segunda-feira, 25 de maio de 2020

MMT: uma concepção pequeno burguesa e antimarxista


MMT: UMA CONCEPÇÃO PEQUENO BURGUESA E ANTIMARXISTA

No desenvolvimento do capitalismo no século XX e início deste século, inflou-se uma base social que deve ser considerada pela teoria das classes, o setor médio do assalariado servidor público, uma parte da pequena burguesia, entre o operário e o burguês.  Com a ampliação numérica do número de membros deste grupo social e certa precarização do seu trabalho, houve uma esquerdização destes, expresso, por exemplo, na adoção do método proletário de luta, a greve.

É natural que surjam teorias que representem este setor. Assim, defendem o fortalecimento do estado burguês, os serviços públicos, contra as privatizações e a adoção da política econômica keynesiana.  Recentemente, a assim autoproclamada Teoria Monetária Moderna (TMM) busca destacar-se em meio ao reformismo político de esquerda.  Dada a moda teórica recente de tal concepção, vamos aqui discordar de algumas de suas conclusões indo ao núcleo de sua natureza.

A pergunta universal do nosso artigo é se Marx estava correto ao afirmar que o capitalismo tem contradições inerentes ou podemos encontrar algum nível de estabilidade interna por dentro do sistema vigente. Ou seja: se o reformismo, o centrismo (que está entre a reforma e a revolução) ou o marxismo tem razão.

O ESTADO
A MMT tem por premissa um estado abstrato, não de classe; o aparato estatal é, nesta visão, apenas um ente racional, e bastam as boas propostas para tudo dar certo… O caráter de classe da principal superestrutura burguesa é tema que passa longe dos teóricos da corrente aqui por nós criticada. Adota-se a concepção de parte da classe média, a dos servidores públicos em especial: o Estado é mais ou menos em si neutro e disputável, pode ser ganho para esta ou aquela concepção. A luta de classes pode, em tal visão de mundo, ser até útil para pressionar e gerar algum equilíbrio de forças opostas (veremos como isso é inviável).

A MMT ignora que a principal instituição estatal são as forças armadas e que, para garantir as regras do capital, a força objetiva das armas, além de toda burocracia interna, pode ser usada para garantir que tudo ocorra tal como espera a classe dominante. Um governo “progressivo” é incapaz de mudar qualitativamente a natureza do estado; isso prova os tantos golpes que governanças de esquerda sofreram, mesmo quando fizeram tão pouco. A lógica da realidade atual impõe-se nem que seja na bala...

O centro de uma produção teórica é descobrir porque as coisas são como são e não de outra forma, porque algo se faz necessário. Distanciamo-nos do “como deveria ser” para entender como de fato é e o motivo. A mera consideração da natureza do estado, independente do tipo de governo, já põe abaixo a defesa de políticas baseadas na MMT. A realidade tem mecanismos internos para impor suas leis.

O PLENO EMPREGO
Este é o ponto mais decisivo da compreensão e o mais importante deste texto. Vejamos como o equilíbrio entre as classes é inviável, tornando o uso prático da “moderna” teoria monetária um desejo utópico de um capitalismo mais humano.

Para a MMT o máximo do dinheiro criado do nada sem inflação é alcançar o pleno emprego dos fatores de produção (cuja medida central é empregar toda a força de trabalho nacional). Aqui o reformismo fica mais evidente ao deixar de compreender que o capital não suporta por muito tempo uma situação de emprego pleno. Vejamos os motivos.

1. O pleno emprego, como força de lei objetiva – já que o medo de desemprego praticamente desaparece –, leva necessariamente à onda de greves cada vez mais duras e confiantes, às paralizações longas, aos ganhos reais de salário; enfim, ao aumento do custo unitário do trabalho, ou seja, uma parte do que seria lucro empresarial torna-se salário e custo com direitos. Os trabalhadores tomam a ofensiva até mesmo na política. Isto é um problema ao capital e não pode ser suportado indefinidamente. Vimos isso ocorrer até 2015 no Brasil, antes do aumento vertiginoso da taxa de desemprego como política econômica burguesa.

