que se desvie para fins imorais nas
sociedades de classe (bomba atômica etc.). A ciência é moral prática.
Para termos
toda clareza deste ponto, temos de entrar em assuntos preliminares. Lukács
inspirou-se em Nicolai Hartmann, que pensou o pensamento humano, ciência e
filosofia, como “intentio recta” e “intentio obliqua”. O intentio obliqua é
focar no sujeito da pesquisa, não no objeto, por exemplo, perguntar-se e
refletir “qual a capacidade humana de aprender?” O intentio recta, ao contrário,
foca no objeto, vai ao objeto, por exemplo, tenta descobrir os limites do
conhecimento humano pesquisando, não refletindo de modo abstrato sobre. Tais
conceitos são gnosiológicos e se referem apenas ao pensamento, então Lukács os
tornou ontológicos: intentio recta é focar no trabalho e na produção, como o
homem deve agir no trabalho; intentio oblícua é focar, agir, no externo ao
trabalho e na produção, ou seja, foca na ação do homem sobre o homem. Pois bem;
todo esse rodeio necessário serve para dizermos que teleologia e moral são as
duas categorias centrais da superestrutura subjetiva (ideologia, subjetividade,
ou seja, ideias, sentimentos, moral, ciência, religiosidade etc.): 1) a
teleologia tem foco central no trabalho e na produção, sendo categoria central
do trabalho, ou seja, da intentio recta; 2) a moral é categoria central da
relação homem com o homem, isto é, dizer como os homens devem agir entre si,
fora ou para o trabalho, ou seja, intentio obliqua; categoria central, logo, da
superestrutura em geral, objetiva e subjetiv). Enfim, ambas as categorias estão
relacionadas, misturam-se, interpenetram-se e tornam-se na pratica a mesma
eúnica; como trabalhar e se irá trabahar é uma questão moral, ética, além de
teleológica ou do intentio recta.
Cumpre
destacar, também, que para Lukács, igreja, justiça etc. são “instituições
morais”, uma categoria genial. Complementamos isto: mudanças na superestrutura
subjetiva, como na moral, lastreada nas mudanças na base econômico-social em
questão, modificam, com atraso e com crise, a superestrutura objetiva
(instituições) conservadora, ou a estroem, ou geram uma nova organização
(embora esta, vice-versa, também influencie o que passa na cabeça dos homens).
É, por exemplo, o conhecido caso da igreja protestante, glorificadora do
sucesso e da riqueza, após o avanço do capital sobre as mentalidades; o Estado
capitalista apenas pode cair após mudança nas mentalidades nas classes
trabalhadoras, estimuladas pela crise e pelo partido comunista.
MORAL:SUPERDOTADOS,
TDAHs E AUTISTAS
Em geral,
por serem impulsos (também no bom sentido), superdotados tendem a ser
humanistas, liberais contra conservadores, revolucionários, comunistas etc. –
tendem a ter empatia acima, ou muito acima, da média. O mesmo ocorre, pelos
mesmos motivos, com TDAHs, que podem ter destaque especial em muitas áreas. Já,
por outro lado, o autista tende ao retraimento, ao foco em si, à dificuldade de
emparia e compreensão do outro. Mas, entre eles, despontam alguns com altíssima
habilidade especializada que ajuda a humanidade como pode, com certa clareza
racional do bem comum. Os melhores costumam estar do lado dos oprimidos e dos
subversivos, ainda que por meio de mediações.
MORAL E
UNIVERSALIDADE
O senso
comum marxista, o marxismo dos manuais, diz que tudo é história e tudo está
dependente das forças de produção de cada época. Está muito correto, mas cai em
historicismo vulgar. Como acerta muito, deixa-se de lado o erro lateral. Assim
como há, para Marx, certa essência humana geral ao lado e por debaixo das
históricas – há uma moral geral por debaixo das de cada época e sistema.
Eis a
contradição em potência e em ato. A moral histórica pode afirmar, negar ou
mediar a moral universal – total ou parcialmente. No fim das contas, a coisa
acontece de modo caótico e misturado.
A coragem,
tão valorizada entre os tribais, torna-se, assim, de fato, um valor universal.
Mas a moral capitalista entra em contradição com a moral essencial – logo,
evita-se ir ao piquete de greve para evitar a repressão policial. Já dissemos
em algum lugar que avida é dura? Bem: pelo menos por enquanto, em sociedades de
não abundância socializada.
Abstraído do
contexto histórico concreto, indo ao abstrato e geral; torna-se claro que,
entre conceitos opostos, um apresenta-se como o mais verdadeiro, o bom, o bem,
o correto e o belo. Por exemplo, a lealdade ao leal sempre é superior à
trapaça, mesmo se contra outro trapaceiro.
Mas
conceitos gerais opostos – deve valer a pena listá-los, expondo suas lógicas
comuns, como Hegel listou as muitas categorias
metafísicas em sua Lógica – podem apresentar um terceiro conceito, um terceiro
antes excluído, mas que deve ser incluído. Como se “entre” o egoísmo e o
altruísmo, temos o mutualismo, que supera ambos, unifica-os e preserva-os.
O contexto,
no entanto, exige de nós mais do que a categoria de unidade não contraditória.
Isso é descer ao chão, depois de tratar de modo geral, universal e abstrato.
Tal método não é estranho ao marxismo: Em sua Ontologia, Lukács começou de tal
modo sobre o trabalho, depois passou à concretude do trabalho em cada modo de
vida – isso ele fez porque a realidade também é assim, reproduziu-a por sua
sinuosidade.
Damos
contexto ao parágrafo anterior. Há momentos de recuar e respeitar o medo. Há
momentos de coragem, de avanço apesar dos pesares. Há momentos “entre” ambos,
ao modo de Aristóteles. Ao modo de Hegel, há momentos de máxima imprudência
necessária, afinal, nada foi feito de importante no mundo sem risco, sem
ousadia e sem paixão avassaladora.
Que o
marxismo dogmático e universitário pôr-se-á no polo oposto deste capítulo, algo
esperado. Não posso nutrir ilusões. Toda ideia de fato nova, tanto mais se
correta, causará resistência, pois toda superestrutura – como o
pensamento-sentimento – sempre é conservadora, preservadora, contra os avanços
ousados do conteúdo.
MORAL E
BIOLOGIA
Já tratamos
da natureza humana e da parte biológica da psique. Aqui, não ética em exato
científica, nas modas do pensamento de uma época, mas ética baseada na verdade,
o objeto final científico. Quando os primitivos perceberam que sexo entre
parentes próximos daria em anomalias nos descendentes, a natureza impôs certa
moral, a lógica real foi traduzida para a consciência e seus hábitos, a lógica
ideal, embora com mediações como o complexo de Édipo e o complexo de Cronos
(este, trato na Psique – por uma psicologia marxista). Contra o pós-modernismo:
a biologia tem, sim, efeitos na moral-ética, como a preferência pela cooperação
em nossa psique.
MORAL E
QUANTIFICAÇÃO
O
capitalismo adestrou nossas mentes para pensar tudo em termos de quantidade, de
mais de quantidade, não em qualidade. Tudo deveria ser quantificado, embora nem
tudo seja ou de modo de algum modo preciso. Com o mais-produto, mais-trabalho e
mais-valor, ou seja, a exploração – Marx quantificou a moral, a imoralidade
social.
O direito
tenta tal obra, quantificar a moral. Assim, pelos valores sociais e nível de
anormalidade, tenta-se medir o tamanho da pena, relativo e absoluto. Um
assassinato consciente pode gerar, por exemplo, 30 anos de prisão – parece
razoável à nossa moral, parece algo sob medida. Ou, diante da raiva social
contínua perante a degeneração no país, prisão perpétua: uma vida sem vida por
outra vida. Há algo real e algo artificial nessa tentativa de medir o sem
medida. Um crime de assassinato feito de modo inconsciente ou em situação
anormal pode gerar prisão mais leve ou até a libertação, o perdão do juri. A
ideia antiga de “olho por olho, dente por dente”, fazer ao mau o mesmo mal
feito por ele à vítima, trata-se de tentar de medir ainda em termos muito
qualitativos. A moderna ideia de punição por indeniação e por multa bem revela
o capital como preciosidade e como fonte de medição, o quantitativo em ato. O
dinheiro é o quantitativo em ato.
Nossa teoria
do valor-trabalho e do valor-matéria bem explicam a medida nexata de uma
condenação. Os legalistas “fazem, mas não sabem” quando quantificam.
MORAL E
CAUSALIDADE
Se tudo,
incluso o cérebro, segue relações causais, necessárias, sem livre arbítrio, sem
punição dos céus – então, kantianamente, ninguém é culpado ou condenável? Não.
A punição humana serve como ação causal também, como reguladora, influencia o
mundo e os cérebros.
TESES
TESES PARA UMA
ÉTICA MARXISTA
26. A moral é objetiva, deriva da realidade, de sua
concreticidade.
Como
observamos sobre psicologia, por um meio não controlado de modo direto pelos
homens, a concretude produz certo perfil mental, portanto, certa moral. A vida
fragmentada produz moral fragmentária.
Tal
moralidade não é decidida por ninguém e surge das condições objetivas. Por
isso, a mudança de modo de vida, de produção, muda o modo de moral dominante. A
moral dominante é a moral da objetividade dominante, não só da classe que
domina; pois nem ela decide a moral real, prática.
27. A moral também é intersubjetiva.
Por depender
do meio e da sociedade ter certa moral.
Os homens
constroem relações sociais e pessoais, além de sociais mediadas pelas pessoas.
Assim, regulamos uns ao outros de modo recíproco, mesmo se falta reciprocidade.
O homem apenas é em bando. Até o riso de ironia e a exclusão operam como
repressão aos desvios.
28. Enfim, a moral é também subjetiva.
Pois cada um
tem experiências diferentes, singulares, que o moldam. Nesse sentido, a moral
é, também, em parte, inconsciente, uma força às vezes irresistível e produtora
da ilusão de total livre escolha.
29. A moral pode negar a natureza humana, afirmá-la,
mediá-la ou deformá-la.
Como
dissemos, a natureza humana una tem três modalidades: ser integrado, ser
mutualista e ser ativo. Elas são forças irremovíveis, mas nem sempre
diretamente observadas.
30. O tema da moral ou ética, ou da felicidade, surge
da contradição de um problema real, um problema moral concreto.
O tema da moral surge por problemas na moral. Se ele fosse existente de
modo relativamente pleno, o debate seria desnecessário. A coisa estaria
resolvida.
31. A ética real e prática, ou a mesmidade que é a
moral, pode ser algo “antiético”.
A visão
ontológica da moral supõe que existe várias formas de moral, se quiser, de
conduta; por isso, a imoralidade pode ser certa forma de moral condenável.
32. Via de regra, não se sabe o que é certo na conduta
a priori, sem contexto e sem finalidade.
O estupro e
pedofilia, por exemplo, sempre serão imorais (os camponeses medieval que se
revoltavam estupravam as mulheres do castelo para que seus filhos não tivessem
o sangue dos poderosos – uma ação política, mas baseada na alienação). Mas há
um leque de outras questões em que não dá para julgar de modo isolado, sem sua
concretude total.
33. Há certa dialética da moral.
Ela pode
ser: a) funcional para o sistema; b) pode ser disfuncional para o sistema,
mesmo que surja dele, de sua objetividade, de seu modo de vida (caso
demonstrado neste livro); c) pode ser uma combinação de ambos; d) pode ser
funcional e tornar-se disfuncional – e) ou o contrário, o inverso. Por isso
Florestan Fernandes conclui por instinto o fim próximo do capitalismo por este
gerar, em nossa era em especial, um convívio ético antiético.
34. A luta comunista é pelo fim da alienação, sua
finalidade, logo sua moral obedece a tal objetivo – ainda que por mediações.
Roubar
sindicato ou desrespeitar a decisão de uma assembleia de base são formas de
imoralidade, pois desumanizam o outro. Mesmos e os resultados forem bons no
imediato, afasta-nos da estratégia, da humanização da humanidade.
35. Cada classe tem, por seus hábitos e estilo de vida,
tendências morais próprias.
Há certa
moral geral - a moral dominante é a moral da objetividade dominante. Mas as
diferentes classes vivem, de modo relativo, diferentes objetividades. A greve
estimula certa moral coletiva. O ser isolado da classe média aristocrática
tende a valorizar o individualismo.
36. A filosofia da moral na história – na teoria e na prática
– costuma usar um mediador ideológico.
Os gregos
usavam o “lugar natural” no cosmos (cosmologia), os medievais usavam Deus
(teologia), os modernos elevavam o indivíduo (humanismo). São formas de
disfarçar o caráter classista e social-histórico da questão ética-moral. Veja
bem; o mediador ideológica não é necessariamente uma ilusão mediadora: a luta
pela humanização do homem guia a moral comunista, um objetivo justo e
verdadeiro. É a nossa e atua mediação ideológica necessária.
37. Há saída para o imperativo categórico.
Fazer algo,
ter uma postura, porque é certa em si mesma não se sustenta. Erra Kant. Pois
quase tudo é, apenas, em seu contexto. Mas ele diz: não fazer aos outros o que
não quer que façam contigo. Como se houvesse indivíduos e iguais apenas. O
imperativo categórico mantém-se se é, sob novo significado, imperativo de uma
categoria, categorial, a emancipação, fim da alienação, liberdade e felicidade
individuais e coletivas.
38. A moral comunista é rígida, mas sua aplicação é
dialética.
A mesma
causa, certa postura moral, pode causar ações diferentes, até opostas. Aqui,
somos obrigados a dizer a verdade; ali, somos obrigados a mentir, a manobrar
(na greve contra o patrão, por exemplo, se temos margem de manobra).
39. A moral, antes, inicia-se na prática, depois é
estruturada, defendida ou criticada e ampliada de modo consciente.
Pensa-se a
moral como algo racionalista, que vem de si mesma, como se fosse primeiro
motor. Nada se passa na mente que não as passa na realidade. A moral socialista, pro exemplo, é uma
amplificação da moral já existente por meio das lutas operárias.
40. A luta socialista é também uma luta por uma
sociedade ética, de boa moral, e cria as condições para tal moralidade,
mentalidade.
Um
semimarxista como Elias Jabbour diz que marxismo não é moralismo – como se
moralismoe moral fossem a mesma entidade. Isso ocorre porque seu partido, o
PCdoB, é uma organização degenerada, que falsifica, agride, boicota, corrompe
etc., enfim, estalinistas seguindo suas tradições… A imposição de uma vida
ética é equivalente a impor o socialismo.
41. O comércio é o mundo da trapaça, da tentativa de
barganhar – o mundo capitalista é o mundo comercial.
É impossível
boa ética no capitalismo por causa de sua própria lógica irracional. O
valor-dinheiro não conhece limite, quer ser dinheiro em busca de mais dinheiro.
Por isso, a corrupção é a regra. O funcionário do comércio tem de mentir ao
cliente para convencê-lo a comprar os produtos da loja. O engano torna-se,
assim, obrigatório. Por isso, o homem esconde quanto ganha, um tabu.
42. Enquanto existir ricos e pobres, haverá corrupção.
Querer melhorar de vida é um desejo impossível de largar. Quando o
primeiro homem, dirá Marx, calçou os pé, nunca mais foi capaz de andar
descalço. Portanto, quer-se ascender na vida. Enquanto houver o conceito de
rico, haverá o de pobre. Quando classes sociais não mais existirem – quando
formos apenas indivíduos –, os corruptos e os corruptores serão extintos, não
haverá o que disputar.
43. Certa moral deriva de sua necessidade.
Isso é base hegeliana – Hegel, aqui, acertou.
44. Os fins justificam os meios, mas os meios também
justificam os fins.
Maquiavel é sinônimo de oportunismo e manobra, mas isso é exagero
completo. Ele apenas era realista na sociedade que propunha e um pensador
seríssimo. Mas o meio já deve ser a realização, ainda que parcial e tendencial,
do fim; o fim realiza-se no processo do próprio meio. Eis a dialética de fim e
meio que Trotsky, como Hegel, não entendeu (no entanto ele deixa cristalino,
contra o estalinismo, que o meio deve ser o meio correto de um fim).
45. A crise sistêmica, ao elevar tensões, produz crise
ética, moral.
Como a objetividade afeta a subjetividade, até determinando-a em muitos
casos, a exacerbação da luta de todos contra todos tornará avida mais difícil.
No começo, aos vencedores as batatas! Mas essa crise é de abundância, não de
escassez. Com o tempo, os de baixo serão obrigado a ações de moral elevada.
46. Ao forçar a luta de classes, o capitalismo força a
classe operária a adotar certa melhor moral, como a unidade coletiva, para ser
vitoriosa – assim, o capitalismo faz surgir as concepções morais, boas e ruins,
que serão partes de sua destruição.
47. A moral do capitalismo em seu ocaso volta-se contra
o próprio sistema, ajuda a torná-lo insuportável.
48. Impossível uma obra de ética final, conclusiva nos
aspectos gerais, sem uma concepção correta de homem e de sua psicologia.
É o que fiz em toda minha produção teórica. Desse modo, a produção da
obra Ética torna-se, enfim, possível.
49. O autor de uma ética definitiva, de clara
inspiração marxista, deve, antes, ter passado por uma grande rede de
experiências, ter vivido a vida, ter sofrido – ser muito mais do que um rato de
biblioteca.
Isso parece pouco, mas é preciso ter mais do que olhos para ver a
verdade. A individualidade, os perfis diferentes, existe, logo temos diferentes
e variadas capacidades. A ética exige um autor ético. Isso é ciência
materialista de fato: nenhuma economista burguês conseguiria chegar à verdade
sobre a economia – apenas Marx, o economista do movimento operário, foi capaz
de ir tão profundo quanto necessário.
50.
A decisão de
regras moral não é, primeiro, gnosiológica, por leis artificiais.
Aristóteles diz que a felicidade depende de uma sociedade organizada,
justa e saudável; mas a ética surge exatamente porque não há eticidade na
prática, porque surge a necessidade de pensar sobre ela – realidade adoecida e
sua reação contra ela. Ele também afirma o meio-termo, o bom senso, entre
estremos de comportamento; mas o que comanda não é a ideia, uma lógica a
priori, a realidade é maior; pois isso, há momento para respeitar o medo, há
momento de coragem e há momento de máxima ousadia.
CATEGORIAS
DA ÉTICA
Além do
valor em si, lógica formal, a dialética demonstra que há um valor no contexto,
na situação: uma categoria é algo ou seu oposto, bom o ruim etc., segundo suas
circunstâncias. Deve-se, então, analisar
a situação concreta, por inteira. Já dissemos que, via de regra, há hora de uma
posição moral e há de seu extremo oposto, ou, também, do meio-termo. O mundo é
maior que nossa cabeça, ele manda. Além do mais, fácil reconhecer, de modo
geral e abstrato, qual das categorias em jogo é, via de regra, superior. Os
conceitos opostos extremos são, a maioria:
Bem e mau
Sim, o mundo
divide-se em, na essência, bem e mau. A realidade é, ainda, maniqueísta, embora
evitemos considerar isso. Claro: ninguém é perfeito e flutuamos entre um e
outro – mas flutuamos dentro de certos limites.
Bem e mal
Há o
trabalho bem feito – e o mal feito.
Bom e mau
Toda atitude
em relação ao outros homens e em relação à natureza pode ser julgada, em
separado, assim.
Bom e ruim
Julgamentos
sobre as coisas podem ser imorais se deixarmos de julgar de modo honesto quando
ou quanto bom e quando ou quanto ruim. Por exemplo: ao vender um produto do
qual tirará sua comissão extra.
Na
finalidade, o “bom e ruim” passa a palavra para “útil e não útil”, algo mais
objetivo.
Felicidade e
tristeza
A moral
busca a felicidade, acima do prazer. Mas a tristeza, vez ou outra, torna-se
necessárias: os sentimentos não são arbitrários.
Coragem e
covardia
Fácil ver
qual o superior, mesmo com o meio-termo da prudência. A covardia costuma ser
disfarçada sob o nome de prudência ou tradição etc. Às vezes, devemos perder a
noção e arriscar tudo. À vezes, devemos respeitar e ouvir o medo (mais uma vez:
os sentimentos têm razão de ser, devemos respeitá-los).
Lealdade e
deslealdade
Devemos ser
leal apenas ao leal. Há, portanto, exigência de reciprocidade.
Luta e fuga
O mesmo
hormônio, adrenalina, serve para preparar o corpo tanto para fugir quanto para
lutar. Há unidade dos opostos na mesmidade hormonal. Recuar nem sempre é um mau
caminho: a ofensiva permanente e a todo custo já foi a desgraça de muitos.
Ativo e
passivo
Não há porque
ver algum valor na passividade. Somos, enfim, seres ativos, construtores,
desejosos íntimos de autonomia e liberdade. Certa vez, ouvi um marido reclamar
que a esposa parou, de repente, de fazer sexo com ele. Com um tanto mais de
conversa e desabafo, além de álcool, descobri que isso aconteceu desde o dia em
que ele arranjou um novo e lucrativo emprego; desde então, ela passou a
depender financeiramente dele. E o amor acabou: sem querer, ela afirma sua
humanidade e individualidade negando o sexo.
Firmeza e
maleabilidade
Deve-se ser,
ao mesmo tempo, firme, ativo e adaptativo. Mas há limites em tudo. O
oportunismo começa quando a maleabilidade degenera no vale-tudo. Devemos ser
duros e doces como a rapadura.
Dialética e
teimosia
Respeita-se
as condições, modificando a ação. O contrário disso, o sectarismo, põe a ideia
acima da realidade.
Amor e raiva
O ódio é tão
justo quanto o amor: ambos são necessários. A questão é administrá-los,
mediá-los e tomar boas decisões.
Racional e
irracional
Para viver
bem o racional, precisamos, também, descansar o cérebro e respeitar nosso lado
emotivo, vulgar e animal. Mas sempre pondo a razão acima do não planejado, do
impulsivo, do dionístico etc.
Emotivo e
frieza
Deve-se ser
objetivo, mas sabendo que sempre somos afetados emocionalmente. Conscientes
disso, tentamos calcular da melhor forma e maneira. A frieza nada ajuda, por
outro lado: precisamos sentir também com emoção o estado da realidade. Acima de
ser parciais, devemos ser objetivos, mesmo escolhendo um lado.
Sinceridade
e mentira
Mentir
apenas por uma razão maior: salvar-se de um sequestrador etc. Mas cultivar a
sinceridade entre os seus. No mais, nossas relações pessoais precisam de uma
dose de mentira para amortecer conflitos potenciais – mas, em certo ambiente,
como o militante, torna-se inadmissível.
Coletividade
e egoísmo
O coletivo
apenas deve ser respeitado na medida em que ele, na prática ou no projeto, quer
elevar e respeitar o indivíduo. Somos diferentes e o socialismo deve afirmar
tal diferença. A individualidade é uma das mais poderosas conquistas da
humanidade. Mas ela, em nosso tempo, pende para o egoísmo, uma inflação sempre
nociva.
Altruísmo e
egoísmo
Ambos devem
ser superados, mantendo o prazer de ambos, por meio do mutualismo, pois há
prazer em doar-se e em receber.
Solidariedade
e egoísmo
A
solidariedade é a base da sobrevivência possível de nossa espécie.
Tolerância e
intolerância
Deve-se
intolerar os intolerantes. Deve-se tolerar os tolerantes.
Disposição e
preguiça
O tempo
livre e o nada fazer são necessidades: nada de ócio criativo ou produtivo.
Precisamos de pausas estáveis para melhor render nas atividades. Dentro de todo
preguiçoso há um oprimido – pois agir é da natureza humana. Claro, a preguiça
desmedida deve ser punida. Come quem trabalha!
Respeito e
desrespeito
Isso inclui
o autorrespeito e autodesrrespeito. Ouvi de certa mãe dizer que de fato
desrespeita seu filho porque ela carregou ele por 9 meses… O filho,
adolescente, percebe a incoerência prática e moral.
Responsabilidade
e irresponsabilidade
Não conheço
qualquer situação que justifique a irresponsabilidade. Isso tem seu lastro na
comunidade e no trabalho: as coisas devem funcionar como devem. Eis um dos
casos categoriais absolutos, não relativos.
Elogiosidade
e bajulação
Também caso
absoluto. Devemos elogiar de fato e de verdade, quando de verdade e de fato.
Nunca a bajulação consciente é honesta.
Elogiosidade
e calúnia
Deve-se
dizer a verdade, muitas vezes mesmo que isso promova processos por calúnia. Mas
o lado caluniador, quase sempre na história da humanidade, já estava errado de
início, tem intenção oportunista. Por saber que está errado, logo em
desvantagem, tenta virar o jogo com jogo de acusação. Marx foi caluniado,
quando vivo, de espião etc. por um certo senhor Vogt. Ele foi, assim, obrigado
a responder às acusações, tão forte era a campanha. Escreveu um livro de
sucesso em seu tempo, hoje esquecido, que levantava uma hipótese: o seu
acusadrs, o senhor Vogt, era agente do governo alemão infiltrado no movimento
operário… Dito e feito: após sua morte, foi a público documentos que
demonstravam sua relação com os serviço secreto daquele país.
Mediação e
autoritarismo
Deve-se ter
espírito democrático, mesmo. Tolerar a discordância, colocar a voto, mediar
quando possível e bom (o que nem sempre é o caso), evitar levantar a voz para
ganhar no grito de autoridade. Ganhar posições de pensamento e resolução por
meios estranhos é um derrota, embora pareça uma vitória – aliena.
Realidade e
cinismo
Deve-se
chamar as coisas pelos seus nomes, nem mais nem menos, na medida exata. Mesmo
que doa, mesmo que gere isolamento por algum tempo, mesmo que soe amalucado. O
cinismo faz diferente, contamina a realidade com acordos e meio-termos.
Orgulho e
arrogância
Sejamos
orgulhos, não arrogantes. É uma linha tênue, mas é ainda uma linha. Alguns ou
sentem-se muito menos ou, depois, muito mais. A realidade não é assim,
purificada e dura.
Orgulho e
vaidade
A boa
vaidade pode ser positiva, até uma força motora construtiva se bem guiada. Isso
tudo junto, com quem ela anda, com a inveja dos outros.
Trotsky
certa vez relatou uma visita ao Papa do socialismo, Kaustsky. Disse: o homem
era um poço de grande humildade. Ele era humilde, porém, oportunista que era,
porque o mundo lhe elogiava. Sua vaidade era, assim, externa a si. A vaidade
negativa e excessiva é uma defesa dos fracos, humilhados, derrotados, isolados
etc. Precisam de um compensador subjetivo para uma realidade imprópria e
oposta, hostil.
Honra e
desonra
Honra-se
quem tem honra. De modo algum, a desonra, em relações normais, tem algo válido.
Confiança e
desconfiança
Deve-se
desconfiar de tudo. Confiar demais gera, em reação inconsciente, paranoia.
Desconfiar de modo permanente, e tudo querer controlar, também. Devemos
dialetizar ambos, misturá-los numa receita tão balanceada quanto possível.
Paciência e
impaciência
Embora
pareçam absolutos, não são. São relativos: às vezes, deve-se perder a
paciência, após cultivá-la. A impaciência é, em si, um erro; mas também depende
de seu contexto.
Poderíamos
preencher os olhos do leitor com firulas e sacadas elegantes sobre todos os
pontos acima, um por um. Mas é desnecessário. É claro, por exemplo, que somos
imperfeitos por natureza, que misturamos os opostos na prática. Surgem,
ademais, leis como desrespeitar os desrespeitadores, ser egoísta contra os
egoístas, ser desleal apenas contra os desleais, respeitar apenas os que
respeitam, ser tolerante apenas com os tolerantes etc. Eis regulações,
reciprocidade.
Temos,
então, dois tipos de relação categorial – a relativa e absoluta. Numa, um
conceito exclui de pronto o outro. Noutra, um conceito mistura-se com o outro.
O erro comum é misturar de modo exagerado as duas classes: relativas, mentir ou
matar tornam-se uma proibição de pedra, lei de pedra, absolutas, dos 10
mandamentos, mas há situações e situações.
INVERSÃO,
INVERSÃO MORAL
O jovem Marx faz observações perspicazes. Entre elas: um burguês, mesmo
que analfabeto, certamente é um gênio, pois o cientista é seu funcionário –
como seria menos inteligente se superior na hierarquia social, se o contrata? O
burguês feio torna-se o mais bonito e sedutor por natureza quando com seus
bolsos cheios. Se alguém vil, torna-se logo alguém admirável.
A inversão social presente, parece necessária. No entanto, a questão de
sua necessidade ainda permanece oculta. Na dialética, o que é sorte no mundo
que aparece revela-se azar no mundo essencial; o que é moral em um é, ao
contrário, imoral em outro etc. Por que assim, também, na inversão?
Lula é o maior serviçal da burguesia na história deste país, mas aparece
como grande líder social. As classes e regiões mais pobres mais votam nele,
como se uma gratidão antiga. Ele é de todo consciente de sua farsa, e a
alimenta para preservar o governo e o regime.
Por outro lado, Bolsonaro é o mais incapaz de governar, mas parece como
o mais capaz para muitos; o mais oportunista, mas parece como o mais honesto; o
mais entreguista, mas parece como o mais nacionalista; o mais fraco, mas
aparece como o mais forte.
