quarta-feira, 26 de maio de 2021

A categoria marxista "momento"

 

COMPREENDER AS VARIAÇÕES DA LUTA DE CLASSES: CATEGORIA “MOMENTO”

 

A decadência atual do capitalismo, apresentado nas teses anteriores, impede reformas estáveis e duradouras. Problemas conjunturais tornam-se estruturais; há um divórcio cada vez maior entre “crescimento econômico” e desenvolvimento da sociedade. Em síntese: a realidade e a luta de classes são mais fluídas e instáveis, alterando parcial e continuadamente, desigual e mutável, a relação de forças entre as classes sociais. Isso faz com que a ondulação da luta de classes, hoje, seja muito mais móvel.

A relação entre momentos de avanço e de recuo da luta de classes – já existente antes – em uma determinada situação ganha nesta época novas, maiores e mais instáveis dimensões. Aqui, apresentamos um conceito, momento, subdividido em dois:

1. Momento de refluxo, recuo, defensivo ou regressivo;

2. Momento de ascenso, avanço, progressivo ou ofensivo.

O pano de fundo é a chamada crise sistêmica do capital, debatida nesta obra. Tal conceito deve ser observado dentro das “situações”: em situações não revolucionárias,   por exemplo, teremos  “momentos ofensivos” e “momentos defensivos”.

 Apesar de os temos serem autoexplicativos, merecem atenção na medida em que mostram erros entre marxistas. Dentro de uma situação “não revolucionária” nacional, por exemplo, pode haver momentos em que as classes oprimidas agem na ofensiva. Ou seja: mesmo desprovido de “crise estrutural da democracia burguesa”, da economia ou do regime pode haver um processo de avanço progressivo nas lutas. Isso acontece sem alterar a caracterização geral da situação que é, neste exemplo específico, “não revolucionária”.

Uma vitória parcial, uma forte repressão, um erro do movimento, o cansaço e esgotamento ao não obter resultado podem readequar e promover, de forma mais ou menos longa, uma mudança de um momento de fluxo para um de refluxo; e vice versa. Um “gatilho” pode acionar também momentos opostos; no geral, o “gatilho para a ofensividade” é a explosão de energia da insatisfação social acumulada passivamente. Ao mesmo tempo, temos de dimensionar os movimentos de uma classe ou setor de classe em relação às outras; se, por exemplo, as classes médias, dirigidas ou não pela burguesia, se movem, protestam pela direita, paralisando os trabalhadores, então temos um momento defensivo dentro de uma mesma situação.

Em situações pré-revolucionárias pode acontecer, com mais frequência, um recuo passageiro da classe trabalhadora. Por medo, por desorganização, por uma frente popular, por uma derrota parcial ou por ser convencida; ela pode ficar paralisada por algum tempo dentro de uma mesma situação geral, o que inaugura um “momento de refluxo”, por exemplo.

Especialmente em situações “não revolucionárias” a soma de crescimento econômico e estabilidade social pode levar aos de baixo a sensação de que podem obter vitórias, reformas e conquistas e que devem arrancá-las – as greves multiplicam-se. Isso parte de uma importante contradição entre crescimento econômico somado às precariedades em diferentes pontos da vida da classe trabalhadora (violência, machismo, baixo salários, serviços públicos ruins, etc.). Já em situações “pré-revolucionárias” pode haver “momentos defensivos” por medo do desemprego, desconfiança com suas direções, desmoralização, frente populares, derrotas parciais fortes, etc. especialmente no início desses processos.

O marxismo oferece as ferramentas para calibrar a análise da relação social de forças; esses elementos podem, em sua maioria, ser aplicados e adaptados a outras situações da luta de classes. Para além de sua atual fluidez, a necessidade de explorar esse conceito deve-se à observação de ser aí onde os marxistas tendem à maior confusão, mais impressionismo, menos clareza do que se passa. Momentos de (re)fluxo são da realidade social, não são algo novo. A real novidade, merecedora de maior atenção, é que a constância da variação entre o fluxo e o refluxo dentro de uma mesma situação é, hoje, bem mais presente pela evolução da decadência do capitalismo. Ter, portanto, a clareza desse fenômeno permite às organizações marxistas maior preparação.

Assim:

1)   Época: desenvolvimento das forças produtivas em confluência ou em contradição com as relações de produção – época de reforma e reação ou época de revolução;

2)   Etapa: estado da relação de forças na superestrutura objetiva – em principal, Estado e regime –, agregando-se, em complemento, a superestrutura subjetiva e demais fatores sociais;

3)   Situação: análise de conjuntura avalia todos os aspectos: economia, classes, superestruras subjetiva e objetiva;

4)   Momento: relaciona-se com a luta de classes e superestrutura subjetiva, agregando a objetiva.

 

Tratemos do exemplo mais popular. A revolução permanente na Rússia, de fevereiro a outubro, sustentou uma situação revolucionária. Neste processo, a burguesia e os trabalhadores, com interesses antagônicos de fundo, variaram sobre quem estava na ofensiva ou na defensiva. A revolução de fevereiro colocou a classe operária na ofensiva; o fracasso das jornadas de julho a colocou na defensiva; a tentativa de golpe de Kornilov a colocou na ofensiva. A situação revolucionária resolveu-se com a ofensiva de outubro.

Assim como uma determinada situação pode marcar uma mudança de etapa, um novo momento pode marcar a mudança de situação. Exemplo: uma situação de pleno emprego, antessala da crise, pode gerar muita luta de classes por pautas parciais dentro de uma situação não revolucionária e imediatamente antes de uma situação reacionária, recuo das lutas por desemprego alto (entra-se num momento defensivo), ou pré-revolucionária, avanço das lutas como reação à quebra econômica.


João Paulo, Teresina-PI.

Extra.

Tal categoria foi descoberta por mim faz já alguns anos. Desde divulgações parciais dela neste blog e em textos originais de meu livro, A crise sistêmica, de onde retirei tal artigo, a relação categorial tem sido usada sem se fazer justiça sobre sua origem. Para fins práticos, como a análise política, não é em si necessário, claro, fazer menção a quem a "criou", porém também é importante evitar algo como plágio sobre a questão. Por isso o registro deste capítulo da obra aqui, publicamente.