Como é o fator mais importante, observemos os dados de 2013. A quantidade greves explodiu:

Fonte: Dieese.

O número de horas paradas também:

Fonte: Dieese

Como causa, o baixo desemprego correspondeu ao aumento das lutas:

Fonte: IBGE

2. O pleno emprego tem como base o aumento do número de empresas concorrendo pelas parcelas do valor global. O Que isso significa? Que, com maior oferta, os preços tendem a cair (e o patrão já está perdendo lucro com o ponto 1, a força dos trabalhadores confiantes com o baixo desemprego). Eis outro problema, por isso a quebra econômica é bom para algumas empresas e ao capital em conjunto.

3. No aquecimento da economia, as empresas crescem e podem pagar suas dívidas, o que reduz os juros. Mas o consumo aumentado e os investimentos a todo vapor, leva a uma demanda maior de dinheiro, o que por sua vez aumenta os juros – por mais um meio, o burguês "produtivo" é sugado, dessa vez pelos bancos.

4. Com o aquecimento da economia, as empresas de monopólio sugam parte do valor global, que reduz a apreensão de valor em outras empresas, com preços artificialmente altos.

5. Dinheiro criado do nada, acima da arrecadação, aumenta o consumo de importados, a compra de dólar para adquirir insumos e máquinas do estrangeiro. O dólar sobe e se transforma em fator de inflação contra os salários (e estimula as greves), além de aumentar os custos produtivos (matéria-prima importada, por ex.), arrancando também parte do lucro empresarial, pois na concorrência o custo nem sempre pode ser repassado ao consumidor.  Assim, um aumento agressivo de poder de compra das famílias e empresas pressiona o preço da moeda.

Enfim, o pleno emprego é crise ou, pelo menos para a lógica comum, o primeiro sinal da crise por meio de seu oposto (de novo a dialética, essa farsante). O Governo será pressionado a adotar a política econômica correspondente como foi o caso do governo Dilma II (um golpe de Estado apoiado pela maior parte da burguesia impôs a política econômica que o governo tinha dificuldade de assumir, pois havia perdido base social com as medida de Levy na economia). A crise é uma necessidade do capital.

Se queremos o pleno emprego, temos de aprender a política econômica marxista, o programa de transição. No lugar da utopia de fazer o estado forçar o pleno emprego por emissão de moeda e gasto público, façamos o seguinte, o que mobiliza as massas quando o desespero chega: escala móvel de trabalho; redução da jornada de trabalho, com o mesmo salário, na proporção que produza desemprego zero; dividir todo o trabalho disposto entre toda a força de trabalho disposta.  É mais fácil o capitalismo cair do que tal proposta ser aceita, e sua força é exatamente esta: empurra para o fim do sistema. É uma política superior à noção de Keynes, muito. Há uma taxa social, não natural, de desemprego exigido pela própria lógica do sistema capitalista, portanto quebrar uma de suas leis leva à revolução social.

DE ONDE VEM O DINHEIRO?
A afirmação da MMT é que o governo literalmente cria o dinheiro para seus gastos, de um lado, e apenas destrói dinheiro quando o arrecada, evitando excesso de moeda. A MMT, assim, separa artificialmente o dinheiro gasto pelo governo do dinheiro arrecadado, como se um simplesmente surgisse do nada e o outro, a arrecadação, do nada desaparecesse.

Na verdade, o dinheiro gasto lastreia-se na própria arrecadação. É o contrário. O dinheiro destruído, dados eletrônicos dos impostos, está idealmente na contabilidade oficial e é “revivido”, tem sua forma física (mesmo que em bits) restaurada na outra ponta, no gasto. Em termos dialéticos, a MMT confunde forma com matéria.

Aprofundemos. Pode haver diferença entre gasto e arrecadação estatais, o governo gastando mais do que arrecada ao criar dinheiro? Sim, mas permanece o lastro. É evidente que o Estado pode forçar a criação de dinheiro em enorme quantidade. Mas tal emissão tem caráter quantitativo, não qualitativo – há limites, há efeitos, há luta de classes (a esquecida pela MMT).