Os seguidores de Bolsonaro sabem, no fundo, que ele é um idiota
oportunista e, exato por isso, afirmam dele o contrário. A necessidade social
relativa, em certas classes, por um político de traços fascistas gera
necessidade de falsificação, de inversão. É preciso afirmar todo dia o
contrário daquilo que é ele, sua natureza.
Bolsonaro e Lula aprenderam ou têm o jeito de povão, como se um membro
da família. Tal manha é necessária para ganhar simpatia popular e voto. Eles
comem carne importada como se fosse alguém popular.
A necessidade de ilusão, inversão, ocorre junta da necessidade da
autoilusão, uma expressão dela. Hitler era alguém risível, para quase todos
incluso apoiadores, mas todo um teatro social formou-se para tê-lo como alguém
quase místico.
A tragédia torna-se farsa; a farsa, tragédia. É insuficiente perceber o
fenômeno, pois também devemos, mesmo que grosso modo, explicá-lo. O imoral
parece como o moral; o moral, como imoral. Os atores e seus perfis trocam de
papéis segundo o público que mal interpreta o teatro.
Há uma necessidade social, ideológica, de justificar a vida, as coisas
tal como são – mesmo que para isso necessitemos usar de certa maquiagem ideal,
sentimental etc. Ver tudo de cabeça para baixo ocorre porque tudo está, de
fato, de cabeça para baixo. È o terror bíblico do justo passar por injusto, e
vice-versa. Por exemplo, Trotsky, o homem mais pleno de moralidade no movimento
comunista durante a era Stalin, foi caluniado em todo o mundo como mais imundo,
fascista, infiltrado, oportunista etc. E Stalin, um dos maiores oportunista da
história, foi visto como pai dos povos, justo etc. O injusto deve sempre vestir
a roupa aparente de seu inverso, de seu contrário do contrário.
EXPOSIÇÃO
DIALÉTICA DE NOSSAS IDEIAS – CRÍTICA DA ÉTICA
VÁZQUEZ
Vázquez
escreveu um livro, Ética, que ganhou bastante fama de seu tempo até nossos
dias. Ele apresenta a obra como introdução à área, mas isso é um engano: certa
visão clara e específica sobre moral está exposta por toda sua obra aos
estudantes e aos leitores. Trata-se de um marxista, por isso, para pensar uma
ética marxiana, temos de ver se o autor citado já ofereceu, ou não, as
respostas necessárias. Vejamos suas concepções erradas, uma a uma:
1. A ética não tem princípios
universais.
Primeiro
erro, pois, além de elementos históricos parciais, de cada modo de produção, há
elementos gerais.
2. A ética é teoria.
Para ele, a
ética é teoria da moral – mas a ética é também ontológica, real, não apenas
gnosiológica, do pensamento.
3. A ética é ciência da moral, não
filosofia.
Confunde
ética com história da ética como pensamento e como realidade. A questão se
resolve, portanto, assim: ética é tanto filosofia quanto ciência porque
filosofia é ciência.
4. A ética é racionalista.
Ora, hoje
sabemos que o pensamento está lastrado em fatores inconscientes irremovíveis.
5. Ética pressupõe conduta.
Mas o
crescimento do debate moral só pode surgir se 1) há sua ausência, 2) cresce o
número de opções reais.
6. Moral são normas.
Não
necessariamente, pode não haver listas para certa moral.
7. Moral nada tem a ver com
natureza humana determinista.
Porém, o
homem pode, sim, agir contra sua própria natureza humana, se ela existe – e
existe. Ele não vê que, se a natureza humana é histórica, também é histórica a
formação de nossa espécie.
8. Se é inevitável, não é imoral.
Para o autor
citado, a escravidão antiga promovida pelo senhor não era imoral porque
inevitável. Mas sempre há alternativas. O burguês não seria imoral por empregar
crianças, pois é vítima de uma lei cega e impositiva…
9. O normativo é diferente de
moral.
Deixa,
assim, de ver que o normativo e a moral derivam ambos do factual.
10. Os participantes
aceitam livremente certa moral.
Isso é
metade verdade, metade mentira, pois desde o berço somos condicionados.
11. Moral e religião são
diferentes
A religião
vem, em grande medida, da moral – forma de manter e impor certa moral.
12. Moral e política são
diferentes
Também aqui
não vê a unidade interna da diferença. Toda tarefa é impor certa moral na
política, fundi-los e livrá-los de suas separações, algo realizado no
socialismo.
13. Moral e direito são
diferentes.
Mas
concepção moral dominante produz o direito dominante. A moral também cria meios
de repressão, ainda que não físicos.
14. Moral e trato social
são diferentes; aquele é interno e este, externo.
O trato
social deriva de e mantêm certa moral, a moral em ato.
15. Liberdade é ter
consciência da causalidade do mundo.
Cai, então,
numa posição idealista sem o saber. Na verdade, nós somos individualmente livres
para escolher porque nosso cérebro, embora seja apenas um com a realidade,
também é um outro para ela e dela; ou seja, o cérebro é produtivo, além de ter
autonomia relativa. A necessidade, ao lidar com a energia, produz cada vez mais
liberdade, ou seja, alternativas. A realidade tem alternativa, assim a
liberdade é objetiva; nós escolhemos aquilo que já iremos escolher entre as
opções dadas; liberdade é ter, assim, opções; mais liberdade é ter mais opções
para escolher a de nossa inclinação, pois não escolhermos desejar o que
desejamos.
16. O valor é apenas social.
Ele não sabe
a origem do valor: o trabalho ou sua economia para uma finalidade. Assim como a
realidade é já a própria possibilidade por razão de suas propriedades –
propriedade é já o valor, ainda que não pensado ou conceituado. Logo, o valor
só é na coisa. Ademais, a relação homem-natureza é moral, subordinada a
valores.
17. A moral não serve a casos anormais.
Alguém com
cleptomania não seria imoral, pois ele nunca escolhe roubar. Mas a moral serve
exato para saber quais são os casos anormais, disfuncionais para aquela
sociedade. A moral regula e, assim, controla – manda o doente ao psicólogo, por
exemplo.
18. Diferente de no socialismo, o patrão e o operário na produção não
operam relações morais.
Não! Isso é
fetiche! É uma forma de relação social coisificada.
19. O valor é algo do sujeito, subjetivo.
Na verdade, o valor ob, sub e intersubjetivo, ou seja, tem suas camadas,
que se mistura.
20. a moral é bom ou bem.
Mas pode haver moral imoral, porque é conduta prática.
21. Na moral, limitamo-nos a conceitos opostos.
Cai-se assim, na antidialética. Demonstramos que egoísmo e altruísmo são
superados pelo mutualismo.
22. O valor moral depende de seu resultado.
Ora, a ação – e a intenção – pode ser moral, porém o resultado,
incontrolável no fundo, pode ser imoral. Pode haver, assim, contradição no
processo.
23. Devo porque posso.
Correto e dialético, mas limitado. Ele diz que devo escolher a opção
mais moral porque tenho tal alternativa. Certo, porém, também: posso porque
devo. O dever ser já apresenta diante de nós a opção correta, ainda que
difícil.
24. A moral é social.
Parcialmente certo. Mas não somos tábua rasa: nascemos com essência
humana – ser integrado, ser mutualista e ser ativo. O home ainda é animal.
51.
Nem somos
totalmente absolutamente autônimos, pois estamos na realidade, nem somos de
todo e em absoluto heterônimos, pois somos individuais e livres.
Em parte. Primeiro, porque subjetivamos a
objetividade, a norma externa passa a ser parte de nós mesmos, interna.
Segundo, vai-se de realidade psíquica e social, na história, de heterônima
para, de modo relativo, cada vez mais, autônoma (A=A e… Não-A). O problema de
afirmações fixas e clara é que elas não expressam o tempo e o processo dentro
de si.
- Apenas existe a norma de cada época
específica.
Não necessariamente, pois uma norma geral pode ser
válida para diferentes etapas históricas, embora isso seja possibilidade real.
28. Os juízos
morais são enunciativas, preferenciais ou imperativas.
Ele deixa de ver a união dialética delas, embora
tenha aproximado duas. Assim, dizer “faça isto” (imperativa) também dizer, de
maneira oculta e por derivação, “e não faça aquilo” (preferencial). A
imperativa é, logo, uma enunciação de que o que se deva fazer é correto, justo
etc. Além disso, esquece o juízo do conceito, que afirma: isto feito deste modo
é bom belo, justo etc. Que tem forma e conteúdo juntos no enunciado.
29. Moral é
relação com os outros.
Na verdade, pode ser relação coma natureza e,
também, consigo, automoral.
30. A moral da
tradição, por não ser refletida, é negativa.
Moral é, também, tradição. O pensamento da moral
muitas vezes serve apenas para justificar o que já se tem na sociedade e em si.
31. A moral é
justificada 1) socialmente, 2) na prática, 3) na lógica, 4) na ciência, 5) na
dialética (história).
Ora, qual sociedade? Para que tipo de prática? Com
qual das tantas lógicas existentes? A ciência é humana, pode errar, pode ser
imperfeita e muito imprecisa, gerando morais erradas como o racismo desde a
teoria evolutiva. A ciência não é feita de consensos, nem de paradigmas fixos
Na história, o autor criticado pensa a história
como evolução quase linear da moral. Cai em relativismo histórico. Como na
parte, as morais de cada tempo são diferentes, não em si superiores entre si –
até amoral de fato superior surgir, a socialista. E na mesma ética há morais
contraditória com outras e com o seu próprio mundo social. Mas deve-se separar
o concreto do abstrato: há um julgamento moral da história da moral, cujo eixo
é se tal norma humaniza ou não o homem.
32. A moral
cabe ao indivíduo.
Ora, grupos humanos também podem, como conjunto e
em conjunto, operar atos morais ou imorais.
33. A moral
acomoda-se ao seu mundo.
Mas a moral de um mundo pode entrar em contradição
com ele mesmo, e o mundo é contraditório consigo.
HERÁCLITO
Para ele, o
conflito (guerra, contradição etc.) também é algo produtivo, construtivo e
positivo; mas não entende sua tarefa de superação. Como considera tudo plural
uma unidade, diz que o homem deve repstiar tal unidade mesma; logo vemos o
limite conforsita de sua visão genial.
SOFISTAS
Para eles, o homem é a medida de todas as coisas. Logo, a verdade é
subjetiva, não objetiva. Já demonstramos, ao contrário, que a matéria é a
medida de todas as coisas.
PLATÃO E
SÓCRATES
Ao escolher morrer envenenado, após condenação de sua tribo, Sócrates
deu uma lição de moral: respeitar ao máximo sua coletividade, pois nada seria
fora dela. Platão, seu discípulo, conclui o primeiro livro de sua A República
no mesmo sentido: a justiça deve ser a mesma coisa que o coletivo respeitado.
Não por acaso, ele fala da guerra: os guerreiros devem agir de modo coletivo se
querem vencer, sem egoísmo. Assim é porque a sociedade escravista é belicista
ao extremo. Mas, se há necessidade de isso debater, então isso não é realidade
evidente.
ARISTÓTELES
Defendia o meio-termo entre extremos opostos de conduta. Ele pensou,
assim, o método como algo externo aos fatos e ao objeto de estudo. Além do
mais, pensava que a felicidade era a contemplação filosófica Mas o homem também
é cozinheiro das coisas: age, produz e
cria. E se a felicidade, hoje, não for possível? Logo responderemos a pergunta
Como Aristóteles ofereceu um verdadeiro paradigma e uma obra
sistemática, devemos dar mais atenção para refutar sua filosofia. Vejamos ponto
a ponto, gradual:
1.
Moral e
felicidade são coisas humanas
Hoje sabemos que não é assim, ao menos nos animais superiores. Mas,
claro, assim é de modo ímpar entre os humanos.
2.
Cada um tem
ou almeja um bem
Não. Os diferentes bens são unificados no bem comum
3.
Um bem não é
superior por durar mais
Mas o bem também é matéria, que deve permanecer
4.
O bem não
serve a todas as ciências
Nossa teoria geral do valor provou o contrário. O bem, em geral, se
particulariza.
5.
A felicidade
é algo completo
O pai da lógica formal não sabe que a vida é contradição. Tentar
evita-las no lugar de desdobrá-la apenas produz mais problemas.
6.
Felicidade é
atividade
Felicidade é objetividade e subjetividade – também.
7.
A moral é
racional
Não: a moral é racional e irracional ao mesmo tempo, consciente e
inconsciente.
8.
O hábito
forma o caráter
Isso é antidialético. O caráter também forma o hábito. Além, disso,
aspectos físicos, relacionais e biológicos (este, parcial e mediado) também
fazem o perfil pessoal.
9.
Amar
mulheres casadas é um vício – para siso não é meio-termo
Ora, a monogamia é inatural na humanidade. Se quisermos: entre a
monogamia e a depravação, há a poligamia (relações livres etc.).
10.
Deve-se
seuir a norma social
Ela pode estar erra. Segue a máximo: se uma lei é injusta, devemos
desobedecer a legalidade.
11.
O homem é
causa primeira de suas ações
Não! A realidade total manda, o mundo muito maior do que nossas
cabeças. A causalidade é dialética, não
mecânica.
12.
A ação ética
é de todo voluntária
Desde Freud, ao contrário, sabemos que voluntária e in.
13.
O desejo, o
querer e o impulso são voluntários
Mas se o inverso deles é ruim, logo somos forçados em certo sentido a
segui-los.
14.
O forçoso é
involuntário
Só um escravista diria isso! Pode ser voluntário, esmos e forçoso.
15.
Atuar por
ignorância é involuntário, logo não imoral
Tal afirmação não se sustenta. É voluntário, mesmo se com informaçõess –
sempre – incompletas.
16.
Querer e
opinar são diferentes de escolher
Não! Querer e opinar já são escolher, embora a razão possa redirecionar.
17.
Deseja-se
porque deliberou-se
Pode ser:
mas pode deliberar-se porque desejou-se.
18.
O fim é
sempre, por natureza, bom
Nem sempre:
pode-se escolher um fim errado. Enriqueceu-se, mas ficou mais infeliz. O fato de
buscarmos a felicidade não garante que saibamos o que de fato a causa em nós.
19.
O fim é que
importa
Ora, há interdependência de fim e meio. O meio também importa.
20.
A justiça,
por exemplo, não gera injustiça
Mas o mundo é complexo, e a causa pode entrar em contradição com seu
efeito.
21.
A ética gera
felicidade
A boa ética não garante felicidade.
22.
Não há
acaso: os felizes por acidente foram abençoados pelos deuses
Basta ser ateu para refutar tal afirmação. No mais, o acaso é a causa
acidental: acaso e causalidade são um, sendo dois. Acaso e sorte acontecem,
existem. Mas ele cai em Deus! Podemos, ao contrário, facilitar a sorte e a
tendência de vitória.
23.
Deve-se ir
ao nobre, o homem totalmente ético
Assim, ele pensa um homem ideal, artificial, inexiste.
24. Todos os bens são particulares
Todos os
bens, na verdade, buscam a matéria.
25. A busca da ética é a felicidade
Mas a ética
não busca apenas a felicidade. Ademais, uma ação ética pode gerar infelicidade.
26. A política serve ao bem comum
Numa
sociedade de classes, a política serve a uma classe.
27. A prática justa gera o homem justo, etc.
Mas o ato
juto e bom em si pode ter 1) intensão oportunista e 2) efeito contrário ao
esperado.
28. É-se bom de apenas um modo e mau de vários.
Na verdade,
pode-se ser bom de vários modos também.
29. A raiva etc. e sua ações sempre são voluntárias.
Nem sempre:
pode-se perder o equilíbrio e a razão.
30. Pode-se ser injusto sem ser uma pessoa injusta.
Ora, ser justo ou injusto não é uma essência imutável, mas uma prática
teória e uma teoria prática. Em resumo: é-se – sendo. Quando se está justo, se
é justo; quando se está injusto, se é injusto.
31. Enfim, deve-se buscar o meio termo entre extremos
Isso é a
falácia do meio-termo, do bom senso. Como dissemos: há momentos para respeitar
o medo; outros, a coragem; outros, a máxima imprudência. O problema não se
resolve com lógica a priori, mas com o contexto. Ao subordinarmos o medo, a
coragem, a prudência e a imprudência às circunstâncias – nós superamos, como se
pairamos acima, os conceitos de medo, contagem, prudência e imprudência. De tal
modo, entre outros, suepera-se a tradição de Sócrates. A definição depende do
contexto.
Aristóteles
foi, assim, concluímos, um gênio – errou em quase tudo por culpa de seu tempo,
não por sua cabeça.
ESTOICOS
Diziam que o universo tem cada coisa em seu lugar, logo devemos aceitar
o destino. Isso é ser passivo, portanto, triste. O homem é desejo.
EPICURISMO
Defendia o
respeito ao desejo, ao prazer, mas de modo moderado para evitar vícios
(bebia-se café sem açúcar, mas agora maioria é incapaz disso, exagerou-se). O
rpblemade Epicuro é 1) não ver a necessidade de luta social diante da
decadência, 2) quase sempre, impossível ser feliz, logo, deve-se tentar apenas
uma vida que valha a pena.
CRISTIANISMO
Se Deus e Lúcifer existissem, este trabalha para aquele. O Anjo da Luz
pune o mal no inferno. Além disso, deu ao homem a sabedoria. Eia a contradição
fictícia e interna da mitologia cristã.
HOBBIES E
SMITH
A ideia, em Hobbies, de que o homem é o lobo do homem tem validade
empírica, mas temporária, e não natural (cerebral) ou estrutural – mas a ideia
de comunidade unida já está, de cerda forma, nele desde a necessidade do
Estado, da organização. Já o economista filósofo Adam Smith afirma que o
egoísmo de cada uma faz com que, como se fosse mão invisível, a sociedade
progrida e o bem prospere. Mas a história do capitalismo refutou tal concepção.
Sem economia planejada e sua solidariedade democrática a sociedade vive o caos
negativo.
MAQUIAVEL
Toda teoria tem sua versão vulgar. Nos senso comum, o maquiavélico é
aquele que manobra, trapaceia, manipula e joga. Algo um tanto injusto com o
italiano, pois ele era um pensador seríssimo e justo. Mas era, também, realista
ao extremo. Sua famosa frase “os fins justificam os meios” de fato leva à
compreensão de que todo artifício é válido para conseguir o desejado. Trotsky
afirma tal lógica, mas acrescenta um limite: os meios devem ser os meios
apropriados para o fim. Em minha formulação: os fins justificam os meios, mas,
também, os meios devem justificar os fins. Mais. O fim já se realiza no meio,
no processo, cada vez mais e tendencialmente, o meio já é o fim, embora não
realizado. Se quero acabar com a alienação, devo, respeitando o futuro desejado
e mais maduro, praticar desde já ações desalienantes.
HEGEL
Para o alemão, a luta do homem contra o homem é o motor de história
(Marx e Engels atualizam e criticam ao mesmo tempo ao afirmarem que a luta de
classe é tal primeiro motor). Nesse sentido, a dialética hegeliana afirma que a
contradição é produtiva, além de destrutiva; portanto, temos base da moral,
segundo ele.
Hegel inspira-se na economia política – o egoísmo de todos faz o bem
social na totalidade – e, claro, nos filósofos iluministas. Mas, como idealista
que foi, afirmou: a sociedade externa expressa como os homens de fato são por
dentro, internamente. É desse modo que ele unifica o subjetivo e o objetivo.
Não haveria, por isso, contradição entre indivíduo e sociedade. Ao contrário,
dizemos que a objetividade – não controlada pelo homens – é que faz certa
subjetividade, ainda que possa entrar em contradição com a real natureza
humana.
No fim das contas, a concepção de Hegel não é concepção alguma. Mas ele
soube disser isto: certa moral surge da necessidade de certa moral. Desse modo,
ele foi um materialista invertido, um idealista objetivo. Quase acertou o ponto
em questão.
Na história idealista, Hegel afirma que, antes, a coletividade era tudo
– o indivíduo era nada. Depois, no capitalismo, o indivíduo é tudo e o
coletivo, nada. È chegada a hora, para próxima etapa era o socialismo.
KANT
Kant comete três erros. Primeiro, diz que devemos fazer algo por guia
única da razão – não fazer o que se quer, negar o desejo, que é, para ele,
irracional. Mas a minha razão pode convencer minhas emoções racionalmente.
Segundo, diz para não fazer algo que condena que façam sobre si mesmo; certo,
mas se eu for um masoquista que gosta da punição, da derrota e do sofrimento?
Isto é, ele pensa um sujeito abstrato, sem concreto, irreal, sem contexto etc.
Além disso, considera que ação moral é pura, sem peso da realidade na decisão.
Kant pede para que o homem seja fim em si mesmo, não meio. Eis o
socialismo! No entanto precisamos do homem total como fim em si mesmo. Total –
não realizado ainda. Total – não apenas o indivíduo.
UTILITARISMO
Tal escola é vista como egoísta, mas isso é um erro. Para eles, o bom é
o bom para o maior número de pessoas possível, mesmo se prejudica o sujeito da
ação. Eles resolvem o problema do egoísmo e do altruísmo apenas de forma
negativo (resolvo de modo positivo com o mutualismo, que funde ambos). Isto: pode
ser má ou boa ação, o que importa é o resultado de prazer para a maioria. É um
instinto democrático em ascenção. Muitos de tal escola pensam, ademais, num
utilitarismo pluralista: o bom e o bem seria prazer ou, outro caso, poder ou,
terceira opção, conhecimento etc. Se descemos ao chão e pensarmos o classismo
na realidade: tal pluralidade de opções guarda um objetivo de fundo comum – o
fim da alienação, o socialismo, a humanização do semelhante.
UM PARADOXO
DAS MORAIS
A ética de Aristóteles, Kant, dos utilitaristas etc. ao menos a maioria
deles, levariam a quebrar ao meio o sistema do tempo em que foram pensados (de
modo positivo ou negativo). Se suas ideias abstratas descessem ao mundo, fossem
concretas, quebrariam concreticidade. Elaboraram suas teses e normais sem
atentar para a divisão de classes no mundo real. A ideia de fazer algo para o
agrado da maioria (utilitarismo) ou certo em si (kantismo), derrubaria o
sistema baseado na moral imoral, o sistema de classes. Assim, ao serem contra o
concreto, são contra o concreto, o sistema.
No mais, afinal: o que determina uma ação moral? Alguns dizem ser a
intenção (Kant); outros, o resultado (Bentham etc., utilitaristas). Ou um, ou
outro. Assim, cai-se na lógica formal e na unidade que não abarca a pluralidade.
Além disso, quer-se evitar a contradição. O problema circular cai e loop, num
jogo sem fim. Ora, uma ação pode ser moral, mas seu resultado ser imoral – e
vice-versa. Uma ação pode ser oportunista sem intenção oportunista.
DIALÉTICA DO
SENHOR E DO ESCRAVO
Hegel afirma que o Senhor teve a coragem enquanto o escravo focou no
medo da morte; assim, aquele generaliza o que este toma como concreto; aquele
tem a consciência essencial, mas por mediação deste, com e como a inessencial.
Tal formulação na Fenomenologia do Espírito não tem validade teórica ou
empírica, apenas algo da história da filosofia supervalorizada. Talvez se torne
útil enquanto metáfora. Nietzsche, o grande elitista, reformulou a imagem
assim: o senhor vê mundo como bom ou ruim; já o limitado escravo julga tudo
como bom ou mau. Neste livro, fazemos diferente de Lukács, que apenas nega e
(des)qualifica adversários do marxismo, pois fazemos a crítica imanente de
escolas teórico-filosóficas, desenvolvendo ou reformulando seus caminhos.
Vejamos. É, ao contrário, o senhor de escravos quem define o mundo como bom ou
mau, pois ele é o polo idealista ou “espiritual”, do não prático, e isso é
demonstrado quando o branco escravista do Brasil tratou a religião de origem
africana como satanista, má. Já o escravo tem relação direta com a matéria, com
o material, materialista e prático, logo deve definir o mundo como bom ou ruim.
É o oposto do que disse o último alemão, o irracionalista; além disso, claro
que o escravo toma seu senhor como mau, pois de fato o é, logo ele é mais
completo, pois vem o bom e ruim e o bom e mau no mundo com maior maestria, o
cérebro-consciência dele mais necessita ver cruamente a realidade. O senhor
nega-se a ver na rebeldia de seu subordinado uma afirmação de humanidade, insiste
em vê-lo como coisa, ferramenta falante; o escravo, a noutra ponta, ver-se como
humano desumamizado e saber que a humanização e superioridade do seu “dono”
apenas é possível por meio da sua exploração, do roubo de trabalho. Assim, o
escravo alcança instintivamente a identidade na e da não identidade enquanto o
senhor insiste que A é igual à A, esta pobreza espiritual, que algo é apenas
igual a si mesmo, numa oposição supostamente fixa entre ele e o outro, que não
tem sequer a dignidade de ser outro para ele. Mas Hegel e Nietzsche não veem as
coisas tal como são porque tomam as dores da burguesia para si, ainda que tal
classe ainda tenha sido revolucionária e “oprimida” no tempo do primeiro
pensador.
Isso é expresso na prática e hoje quando o marxismo, o ponto de vista da
classe operária, é o mais avançado e dinâmico na produção teórica acadêmica e
partidária – na área de humana. Além disso, este polo operário abraça para si a
dialética, não apenas a lógica formal. De tal modo, influencia até as ciências
naturais com Einstein, comunista, e Born, um socialista dialético, terem
avançado tanto na macrofísica e na quântica, contra o limite positivista e
mecanicista de seus pares.
Podemos aproveitar o alemão irracionalista do seguinte modo: a relação
homem-coisa, no trabalho, pesa o bom e o ruim – as relações do homem com os
demais, com a natureza e consigo pesa o bom e o mau.
NIETZSCHE E
O NAZISMO
Certa famosa especialista no alemão irracionalista ofereceu duas
afirmações em sobre seu objeto de estudo: 1) Nietzsche não tratou da moral do
senhor e do escravo de modo marxista, ou seja, de modo histórico; 2) Nietzsche
não deu base ao nazismo, pois elogiou os judeus em citações. Ora, a comentadora
deverá reler as obras dele… Já no início de seu texto magno sobre moral, ele
por exato critica todos os teóricos anteriores por não terem uma visão
histórica, no tempo, na origem, ou seja, na genética. Em segundo lugar, ele
afirma que a decadência ocidental é causada pela moral judia, pela degeneração
causada pelos judeus (e ainda elogia a raça ariana). Além disso, critica a
mistura de raças como degeneração estimulada pelos judeus. Ora, eis a
matéria-prima para o nazismo, para o arianismo. Ele é a justificação teórica do
fascismo alemão. Nietzsche era elitista, defensor das classes dominantes como
superiores e nobres no duplo sentido de nobreza; além disso, anticomunista. Um
dos seus erros é transpor lógicas das relações pessoais para relações sociais,
algo feito de modo forçado e artificial. Quando Lukács o criticou nesse sentido,
base do nazismo, como criticou, junto, os demais irracionalistas; acadêmicos
pomposos e inimigos oculto da ciência em todo o mundo declararam raiva
irracionalista contra o marxista de alto nível, eram incapazes de aceitar a
verdade de sua letra, criticaram logo aquilo em que ele mais acertou, assim não
viram sequer seus limites.
KIERKEGAARD
Para ele, existem três modos de vida: 1) o religioso, o superior e causa
de felicidade; 2) o ético, em que o individuo é controlado pelo meio; 3) o
estético, voltado aos prazeres e o mais vil. Problema: deuses não existem.
Segundo problema: o homem é coletivo, precisa seguir certa ética de modo
relativo ao menos. No mais, a vida estética, com seus prazeres, soa, como
verdade que é, a opção correta.
SCHOPENHAUER
A partir do
foco de Kant nos sentidos, tal pensador pensou que o desejo ou o desejar é o
nosso mal, a fonte da infelicidade. Como um religioso, pregou negar os desejos
e vontades, fontes de frustração, ansiedade e tédio. Não é preciso muito
esforço para negar sua filosofia.
LUKÁCS
O pai da ontologia marxista morreu antes de iniciar sua obra de ética
marxista. Deixou-nos apenas notas e indicações. Porém, ele antecipou a questão
da liberdade. Nós, humanos, em nossa história universal, à medida em que
aumentamos a produtividade do trabalho, somos mais livre, mais individuais e
com mais opções. Em minha dialética, diacrônica, com determinações de
desenvolvimento (A=A e…Não-A), estou com o pensador citado: a necessidade
vai-se, permanecendo ela mesma, tornando-se cada vez mais liberdade. Do menos
ao mais livre ainda dentro da necessidade. Pois bem: ter mais opções leva a
pensar uma ética para escolher as melhores, as mais justas, as mais
emancipadas. Como disse em outro momento, somos da heteronomia, subordinação
moral a fatores externos, que são também subjetivados, para, sem romper, cada
vez mais autonomia.
Hegel considera que não há contradição indivíduo e sociedade (coletivo)
porque, para ele, idealista, a sociedade é fruto da cabeça dos homens. A
sociedade seria sua imagem e semelhança. Lukács faz o inverso: para ele,
materialista, também não existe tal contradição, pois o coletivo social faz o
indivíduo e seu pensamento, com o perfil correspondente. Ora, existe essência
humana, que pode ser desrespeitada. E existe contradição na sociedade que
contamina o indivíduo, e este entra em contradição com o todo ou com o todo por
meio de outros indivíduos. Tomamos lado, ainda que sem percebermos, na
autocontradição social. A harmonia do indivíduo e da coletividade, ambos sendo
afirmados, ainda não é fato, ainda é tarefa.
