MMT: UMA CONCEPÇÃO PEQUENO
BURGUESA E ANTIMARXISTA
No desenvolvimento do capitalismo
no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser
considerada pela teoria das classes, o setor médio do assalariado servidor
público, uma parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês. Com a ampliação numérica do número de membros
deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma esquerdização
destes, expresso, por exemplo, na adoção do método proletário de luta, a greve.
É natural que surjam teorias que
representem este setor. Assim, defendem o fortalecimento do estado burguês, os
serviços públicos, contra as privatizações e a adoção da política econômica keynesiana. Recentemente, a assim autoproclamada Teoria
Monetária Moderna (TMM) busca destacar-se em meio ao reformismo político de
esquerda. Dada a moda teórica recente de
tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao
núcleo de sua natureza.
A pergunta universal do nosso
artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições inerentes
ou podemos encontrar algum nível de estabilidade interna por dentro do sistema vigente. Ou seja: se o reformismo, o centrismo (que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.
O ESTADO
A MMT tem por premissa um estado abstrato,
não de classe; o aparato estatal é, nesta visão, apenas um ente racional, e
bastam as boas propostas para tudo dar certo… O caráter de classe da principal
superestrutura burguesa é tema que passa longe dos teóricos da corrente aqui por
nós criticada. Adota-se a concepção de parte da classe média, a dos servidores
públicos em especial: o Estado é mais ou menos em si neutro e disputável, pode
ser ganho para esta ou aquela concepção. A luta de classes pode, em tal visão
de mundo, ser até útil para pressionar e gerar algum equilíbrio de forças
opostas (veremos como isso é inviável).
A MMT ignora que a principal
instituição estatal são as forças armadas e que, para garantir as regras do
capital, a força objetiva das armas, além de toda burocracia interna, pode ser
usada para garantir que tudo ocorra tal como espera a classe dominante. Um
governo “progressivo” é incapaz de mudar qualitativamente a natureza do estado;
isso prova os tantos golpes que governanças de esquerda sofreram, mesmo quando
fizeram tão pouco. A lógica da realidade atual impõe-se nem que seja na bala...
O centro de uma produção teórica
é descobrir porque as coisas são como são e não de outra forma, porque algo se
faz necessário. Distanciamo-nos do “como deveria ser” para entender como de
fato é e o motivo. A mera consideração da natureza do estado, independente do
tipo de governo, já põe abaixo a defesa de políticas baseadas na MMT. A
realidade tem mecanismos internos para impor suas leis.
O PLENO EMPREGO
Este é o ponto mais decisivo da
compreensão e o mais importante deste texto. Vejamos como o equilíbrio entre as
classes é inviável, tornando o uso prático da “moderna” teoria monetária um
desejo utópico de um capitalismo mais humano.
Para a MMT o máximo do dinheiro
criado do nada sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção
(cuja medida central é empregar toda a força de trabalho nacional). Aqui o
reformismo fica mais evidente ao deixar de compreender que o capital não suporta por muito tempo uma situação de emprego pleno.
Vejamos os motivos.
1. O pleno emprego, como força de
lei objetiva – já que o medo de desemprego praticamente desaparece –, leva
necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às
paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo
unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial
torna-se salário e custo com direitos. Os trabalhadores tomam a ofensiva até
mesmo na política. Isto é um problema ao capital e não pode ser suportado
indefinidamente. Vimos isso ocorrer até 2015 no Brasil, antes do aumento
vertiginoso da taxa de desemprego como política econômica burguesa.
Como é o fator mais importante,
observemos os dados de 2013. A quantidade greves explodiu:
O número de horas paradas também:
Como causa, o baixo desemprego
correspondeu ao aumento das lutas:
2. O pleno emprego tem como base
o aumento do número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O
Que isso significa? Que, com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão
já está perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com
o baixo desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para
algumas empresas e ao capital em conjunto.
3. No aquecimento da economia, as
empresas crescem e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o
consumo aumentado e os investimentos a todo vapor, leva a uma demanda maior de
dinheiro, o que por sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês
"produtivo" é sugado, dessa vez pelos bancos.
