sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Por que a MMT não funciona

 

Por que a MMT não funciona

 

No desenvolvimento do capitalismo no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser considerada pela teoria das classes: o setor médio do assalariado servidor público, uma parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês.  Com a ampliação numérica do número de membros deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma esquerdização destes, expresso, por exemplo, na adoção dos métodos proletários de luta, como a greve. É natural, portanto, que surjam teorias que representem este setor. Assim, teóricos afins defendem o fortalecimento do estado burguês, os serviços públicos, contra as privatizações e pela adoção da política econômica keynesiana. Recentemente, a assim autoproclamada Teoria Monetária Moderna (MMT) busca destacar-se em meio ao reformismo político de esquerda.  Dada a moda teórica recente de tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao núcleo de sua natureza.


A pergunta universal do nosso artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições inerentes ou, ao contrário, podemos encontrar algum nível de estabilidade interna por dentro do sistema vigente; ou seja: se o reformismo e o centrismo (que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.


A MMT afirma: 1) é o Estado a fonte do dinheiro; 2) os impostos sevem apenas para retirar excesso de moeda e nunca para fins de financiamento estatal; 3) então, o Estado pode criar dinheiro “do nada” ao ponto de produzir permanente pleno emprego. Vamos aos elementos que impedem a proposta de realizar-se.

 

[…]

 

2. O pleno emprego


Este é o ponto mais decisivo da compreensão e o mais importante deste comentário. Observemos como o equilíbrio entre as classes é inviável, o que torna o uso prático da “moderna” teoria monetária um desejo utópico por um capitalismo mais humano.


Para a MMT, o máximo do dinheiro “criado do nada” sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção cuja medida central é empregar toda a força de trabalho nacional. Aqui o reformismo fica mais evidente ao deixar de compreender que ao capital é inerentemente insuportável por muito tempo uma situação de emprego pleno. Vejamos os motivos.

 

1. O pleno emprego, como força de lei objetiva – já que o medo de desemprego quase que desaparece –, leva necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial torna-se salário e custo com direitos sociais. Os trabalhadores tomam, assim, a ofensiva até mesmo na política (Kalecki, 2020). Isto é um problema ao capital e de modo algum pode ser indefinidamente suportado.


Observamos tal fenômeno ocorrer até 2015 no Brasil, antes do aumento vertiginoso da taxa de desemprego como política econômica burguesa. A partir da premissa equivocada de que a crise de 2008 seria apenas um abalo conjuntural, o governo do PT, esperando a normalização internacional, tomou medidas anticíclicas como a redução dos juros, investimentos estatais, aumento real do salário mínimo, etc. Observemos os dados de 2013. A quantidade de greves explodiu:

 

GRÁFICO 7


Fonte: (Dieese, 2020)

 

O número de horas paradas também:


GRÁFICO 8



Fonte: (Dieese, 2020)

 

Sabe-se que em 2014 e, em parte, 2015 as lutas dos trabalhadores e setores populares continuaram intensas. Como razão, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:

 

GRÁFICO 9

Fonte: (IBGE, 2020)

 

Veja-se que o governo petista adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com ações anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração, revertido apenas com a entrada de vez do desemprego, com o fim do pleno emprego:

GRÁFICO 10



Fonte: (IBGE, 2020)

 

2. O pleno emprego tem como base o aumento do número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O que isso significa? Com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão já está perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com o baixo desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para algumas empresas e ao capital em conjunto.

 

3. No aquecimento da economia, as empresas crescem e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o consumo aumentado e os investimentos a todo vapor, leva a uma demanda maior por dinheiro, o que por sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês "produtivo" é sugado cada vez mais, dessa vez pelos bancos.

 

4. Com o aquecimento da economia, as empresas de monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de valor em outras empresas, com preços artificialmente altos. Mas há aqui ainda, aqui, outro caso típico. Pleno emprego dos fatores de produção, cuja medida é o uso de quase toda a força de trabalho disponível, é diferente de equilíbrio; enquanto a maioria dos setores está obrigada a rebaixar os preços, algumas empresas possuem oferta menor que a demanda, o que obriga aí à elevação dos preços, a sugar valor para si, aumentando os custos para outros (matéria prima, etc), e leva algum tempo para que surjam novas empresas que aumentem a oferta.

 

Enfim: o pleno emprego é crise ou, adotando o raciocínio dialético, o primeiro sinal da crise por meio de seu oposto. O governo será pressionado a adotar a política econômica correspondente como foi o caso do governo Dilma II (um golpe de Estado apoiado pela maior parte da burguesia impôs a política econômica que o governo tinha dificuldade de assumir, pois havia perdido base social com as medidas do ministro da fazenda Levy). A crise é uma necessidade do capital.


Se queremos o pleno emprego, temos de aprender a “política econômica” marxista, o programa de transição. No lugar da utopia de fazer o Estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e gasto público, exijamos algo classista, o que mobiliza as massas quando o desespero as alcança: escala móvel de tempo de trabalho, ou seja, redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego zero; isto é dividir todo o trabalho disposto na sociedade entre toda a força de trabalho disposta. Mas é mais fácil o capitalismo cair do que tal proposta ser aceita, e esta é exatamente sua grande força: empurra para uma luta “reformista” pelo o fim do sistema. É uma política superior à noção de Keynes, muito. Há uma taxa social, não natural, de desemprego exigido pela própria lógica do sistema capitalista, portanto quebrar uma de suas leis leva à revolução social. Para isso, o caminho não é o voto em partidos “progressivos”, mas elevar o nível de organização dos trabalhadores.

 

Bibliografia

Kalecki, M. (30 de 09 de 2020). Aspectos políticos do pleno emprego. Acesso em 30 de 09 de 2020, disponível em Jacobin Brasil: https://jacobin.com.br/2020/09/aspectos-politicos-do-pleno-emprego/?fbclid=IwAR3651oRmfTPYBfHt8YqKP0TuspcFS2YJNMLx9hPzCEME2L04oMKISIW094