Para Lukács, há diferença entre moral e ética. Moral se referiria ao
indivíduo, para si, em relação ao gênero; a ética, ao oposto, se referiria ao
respeito ao gênero, sobre o indivíduo. Ora, assim ele se limita à mera
oposição, sem ver a unidade interna de ambos, pois moral é igual à ética. Ambos
estão misturados e em interpenetração na realidade. Temos, portanto, a
identidade dos opostos, comoa unidade do universal geral (gênero) e do
individual singular. A ética geral faz a moral individual; a moral individual
fez a ética geral – um só mundo, logo, um só corpo e um só espírito. O fato de
haver duas palavras para o mesmo objeto é apensa uma coincidência histórica.
CAMUS
Como vê apenas utopia no socialismo, ao deixar de entender sua necessida
histórica, aposta apenas na pura revolta contra a suposta falta de sentido para
o destino. E sua revoluta é sempre apenas individual, além de quase que apenas
destrutiva e negativa.
ESSÊNCIA OU
EXISTÊNCIA?
Os gregos pensavam que, assim como a pereira produz pera, cada homem tem
um lugar natural, um talento seu ou essência. O existencialismo pensa o oposto,
que o homem faz a si próprio, a existência individual precede a essência. Pois
bem; ambos estão certo e errados. Alguém que nasce com TDAH tende a ser
criativo para a arte e a política, mas estará em más condições, em geral, como
dirigente militar. É verdade que não se nasce mulher, torna-se; mas é verdade,
também, que não se torna mulher, nasce-se – tem traços femininos determinados
desde antes do nascimento. É outra forma de dizer isto: os homens fazem sua própria
história pessoal, mas a fazem sob condições dadas, incluso biológicas e
ambientais, que não escolhem. Eu sou Eu e minhas circunstâncias, mas o Eu é
também circunstância. Eu sou o que sou.
O existencialismo como escola de pensamento surgiu e cresceu com o
aumento da democracia, a invisibilidade urbana elevada, o fato – em principal –
de sermos mais sociais e mais individuais relativo à antes, a existência de
abundância de mercadorias, a elevação das classes médias etc. A necessidade –
causalidade etc. – produz, em seu desenvolvimento, a liberdade, ainda que
relativa e parcial (teleologia etc.). A liberdade (abstrato) é a necessidade
(concreto) em autorrelação e autodesenvolvimento (processo). Daí a ilusão de
que somos já de fato livres e independentes, a inflação exagerada do conceito
de liberdade individual.
Para Sartre, ademais, o valor é subjetivo. Na verdade, unidade do
subjetivo e do objetiva, existe na própria realidade.
MORAL E
CAPITALISMO
Há a moral dita e a moral feita ou efetiva. O capitalismo precisa vender
a moral de que somos todos iguais e livres. Mas, na prática, somos escravos
assalariados.
CATEGORIAS E
ÉTICA
A dialética é a contradição de categorias opostas. Mais do que isso: a
contradição e a diferença também devem dar lugar à unidade oculta das
categorias em oposição. Os teóricos da ética adotam uma categoria contra outra,
de modo impressionista e unilateral. Como esta obra tem pretensões populares,
apresento os conceitos em linguagem concreta e clara, contra o estilo de Hegel,
o pai da moderna dialética.
FORMA E CONTEÚDO
O conteúdo de uma ação pode ser boa, como a sua intenção, mas sua forma
de aplicar ser ruim, negativa. Isto é, pode haver contradição entre forma e conteúdo.
Na mente, pode-se focar apenas em um ou em outro – para produzir certa teoria,
por exemplo. Sartre foca apenas no conteúdo; Kant, apenas na forma.
APARÊNCIA E ESSÊNCIA
Diz-se que é insuficiente ser bom, deve parecer bom igualmente. O que
aparece como bom ou bem visto de modo isolado e na aparência, pode ser ruim ou
mau no todo e na essência. Nem sempre são contraditórios, mas saber que isso
pode acontecer já é um alerta importante.
NECESSSIDADE E LIBERDADE
Debatemos exaustivamente, neste livro, o tema. Alguns veem apenas a
necessidade, como o imperativo categórico de Kant, do dever fazer; outros, a
liberdade irrestrita, como Sartre. Ora, somos cada vez mais livres, mas nossa
mente tem opções limitadas e sempre escolhemos o que vamos, de fato, escolher.
CAUSA E CONSEQUÊNCIA
Eles também podem entrar em contradição: a consequência pode ferir a
causa e suas bases. Ademais, a consequência pode tornar causa de modo
retroativo no sistema em questão. A causa pode ser boa moralmente, mas sua
consequência ser má em sua moral, mesmo se regra não for. A causa e o seu
efeito nunca estão isoladas do contexto, que também pesa nos resultados.
INTERNO E EXTERNO
A moral interna real se externaliza na ação e na linguagem. Por outro
lado, caminho inverso, a moral externa sempre, em alguma medida, torna-se
internalizada. Há quem defenda o respeito às normas sociais e externas; há quem
defenda o valor do interno, da subjetividade etc. Ambos desconhecem a
verdadeira essência humana e do mundo social, além da relação às vezes
contraditória do externo e do interno.
ABSTRATO E CONCRETO
Deve-se, primeiro, observar o ato moral de modo isolado, por si. Mas, se
queremos ser rigorosos, devemos observá-lo de acordo com suas interconexões com
a realidade posta.
INTENSIDADE E EXTENSIVIDADE
O utilitarismo diz que devemos agradar o maior número possível de
pessoas. Mas a extensividade pode estar contra a intensividade, e a quantidade
contra a qualidade. A questão é que tal norma “agradar ao maior número” não tem
como ser a norma última. A verdadeira norma, que dá a extensão e a intensidade
em cada caso concreto, depende da emancipação, do fim da alienação, da
humanização do homem. A posição filosófica egoísta, ao contrário da
utilitarista, foca apenas na intensividade: em defesa de meu prazer máximo,
mesmo prejudicando aos demais.
MEIO E FIM
Também debatemos muito tal tema neste livro. O meio deve ser o meio de
um fim, conectados. Ademais: o meio já vai realizando, no processo, aquele fim
que estaria apenas no final. O fim realiza-se, em alto grau, depois, mas
amadurece antes. Fim e meio são apenas um, embora dois. Alguns autores focam
apenas no meio, no ato em si; outro, apenas no fim, na consequência. No
entanto, podemos abandonar a visão unilateral. Mas, quando o fim abandona os
corretos meios ou os meios tornam-se fim em si mesmo – contradição.
SINGULAR E GERAL
Há os que forcam no singular, no fato em questão, como Sartre e sua
liberdade enquanto lei suprema. Outros, no geral, ou seja, na norma, naquilo
que vale para todos. Um erra por não perceber que há normas que guiam. Outro
erra porque não adapta a norma às circunstâncias, ao contexto ou uma concepção
geral correta.
TOTALIDADE, CONTRADIÇÃO E MOVIMENTO
A verdade do mundo e da parte está no todo, pois tudo está integrado. Além
do mais, a contradição é inevitável; tentar escondê-la apenas piora a situação
– o outro é nosso inferno e nosso paraíso, a relação necessária. Por fim, tudo
muda: a verdade, os fatos, as pessoas, as circunstâncias etc. Conceitos e
relações conceituais, ao refletirem a realidade, também se alteram de tempos em
tempos.
A dialética exige muito de nós, pois fere um pensamento rápido e apenas
instintivo. Mas, sem a dialética moderna, torna-se impossível resolver as
oposições e polêmicas da história de tal filosofia. A ética correta faz a
correta relação das categorias opostas, isto é, a unidade interna delas.
ESTOICISMO
DIALÉTICO
Por que não nomear “autoajuda dialética”? A autoajuda pode passar de uma
literatura vulgar para algo mais elevado, apesar de preconceitos enraizados.
Aqui, combatermos os sensos comuns considerados alguma coisa como sabedoria
para os cidadãos. Descobriu-se que é sinal de baixa inteligência gostar de
frases óbvias repetidas várias vezes, assim como velhos por instinto de defesa
negam o novo e a novidade. Quem nada novo tem a dizer, que se cale! Aqui,
percebemos que os conceitos da dialética são úteis para melhor lidar com o cada
vez mais difícil mundo, exterior e interior.
MATÉRIA E IDEIA
O modo como vivemos determina o modo como pensamos e sentimos. De fato,
ouvir músicas tristes tende a nos entristecer (mas ficar triste ao ouvir uma
canção pode ser bom também).
Como a palavra é algo material, embora leve, logo o dito por nós e sobre
nós nos influencia na autoimagem. Seja realista consigo, com as qualidades e
defeitos, mas evite depreciar-se, pois pode acabar acreditando em si…
É quase impossível ser feliz na periferia de uma grande cidade. Isso é
fato. E sob o capitalismo, tanto mais difícil ter felicidade. Portanto, a
infelicidade é um dado hoje inevitável – deve-se tentar construir momentos de
alegria genuína para suportar a existência.
A cabeça segue o chão que os pés pisam, mesmo se com atraso. Ser feliz é
ser feliz quando o ambiente tem felicidade. Não espere estar sereno em um
ambiente por muito tempo desesperador. O natural é que se o meio é caótico,
nossa mente também o será.
Organize a tua casa, mas não tanto, sem taras por perfeições, que assim
organizará melhor teu pensamento. Lave as louças.
Às vezes, conviver com pessoas doentias nos adoece – mas podemos
enlouquecer de solidão se nos afastamos delas. Por isso, arranjar novas
companhias deve ser, em geral, um processo passo a passo, progressivo. Nossa
espécie necessita viver junta, agrupada, coletiva. Mentem os filósofos que
elogiam a solidão, que transformam o defeito enlouquecedor em qualidade.
Teus hábitos, meios e companhias te definem – mesmo. Diga por onde andas
que direi quem tu és. Por isso, tenha sempre isto em mente: o mundo é maior que
minha cabeça. A realidade determina tua mentalidade.
CONTRADIÇÃO
Se um filósofo promete paz consigo independente do meio, ele mente ou
mente para si. A coisa é risível. Claro que um monge tibetano é calmo, sábio e
alegre – ele vive isolado, no mato, com doações etc. Na cidade, ele seria
outro.
A vida é luta, conflito e contradição. Evite iludir-se com situações
ideais, perfeitas que nunca existirão. Ter em mente o supremo e o sublime gera
frustração e depressão. Temos de acolher a contradição como algo inevitável e
aprender, então, a geri-la, a acomodá-la, a fazer com que ela seja produtiva e
suportável sem rupturas ou esgotamentos.
Só quem muito sofre pode dar bons conselhos. Quem foi abençoado com
vitórias seguidas por toda a vida pouca consciência do mundo tem.
Melhor feito que perfeito. Foque em fazer ou em fazer bem feito, mas
evite a máxima excelência total. Quem tem pouca relação prática com a vida,
manual etc., tende a ser “idealista” demais, e na cabeça tudo é perfeição.
Nunca terá paz total porque a realidade é mudança. No fundo, queres mais
que paz e riqueza; queres uma vida vivida e vívida, que valha a pena,
emocionante, aonde tu importas, quando podes ajudar teus irmãos de espécie, que
te desafies etc. Claro, com direito à ferias de vez em quando diante de belas
praias topicais, pois somos de carne, não de ferro (e até o ferro pode
enferrujar…). Nós sentimos infelicidade, mas não sabemos por exato suas causas
ou todas elas; então,, um tanto pro influência do ambiente, pensamos que ela
virá pelo sucesso, pela riqueza, pela paz do interior, pelo isolamento etc.
Quando alcançamos o objetivo, esperamos igual o mais infelizes; descobrimos, na
maioria das vezes, que pegamos a estra errada. É preciso um pouco de sorte, ou
de ciência ou de sociedade para encontrar felicidade real, para saber aonde
está a fonte de água.
Como a alegria, a tristeza e a raiva são sentimentos legítimos – devem
ser vividos, sentidos. Do contrário, adoece-se. Se sentimos, necessitamos
sentir.
A META
Poderás realizar teus sonho, mas quase impossível do modo único
esperado. Virá de outro modo ou de outro “como”, além de imperfeições.
SER, NADA, DEVIR
A filosofia barata apela para o fato de sermos nada diante da imensidão
do universo –no entanto, sofremos muito, somos o centro de nosso universo
interno. Somos um ser e um nada.
Quando a filosofia manda deixar de se preocupar com morte, erra de todo.
Porque morreremos, devemos ter uma vida ao mesmo tempo irresponsável e
planejada. Vivemos como se fôssemos eternos; no fundo, não acreditamos na nossa
própria morte.
A função do medo da morte é gerar a iniciativa de viver com coragem – um
gera o outro, seu oposto. Assim deve ser.
CONCEITO SUPRASSUMIR
Se és mais velho, escreva para si um pequeno livro com sua história
sincera: erros, acertos, ousadias, imoralidades etc. Se és demasiado novo,
inclua planos, projetos, visões de si no futuro.
Nunca negue sua personalidade – adapte-a, torna-a mais funcional,
acrescente algo, aprenda com os demais, reprima apenas algo pequeno e danoso.
Não tem ser outro. O melhor modo de destruir o que odeia em si é superá-lo por
dentro dele mesmo, fazer ele se tronar um outro. Ou: use o defeito de modo a
gerar qualidades.
A DIFERENÇA E O MESMO
Isso deve ser entendido: somos iguais e diferentes ao mesmo tempo. Isso
serve para evitar inimizades por diferenças políticas, evitar reprimir um filho
homossexual etc. Tolerância ao que pode ser tolerado, eis a lei. Devemos criar
costume com a polêmica honesta, ainda que duríssima. Faça exercícios duros para
acostumar-se ao estresse acostumável.
SER EM SI E SER PARA OUTRO
Nunca seremos um só com o outro. E costuma ser um erro ser apenas para
outro. A mãe, por exemplo, não pode anular sua personalidade diante do filho,
embora seja por algum tempo para ele e não em exato para si.
DETERMINAÇÃO, CONSTITUIÇÃO
Cuidar da saúde física é condição para cuidar da saúde mental. Sem
exercícios regulares, nenhuma conquista. Por isso, também, uma longa jornada de
trabalho, mesmo se voluntária, é imoral.
Por muito tempo, nosso corpo e nosso cérebro são plásticos, ou seja,
adaptam-se ao nosso aprendizado e ao nosso esforço. Quanto mais fazemos, melhor
somos.
LIMITE, MAU INFINITO, O INFINITO QUALITATIVO
A má infinitude é um sempre mais, sem respeitar limites. Para não
sucumbir, o sujeito deve ser sujeito, ou seja, por limite em si mesmo e para si
mesmo. Nada de comer demais, por exemplo.
UNO E VAZIO – ATRAÇÃO E REPULSÃO
O pensamento vulgar diz que pensar atrai vitórias, o grande segredo…
Nada mais idiota. Não existe justiça natural ou divina, logo, tudo, para ter
chances de acontecer, deve ser fruto de um esforço mais ou menos constante e
equilibrado.
Devemos atrair e repulsar companhias também segundo projetos. Mas veja:
um sonho que se sonha só é apenas um sonho que se sonha só – sozinho não somos
nada, nem sequer humanos. A tentativa de isolamento pessoal para nos afirmarmos
é, na verdade, nossa ruína – daí a reconciliação com outros da mesma espécie.
SIMPLES E COMPLEXO
Todo começo é difícil, na verdade, quase impossível. Natural pensar em
desistir e supor a impossibilidade de conseguir o esperado. Contanto que o
almejado seja de fato virtualmente possível, ainda que difícil, vale a pena
insistir. De qualquer modo, a experiência fará do teimoso alguém com mais
habilidades, capacidades, contatos, amigos etc. Ou até a sorte rara de ter
inimigos sinceros, sinal de uma vida vivida e que vale a pena. Ir do simples ao
complexo é uma lei universal.
INTENSIVO E EXTENSIVO
Em geral, se falta recursos, pode-se ter uma vida ou intensiva ou
extensiva. Aqui, nenhuma divisão moral a priori sobre certo ou errado. Uma vida
intensiva de festas, bebedeira etc. pode ser justa. Uma vida pela calmaria e
sem riscos pode ser interessante. A questão é que elas são opostas e uma diminui
a outra, vice-versa. Uma alternativa é tentar um equilíbrio de ambas. Numa
vive-se menos, mas pode ser melhor ou ter sentido de vulgaridade; outra, por
tendência, vive-se mais, mas pode gerar sensação de inutilidade.
SALTO DE QUALIDADE
Meras mudanças pequenas, parciais, quase invisíveis podem, quando cada
vez mais acumuladas, mudar tudo. Mude devagar, sem pressa, passo a passo –
naquilo que precisa ser melhorado. Não force a marcha antes do preparo para
isso.
QUALIDADE E REARRANJO
7 gênios reunidos pode gerar uma burrice geral. É a organização que
importa, como tudo está arranjado.
CAOS E ORDEM
Ordem excessiva estressa a mente, pois ela, no fundo, sabe que a
perfeição é uma imperfeição, fora do real. Inevitavelmente, haverá acasos e
imprevistos ruins – e alguns bons (esteja pronto para eles, para novas
oportunidades).
SOBRE A PROBABILIDADE
Crie um sentido de “possibilidade crescente”. Se há preparo constante,
então, cada vez mais, possível a sorte bater à porta. Vá criando condições cada
vez melhores.
QUANTIDADE
Tanto mais no capitalismo, no mundo do dinheiro, tendemos a pensar tudo
em termos de quantidade – não de qualidade. Exige certo autocontrole voltar o
pensamento para o aspecto qualitativo. Evite a ilusão quantitativa.
POSITIVO E NEGATIVO
Tudo é positivo e negativo – ao mesmo tempo. Um novo emprego, uma
vitória, trará, por exemplo, um gerente ruim. Isso faz parte da vida. Escolher
é perder – ganhar é perder.
COMBINAÇÃO DE DUAS MEDIDAS
Sempre seremos comparados com os demais – e sempre nós mesmos faremos
comparação com os outros. É inevitável, somos máquina de medição. A questão é
que somos tão diferentes em história e talentos que fazer isso de modo
excessivo é uma injustiça conosco. A medida só é justa se a canalizamos de modo
saudável para alguma certa meta. O melhor é agregar pessoas com diferentes
perfis para formar um grupo muito mais capaz como um corpo com vários órgãos,
cada um com sua função especial. Com o tempo, teremos mais afinidade por alguns
diversos de nós próprios.
ESSENCIAL E INESSENCIAL
A vida parecer ter o essencial e aquilo que não é ela, seu oposto. Ora,
a vida não deve ser pensada como gerência de banco – o inútil (arte etc.) é o
que mais importa, afinal, também é essencial.
DETERMINAÇÕES DE REFLEXÃO
A vida é feita, sem escapatória, por opostos. E, no fundo, os opostos
precisam und do outros para ser o que são.
FORMA, ESSÊNCIA, MATÉRIA E CONTEÚDO
Fala-se com boca cheia em focar na essência, não na aparência. Mas a
aparência também importa, às vezes, ajuda a ver e revelar o essencial. A forma
ajuda a revelar a essência, a matéria e o conteúdo. Lógico, podem entrar em
contradição também.
FUNDAMENTO
Tudo na sua vida deve ter um motivo, o porquê, uma razão. Viver no
automático é a causa de infelicidade, pois nossa mente precisa ver o sentido de
tudo, de nossas ações.
CONDIÇÃO
Para que algo novo surja, faz-se preciso criar as condições pelo menos
mínimas para seu surgir. Não tente brotar uma flor antes de sua hora.
A COISA E SUAS PROPRIEDADES
Ao adquirir algo, foque em suas propriedades – o barato, via de regra,
sai caro. No mais, alguém é suas propriedades, por isso, adquira habilidades de
especialista.
O TODO E AS PARTES
O que é bom em si pode ser ruim no tudo ou no contexto. O que aparece
como sorte pode ser azar no fundo do fundo. Por isso, avalie o todo de suas
partes. O valor de algo está na sua função naquela sua totalidade, não em si
isolado.
EXTERNO E INTERNO
O interno se externaliza. Uma tristeza constante que não é desabafada
para alguém ou para um papel tende a adoecer, expressa-se de modo errado. O que
somos por dentro seremos por fora.
MODO (MANEIRA)
Sinto dizer, mas tua vida está determinada do começo ao fim. No entanto,
a mera ilusão de que fazemos nosso destino de modo livre já afeta nosso destino
final. Se és velho, teu desleixo com os estudos, por exemplo, só foi como
deveria e poderia ser, como iria de fato acontecer naquelas circunstâncias que
te impediram de estudar.
INTERAÇÃO
Tudo está em relação de ida e de volta com tudo – tudo ao mesmo tempo
influencia e é influenciado. De tal modo, podemos guiar nossa vida para um
plano, um sonho, mas a vitória depende de fatores que não decidimos, além de
nosso necessário esforço. Por isso, tenha compaixão com os de menos sorte.
A ÉTICA
COMUNISTA, MILITANTE
VALORES DE
UM MILITANTE COMUNISTA
Até a década
de 1990, a esquerda era sinônimo de anticorrupção, de ética, de ideia de
justiça social, de abnegação. Mas o PT tomou o governo federal e, escândalo
após escândalo, até a esquerda comunista foi desmoralizada. Para as novas
gerações, que já cresceram diante de governos petistas, a direta era moral e
justa (dita “conservadora”), não corrupta. Somo obrigados a reverter tal
cenário no imaginário popular de parte das novas gerações. Vejamos, portanto,
guias abertos para a moral militante revolucionária, comunista:
- Coragem e ousadia
Se tiveres medo, vá com medo – mas não recue se a questão for não
recuar, for avançar. Treinar artes marciais pode ajudar na psicologia do
ativista. A covardia não é boa conselheira. A imprudência parente é mais útil
do que sempre recuar. Mas, claro, nada de ofensiva permanente. O que deve ser
claro é isto: quando a oportunidade aparecer – ousadia, ousadia, ousadia! E
criatividade, muita!
- Disciplina
O momento político costuma impedir uma disciplina total, por isso,
evitemos esgotar os ativistas com exigências de ação permanente. No entanto,
sem esforço grande e disciplina nada importante é feito. Disciplina é
liberdade.
- Honestidade
As tentações são muitas, mas o futuro é nosso. Aceitamos perder aqui
para ganhar mais depois. Nada de meio-termos, manobras etc. para facilitar o
caminho supostamente justo.
- Rebeldia
Cannon, um comunista dos EUA, afirma que tudo comunista verdadeiro pensa
como marxista, mas sente como anarquista. O sentimento anarquista de liberdade
total e pura nos guia sempre, embora direcionado pela razão científica e
socialista. Os dirigentes que se danem se estão errados! Nada de obediência
cega aos comandantes: pensar coma própria cabeça sempre, aprender a pensar. O
primeiro dever de todo militante é discordar de seus líderes.
- Ódio à
rotina e à burocracia
Nada de engordar dentro dos sindicatos e partidos: ir ao chão do mundo
sempre. Ao contrário do romantismo comum, uma greve ou uma luta não é boa, pois
cansa e esgota, exige muito de nós, mas é nosso território necessário.
- Espírito democrático radical
Deixar o outro falar, mesmo que seja de direita. Queremos convencer, não
manipular resultados. No partido, evitamos ao máximo ganhar uma discussão no
grito, embora vez ou outra a temperatura suba muito.
- Solidário
Somos ativos
em solidariedade. Que tal os jovens militantes organizarem um sopão para os
moradores de rua? Também devemos querer saber como estão nosso camaradas,
contra a dureza da alma urbanizada.
- Disposição para ser teimoso e firme
quando em minoria
Se somos
minoria, paciência. Pois, se nossa proposta é a correta para a vitória, a
defendemos mesmos sabendo que perderemos a votação na assembleia – contra o
centrismo, o tempo pode nos ajudar. Aprendamos a perder e aprendamos ganhar.
Sejamos firmes sempre. Nossa firmeza atrairá alguns, talvez os melhores.
- Unir
prática e teoria
Quem não estuda teoria é um irresponsável; para cada vitória terá uma
derrota, pois age por instinto e padrão. Quem não pratica, está amputado e com
ares de cinismo.
- Cuidar
de sua saúde
Muitos militantes, como se incorporando Che, fumam. Como a vida de
ativista é muito tensa, costuma-se precisar de um compensador para suportar a
vida anormalmente ativa. Mas somos poucos e leva uma vida inteira para formar
quadros políticos capazes e capazes de governar.
- Paciência ativa
Uma
revolução, que demora acontecer, pode acelerar a história e surgir como se de
repente, por salto. Nas próximas décadas, ou sistema cairá ou cairemos – tempo
de duras e decisivas crises. Mas a velha geração teve de esperar por décadas,
perderam a juventude e, embora não confessem se quer para si mesmos, a
esperança; falam de revolução de modo automático. Mas a paciência deve ser
ativa, não passiva – fazer, não só esperar.
- Mentalidade autônoma e crítica sobre tudo
e sobre os dirigentes
- Desapego com os prazeres materiais
O espírito
de aventura deve ser permanente, busca-se a próxima grande emoção planejada e
calculada, ou seja, responsável. Ser comunista é aceitar que pode ser preso,
exilado, torturado, assassinado, demitido etc.
- Desejo
de se tornar dispensável ao formar outros militantes
Nesta área,
o oportunismo é enorme. Os militantes dirigentes não ensinam o necessário aos
militantes de base. Por sua vez, os militantes em geral não ensinam o bastante
os ativistas sem partido próximos de nós. Qual o objetivo disso? Criar
dependência, ser indispensável – ver o movimento quebrar sem sua liderança.
- Negar o
poder sempre e até que o poder operário seja imposto pelos trabalhadores –
não apoiar nenhum governo no capitalismo.
Isso é
autoexplicativo.
- Ter
nojo do cinismo
O grande
escritor cubano Padura escreveu uma obra que já é um clássico universal, O
Homem que amava os cachorros, que conta como um militante sério tona-se um
cínico. É-se revolucionário, porém não tanto. O cinismo toam conta das
organizações vermelhas, junto com atividades artificiais etc. Não é exagero ser
intolerante sobre quando diante dele.
- Megalomania e romantismo realista
É preciso
sonhar, sonhar grande. Devemos rir dos limites e do bom-senso. Somos
idealizadores e construtores de grandes projetos.
- Encarar a vida como ela é de fato, sem ilusões
Não temos
medo de a realidade refutar nossas ideias. Não encaixamos o mundo em nossas
concepções. Se a situação é difícil, não dizer que é fácil. Se há derrota, não
dizemos que é uma vitória oculta. Esse ponto é o ensinamento de Trotsky.
- Dizer a verdade
Lição de
também de Trotsky, dizer que são tolos os que agem como tolos. Ter o brio de
ser desagradável em nome da verdade.
- Respeitar a diferença e a individualidade
O
capitalismo tenta nos padronizar, nos igualar – como se fôssemos máquina de
máximo trabalho. Mas o socialismo não é o coletivo sobre o individual mas o
apoio mútuo de ambos. Um militante ou célula partidária rende mais, a outra
rende menos, como deve ser. Algo humano. Um organismo vivo não é como certa
máquina uniforme. Só no socilaismo seremos livre, ou seja, indivíduos de fato,
singulares. Não é normal, por exemplo, que quase todos os jovens, logo por
serem jovens, sonharem o mesmo sonho universitário: direito, medicina ou
engenharia. Isso é, em geral, falta de autorrespeito inconsciente.
Como
dissemos, moral e política não são duas atividades diferentes, são um sendo
dois com certa autonomia e outras funções. A tarefa é aproximar a política da
moral correta. Para isso, não podemos contar com os reformistas e centristas.
O VENDAVAL
OPORTUNISTA
A LIT, organização comunista internacional a qual reivindico, afirma
como uma dentre suas teses que uma crise moral abateu-se desde o fim da década
de 1980. A causa seria, e estão corretos, a queda do muro de Berlim.
Revolucionários antes disciplinados tornaram-se políticos da ordem, ativistas
de ONGs, sindicalistas malandros, deixaram de militar, abandonaram posições
revolucionárias. Terra arrasada. A própria LIT, em crise interna, quase deixou
de existir. A velha guarda escolheu outros caminhos.
Mesmo assim, para tal organização, a nova etapa seria revolucionária.
Para outros, contrarrevolucionária. Na verdade, “apenas” reacionária, difícil –
mas ainda estamos de pé no ringe. Boa parte da vanguarda comunista surgiu
inspirada no socialismo dito real. Natural, portanto, que com o retorno ao
capitalismo naquelas nações, suas consciências recuassem com o recuo daquelas
sociedades, da materialidade. Perde-se, portanto, material humano valioso. A
tarefa seria perder o mínimo possível quando obrigados a recuar.
Mas a LIT observou de maneira incompleta. Por debaixo das explosões, o
neoliberalismo impunha-se. O fim do pleno emprego, base de uma solidariedade
instintiva, por exemplo, afetou a moral geral. A queda da taxa de lucro, e
reação contra tal queda, promoveu uma crise moral da sociedade. Lembro-me que
quando a empresa estatal – Telepisa – em que meu pai trabalhava foi
privatizada, funcionários e ex-funcionários entraram em depressão, suicidaram-se,
enfartavam, famílias antes estáveis se separavam etc. O clima de terror,
desconfiança, tristeza e disputa pairava no ar, incluso entre velhos amigos. A
incerteza feria a dignidade dos trabalhadores.