Quando a MMT fala de criação de dinheiro "extra" pelos estados como prova de sua teoria, há um erro completo. O marxismo não nega tal medida como mecanismo do Estado burguês. Nega, isto sim, que o Estado consiga agir como banco sui generis, como contra os interesses da maioria da classe dominante. Este dinheiro acrescido sempre será dinheiro “acrescido”, isto é, relativo às fontes de arrecadação.

Ainda a pergunta permanece: de onde vem o dinheiro? É comum entre os da MMT usarem um modelo como teoria e daí deduzir uma história monetária, ainda que sem base empírica e histórica. Assim, se o estado hoje cria nosso Deus real, deduz-se que o estado antigo também o criou. Nada mais falso, sem base empírica. Marx demonstra em O Capital que as trocas mercantis começam com as trocas entre diferentes povos, iniciando uma relação impessoal. E mais.  O mouro expõe de modo lógico o desenvolvimento histórico da forma do equivalente geral: a forma de valor simples ou ocasional, troca mercadoria por mercadoria; depois, a forma de valor desdobrada, as mercadorias trocam-se por tantas outras; depois, a forma universal, uma mercadoria especial cumpre a função de troca; o equivalem geral origina, enfim, a forma dinheiro. Assim, este ser cobiçado tem origem na própria economia, não no estado, que tem sua importância de regulação.

O QUE DEFINE A TAXA DE JUROS?
O Banco Central não determina a taxa de juros – como defende a MMT – no mais importante, em médio e longo prazos. Aqui entra o "jogo de palavras" da senhora desconhecida chamada dialética. Uma decisão singular do COPOM é de fato e em si subjetiva, decidida por uma equipe. Mas sempre – e isto é provado em médio prazo – responde a tendências objetivas, que imperam. Por isso muitos países, como o Japão, são obrigados a adotar taxa de juros em torno de zero; pois a taxa de lucro tende a cair, o que também se revela fenomenicamente na baixa inflação e na deflação dos preços. Então de nada servem governos "progressivos" que adotem sempre uma taxa esperada pelos keynesianos já que a realidade, a objetividade, é quem mais ordena.

Marx descobre que a taxa de juros responde à taxa de Lucro, que a produção é a fonte da lucratividade, isto é, os bancos recebem parte do mais valor produzido. Só desta forma torna-se compreensível porque tantos governos pelo mundo adotam taxa de juros reais negativos.

A MMT também aqui sugere que um governo bom agiria sobre a taxa de juros com total autonomia, vontade e força. É o erro idealista, que deixa de reconhecer as forças objetivas, materiais, inclusive políticas (boicotes, golpes, etc.).

Vejamos um caso pessoal. Nestes últimos anos, quando os juros subiram no Brasil, todos os keynesianso afirmavam que os juros deveriam ser reduzidos; eu argumentei que, no segundo momento, pelo próprio efeito da elevação, os juros iriam começar a cair porque o desemprego, as falências, a inadimplência duradoura, etc. iriam forçar a queda; recebi à época muitas respostas negativas. Os de Keynes devem ter pensado que era absurdo eu afirmar que neoliberais derrubariam os juros no país. Mas foi exato o aconteceu, com os juros tendendo a zero... Avalio que o motivo do meu acerto foi ter visto as forças objetivas da realidade e como algo se torna seu oposto.

A TAXA DE LUCRO
Uma injeção agressiva de dinheiro na economia pode gerar estagnação econômica com grande inflação, uma estagflação. Isso pode se dar porque a taxa de lucro caiu a patamares muito baixos na história recente, o que impede novos investimentos. Ao mesmo tempo, a taxa baixa de lucratividade corresponde à exigência de um investimento maciço (em capital constante) para criar uma grande empresa, o risco pode não valer a pena e poucos são capazes de financiamento.

Uma emissão agressiva de moeda em curto tempo pode gerar inflação, mesmo com capacidade ociosa. O risco de estagflação, ao injetar muita moeda durante uma crise de superprodução, existe como possibilidade – embora não necessariamente ocorra – aberta pela política econômica da MMT.

