Qual a causa da queda do investimento? Crítica a Michael Roberts.
O texto a seguir é um fragmento do meu livro inédito “A crise sistêmica”. Nele, abaixo, estará clara uma concepção dialética de causalidade na economia, explicando o problema posto no título desta postagem.
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Observemos,
por sua vez, o efeito da queda da taxa sobre a produção:
“Se cai a taxa de lucro, o capital se torna tenso,
o que transparece no propósito de cada capitalista de reduzir, com melhores
métodos etc., o valor individual de suas mercadorias abaixo do valor médio
social, e assim fazer um lucro extra, na base do preço estabelecido pelo
mercado; ocorrerá ainda especulação
geralmente favorecida pelas tentativas
apaixonadas de experimentar novos métodos de produção, novos investimentos de
capital, novas aventuras, a fim de obter um lucro extra qualquer, que não
dependa da média geral e a ultrapasse.” (Marx, O Capital III, Civil. Brasileira, p. 338, grifo nosso.)
Assim,
a superestrutura financeira é o meio para reação contra a queda da taxa ao
prover uma massa de recursos para investimentos. Uma superprodução crônica é
gestada no interior do capitalismo, isto é, surge no seio do capital, por meio
de suas leis inerentes, a base da produção socialista. Ao mesmo tempo, a queda
dessa taxa de lucro na produção leva à queda da taxa de juros, pois este tira
seu lucro em parte do lucro daquele; surge a tendência à morte da taxa de juros
em todo o mundo, como as taxas negativas operadas por governos imperialistas
Reforçamos
o capítulo anterior. Cada vez mais, uma renovação técnica da produção aumenta
os custos com maquinário e com matéria-prima (pois maior produtividade exige
mais insumos). Por outro lado, empregam-se poucos trabalhadores com custo
unitário do trabalho baixo, ainda que os salários individuais sejam altos (a
tendência, em geral, é de queda na remuneração). Essa combinação faz com que
não compense substituir operários por máquinas já que o custo de produzir
mercadorias seria maior, não menor. O custo por razão da substituição seria
maior, em muitos casos, do que o custo com funcionários. Daí, também, a redução
do investimento na produção voltado à renovação tecnológica e novas empresas. A
atual significativa queda da taxa de lucro é insuficiente, embora essencial,
para explicar o fenômeno do baixo investimento. A própria inflação artificial,
por meio da moeda fiduciária, de nossa época, desestimula investimentos, pois
1) derruba os salários reais; 2)inflaciona o preço das mercadorias – é um
imposto inflacionário sobre os pobres para os ricos. Antes, em geral, o aumento
dos preços causava o aumento da quantidade de dinheiro em circulação; agora, ao
contrário, em geral, o aumento da quantidade de dinheiro aumenta os preços.
Para sentirmos o peso qualitativo do acréscimo de moeda na inflação, desde o
fim do lastro em ouro, dispomos o gráfico a seguir:
GRÁFICO
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Fonte: (Shaaikh apud Prado, A ameaça de estagflação, 2021)
Ademais,
vejamos. Marx demonstra no livro III d’O Capital que a queda da taxa de lucro estimula, faz, a concorrência, logo
impulsionando investimento (ainda que atrasado pela crise – mas Marx também
afirma que a crise também tem como consequência, ainda que, complementamos, num
“segundo momento”, novo investimento para substituir as máquinas). Por outro
lado, os oligopólios atuais têm muito mais condições de fazer investimentos do
que na livre concorrência anterior com empresas menores, ainda que seja alto
investimento apenas em termos absolutos[1].
A tese de Roberts não se sustenta bem, ao menos não sozinha, pois é apenas um
pé da cadeira. E, acrescentamos, o investimento nos países mais ou menos
maduros para o socialismo, focos teóricos de Roberts, cai também porque o investimento transfere-se para
países atrasados, onde é mais fácil explorar e há mercado consumidor novo e
potencial.
É
famosa a passagem d’O Capital I em que Marx demonstra o começo do valor como
capital, como valor que se autovaloriza na produção, quando o candidato a
capitalista tem uma quantidade mínima exigida de valor na forma de dinheiro
para começar o negócio, para explorar força de trabalho, pagando por
matérias-primas, instalações e trabalhadores. O mínimo exigido para iniciar um
empreendimento é um mínimo dado historicamente
No
próximo capítulo, veremos que há épocas, como a nossa, onde as crises são mais
duras e/ou mais longas e os crescimentos são mais curtos e/ou frágeis; para
nosso comentário, devemos incluir a fase transição, anterior, onde as crises
são mais duras, mas com algum crescimento, uma estagnação ou quase estagnação.
Pois bem; isso significa que, no médio e longo prazos, o investimento caia.