Sem perspectiva de outro mundo, resta o cinismo. Parece, desde lá, que
outro mundo não é possível ou, se possível, algo viável. Então, amargamos a
derrota. O sentimento difuso de
socialismo na massa e na vanguarda recuou por um tempo, mas volta de maneira devagar
ao rumo certo, graças às novas gerações. Mesmo uma próxima revolução socialista
vitoriosa, dirigida pelos trotskystas, ainda terá diante de si uma, muitas
vezes saudável, desconfiança. A burocracia fez história e tradição da pior
forma.
Até hoje, correntes internacionais como UIT, que rompeu com a LIT após
formar uma fração secreta, e a CWI, esquecem ou nem colocam o debate sobre
moral como centro. A CWI, por exemplo, que tem acertado tanto, capitula à moral
atrasada dos operários e, por isso, evita o debate das opressões, alienações
como o machismo e a homofobia.
Na LIT, a Comissão de Moral deve ser eleita por ampla maioria, os
membros eleitos devem ter bom histórico e o organismo é de todo independente do
Comitê Central, do eixo político. As outras internacionais não seguem, via de
regra, tal regra, em especial, o último ponto.
EXEMPLOS
PRÁTICOS DE MORAL
Desçamos ao
mundo sujo e empoeirado, ao concreto. Feito o debate abstrato, ora de pousar no
chão quente do real. Agora, trataremos de casos com tons pessoais, o exemplo ensina,
embora não generalize.
I.
Como alguém
externo ao movimente, observei que a prática de esporte com skate (patins etc.)
exige e impõe certa moral especial. Se um praticante cai, nunca se deve rir
dele. Se faz certa manobra difícil e
improvável, todos comemoram porque foi esplêndido. Tal moralidade corre entre
praticantes de todo o mundo já há algumas décadas. Isso prova que há
alternativas contra a degeneração.
II.
O indivíduo,
com seu perfil, também faz a história – e o acaso faz a história. No Maranhão,
em certo sindicato, houve a disputa de duas chapas na sua eleição: a dos
revolucionários e a dos reformistas. Ganhou a segunda, mas tudo foi muito mais
dialético. A presidente nova do sindicato – considero que ela seja de tipo
obsessivo – não roubava nem deixa roubar. Ela era mais do que correta,
corretíssima. Então, os outros membro da direção tentaram de tudo para
“resolver” isso: manobra, assédio, calúnia, ameaça etc. Mas ela era
irredutível, firme e brava. Foi por isso, portanto, que ela se aproximou,
depois, dos antigos inimigos, os socialistas trotskystas.
III.
De
madrugada, tive a tarefa de colar cartazes por toda a UFPI. Era um trabalho de
sísifo, pois os militantes do PCdoB, criados no oportunismo, arrancavam todos
os dias nossos materiais. Na chapa para o DCE, cogitou-se fazer o mesmo. Mas os
militantes do PSTU foram firmes: os estudantes, a base, devem decidir
livremente e por voto, sem um grão de manipulação de nossa parte. A luta era
também moral: manipulação estalinista ou
democracia de base trotskista? Era uma luta pelo método, pela alienação contra
a emancipação. Cumpre notar, que o PCdoB, UJS, invadiu a sala de contagem de
votos e quebrou as urnas que sabiam que iam perder. Assim, pela força, ganharam
a direção da organização estudantil… Veja-se que o debate universitário entre
Stalin, o ditador, e Trotsky, o general democrático, não é abstrata, tem
consequências práticas. Fui um grande aprendizado ver jovens, que deveriam ser
dotados de certo romantismo, oportunistas.
IV.
Vi, por
exemplo, sindicalistas do PCdoB e do PT agirem como verdadeiros mafiosos:
ameaçavam de morte, agrediram um adversário com socos e em bando, tentavam
corromper, furavam pneus de carros, roubavam dos sindicatos, encerravam uma
greve sem votação, destruíam a luz de um prédio para não haver assembleia da
categoria etc. São muitos casos. Todos eles diante da disputa pelo sindicato
dos rodoviários do meu estado. Isso é comum, rotina, dentro do movimento
sindical e popular – por isso, os pelegos terão, muito provável, de morrer
porque estarão, com a maioria dos sindicatos, do lado da burguesia na guerra
civil revolucionária.
V.
Uma
duríssima luta fracional surgiu no PSTU do Piauí. Falava-se de tudo, mesmo do
problema real. Eis o cinismo: elevar, de maneira artificial, o debate para
evitar falar da importante podridão. No fundo, toda a manobra era uma disputa
de dois grupos pela direção do sindicato, quem lideraria a instituição. Mas
disso ninguém falava de maneira direta. O problema seria, por exemplo, de “concepção
e regime”. O militante G fez assédio moral contra certa camarada que trabalhava
de graça no sindicato; objetivo era afastá-la para empregar outro militante,
pertencente ao seu grupo.
A pauta do
feminismo era usado de modo oportunista. Para acusar e desmoralizar o
adversário. Numa dessas reuniões, a militante L disse contra uma camarada: se
você me enfrentar na plenária de balanço, eu te destruo… Certa vez, uma
ativista foi atacada com violência em sua pequena cidade por ter postado uma
foto nua. Foi, então, para Teresina pedir ajuda. Mas as militantes do PSTU
colocaram ela de escanteio. Por quê? Porque a garota, não elas, ganharia alguma
fama com o caso.
Na verdade,
havia luta fracional em todo país, escondida pela direção nacional, incluso
luta nos organismos dirigentes. Mas, de modo imoral, os quadro experientes
esconderam o fato como força de lei interna. Assim, de maneira obscura a luta
era feita – com expulsão clara ou velada de militantes e grupos internos para
garantir maioria. Aqueles de base que eram espertos demais passavam para
ostracismo.
O sexo foi
usado como arma de convencimento (muito usado no PSOL, PT e PCdoB: chamada
tática dois, ou seja, se não ganha na política, namoro aquele ativista para
ganhá-lo para minha corrente). Clubes sexuais informais surgiram, mas para
manipular, não para emancipar a sexualidade.
Muitos
militantes, antes revoltados e aguerridos, recuaram e defenderam outras
posições, que outrora criticavam, porque estar de um lado na luta de facções
garantia seu emprego, sua casa, sua vida social, para não ser expulso etc. O
cinismo passou, portanto, a tomar conta do cenário.
Depois, G
vendeu seu mandato sindical para seu parente, e escapou da polêmica morando em
outro estado – com uma gratificação ilegal extra dado pelo membro do governo
que é de sua família! Quando a informação chegou até mim, o susto foi tão
grande que tive uma “alucinação negativa”, esqueci de fazer tal denúncia, seque
lembrava dela. Neste tema, o G impediu enquanto pode, em nome de boa relação
familiar, que o partido e o sindicato chamasse o “Fora” ou “Abaixo” contra seu
parente.
Nessa luta
difícil, perdi algo como 20 quilos: de leve obesidade para alguém ósseo.
Depois, surgiram as crises de pânico, que duraram alguns anos. De tal modo,
é-me difícil falar sobre tudo ocorrido, existe uma peso subjetivo enorme.
No lugar de
manter a luta para a contradição ser resolvida, no lugar de debate franco,
forçou-se a eleição imediata dos novos dirigentes – algo sem critério, manobra.
Assim, um organismo de direção regional que deveria ter 5 militantes passou a
ter 11 para agradar paladares oportunistas. Tudo isso sem debater, antes,
programa, propostas, polêmicas etc.
Até ameaças
veladas e informais eram feitas. Por segurança, não as descrevo. Mas isso posso
antecipar: os melhores militantes tendiam a ser afastados, premiando-se os
priores, os submissos, os adaptativos.
Cada grupo
regional era ligado a um grupo nacional de modo informal e secreto. Como os
iguais se atraem, os professores aliavam-se à ala intelectual; os burocratas,
com os sindicalistas; os partidários, com os partidários. Isso revelava
questões de fundo, de classe.
O clima era
insuportável, pois, a qualquer momento, era-se vítima de certa manobra. Diante
da tensão, os com mais dificuldade afastavam-se aos poucos.
Quem
defendia acriticamente a posição a direção nacional ganhava claros pontos,
espaço etc. Era um jogo de agrado, de submissão. Por exemplo: escrevi um
documento sobre a crise do partido que previa sua contradição (até hoje não
compreendi porque D. fez muito esforço para me impedir de enviar o texto ao
congresso partidário). Mas, então, o texto – e outro para o congresso
internacional da LIT – foi boicotado na minha própria regional…
Mais uma
vez, temos de falar de G. Ele afirmou na plenária dos servidores: o dirigente
geral político do setor deve ser, por regra, o dirigente sindical. Assim, ele
queria colocar a militante L., que era sua amante, na direção geral dos dois
organismos, partidário e sindical. Mas a informação era falsa, não estava nos
estatutos partidários.
VI.
Che Guevara
abriu mão de uma vida estável e próspera como burocrata estatal cubano para
enrolar-se nas selvas da Bolívia. Isso é moral.
Quando os
militantes soviéticos pediam desculpas pelos seus “erros”, ou seja, recuavam a
crítica, faziam isso para evitar o exílio, o desemprego, a prisão, a morte e o
isolamento. Mas Trotsky lutou pela verdade até o último instante de vida, por
isso ele é uma personagem tão apaixonante no teatro da história universal.
VII.
Eis a era do
cinismo. O professor finge que dá aula, o aluno finge que aprende, o médico
finge que trabalha, o jornalista finge que faz jornalismo etc. certos patrões
brasileiros lavavam dinheiro ao oferecer palestras sobre ética, ética
empresarial… Vivemos tempo, de fato, de mercadoria sem valor, aparência sem
essência, forma sem conteúdo, jarro vazio.
O INDIVÍDUO
De modo formal ligado à tradição marxista, Sartre afirma que tal ciência
tem a falha de evitar o indivíduo, focado apenas nas classes, nas forças
produtivas etc. Os marxistas freudianos costumam fazer igual crítica. Mas na
obra “História da revolução russa”, primeira obra de história do marxismo, por
Leon Trotsky, um dos maiores representantes de nossa escola, há a afirmação: 1)
o perfil pessoal do Czar e da Czarina importa para entender tal narrativa, 2) a
revolução russa não teria sido vitoriosa sem Lenin, a direção do partido teria
capitulado à democracia burguesa. Eis exemplos que refutam Sartre.
Em uma de suas aulas, Sérgio Lessa traduz e resume Lukács: a história é
e se faz na ação dos indivíduos – e a ação dos indivíduos se faz na história.
Isso larga o objetivismo da história e o subjetivismo individualista sobre ela.
Os indivíduos fazem a história, mas sob condições dadas e não escolhidas. Ora,
tal verdade é incompleta, pois o todo adquire propriedades que as partes, os
indivíduos neste caso, não têm. No nosso caso, porque os indivíduos estão
atomizados e em luta uns contra os outros, o mundo das coisas ganha autonomia e
poder – surgem leis imperativas que não foram decididas por ninguém. Rumamos ao
abismo guiados por um carro automático. Em certos momentos e épocas, fazemos a
história em parte apesar de nós mesmos. Veja-se que partidos oportunistas foram
forçados a fazer revoluções socialistas no século XX.
Para mim, todas as demais consciências são algo objetivo, não apenas
subjetivo; eis a relatividade dos conceitos. Como o mundo é muito maior do que
nossas cabeças, somos, em última instância, determinados por ele. Pode-se agir
contra as necessidades reais e da história, incluso atrasando a realização de
tais necessidades, mas elas são impostas no fim, enfim.
Lukács cai em idealismo ao considerar a razão ou a idealidade como motor
primeiro, sendo a categoria central do trabalho a teleologia. Para ele, focado
nesse indivíduo que faz a história, pensamos em fazer o machado; então, fazemos
o artefato; então, mudamos o meio ambiente, o mundo; então, o mundo nos muda;
então, o novo ambiente exige de nós uma segunda teleologia. E assim por diante
o processo repte-se, circular-espiral. Ora, a consciência é a busca permanente
do permanente na mudança. É porque a realidade muda, que a mente eleva-se de
seu patamar anterior. Uma mudança forte e inesperada do real, força a ainda
buscar o permanente – o que é base para a criatividade. O primeiro motor é o
mundo. Como isso acontece, apenas a pesquisa e a antropologia especializada
poderá dizer. Vejamos casos hipotéticos. Uma mudança de clima em todo o mundo,
seja por abundância seja por escassez, permite à mulher coletora na antiguidade
pré-histórica perceber que da semente nasce a planta nova, o que inicia a
agricultura. No mundo todo, a agricultura surgiu na mesma época, o que sugere
uma causa comum (um clima que força ou, ao contrário, favorece perceber com
rapidez a causalidade semente-árvore). O mundo força a teleologia ou dá suas
condições.
Hoje, a sociedade é uma associação não associada. O mundo social é
apesar de nós, dos indivíduos enquanto isolados. Se as coisas pudessem
livrar-se dos homens, o fariam. Marx, no livro III d’O Capital, afirma que o
socialismo é quando o desenvolvimento do indivíduo será condição para
desenvolver o coletivo, a sociedade. Condição. Temos ainda a contradição
sociedade e indivíduos, pois os desenvolvimentos daquela continua a ser feito
com a redução deste. Os marxistas vulgares pensam que o marxismo é a afirmação
da unidade do coletivo com máximo sacrifício individual, mas pensam pela metade
e de modo mecânico. A verdadeira afirmação da individualidade é antissistêmica,
pois exige junto consigo a liberdade, a igualdade e a fraternidade – tríade que
só pode vencer se unidas.
ESTÉTICA MARXISTA
Crise da arte
APRESENTAÇÃO
De estética – no geral sentido – marxista ou meio marxista relevante,
temos Lukács e Adorno, algo de Walter Benjamin. Nos demais de inspiração
marxiana, foi-se mais direto ao objeto concreto (algo corretíssimo), mais ou
menos usando nossa tradição. Ou seja, temos um território central mal
desenvolvido nas ciências humanas revolucionárias, profundas. Trotsky, que,
durante a guerra civil contra 14 países invasores na Rússia, liderando o
Exército Vermelho, escrevia, durante o descanso, artigos sobre poesia e arte,
deixou-nos um bonito legado, mas insuficiente. Todos eles são pensadores, além
de geniais, apaixonantes. Mas eis o limite universal: como reforçaremos, todos
os grandes teóricos da estética foram geniais, mas nenhum propriamente artista.
Meu caso é diferente, não só por ser mais modesto, mas também por ser artista
permanente já há quase duas décadas. Poesia, composição musical (letra e
música), contos, novela, novas propostas de como escrever arte – eis o meu
currículo, que será em parte exposto nesta mesma obra.
Diferencio-me, então, dos predecessores, subindo em seus ombros. Mas,
aqui, fazemos uma talvez pequena estética que poderá, nos próximos anos e
décadas, ser suprassumida por outra maior e mais intensiva. É uma aposta. Todo
fim de pesquisa real, que vale a pena, é algo autoimposto, artificial – o
objeto é potencialmente infinito, não tem fim suas descobertas ou os fatos
relevantes.
Por estética marxista quero dizer apenas estética, ou seja, uma
tentativa de obra definitiva, ou ao menos base inevitável, de toda pesquisa
sobre o objeto. O marxismo é a única ciência completa das humanidades. Como na
questão da ética, apenas podemos escrever algo sobre, considerando a totalidade
– uma compreensão ampla e correta da economia, da história, das classes e das
superestruturas (instituições, mentalidades etc.) torna-se obrigatória, base
mínima. Isso é difícil, mas a obra “A crise sistêmica” tem tais pretensões. A
autonomia relativa da arte deve ser considera, mas também suas conexões com os
outros elementos e, mais, sua unidade interna com todas as abstrações do real
concreto. Sem, por exemplo, uma teoria geral do valor, que apresentamos por
nossa parte de metafísica materialista, em seção específica, errar será muito
mais fácil.
Que a arte está em crise, algo evidente. Mas defendo aqui uma crise
relativa, em dois sentidos: 1) há um avanço que, por condições técnicas
avançadas e sociais conservadoras, também recua; 2) trata-se de uma crise
universal do sistema que, por altíssimo desenvolvimento, também transborda na
arte. A crise da arte é a crise do capitalismo. Por isso, somos obrigados a
pensar tanto uma teoria estética quanto, isso mesmo, propostas estéticas,
muitas apartidárias em si.
Quem conhece bem a história do século XX sabe o estrago que o estalinismo
fez na arte, além de em tantos outros setores. Foi um câncer agressivo no nosso
movimento, um antileninismo disfarçado, um cavalo de troia no nosso corpo e na
nossa consciência. Até Lukács, que disfarçou como pôde seu antiestalinismo,
sentiu o peso duro em sua própria letra: além de elogiar o grande líder e o
regime, por obrigação, também pensou 1) o realismo como imperativo, pressionado
pelo assim chamado realismo socialista; 2) fez uma glorificação exagerada do
trabalho, contra a defesa marxista da redução máxima do tempo de trabalho,
assim como a propaganda oficial dos governos ditos vermelhos pela disciplina
laboral máxima. O homem é seu tempo, mas um pouco mais. Minha obra, em seu
conjunto, também é um elogio e uma crítica ao lukacsianismo. De modo geral, sem
a base teórica e militante trotskista, muito mais provável errar ou pender
demais.
É impossível diagnosticar e prognosticar a crise da arte sem
entendê-las, a crise e a arte, em seus fundamentos. No entanto, aqui, evito
repetir lugares-comuns da teoria, da militância; evito marca posições, ou seja,
apenas fazer digressões sobre aquilo que todo marxista já sabe. É um vício
presente em nosso meio, quilos de papel são desperdiçados nisso sob a
justificativa de rigor. Em especial, os mais velhos querem ver o que já veem,
querem a repetição no lugar do novo e no lugar de um mundo que muda. Isso seria
uma atitude antiestética! Feita a provocação, costuma ser tarefa da nova
geração aceitar novas ideias. Assim seja.
A ARTE
A qualidade de uma obra de arte depende do quanto o artista se dedica a
ela, à sua construção. São fatores:
1) A dedicação do artista à sua
formação;
2) A dedicação à obra em si;
Aqui, na arte, importa muito mais o trabalho concreto em relação ao
abstrato, geral, este guiado pelo tempo regular.
3) Indiretamente, os materiais e o trabalho para produzi-los.
Se pinta uma tela enorme toda e apenas de preto, exige um esforço; se
constrói a Guernica, exige esforço outro e maior. Isto é rastreável pelo
resultado. Tanto o tempo objetivo quanto o subjetivo são importantes: a
inspiração cumpre seu papel mágico para, em seguida e em paralelo, ceder à
transpiração. Uma história começa como ideia que toma forma de um microconto;
depois, um conto; depois, uma novela; depois, um romance… Eis a exposição pura,
lógica, do desenvolvimento real, histórico, por assim dizer; pois na prática do
escritor o processo ocorre de modo menos consistente e, por isso, menos claro,
recheado de tortuosidades.
Pode-se argumentar que há gênios mais ou menos natos. De fato: isso lhes
dá uma enorme vantagem que, em boa parte, os demais podem compensar pelo
esforço. A própria inspiração deriva de um acúmulo prévio de observações,
estudo, experiências pessoais, outras produções etc. Quando uma letra de música
“nasce pronta”, exigindo apenas duas ou três mudanças , há aí uma produção
inconsciente e subconsciente.
A ideia de talento é verdadeira na medida em que somos diferentes, com
perfis e tendência diferenciados, com diferentes e múltiplas disposições; sendo
todos igualados na sociedade do capital, onde temos de nos adaptar às
necessidades do mercado – surge o homem abstrato e suas unidades particulares,
carentes de ser homens concretos plenos.
Quando a produção artística separa forma do conteúdo, há perda de
proporções, de medida, de sentir faltas e excessos. Ferreira Gullar foi o
melhor observador deste problema e sua origem. A arte tipicamente burguesa do
século XIX, o parnasianismo, arte pela arte, é substituído por a forma pela
forma, matéria pela matéria, novidade pela novidade. Mesmo onde é quase
impossível o vazio de sentido, na literatura (onde houve algum papel
progressivo da pós-modernidade, a experimentação), ocorreu a tendência ao
impacto pelo impacto, trato complicado com a linguagem para disfarçar enredos
fracos e experimentalismos desprovidos de um fim estético maior e novo. De modo
geral, o valor artístico de uma obra literária tem sido medido pela
impossibilidade de lê-la, pela dificuldade de acessar o sentido, pela confusa
linguagem – surge igualdade falsa: ser vanguarda é igual à arte inacessível,
ilegível. Isto é tanto mais forte quando o livro não tem público e os eruditos
oficiais buscam “leituras de pertencimento” a uma casta do saber, a
diferenciação dos demais. Nas artes visuais, a pós-modernidade pôde ir mais
longe na medida em que a sensação visual é imediata, causa impressões
desprovidas de esforço prévio da parte do espectador – e do artista… A crise da
arte expressa, assim, a crise do trabalho (manual) teorizada por Kurz e Postone
(já veremos a razão concreta disto).
“Não há arte revolucionária sem formas revolucionárias”, Maiakovsky. A
arte pós-moderna é uma falsa subversão; tal qual o realismo “socialista”,
inverso análogo, está diante de raros momentos históricos em que, com disfarce
de renovação, uma nova proposta artística cumpre papel negativo, reacionário,
regressivo.
“Na poesia, a novidade obrigatória”, Maiakovsky. Em arte, o novo – o de
fato novo – é uma necessidade tanto do artesão ficcional quanto do público .
Os três elementos acima mais o fator tempo, o nível de antiguidade da
obra, impulsionam a formação do valor artístico de uma arte. Este valor
específico expressa-se porcamente e de modo deformado no valor de troca preço.
Ao que parece, para Mészàros, o valor artístico deriva da demanda (Mészáros, A
teoria da alienação em Marx, 2006) do artista e do público, como “necessidade”,
ao modo análogo aos dos economistas depois de Marx; o valor artístico aqui, ao
contrário, deriva do trabalho, da energia humana – embora nem seja empírico,
nem seja bem expresso fenomenalmente.
NATUREZA DA
ARTE
O que é arte? Resultado da atividade humana, arte é uso de técnicas para
prover mensagens fictícias ligadas ao real. Se as ferramentas são usadas para
construir uma mesa, temos um valor de uso de todo real; mas se as mesmas
ferramentas são artifícios para produzir uma belíssima escultura, então temos
um objeto real de verdade em si fictícia a nos passar uma mensagem conectada à
realidade, mas em ruptura relativa com esta.
Toda arte é fruto da atividade humana, fictícia e suporte de uma
mensagem indiretamente ligada à não-arte. A técnica precisa pensar as
proporções daquilo construído para ser um valor de uso, digamos, mesa. Na arte,
a técnica trabalha o material para que suas formas expressem, de maneira
criativa, o valor de uso mensagem; suas proporções são pensadas para a
comunicação artística. Por mais bela e talhada, nunca a mesa será análoga à
poesia ou à escultura. Por mais que “artistas” coloquem tal artefato
alimentício num museu.
Por razões acidentais e não necessárias ou inerentes ao objeto, mesa ou
cadeira podem ter formas transformadas em armas de combate, em valores de uso
para agressão ou autodefesa; quem sabe, um quadro enorme do Louvre possa ser
usado para sustentar pratos e talheres… Porém o caráter de cada qual logo se
nos revela. Um mictório tem sua matéria
e sua forma pensadas para uso específico ainda que esteja fora de seu lugar.
A assim chamada arte pós-moderna é o desenvolvimento de uma pseudoarte.
A arte falsa ou a ficção da ficção pode ser constatada, mas o desafio teórico
irresolvido é saber por quais mediações o capitalismo fictício e irreal, com
sua forma sem conteúdo, com o “jarro vazio” desta época, produz a própria
produção supostamente artística correspondente.
Apenas na consideração acima, de que a forma material é pensada para
mensagem fictícia, podemos então relaxar o conceito. A arquitetura produz
valores de uso não artísticos e é, ou pode ser, ao mesmo tempo, arte. Um jarro
pode ter belíssimas pinturas. Como dissemos em outro capítulo, o valor de uso
tem ganhado maior valor estético para vencer a disputa comercial. Ainda que
haja casos assim, combinados, sabemos reconhecer uma obra de arte mesmo quando
está associada a outra função. Assim como há mercadorias que tem preço sem
valor (terra, etc.), há produções que caem fora da concepção exposta.
A arte é unidade de ser e nada, pois a arte é e não é – ao ser ficção
real.
CRISE DA
ARTE
As razões para a crise da arte estão na ampliação do fator econômico,
mas há mediação de outros aspectos que tornam o efeito da economia sobre o
artístico mediado, indireto. O desenvolvimento da sociedade, por exemplo,
impulsionou os mais variados estilos, o que dificulta, embora nunca esgote, a
possibilidade de surgir novas escolas artísticas – por isso muitos artistas
estancam na mera experimentação sem finalidade (poderíamos falar em escola
experimentalista?). Também, entre as causas – frutos do desenvolvimento
técnico-científico, da produção – está a fundação da fotografia, do cinema, das
TVs, da internet e da arte em jogos eletrônicos; pois tornam menos atraentes e
necessárias a pintura, a escultura etc., que tentam se afirmar com uso de novos
ou perecíveis materiais, com o estranho e o espanto, com o mero curioso, já
que, ao mesmo tempo, querem atrair público e podem fazer qualquer coisa porque,
por outro lado, não têm público (de modo, também, que não vale um longo
esforço…). A literatura não escapa dessa dualidade entre produzir algo
vanguardista artificial e produzir algo para o mercado.
Em todo o mundo, surgiu um novo romantismo baseado no semiletramento das
massas, na urbanização e na decadência do capitalismo. Vejamos a emulação:
aquele romantismo, dos séculos XVIII e XIX, época das revoluções burguesas,
tendia ao amor romântico e erotismo irrealizáveis; o atual, ao triângulo
amoroso e ao erotismo vivo. Aquele e este aos mercados e à leitura fácil e
fluida. Aquele, aos poemas instintivos, versos livres e atraentes; este, ao
poema-trocadilho, rimas rápidas e na velocidade da internet, versos curtos e
autoajuda. Aquele, ao nacionalismo; este, ao internacionalismo primário.
Aquele, ao fetiche pelo mundo medieval; este, também, por narrativas mistificadas.
Aquele tendia à tragédia final; este, à vitória. Aquele, ao individualismo
burguês; este, ao individualismo interligado ao conjunto. Aquele se expressou –
terceira fase – com a crítica social e simpatia pelos excluídos; este, por
ideias de revolta, revolução, antiburocráticas e antiditatoriais, instinto
rebelde e sensação intuitiva de anormalidade e artificialidade do tempo
presente. Este se revela na ficção científica, na distopia, como crítica social
metafórica. O que pesa é a diferença na erudição dos próprios autores, pois o
romantismo clássico teve nomes de peso na literatura.
Na prosa e séries televisivas, há preferência por histórias profundas e
longas – logo algo muito progressivo – como compensadores do vazio existencial,
da rotina, da solidão coletiva, da passividade comum e dos aspectos rasos nas
relações e vida pessoais, que oprime a consciência – logo reação ao regressivo
no real. Séries como a primeira temporada de Narcos (poderíamos citar várias:
Breaking Bad, Dark, Big Bang: A Teoria
etc, que são verdadeiras obras de arte) são dotadas de altíssimo estilo
– e com grande público, o que revela em si a possibilidade de ter produções de
qualidade com acesso popular. Apenas o pessimista por natureza, que tenta
destacar-se com crítica indiscriminada a tudo, ou seja, uma crítica sem
critério, sem ver o que há de avanço, deixa de ver também que a regressão da
vida pessoal, como regressão da vida social, demanda arte acessível e popular
como expressão inversa da decadência (na literatura, o público prefere, por sua
carência existencial, a profundidade do romance, enquanto os autores têm caído
em narrativas curtas ou rasas ). No cinema, o avanço é mais complicado, porque
a busca pelo mínimo risco – e arte é correr risco – faz com que as empresas
adotem fórmulas obrigatórias, ritos de roteiros, finais programados, estilo que
atrai etc. Aí há a contradição entre arte e lucro. Eis um dos fortes motivos da
decadência relativa dessa forma artística nas últimas décadas .
Os marxistas podem estimular novas escolas artísticas e o reavivamento
da arte, mas apenas o socialismo dará solução à crise artística ao elevar a
cultura geral dos artistas e do público, além de oferecer mais tempo livre e
recursos.
AS
CATEGORIAS DA ESTÉTICA
Aristóteles foi o maior pensador antigo sobre quase tudo, incluso na
estética, embora a maioria dos seus escritos sobre tenha sido perdida. Ele
tratou de oposições fixas – erradas em parte por serem fixas – de categorias:
GRANDEZA |
|
|
|
Ação |
Harmonia |
Gracioso |
Belo |
Sublime |
Trágico |
Desarmonia |
Risível |
Beleza do feio |
Beleza do horrível |
Cômico |
Em Aristóteles, a harmonia evolui para o gracioso etc. até o trágico. A
desarmonia evolui para o risível etc. até o cômico. Primeiro, a posição do
trágico e do cômico estão investidas, o debaixo deveria estar acima e associado
com o belo etc. O trágico é desarmonia, o horrível etc. Mas podemos, além e com
disso, ser positivamente dialéticos: ora, a desarmonia etc. também fazem o
trágico; a harmonia, o gracioso etc. também fazem o cômico. As categorias
opostas estão misturadas, em interpenetração e mudam de posição de acordo com a
arte concreta.