4. Com o aquecimento da economia,
as empresas de monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de
valor em outras empresas, com preços artificialmente altos.
5. Dinheiro criado do nada, acima
da arrecadação, aumenta o consumo de importados, a compra de dólar para
adquirir insumos e máquinas do estrangeiro. O dólar sobe e se transforma em
fator de inflação contra os salários (e estimula as greves), além de aumentar
os custos produtivos (matéria-prima importada, por ex.), arrancando também
parte do lucro empresarial, pois na concorrência o custo nem sempre pode ser
repassado ao consumidor. Assim, um
aumento agressivo de poder de compra das famílias e empresas pressiona o preço
da moeda.
Enfim, o pleno emprego é crise
ou, pelo menos para a lógica comum, o primeiro sinal da crise por meio de seu
oposto (de novo a dialética, essa farsante). O Governo será pressionado a
adotar a política econômica correspondente como foi o caso do governo Dilma II
(um golpe de Estado apoiado pela maior parte da burguesia impôs a política
econômica que o governo tinha dificuldade de assumir, pois havia perdido base
social com as medida de Levy na economia). A
crise é uma necessidade do capital.
Se queremos o pleno emprego,
temos de aprender a política econômica marxista, o programa de transição. No
lugar da utopia de fazer o estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e
gasto público, façamos o seguinte, o que mobiliza as massas quando o desespero
chega: escala móvel de trabalho; redução da jornada de trabalho, com o mesmo
salário, na proporção que produza desemprego zero; dividir todo o trabalho
disposto entre toda a força de trabalho disposta. É mais fácil o capitalismo cair do que tal
proposta ser aceita, e sua força é exatamente esta: empurra para o fim do
sistema. É uma política superior à noção de Keynes, muito. Há uma taxa social,
não natural, de desemprego exigido pela própria lógica do sistema capitalista,
portanto quebrar uma de suas leis leva à revolução social.
DE ONDE VEM O DINHEIRO?
A afirmação da MMT é que o
governo literalmente cria o dinheiro para seus gastos, de um lado, e apenas
destrói dinheiro quando o arrecada, evitando excesso de moeda. A MMT, assim,
separa artificialmente o dinheiro gasto pelo governo do dinheiro arrecadado,
como se um simplesmente surgisse do nada e o outro, a arrecadação, do nada
desaparecesse.
Na verdade, o dinheiro gasto
lastreia-se na própria arrecadação. É o contrário. O dinheiro destruído, dados
eletrônicos dos impostos, está idealmente na contabilidade oficial e é
“revivido”, tem sua forma física (mesmo que em bits) restaurada na outra ponta,
no gasto. Em termos dialéticos, a MMT confunde forma com matéria.
Aprofundemos. Pode haver
diferença entre gasto e arrecadação estatais, o governo gastando mais do que
arrecada ao criar dinheiro? Sim, mas permanece o lastro. É evidente que o
Estado pode forçar a criação de dinheiro em enorme quantidade. Mas tal emissão
tem caráter quantitativo, não qualitativo – há limites, há efeitos, há luta de
classes (a esquecida pela MMT).
Quando a MMT fala de criação de
dinheiro "extra" pelos estados como prova de sua teoria, há um erro
completo. O marxismo não nega tal medida como mecanismo do Estado burguês.
Nega, isto sim, que o Estado consiga agir como banco sui generis, como contra
os interesses da maioria da classe dominante. Este dinheiro acrescido sempre
será dinheiro “acrescido”, isto é, relativo às fontes de arrecadação.
Ainda a pergunta permanece: de
onde vem o dinheiro? É comum entre os da MMT usarem um modelo como teoria e daí
deduzir uma história monetária, ainda que sem base empírica e histórica. Assim,
se o estado hoje cria nosso Deus real, deduz-se que o estado antigo também o
criou. Nada mais falso, sem base empírica. Marx demonstra em O Capital que as
trocas mercantis começam com as trocas entre diferentes povos, iniciando uma
relação impessoal. E mais. O mouro expõe
de modo lógico o desenvolvimento histórico da forma do equivalente geral: a
forma de valor simples ou ocasional, troca mercadoria por mercadoria; depois, a
forma de valor desdobrada, as mercadorias trocam-se por tantas outras; depois,
a forma universal, uma mercadoria especial cumpre a função de troca; o
equivalem geral origina, enfim, a forma dinheiro. Assim, este ser cobiçado tem
origem na própria economia, não no estado, que tem sua importância de
regulação.