CONCLUSÃO
A MMT tem por conclusão a seguinte frase: o estado cria o dinheiro, logo pode cria-lo à para melhorar a realidade. Mas um país com moeda soberana não é apenas um país, pois tem também uma divisão de classes. Portanto, melhorar a realidade para quem? Isso falta ser respondido. Em geral, favorecer uma classe social implica desfavorecer outra, sua oposta.

A posição marxista é falir o estado por meio de uma revolução. Qualquer concepção ilusória de reformas duradouras por dentro do capitalismo deve ser combatida como uma falsificação teórica e programática. A MMT, como mais uma posição reformista, ganhará ainda mais força antes de definhar, entrará para o grupo das modas teóricas temporárias; seu perigo é cegar parte da militância sobre nossa época, que é de transição ao socialismo, e desviar forças para a conquista estatal, no lugar de sua destruição.







 

sábado, 9 de maio de 2020

O perigo das pautas democráticas (ou o erro dos partidos marxistas)


O PERIGO DAS PAUTAS DEMOCRÁTICAS (OU O ERRO DOS PARTIDOS MARXISTAS)

Descobrir quais exigências são necessárias em cada conjuntura é das tarefas mais importantes dos marxistas. É o que separa a teoria ligada à prática da consideração apenas academicista da realidade. Neste pequeno texto, debateremos as pautas democráticas com suas duas encarnações opostas diante da realidade, como força revolucionária e como armadilha.

A revolução russa desenvolveu-se, em permanência, de burguesa à socialista, onde as pautas centrais incluíam propostas em si capitalistas, a paz e a terra, isto é, pautas democráticas. Aí observamos o primeiro sentido de perigo das consignas por mais direitos: principalmente se combinadas às propostas em si transicionais, podem ter força revolucionária. É, portanto, um erro desprezar tal tipo de exigência como se fosse menor, apesar de em si e isolado não levar para além dos limites do capital.

O segundo significado, o inverso, acorre quando as correntes focam de modo demasiado nas pautas democráticas, esquecendo-se daquelas em si transicionais. Pode-se chamar, diante de contínuas crises, sempre o “fora governo” do memento; o governo cai e é substituído, chama-se outro “fora”; queda do novo governo e outro “fora”, etc. Percebemos que é uma armadilha que leva a lugar nenhum, que de qualquer forma enquadra as mobilizações populares nos limites do sistema e de seu Estado. Se o apartidarismo ganha força, vem daí o “Fora Todos”, que, na prática e na consciência da maioria, inclui os partidos comunistas entre os inimigos das massas. O partido que levanta tais propostas pode sentir-se revolucionário, mas, na prática, pode estar agindo de maneira centrista.

Na Europa, onde propostas de transição ao socialismo (controle operário, etc.) são ainda mais necessárias, os partidos trotskystas levantaram propostas democráticas diante da crise, como o não pagamento da dívida estatal, não ao Euro, etc. Foram elaborações recuadas, relativo às possibilidades do momento histórico, o que produz balanço político negativo de tais correntes europeias. Na Espanha, por exemplo, um país imperialista, o desemprego crônico deveria ter por solução comunista a “escala móvel de tempo de trabalho” ou a redução da jornada, com mesmo salário, na proporção que produza pleno emprego. Mas ninguém soube fazer tal exigência absolutamente urgente naquela nação.

O caso brasileiro exemplifica o lado negativo das pautas democráticas.  Desde 2014, a crise exige propostas transicionais, porém nenhuma corrente ou partido tem priorizado martelar tal tipo de formulação. E mais: deseducam sua militância, que sequer sabe o que é de fato o programa de transição e sua importância em épocas de duras crises como a que vivemos mundialmente desde 2008.

As pautas democráticas são muitas vezes negativas no sentido de negação de algo (Fora o governo, Não ao Euro). Apenas com propostas positivas, que avançam, em especial as transicionais, o socialismo pode tornar-se uma saída real no horizonte. Nós estamos nas décadas de duros desafios, que permitem colocar a revolução social como caminho efetivo. Ter partidos cientes disso e de fato dispostos fará diferença, talvez toda a diferença.