Sobre, façamos ainda uma terceira observação. Acima ou no fundo comum da
harmonia e da desarmonia está a proporção. Do gracioso e do risível, o gracioso
em sentido mais amplo e escondido; do belo e do feito, o belo de estilo; do
sublime e do horrível, o sublime do impacto. O trágico é plural, múltiplo
(drama, ação, ficção científica etc.) e o cômico é uno.
Aristóteles afirma que o trágico imita as pessoas melhores que o comum;
enquanto a comédia, pior que o. Mas ambos podem e fazem o mesmo que seu oposto,
logo, sua divisão é unilateral.
Há as artes fixas (pintura etc.) e circulantes (teatro) ou sincrônicas
(escultura) e diacrônicas (ficção) – ao menos no geral e em tendência. Por suas
propriedades, as sincrônicas ou fixas têm mais facilidade de degenerar em nosso
tempo de movimento. A arte pode ser dividida, de modo relativo, também, em arte
constante, que não exige do espectador, e arte variável, que exige do
espectador; o teatro, por exemplo, exige imaginação de quem assiste ao a
personagem relatar fatos da história fora do cenário do palco.
ASPECTOS DA
ESTÉTICA
QUASE-ARTE
A arquitetura, a jardinagem, a propaganda, a biografia etc. são, de
fato, arte? São, ao que parece, por seus valores de uso centrais, quase-artes,
mas não arte de modo direto e real. Um jogo eletrônico moderno, como God of war
ou The last of us, é certamente arte em comparação ao demais citados, mas
provavelmente será necessária uma nova geração de eruditos, já crescendo com
seus consoles, para reconhecer isso. Uma das provas de que arquitetura etc. não
são arte ver-se em Lukács ao este defender a incapacidade de tais manifestações
romperem com a ideia de beleza, com a meta do agrado. Mas ele não deduziu disso
que se trata de quase-artes, cuja estética está subordinada ao valor de uso
esterno ao artístico.
ARTE E INSPIRAÇÃO
Os antigos diziam que inspiração vinha de um gênio mágico invisível que
falava ao ouvido do artista. A inspiração importa, mas o trabalho duro também.
Romantiza-se a arte como a pura e total liberdade, anarquia e caos. Arte pressupõe,
incluso, técnica, aprendizado e treino disciplinado.
Mas há um Eu interno, tratado por mim em Psique – Por uma psicologia
marxista, inconsciente que produz, além de ser ativo e organizado. Às vezes, de
fato, a música sai – de sair, mesmo – quase pronta, quase perfeita. Houve um
trabalho oculto e inconsciente. O Eu consciente apenas foi capaz de traduzir e
acessar o material. Por isso, apesar de não descobrir o Eu interno, a
psicanálise é tão bem tratada no meio artístico – há uma experiência empírica
surreal muito direta com o objeto da psique.
Diga-se de passagem: 1) comum que criar seja, ao mesmo tempo, descobrir
(caminhos) na produção artística; 2) novidade de fato exige, em geral, mais
esforço, logo mais valor artístico.
Sobre o primeiro, apenas quando o artista encontra uma parede à sua
produção, uma dificuldade de expressar uma mensagem fictícia, ver-se obrigado a
criar uma ponte especial, um novo modo de expressão.
NARRAR OU DESCREVER?
Lukács adquiriu várias veias conservadoras em seu pensamento. Por
exemplo, de sua estética, conclui-se: deve-se narrar, não descrever (Lukács,
Narrar ou descrever?, 2018). Mas assim ele cai no ou-ou, ou seja, esquece o
caminho do meio, o narrar-descrever; além disso, obras descritivas também
causam cartase estética. Se separados, dialético negativo: a descrição é a
narração no simultâneo; a narração é a descrição no tempo.
Narrar é descrever, descrever é narrar. O marxismo é mais do que
histórico, pois é histórico-geográfico. O meio do naturalismo de fato importa.
Vale mais à arte uma riqueza de opções e escolas em relação a alguma regra
normativa sobre como escrever da parte de um não escritor de ficção. É claro
que o superior está na fusão de ambos, mas nada impede pesar a mão para um lado
ou outro.
COMO ANALIZAR UMA OBRA?
A análise profunda na arte funde o aspecto marxista, materialista
histórico e dialético, da percepção da obra com a tradição formalista, da
produção em si em seus aspectos internos. A pergunta sobre a época que permitiu
existir tal arte deve ser acompanhada da pergunta sobre o jogo de palavras ou
de traços que deu tanta originalidade ao material.
O marxismo vulgar pensa que a totalidade é a categoria absoluta,
autônoma. Cai-se, então, no perfil holista. Ora, o todo nada é sem suas partes
vivas e em interação. Devemos ser rigorosos nas grandes e pequenas coisas. Dito
isso, claro que a totalidade tem propriedades próprias, que as partes isoladas
não têm, mas, para a acessar o todo, que não é tudo, precisamos de avançar,
parte a parte.
Se quisermos, começamos analisando a obra em seu contexto histórico e
social, que é a grande arma do marxismo. Vemos, então, que a economia e o
perfil do país relativo ao resto do mundo, permitiu e, em certo sentido, impôs
aquele tipo de arte. Isso é muito, mas não é o bastante. A obra em si, em seus
detalhes, deve ser analisada, dissecada, verificada e teorizada.
ARTE E IMITAÇÃO
Aristóteles afirmou que arte é mimese, se quisermos, imitação – imitação
do real, simulação. Desde tais palavras, a história da filosofia, incluso
Lukács, repete tal falto concluído, ad nauseam. Ora: isso é óbvio, obviedade,
truísmo. Mero analítico sem mais. Apenas diz que arte é, ora, arte. Digamos
algo mais, de fato, interessante: a mente não consegue separar com clareza
ficção de realidade. No nível de consciência, é-nos claro, mas há um lado de
nós que confunde. Daí a cartase estética. Sabemos e não sabemos que é uma
imitação. A ficção é ficção real – com todos os duplos sentidos embutidos na
frase. Por isso, sentimo-nos irritados quando algo é mal feito, um roteiro ou
cena etc., que nos tiram da ilusão de realidade da ficção. N’O Capital, Marx
diz que apenas nos lembramos que a mercadoria é fruto do trabalho humano quando
ela apresenta defeito; algo semelhante ocorre com o produto estético.
Sendo mais direto, a arte: 1) imita a realidade, 2) deforma a realidade,
3) cria a realidade, 4) influencia a realidade, de onde veio. A arte é um real
fictício, um fictício real, realmente ficção.
A vida imita a arte e a arte imita a vida (Júlio Lobo).
O BELO
Neste ensaio, afirmamos: 1) o belo tem origem natural, socializado na
arte; 2) romper com a beleza na arte é afirmar o caráter social do homem. Algo
mais deve ser dito, em específico. A beleza artística não é, apenas e de fundo,
incluir o feio; mas a beleza na filosofia estética é a beleza de estilo, não de
sensação (a bela de estilo é unidade de emoção e razão). Um quadro feio, mas
bem tralhado, na forma e no conteúdo, torna-se, desse ponto e vista, belo;
veja-se Guernica. Dito isso, a beleza é subjetiva, na coisa, ou objetiva, no
sujeito? Ora, nossa espécie e a vida em conjunto evoluíram para saber de modo
subjetivo da beleza objetiva. Kant dá lugar a Darwin. A divisão entre sujeito e
objeto kantiano de nada serve.
Kant segue os passos de Platão. Este pensava que havia um mundo das
ideias e formas, aonde habitava o eterno e terno belo. Ele objetificou
idealmente o cérebro humano, como se mundo à parte. A superação sujeito-objeto
tornou-se separação de dois mundos, o sensível e, contra, o ideal. Aristóteles fez
o oposto, pois afirmou a beleza na própria coisa, não na ideia, por as
proporções e harmonia da coisidade elevavam à sensação de beleza, de perfeição
contra o caos. Ora, de onde viria o prazer mental com a beleza, com as
proporções; por que estas proporções e não outras? Entra de novo a teoria da
evolução e sua potência de unificar sujeito com objeto. O subjetivismo de uma
escola é tão unilateral como o objetivismo da outra, embora esta última tenha
alguma vantagem natural. Ambos não contam com a história da vida (humana etc.)
e da sociedade.
Enfim, uma lei: quanto mais nos afastamos (da beleza) da natureza, mais
precisamos da arte e de sua beleza humana, social.
O RISO
Como entre primatas, o riso é causado por algo inesperado ou com
aparência de ameaça que se revela, de susto, não grave. É quase uma forma de
empatia, pois vê o fim de um risco e que está tudo bem (o contrário da visão
egoística típica do chamado contrato social; claro, sádicos e psicopatas tendem
ao prazer ou ao riso com a desgraça alheia de fato, mas são anormalidades).
Vejamos um método: faz-se uma piada ou “tirada” boa, faz-se outra e, então,
inverte-se com a terceira – o fato de se fazer uma sequência dessas em tríade
faz com que o processo seja inesperado e em progressão.
Arte é moral; riso é, também, futo da arte; logo, o riso é moral,
incluso um regulado moral social, que espera o padrão regular contra o susto do
inesperado.
FORA DO
LUGAR
Assim como na teoria, a mudança de tempo e espaço na arte a
ressignifica, incuso em importância. Tudo sobre a arte está em si, mas seu
contexto importa também.
ARTE E MARX
Lembra-se de Marx como aquele a afirmar que superestruturas como a arte
têm forte influência da economia e da sociedade. Vejamos alguns detalhes
adicionais.
De Hegel, ele toma o caráter social, humano e histórico do artístico
(transcendente do natural). De Feuerbach, o caráter sensível (sentido etc.) da
arte (imanente do natural).
O artista produz a arte e, por meio desta, o próprio público capaz de
consumir sua produção, ou seja, educa-o – como
toda produção, indústria etc. Mas complemento com uma diferença: diz
Marx, apenas lembramos que a mercadoria é feita pelo trabalho quando ela
apresenta defeito; digo em complemento, na arte, ao contrário, quanto mais
perfeito é o produto estético, mais queremos saber de seu produtor, de seu
processo de trabalho etc.
Marx tinha preferência pelo realismo – sem prescrever escolas.
Marx tentou ser escritor de romance, teatro e poesia. Mas sua produção
juvenil era de baixa qualidade; para nossa sorte, passoua ser um grande
pesnador. No entando, O Capital I tem alto valor literário, riqueza de estilo.
Por fim, o desenvolvimento dos 5 ou mais sentidos é um desenvolvimento,
ou seja, muda ou evolui com a história. Educamos e reeducamos os nossos sentidos
– mais que naturais, também sociais. Como cérebro é apenas um, educar a
sensibilidade ajuda na educação intelectual e na produção teórica.
DUPLO CARÁTER NA ARTE
A arte tem dois sentidos: o fato e o sentido do mesmo, dele. Eis um
duplo caráter artístico. Assim, um ator faz a cena insinuando mais do que os
simples gestos e palavras. A poesia aponta para algo dentro dela. O sensível
une-se ao não sensível, o empírico ao não empírico (realidade, verdade), o fato
à interpretação – empírico-dedutivo. A arte tem, assim, duas mensagens: a clara
e a quase oculta. Quando quer, mas não necessário, faz uso da ironia, da
metáfora etc., recursos que indicam mais do que si próprios.
QUAL A
ESCOLA DE NOSSO TEMPO?
Após o modernismo, com sua pluralidade, a arte foi nomeada
pós-modernista, apenas no sentido temporal, após. Qual a natureza da arte de
nosso tempo? Apenas podemos saber depois de largo convívio para com ela. Pois
bem; ao que parece, trata-se da escola antissistêmica. Uma arte que pertence à
época de crise do capitalismo e de caos social, ainda que a mão dos poetas e
pintores nenhuma consciência tenha de sua inconsciência, disso. A arte
antissistêmica no sentido da forma, ou do conteúdo, ou de ambos. A chamada arte
contemporânea é tal escola contrassistêmica. Implode, explode ou subverter
formas e conteúdos (quando de modo positivo, a matéria). Mas falamos, aqui,
apenas da arte relevante, que merece a história, e da arte verdadeira, que
exige esforço e longa inspiração. O romance histórico serve para dizer que o
sistema não é estático, mas diacrônico, que nada permanece. Veja-se um clássico
novo, a obra O Homem que amava os cachorros, de Padura; nele, há trabalho de
forma e um conteúdo em si subversivo dentro da trilha policial. O Evangelho
segundo Jesus Cristo, de Saramago, outro clássico moderno, trata-se de uma
crítica feroz, com doses de indireta, ao sistema social e sua ideologia. A
poesia concreta, marginal, neoconcreta, o poema-processo, a poesia-práxis etc.
todos são subversivos em si, antissistêmicos por si. Repetimos: a crise do
sistema, com seu caos externo aparente, dá base para o perfil da arte. O
hiper-realismo, uma das escolas internas ao modelo, também expressa tal
tendência. O realismo mágico – ao expressar a irracionalidade e irrealidade do
mundo atual – é, por si, evidente logo feita a caracterização do estilo geral
de nossa época de transição. O experimentalismo faz com que cada um procure uma
forma própria de expor seu romance ou conto, mas a forma singular deve
expressar o conteúdo singular (mais à frente, demonstro uma solução desse
mosaico, o conto na forma de cartas ficcionais, uma forma permanente e
utilizável em larga escala). O antissistemismo inclui uma afirmação do
individual contra as totalidades. Cabe-nos, agora, à beira da revolução
mundial, diante da crise da arte, pensar uma arte dialeticista, dialética, mas
nunca final ou definitiva. A escola antissistêmica tende a esgotar-se com o
esgotamento do sistema. Ela é negativa e foi algo necessário; temos de fundar
um antissistemismo de segunda geração, dialética, positiva, dialética positiva.
Uma parte da dificuldade, até aqui, de caracterizar tal escola é a dificuldade
de entender tal época, tarefa desta obra por inteiro.
Quanto à pseudoarte, falso do falso, aparência da aparência da
aparência; como a crítica ao capitalismo em seu início, a crítica da arte dita
contemporânea tem sua versão conservadora e sua versão progressiva, ambas podem
apresentar elementos verdadeiros em suas críticas, mas apontam caminhos
diferentes – um olha apenas para o passado; o outro, também para o futuro.
A
OBJETIVIDADE NATURAL DA BELEZA
A arte não necessita ser agradável, mas, por derivação, a beleza é um
tema importante – o belo é objetivo ou subjetivo? Está na realidade ou nos
olhos de quem vê? Em primeiro lugar, beleza está na própria coisa, portanto,
natural em si (tanto natural para a percepção do externo quanto no próprio
externo); trata-se da beleza no geral, no universal, pois o lado animal do
homem e suas percepções capta a beleza do mundo, desde sua vida prática para
com animais e situações (o sombrio na arte tem, remete a, traços do sombrio na
vida real). Mas, por outro lado, a beleza é algo humano no sentido histórico,
determinada historicamente, socialmente; porém, sendo a beleza no particular,
não nega de todo a beleza geral, natural, antes pode mediá-la ou deformá-la.
Por último, temos a beleza no singular, no individual, que responde à própria
formação pessoal e da psique, algo único – este medeia e, ao mesmo tempo, é
mediado pelos outros dois. Assim, as polêmicas sobre o caráter do belo, dentro
e fora da arte, são resolvidos, percebendo os próprios “níveis” que se
misturam, um sendo a base do outro. Tenta-se refutar, por exemplo, a beleza
natural geral, com o fato de existirem pessoas com gostos exóticos; por outro
lado, tenta-se refutar a instância da beleza individual com a constatação de
consensos gerais sobre se algo é belo, apontando para o objetivo ou, ao menos,
o intersubjetivo. Os pontos de vista opostos acertam e erram ao mesmo tempo,
são incompletos e sem mediações.
ARTE COMO
TRANSCENDÊNCIA IMANENTE DO REAL
Como Aristóteles, Lukács diz que arte é mimese, imitação do real. Essa
verdade é metade mentira, pois a arte fala do verdadeiro por meio do falso –
ela deforma, acentua e unilateriza o real para melhor expressá-lo. Uma
escultura não é como uma mulher da escultura, por uma é feita de carne viva,
outra é talhada em mármore. A arte não nos permite ver de cima, como um
ampliador ocular facilita ver as estrelas e o nível microscópio, não amplia,
pois ela, na verdade, agrega experiências ao espectador, ao lado e junto. É
preciso romper relativamente com a realidade para melhor vivê-la. Por isso, a
arte vai da materialização para a desmaterialização, e vice-versa, para o
realismo e contra o realismo.
Na estrutura, a poesia está entre a prosa e a música; a dança, entre a
música e o teatro; a prosa, entre a poesia e o teatro; e assim por diante. Mas
ocorre que a maior parte das artes separam-se e autonomizam-se umas das outras,
como a prosa da poesia, a dança da música. Depois, na história recente, as
diferentes artes separadas voltam a unir-se no cinema, com suas muitas
variantes, e nos jogos de vídeo game. Então, temos: 1) fundação, 2) abstração e
separação, 3) reunião. Concreto, abstrato, concreto.
Lukács diz que a arte tem relação com o trabalho primitivo, pois o movimento
repetitivo economiza energia e aumenta a produção, gerando prazer. Sem querer,
chegou ao esgotamento de artes. O público cansa daquele estilo que deixou de
ser novidade, mas o velho artista não muda, torna-se conservador, pois manter o
mesmo modo de criação preserva energia e produz um modus operandi. Em geral, novas gerações mudam os rumos,
renovam.
Enfim, a arte tem um objetivo primário muito mais modesto e vulgar do
que pensa Lukács, que pensa ela como uma forma de expor o real. Sua função é a
mesma da religião por outros meios, ou seja, tornar a vida mais suportável e
interessante (o homem primitivo faz a dança e uma ferramenta ambas para tornar
a vida mais vívida). A arte, antes e além de expressar casualmente o real, cria
realidade, humana e fictícia. Em resumo, não há falsa cartase, toda cartase é
verdadeira, embora os lukacsianos pensarem a elevação do indivíduo ao gênero
como único caminho catártico. A arte não eleva o indivíduo ao gênero, mas
propriamente o individualiza, o subjetiva, alarga e dá mais forma ao Eu, contra
a objetividade dura da qual faz parte, da qual é parte.
ARTE DE
VANGUARDA
A ruptura com a beleza é a afirmação do homem na arte, como mais do que
natural, social. Lukács reclama que Ulisses trata de um personagem de perfil
perturbado, não um personagem típico, que ele defende como realista. Ora, uma
realidade louca produz loucos, eis o realismo. Lukács é um revolucionário
conservador. Nesta obra, devemos afirmar mais de uma vez que a arte expressa a
mensagem fictícia também deformando, ampliando, unilateralizando etc. Para o
teórico criticado aqui, um pé de tamanho desproporcional seria uma negação da
arte e do realismo. Ele vê que há unidade sujeito-objeto, aparência-essência e
conteúdo-forma no artístico. Pois bem; esqueceu que há o essência-forma, a
unidade e identidade deles: a forma do traço, o pé desproporcional, pode
oferecer uma boa mensagem como o trabalho manual e precário de escravo na
plantação de café. O expressionismo expressa a angústia – humana – com suas
cores e sinuosidades.
Lukács toma a posição de um burguês ou membro da classe média com
déficit de realidade (daí a fixação, correta, com a vida cotidiana), logo
exigindo da arte que lhe dê satisfação contra tal vazio pessoal. Um dos
problemas subjetivos da classe trabalhadora é excesso de realidade e de
realismo. Por isso, um bom livro ou filme ajuda… As pessoas comuns já conhecem
o mundo, sentem-nos com toda força: não precisam de personagem arquétipos
típicos no lugar dos bizarros e interessantes ou uma história de toda plausível
e verossímil no lugar de outra alucinante e ativa etc. Se faltasse realidade,
haveria demanda por ela na arte – tão simples quanto isso. Como denunciar a
pobreza, ainda que de forma artística não politizada, para quem já é pobre e
tem tal o mundo diante de si, bastando abrir a porta de casa para a rua? Nós
exigimos transcendência, ainda que ainda imanente.
Entre as arte de vanguarda dos séculos XIX e XX, o dadaísmo é o mais
inútil, puro caos sem sentido – mas abriu espaço para ousadias novas, ainda que
menores, em outras escolas. A arte abstrata sequer é arte. Mas, mesmo assim, o
cubismo, o expressionismo, o impressionismo, o surrealismo, o hiper-realismo
etc. são vitórias da humanidade. Deixando o realismo para fotografia e para o
cinema, que são melhores em tal tarefa, decidiram ousar, ousar, ousar! Foi uma
explosão criativa inédita, um novo renascimento cultural. No entanto, de modo
mecanicista e conservador, traço de sua classe de origem, Lukács viu – apenas –
decadência em todo canto, nunca reação à mesma decadência.
A arte equilibra-se entre a identidade (repetição etc.) e a diferença.
CONTEÚDO, MATÉRIA
E FORMA NA ARTE
Hegel diz que a arte vai do formal com baixo conteúdo (Pirâmides etc.)
ao equilíbrio de forma e conteúdo (gregos etc.) e até alto conteúdo e pouca
forma. Mas arquitetura não é arte, trata-se de quase-arte; e o homem faz arte
desde antes da civilização, nas cavernas e ao redor do fogo. A arte ganha
matéria, forma e conteúdo com o avançar da humanidade porque a mesma humanidade
ganha, em seu processo, desde a produção, matéria, forma e conteúdo.
A degeneração da arte leva a pedir ao espectador para esquecer o
conteúdo e focar no hilário, no bizarro: por exemplo, quadros feitos com massa
de bolo. Ou seja, novidade pela novidade, bizarro pelo bizarro. Tais supostas
artes são feitos com conteúdos descartáveis porque são, também, no conjunto,
descartáveis. Tem-se a matéria pela matéria, experimentalismo pelo
experimentalismo. Os falsos artistas são carentes por atenção.
Hegel diz que a unidade de matéria e forma é a matéria formada, ou, ou
seja, o conteúdo. Porque a arte tem matéria e forma clara, pode-se ter a
mensagem fictícia. Ora, até isso burlam: um quadro feitos de triângulos
repetitivos e fácies de produzi, coloridos, parece como arte digna – mas sequer
há mensagem abstrata.
A arte abstrata, o ápice da pseudoarte, foca no sensível, na impressão
imediata. Nenhum esforço dotado de sentido, direção rumo á mensagem, há ali. O
artista suposto expressa sua liberdade como irresponsabilidade e incapacidade.
O mundo à beira da extinção, então eles brincam de serem bebês com tinta
guache.
Conteúdo, matéria e forma reciprocamente determinam-se. Na arte, como um
vice-versa, estão não são conectados, pois também formam uma unidade de
identidade. Como a cadeira precisa ter ao menos três pernas para ser a si
mesma, a arte precisa ser dialética em sua composição, sua tríade sagrada. Arte
sem (boa) matéria de nada serve. Arte sem forma sequer é arte. Arte sem
conteúdo é inútil, da pior forma de inutilidade. Da tríade, um desenvolve ou
limite o outro, e o inverso. Muitas vezes, tal limite é bom à mente e à
criatividade
O desenvolvimento das forças de produção produz novos materiais (mármore
etc.); tal desenvolvimento produz um conteúdo social que produz um conteúdo
artístico novo e rico (Monalisa é o foco no homem, no indivíduo e em seu
destaque novo); mais pessoas com tempo livre, fruto da economia que avança,
produz mais artistas para novas formas.
TRAGÉDIA E
COMÉDIA
Aristóteles punha a tragédia acima da, para ele, vulgar comédia. Os
eruditos atuais têm tal tendência ao supervalorizarem o drama etc. Ora, muito
mais difícil fazer humor, pois exige, por exemplo, um ator melhor, mais capaz.
Na nossa metafísica, o abstrato é concreto em processo. Nesse eixo,
diz-se que a comédia é a tragédia mais um tempo. Os melhores atores são os de
humor, pois controlam o tempo, o ritmo, o corpo etc. de modo superior. Um
genial ator da comédia faz de modo também genial o drama – o contrário, via de
regra, não é verdadeiro.
Sobre a história, Marx diz que os grandes fatos ocorrem primeiro como
tragédia e depois como farsa, ou seja, comédia. Isso também vale para a arte. O
esgotamento da literatura de cavaleiros medievais levou Cervantes a escrever
Dom Quixote. O esgotamento da arte sobre seca, nordeste, cangaço etc. levou à
comédia de alto nível de Suassuna, Auto da Compadecida. Algo assim também
ocorre no cinema dos EUA e nos animes japoneses.
A comédia é um vulgar sublime. Veja-se que o cinema de Chaplin pouco faz
rir, mas é deslumbrante, belo etc. O cinema de humor é desprezado pelos intelectuais,
mas algo que exige mais da produção, dos atores etc. O tempo da cena e do ator
devem ser corretos ao extremos, por exemplo.
Fazer rir é dificílimo. Há de acrescentar que o humor é, em si,
subversivo, mais do que a mera arte. É comum obras de humor escritas por gente
de direita ter um conteúdo, em si, bastante crítico. O humor desarma
resistências e vai à consciência, põe a nu aquilo sobre o qual não se fala,
obrigada a ver outros ângulos. O escritor de humor vê a mundo literalmente, de
modo cru, aquilo que é invisível porque normalizado, mesmo se absurdo. O rei e
o patrão são humanizados ou reduzidos de seus postos arrogantes.
Contra a tradição antiga, William Shakespeare pôs comédia em suas
tragédias de teatro. A função era segurar o espectador. Mas, hoje, tal técnica
é usada de modo degenerativo, em especial no cinema. O exagero de humor no
filme de ação etc. faz perder o ritmo, a atenção e a imersão na obra. A
tragédia tem dentro de si algo risível, mas é preciso dar a certa medida às
coisas.
MATERIALISMO
E IDEALISMO
A arte era idealista no sentido místico, como os mitos contados ao redor
da fogueira, então vai-se para cada vez mais materialista com o avançar do
materialismo social, da matéria. Já foi dito que a incapacidade de suportar o
materialismo na ideia é a incapacidade de suportar o materialismo na matéria,
na realidade. A arte pode servir a idealismo ou ao materialismo. Com isso, um
não é tudo enquanto o outro é nada: o simbolismo, por exemplo, trata-se de uma
escola incrível, apensar de seu norte místico.
O cinema de terror focava em zumbis místicos, frutos de rituais
satânicos etc. Depois, coma crise da materialidade capitalista, e seus riscos
de pandemia desde a AIDS, anjo anunciador do fim, os zumbis passaram a ser
frutos de fungos e vírus. Foi-se ao materialismo. Hoje, temos zumbis velozes e
agressivos, quase conscientes, como metáfora das revoltas urbanas presentes em
todo o mundo – o que, para um burguês, soa como algo animalesco e irracional.
A arte, desde Frankenstein, tem ajudo muito na popularização da ciência
e de suas hipóteses. Todo jovem amante de cinema pop sabe algo sobre
multiverso. Uma dose de filosofia e ciência sempre tendem a agradar o
espectador ou leitor, que vê ali certa mágica materialista. No entanto, parte
de tal sucesso é a incompletude da física moderna, que apresenta a realidade de
modo parcial e bizarro. No filme Interestrelar, já um clássico do gênero,
posições científicas foram usadas para simular um buraco negro, as diferenças
de tempo pela gravidade etc. Eis um papel educativo sobre a idealidade,
materialista.
A magia às vezes justifica-se: a civilização é tão avançada que sua arte
parece mágica aos olhos de um humano, como se o invasores etc. fossem deuses.
Esse tipo de postura dá o sentido de uma transição, de uma sociedade que tende
ao materialismo e à dialética.
A arte vai do idealismo, desde o idealismo místico, até, de modo geral,
passando pelo mero materialismo, ao materialismo dialético.
ARTE E
DINHEIRO
Há uma constante guerra invisível entre dinheiro e cultura. Uma das
expressões disso é o baixíssimo nível das expressões culturais famosas, apesar
da enorme quantidade de talentos existente; além do mais, fazer boa arte,
trabalho análogo ao do artesão, exige tempo, tudo o que a economia monetária
nega. Outra, o enquadramento do carnaval por meio de sua institucionalização e
mercantilização, tirando da classe trabalhadora o perfil ativo e central nos
eventos oficiais, empurrando os foliões, por instinto, a reorganizar os blocos
de rua, gratuitos e mais anárquicos:
“O carnaval – festa pagã que nasceu nas ruas e foi enquartelada em
clubes e sambódramos – está de volta ás ruas (e de graça) com mais força a cada
ano.
“São Paulo, onde a celebração pro tempos se resumiu ao Anhembi, viu o
número de blocos de rua crescer 400% em dois anos. Em 2015, 300 deles tomarão a
cidade, 80 a mais que no ano passado, quando, segundo a SPTuris (empresa de
turismo municipal), cada um recebeu 5.000 pessoas, em média.
“No Ro, onde a festa atrai mais foliões, os 456 blocos deverão reunir 5
milhões de pessoas nas ruas, diz o Riotur (empresa municipal de turismo).
Enquanto isso, o desfile da Sapucaí (cujo ingresso não sai por menos de R$ 160)
costuma ter 1 milhão.
“Essa multidão ai atrás de blocos como Cordão da Bola Preta, no Rio, que
sozinho arrastou cerca de 1,5 milhão de pessoas no ano passado, e Agora Vai e
Sargento Pimenta, em São Paulo, muitos deles com desfiles semanas antes do
carnaval, que este ano começa no sábado dia 14 de fevereiro.
