terça-feira, 6 de março de 2018

O que todo economista marxista deveria saber

O QUE TODO ECONOMISTA MARXISTA DEVERIA SABER

A esquerda brasileira, erguida em um país muito desigual e contraditório, tem sido um celeiro de quadros talentosíssimos ou, a ser talhado, de alto potencial latente.  Apesar disso, os limites práticos da concepção teórica se nos revelam quando o programa e a mediação política são excluídos do fator marxista.

Vejamos exemplos. Muitos são riquíssimos na análise e caracterização da realidade, mas, desde esse limite acadêmico, pouco avançam ao próximo passo, a elaboração de uma política; outros, adotam o socialismo para si enquanto encarnação de uma futura racionalidade, porém, sendo idealistas informais, por razão de pertencerem à classe média, passam da caracterização marxista para… a política keynesiana.

Como evitar esses limites e erros? Uma tradição foi perdida, infelizmente guardada por poucos: desde os bolcheviques, tenta-se, inspirados no primeiro programa científico presente no Manifesto, produzir o chamado programa transicional. Este, sob sistematização e resumo n’O Programa de Transição (Trotsky), oferece ferramentas da elaboração política propriamente comunista.

Esse programa parte de uma conclusão: há um desenvolvimento desigual entre crises capitalistas e o nível de consciência das massas, ou seja, sua percepção sobre a natureza do problema, as tarefas e a possibilidade de um novo mundo. Tal contradição precisa ser resolvida pela prática política, pois é a arena dos partidos revolucionários. Como ela pode ser resolvida? Entre outros aspectos, assim: as características totais da sociedade de transição ao socialismo são separadas, fragmentadas, e apresentadas em forma de palavra de ordem aos trabalhadores dotados de consciência reformista. Aqui, o objetivo está um tanto claro. Faz parecer reformistas e viáveis propostas inviáveis sob o sistema em crise. O caso mais simples e popular está em forçar a escala móvel de trabalho em caso de desemprego fortíssimo – já que a burguesia precisa da crise para elevar a taxa de desemprego geral –, fundando o desemprego zero, quer seja, dividir todo o trabalho disponível entre todos os trabalhadores disponíveis. Existir um exército industrial de reserva é uma necessidade inerente ao capital. Isto, a proposta comunista, embora pareça óbvio e “racional”, entra em contradição com as leis desta sociedade. Logo, a luta “reformista” tende a saltar as contradições e conflitos entre as classes, transformando a revolução social em real possibilidade.

O acúmulo histórico do programa comunista supera a divisão entre programa mínimo, reformas, e programa máximo, nova sociedade. Integra-os dialeticamente. É, pois, muito mais que uma lista de palavras de ordem: há um método de uso e elaboração. Deve-se selecionar ou elaborar propostas pedidas pela própria realidade, a partir das demandas sociais imediatas, de modo a, ao haver luta da maioria da classe pela consigna, produzir um “efeito em cadeia”, tendendo ao poder operário e popular. Assim, a consciência atrasada das massas relativo ao momento social decadente pode deixar de ser um problema, pode ocorrer elevação desta mesma consciência. Exemplo: organizar comitês operários para avaliar as contas das empresas, contra o segredo comercial, e depois elaborar uma proposta de gestão alternativa que, se o patrão não se subordina, pressionar e, defendem os comunistas, se necessário colocar em prática por iniciativa própria. Surge um poder dual na produção.

Por outro lado, negando a lógica formal, classificatória, palavras de ordem reformistas ou democráticas podem ser transicionais se a decadência é tal que estas exigências só podem levar à revolução. No entanto, em geral, precisam, para maior potência, estar combinadas com propostas em si transicionais.

Por último, um cuidado. Cada situação exige suas próprias elaborações: situações de crescimento econômico pedem propostas reformistas e democráticas; situações pré-revolucionárias e revolucionárias necessitam de propostas transicionais e, em apoio, democráticas (em caso de revolução em país sob ditadura, por exemplo) e reformistas (na “rotina”). Situações sob ditaduras estáveis ou contrarrevolucionárias, por outro lado, forçam preferência por palavras de ordem democráticas e mínimas. O economista Mandel cometeu inúmeros erros por razão do seguinte raciocínio formal e mecanicista: as palavras de ordem reformistas pertencem aos reformistas, os revolucionários devem levantar sempre as propostas de transição. Porém de nada serve dizer aos ventos “controle operário da produção”, “grupos de autodefesa das greves”, “escala móvel de salários e trabalho” se as condições objetivas não dão espaço para os trabalhadores ouvirem tais frases enquanto talvez alternativa às suas dores reais. A postura mandelista seria autoelogio, não elaboração precisa.

Exemplo prático. O crescimento econômico gera alguma inflação e baixo desemprego, logo exigimos aumento salarial em lutas menos ou mais unificadas. Se surge uma crise manifestada em hiperinflação, a exigência reformista de aumento salarial de pouco nos serve e devemos avançar para “gatilho salarial”, ou seja, os salários gerais – não somente de um setor – aumentarem automaticamente e em proporção com o aumento inflacionário mensal. Isto tende-nos a exigir, em combinação, uma greve geral ou outro meio geral de luta para fazer valer a proposta; dito de outro modo: tende a mover a classe para novas conclusões, na luta prática, e avançar seu nível organizativo, em partido e em poder paralelo.

Hoje, em tentativa de antecipar, percebemos a tendência a futuras rebeliões sociais por razão da crise atual. Mas de nada servirão se não encontrarem as propostas certas e os partidos relativamente prontos. Significa a alta possibilidade de nossa derrota após certo movimento espontaneísta das massas em luta. Mas, enquanto depender de fatores subjetivos, a muito possível vitória burguesa não está dada por nenhuma força natural. Contar com o programa de transição fará toda diferença. Por isso, aos trabalhos de base e aos livros.

Aos economistas de vertente marxista, futuros ajudantes nos planejamentos gerais democráticos sob o possível socialismo, fica o desafio de entenderem o estudo enquanto absorção de ferramentas, não de informações. Enquanto verdadeira “ponte para o futuro”, não somente avaliações geniais.

Foto: https://www.brasil247.com/pt/247/poder/345315/Barroso-quebra-sigilo-banc%C3%A1rio-de-Temer.htm