Embora a saída das crises inclua a adoção de novo maquinário, por exemplo, o
que dá condições para mais e novas crises, uma realidade por muito tempo tensa
econômica, social e politicamente empurra para redução do investimento.
Vejamos
outro fator central para o investimento em queda. No livro III d’O Capital,
Marx elaborou a hipótese de que, com a alta queda da taxa de lucro, a massa altíssima
de lucro poderia, no futuro, mais do que compensar a queda dessa mesma taxa,
logo o investimento desabaria – tal previsão não se confirmou, ao menos ainda, em
absoluto, mas tem verdade relativa hoje, tendencial, pois a existência de
bilionários e grandes milionários, com seus oligopólios e monopólios, tem duro efeito
contraestimulante ao investimento. É um caso, um exemplo, como nos demais
pontos, em que a permanência de relações de produção, com suas relações superestruturais
e jurídicas, impede ou atrasa o desenvolvimento das forças de produção.
Como
as empresas são grandes demais para quebrarem, como suas falências seria um
risco ao próprio sistema, os governos – incluso defendendo a própria
governabilidade – atuam para mantê-las em parte artificialmente, logo há um
excesso de capital, o que desestimula investir
Outro
motivo para a queda do investimento observa-se ao olharmos as mercadorias. O primeiro
papel do capitalismo foi mecanizar a produção de artigos feitos artesanalmente,
aumentando a escala. Mas logo ele teve de usar os avanços da ciência para criar
uma quantidade enorme de novos produtos, de inéditas mercadorias. Isso
aconteceu claramente no século XX, mas esgotou-se na história recente (por
outro lado, inventar algo novo é cada vez menos artesanal e individual,
exigindo mais recursos e esforços). Aglutinam-se valores de uso, diminui-se o
tamanho do produto quando possível, troca-se a matéria do valor de uso, etc.;
mas criar uma quantidade nova de tipos de mercadorias, de novas necessidades
sociais, não ocorre como antes (o que estimula, em contratendência,
aglutinação, etc.). Isso também limita o investimento.
A
queda da taxa de lucro aos atuais níveis é a base do conhecido como
neoliberalismo. A privatização de empresas estatais, por exemplo, produziu um
pseudoinvestimento capaz de aumentar a massa de lucro da burguesia (desestímulo
ao investimento real). A liberalização financeira foi a saída final, a
contragosto dos próprios governos de início, para lidar com a crise sistêmica.
Criando massa maior de desempregados, o poder burguês quis recuperar a
lucratividade, aumentar o mais-valor com redução dos salários, direitos e
aumentando a intensidade e, quando possível, a extensividade da jornada de
trabalho. Para isso, pesa a entrada da Ásia com produtos mais baratos também
por baixos direitos sociais pressionando a “austeridade”, a retirada de
direitos no ocidente se quer concorrer no mercado mundial.
Listamos
todos os elementos centrais para a tendência de queda do investimento. Tais
elementos, tomados em isolado, são tendências com contratendências; a mesma
causa comum, o alto desenvolvimento do capitalismo, produz efeitos opostos. A
verdade desta queda está na combinação dos elementos, que faz imperar as
tendências; assim, por exemplo, a inflação artificial, em si, tanto desestimula
quanto estimula investir, porém a primeira, tendência, impõe-se porque está
combinada com a exigência prévia de altíssimos recursos mínimos para investir.
Bibliografia
Botelho,
M. L. (29 de 11 de 2019). Um mundo afogado em capital: a queda global da
taxa de juros e a nova rodada da crise estrutural do capitalismo. Acesso
em 01 de 03 de 2020, disponível em Blog da Boitempo:
https://blogdaboitempo.com.br/2019/11/29/um-mundo-afogado-em-capital-a-queda-global-da-taxa-de-juros-e-a-nova-rodada-da-crise-estrutural-do-capitalismo/
Lukács, G. (2018). Prolegômenos e para ontologia
do ser social. Maceió: Coletivo Veredas.
Prado, E. (17 de 10 de 2021). A ameaça de
estagflação. Acesso em 19 de 10 de 2021, disponível em Economia e
Complexidade:
https://eleuterioprado.blog/2021/10/17/a-ameaca-da-estagflacao/?fbclid=IwAR3MFHWbzymEMmHc2ItcO5fk_AYVdxWFnQb1tjK1t1H96B7739xGSs6Iusk
Roberts, M. (08 de 07 de 2019). Produtividade,
investimento e lucratividade. Acesso em 14 de 02 de 2020, disponível em
Economia e complexidade:
https://eleuterioprado.blog/2019/07/08/produtividade-investimento-e-lucratividade/
[1] Se
os oligopólios, como quase monopólios, desestimulam, de um lado, o
investimento, por outro, o estimulam porque a concorrência é agora mais dura e
mais capaz, entre gigantes. A causa tem efeitos opostos.