O QUE DEFINE A TAXA DE JUROS?
O Banco Central não determina a
taxa de juros – como defende a MMT – no mais importante, em médio e longo
prazos. Aqui entra o "jogo de palavras" da senhora desconhecida
chamada dialética. Uma decisão singular do COPOM é de fato e em si subjetiva,
decidida por uma equipe. Mas sempre – e isto é provado em médio prazo –
responde a tendências objetivas, que imperam. Por isso muitos países, como o
Japão, são obrigados a adotar taxa de juros em torno de zero; pois a taxa de
lucro tende a cair, o que também se revela fenomenicamente na baixa inflação e
na deflação dos preços. Então de nada servem governos "progressivos"
que adotem sempre uma taxa esperada pelos keynesianos já que a realidade, a
objetividade, é quem mais ordena.
Marx descobre que a taxa de juros
responde à taxa de Lucro, que a produção é a fonte da lucratividade, isto é, os
bancos recebem parte do mais valor produzido. Só desta forma torna-se
compreensível porque tantos governos pelo mundo adotam taxa de juros reais
negativos.
A MMT também aqui sugere que um
governo bom agiria sobre a taxa de juros com total autonomia, vontade e força. É
o erro idealista, que deixa de reconhecer as forças objetivas, materiais,
inclusive políticas (boicotes, golpes, etc.).
Vejamos um caso pessoal. Nestes
últimos anos, quando os juros subiram no Brasil, todos os keynesianso afirmavam
que os juros deveriam ser reduzidos; eu argumentei que, no segundo momento,
pelo próprio efeito da elevação, os juros iriam começar a cair porque o
desemprego, as falências, a inadimplência duradoura, etc. iriam forçar a queda;
recebi à época muitas respostas negativas. Os de Keynes devem ter pensado que
era absurdo eu afirmar que neoliberais derrubariam os juros no país. Mas foi
exato o aconteceu, com os juros tendendo a zero... Avalio que o motivo do meu
acerto foi ter visto as forças objetivas da realidade e como algo se torna seu
oposto.
A TAXA DE LUCRO
Uma injeção agressiva de dinheiro
na economia pode gerar estagnação econômica com grande inflação, uma
estagflação. Isso pode se dar porque a taxa de lucro caiu a patamares muito
baixos na história recente, o que impede novos investimentos. Ao mesmo tempo, a
taxa baixa de lucratividade corresponde à exigência de um investimento maciço
(em capital constante) para criar uma grande empresa, o risco pode não valer a
pena e poucos são capazes de financiamento.
Uma emissão agressiva de moeda em
curto tempo pode gerar inflação, mesmo com capacidade ociosa. O risco de
estagflação, ao injetar muita moeda durante uma crise de superprodução, existe
como possibilidade – embora não necessariamente ocorra – aberta pela política
econômica da MMT.
CONCLUSÃO
A MMT tem por conclusão a
seguinte frase: o estado cria o dinheiro, logo pode cria-lo à para melhorar a
realidade. Mas um país com moeda soberana não é apenas um país, pois tem também
uma divisão de classes. Portanto, melhorar a realidade para quem? Isso falta
ser respondido. Em geral, favorecer uma classe social implica desfavorecer
outra, sua oposta.
A posição marxista é falir o
estado por meio de uma revolução. Qualquer concepção ilusória de reformas
duradouras por dentro do capitalismo deve ser combatida como uma falsificação
teórica e programática. A MMT, como mais uma posição reformista, ganhará ainda
mais força antes de definhar, entrará para o grupo das modas teóricas temporárias; seu perigo é cegar parte da militância sobre nossa época, que é de
transição ao socialismo, e desviar forças para a conquista estatal, no lugar de
sua destruição.