Por que a MMT não funciona
No desenvolvimento do capitalismo
no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser considerada
pela teoria das classes: o setor médio do assalariado servidor público, uma
parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês. Com a ampliação numérica do número de membros
deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma
esquerdização destes, expresso, por exemplo, na adoção dos métodos proletários
de luta, como a greve. É natural, portanto, que surjam teorias que representem
este setor. Assim, teóricos afins defendem o fortalecimento do estado burguês,
os serviços públicos, contra as privatizações e pela adoção da política
econômica keynesiana. Recentemente, a assim autoproclamada Teoria Monetária
Moderna (MMT) busca destacar-se em meio ao reformismo político de
esquerda. Dada a moda teórica recente de
tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao
núcleo de sua natureza.
A pergunta universal do nosso
artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições
inerentes ou, ao contrário, podemos encontrar algum nível de estabilidade
interna por dentro do sistema vigente; ou seja: se o reformismo e o centrismo
(que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.
A MMT afirma: 1) é o Estado a
fonte do dinheiro; 2) os impostos sevem apenas para retirar excesso de moeda e
nunca para fins de financiamento estatal; 3) então, o Estado pode criar
dinheiro “do nada” ao ponto de produzir permanente pleno emprego. Vamos aos
elementos que impedem a proposta de realizar-se.
[…]
2. O pleno emprego
Este é o ponto mais decisivo da compreensão
e o mais importante deste comentário. Observemos como o equilíbrio entre as
classes é inviável, o que torna o uso prático da “moderna” teoria monetária um
desejo utópico por um capitalismo mais humano.
Para a MMT, o máximo do dinheiro “criado
do nada” sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção cuja
medida central é empregar toda a força de trabalho nacional. Aqui o reformismo
fica mais evidente ao deixar de compreender que ao capital é inerentemente
insuportável por muito tempo uma situação de emprego pleno. Vejamos os motivos.
1. O pleno emprego, como força de
lei objetiva – já que o medo de desemprego quase que desaparece –, leva
necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às
paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo
unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial
torna-se salário e custo com direitos sociais. Os trabalhadores tomam, assim, a
ofensiva até mesmo na política
Observamos tal fenômeno ocorrer
até 2015 no Brasil, antes do aumento vertiginoso da taxa de desemprego como
política econômica burguesa. A partir da premissa equivocada de que a crise de
2008 seria apenas um abalo conjuntural, o governo do PT, esperando a
normalização internacional, tomou medidas anticíclicas como a redução dos
juros, investimentos estatais, aumento real do salário mínimo, etc. Observemos
os dados de 2013. A quantidade de greves explodiu:
GRÁFICO 7
Fonte: (Dieese, 2020)
O número de horas paradas também:
GRÁFICO 8
Fonte: (Dieese, 2020)
Sabe-se que em 2014 e, em parte,
2015 as lutas dos trabalhadores e setores populares continuaram intensas. Como
razão, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:
GRÁFICO 9
Fonte: (IBGE, 2020)
Veja-se que o governo petista
adiou, não impediu, a forma destrutiva da crise por anos, com ações
anticíclicas que fundamentaram um conflito distributivo de longa duração, revertido
apenas com a entrada de vez do desemprego, com o fim do pleno emprego:
GRÁFICO 10
Fonte:
(IBGE, 2020)
2. O pleno emprego tem como base o aumento do
número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O que isso
significa? Com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão já está
perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com o baixo
desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para algumas
empresas e ao capital em conjunto.
3. No aquecimento da economia, as empresas crescem
e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o consumo aumentado e os
investimentos a todo vapor, leva a uma demanda maior por dinheiro, o que por
sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês "produtivo" é
sugado cada vez mais, dessa vez pelos bancos.
4. Com o aquecimento da economia, as empresas de
monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de valor em outras
empresas, com preços artificialmente altos. Mas há aqui ainda, aqui, outro caso
típico. Pleno emprego dos fatores de produção, cuja medida é o uso de quase
toda a força de trabalho disponível, é diferente de equilíbrio; enquanto a
maioria dos setores está obrigada a rebaixar os preços, algumas empresas
possuem oferta menor que a demanda, o que obriga aí à elevação dos preços, a
sugar valor para si, aumentando os custos para outros (matéria prima, etc), e
leva algum tempo para que surjam novas empresas que aumentem a oferta.
Enfim: o pleno emprego é crise ou,
adotando o raciocínio dialético, o primeiro sinal da crise por meio de seu
oposto. O governo será pressionado a adotar a política econômica correspondente
como foi o caso do governo Dilma II (um golpe de Estado apoiado pela maior
parte da burguesia impôs a política econômica que o governo tinha dificuldade
de assumir, pois havia perdido base social com as medidas do ministro da
fazenda Levy). A crise é uma necessidade do capital.
Se queremos o pleno emprego,
temos de aprender a “política econômica” marxista, o programa de transição. No
lugar da utopia de fazer o Estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e
gasto público, exijamos algo classista, o que mobiliza as massas quando o
desespero as alcança: escala móvel de tempo de trabalho, ou seja, redução da
jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego
zero; isto é dividir todo o trabalho disposto na sociedade entre toda a força
de trabalho disposta. Mas é mais fácil o capitalismo cair do que tal proposta
ser aceita, e esta é exatamente sua grande força: empurra para uma luta
“reformista” pelo o fim do sistema. É uma política superior à noção de Keynes,
muito. Há uma taxa social, não natural, de desemprego exigido pela própria
lógica do sistema capitalista, portanto quebrar uma de suas leis leva à
revolução social. Para isso, o caminho não é o voto em partidos “progressivos”,
mas elevar o nível de organização dos trabalhadores.
Bibliografia
Kalecki,
M. (30 de 09 de 2020). Aspectos políticos do pleno emprego. Acesso em
30 de 09 de 2020, disponível em Jacobin Brasil:
https://jacobin.com.br/2020/09/aspectos-politicos-do-pleno-emprego/?fbclid=IwAR3651oRmfTPYBfHt8YqKP0TuspcFS2YJNMLx9hPzCEME2L04oMKISIW094