(…)
“Salvador – que sempre loteou suas ruas separando quem tem abadá (o
uniforme do bloco) da chamada “pipoca”, pela primeira vez terá um dia de
pré-carnaval, no dia 8, com trios elétricos desfilando sem as cordas.
““Na pipoca você é igual. O carnaval verdadeiro é aquele em que o povo
sai para se manifestar coma fantasia que quiser”, diz Edgard Oliva, 58,
professor da Escola de Belas Artes da Bahia.”
Que se diga as coisas como são: o dinheiro e o capitalismo ajudaram na
elevação e aceleração da arte – mesmo, mas apenas até certo ponto. Em nosso
tempo, sua tarefa é mais degenerativa como no conjunto da sociedade.
Encontramos um grande muro logo à frente do palco. Não sou como aqueles
marxistas que elaboram teoria pensando sempre em escrever algo pessimista e
catastrófico sobre tudo. Mas estamos desperdiçando talentos e potencialidades
como nunca diante dos limites do capital.
ARTE E
ANTI-IMPERIALISMO
A esquerda grita contra a colonização artística, um pouco de modo
idealista anti-materialista como se o problema da realidade fosse toda e só,
como primeiro motor, as “ideias”. O mais caricato em tal bandeira foi Suassuna,
um dos maiores gênios da arte brasileira de sempre, mas que, vindo do Brasil
oficial, dos ricos, amou e adotou de modo externo e deformado o Brasil real e
sua cultura. Ele, como os velhos costumam ser conservadores, queria que a
cultura brasileira na prática estagnasse – por exemplo: violões, nada de
guitarras! Mas a cultura deve mudar, renovar ou adapta-se com a mudança da
realidade, incluso técnica. Foi um utópico no mal sentido, embora houvesse
beleza nesse romantismo conservador.
Nós tendemos a uma cultura universal – a verdade e o certo existem – com
certa mistura de culturas e respeito às regionalidades. Mas, ainda assim, o
avanço da humanidade aproximará culturas para irmos ao ponto máximo. Do mesmo
modo que a necessidade de um dinheiro mundial se expressa no dólar, economia central,
a necessidade de cultura mundial tende a
expressar-se na cultura dos EUA e do chamado Ocidente. É uma etapa inevitável,
ainda que combatível e superável.
A luta anti-imperialista na cultura e cultura artística tem cinco
aspetos: 1) afirmar a multiplicidade e altíssima criatividade interna –
defendê-la, atualizá-la e divulgá-la; 2) internacionalista, absorver de modo
não absoluto e resignificar para si a cultura externa e universal – evitando,
assim, o nacionalismo culturalista; 3) tratar o outro como matéria-prima; 4)
ergue uma autoidentificação com o subcontinente latino-americano; 5) combater a
paixão por “querer ser como e imitar o atual império” sempre presente na classe
dominante, setores intermediários e, com a globalização, nas classes trabalhadoras.
É necessário produzir artes de vanguarda, mas populares. A estética pode
ser popular e erudita ao mesmo tempo. No cinema, agrada aos olhos um jogo
criativo de angulação das cenas. Os sentidos pedem renovação estética. Mas tal
reação estética anti-imperalista não deve acontecer de todo apesar do público e
da necessidade de fazer o devido e merecido sucesso. Não justifiquemos nossos
desleixos e erros sob o nome de vanguarda, experimentação, livre fluxo, ou algo
do tipo.
ARTE É
ANARQUIA!
Trotsky, inspirando a terceira geração de surrealistas, defendeu a
liberdade total e incomum da arte. Nem prisões financeiras nem prisões
ideológicas ou estatais devem oferecer imposições e dificuldades sobre o e ao
artista. Uma arte militante deve originar-se da inspiração, não do fuzil e da
censura financeira ou estatal. Pobre também do teórico que deseja impor um modo
de ser da arte a partir de seus preconceitos.
A arte deve ser a expressão impressionada e impressionista, um sintoma,
da liberdade no futuro – no socialismo. A arte é trabalho não alienado,
emancipado, livre quando é livre. É o poder da unidade das mãos e do cérebro.
As pessoas comuns sequer consideram o trabalho artístico como trabalho, mesmo
sabendo do imenso esforço e imenso estudo dedicado, pois há prazer, há
humanidade. E há um prazer raro, incomum, que poucas pessoas na história da
espécie sentiram até agora ao criarem, ao inventarem – a ação mais humana
existente.
O estalinismo com sua ditadura de ferro tentou impor uma estética e uma
arte para glorificar o governo, o trabalho longo e imoral, a ditadura, o líder;
um “realismo” dito “socialista”. A pobreza artística contaminou os países
vermelhos e parte dos seus artistas nos países capitalistas.
Um artista ofende-se profundamente quando sua arte é criticada, quando
algo é alterado sem sua aprovação etc. Tal vaidade positiva ocorre porque ele
está como se ali na sua obra. Ele se envolve pessoalmente com seu produto. Se
um artista verdadeiro é forçado a algo, logo ele, quase sem querer e sem poder
evitar, rebela-se, boicota e boicota-se.
A melhor ajuda à arte que os marxistas podem oferecer é defender sua
liberdade absoluta, ainda que inalcançável. Em matéria de arte, os comunistas
verdadeiros são anarquistas. Uma arte rica ajuda a causa socialista, embora de
modo indireto, ao tornar mais rico o homem.
No socialismo, com a liberdade maior e o maior nível cultural, surgirão
inúmeros partidos estéticos, partidos artísticos – numa dura e proveitosa
disputa, incluso de egos. O Estado deverá garantir suportes para que estes
movimentos ganhem força, espaço e autonomia. Cada bairro socialista terá um
centro com todos os serviços públicos – incluso um centro cultural com palco,
cinema etc. que dará voz também aos artistas locais e coletivos de arte.
O ROMANTISMO
COMO PARADIGMA DE NOSSO TEMPO
A escola romântica é filha da decadência feudal e do começo da
consolidação capitalista. Ela também é um protesto contra o novo mundo do
capital, seja um protesto conservador ou revolucionário. Seu foco na emoção
contra a razão tem algo a dizer e algo progressivo. No entanto, aqui, nosso
sentido de romantismo é diferente da nomeada tradição.
O marxismo tem três fontes, segundo Lenin: economia inglesa, política
francesa e filosofia alemã. Michael Löwy, um gênio, adiciona o romantismo como
quarta fonte originária. No entanto, ele destaca que Marx e Engels se
inspiraram em Balzac, um realista… De fato, o francês foi uma grande
inspiração, nada romântico no sentido clássico.
Minha tese é esta: em novo e amplo sentido, o romantismo é o paradigma
artístico de nossa época. Quando os realistas criticam a sociedade, eles fazem
isso como românticos – dizem como o mundo é de fato, o que já insinua de
maneira toda natural o que ele poderia ser, seu opostos em geral.
As obras da antiguidade grega etc. nada têm de românticas, em nosso
sentido, pois são baseadas em outro perfil social. Hoje, como o capitalismo é
transição, quase mera transição, entre o passado classista e o futuro
socialista, isso acaba por repercutir na natureza íntima de nossa arte. A arte
expressa, claro, seu tempo, pois o artista subjetiva a realidade objetiva,
neste caso, uma realidade transicional.
Lukács tenta impor de modo forçado o realismo como o centro da arte;
realismo em sentido mais amplo, para além da escola específica. Mas é o
romantismo quem cumpre, de maneira ontológica e oculta, a tarefa. Por isso, ele
foi conservador em matéria de arte de modo geral. Enquanto, ao contrário, a
postura romântica, no sentido amplo, abraça as vanguardas, o novo, o
experimento, a inspiração etc.
Quando acabarmos com o capital, poderemos mudar de assunto… Mesmo que
uma obra deixe de focar em críticas sociais, ela diz das angústias do
indivíduo, que estão lastreadas no modo de produção, ou seja, no modo de vida vigente.
Quando Kafka escreve o belíssimo texto “A Metamorfose”, está a criticar a
questão da saúde e dos doentes. Mas Lukács se põe contra tal escrita absurda,
sem ver o realismo, ou melhor, o romantismo que ela guarda dentro de si.
Desçamos o conceito de romantismo mais ao chão, mais concreto. De tal
modo, as diferentes escolas de artes são, no geral, renovações do romantismo
desde quando ele surgiu na Europa. O simbolismo aparece como aprofundamento do
romantismo; o realismo como sua negação, mas negação apenas aparente, não de
essência. O processo todo desaguou na are de vanguarda do fim do século XIX e
início do século XX. Trata-se da continuidade na descontinuidade: de modo
externo, a coisa modifica-se de modo vivo, mas possui o mesmo DNA de fundo no processo.
O romantismo amplo existe porque o capitalismo ainda existe. A arte de
ficção científica prospera, por exemplo, porque o futuro ainda não chegou, não
de todo ou como deve.
Vale um adendo lógico, ontológico e metodológico. Em minhas construções
descobertas, comum que um conceito real decaia nele “mesmo” e em seu oposto,
opostos.
REALISMO NA
FANTASIA
Lukács põe-se pelo realismo contra a imaginação, embora sua tese clara
não seja essa. Assim, seus seguidores abominam a arte que se afasta tanto do
real, dos fatos e da denúncia. Ao contrário, provaremos que a arte “infantil”
tem algo nobre a dizer.
O primeiro caso é o “Pequeno príncipe”. Ele visita um pequeno mundo
aonde há um gordo e arrogante banqueiro doido e fanático por ter mais mundos,
mais terras, mais enriquecer – mais-acumular. O protagonista corre de tal
presença. Depois, ele visita um mundo aonde tal mundialidade gira cada vez mais
rápido, o que acelera o tempo, do dia dispara para a noite e da noite para o
dia, o que força o trabalhador cada vez mais ascender e apagar as luzes da rua;
ora, siso é uma crítica cabal do capitalismo diante da altíssima produtividade
que gera mais trabalho no lugar de mais tempo livre. Vem a dialética: “O
essencial é invisível aos olhos.” Vem a defesa do princípio do valor: “Foi o
tempo que dedicaste à tua rosa que a fez tão importante...” No mais a obra já
se inicia em crítica ao racismo entre países.
O segundo caso é a mitologia de Tolkien. Em O Senhor do Anéis, ele
critica a corrupção causada pelo poder por meio de um anel mágico, pelo qual
todos brigam. Tal anel, de modo fetichista, adquire vontade própria e domina a
vontade dos homens – eis a alienação. Luta-se para preservar a liberdade e a
floresta. Em O Hobbit, a figura do dragão expressa a arrogância do banqueiro
que deita e dorme sobre seu ouro. O debate sobre racismo é expresso nas raças
em longas brigas irracionais, como entre anões e elfos. Ademais, cada raça tem
o ambiente, sua fisicalidade e sua personalidade em consonância, em harmonia.
O terceiro é Harry Potter, uma obra antifascista. A escola passa a lutar
contra a tentativa de um golpe fascista. Também na escola de magia, há quatro
grupos formais: entre eles, a Grifinória expressa a classe trabalhadora e sua
moral; a Sonserina, os burgueses e seus perfis. Grupos de autodefesa
antifascista são criados no processo. E entra o debate racista contra os
“sangue-ruins”, não puros.
Dois dos exemplos acima são de obras inglesas. Como a Inglaterra é uma
pequena ilha que, no entanto, dominou o mundo, surgiu a megalomania na
imaginação de seus escritores, uma tradição. No Brasil, Moteiro Lobato destruiu
o medo em nossas fantasias, infantilizando nossas criaturas mágicas. Fez,
portanto, um desserviço. Os ricos costumam adocicar as pesadas mitologias
populares. Então, neste país, há a tarefa de refundar sua obra mitológica
sombria que abarca tradições indígenas, africanas e europeias.
ARTE E
ECONOMIA
1.
O pensamento marxista vulgar é evolucionista, como se apenas
avançássemos para frente, sem contradição. Assim, se a sociedade e, por isso,
as forças produtivas avançam, logo a arte também avança. Quem conhece Marx sabe
que ele considerou uma desigualdade: um povo anterior pode ter uma arte mais
rica em relação a um povo posterior. O modelo de que dá “base econômico-social”
ergue-se uma “superestrutura ideológica, legal, artística etc.” não pode ser
usada como modelo real, que dispensa a pesquisa real. O mundo é concreto. Dito
isso, claro que o desenvolvimento da técnica permite novas artes como cinema,
barateia tintas antes raras etc.
2.
De modo geral, a arte desenvolve-se com o desenvolvimento da humanidade.
De início, o fazer artístico está ligado ao fazer religioso nas tribos antigas
– depois ganhou independência, tornando-se um complexo artístico. O pensamento
marxista vulgar pensa que a economia determina totalmente a prática artística;
isso tem sua verdade, pois uma época de duras crises, como a nossa, produzirá
poetas depressivos com seus poemas de lamento, escritores com duras críticas
sociais etc. Vejamos o caso da música sertaneja: o atraso do campo produziu a
música sertaneja caipira, original; despois, a ida rápida dos homens do campo
para a cidade produziu o sertanejo “analógico” (João Paulo e Daniel;
Chitãozinho e Chororó etc.) e, em seguida, a mecanização moderna do campo
produziu o sertanejo universitário (que muitas vezes é mais rápido e dançante,
além de baseado em instrumentos elétricos, como as máquinas na lavoura atual).
Mas a arte tem um bom grau de autonomia no seu desenvolvimento e em como
expressar-se em relação à sua base material, a economia e as classes sociais. A
base econômica e social faz as tendências gerais da arte, se será otimista ou
pessimista etc., mas como a arte será em si mesma, os estilos específicos,
depende mais da criatividade e do perfil dos artistas.
3.
Se a arte responde à sociedade, por mais livre que seja, então devemos
ter em conta que mudanças na economia mudam o tecido artístico. A estabilidade
do socialismo produzirá, claro, uma arte mais leve, alegre, dançante etc.
No capitalismo, devemos ter em conta os macrociclos da economia: 1) fase
de grande crescimento e crises fracas; 2) fase de crises mais dura com algum
crescimento, transição; 3) fase de duras crises e crescimentos fracos.
Do fim da II Guerra até a década de 1970, tivemos grandes crescimentos,
logo, otimismo. Surgiu o concretismo diante das faraônicas construções, surgiu
a bossa nova diante da nova e grande classe média urbana, surgiram vanguardas
ousadas e otimistas (neoromantismo etc.), sugiram poemas filosóficos, a música
impôs-se uma expansão em todos os sentido, o rock era dançante e alegre, o
cinema testava-se. Era euforia geral, as obras de ficção científica até
imaginam um futuro rico, igualitário, hipertecnológico, livre e – vejam só! –
sem dinheiro!
A pancada do início da década de 1980, que inspirou tantas obras de
distopia, mal foi o começo. A onda de crises, desta vez sistêmicas, cairá como
montanha sobre a consciência dos artistas. A arte pessimista ganhará fôlego até
a próxima revolução socialista vitoriosa. A arte militante também será obrigada
a surgir.
Alguns da classe média artística penderão mais para a esquerda, enquanto
outro para a extrema direita – ambos reações à decadência. Os roteirista
americanos vivem uma sociedade rica mas injusta e decadente, ganham pouco
enquanto estúdios lucram muito e possuem sensibilidade acima da média. Como
eles não teriam simpatia por ideias de esquerda? Isso se revela em muitos
filmes e séries com conteúdo radicalizado e elogios ao comunismo.
Mas lembremos que o critério de uma arte não é ideológico. Pode ser uma
obra genial com conteúdo de direita e conservador.
4.
O perfil de um país leva ao perfil da arte. A pequena ilha chamada
Inglaterra dominou o gigantesco mundo, pois isso sua prosa tornou-se
gigantesca. O mercantislismo estadunidense fez sua prosa fraca e comercial. No
Brasil, a negação do trabalho e do esforço como algo de escravos fez uma grande
poesia, mas fraca prosa. A revolução francesa animou, por centenas de anos,
vanguardas artísticas revolucionárias. O atraso com alta filosofia fez a cabeça
dos artistas alemães.
5.
O desenvolvimento técnico é base e condição, mas não determinista, do
desenvolvimento da arte. A primeira geração moderna de cantores no Brasil
deu-se pelo rádio (Carmen Miranda etc.). A segunda surgiu com o surgimento da
televisão (Chico Buarque, Elis Regina etc.). A nova ganha força via internet, a
nova forma de comunicação de massas.
6.
Em certo artigo de conselhos aos novos ficcionistas, o escritor
mercadológico Stephen King afirmou que o leitor se fixa no tema do trabalho,
mas o autor desconhece o motivo disso. Temos uma resposta. Porque é viva na
prática social, oprimindo corpos e mentes, que são o mesmo, é comum em livros e
séries haver algum debate direto ou indireto sobre alienação, que inclui, por
exemplo, existir com a personagem central – um investigador, um químico, etc. –
um trabalho com traços artísticos, criativos, útil, desafiador, afirmador e
desenvolvedor da personalidade, etc. Há o lado do público nos EUA com a
tradição puritana da negação do sexo para afirmação do trabalho, para onde deve
ser destinada a energia corporal, como afirmou Gramsci sobre o fordismo e o
controle dos corpos, e também, íntimo a isso, a busca frenética por dólar; mas
o sucesso mundial dessas produções revela, como diz o diretor Bong Joon-Ho, que
vivemos em um grande país chamado capitalismo – com suas alienações
influenciando o conteúdo das produções artísticas, quase como uma revolta
fantasiosa contra o destino.
Veja-se que seu público são as classes assalariadas, fixadas, em duplo
sentido, no trabalho. Por motivos semelhantes, a arte grega e romana focam na
guerra – nos guerreiros habilidosos etc. –, pois são sociedades belicicistas e
seu espectadores são homens de guerra, da classe dominante escravista. No
feudalismo, a religiosidade e o pecado estão na arte porque a Igreja precisa do
estético para atrair o público, cartase, e precisa-se controlar as mentalidades
para o modo de vida em questão; a religião era a cola daquele continente.
Nas sociedades de classes, a arte tem duplo caráter. De um lado,
desaliena ao enriquecer a vida do seu usuário, humaniza e conforta, faz da vida
algo mais rico de sentido; daí mais condições para enfrentar o mundo inimigo.
Por outro, aliena ao fazer mais suportável a difícil vida, ajuda na adaptação
ao meio, promove moral e valores do sistema etc. Por isso, a religião sempre
usou a arte como artifício para elevar a alma. Nos EUA, os senhores de escravo
reprimiam a canção dos escravizados na colheita; depois, perceberam que o ritmo
da canção ajudava na disciplina, na energia e na intensidade rítmica do
trabalho na lavoura; passaram, então, a apoiar os cantos feitos pelos negros,
estes que musicavam na intensão de tornar a vida mais suportável.
7.
ESTÉTICA, ONTOLOGIA E LIBERDADE
Na civilização, observa Lukács, inspirado em Marx, que o trabalhador vai
de um grau de menos para mais liberdade – escravo (escravismo), servo
(feudalismo), operário assalariado (capitalismo), trabalhador associado
(socialismo). A arte segue a sequência de acordes diminutos, menores e maiores
também. A tragédia grega era o homem querendo ou desrespeitando seu destino,
seu lugar dito natural, punido por destoar de sua posição no cosmos ou dado
pelos Deuses. A Divina Comédia sabe do livre arbítrio, ainda que de modo
instintivo, ou seja, uma liberdade melhor e maior, mas com apenas uma escolha
boa, isto é, não pecar contra Deus, a Igreja e o Senhor feudal, ou seja, contra
aquele modo de vida. A arte capitalista afirma o indivíduo contra o meio,
afirma a individualidade, a iniciativa etc. Coloca, pois, via transição feudal,
a tragédia grega de cabeça para baixo. Repetimos: a cartase estética é, também,
cartase ética.
8.
A velocidade da sociedade, de seu avanço etc., tende a determinar a
velocidade do esgotamento de um estilo, tente. Com sociedades mais velozes,
ampliemos os entido de velocidade, temos ainda mais contato com aquele estilo,
que passa a ser de rotina, que deixa de impressionar. Surge, então, a
necessidade social e subjetiva, no público e nos artistas, em especial os novos
públicos e artistas, de ter contato com algo novo de algum modo. Antes, parcial
verdade, parecia que a escola artística esgotava-se apenas por si, por sua
presença, sem lastro na totalidade social. Eu sou porque somos…
ARTE E
CLASSES
1.
Quando certo estilo de música afasta-se da dança, degenera em classe
média. Isso não é em exato ruim, pois pluraliza a arte. As artes de negros da
classe trabalhadora Jazz, Blues, Soul, Funk, Rock, Samba etc. passaram ser
amado e adaptados à classe média. Tal setor social foca no pensar, no trabalho
intelectual quase passivo, por isso sua música afasta-se da dança. Daí a
decadência delas, suas supostas mortes; além de deixarem de ser novidades e o
mundo ter mudado muito pesando para mudar os estilos.
A classe trabalhadora, prática e manual, tende a gostar mais do ritmo
que inclui a dança. Quem se mexe, mais quer mexer-se. A dança afirma o
indivíduo e suas relações, reanima o lado bom animal do homem, liberta o corpo
de sua mecanização, provoca erotismo.
2.
Há arte de classe. O forró ou cordel são expressões brasileiras
populares, das classes trabalhadores, além de um época. Os historiados conhecem
bem que os camponeses medievais contavam contos de terror à beira da fogueira
enquanto a aristocracia reescrevia tais história para se tornarem doces contos
de fadas.
O plágio ou ressignificação, adaptação, da classe média aristocrática e
dos ricos não é mero oportunismo. Os trabalhadores, em termos absolutos,
infectam-se com gripe mais do que os ricos, muito mais. Porque somos maioria,
mais provável que criemos novos estilos, arte, lutas etc.
A preferência da maioria pela música dançante anda junto da busca da
alegria. Veja-se que Gonzaga, o primeiro grande artista pop do mundo, escreveu
Asa branca, um clássico, cuja letra-imagem é triste – mas os acordes usados são
os maiores (alegres, altivos, estimuladores) mais um ritmo dançante. Funcionou.
Na classe média, usa-se mais acordes menores (mais tristes), ritmo lento, ou
acordes incomuns “sombrios” como os diminutos e meio diminutos.
3.
A maioria dos artistas vêm das classes trabalhadoras. Ora, a
subjetividade, antes, absorve a objetividade para depois, com o trabalho
cerebral, objetivar, criar. Isto é o que queremos dizer: o artista tem a
realidade como sua matéria-prima, e isso faz seu sucesso, base do; mas, ao
ganhar muito dinheiro, muda de bairro, muda de restaurante, muda de amigo
(podendo até isolar-se ao redor de sua riqueza), tem prazeres anormais, o que
faz com que deixe de ter o material que serve de insumo para si, para sua
produção. Aí pode entrar em decadência, talvez viver de renda etc. às vezes,
morre a criatividade ou a vontade de criar.
ARTE E
SUPERESTRUTURA
Como a arte é em si uma superestrutura (subjetiva), e de enorme
centralidade, ente tópico quase é como uma queda em si mesmo, um dobrar-se para
dentro de si na arte, na estética. Debatido outros fatores, a base fundamental
e o que há ao redor relacionado consigo, vamos ao objeto mais uma vez por outro
ângulo necessário.
SUPERESTRUTURA
Em geral, os teóricos têm uma concepção geral e, então, deduzem sua
ética, sua estética e sua psicologia. É um método equivocado. Devemos ir direto
ao objeto ético, estético e psicológico para, apenas no fim, ascender a uma
visão comum. Devemos, antes, analizar, medir, deduzir, classificar, historizar
etc. o objeto de estudo, o que afeta a visão de totalidade, para generalizar e
interconectar depois.
ARTE E MORAL
A moral, debatemos na Ética marxista, deriva várias superestruturas
subjetivas e objetivas: a religiosidade, a política, o direito – e a arte. A
arte começa como norte moral, embora não apenas: dança-se ao redor da fogueira
para estimular a unidade da tribo. Depois, a arte ganhou novas funções e mais
autonomia – sua função passa a ser tornar a vida melhor, mais agradável
(moral). Até hoje, o cinema de massa foca na vitória moral do bem contra o mal
atiço. Choramos como nunca logo quando a protagonista desdenha da prória vida,
sacrifica-se, em nome de uma causa, da liberdade ou dos seus (veja-se: trata-se
de certa moral tanto conjutural, de uma época, quanto estrutural, da essência
humana). O foco da arte, erram Aristóteles e Lukács, não é a cartase – esta é
meio, não fim em si, das funções artísticas. A cartase, antes, nos
individualiza, mais do que nos eleva ao geral,. Ao gênero.
A arte, então, passa a ser rebaixada à mera posição de meio. Ideia
(moral etc.) – material formal (arte) – ideia. A moral do artista é socializada
por meio da arte para o público (e educa-o) – ele faz, mas não sabe, ou seja,
inconsciente social. Mas a moral do artista é a moral social expressa nele e na
sua arte. Por outro lado, o público, educado na sociedade e na sua natureza
natural, também exige certa moral, certa cartase, mesmo que não saiba disso.
Isso arranca um tanto de nós a visão artiítica da arte, melhor, a visão
romântica dela e sobre ela.
ARTE E INSTITUIÇÃO
É raro um artista destacar-se de modo isolado, sem formar um grupo.
Muitas vezes, apenas é reconhecido após sua morte, quando deixa de ser um fardo
aos vivos. Por outro lado, um poeta isolacionista deve saber que a arte é um
ato social, tem função social. Um sonho que se sonha só é só um sonho que se
sonha só. É bom para a comunidade que os artistas desenvolvam relações.
Uma das funções de muitas das centrais instituições é ampliar a voz,
promover deias. De modo mecânico: as ideias, incluso sentimentos etc., produzem
as instituições. A religiosidade cria uma religião etc. Mas o inverso também se
apresenta verdadeiro. A institucionalização, por outro lado, cria consensos,
que tendem a ser conservadores. Nesses casos, o clubismo é quase inevitável.
INIMITÁVEIS
Há três artistas que, por suas simplicidades extremadas de estilo, são
inimitáveis: Bertolt Brecht (poesia), Rubens Fonseca (prosa, contos) e Paulo
Leminski (poesia). Imitá-los é degenerar a arte. Assim, eles são únicos e
únicos exemplares da espécie. A obviedade clara dos poemas críticos do primeiro
é inigualável e o século XX tinha a obrigação de criar um poeta capaz de dizer
aquilo de modo popular ao extremo.
PERFIL DO ARTISTA E DO ESPECTADOR - PSIQUE
Lukács diz que a arte tem unidade de sujeito, artista, e objeto, a obra.
O fato é que o interno, sendo também seu oposto, se externaliza: um bom
artista, disciplinado, produz uma boa arte, diferente do desleixado, que faz
uma arte desleixada. É comum que o artista faça aquilo que ele não é, o oposto
de sua personalidade pública e formal. O tímido crônico escreve humor (Luís Fernando
Veríssimo), o conservador escreve sobre traição e degeneração moral (Nelson
Rodrigues), o pacífico foca na violência (Rubens Fonseca, Padura). É como se a
arte fosse uma forma de expressar o lado reprimido de si, se reprimido for, o
não vivido ou mediado. Sequer o poeta necessita falar de si: ele pode ser como
um ator que imagina e escreve como sua personagem – o poeta é um fingidor, a
poesia nunca necessita ser um desabafo ou algo do tipo.
Quanto ao espectador, tenho observado um padrão. Pessoas por demais
duras e concretas acessam algo mais sentimental e oposto de si externo por meio
da arte abstrata (em principal a música), como se, por sua abstração, não
encontrasse resistência em sua psique no fluir artístico; nesse caso, nas artes
concretas, preferem a correspondência com seus perfis também concretos. As
pessoas mais abstratas preferem ver o oposto de si na arte concreta por onde se
realizam – no seu fluir; mas preferem a arte correspondente a si na arte
abstrata. Correspondente no sentido de personalidade externa, formal, prática e
consciente. Precisam ver materializado o oposto de si no artístico concreto.
Exemplos:: certa moça muito doce e calma, além de abstrata, adora filmes
(concreto) de terror; um homem duro e bruto, além de concreto, gosta de músicas
(abstrato) bregas com pesado conteúdo emocional direto.
Promover no indivíduo e na coletividade o ausente e o oposto, além do
reprimido – eis uma das grandes forças da arte. Torna-nos, por um instante,
completos e inteiros.
O filósofo e sociólogo Bourdieu teorizou o carnaval como o antídoto
tupiniquim contra ideais autoritárias, pois, ele supõe, toda a parte doentia e
animalizada da sociedade poderia ser ali espessa, consumida. O autor
desconsidera, assim, a monarquia, o semifacismo de Getúlio Vargas, a escravidão
e a ditadura civil-militar nacional, além de Bolsonaro, ou seja, desconsidera
informalmente a história. Como se sabe, os brasileiros fetichizam os franceses
na mesma proporção em que os franceses fetichizam os brasileiros; na realidade,
o contrário: somos festivos, livres, alegres, iguais e amáveis no carnaval
porque os não somos no cotidiano e o “fascismo cultural” é uma norma interna,
fruto do capitalismo num país atrasado e do passado escravista. A festividade é
a hora de sermos aquilo que deveríamos ser e gostaríamos de, mas ainda
faltante.
Vale um extra curioso. Está claro que os diretores Mel Gibson e Quentin
Tarantino são sádicos,e não de forma oculta ou para si, que se realizam em suas
obras.
