SOBRE O ERRO DE MARX
QUANTO AO “SALÁRIO POR PEÇA” N’O CAPITAL
Neste esboço, debatemos a defesa
de Marx sobre a prioridade capitalista do salário por peça. Como sabemos, o
diagnóstico está errado, pois o salário por tempo, não por peça, predomina no
capitalismo consolidado. Com o trabalho por aplicativo, o salário por peça
ganha algum destaque, porém permanece marginal na indústria de conjunto. Aqui,
usaremos a própria letra de Marx para apontar o motivo de seu erro. Comecemos
por sua afirmação:
Da exposição
precedente resulta que o salário por peça é a forma de salário mais adequada ao
modo de produção capitalista. (Marx, O capital I, Boitempo, 2013, p. 627.)
Está clara aí a posição do velho
alemão. Vejamos elementos da “exposição precedente” que parecem sustentar suas
afirmações:
Como a
qualidade e a intensidade do trabalhado são, aqui, controladas pela própria
forma-salário, esta torna supérflua grande parte da supervisão do trabalho. (Idem,
p. 624.)
Porém, a supervisão do trabalho –
capatazes, etc. – é um custo improdutivo pequeno em si mesmo na indústria
moderna. O salário por tempo não causa um desperdício de recursos especial.
Ele continua:
Dado o salário
por peça, é natural que o interesse pessoal do trabalhador seja o de empregar
sua força de trabalho o mais intensamente possível, o que facilita ao
capitalista a elevação do grau normal de intensidade. (Idem, p. 624.)
Um ponto para o salário por peça!
Tem mais:
É igualmente do
interesse pessoal do trabalhador prolongar a jornada de trabalho, pois assim
aumenta seu salário diário ou semanal. (Idem, p. 625.)
Se possível, o salário por tempo
também estimula ampliar a jornada de trabalho. Mas o argumento anterior a este,
a citação antecedente, ainda não foi refutado por nós. Vejamos o elogio e a
ambiguidade de Marx:
Mas o maior
espaço de ação que o salário por peça proporciona à individualidade tende a
desenvolver, por um lado, tal individualidade e, com ela, o sentimento de
liberdade, a independência e o autocontrole dos trabalhadores; por outro lado,
sua concorrência uns contra os outros. O salário por peça tem, assim, uma
tendência a aumentar os salários individuais acima do nível médio e, ao mesmo
tempo, a baixar esse nível. Mas onde um
determinado salário por peça já se encontra a muito tempo consolidado de
maneira tradicional – o que cria enormes dificuldades para sua rebaixa –, os
patrões também recorreram, EXCEPCIONALMENTE, ao procedimento de transformar forçadamente o salário por
peça em salário por tempo. (Idem, p. 626, destaques nossos.)
Onde Marx coloca a palavra
“excepcionalmente”, aconteceu como nada sutil regra… O salário por tempo se
impôs. Qual, então, o motivo? Eis, conclui-se: a luta de classes estimulada
pela citada “tradição”!
Marx diz que o salário por peça é
o método para explorar mais (idem, p 627). Mas quase diz que isso valeu somente
durante a manufatura, mas nada garantia que seria o mesmo na grande indústria,
no sistema de maquinaria.
Mostremos mais uma citação do
próprio Marx, no mesmo capítulo, onde fica cristalina a luta de classes gerada
pelo salário por peça:
Essa variação
do salário por peça, ainda que puramente nominal, provoca lutas constantes
entre o capitalista e os trabalhadores. Ou porque o capitalista aproveita o
pretexto para reduzir efetivamente o preço do trabalho, ou porque o incremento
da força produtiva do trabalho é acompanhado de uma maior intensidade deste
último. Ou, então, porque o trabalhador leva a sério a APARÊNCIA DO SALÁRIO POR
PEÇA, COMO SE LHE FOSSE PAGO SEU PRODUTO, e não sua força de trabalho, e se
rebela, portanto, contra o rebaixamento do salário, que não corresponde ao
rebaixamento do preço de venda da mercadoria. (Idem, p. 629, destaque nosso.)
Concluímos pela comparação das
citações que o salário por tempo é melhor ao capitalismo porque melhor produz
uma aparência que esconde o real estado das coisas. O salário por tempo gera
menos problemas classistas, menos luta de classes aberta. Marx conclui o
capítulo sobre o salário por peça de modo, no mínimo, esclarecedor:
“os
trabalhadores vigiam cuidadosamente o preço da matéria-prima e dos bens
fabricados e são, assim, capazes de calcular com precisão os lucros de seus
patrões.”
O capital, com
razão, descarta tal sentença como um erro crasso acerca da natureza do trabalho
assalariado. Ele roga contra a pretensão de impor obstáculos ao progresso da
indústria e declara rotundamente que a produtividade do trabalhador é algo que
não concerne de modo algum ao trabalhador. (Idem, p. 629.)
É preciso, portanto, uma forma de
salário que menos estimule desconcertantes vigilâncias por parte do operariado…
Por fim, Marx quase ofereceu o
fato de que o salário por tempo tem prioridade em relação ao salário por peça
nesta citação com a qual concluímos este esboço:
O salário por
peça, portanto, não é mais do que uma forma modificada do salário por tempo. (Idem,
p. 623.)
Até gênios erram.