OS GRANDES POETAS
Cada sistema geral teve seu poeta maior, que expressou sua época de modo
ímpar e amplo. Vejamos:
Maior poeta do escravismo: - Homero
Maior poeta do feudalismo: - Dante
Maior poeta do capitalismo: - até o momento, Fernando Pessoa
O sucesso de tais poetas fora da curva transcende seus tempos imediatos,
pois tocam a essência humana, sua generalidade e profundidade. São universais
particulares singulares, são atemporais dentro do tempo. É a imanente
transcendência imanente.
Fernando Pessoa, além de expressar-se de modo quase direto (Livro do
Desassossego – por Bernardo Soares) e direto, criou três personagens centrais,
cada um com um estilo de escrita e uma personalidade completa própria - Ricardo
Reis, Alberto Caeiro, Álvaro de Campos. Isso é único na história universal. Por
meio das suas companhias mentais, ele expressou vários ângulos de nosso tempo,
como a velocidade destrutiva da máquina em Álvaro de Campos.
Como poeta, embora um não erudito do tipo oficial, eu mesmo quero
concorrer ao cargo, ao menos ficar entre os 10 maiores sob o capital. O leitor
terá ao final deste livro propostas e exemplos artísticos que me permitem tal
megalomania vaidosa (uma forma nova de fazer poemas, além do temário renovado).
Mas o autoelogio é sempre um defeito.
A OBRA
TÍPICA
Certas obra têm de aparecer, são frutos naturais de uma época, quase
óbvias e fáceis de prever. Chamo isso um exemplo de totalidade encarnada. A
poesia de um Bertolt Brecht teria de surgir. Um grande romance clássico sobre
Trotsky gritava por existir, como em Padura o “Homem que amava os cachorros”.
Um bom artista pode, respeitando a própria personalidade, investigar qual novo
tem necessidade de se consolidar.
PROPOSTAS
ESTÉTICAS – DIALETICISMO
Se o leitor desejar, salte por sobre este subcapítulo. Agora, trataremos
de propostas para renovação da arte. Este livro pretende ser base teórica da
prática política, mas também artística. É insuficiente apenas criticar; por
isso, temos de ir ao positivo. Nossas propostas estão focadas na literatura,
área do autor, mas podem ter análogos em outras artes.
A vantagem das obras de estética na história é que foram produzidas por
gênios – Aristóteles, Kant, Hegel, Lukács etc. Mas o defeito deles é que, em
nenhum dos casos, o autor era artista. Lukács, em especial, foi normativo ao
pensar o realismo como único caminho digno na arte. O que seria de nós sem o
expressionismo, por exemplo? Ele apoia um ou outro artista moderno, mas era
contra as vanguardas a priori, embora seus discípulos isso pouco reconheçam. A
arte não precisa expor com fidelidade a realidade, ou não precisa expô-la
expondo-a. “Nem só de política vive o Homem.” (Trotsky, Questões do modo de
vida, 2009) Trotsky tem razão: em matéria de arte, os marxistas são anarquistas
– liberdade total, sem limites políticos ou financeiros. Ao mesmo tempo,
podemos propor, sem impor, caminhos inspirados no marxismo, sua lógica etc.
Somos partes da solução da crise da arte, como parte da crise social, ou
deveríamos ser – ou deveremos.
1. Realismo simbolista
a. As escolas opostas podem ter
uma fusão. De imediato, soa como conteúdo realista e forma simbolista; mas
pode-se ir além, com verdadeira mistura de ambos, mais do que mera
justaposição.
b. O cemitério abriga mausoléus e
indigentes.
c. Dirá Hegel: nada grandioso no
mundo foi feito sem paixão. Portanto, o novo cientificismo afirma a emoção. O
cosmos é poético, deslumbrante!
d. Infelicidade e fanatismo na era
do conhecimento subatômico!
2. Cartas
a. As extintas cartas devem ser
postas como variação nova da prosa quando ficcionais ou discursivas.
b. As cartas permitem romper com o
tecido espaço-tempo, objetivo e subjetivo, da prosa, como com o pensamento sem
extensão.
A escola experimentalista usa, muitas vezes respeitando o conteúdo,
“modelos” como obituários, diários etc. A carta, por outro, tem a vantagem de
ser geral, universal como formato.
3. Soneto novo
A arte poética cindiu-se entre o poema de forma fixa e o poema de forma
livre. No entanto, há o caminho do meio. O primeiro modelo proposto são poemas
que seguem a seguinte formatação: curta estrofe de apresentação (mote),
estrofes de desenvolvimento, estrofe de transição em que os versos são
“quebrados” para induzir à leitura ininterrupta, estrofe final com chave de
ouro. Chamo-lhes soneto novo. A segunda proposta é, em termos hegelianos,
conhecida, mas não reconhecida; nomeio-o refrão – estrofes livres entremeadas
por refrãos, versos repetidos etc. Também pertence à forma fusionada, por assim
dizer, de rigidez livre como a escada rolante que é, ao mesmo tempo, firme e flexível.
O leitor perceberá a forma interna no informe externo, o necessário no
contingente. Os poetas têm o desafio de utilizar o acúmulo histórico das
escolas literárias para criar “modelos” novos.
Vejamos exemplo prático de soneto novo:
Existem borboletas
Cujo sonho é cair
Borboletas suicidas
Muitas delas coloridas
Tropicais
Exclamações melancólicas
Pairando
Paradas no firmamento
Branco e azul
Urubus florais
Cemitérios flutuantes
Em confronto contra
Os ventos
Pois a aerodinâmica
Da vida
No tempo do
Abate
Fortalece para
Matar
Matar-se-ão
Multicolores e ondulantes fragmentos acima do cinza
4. Conteudismo I
O foco no conteúdo pode levar à redução da forma e da matéria na arte,
em nome do conteúdo. A incompletude, o dito sem dizer, o sugerido, o vazio
auxiliar. Na poesia, o uso de apóstrofos, abreviações etc.
Devemos também “atualizar” a gramática segundo o conteúdo. Além disso,
devemos explorar a duplicidade das palavras e sentidos ao máximo. Se bem
utilizados, vícios de linguagem podem ser, por igual, úteis.
5. Conteudismo II
Temos a grande história da arte ao nosso favor. A regra conteudista é
ter à sua disposição todos os recursos possíveis para a forma expressar bem o
conteúdo. Se o poema é sobre forma, logo usamos métrica fixa; se é sobre o
caos, logo os versos são caóticos.
6. Fusão de gêneros
Shakespeare colocou doses de humor no drama, fazendo escola até nossos
dias. Por outro lado, a vida é pluralidade, não unilateral. Logo, numa obra,
podemos somar todos os caminhos: o humor, o drama, o terror, o policial etc.
Uma das qualidades possíveis de tais obras é o fluir natural, não forçado, de
algo ao outro, como do humor para o drama, além de fundi-los.
7. Tempo verbal
A literatura pode usar o tempo verbal futuro para contar uma história,
como uma previsão. Isso permite um narrador vidente ou profeta.
8. O espaço
Deve-se afirmar, contra o fragmentário pós-moderno, a construção
sistemática de uma obra. O poema está naquela página do livro porque aquele é,
de fato, seu lugar segundo a estrutura, o conteúdo e o desenvolvimento. As
pinturas, por exemplo, devem estar ligadas umas às outras.
9. Nova ficção científica
O procedimento é simular um tratado científico ou algo semelhante. Temos
uma tese clara, em geral exposta ao leitor, então fazemos “estudo de caso”,
argumentos, “provas” para aquela ideia. Ou a hipótese procura os “dados” ou
estes desaguam numa conclusão. É científica, mas ficcional. O realismo e o
naturalismo também demonstravam algum argumento; porém aqui somos muito mais
diretos, mais “científicos”. Na poesia, temos o poema-tese. No cinema, podemos
fazer falsos documentários, mas com inspiração real científica, como da vida em
outro planeta, técnica hoje usada porcamente por pseudociência.
10. Crônica
É hora de fazemos crônica para o futuro, destinado aos historiadores de
amanhã. Em tais textos, procuramos escrever sobre o que é invisível para nós,
do cotidiano ignorado, tentando adivinhar o que de nosso cotidiano é anormal ao
cidadão do comunismo. Os cachorros donos da rua, os comércios típicos da
esquina etc. Ao leitor hoje, o susto daquilo óbvio, mas esquecido, o atrai – o
que parece natural, não o é.
A tarefa de elevar o estilo crônica ao nível de alta literatura se dá de
três modos: 1) trabalhar com de dedicação a forma, preencher de poesia; 2)
conteúdo profundo, o presente passado do suturo; 3) temário relevante, o visível, porque visível,
invisível.
11. Crônica científica
Tal estilo já existe de modo embrionário e inconsciente. A arte “menor”
da crônica – por exigir menos esforço – pode ser elevada por meio da união de
base teórica, jornalismo e literatura. Guiado por um eixo teórico, escreve-se
um uma crônica sobre o real, mesmo cotidiano, de maneira poética e estilística.
12. Antiode
O antiode é o oposto do ode em conteúdo, pois é dura crítica, e o oposto
da sátira na forma, pois não foca, por exemplo, no humor. O precursor de tal tipo
de poesia foi João Cabral de Melo Neto com um poema de mesmo nome.
13. Minimanifesto da
poesia conjuntural
A poesia conjuntural agarra-se à notícia em destaque da semana, adapta
seu fazer poético à historicidade de curta duração do jornal de ontem e de
amanhã.
Fazer poema demora – e é difícil. Para burlar os limites poéticos,
usamos, para impor musicalidade, as rimas fáceis e desprezamos, em princípio, o
trabalho de métrica.
A poesia conjuntural é irmã da charge no jornal impresso ou na internet.
Abusa dos trocadilhos, do humor, da sátira, da caricatura, das frases de
efeito, das aliterações rápidas, dos jogos com as palavras, da repetição.
Para nossa sorte, os fatos mais importantes duram algumas semanas junto
à chamada opinião pública. É possível, assim, produzir poemas descartáveis de
qualidade.
A poesia conjuntural é realismo puro, velocidade e quase improviso.
Que o poema esclareça!
Que o poema exija!
Que o poema denuncie!
Que o poema seja palavras de ordem!
Que o poema provoque risos desalmados e raivas repentinas!
14. Poesia filosófica
sistemática
Deve-se resgatar o hábito dos filósofos antigos de escrever suas ideias
em versos. Mais uma vez, a forma deve impulsionar a expressão do conteúdo. A
linguagem poética, em sua deformação da linguagem comum, ajuda a expressar. Mas
os poemas têm seu lugar, sua hora, por isso o livro poético filosófico é
sistemático, há um desenvolvimento das ideias ou um nexo geral entre elas.
15. Poema quase fixo,
quase livre
Pode-se fazer poemas com rima e metrificação dada, mas, aqui e ali, como
em nome do conteúdo, quebrar os versos aonde a frase também quebra-se, um verso
final de tamanho incomum. Vale a criatividade. Um exemplo é fazer estrofes de
igual quantidade de versos, ou quase sempre, em que a métrica do primeiro verso
da primeira estrofe tem a mesma metrificação do primeiro verso da segunda
estrofe, o segundo verso da primeira e da segunda estrofe com a mesma métrica
etc. De minha experiência, soa bem tal método, que funde livridade e fixidez.
16. Por uma – Nova Bossa
A música brasileira focou muito na voz e na letra, tantas vezes de
maneira genial, em parte por herança medieval dos trovadores. Mas isso deve ser
suprassumido, mantido como conquista e ao mesmo tempo superado. Os
instrumentos, por aqui, o violão em especial, tornam-se passivos, um
acompanhamento, apenas por detrás da poesia cantada. Nossas propostas,
portanto, são:
a) Fazer no violão algo similar às
frases do baixo.
b) Apostar nas variedades de
dedilhado.
c) Como no rock internacional,
usar bastante riffs durante a cantoria, não apenas nas introduções.
d) Ritmo dançante.
Isso merece justificativa. Quando a música se afasta da dança, degenera
em classe média. Os trabalhadores manuais gostam de movimento; os intelectuais,
de reflexão, de inércia. Por isso, um dos motivos do samba entrar em
decadência, ao querer agradar paladares eruditos e semi. A MPB deve, logo,
voltar a ser popular, retomar a dança – dançar é preciso.
e) Muitos solos na canção. Nossos
grandes músicos aproveitam pouco a melodia, a escala, o improviso de solo. O
violão deve ser ativo.
f) Quebra repentina do tempo e da
intensidade, sem ou quase sem transições.
Isso alerta o ouvinte, energiza-o. E é algo incomum na nossa música.
g) Aproximar-se, de modo indireto,
dos power acordes (tônica e quinta, tônica e terça, tônica e quinta com terça
etc.).
h) Não estrutura da letra.
Uma letra estruturada – tipo: estrofe, estrofe, estribilho, refrão,
estrofe, estribilho, refrão – já nada tem de novidade, espera-se, cansa o
espectador. Uma letra sem norte formal, embora não improvisada, causa o
inesperado, uma nova e boa sensação. Pode-se, por exemplo, fazer apenas uma
letra longa, depois um estribilho e depois um refrão longo e final. Algo
semelhante fazer com os versos e sequência de acordes.
i) “Faça você mesmo!”
Nossos novos artistas são de alto nível técnico, mas comportados, não
ousados – desconfia-se que a qualidade técnica deriva do medo de ser rejeitado,
por querer agradar. O princípio do punk, incluso os três ou quatro acordes, deve
ser levado à MPB.
j) Temos tristes produzem
artistas tristes – porém a rebeldia é afirmar a alegria. A onda de MPB
melancólico, com seus acordes diminutos e menores, pode ser superada, ainda que
mantida na Nova Bossa.
k) Levar à sério o visual, no palco
enquanto teatro e nos clips.
l) Músicas muito maiores do que a
média ou menores, pequenas pílulas.
m) Sistema de violões.
O violão conquistou seu espaço assim como o ouro enquanto dinheiro. O
ouro tornou-se o meio comercial porque era fácil de dividir e unir, porque era
imperecível, porque guardava muito valor em pequenas quantidades. O violão
tornou-se central, pois: 1) permite cantar, 2) permite solar, 3) permite fazer
acordes, 4) permite tocar em alturas baixa, média e alta; 5) permite diferentes
volumes; 6) permite fácil transporte; 7) seu som é especialmente agradável; 8)
seu aprendizado mecânico é intuitivo; 9) relativamente barato; 10) fácil de
consertar; 11) permite uma nota de “baixo” auxiliar, uma tônica; 12) permite
dedilhado; 13) oferece recursos únicos especiais; 14) preenche bem o cenário
com seu som. O cavaquinho e a viola, além de outros similares, estão para o violão,
e próximos, como a prata está para o ouro.
O sistema de violões pode ser
uma boa meta de um grupo musical. Nomeio tal projeto, ainda que apenas
experimental de início, “Nova Bossa” em oposição e homenagem à Bossa Nova. O
músico Phill Veras, por exemplo, antecipa nossas propostas de modo belíssimo.
17. Frasismo
Há, hoje, pseudopoetas e pseodopoemas. Isso não é apenas crítica
negativa; na verdade, muitos praticam uma are nobre, embora desprezada – o
frasismo, a elaboração de frases. Por não ter cultura, o falso poeta faz uma
falsa poesia quebrando uma frase ao meio para parecer um verso, um poema.
Soma-se a isso rimas fáceis e trocadilhos fracos.
Mas podemos fazer um frasismo positivo para nossa épica com as seguintes
características:
1. Duplo sentido
2. Sentido intenso, concentrado
3. Jogos de palavras
4. Subverter clichês
5. Sugestão
6. Jogos de linguagem
7. Nova gramática parcial
8. Palavras atuais, não “poéticas”
9. Foco na leitura, não na
oralidade
Vejamos um poema frasista, um poema programático:
Rejeite as frases de efeito
Rejeite os poeminhas fofos
Rejeite os toscos trocadilhos
Rejeite as risíveis rimas
Desconfie-das
Desconfie-dos
O princípio é o princípio
O fim é o fim
O meio é o meio
Criamos jogos
Agora jogos nos criam
Infelicidade e fanatismo na era
Do conhecimento subatômico
Antes mal acompanhado do que só
Nascido no tempo errado
Minha época é amanhã
Mas é Mais – Mais é Mas
Pois a poesia é a dimensão quarta
Da matéria
Concreto tornam-se os que habitam
A selva de
Des – ou – cansa
As ruas do mundo estão todas vazias
Unir o inútil ao desagradável
Já que o afeto nos afeta
Todas as dores do mundo
Doem mais entre os nossos
Tal como a vida
A Morte tem – menos ou mais –
3, 6 bilhões de anos
Os suicidas têm razão
Aqui em Israel – Palestina – até as palavras explodem
Menos que a sombra da sombra
Uma bala instalada no cérebro de um burguês
Equivale a 1000 poemas
A sabedoria da angústia
Antivírus
Quase todas as características do frasismo novo estão em tais frases
quebradas, versos. A arte nobre pode ressurgir com dignidade.
18. Arte
antissistêmica
Imagine construir quadros aonde certo objeto está desencaixado, ou seja,
fora da lógica da imagem ou de seu traço. Aquelas pinturas cansativas de
natureza morta podem ter algo que destoa do conjunto da obra.
19. Poema
quadro
Num quadro ou numa página de livro, cada canto tem um pequeno verso ou
pequena estrofe explicando, de maneira poética, o que o leitor deve imaginar
naquele ponto, qual imagem teria ali. Isso pode desaguar em narrativa: cada
página, uma cena etc. A mente do leitor unificará os versos e estrofes da
página em uma imagem total. Nossa época favorece a imagem imediata contra a
imaginação, que atrofia; eis nossa contrarresposta.
De minha parte, posso, então, afirmar que não sou um poeta ou artista
contemporâneo. Sou um poeta do amanhã.
APÊNDICES
A CATEGORIA MAIS-PODER
O argentino Moreno defende que devemos
escrever um o Capital da política. Para ele, assim como a obra de Marx é a
lógica do objeto estudado, devemos fazer a lógica da política. Faz algum
sentido, mas há exagero. Seu marxismo e sua corrente, da qual faço parte de
modo crítico, foca nas relações de produção e na superestrutura, na sociologia,
sabendo pouco da necessária base econômica. É o marxismo parcial e
relacionalista, sociológico (aliás, Moreno focou seus estudos em sociologia).
Se tal tarefa, que superaria o legado de Maquiavel, for possível, a categoria
de “mais-poder” seria a chave conceitual real de tal empreitada, ponto de
partida inevitável. Neste breve ensaio, exponho alguns de seus aspectos, longo
de esgotá-los, mas com a profundidade suficiente e necessária.
FÁBRICA E DITADURA
Marx expõe em O capital I o despotismo
fabril, além de nas minas etc., a ditadura do patrão e do acionista. No
escravismo grego, a elogiada democracia dos homens livres acompanhava e tinha
por base a ditadura nos campos de trabalho escravo e nos lares contra as
mulheres. Ditadura e democracia podem conviver juntas, aquela sustentando esta.
Mais: a necessidade de implementar um ditadura de Estado capitalista vem tantas
vezes pela necessidade de manter em pé, contra a rebeldia operária, a ditadura
nas empresas. A democracia das reuniões de acionistas na cúpula executiva da
empresa está baseada na mão de ferro contra seus funcionários. Ou a democracia
externa à porta da fábrica existe para manter intacta a ditadura do capital sobre
o trabalho, dentro da empresa. Assim, unimos base econômica-social e
superestrutura objetiva.
O MAIS-PODER
Temos a mais-valia, o mais-capital, o
mais-trabalho, o mais-produto e o hipotético mais-de-gozar. Penso, eis a tese,
que há o mais-poder. O poder geral da sociedade, algo desenvolvido, torna-se
desigualmente distribuído. O poder maior da burguesia é um poder menor,
menos-poder, da classe operária. Um jogo de soma zero: um perde na proporção em
que o outro ganha. No entanto, de modo algum nos confundimos com os teóricos
mercadológicos que buscam um conceito novo a cada instante, artificial e
exótico, para ganhar mídia e espaço acadêmico. No mais, o poder é meio, não fim
abstrato. Tal luta também é pessoal.
ACRÉSCIMO DE PODER
Nem tudo pode ser quantificado, por
exemplo, o valor artístico, que deriva de seu trabalho útil, não cabe em
números nem em seu preço. No entanto, torna-se possível perceber que o poder
aumenta de modo geral. Ao desenvolver a técnica e a sociedade, o homem aumentou
cada vez mais seu poder sobre a natureza (e, assim, sobre o próprio homem até
aqui) – temos mais-poder em outro sentido, neste caso, de mais do poder sobre a
natureza em relação ao poder em grau anterior (como sobre os homens em grau
superior ao passado). Tal poder, até agora, ainda exclui sua má distribuição
entre os homens, tratamo-lo como geral e abstrato.
O poder deriva também, por isso, de
ferramentas e como elas estão distribuídas. O arranjo do capitalismo, como tudo
está organizado, torna-se base do poder do capitalista, ou melhor, do capital.
Hoje, para haver poder socialista, basta o rearranjo social – o que exige um
Estado paralelo e radicalmente democrático.
Assim, o poder na história não permanece
o que é, ou seja, estático ou permanente. Sua grandeza, se podemos dizer de tal
modo, acresce ou reduz. Existir poder é condição de mais-poder; de modo
relativo, este surge apenas quando aquele atinge certo valor acumulado.
MAIS-PODER E DEMOCRACIA
A democracia não é um acordo, ponto
livremente aceito, mas algo imposto. É uma concessão forçada pelas
circunstâncias. É, portanto, algo inerentemente instável e parte de uma luta
permanente. Para haver qualquer tipo de democracia deve haver, também, todas as
condições para ela. Dito isso, não havia democracia nos Estados “socialistas”
do século XX porque não havia condições tanto para o socialismo quanto para sua
democracia direta. A internet, por exemplo, exige e possibilita, enfim, a
democracia socialista real.
A democracia grega foi forçada a surgir
por causa da forte classe dos comerciantes, da urbanização, da quantidade
enorme de homens livres urbanos etc. Fui fruto da matéria, não da ideia. Embora
muitos quisessem uma ditadura, em especial na época de decadência do escravismo
grego, a configuração da realidade obrigava a diluir um tanto o mais-poder,
baseado na falta de poder do escravo, na sua coisificação não desejante
aparente.
Quando o Brasil deixou a ditadura na
década de 1980, o poder antes muito concentrado teve de ser diluído um tanto,
fragmentado (num bom sentido). O povo passou a eleger seu presidente. Isso
aconteceu para evitar uma guerra civil, teve-se de ceder ao poder real dos pés
nas praças e ruas. A democracia é uma forma de os pobres não matarem os ricos –
logo, uma falsa democracia que visa uma paz social artificial. Diante de uma
realidade instável, uma nação pobre e com muita luta de classes parcial, o
presidencialismo, concentrar o poder no chefe executivo, tornou-se uma
necessidade. O parlamentarismo é para países urbanos mais estáveis, ou seja,
mais ricos. Já nos países rurais é comum o bonapartismo, ou seja, ditaduras do
executivo em geral militar que até permite a existência de 2 ou mais partidos.
A urbanidade é a casa da democracia:
nela, as ideias circulam ao lado dos protestos. Torna-se mais difícil
concentrar o poder e, logo, o mais-poder. Por isso, o fascismo ocorre em países
mais urbanos, diferente do bonapartismo, pois tem de impor uma derrota
fortíssima sobre o movimento operário e popular concentrado usando de métodos
de guerra civil.
A ditadura concentra poder, logo um
tanto mais de mais-poder em poucas mãos; a democracia dá algum poder maior,
liberdade, aos trabalhadores. Mas não vale a pena iludir-se com tal conquista
parcial, embora positiva. O poder nunca flutua no ar de modo estável e
uniforme.
O mais-poder, enfim, nunca é apenas
estatal, pois é um poder de classe, de uma classe social – os ricos de todas as
épocas – contra outra.
Poder é garantir que tudo funciona de
tal ou qual modo. Com a crise mundial de 2008, mais a precarização do trabalho
(fim da classe média), o governo Obama nos EUA tentou tirar do povo o direito
de ter armas sob a farsa de justificativas humanitárias. A razão de fundo é uma
tentativa de antecipação da burguesia: destruir a possibilidade dos
trabalhadores tomarem o poder, manter o poder estatal burguês, derrotar uma
revolta futura de maneira antecipada. Assim, por causa de luta de classes, o
governo tentou aumentar o mais-poder dos ricos e de seu Estado. As ditaduras
“socialistas” também tiveram como base separar o povo das armas pesadas e
formar um corpo especial de homens armados.
O MAIS-PODER E O MAIS-VALOR
O leitor marxista logo associa a questão
do mais-poder com o mais-valor ou mais-valia. Claro: acumulação de valor na
forma de dinheiro dá ao capitalista – e ao capital! – mais-poder em toda a
sociedade. Somos jugados pelo que temos nos nossos bolsos.
Mas a coisa é mais sofisticada… O poder
do valor também se faz sobre os burgueses, pois o que há de fato é a alienação.
Há um poder do mundo das coisas sobre o mundo dos homens – o mais-poder, hoje,
do capital. Porque a humanidade está dividida, porque lutamos uns contra os
outros, surgem leis coisais que não foram decididas por ninguém, que surgem da
desorganização da espécie humana. A legalidade apresenta-se, em nosso tempo,
como dinheiro em busca de mais dinheiro um processo que não encontra limite,
freio, bom-senso etc. – valor que se autovaloriza, valor como
sujeito-substância. O valor torna-se a alma tarada das coisas.
MAIS-PODER E BUROCRACIA
O burocrata “vermelho” precisava impedir
a democracia socialista, operária, para manter seu cargo, ou seja, seu emprego,
ou seja, seu estilo de vida destacado. Trotsky dizia que, na falta de comida na
guerra, alguém deveria organizar a fila dos alimentos; tal organizador comia
primeiro e comia melhor. O burocrata, apesar disso, morria de medo dos
operários, por isso fazia-lhes concessões diante de uma leve greve. É o preço a
se pagar, o que desestabilizava aquela sociedade.
O irmão menor deles são os burocratas
sindicais no capitalismo: fazem do sindicato o meio por onde engordam; até
fazem assembleias para a greve, mas só enquanto sabem que será aprovado aquilo
que já esperam ser aprovado. Eles precisam justificar à categoria seu cargo,
que merecem estar na direção sindical. Quanto mais-poder tem o dirigente,
menos-poder tem os representados.
No Brasil, a burguesia bruta e
escravocrata pedia a Getúlio Vargas, o ditador, que destruísse o movimento
sindical. Mas ele era um gênio: preferiu tornar os sindicatos um meio de
corrupção dos líderes, sindicatos burgueses da classe operária. Assim, o número
de dirigentes de um sindicato é limitado, apenar de haver uma base de
representados enorme, o que concentra poder, mais-poder, na mão de poucos
sindicalistas. Assim, o líder sindical pode tomar certas decisões sem consultar
sua base.
MAIS-PODER E MORAL
Com sua inocência, inevitável em sua
época, Rousseau afirma que nenhum homem deve ser tão pobre a ponto de ter que
se vender, nenhum homem deve ser tão rico a ponto de poder comprar outros
homens. O mais-poder é, inevitavelmente, imoral. Mas apenas na sociedade da
abundância real, que começa seus primeiros passos na década de 1970, incluso
abundância de tempo livre, a liberdade; o fim do mais-poder, do poder
concentrado, torna-se possível, necessário e desejável. O reino desigual da
inveja deve ruir, não me importarei se meu vizinho tem o que não tenho – ambos
temos. O socialismo é poder acessar com facilidade os objetos necessários para
o corpo e para o espírito, além de alguns caprichos sociais desejados.
MAIS-PODER E ARTE MILITAR
As ditaduras tendem a ter um exército
mais burocrático, com os comandantes concentrando tudo o necessário. Os
exércitos oficiais de países democráticos tendem a ter mais facilidade de dar
iniciativa e autonomia aos grupos de base; isso tende a ser até uma necessidade
da guerra, uma vantagem para quem dirige o aparelho. Esperar que o atarefado
comandante do comandante tome uma decisão é impreciso (pois ele está longe),
atrasa a ação etc. No entanto, a democracia não cabe em exércitos, mesmo nos
revolucionários, como demostrou a revolução russa. É preciso seguir o dirigente
que estudou e preparou-se na prática para bem dirigir: na hora do combate, não
cabe debater decisões e votar. No entanto, outros organismos, como assembleias
na cidade, devem eleger ou demitir tais comandantes.
MAIS-PODER E SOCIALISMO
O socialismo acaba com o mais-poder,
pois o povo passa a decidir tudo o que é central em assembleias diretas,
votações por internet etc. Mas o poder em si mesmo será maior, não menor,
embora radicalmente democraticamente distribuído.
Trata-se de destruir o poder estatal e
empresarial burguês por meio de um Estado paralelo, uma democracia superior,
organismo de poder como assembleias, conselhos e comitês de fábrica.
Na revolução surgirá, por meio do poder
na luta social, um poder real ao lado do poder oficial anterior e caduco.
Chamamos tal regime de regime de duplo poder, o operário e o burguês. Ambos são
irreconciliáveis, apenas um vencerá. Quem decide como e quando produzir? A
vitória operária depende, em grande medida, de um racha nas forças armadas,
quando ganhamos a parte mais pobre dela para nossas posições. Apenas o poder
contra o poder. O poder é, então, abstrato, a realidade social em processo.
MAIS-PODER E FAMÍLIA
O mais-poder do homem baseou-se no fato
de ele ter o poder econômico, sustentar a casa. Ou seja, ele tem meios de
repressão e regulação. Quando a mulher começou a trabalhar fora do lar passou,
também, a ruir tal poderio. No entanto, bem antes havia uma luta oculta na
família. A mulher, sempre que podia, operava manobras para fazer valer sua
vontade; às vezes, usando o sexo como ferramenta de barganha.
Com a crise da família monogâmica e
isolados pais carentes, surgiram formas deformadas de disputa pelo poder.
Temos, por exemplo, crianças mimadas, que manipulam os pais. Mas é de notar que
a opressão sobre os filhos, já citada no Manifesto, nunca foi tema sério nos
meios marxistas; afinal, eles são pais… Como os infantes ainda não são homens
completos, deve haver autoridade e aconselhamento, mas a coisa toda nunca precisa
ser despótica. Autoridade nem sempre é autoritarismo.
MAIS-PODER, HOBBES E MAQUIAVEL
No marxismo, refutamos uma teoria
desenvolvendo ela mesmo até o limite, até extrapolá-la por dentro de si. A
teoria de que o mundo era uma guerra civil animal e o estado vem para organizar
tudo, preservar a vida, reduzindo a negativa liberdade (caos)., está errada –
mas tem alguma verdade. Com a altíssima urbanização brasileira, veio a crise
estrutural do Estado, logo este se demitiu de agir na periferia urbana. A guerra
de gangues aí era permanente, morte sobre morte. Então o tráfico e a milícia
impôs a ordem, proibiu assaltos na região, organizou a comunidade, faz festas e
bailes, gerou empregos, ofereceu serviços e cobrou impostos ou taxas etc.
Claro, tudo por lucro e oportunismo. Mas surgiu um quase-estado não paralelo,
um poder e um mais-poder, em tais regiões.
Sobre o italiano, lembremos que sua
ambição era unificar a fragmentada Itália. Para isso, pensou que um grande e
sábio príncipe, concentrador de poder, mais-poder, deveria cumprir tal tarefa.
Daí, por exemplo, o motivo de estudar a “arte da guerra”, com uma obra sua de
mesmo nome.
MAIS-PODER E CRISE SISTÊMICA
É lei da decadência sistêmica pensar que
a causa do mesmo declínio é o governo, o regime, o estado, às vezes, a moral –
enfim, a superestrutura. Sócrates, Platão e Aristóteles foram dessa opinião,
assim como o grande Maquiavel. Hoje, culpa-se um governo pela quebradeira
econômica e deseja-se derrubá-lo por outro, como se fosse alguma solução, sendo
solução alguma. O povo, hoje, ao ver que a democracia dos ricos não funciona,
que esquerda e direta governam do mesmo modo, apostam na destruição, em figuras
políticas desequilibradas e risíveis.
MAIS-PODER E MATÉRIA
Mais-poder é concentrar materiais como
dinheiro, armas e humanos ao seu serviço – junto com seus arranjos contextuais
e propriedades. Ter mais-matéria é, nesse caso, ter mais-poder se a
materialidade está organizada e arranjada de tal ou qual modo.
MAIS-PODER: FORMA E CONTEÚDO
O conteúdo pode ter diferentes formas,
eis a dialética. O mesmo poder abstrato e concreto que está no Estado burguês
pode passar-se para o estado operário. O conteúdo disputado pelas formas, muda
de forma.
MAIS-PODER: DIACRÔNICO E SINCRÔNICO
O mais-poder pode ser visto como, no
limite, algo da estrutura, do arranjo, na relação imediata de exploração ou
opressão etc. E pode, ao contrário, ser visto, no limite, no tempo, por
exemplo, concentração de mais poder comparado ao passado ou o peso imenso do
passado nas tradições que mantém, ajudam a manter, modos de poderio.
O mais-poder é limitado por si, ou
melhor, breve tanto no sentido espacial quanto no temporal. Um pequeno susto de
5 mil anos na longa história da humanidade; e quase sempre minoritária, aliás.
A realidade e suas categorias objetivas
são diassincrônicas, por assim dizer.
O CAPITALISMO COMO TRANSIÇÃO
Proudhon
pensou a tese e a antítese, sem chegar ao menos na síntese, como se tudo
tivesse dois lados, o bom e o mau; Marx refuta tal método pobre (Marx, Miséria
da Filosofia - Método, 2013) com o exemplo da escravidão, que nada tem de
positivo (mas, destacamos para nosso argumento, a escravatura é típica de um
sistema anterior). Algo mais sofisticado fez Della Volpe ao afirmar que as
contradições são resolvidas tirando o negativo (no sentido de qualidade) e
livrando o positivo; por exemplo: há contradição entre produção social e
apropriação privada – o que fazer?: Manter o primeiro e encerrar o segundo –
uma vez que seriam apenas externos um ao outro. Moreno critica este último
autor por não ver que toda contradição está em uma unidade necessária, relação
e totalidade (Moreno, Lógica marxista e ciências modernas, 2007, pp. 46, 47,
48). O instinto de Proudhon e a elaboração parcial de Della Volpe ocorrem
porque, como dissemos acima, o capitalismo é rebaixado à condição de mera
transição entre as sociedades classistas e a sociedade socialista. O atual modo
de vida, dessa forma, tem em si aspectos do futuro, embora preso ao passado.
Assim: a internacionalização das forças produtivas entram em contradição com os
limites nacionais, sendo estes últimos superados; a contradição entre
proletariado e burguesia resolve-se suprimindo esta enquanto aquela
gradualmente deixa de ser classe; as forças produtivas são preservadas e desenvolvidas
com a supressão das antigas relações de produção; sem supor o grau de automação
hoje, Marx afirma em O Capital que a mesma maquinaria que serve ao domínio
capitalista e produz o “necessário” exército industrial de reserva também serve
por excelência para acabar com o desemprego reduzindo a jornada de trabalho no
socialismo (neste sentido, não há desemprego tecnológico propriamente); o
capitalismo precisa desenvolver a ciência ao mesmo tempo em que busca limitar a
erudição das massas e ligá-las à religião; o sistema capitalista maduro produz
momentos de pleno emprego como sintoma de possibilidade socialista, mas precisa
da crise posterior para “normalizar” o sistema, para mantê-lo; afirmar que o
comunismo já existe, ao menos em modo larval, no movimento operário é uma forma
de demonstrar isso etc. Os países atrasados que quase foram rumo ao socialismo
no século XX, de fato quase foram porque o capitalismo é uma transição, o que
permitiu ocorrer tais fenômenos, tais acidentes, mas mesmo o transicional
precisa de um tempo e uma maturação para pôr o novo, daí o recuo posterior do
socialismo “real”.
Para que
evitemos confusão com as categorias, destacamos que a dialética hegeliana e
marxista parte do “nem positivo nem negativo” que avança a si mesmo para uma
relação de positivo (não no sentido de qualidade, mas no sentido de afirmar-se
na realidade) e negativo; logo depois essa oposição é superada em um novo ”nem
positivo nem negativo”, pois também o próprio negativo, que está em
“desvantagem”, é superado. Por exemplo: do artesão, nem positivo nem negativo,
avançou-se para o positivo, burguesia, e o negativo, proletariado, e o
socialismo superará tanto o positivo quanto o negativo, o fim da existência de
classes sociais.
TRANSIÇÃO E
CRISE
Os marxistas
enchem a boca, com razão, ao afirmarem que o capitalismo teve mais anos de
crise, não de crescimento. Mas deixam de perceber que a crise é necessária para
recuperar taxas de lucro rebaixadas pelo superaquecimento da economia. Quando a
economia cresce, surgem sintomas do futuro e do socialismo, como o pleno
emprego e maior atividade política das massas trabalhadoras. Porque é uma forma
transitória de sociedade, o capitalismo vai-se, sem eu avanço, de crise em
crise.
A crise
capitalista, pro ser um fenômenos social, não natural, avisa que a sociedade
está ainda incompleta e desorganizada.
TRANSIÇÃO E
“SOCIALISMO REAL”
Por o
capitalismo ser uma transição, sociedades atrasadas puderam antecipar, de modo
apressado, aspectos do futuro, do socialismo. Por que, então deram errado?
Entre outros fatores: ser transitório é diferente, em muitos casos, de ser
efêmero – a transição precisa de seu próprio tempo, de sua maturação, antes de
ir ao consolidado, ao socialismo. É duro dizer, mas aqueles países
revolucionados e, em principal, o mundo, ainda eram imaturos para tentativas
socialistas.
TRANSIÇÃO E
REGIME DE ESTADO
O
capitalismo não tem um regime político seu ou uma sequência clara de épocas com
seus regimes estatais. Ele é, em geral, instável nesse sentido – também. Para
evitar o socialismo, o futuro latente, ora parte para a ditadura militar, ora
para a democracia burguesa, ora para o fascismo.
TRANSIÇÃO E
CLASSES
Em seu
comentário n’O Capital III, Engels diz do novo fenômeno de sociedade anônima e
por ações: trata-se da superação da propriedade privada por dentro do próprio
sistema, dentro de seus limites. O burguês individual dá lugar ao burguês
coletivo.
O
capitalismo produz como sinal negativo o seu oposto positivo. Por exemplo: o
desemprego crônico e “tecnológico” é sinal imediato e invertido do imenso tempo
livre no socialismo. Ademais, o sistema produz a classe que irá destruir ele
mesmo: o proletariado moderno, os operários. Antes, os escravos no escravismo e
os servos no feudalismo não era a classe imediata e direta do revolucionamento
de seus sistemas de opressão. Só uma sociedade de transição pode isso.
TRANSIÇÃO E
MUNDIALIDADE
O
capitalismo unifica o mundo e cria uma interdependência tal que lhe torna
bastante sensível às crises aparentemente locais.
TRANSIÇÃO E
SINDICATOS
Nem escravos
nem servos poderiam ter instituições de luta. Por mais que os burgueses
tentassem destruir as associações operárias, o caráter conjunto e urbano de tal
classe obrigava a criar organizações, mesmo que clandestinas e ilegais. Mesmo
que hoje estatizados, os sindicatos são sintomas do caráter transicional do
capitalismo.
TRANSIÇÃO E
PARTIDOS
Como se por
força da natureza, partidos operários ou de esquerda tiveram de surgir. Com
eles, ideias mais ou menos difusas de socialismo ganharam força. Como o
capitalismo surgiu de modo revolucionário, a revolução é algo bem visto na
cultura popular, no cinema etc. Desde seu surgimento, os governos franceses
aditam e mutilam o hino da França para que soe menos subversivo. A política é o
modo de transformar nessecidade em possibilidade (dirá Roberto Mangabeira Unger,
embora em outro sentido). A revolução é uma invenção moderna, do capitalismo.
TRANSIÇÃO E
SOCIALISMO
A tendência
inconsciente ao socialismo expressou-se de modo consciente, sem aparente
lastro, nos movimentos operários utópicos, no socialismo utópico não
científico. As ideias de outro futuro possível surgiam por instinto aqui e ali.
Ninguém é
perseguido por seguir Platão, mas pode morrer por defender Marx. De qualquer
modo, a filosofia científica materialista marxista provou seu direito histórico
e circula por todo o mundo, mesmo se com dificuldade sob ditaduras.
A revolução
socialista levará a uma revolução total no modo de vida, da economia à arte e à
moral. Mas, depois, qualquer revolução será algo raríssimo, entraremos numa era
de apenas reformas na ciência, na ética etc. Surgirão novos estilos em arte,
mas nenhuma ruptura séria.
TRANSIÇÃO E
CULTURA
O apresso
medieval pela rotina e pela tradição caiu por terra. Hoje, queremos o novo, o
moderno, a novidade, o avançado e o revolucionário. Tudo que era sólido
desmanchou-se no ar. Nunca acumulamos tantos exemplos de estética, de arte.
Assim, os mais velhos e arcaicos sentem-se desencaixados no mundo renovado,
deixam de compreender a realidade.
TRANSIÇÃO E
CRISE SISTÊMICA
É
incomparável a crise total do capitalismo coma crise total de sistemas
anteriores. Pela primeira vez, podemos ser extintos. A crise ambiental, por
exemplo, muito mais que parcial e limitado.
TRANSIÇÃO E CIÊNCIA
O
capitalismo faz o possível para reduzi a ciência ao empírico (necessário), aos
padrões externos, ao matematizável e à técnica. Assim, as ciências humanas
devem defender o capitalismo, nada crítico. Mas ele se vê obrigado a tolerar a
crítica e a ciência essencial, de base. Sem isso, sem avanço. Porém, precisa
manter a maioria ignorante, semiletrada, apenas capaz de trabalhar como caixa
de supermercado e ler manuais. Os EUA, no lugar de criar um povo erudito,
preferiu importar cérebros de todo o mundo. Por isso, gênios como Carl Sagan,
este de clara inspiração socialista, tiverem a iniciativa de ir além, de tentar
criar ao menos a simpatia popular pelo científico.
De qualquer
modo, dentro de certos limites, a cultura e a sensibilidade populares tiveram
de se elevarem.
As ciências
que foram “longe demais” – marxismo, darwinismo, einsteinismo-teoria do Big
Bang, freudismo – têm de ser atacados, negados. É uma realidade que permite,
mas não aceita de todo pensamentos avançados. Algo típico da transição.
TRANSIÇÃO E
CAPITALISMO
Como em
nenhuma outra transição sistêmica, o capitalismo é um socialismo de cabeça para
baixo. Por exemplo: em todos os bairros, há um supermercado, que servirá de
primeira forma de depósito público, gratuito e de qualidade dos produtos. A
internet e a computação permitirá um planejamento geral e científico da
economia. A robótica-automação põe fim às classes, permite produção científica,
dá base ao fim da exploração etc. Tanto a burguesia quanto o operariado, via
desenvolvimento técnico, se afastam da produção.
TRANSIÇÃO E
ESTADO
Hoje, o
Estado investe porque a burguesia não tem condições de arriscar investimento em
tão larga escala e em tanto risco. Como burguês impessoal, o Estado tonou-se
necessário ao sistema como aviso que o avanço técnico exige grande
investimento, logo recursos concentrados, talvez planificados e planejados.
Seque a sociedade por ações investiria em hidrelétricas que dão lucro apenas
após algumas décadas de funcionamento.
TRANSIÇÃO E
FORÇAS ARMADAS
Via de regra,
as forças armadas dos sistemas anteriores eram formadas por cidadãos livres e
ricos, até para reprimir a classe trabalhadora de sua época. Os capitalistas,
via Estado, ao contrário, contrata assalariados, ou seja, seus inimigos
potenciais. Eia outro sinal de transição. Diante da miséria e da revolta
operária o popular, os militares de baixa patente reprimirão os seus? No
escravismo e no feudalismo, o contrato e profissionalização do exército era um
dos sinais de decadência do modo de produção.
TRANSIÇÃO E
CONTRATENDÊNCIAS
O
capitalismo tende a substituir trabalhador por máquina, mas resiste a isso por
meio de baixos salários – o socialismo encerra tal resistência. O capitalismo
tende a derrubar a taxa de lucro, mas cria negações disso – o socialismo
encerrará tais negações. O capitalismo tende a concentração e centralização do
capital, mas promove oposições para a dispersão – o socialismo unificará todo o
grande capital como uma só empresa com planejamento central. Esses e outros
exemplos avisam que o socialismo afirmará tendências do capitalismo sem suas
contratendências, que serão superadas. Isso demonstra muito bem o caráter
transicional do capitalismo uma contradição dentro de si mesmo, barreira de si
próprio. Ele tende a algo, mas por sua configuração (classes etc.), resiste-se,
contradiz-se. Por outro lado, isso gera um tempo de maturação necessário.
TRANSIÇÃO E
DIALÉTICA: MUNDOS DA APARÊNCIA E DA ESSÊNCIA
O mundo que
é claro e evidente desdobra-se, em seu autodesenvolvimento (diversificação
etc.), em mundo essencial e mundo aparencial – para depois promover novo mundo
unificado transparente. No feudalismo, Idade Média, tudo era claro, cristalino
e evidente: não somos iguais, uma parte do trabalho fica com a classe dominante
(outra como Estado, outra com a Igreja etc.), o Estado serve aos ricos etc. Com
o capitalismo, o mundo duplicou-se: parece que somos iguais, parece que somos
pagos pelo nosso trabalho, parece que o Estado é um mediador não classista etc.
O socialismo, enfim, encerra tal duplicação, tornando tudo transparente mais
uma vez, de novo modo. O que no capitalismo é aparência e farsa ou ilusão objetiva,
será, em muitos casos, essência real no socialismo. O capitalismo anuncia o
socialismo, mesmo se com trombetas desafinadas. Pesando a mão e desleixando do
rigor: o capitalismo é o reino da aparência; o socialismo, da essência.
TRANSIÇÃO E
HISTÓRIA
Com o
capitalismo, Hegel afirmou o fim da história – tese recomposta com a queda do
socialismo dito real. Em crítica, Marx afirmou que estamos, ao contrário, ainda
na pré-história da humanidade, antes do socialismo, ou seja, quando a
humanidade será humanidade, quando a história de fato será iniciada. Podemos
nomear partes da história do seguinte modo: pré-história, história e
supra-história. A primeira e próxima revolução socialista que dará sequência a
um efeito em cadeia em todo mundo, em poucas décadas, será marcada como o ano 1
da nova época, então, os calendários serão novos e reescritos.
Hegel
afirmou que algo histórico ocorre ao menos duas vezes – o que prova, no
profundo, a necessidade de sua ocorrência. Marx atualiza: acontece primeiro
como tragédia e, depois, como farsa no sentido de comédia (complementamos:
também no outro sentido de farsa). Algo mais pode ser dito. Os grandes fatos
históricos ocorrem também como, primeiro, ensaio geral, e depois como fato de
fato; a possibilidade, entes de ser necessidade inevitável, testa-se a si
mesma, verifica-se, tenta-se, ou seja, como se ensaia, prepara-se, para uma boa
futura apresentação completa. O capitalismo é o ensaio geral, bastante caótico,
do socialismo.
TRANSIÇÃO
No fim dos
sistemas anteriores, ou no início de seus fins, alguns efeitos aconteceram,
incluso: aumento do comércio e aumento da dívida. Ambos são o próprio capital.
Assim, aquilo que foi transicional nos anteriores sistemas é a próprio sistema
transicional hoje. Por exemplo: a urbanização alta marcou as crises sistêmicas,
e o capitalismo é urbano por excelência e necessariamente.
Repetimos: o
capitalismo é, de fato, um modo de produção e de vida, ou seja, toda uma época
da humanidade; por outro lado, também, trata-se de uma transição, quase mera
transição, entre o passado classista e o futuro sem classes sociais,
aclassista. O capitalismo é um modo de transição.
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[1]
Este é um esforço de condensação e seleção da teoria, na relação homem-homem. A
alienação em Marx se expressa em: “1) alienação dos seres humanos em relação à
natureza; 2) à sua própria atividade produtiva; 3) à sua espécie, como espécie
humana; e 4) de uns em relação aos outros.”
[2] Nosso
ancestral evolutivo já vivia abaixo das árvores, no solo, porque sua morfologia
fazia-o habilidoso para andar e correr; por isso, adaptou-se ao ambiente de
savana.
[3] No
mais, vale observar, o paleontólogo Nacho Martínez Mendizábal teorizou que o
gênero homo, diferente de nossos primos primatas, perdeu o tamanho dos caninos,
pois, ele diz, tais dentes elevados serviam para disputas internas, contra
membros da própria espécie, e, entre nossos antepassados, a cooperação superou tal tipo de
conflito, moldando a morfologia dentária.
[4] A
grande dádiva do marxismo não é apenas, nem no seu começo, afirmar que o homem
é diferente e especial como dizem a religião e boa parte da filosofia. Ao
contrário, descobre, pouco antes de Darwin dar a forma teórica ímpar, que o
homem é um ser natural, biológico, antes de ser de fato social. Isso é parte do
significado de que o homem precisa comer e de abrigo antes de poder fazer
filosofia. Sobre isso trata Mészáros no capítulo sobre moral em seu “Teoria da
alienação em Marx”.
[5]
Quem vem antes, a essência ou a existência? O processo de formação da
existência é, também, o processo de formação da essência (Sartre pensa que a
existência precede a essência porque ele vê o indivíduo, não a humanidade – por
outro lado, na formação do indivíduo humano, sua maturação existencial avança
para consolidação da essência humana em geral; uma criança têm uma fase
egoística, pois ainda é um homem em formação). Além da formação de nossa
espécie, o longuíssimo período de comunismo primitivo, igualdade e comunidade
da escassez, operou uma seleção social com seleção natural, facilitando a
reprodução e perfil daqueles que têm a essência humana em geral.
[6] O
trabalho sobre a noção, até aqui mistificada, de essência humana pode receber a
crítica de que usamos o método dedutivo para percebê-la. Marx também usa tal
metodologia para expor um novo
objeto, o valor, no Capítulo I d’O Capital.
[7] Os
psicólogos evolutivos (Robert Trivers) chamam altruísmo recíproco,
reciprocidade. A expressão mutualismo, tomado emprestado da biologia, a
associação de populações diferentes de modo vantajoso a ambos, é limitado, mas
o mais próximo que consideramos para corresponder ao objeto.
[8]
Vale a pena comentar em nota a questão, famosa hoje, do gene egoísta. O egoísmo
do gene é base de nosso egoísmo natural, pois os genes focam em reproduzir a si
mesmos? Ora, isso fica muito mais claro e correto se incluímos a categoria
suprassumir; esta expressão, o suprassumir, é, ao mesmo tempo, concentrados
dentro de si, misturados, os significados diferentes e opostos destruir,
superar, guardar (conservar) e elevar. O lado egoísta do gene não é totalmente
negado na realidade, nem totalmente afirmado nela, pois é suprassumido, como no
fato de as espécies, como nível acima, que apareceu antes – do “ponto de vista
do gene egoísta” – como mero nada ou instrumento, procurarem a perpetuação das
próprias espécies; permanece, então, a possibilidade do altruísmo, da
solidariedade, da comunidade, da comunhão, do mutualismo. No lado humano,
acrescenta-se que o homem é a afirmação da natureza e, mas, ao mesmo tempo, sua
transcendência.
[9] A
concepção aqui exposta pode dar base a outras observações e pesquisas. Exemplo:
abstraindo o uso como ração, incomum hoje no ocidente; nós adestramos os lobos
para que servissem de companhia (integração), fossem capazes de guarda
(relações mutualistas) e auxiliares na caça (ser ativo). Desenvolvemos raças de cães para satisfazer
diferentes necessidades. A demonstração dos tipos caninos é um tanto
unilateral, pois os três elementos, abstraídos, estão como se misturados dentro
da realidade; porém serve de primeira aproximação clara ao tema.
[10]
Freud está em relação a uma nova teoria da psique como Ricardo em relação a
Marx. Considerar o aspecto natural do homem é uma das forças da psicanálise,
embora seja uma ciência social, mesmo que seja negada esta localização pelo seu
fundador, que a considerava parte dos estudos biológicos (possivelmente para
dar ares mais científicos ao seu legado contra os ataques que sofria). Dito de
outra forma, dar-se, com a psicanalística, primeira base materialista para a
psicologia, embora deva ser superada.
O Behaviorismo, por sua
vez, também avança certos aspectos, mas de maneira unilateral. É tão ciência
quanto o freudismo. Nega-se os avanços de Skinner porque se tem, entre os seus
críticos, uma concepção burguesa de homem, como se livre e autônomo, longe de
quase determinismos do ambiente, o que é falso. No mais, tal concepção percebeu
que a repressão sobre os jovens não é um método válido como em animais, pois
gera reações, manobras, problemas, etc. Mais um pouco e seria percebido que
isso se deve a uma essência humana.
[11]
As coisas tendem à integração: aglutinação de valores de uso, internet das
coisas, aproximação entre produção de bens de consumo e produção de
matéria-prima, fusão entre capital financeiro e capital produtivo, etc. A
tendência à integração coisal, falsa modalidade do Ser, é expressão alienada –
por alienação – da tendência de integração do ser social, como a formação de
uma única comunidade global no socialismo, respeitando as particularidades
locais, a atração dialética após a repulsão, como demonstrou Lukács esta última
humana tendência (até onde vai meu conhecimento sobre o húngaro, nunca tendo
chegado a formular sobre a primeira e, logo, nem também a ligação ontológica de
ambas, algo próprio como contribuição desta obra). Apesar de mais implícito que
explícito, o movimento “das coisas” está entre as bases deste livro; como
vemos, uma nota de rodapé é suficiente, embora o tema seja em si profundo e
inédito científica e filosoficamente. Certo nível de integração das coisas,
mesmo fragmentando os homens, é uma das condições para haver socialismo.
[12]
Exemplo deste último, natural socialmente modificado, podemos observar na
atração pelo corpo feminino. Na idade média, a escassez levou a ver como sinal
de saúde mulheres acima do peso; na China, os homens atraiam-se por pés
femininos pequenos porque os pés das camponesas eram mais rudes, diferente dos
das mulheres da aristocracia. Nestes casos, a busca por fêmeas melhor aptas
para a reprodução teve mediação social em tipos específicos.
[13] A
linha no gráfico sobre ao Brasil não corresponde aos dados reais, tendo sido um
erro de organização. Também neste país houve elevação do QI.
[14]
Ao que parece, tal alienação é, em si mesma, antiga, pois o cérebro humano
reduziu de tamanho desde a origem da propriedade privada.
[15]
Parte dos pensadores atuais afirmam que basta ao cientista reconhecer a
influência de sua posição social sobre sua prática teórica para que o problema
esteja resolvido. Jamais um economista oficial, burguês, chegaria às conclusões
profundas de Marx. Claro, nem tudo depende do ponto de vista e do olhar
crítico, pois outros fatores influenciam: a disciplina de pesquisa, o perfil
pessoal, o acesso a recursos, o grau de desenvolvimento técnico e histórico,
etc.
[16] Resumo,
primeiro contato: “Conforme Cunha (2002), Piaget considera que o processo de
construção do conhecimento inicia-se com o desequilíbrio entre o sujeito e o
objeto. Para ele, a origem do conhecimento por parte do sujeito envolve dois
processos complementares e por vezes, simultâneos. O primeiro é chamado de
Assimilação e o segundo a Acomodação.”
“Em Mussen (1977), a
assimilação é tomada como a capacidade de o sujeito incorporar um novo objeto
ou ideia a um esquema, ou seja, às estruturas já construídas ou já consolidadas
pela criança. Já a acomodação seria a tendência do organismo de ajustar-se a um
novo objeto e assim, alterar os esquemas de ação adquiridos, a fim de se
adequar ao novo objeto recém-assimilado.”
“Para Cunha (2002), após
algum tempo, a criança passará a dominar o novo objeto assimilado e acomodado,
chegando a um ponto de equilíbrio. Assim, “a criança que atinge esse patamar
não é a mesma, pois o seu conhecimento sobre o mundo agora é outro, maior e
mais desenvolvido”. (p. 77).”
[17] Um oferece
dialética ao materialismo do outro, não sendo resumíveis suas contribuições a
esse encontro.
Moreno vê apenas o lado
positivo de Piaget, de fato impressionante. Além do mais, ele perde a
oportunidade de desenvolver e consolidar o básico, como fizemos, dentro dos
limites do objetivo desta obra, a questão das etapas no indivíduo e na ciência.
[18]
Na arte, assim ocorre: 1) o novo surge do aprofundamento, radicalização como do
romantismo ao simbolismo; 2) vem da oposição: como do romantismo para o
realismo; 3) vem da fusão. Eles permitem transição na passagem de um por outro,
como o romantismo de terceira fase, crítico social e erótico, antes do
realismo. Mas a origem de fundo das escolas, ainda que indireta, são as
mudanças na sociedade.
[19]
Vale notar que os arquétipos existem não por razões – em si, em primeiro ou em
principal – biológicas, genéticas, naturais ou inconscientes, como pensa o
limitado Jung, mas porque a realidade exige tais tipos humanos na história e,
fundamentalmente, por isso, gira a educação da personalidade, desde cedo, para
este ou aquele caminho (como com a especialização, às vezes unilateral, que
costuma passar dos pais para os filhos – o arquétipo do sábio por devir de uma
educação centrada no trabalho intelectual, desde os pais professores
universitários, e assim por diante). Jung ofereceu a classificação, mas não a
razão correta dos tipos humanos. O TDA deixará de ser o rebelde total quando o
mundo deixar de produzir e necessitar de rebeldes totais. O arquétipo da
meretriz existe nas mulheres porque há dura repressão sexual sobre elas,
exagerando uma pulsão interna. Isso não nega certo substancialismo, junto e ao
lado do relacionalismo, quanto ao tema; pois parece ser, por exemplo, natural,
genético, que em torno de 4% da população mundial seja TDAH, com perfil geral
que tende a ser o poeta ou o astrônomo da comunidade indiana antiga etc.
[20]
“Direta ou in” – vemos que a arte e a ciência podem atualizar relativamente a
gramática, ou produzir algo colateral, nesse caso por redução, sem cair no
sofismo obscurantistas dos mal chamados “continentais”, em especial dos
irracionalistas.
[21]
Para evitar qualquer acusação de determinismo genético, aprofundamos que a
genética tem efeito parcial e mediado na personalidade. A coisa se dá, por
exemplo, assim: o conteúdo relativo da genética pode ser desenvolvido e
expresso das mais diferentes formas, que derivam da adaptação e mediação
social.